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Dissertação de Mestrado
Recife
2013
1
Recife
2013
2
Coordenador do Curso:
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
Introdução ..................................................................................................................... 10
1. Delimitando o nosso objeto de estudo.................................................................. 15
1.1. O Novo Constitucionalismo Latino-Americano na perspectiva de Roberto
Viciano e Rubens Dalmau .......................................................................................... 16
1.2. O Constitucionalismo Pluralista e os ciclos constitucionais de Raquel Fajardo .
......................................................................................................................... 23
1.3. Um breve diálogo com Roberto Viciano, Rubens Dalmau e Raquel Fajardo . 29
1.4. O Novo Constitucionalismo Pluralista Latino Americano: entre a participação
cidadã e as cosmovisões indígenas – a concepção adotada neste trabalho ................. 31
1.5. Outras concepções teóricas sobre o tema......................................................... 36
1.6. Neoconstitucionalismo e Novo Constitucionalismo: diferenças e aproximações
......................................................................................................................... 43
1.7. O contexto político de surgimento do Novo Constitucionalismo Pluralista
Latino-Americano: uma reação ao projeto neoliberal ................................................ 50
2. A Constituição Colombiana de 1991 e a Constituição Venezuelana de 1999 .. 57
2.1. A Constituição Colombiana de 1991 e a Corte Constitucional Colombiana ... 57
2.1.1. Direitos indígenas: previsão normativa e aplicação Constitucional ......... 64
2.2. O caso Venezuelano ......................................................................................... 71
2.2.1. Processo Constituinte e a Constituição da República Bolivariana da
Venezuela de 1999 ......................................................................................................
.................................................................................................................. 72
2.2.2. Tensões entre a participação popular e o hiper-presidencialismo ............ 76
2.2.3. A Constituição Bolivariana e a questão Indígena ..................................... 87
3. Constituições da Bolívia e do Equador: O Novo Constitucionalismo Pluralista
Latino-Americano ......................................................................................................... 93
3.1. Sumak Kawsay/ Suma Qamaña/Bem-Viver ........................................................... 98
3.1.1. TIPNIS: tensões entre o desenvolvimentismo e o Sumak Kawsay ........ 110
3.2. Pachamama .................................................................................................... 116
3.3. Refundação do estado e desenho institucional............................................... 124
Considerações finais ................................................................................................... 137
Referências .................................................................................................................. 140
10
Introdução
1
De acordo com R. Viciano e R. Dalmau “En general, las constituciones del viejo constitucionalismo
solo cumplieron los objetivos que habían determinado las elites: la organizacíon del poder del Estado y el
mantenimiento, em algunos casos, de los elementos básicos de um sistema democrático formal” (Viciano
11
e Dalmau, 2010, p. 22-23). Nas palavras de Neves: “O que caracteriza a democratização dos países sul-
americanos é a inexistência de uma esfera pública universalista, que pressupõe ampla inclusão social da
população nos sistemas funcionais” (Neves, 2008, p. 213)
2
É por isso que nos serve o alerta de Wolkmer: “A importação de estruturas coloniais assimiladas pelas
elites locais (matrizes eurocêntricas e norte-americana) tem favorecido e alimentado formas de
dominação econômica e de exclusão social, inviabilizando o desenvolvimento de uma cultura jurídica
autenticamente latino-americana” (Wolkmer, 2008, p.20).
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3
Nesse contexto, é importante salientar o papel da academia que pode, ao contrário de seu pretexto oficial
de difundir conhecimento, atuar muito mais como sufocadora de outros conhecimentos possíveis, sob o
argumento da necessária “cientificidade” e “racionalidade”. O que guia a presente dissertação é o respeito
a outros conhecimentos produzidos fora das linhas acadêmicas, por isso respeitamos e buscamos o
conhecimento dos povos indígenas que não se enquadram em um modelo estreito de produção acadêmica.
Estudar esses novos modelos, também representa, nas palavras de Raquel Sieder: “[...] una critica al saber
jurídico dominante monocultural, racista y exclusivo y um compromiso – aunque sea todavia al nivel
discursivo - de valorrar las epistemologias o lós „saberes‟ distintos que historicamente han sido negados,
discriminados y desvalorizados” (Sieder, 2011, p. 316). É necessário, portanto, um papel crítico em
relação à própria academia e a produção do conhecimento.
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4
Wolkmer não faz referência a um autor especifico, apenas afirma que são expressões que vêm sendo
utilizadas.
5
O autor explica que tomou o termo „Transformador‟ emprestado de Boaventura de Sousa Santos
(Santamaria, 2011, p. 15).
16
6
O autor, neste caso, utiliza a língua galega.
18
Não prevaleceu a ideia, que teve amplo apoio na sociedade civil, de eleição
de uma constituinte exclusiva, que se dissolveria quando da conclusão dos
trabalhos. Ao revés, optou-se pela formula insatisfatória de delegação dos
poderes constituintes ao Congresso Nacional, a funcionar, temporariamente,
como constituinte, inclusive com a participação de senadores eleitos
anteriormente à sua instalação, por se encontrarem no curso de seus mandatos
de oito anos (Barroso, 2009, p. 41).
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No mesmo sentido, os autores entendem que o texto constitucional Peruano foi manipulado pelo regime
golpista fujimorista e, no caso da reforma argentina de 1994, não houve a ativação direta do poder
constituinte. No caso da Constituição equatoriana de 1998, não há a ratificação do texto final, parecida
com o caso Colombiano. Esses exemplos demonstram, portanto, que não há um caráter linear ou temporal
no Novo Constitucionalismo latino-americano (Viciano e Dalmau, 2011, p. 319-320).
19
constituinte – que foi realizado pela Emenda Constitucional nº 26; iii) ausência de
ratificação popular do projeto final da Constituição.
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É uma experiência interessante, principalmente para o caso brasileiro, em que as inúmeras reformas
constitucionais ocorreram sem a menor preocupação com as consultas populares. No Equador, por
exemplo, o então recém-eleito Presidente Rafael Correa assumiu a presidência e convocou uma consulta
popular para saber se a população desejava uma nova Constituição. O “sim” foi vitorioso sendo,
posteriormente, eleito os representantes da assembleia nacional constituinte, com forte presença e
articulação dos movimentos sociais (Barbosa et al, 2009, p. 180-181). Na Bolívia, em julho de 2006,
foram eleitos 255 representantes da assembleia constituinte, com forte presença indígena em sua
composição e presença de 84,51% da população, a maior participação política da história da Bolívia 10
(Barbosa et al, 2009, p. 187/188). Como já ressaltado, o caso Venezuelano, que tem fortes características
participantes, será analisado em tópico especifico.
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Roberto Gargarella, referindo-se a extensão dos novos direitos nas Constituições, afirma que embora
novos Direitos não se convertam „magicamente‟ em realidade, a ausência de positivação de tais Direitos,
tende a trabalhar contra a sua concretização (Gargarella, 2010, p. 13). Ressalta-se, no entanto, que não são
novos Direitos, o que é novo é a potivivação Direitos.
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Sabemos que atualmente não é indicado, pelas melhores regras acadêmicas, a indicação da
nacionalidade ou qualquer outra qualificação acompanhando o nome do autor. Todavia, entendemos que
os autores „do Sul‟- inclusive, os latino-americanos - foram tão invisibilizados no cenário acadêmico,
notadamente no campo Constitucional, que é necessário demarcar a sua origem e seu local de fala. Dessa
forma, buscamos tirar a capa de invisibilidade da intelectualidade de alguns países, mostrando que ao Sul
há produção acadêmica, reflexão e pensamento sobre os problemas envolvendo o Direito.
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13
O senso-comum teórico ainda firma o início do Constitucionalismo social com a Constituição de
Weimar de 1919, quando, na verdade, foi iniciado com a Constituição Mexicana de 1917. Mostra-se,
além do desconhecimento da realidade constitucional latino americana, uma alta carga de colonialismo
constitucional.
