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À primeira vista, esse campo do conhecimento traduz uma excepcional diversidade conceitual.

Mas o conceito
moderno gira em torno do conhecimento e da informação.

Aqui cabe levantar as diferenças conceituais sobre o Empreendedorismo, Informação e Conhecimento.


https://www.youtube.com/watch?v=rGrubIVxzOE&feature=player_embedded - Conferência - "A Constituição do
Comum"
Lazzarato é entrevistado pela Carta Maior

Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o filósofo e sociólogo italiano radicado na França fala sobre o trabalho imaterial,
capitalismo cognitivo, futuro das esquerdas, pós-socialismo e sobre seu trabalho com artistas desempregados na
França.

Capitalismo cognitivo e trabalho imaterial

Eduardo Carvalho, Carta Maior

Maurizio Lazzarato é sociólogo independente e filósofo italiano que vive e trabalha em Paris onde realiza pesquisas
sobre a temática do trabalho imaterial, a ontologia do trabalho, o capitalismo cognitivo e os movimentos pós-
socialistas. Escreve também sobre cinema, vídeo e as novas tecnologias de produção de imagem.

Junto com o Grupo Knowbotic Research, elaborou o projeto IO_dencies/travail immatériel para a Bienal de Veneza.
Além disso, participa de ações e reflexões sobre os “intermitentes do espetáculo” no âmbito da CIP-idf (Coordination
des intermittents et précaires d’Île-de-France ), onde coordena uma importante “pesquisa-ação” sobre o estatuto dos
trabalhadores e profissionais do espetáculo e do mundo das artes, além de outros trabalhadores precários. É um dos
fundadores da revista Multitudes.

Maurizio Lazzarato está no Rio de Janeiro, onde lançará seu novo livro, As Revoluções do Capitalismo (leia mais aqui),
e participará do Seminário Capitalismo Cognitivo nos dias 5, 6 e 7 de dezembro, no Centro Cultural Banco do Brasil,
sob a curadoria do cientista político Giuseppe Cocco, e que reunirá 10 conferencistas de várias áreas, do Brasil e da
Europa, que atuam pesquisando os desdobramentos do capitalismo contemporâneo. Ao longo dos três dias, o
encontro discutirá os temas A natureza do conflito no Capitalismo Cognitivo, Trabalho e empresa na era do Capitalismo
Cognitivo e Trabalho, Saber e Cultura, respectivamente. Carta Maior conversou com o filósofo que esclareceu o que é
o Capitalismo Cognitivo e falou sobre trabalho imaterial, futuro das esquerdas, pós-socialismo e sobre seu trabalho
com artistas desempregados na França:

Carta Maior – Há uma nova ligação entre capital, conhecimento e tecnologia? O que é o “Capitalismo Cognitivo”?
Maurizio Lazzarato – Capitalismo sempre foi a relação entre a tecnologia, o saber e o próprio capital. O que muda é o
tipo de tecnologia e de saber envolvidos na relação. São tecnologias novas que concernem à mente, tecnologias
biológicas. E o saber mudou porque diz respeito a essas relações. O Capitalismo Cognitivo trabalha contemplando
todas essas relações e saberes. Também sobre as relações cognitivas, de opinião, sobre o trabalho da mente, sobre
formas de comunicação. Em linhas gerais, é isso.

CM – Como a hipótese do “capitalismo cognitivo” contempla a mudança radical das formas de produção, acumulação
e organização social que as novas tecnologias promovem?
ML – No dito capitalismo clássico, o que estava no cerne era a fabricação do objeto. Hoje, antes de fabricar o objeto é
preciso fabricar o desejo e a crença. Por exemplo, vamos pensar na fabricação de um par de tênis. O calçado é
produzido na China, onde o trabalho dos operários custa 2% do total. Somando o custo de tecnologia e transporte,
envolvemos 50% de investimento. O restante do investimento é feito em marketing, publicidade, design, que é feito
no Ocidente. O capitalismo cognitivo convive com o capitalismo clássico, a fábrica, o serviço. E há conflito entre os
dois. Inclusive entre as subjetividades diferentes que vivem com capitalismos diferentes. O problema político sobre o
qual é possível refletir. Não é a tecnologia que impõe. Como disse Felix Guattari, é a máquina social que produz a
máquina tecnológica.

CM – O estudioso americano Jeremy Rifkin sustenta, em seu livro A era do acesso, que o capital cognitivo imaterial
desempenha um papel central na criação de valor e representa o componente mais importante do capital empresarial.
Segundo André Gorz, a atividade laborativa fundada no saber já não pode ser medida por horas de trabalho e
observamos também que as demais relações trabalhistas tradicionais se aplicam cada vez menos. É possível supor uma
nova sociedade baseada em novas relações entre capital e trabalho? Como ela seria? A economia cognitiva antecipa
a necessidade de uma outra economia, de outra sociedade?
ML – Partindo de Gorz, ainda temos o conceito de trabalho fundado sobre a dinâmica do trabalho industrial, sobre o
qual o indivíduo traz para a produção. Isso era necessário no início do capitalismo para fazer com que fosse possível
reconhecer o que os operários traziam para a produção. Hoje, esse discurso corre o risco de se voltar contra os próprios
trabalhadores. O debate que há sobre a Previdência na Europa hoje é um exemplo disso. A idéia é a de que as
aposentadorias são recolhidas a partir das contribuições individuais dos próprios trabalhadores. Na medida em que o
número de trabalhos diminui, o que se diz é que tem queda na Previdência. Então, é preciso aumentar o tempo de
trabalho. E ninguém nunca afirma que, ao passo que diminui o número de trabalhadores empregados, aumenta a
produtividade do trabalho. Se, por exemplo, temos a diminuição dos trabalhadores empregados, mas a produtividade
é multiplicada por 2, a situação fica a mesma. De onde vem essa nova produtividade? Da tecnologia, do conhecimento,
da inteligência, ou seja, do Capitalismo Cognitivo. Isso que não é possível mensurar em horas de trabalho. Para falar
disso é preciso levar em conta as relações de poder. Na Economia Cognitiva isso já está vigorando há muito tempo. Só
que as relações de poder fazem com que seja só o capital a se aproveitar disso tudo. Ou seja, está tudo organizado em
cima do trabalho do indivíduo mas é o setor financeiro que captura tudo.