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Colonialialismo, na concepção de Boaventura de Sousa Santos “es todo sistema de naturalización de las
relaciones de dominación y de subordinación basadas em diferencias étnicas o raciales. El estado
moderno es monocultural y es colonial em ese sentido, porque sus instituicones siempre han vivido a
partir de uma norma, que es uma norma eurocêntrica que no celebra sino, al contrario, oculta la
diversidad” (Sousa Santos, 2012b, p. 21)
15
Segundo a autora, a Constituição brasileira de 1988 encontra-se no limiar do primeiro para o segundo
ciclo (2011, p. 141), embora não desenvolva os avanços e limites da Constituição brasileira na proteção
dos Direitos indígenas. Para Ricardo Verdum, a Constituição brasileira: “como outras Constituições
latino-americanas, foram incorporadas a diversidade étnica e os direitos específicos no novo texto
constitucional, sem tocar nas estruturas políticas de dominação” (Verdum, 2009, p. 97)
26
16
Multiculturalismo diferencia-se de interculturalismo, nas palavras de Boaventura de Sousa Santos: “Ao
contrário do multiculturalismo – que pressupõe a existência de uma cultura dominante que aceita, tolera
ou reconhece a existência de outras culturas ao espaço cultural onde domina – a interculturalidade
pressupõe o reconhecimento recíproco e a disponibilidade para enriquecimento mútuo entre várias
culturas que partilham um dado espaço cultural” (Sousa Santos e Menezes, 2010, p. 9) No mesmo
sentido, referindo-se à diferenciação entre a interculturalidade e o multiculturalismo, Bruno Galindo
afirma: “Considerando a conexão sintática e a dimensão semântica dos termos envolvidos e tendo em
vista o aspecto léxico, poderíamos afirmar que o multiculturalismo seria um sistema de compreensão da
existência de uma multiplicidade de culturas, ao passo que o interculturalismo denotaria a idéia de um
sistema entrelaçador de culturas, estabelecendo necessários influxos entre elas”. (Galindo, 2006, p. 94)
17
A Constituição colombiana de 1991 cumpre um papel primordial e, porque não, vanguardista nesse
segundo ciclo proposto por Fajardo. Devido a sua importância e as suas peculiaridades, principalmente
em relação à atuação “ativista” da sua Corte Constitucional, desenvolveremos em tópico especifico mais
adiante.
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Dessa forma, esse segundo ciclo traz avanços importantes para a questão
indígena na América Latina, mas tem limites epistemológicos e institucionais latentes
na afirmação e garantia dos povos indígenas, tendo em vista que a constitucionalização
desses Direitos não foi acompanhada de mecanismos institucionais que efetivaram tais
avanços.
18
A autora ressalta, entretanto, alguns retrocessos na dinâmica política devido às resistências
conservadoras, que impossibilitaram o pleno desenvolvimento da jurisdição autônoma indígena na
Bolívia, tal qual era o projeto original, como, por exemplo, o limite territorial, pessoal e material imposto
à jurisdição autônoma indígena (Fajardo, 2011, p. 150-154).
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É interessante notar que Antonio Carlos Wolkmer também se refere a ciclos do Constitucionalismo
latino-americano. De acordo com o autor o “Constitucionalismo Pluralista intercultural” tem 3 ciclos. No
primeiro ciclo insere a Constituição Brasileira e Colombiana como propulsoras desse processo; no
segundo inclui a Constituição da Venezuela de 1999, de característica participativa e pluralista; já no
terceiro ciclo coloca a Constituição do Equador e da Bolívia, com suas características interculturais e do
pluralismo igualitário jurisdicional (Wolkmer, 2010, p. 153). Há diferenças pontuais entre esta
classificação e os ciclos propostos por Raquel Fajardo, já que nesta se insere a Colombiana no primeiro
ciclo (Fajardo insere no segundo). O terceiro ciclo, entretanto, é idêntico: a constituição da Bolívia e do
Equador são pioneiras no processo de afirmação dos indígenas como atores constitucionais, ponto central
do nossa dissertação, pelo que se constroem sociedades interculturais e com pluralismo jurídico
igualitário. Todavia, o autor não desenvolve a diferenciação desses ciclos, bem como não se aprofunda
nas diversas características dessas Constituições.
29
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Para uma análise dos conflitos entre diferentes as concepções de Raquel Fajardo, Roberto Viciano e
Rubens Dalmau: Baldi (2011).
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Desenvolveremos a tensão entre versões mais dogmáticas do marxismo e o indianismo no tópico:
TIPNIS: tensões entre o desenvolvimentismo e o Sumak Kawsay.
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O Professor Roberto Viciano, ministrou mini-curso na Faculdade de Direito do Recife (FDR/UFPE)
durante três dias, no qual pôde expor as linhas mestras do Novo Constitucionalismo, com ênfase no
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processo constitucional da Venezuela, Equador e Bolívia. Quando questionado sobre a possibilidade das
jurisdições autônomas nestes países, afirmou que optava por uma aplicação mais homogênea do Direito.
Ora, a autodeterminação dos povos indígenas, incluindo a jurisdição especial, é uma das maiores
conquistas para esses povos. A jurisdição indígena autônoma foi prevista e fortalecida nas Constituições
do Equador (art. 171) e da Bolívia (art. 199), e garante o respeito à cultura e as tradições desses povos,
sendo um dos instrumentos mais importantes e originais no constitucionalismo desses países.
23
É necessário ressaltar que a divisão em ciclos proposta pela autora não autoriza uma interpretação
linear da história, que já demonstrou que a possibilidade de avanços e retrocessos não são demarcadas
temporalmente. Os ciclos, na nossa interpretação, buscam sistematizar de forma didática os diferentes
avanços e propostas das recentes reformas constitucionais na América Latina, de forma que não pode ser
compreendida como uma sequência lógico-histórica.
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24
A população indígena na América latina corresponde a 11% de sua população, em mais de 400
comunidades, e encontram-se entre os setores mais pobres e excluídos da América latina (Sieder, 2011, p.
304).
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Por isso, a última parte do nosso trabalho tem como foco os direitos
indígenas e suas conquistas, mas sem deixar de perceber a importância do controle do
Estado e da economia através da participação cidadã para além da questão indígena. Ou
seja, a intensificação das formas tradicionais do Constitucionalismo, como o referendo
revogatório e as novas formas de intervenção popular também serão trabalhadas.
Obviamente, essas questões, muitas vezes, estão entrelaçadas25.
neocolonial. O que nos conduz é um continente marcado, antes de tudo, pela exploração
histórica e pela desigualdade que originaram outros dramas sociais que ainda assolam a
nossa sociedade a qual, como afirmou Eduardo Galeano “especializou-se em perder
desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo
mar e fincaram seus dentes em sua garganta” (Galeano, 2010, p. 17)
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O autor reconhece, entretanto: “Estas transformaciones, en definitiva, contribuirían a la gestación de un
nuevo constitucionalismo social latinoamericano que, si bien está lejos de ser inmune a regresiones
autoritarias o elitistas, ha despertado fuertes expectativas democratizadoras y garantistas” (Pisarello,
2009, p. 8). Cita o exemplo da Constituição Portuguesa de 1976 que tinha forte conteúdo social e
democrático e, após 6 reformas constitucionais “la narrativa emancipadora del texto constitucional se fue
diluyendo en un lenguaje que apostaba por la integración en el nuevo tipo de capitalismo que se estaba
generando a escala europea” (Pisarello, 2011, p. 171).
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As recentes alterações Constitucionais na América latina ocorreram nos seguintes países: Nicarágua
(1987), Brasil (1988), Colômbia (1991), Paraguai (1992); Peru (1993); Argentina (1994); Venezuela
(1999), Equador (2008) e Bolívia (2009), além de emendas Constitucionais notáveis no México,
Venezuela e Costa Rica (Gargarella, 2011b, p. 88).
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Até porque, segundo o autor, essas recentes reformas foram impulsionadas pelos próprios presidentes e
não seria interessante, para seus projetos, cortar seus próprios poderes (Gargarella, 2011, p. 292). Em
sentido contrário, Rodrigo Uprimmy afirma que as recentes reformas Constitucionais buscaram limitar as
possibilidades legislativas do Presidente fortalecendo o controle do congresso, ainda que não questionasse
o sólido presidencialismo e o mecanismo de reeleição (Uprimmy, 2011, p. 120).
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Surgiram novas Constituições no Brasil (1988), Colombia (1991), Paraguai (1992), Equador (1998 e
2008), Perú (1993), Venezuela (1999) e Bolívia (2009), além de reformas na Constituição da Argentina
de (2009), México de (1992) e Costa Rica (1999) (Uprimmy, 2011, p. 109).
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34
O autor cita, ainda, tensões surgidas com o Novo Constitucionalismo, notadamente a relação entre
democracia participativa e jurisdição Constitucional e, também, entre a democracia participativa e o
hiper-presidencialismo. Sobre a primeira, tratamos na próxima parte de nosso trabalho; a segunda
desenvolvemos na parte sobre a Constituição Venezuelana.
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O autor considera que essas recentes reformas se enquadram na definição de Neoconstitucionalismo,
caracterizado por sua força normativa e por uma alta carga valorativa (Uprimmy, 2011, p. 123-126).
Sobre a caracterização do Neoconstitucionalismo e as possíveis divergências com essa concepção,
abordaremos em seguida.
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Informações sobre a Rede podem ser encontradas no seguinte site:
http://constitucionalismodemocratico.direito.ufg.br/. É de se destacar também que, recentemente, o
CONPEDI – Congresso de pesquisa em Direito - um dos maiores no âmbito jurídico, foi intitulado – O
Novo Constitucionalismo Latino-Americano: desafios da sustentabilidade (Neste caso, entretanto, houve
uma redução da compreensão do significado do Novo Constitucionalismo latino-americano, resumindo o
movimento às causas de sustentabilidade).
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Para acessar os palestrantes e os temas do congresso ocorrido em Recife:
http://www.unicap.br/pages/congresso/ e em Ouro Preto: http://www.congressoouropreto.com/local.htm
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É de ser destacar, no campo da pesquisa sobre o tema, o grupo de pesquisa na Universidade Federal do
Ceará, coordenado pela Professora Germana Moraes, sob a denominação “O Novo Constitucionalismo
Democrático na América Latina”. Já na Universidade Federal de Pernambuco, na Faculdade de Direito do
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No entanto, ao confrontar a visão do autor com a nossa concepção do Novo Constitucionalismo
Pluralista, discordamos da análise. O movimento que deu origem a este movimento é marcado por fortes
tensões, conflitos e divergências, e não por supostos consensos. Nesse sentido, seguimos com Marcelo
Neves quando afirma “cabe dizer que a esfera pública é a arena do dissenso. Assim, afasta-se aqui a
concepção habermasiana de uma esfera pública que, na sua força legitimatória, orienta-se para o
consenso” (Neves, 2010, p. 208). O consenso, por mais democrático e não hegemônico que o autor
proponha, parece estimular convergências que verdadeiramente não existem naquelas sociedades. O
Direito e o Constitucionalismo, na nossa concepção, são frutos de constantes disputas por espaços e
práticas emancipatórias. Nesse sentido, o consenso proposto pelo autor parece muito mais ter o poder de
conter e limitar o pluralismo do que, propriamente, estimular a plurinacionalidade e a democracia. As
diferenças, invariavelmente, não serão determinadas pelo consenso, pois são processos de lutas intensas
que encontrará resistências. Por isso, em nossa opinião, o consenso busca antes sufocar as múltiplas
formas de pensar do que exercer a democracia participativa e comunitária.
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Como já sublinhado no inicio do trabalho, não nos propomos a negar a produção acadêmica europeia, o
que buscamos é analisá-la criticamente de acordo com a nossa realidade.
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Portanto, o Constitucionalismo, principalmente pós-segunda guerra, fortaleceu-se na defesa da
indisponibilidade dos Direitos Fundamentais perante maiorias legislativas eventuais. Nas palavras de
Lenio Streck “a Constituição nasce como um paradoxo porque, do mesmo modo que surge como
exigência para conter o poder absoluto do rei, transforma-se em um indispensável mecanismo de
contenção do poder das maiorias” (Streck, 2009b, p. 17).
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Claro, não se trata de uma equação simples, mas o papel dos Direitos Fundamentais é justamente
ressaltar que os direitos das minorias ou “as maiorias ausentes da história” devem ser protegidos. Por isso,
em uma democracia constitucional (e não meramente majoritária), Direitos Fundamentais não podem ser
limitados ou sufocados por maiorias parlamentares posto que constituem “uma exigência democrática
antes que uma limitação à democracia” (Binembojm, 2009, p. 92). Obviamente, os perigos existem em
todas as concepções envolvendo Democracia majoritária e Democracia constitucional, o que podemos
trabalhar é na tentativa de reduzi-los ou minimiza-los, mas os riscos em relação a concepções predatórias
aos Direitos fundamentais na interpretação Constitucional sempre existirão. De toda forma, Por mais
interessante que seja o tema, não é nosso objetivo trabalhar com essas tensões no estreito limite dessa
dissertação, pois o que nos interessa é o contraste entre o Novo Constitucionalismo e o
Neoconstituicionalismo.
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Rodrigo Uprimmy pontua diversas tensões do Novo Constitucionalismo, caracterizados pela
democracia participativa, e uma forte jurisdição Constitucional influenciada pela postura
neoconstitucional - com amplas previsões de Direito e um sistema judicial forte. Segundo o autor,
conciliar essas duas posições é uma tarefa difícil, mas não impossível de ser trabalhada: “el desarollo de
una teoría de la justicia constitucional da américa latina, que implique un ejercicio de la protecion
judicialde lós derechos tendiente a promover y no a debilitar la participacion y la discusión democráticas”
(Uprimmy, 2011, p. 132).
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45
Há uma aproximação interessante entre o Novo Constitucionalismo latino e o “Constitucionalismo
popular” com forte influência nos Estado Unidos da América. Em nossa opinião, entretanto, enquanto o
constitucionalismo popular funda-se em uma crítica a Jurisdição Constitucional e prega uma democracia
majoritária de cunho eminentemente liberal, com forte centralidade na democracia representativa, o novo
Constitucionalismo prega uma maior participação popular (democracia participativa) e reconhece a
organização dos movimentos sociais de maiorias historicamente „ausentes da história‟ e suas pautas de
luta (ex: Os movimentos indígenas, sem-terra e sem-teto, desempregados), tendo em vista a importância
desses movimentos no cenário da vida política desses países. Sobre o Constitucionalismo Popular,
observar: Waldron (2003), Gargarella (2008) pp. 249-265 e Gustavo Ferreira Santos (2011). Críticas
sobre o avanço do Neoconstitucionalismo no Brasil: Dimitri Dimoulis (2008) e Humberto Ávila (2009).
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De toda forma, vamos à parte que mais nos interessa. O autor faz uma
interessante construção do que denominou Neoconstitucionalismo Andino ou
Transformador, demonstrando que a construção do Constitucionalismo ocidental foi
baseada nos problemas europeus e, portanto, acabou por espelhar necessidades
específicas daquele continente, de maneira que a adaptação deste modelo à realidade
andina, com problemas diferentes e muito mais profundos, até porque a Europa nunca
viveu um período de colonialismo, encontra na descolonização uma marca essencial
para construir uma nova cultura jurídica em nosso continente 48 (Santamaria,2011, p.
75/77).
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No plano do controle de Constitucionalidade, Venezuela, Equador e Bolívia, ao contrário da maioria
dos países latino-americanos, estabeleceram o controle concentrado de Constitucionalidade – embora com
algumas peculiaridades no caso Equatoriano que se aproxima do controle misto (Santamaria, 2011, p. 64).
Nos estreitos limites desse trabalho, não pretendemos desenvolver o papel da Jurisdição Constitucional
nesses países. De toda forma, pode-se criticar o fortalecimento do controle concentrado de
constitucionalidade nos mesmos termos em que se crítica a abstrativização do controle difuso no Brasil.
Nos dois casos, há maior concentração de poder em apenas um órgão e não estamos certo se esta é a
melhor forma de garantir a efetividade constitucional, pois retira-se do juiz singular a possibilidade de
aplicação da Constituição e, consequentemente, uma maior pluralidade na interpretação Constitucional.