CM – O que significa o conceito de gestão de conhecimento no contexto do “capitalismo cognitivo”? Até que ponto a
gestão do conhecimento seria uma camuflagem para formas mais sofisticadas de controle?
> ML – O novo tipo de gerência é representado pela gestão do capital humano. Cada trabalhador tem que ser o
empreendedor dele mesmo. Uma ideologia que diz que cada trabalhador tem que ser responsável por ele mesmo. Se
está desempregado o problema é dele. Ele tem que transformar os investimentos sociais em gastos para o capital
humano. Todas as relações sociais são vistas como sendo funcionais ao aumento do capital humano do indivíduo. A
escola, o serviço, a aposentadoria, a saúde, não são mais serviços sociais mas investimentos dos indivíduos e, nessa
lógica, têm de ser privatizados. A forma de controle passa pelo fato de o indivíduo tornar-se explorador dele mesmo.

CM – Qual o papel das esquerdas hoje? Para onde caminha a esquerda mundial? É preciso romper com o conceito de
centralidade do trabalho que permeia todo o pensamento marxista? Onde nos levará o pós-socialismo?
> ML – Posso falar só da esquerda da Europa, que continua tendo uma concepção fundada sobre o trabalho individual.
Por exemplo, sobre questão do financiamento da Previdência é evidente que deveria ser pensada através de outras
formas de financiamento , de capturar a riqueza social (o que o capitalismo financeiro sabe fazer muito bem!). A
esquerda permanece com o conceito de produção individual, continua a defendê-lo. É a mesma coisa ao que diz
respeito ao emprego. É claro que, se a produtividade ultrapassa o trabalho individual, há mais de produção excedente,
que deveria, aliás, ser distribuída. Deveríamos pensar a distribuição dessa riqueza não apenas através do acesso ao
emprego. O que é esquisito é que o que acontece na Europa é exatamente os setores do Capitalismo Cognitivo terem
excedente de mão-de-obra com necessidade de valorização. Então, há pesquisadores demais, artistas demais, gente
demais precarizada. E a única coisa que a esquerda propõe é um trabalho para todos estes “demais”, quando seria
necessário propor uma Renda Universal. É por isso que lutamos! A lógica da precarização e pauperização não tem
como causa apenas as políticas liberais mas essa postura da esquerda.

CM – O que o senhor tem a dizer sobre o projeto de lei, no qual trabalha atualmente na França, que contempla uma
certa estabilidade social aos “Intermitentes do espetáculo”?
ML – Foi assim que surgiu o movimento dos Intermitentes do Espetáculo contra justamente o projeto de lei do
ministério da Cultura da França prevendo a redução do salário-desemprego da classe cultural. Em 2002, na explosão
do conflito, o ministro Aillagon, da Cultura, alegou que, como havia companhias teatrais demais, técnicos demais,
cenógrafos demais, atores demais, enfim, intermitentes demais, em relação à lógica da indústria cultural, era preciso
cortar o seguro desemprego. Entre as alegações, está a de que os artistas não se comportam como os empreendedores
deles mesmos e usam de maneira autônoma as políticas sociais. Nestes 3 anos, estamos brigando para que não seja
feita a lógica governamental que é a de eliminar 30%, cerca de 36 mil indivíduos que recebem o seguro-desemprego.
Neste meio-tempo, o sindicato e a esquerda e o novo ministro, Donnedieu De Vabre, decidiram implementar a Política
do Emprego Cultural. O Estado subsidia sim o indivíduo desde que ele esteja permanentemente em cartaz, em
temporada, trabalhando o tempo inteiro. Veja bem: trata-se da mesma postura do ministro da Cultura Aillagon com
outra aparência! Isso é o que eles chamam de “lógica do emprego”. Seja do lado do patrão ou dos que devem defender
os trabalhadores, tudo aponta para a precariedade da valorização do profissional. Um mercado de trabalho em
expansão, que poderia ser o do Capitalismo Cognitivo, é quebrado. Portanto, nossa luta já dura 4 anos e a reforma do
Estatuto da Cultura nunca foi aplicada pois a luta impôs ao Estado um fundo para proteger esses 36 mil que tendem a
ser excluídos. Amanhã [6 de dezembro] haverá nova mobilização nacional contra isso. Recentemente, foi publicado
no Le Monde artigo do economista Daniel Cohen apontando que esse tratamento que é dado ao Estatuto da Cultura,
de proteção dos trabalhadores, também deveria ser estendido a toda a população de empregados, que assim seriam
protegidos por um salário fixo. Só assim é possível pensar uma saída para a flexibilidade do trabalho e não ir contra
ela.

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