47
Sobre o tema, desenvolveremos no tópico especifico sobre a Venezuela.
48
Segundo Katherine Walsh, há uma diferença entre o “decolonial” e “descolonial”, na medida em que
“la decolonialidad implica algo más que la descolonización. Su interes no es por el control político y de
soberania tipicamente entendidos em lós conceptos de colonialismo y colonizácion, conceptos que com su
añadidos de „des‟ asumen uma transición, superación y emancipación de esta relación histórica y política
local e residual” (Walsh, 2009b, 233)
49
49
Para Anibal Quijano, eurocentrismo significa “um modo de producir y de controlar el imaginario
social, la memória y el conocimiento” (2010, p. 11).
50
50
Bauman resume bem a receita neoliberal “criando melhores condições para a livre empresa, o que
significa ajustar o jogo político às regras da „livre empresa‟ – isto é, usando todo o poder regulador à
disposição do governo a serviço da desregulação, do desmantelamento e destruição das leis e estatutos
„restritivos às empresas‟, de modo a dar credibilidade e poder de persuasão à promessa do governo de que
seus poderes reguladores não serão utilizados para restringir a liberdade do capital” (Bauman, 2001, p.
172). Nas palavras de Barroso: “O neoliberalismo pretende ser a ideologia da pós-modernidade, um
contra-ataque do privatismo em busca do espaço perdido pela expansão do papel do Estado” (Barroso,
2010, p. 67).
51
51
No Brasil, o Constitucionalismo social foi inaugurado com a Constituição de 1934. Com isso não
queremos dizer, obviamente, que houve um pleno Estado Social no Brasil ou em países da América
latina. O que houve, na verdade, foram avanços normativos na conquista de Direitos sociais, que nas
palavras de Lenio Streck: “Evidentemente, a minimização do Estado em países que passaram pela etapa
do Estado Providência ou welfare state tem consequência absolutamente diversas da minimização do
Estado em países como o Brasil, onde nunca houve o Estado Social” (Streck, 2009, p. 23). Na perspectiva
Constitucional, Daniel Sarmento destaca que a partir de Governo Fernando Henrique Cardoso (1995), que
tinha amplo apoio no parlamento, diversas emendas Constitucionais buscaram redefinir o papel do
Estado, como a flexibilização dos monopólios estatais, o fim de certos limites para a o capital estrangeiro
e a reforma no sistema previdenciário, claramente inspirado na receita neoliberal (2008, p. 32). Já
Pisarello destaca que foram 35 emendas durante o governo FHC que buscaram retirar o alcance social e
econômico da Constituição de 1988 (Pisarello, 2011, p. 186).
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O autor cita, como exemplo, o Brasil (Lula); Argentina - Kichner; Uruguai - Vázquez; Chile - Bachele;
e Venezuela - Chavez (Pisarello, 2009, p. 8). Posteriormente, no caso equatoriano – Rafael Correa; e
Boliviano - Evo Morales.
53
No caso Boliviano, por exemplo, houve a chamada “Guerra do gás” e a “Guerra da água” em 2005 -
revoltas populares articuladas pelos movimentos sociais contra os processos de privatização dos bens
naturais daquele país que culminaram com a eleição de Evo Morales (Prada, 2010, p.69).
53
54
Rodrigo Uprimmy faz interessante análise, no plano da origem e natureza, das recentes reformas
Constitucionais na América Latina. Segundo o autor, algumas Constituições surgiram como forma de
reação as ditaduras militares (Brasileira e a Paraguaia), outras visando combater democracias com déficits
de legitimidade (Mexicana e Colombiana) e, ainda, as Constituições da Venezuela, do Equador e da
Bolívia como resultado da ascensão de novos grupos políticos ao poder (Uprimmy, 2011, p. 109).
55
Segundo Barroso, referindo-se a outro contexto, mas aplicável ao presente caso: “Assim, à organização
dicotômica clássica ”público-privada”, agrega-se um novo e importante elemento: a esfera pública não
estatal” (Barroso, 2010, p. 63).
54
56
Estamos com Boaventura de Sousa Santos em sua definição de esquerda: “Izquierda significa el
conjunto de teorías y práticas transformadoras que, a ló largo de lós últimos ciento e cincuenta años,
resistieron a la expansión del capitalismo y al tipo de relaciones económicas, sociales, políticas y
culturales que genera, y que se hicieron com laconvicción de la possibilidad de um futuro poscapitalista,
de uma sociedad alternativa, más justa, por estar orientada a la satisfacción de las necessidades reais de
lós pueblos, y más libres, por estar centrada a la realización de las condiciones del efectivo ejercicio de la
liberdad.” (Sousa Santos, 2010c, p. 167). Já Roberto Gargarella identifica a esquerda latino-americana
com a tradição radical republicana, que tem como objetivo fortalecer o poder popular e uma preocupação
central com as questões sociais e a igualdade. Segundo o autor: “la izquierda está llamada a jugar um
papel central em nuestro futuro constitucional, a los fines de alcançar um ordenamiento legal más
igualitário” (Gargarella, 2011b, p. 88-107).
57
É por isso que esses processos reafirmam a conexão entre Direito e Política, obviamente existente
desde constitucionalismo liberal revolucionário, por mais que tantos ainda teimem em negar ou
invisibizar essa relação no plano teórico.
58
O equatoriano Pedro Páez entende que as recentes reformas econômicas feitas pelos governos
progressistas para distribuição de renda não são transformações estruturais no modelo econômico (Paéz,
2010, p. 196).
55
59
Para uma excelente análise comparada entre Venezuela, Bolívia e Equador dos institutos de
participação popular de intervenção cidadã no Estado, ler: Coelho et al , 2010.
56
que excluiu a participação popular das decisões jurídicas, políticas e econômicas, foi a
proposta dessas novas Constituições Latino-Americanas60.
Por fim, é importante destacar que não se trata apenas de uma luta contra
o neoliberalismo, nem do capitalismo contra o socialismo, é uma luta muito mais antiga,
da passagem do colonialismo à autodeterminação 61 (Sousa Santos, 2010, p. 150).
Portanto, obviamente, não é apenas a um contexto de reação ao neoliberalismo que o
Novo Constitucionalismo se insere. Essa é a causa imediata. O problema é mais
profundo e tem a clara pretensão descolonizadora.
60
Para Bonavides, a democracia participativa representa a retirada do conceito abstrato de Povo e o insere
numa dinâmica real de participação popular. Segundo o autor: “Em suma, a democracia participativa
configura uma nova forma de Estado: o Estado democrático-participativo que, na essência, para os países
da periferia é a versão mais acabada e insubstituível do Estado social, este que a globalização e o
neoliberalismo tanto detestam e combatem, argumentando contra todos os elementos conceituais de sua
teorização” (Bonavides, 2008, p. 19). É tanto que Boaventura afirma que os países citados, embora não
sejam processos propriamente socialistas, tem uma vocação para tal. Os modelos de sociedade que estão
em curso nessas regiões podem ser denominados: (i) revolução bolivariana; (ii) revolução cidadã; (iii)
revolução comunitária; (iv) socialismo do século XXI; (v) socialismo do Buen Vivir (Bem-viver), que
propõem diferentes lutas que buscam determinar uma mudança estrutural nesses países (Sousa Santos,
2010, p. 149/151).
61
Nas palavras de Viciano e Dalmau: “No el que el siglo XXI sea el único protagonista de esta lucha; las
batallas se han librado, ganado e perdido, durante décadas” (Viciano e Dalmau, 2005, p. 7/8).
57
social - para além da oficial (Botero, 2005, p. 227), de maneira que a partir da
Constituição Colombiana de 1991:
62
Este último instrumento, teve uma forte repercussão em diversas outras reformas Constitucionais na
América latina, como será visto em seguida.
60
63
Nas palavras de Marcelo Neves: “Isso significa, em nosso contexto, que, embora a Constituição do
Estado Constitucional vincule normativamente os seus concretizadores, ela é reconstruída
permanentemente mediante a sua interpretação e aplicação por esses mesmos concretizadores. Esse é o
paradoxo das hierarquias entrelaçadas: a sentença constitucional, subordinada normativamente à
Constituição, afirma, ao concretiza-la, o que é constitucional” (Neves, 2009, p. 295).
64
Pode-se ter acesso às decisões da Corte Constitucional colombiana em seu sítio eletrônico oficial:
http://www.corteconstitucional.gov.co/. É de se ressaltar que a Corte Constitucional colombiana declarou
a inconstitucionalidade de lei que permitia o terceiro mandato do Presidente Álvaro Uribe, por violação
ao artigo 197 da Constituição.
61
65
Neste ponto, com forte presença na América latina, mas com maior intensidade na Colômbia, há a
presença da violência que marca a realidade colombiana e retira o cidadão da participação em
mobilizações coletivas e, como consequência, gera o enfraquecimento dos movimentos sociais (Uprimny
e Villegas, 2004, p. 39).
62
66
Diante de um cenário de avanço do neoliberalismo e da precarização das condições trabalhistas, a Corte
tem reafirmado os direitos sociais propostos na Constituição, pois “la lucha jurídica de los obreros ante la
Corte Constitucional es generalmente considerada por los líderes sindicales como un factor de esperanza
en medio de una situación deterioro de los derechos de los trabajadores como nunca antes había sido
vista” (Uprimny e Villegas, 2004, p. 26). Inclusive, representantes das elites empresariais tentaram
reduzir a competências e as atribuições da Corte, devido a sua atuação protetiva em relação ao Direito dos
Trabalhadores, mas o Tribunal recebeu apoio das centrais sindicais e dos movimentos de Direitos
Humanos (Uprimny e Villegas, 2004, p. 2).
67
O autor, que foi magistrado da Corte, também faz uma ampla análise do contexto da criação da
Constituição Colombiana, dos direitos econômicos, culturais, sociais e do consequente desenvolvimento
63
da atuação da Corte Constitucional (Gaviria Díaz, 2010). Pinto (2009) faz uma abordagem crítica da
jurisprudência da Corte em relação à questão indígena, citando suas decisões, os parâmetros da Corte e o
possível desdobramento legal das mesmas. Além dos casos citados, Cesar Baldi (2009) faz interessante
análise da jurisprudência da Corte Constitucional Colombiana e da aplicação da legislação nacional
relacionada a etnoeducadores para crianças nas escolas colombianas. No mesmo sentido, sobre uma
ampla análise do ativismo judicial da Corte Constitucional em relação aos trabalhadores, aos direitos dos
homossexuais, dos indígenas, dos devedores hipotecários (em diversas decisões que atacou diretamente o
sistema financeiro do país) e dos movimentos dos direitos humanos em geral, notadamente a questão das
execuções sumárias e violência produzida pelos agentes estatais, ver Uprimny e Villegas (2004). Para
uma extensa apreciação dos direitos indígenas na Constituição Colombiana, incluindo quadro sinóptico
com as previsões constitucionais e principais decisões da Corte Constitucional colombiana por tema
acerca dos direitos indígenas, analisar Botero e Jaramillo (2009).
68
Não é outra a lição de Cesar Baldi sobre a importância das decisões provindas da Corte Constitucional
Colombiana: “o „colonialismo interno‟ de parte dos constitucionalistas brasileiros insiste em não prestar
64
Dessa forma, é inegável que a Corte tem cumprido uma função essencial
na afirmação e implementação dos direitos fundamentais na Colômbia. Mas, coerente
com a nossa introdução inicial sobre o papel do Direito e da jurisdição constitucional
em países periféricos, a Corte Constitucional não tem e nem deve ter o poder de mudar
estruturalmente as bases da sociedade. É necessário uma convergência dos diversos
componentes do Estado – incluindo Legislativo e Executivo – para a efetivação
Constitucional, além da necessária intervenção dos movimentos sociais e dos atores
constituídos.
atenção ou citar como jurisprudência para análise de casos similares na nossa Constituição. Os casos
envolvem direitos de minorias, indígenas e populações negras ou palenqueiras (os „quilombos‟ de lá), em
país também de semiperiferia, com desafios gigantescos na área de direitos econômicos e sociais, com
grau exacerbado de violência e de incremento de políticas de segurança” (Baldi, 2009, p. 1).
69
Artigo 22 da Constituição Colombiana: “La paz es un derecho y un deber de obligatorio
cumplimiento.”
65
paramilitares, que buscam nas terras indígenas um local para desenvolver o cultivo e a
plantação das drogas. Há cerca de 70.000 mil indígenas refugiados internos na
Colômbia70 (Moreno, 2011, p. 15).
70
Diante das constantes ameaças daqueles atores, tanto por parte do Estado quanto de grupos
guerrilheiros e paramilitares, com o objetivo de preservar sua vida e sua cultura, a organização do Povo
indígena do povo Awá lançou a seguinte denúncia em 2010: “En reiteradas ocasiones hemos manifestado
que no estamos a favor ni en contra de ningún actor armado y por esta razón exigimos a todos los actores
armados que transitan por nuestro territorio que nos mantengan al margen de un conflicto que no nos
pertenece. Por la dignidad y el respeto a nuestro pueblo, solicitamos que no seamos objeto de
señalamientos y estigmatizaciones, ante la supuesta vinculación de la población Awá, en los grupos
armados legales e ilegales” (Moreno, 2001, p. 15).
71
Artigo 93: “los tratados y convenios internacionales ratificados por el Congreso, que reconocen los
derechos humanos y que prohiben su limitación en los estados de excepción, prevalecen en el orden
interno. Los derechos y deberes consagrados en esta Carta, se interpretarán de conformidad con los
tratados internacionales sobre derechos humanos ratificados por Colombia.”
66
72
A atuação da Corte na proteção dos Direitos indígenas tem originado, inclusive, o caminho básico para
projetos de leis de tratam da coordenação entre a jurisdição indígena autônoma e a jurisdição ordinária
(Pinto, 2009, p. 278).
73
As Constituições, no sentido moderno, são “constituintes de poder no âmbito normativo e temporal, na
medida em que instituem uma nova estrutura política, renovando-lhe a fundamentação normativa,
positivada juridicamente” (Neves, 2009, p. 21). O que não quer dizer, obviamente, que o Direito não é
utilizado estrategicamente pelas comunidades indígenas. Moreno utiliza como exemplo a “Escuela de
Derecho Proprio” que tem como objetivo fortalecer a identidade cultural e aperfeiçoar a jurisdição
autônoma indígena (Moreno, 2011, p. 18).
69
É tanto que a Corte destacou, na sentença S-349, que “resulta claro para
la Corte que no se les pueden aplicar a los pueblos indígenas todas las normas
constitucionales y legales, pues de lo contrario, el reconocimiento a la diversidad
cultural no tendría más que un significado retórico”. Essa decisão exemplifica, em
parte, o conflito colocado em relação às limitações Constitucionais e legais aos povos
indígenas nas Constituições andinas do segundo ciclo proposto por Fajardo.
74
A partir da década de 90, os Tribunais colombianos têm feito um movimento de abertura a outros
campos do conhecimento, notadamente, a antropologia jurídica. Para uma ampla análise dos conflitos
interculturais na Colômbia, observar Botero (2005).
75
A própria autora reconhece, entretanto, que sentenças posteriores da Corte Constitucional limitaram a
jurisdição autonôma indígena (Fajardo, 2011, p. 148).
70
É bem verdade que a Corte Constitucional tem tido uma atuação sensível
quanto aos direitos fundamentais, mas nada obsta que haja uma virada jurisprudencial
que comece a obstaculizar a efetivação desses Direitos. O “mínimo ético”, “direitos
reconhecidos constitucionalmente”, ou “direito mínimo” são expressões facilmente
manipuláveis argumentativamente que, sob o pretexto abstrato de defender a
Constituição, podem violar Direitos e garantias fundamentais das comunidades
indígenas se não interpretadas interculturalmente.
76
No último capitulo deste trabalho será possível observar, com maior clareza, as diferenças entre a
Constituição Colombiana de 1991 e as Constituições da Bolívia e do Equador que, segundo a concepção
aqui defendida, efetivamente fazem parte do Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-americano.
72
que as críticas (sejam quais forem) são contrárias a um projeto popular de Estado, é a
nossa tarefa no presente tópico77.
77
Portanto, antes de analisar o atual momentoVenezuelano e fazer críticas, às vezes ingênuas, ao debate
carregado ideologicamente, é importante ressaltar que os atores teóricos deste país sabem que suas
opiniões estão, invariavelmente, ligadas a uma conjuntura polarizada de poder. Inclusive, impressiona
como a produção teórica está vinculada aos discursos e pronunciamentos proferidos pelo Presidente
Chavéz. Neste sentido, observar: Antillano (2010); Harnecker (2010); J. Chávez (2010); Reyes (2010).
Também por isso, é necessária muita cautela no estudo do caso Venezuelano.
73
78
Nas palavras de Miriam Lang, da fundação Rosa Luxemburgo para os países andinos: “no es suficiente
deconstruir la hegemonia neoliberal, sino analizar los rumbos que han tomado estos nuevos proyectos
políticos – sin caer por outro lado em el colectivismo forzado o el estatismo que marcaron el socialismo
real. Es necesario recuperar lós verdaderos sentidos de la emancipación u del empoderamento, tanto
individuales como colectivos” (Lang, 2010, p. 17) Outras denominações do Socialismo no seculo XXI:
Socialismo Comunitário; Comunitarismo; Sociedade do Bem-Viver; Sociedade da Plenitude Humana
(Harnecker, 2010, p. 125).
79
Nesse contexto, novos presidentes Latino-Americanos, incluindo Chavéz, depositarem suas esperanças
em mudanças radicais através das Assembleias Constituintes. É uma aposta, não apenas, numa transição
74
sem o uso da violência, mas no uso dos instrumentos da democracia burguesa – e nas regras do jogo -
para mudanças profundas na estrutura social (Shifter e Joyce, 2008, p. 55/56; Viciano e Dalmau, 2008b,
p. 106). De toda forma, há questionamentos sobre a legitimidade da convocação da Assembleia Nacional
Constituinte por meio de decreto presidencial, pois a Constituição de 1961 não previa a convocação da
ANC. Houve provocação da Corte Suprema para decidir se era necessário efetuar uma reforma
Constitucional prevendo a convocação da ANC ou se seria possível a sua convocação por meio do
referido decreto. A própria Suprema Corte entendeu que não seria inconstitucional, desde que se limitasse
aos princípios básicos da Constituição de 1961. Posteriormente, entretanto, a Corte mudou sua posição
para entender que não estava vinculada a Constituição de 1961 (Lösing; Brewer-Carías apud Pedras 2008,
p. 331).
75
80
Interessante é que há a constitucionalização da desobediência civil (art. 350) que possibilita ao povo
desconhecer qualquer regime que contrarie os valores, os princípios e as garantias democráticas ou os
Direitos Humanos. A „constitucionalizacíon del derecho de rebelión‟, contraditoriamente, foi utilizada
para a tentativa de golpe, no ano de 2002, por setores conservadores aliados ao capital econômico na
Venezuela (Viciano e Dalmau, 2008b, p. 114). A Constituição do Equador também tem previsão nesse
sentido (art. 98). Esses dispositivos foram influenciados pela Constituição Jacobina de 1793 (Pisarello,
2011, p. 195). Sobre o tema, recomendamos o interessante documentário ”A revolução são será
televisionada” que demonstra, entre outras coisas, o papel dos meios de comunicação no golpe de 2002.
76
pelo povo, e não o contrário83 (Viciano e Dalmau, 2010, p. 21). Todavia, mesmo com
esses novos instrumentos, permanecem os desafios entre a relação do Estado e da
participação popular no processo democrático, pois, nas palavras de Harnecker “O
paternalismo de Estado es incompatible com el protagonismo popular” (Harnecker,
2010, p. 126).
83
Em sentido contrário, Marcelo Neves afirma que o bolivarianismo proposto por Hugo Chavez contém
traços de um “neojacobinismo entrecortado pelo personalismo e o apelo nacionalista”. Segundo o autor:
“Sobretudo na Venezuela, com influências na Bolívia e no Equador, há sinais de um modelo de
„democracia monolítica‟, sem compromissos maiores com o Estado de Direito (...) E há amplas
evidências que de que o „Constitucionalismo bolivariano‟ não se apresenta como alternativa, pois
caminha retoricamente para uma democracia monolitica, com desprezo ao Estado de Direito. Mas ele se
nutre do fracasso da democratização no âmbito de constituições simbólicas.” (Neves, 2010, p. 217-218).
O autor, entretanto, não fundamenta sua opinião na Constituição Venezuelana nem na prática
Constitucional, acabando por reproduzir uma crítica muito mais baseada na lógica midiática sobre esses
países do que, propriamente, o que se tornou o Novo Constitucionalismo Latino-Americano. Como será
visto, é óbvio que há críticas ao processo Venezuelano, mas não nos termos colocados por Marcelo
Neves, principalmente, quando aproxima o caso Venezuelano ao Equador e a Bolívia, e não destaca os
avanços no campo intercultural e participativo dessas Constituições.
78
84
Em relação a este referendo, depois de uma tentativa mal sucedida devido a existência de vícios
formais, os opositores recolheram 3,4 milhões de assinaturas, dentre as quais 2,4 milhões foram
reconhecidas como legítimas, para convocar o referendo revogatório. O “Não” obteve 59% dos votos
válidos (Kornblith, 2007, p.3). De toda forma, não se pode negar que esses instrumentos participativos
foram importantes para a canalização, de forma democrática, com algumas exceções, das tensões políticas
ocorridas na Venezuela (Coelho et al, 2010, p. 87).
79
agroecologia (Coelho et al, 2010, p. 92; Viciano e Dalmau, 2008b, p. 104/123) entre
tantas outras mudanças, com alguns avanços e retrocessos.
85
Sobre esse fatos, em um primeiro momento, uma aparente conivência dos Viciano e Dalmau com a
proposta de reeleição indefinida conduzida por Hugo Chavéz, sob a justificativa da possibilidade do
mandato ser revogado mediante instrumento Constitucional, comparando-o com o sistema parlamentar
Europeu (Viciano e Dalmau, 2008b, p.121). Posteriormente, entretanto, afirmam que em nenhum
momento defenderam a reeleição indefinida. (Viciano; Dalmau, 2010, p. 21-22). De toda forma, os
autores criticaram, em 2008, no tocante a reforma Constitucional de 2007, o retrocesso em termos de
democracia participativa devido ao aumento da porcentagem para intervenção popular em temas como o
referendo revogatório, aprovação de leis e decretos, e convocatória da assembleia nacional constituinte,
mas não em relação à reeleição indefinida (Viciano e Dalmau, 2008b, p. 124). Os próprios autores citam
que Hugo Chavéz, em declaração no Palacio Miraflores, não optaria por outro mandato após o 2007-2013
(Viciano e Dalmau ; 2008b, p. 121). Porém, o que vemos atualmente é mais uma tentativa de reeleição
presidencial.
80
um diálogo aberto, amplo e transparente em torno das reformas proposta pelo Presidente
(Viciano e Dalmau, 2008b, p. 104-120) de forma que:
86
De acordo com Albrecht Weber: “Um elemento básico del Estado de Derecho democrático es el
sometimiento a la Constitución de todos lós poderes públicos, que garantiza la supremacia de la
Constitución respecto a otras normas (del legislativo e del ejecutivo) u supone el cometimiento a la
Constitución de jueces e tribunales, incluyendo há jurisdiccíon constitucional y su labor de control e
interpretáción” (Weber, 2008, p. 48). No caso Colombiano, por exemplo, a Corte Constitucional declarou
a inconstitucionalidade de projeto de referendo que permitia o terceiro mandato ao presidente Álvaro
Uribe, por violação ao artigo 197 da Constituição Colombiana e por diversos vícios formais. Dessa forma,
independente da vontade do líder presidencial, o sistema Constitucional conseguiu barrar a possibilidade
da terceira reeleição promovendo, de certa forma, um processo democrático mais sólido e menos
personalista.
81
Além disso, houve, nesse ponto, mais uma violação à regra prevista na
Constituição que, em seu artigo 345, não permite a apresentação de reforma
Constitucional em um mesmo período constitucional na Assembleia Nacional. Como
forma de burlar o regramento constitucional, portanto, foi proposto via emenda e não,
no mínimo, a reforma constitucional.
87
Questiona-se, também, em termos de uma teoria democrática, a aprovação, em 2010, pela assembleia
nacional, da lei habilitante que permitia que o Presidente Chávez legislasse por decreto durante 18 meses
(Pedras, 2008, p. 320).
82
88
De acordo com Combellas, citando discurso de Bolívar, respectivamente no discurso de Angostura de
1819 e no Congresso Constituinte da Bolivia de 1826: “Nada es tan peligroso respecto al pueblo como la
debilidad del Ejecutivo (…). En las Repúblicas debe ser el más fuerte porque todo conspira contra él” e
83
(Barbosa et al, 2009, p. 185). O que nos preocupa é a forte centralização personalista na
prática constitucional Venezuelana e suas consequências para a democracia
participativa, notadamente após essas reformas Constitucionais.
“El Presidente de La República viene a ser en nuestra Constitución como el Sol que, firme en su centro,
da vida al Universo. (apud Barbosa et al, 2009, p. 185). Gargarella afirma que, segundo Bolívar, o
fortalecimento do sistema presidencial era “la clave para garantizar la independencia de las nuvas
naciones”(Gargarella, 2009, p. 1).
84
89
Nas palavras de Pissarelo: “Esta centralidade del papel presidencial ha sido a abordada con frecuencia a
partir de la categoría de “populismo”, entendido como sinónimo de liderazgo demagógico y manipulador.
Así expresado, sin embargo, el término se ha revelado más bien infecundo. En primer lugar, por su
carácter inespecífico y poço explicativo, que há llevado a aplicarlo a supuestos políticos diferentes e
incluso contrapuestos. En segundo lugar, por su carácter ahistórico, que desconoceel papel que
fenómenos considerados populistas han tenido como factor de inclusión de amplias capas de la población
en contextos caracterizados por fuertes desigualdades sociales o por preexistencia de regímenes
oligárquicos o liberal-representativos excluyentes inespecífico y poco explicativo, queha llevado a
aplicarlo a supuestos políticos diferentes e incluso” (2009, p. 11). Por exemplo, os critérios utilizados por
Aristizábal e Restrepo para classificação do caso Venezuelano e Colombiano sobre o Neopopulismo: i)
caráter personalista, paternalista e carismático; ii) a mobilização política vertical e ideologia anti status
quo (2009, p. 170-171) podem se aplicar a lideranças do mundo inteiro, inclusive aos líderes Europeus e
norte-americanos. Para outra perspectiva acerca do populismo e seu papel na América latina, observar:
Laclau (2006), para quem o perigo maior para a América latina vem do neoliberalismo, e não do
populismo.
86
90
Do ponto de vista dos Direitos Humanos, outra preocupação é que, no plano do Sistema Regional dos
Direitos Humanos, a República Bolivariana Venezuelana não tem se adaptado às diretrizes da Corte
Interamericana de Direitos Humanos. A Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça declarou que
a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que exigia a reintegração de magistrados aos
seus cargos, não era executável. Ademais, exigiu que o Estado Venezuelano denunciasse a CADH, sob o
fundamento de usurpação de função do próprio Tribunal. Inclusive, na decisão da sala Constitucional,
houve centralidade da soberania nacional e da autodeterminação nacional para o descumprimento da
decisão da CIDH (Cavallo, 2010, p. 431; Brewer-Carías, 2010, p. 669). O caso Venezuelano é tão
complexo que o próprio autor do estudo, Allan R. Brewer-Carías, provocou a CIDH por suposta violação
de seus Direitos fundamentais por meio de perseguição política, pois vem sendo acusado pelo delito de
conspiração na Venezuelana, por suposta participação no golpe ocorrido em 2002 naquele país. Maiores
informações sobre o caso encontram-se no informe 97/09 da CIDH. Há, inclusive, a possibilidade de
retirada voluntária da Venezuela do sistema Interamericano de Direitos Humanos. Recentemente um
grupo de 200 intelectuais ligados aos Direitos Humanos, majoritariamente latino-americanos, divulgou
um manifesto contra a possível saída da Venezuela, reafirmando a importância da CIDH para o avanço da
democracia e da proteção aos Direitos Humanos no contexto latino-americano e ressaltando que a saída
daquele país “debilitará seriamente los mecanismos de protección de derechos humanos de todos y todas
los venezolanos y venezolanas privándolos de un instrumento indispensable para su protección.
(Disponível em: http://www.espaciopublico.org/index.php/noticias/134-derechos-humanos/2331-carta-de-
academicos-ante-pretendido-retiro-de-venezuela-de-la-cidh). O tema torna-se um tanto mais complexo,
quando se observa que a própria Constituição venezuelana atribui status Constitucional aos Tratados
Internacionais de Direitos Humanos.
91
É por isso que Anibal Quijano – na sua proposta de redistribuição radical do controle de poder - afirma
que revoluções socialistas baseadas no controle total do poder por meio do estado baseiam-se em
87
alicerces teóricos totalmente falsos, com o risco de despotismo dos controladores do poder (Quijano,
2000, p. 241) Eduardo Galeano resume muito bem a tensão entre liberdade e justiça social nos regimes
socialistas em um ensaio intitulado “O socialismo não morreu”: “Em ritmo de vertigem, multiplicam-se
as mudanças, a partir da certeza de que a justiça social não tem por que ser inimiga da liberdade nem da
eficiência. Uma urgência, uma necessidade coletiva: a gente já não aguentava, a gente estava farta de uma
burocracia tão poderosa quanto inútil, que em nome de Marx a proibia de dizer o que se pensava e de
viver o que se sentia. Toda espontaneidade era culpada de traição ou loucura” (Galeano, 2012, p. 416).
Mas, claro, assim como nós, não abandona o projeto socialista: “Em todo caso, é o testemunho de alguém
que acredita que a condição humana não está condenada ao egoísmo e à obscena caçada ao dinheiro, e
que o socialismo não morreu, porque ainda não era: que hoje seja o primeiro dia da longa vida que tem
por viver” (Galeano, 2012, p. 420)
92
É como bem observa Boaventura de Sousa Santos: “Veo em lós compañeros de Venezuela- com todo
respeto-un triunfalismo que ya visto antes, em otros contextos, y que normalmenteoculta debilidades. Y la
debilidade del processo venezolano, para mi, es la relácion entre partido y movimientos” (Sousa Santos,
2010d, p. 196)
93
Informação disponível no site: http://www.forumdesalternatives.org/pt-br/os-indigenas-na-venezuela-
nao-eram-nem-reconhecidos-como-parte-da-sociedade
88
execução de qualquer projeto que não foi previamente aprovado pela população
indígena envolvida, sendo passível de ação de amparo qualquer ato privado ou estatal
que viole o respeito às decisões indígenas94.
O artigo 132 da referida lei afirma que a jurisdição especial indígena tem
a faculdade de conhecer, investigar e executar suas decisões, que constituem coisa
julgada e, ainda, estabelecem limites mínimos para o procedimento, como a participação
da vitima, da família e da comunidade.
94
Para uma análise sobre o desenvolvimento legislativo das previsões Constitucionais e a da formação da
Lei Orgânica Sobre os Povos e Comunidades Indígenas, elaborada pela comissão permanente dos povos
indígenas na assembleia Nacional, observar: Kupper (2006).
90
No processo penal, de acordo com o artigo 141 da lei, não haverá crime,
mesmo sendo tipificado como delito, quando forem permitidos na cultura e no direito
indígena, desde que não haja violação aos direitos fundamentais e tratados
internacionais. O Estado, por sua vez, deve dispor de estabelecimentos penais próprios
para reclusão de indígenas nos estados com população nativa.
tocar lós bracos, aun cuando lós blancos vulnerem bienes jurídicos indigenas
(Farjado, 2010, p. 148)
Onde se recebe a Renda per Capita? Tem muito morto de fome querendo
saber. Em nossas terras, os numerinhos têm melhor sorte do que as pessoas.
Quantos vão bem quando a economia vai bem? Quantos se desenvolvem com
o desenvolvimento? (...)
95
Não podemos perder de vista que, embora esse debate tenha interconexões com a filosofia, sociologia e
outros ramos do conhecimento, a nossa análise é eminentemente constitucional. E esse é o nosso local de
fala porque estudamos como essas cosmovisões reverberam no projeto Constitucional do Equador e da
Bolívia e, consequentemente, como operam diante da dinâmica constitucional, pois, como ressalta Anibal
Quijano, é necessário partir da resistência à criação de alternativas (Quijano, 2007, p. 3).
94
desiguais de poder que dele foi origináro (Chivi Vargas, 2009, p 157; Sousa Santos e
Menezes, 2010, p. 12).
96
No mesmo sentido, traduzido perfeitamente na poesia de Galeano: “Norte e Sul, diga-se de passagem,
são termos que neste livro designam a partilha da torta mundial e nem sempre coincidem com a
geografia.” (Galeano, 2009, p. 26).
95
Para se ter uma ideia, dos 400 artigos da larga Constituição boliviana, 80
fazem referências aos povos indígenas, que são definidos pela Carta como coletividades
humanas que compartilham a identidade cultural, o idioma, a tradição, a história, a
religião, as instituições, as cosmovisões, a territorialidade, cuja existência é anterior à
invasão espanhola (art. 30, I) e que, portanto, tem direito a existir livremente,
garantindo-se o respeito as suas práticas, costumes e cosmovisão, a seus saberes
tradicionais, e seu sistema político, jurídico e econômico (art. 30, inciso I e ss). Nessa
esteira, o Estado reconhece a titulação coletiva sobre seus territórios e protege e garante
a propriedade comunitária, que compreende o territorio indígena originário campesino,
as comunidades interculturais originarias e as comunidades campesinas, estabelecendo
que a propriedade coletiva é indivisível, imprescritível, inalienável, irrenunciável (art.
394, III).
96
97
Por exemplo, no artigo 32 da Constituição Boliviana e no artigo 85 da Constituição equatoriana,
determina-se que o população afro, goza, em tudo que corresponde, dos Direitos econômicos, sociais,
políticas e culturais reconhecidos na Constituição para os povos indígenas. Dessa forma, não há normas
relacionadas à população afro e suas peculiaridades, apenas uma subordinação a questão indígena.
98
veem seus países como brancos ou branqueados e não como parte da Abya Yala ou de
uma América “Afro-latina”98 (Baldi, 2010, p. 3).
99
Foto por José Cleiton Carbonel
98
O termo Abya Yala é o nome dado ao continente americano por povos originários e, atualmente, ainda
é utilizado em contraponto ao caráter colonizador do termo América.
99
Essa foto foi tirada na 13ª Assembleia Anual do Povo Xucuru (2012), na serra Ororubá, em
Pesqueira/PE, para celebrar a luta histórica do povo Xucuru pelos seus direitos à autodeterminação,
territorialidade e dignidade. Tive a oportunidade de participar do ato junto com estudantes,
pesquisadores/as, militantes de movimentos sociais e comunidades indígenas de diversas partes do Brasil.
Na ocasião, escrevi: “Há muito tempo não via um céu tão estrelado como aquele do alto da Serra
Ororubá. Da cidade é impossível observá-las. Assim como da urbe não é possível observar as estrelas, da
academia não é possível observar uma infinidade de experiências. Naquelas danças, rezas e rituais, há
muito conhecimento, cultura e história, que uma educação homogênea e monocultural afastou da
realidade acadêmica. A racionalidade obscurece essas formas de conhecimento e ignoram o mágico, o
intuitivo e o espiritual. O presente texto, por exemplo, não consegue traduzir a riqueza daquela
experiência. Os estudantes e pesquisadores que estiveram presentes na vivência da Assembleia do Povo
Xucuru saíram de lá com uma certeza – dentre tantas dúvidas - sobre a vida acadêmica: o encastelamento
dos intelectuais na academia é limitador das experiências e vivências pessoais e, como consequência, gera
uma produção monocultural do conhecimento. Se ainda queremos analisar criticamente o Brasil e o
mundo, é preciso (antes de tudo) saber que os livros e as bibliotecas não são a única – nem a principal -
fonte de conhecimento.
99
100
Para o advogado Kichwa equatoriano, Luis Macas, na cosmovisão indígena, o Sumak Kawasay seria a
vida em plenitude, baseada no i) randi-randi, prática da reciprocidade e da redistribuição que funda a
propriedade coletiva; ii) ruray, maki-maki, que é o trabalho voluntário; iii) ushay, organização social e
política; iv) Yachay, são os saberes e conhecimentos coletivos (Macas, 2010, p. 14) Por outro lado, não
se pretende uma homogeneidade entre os diferentes povos indígenas, cada povo indígena pode ter a sua
concepção de Bem-viver (Gudynas, 2011b, p. 8)
100
ladrón), suma qamaña (vivir bien), ñandereko 101 (vida armoniosa), teko kavi (vida
buena), ivi maraei (tierra sin mal) y qhapaj ñan (camino o vida noble)”.
101
Na perpectiva Guarani, o Nãnde Reko (modo de ser guarani), junto com o Tierra sin Mal, faz parte da
compreensão da Vida Buena do Povo Guarani, que expressa, concepção guarani, uma série de virtudes,
como a liberdade, a festa em comunidade e a felicidade, que estão articuladas na busca da terra sem mal
(Mélia, 2008, p. 99; Gudynas, 2011c, p. 7).
101
Sumak kawsay es la voz de los pueblos kechwas para el buen vivir. El buen
vivir es una concepción de la vida alejada de los parámetros más caros de la
modernidad y el crecimiento económico: el individualismo, la búsqueda del
lucro, la relación costo-beneficio como axiomática social, la utilización de la
naturaleza, la relación estratégica entre seres humanos, la mercantilización
102
É bem verdade, como afirma Katherine Walsh, que a sociedade equatoriana e boliviana ainda se
constrói com interesses do mercado, e que o Bem-viver ainda não tem raiz no imaginário dessas
sociedades. Mas as Constituições desses países abrem uma possibilidade reorientar a o desenvolvimento
da sociedade com base nos princípios do Bem-viver (Walsh, 2009b, p. 226)
103
Para Gudynas, a teoria da ecologia profunda, os ashuar ecuatorianos, o küme mongen, os mapuches
do sul chileno, os cambas del bosques do norte amazônico da Bolívia, os afrodescedentes do pacifico
colombiano, os seringueiros e castanheiros da Amazônia, possuem suas concepções de Bem-viver, que
não se restringem ao Sumak Kawsay propostos nas Constituições equatoriana e boliviana (Gudynas,
2011b, p. 5/6).
104
Para a “Ley marco de la Madre Tierra y Dessarollo Integral para Vivir Bien boliviana, que será
estudada em seguida: “El Vivir Bien (Sumaj Kamaña, Sumaj Kausay, Yaiko Kavi Päve). Es el horizonte
civilizatorio y cultural alternativo al capitalismo y a la modernidad que nace en las cosmovisiones de las
naciones y pueblos indígena originario campesinos, y las comunidades interculturales y afrobolivianas, y
es concebido en el contexto de la interculturalidad. Se alcanza de forma colectiva, complementaria y
solidaria integrando en su realización práctica, entre otras dimensiones, las sociales, las culturales, las
políticas, las económicas, las ecológicas, y las afectivas, para permitir el encuentro armonioso entre el
conjunto de seres, componentes y recursos de la Madre Tierra. Significa vivir en complementariedad, en
armonía y equilibrio con la Madre Tierra y las sociedades, en equidad y solidaridad y eliminando las
desigualdades y los mecanismos de dominación. Es Vivir Bien entre nosotros, Vivir Bien con lo que nos
rodea y Vivir Bien consigo mismo (Art. 5. 2)”.
102
Não que o Bem-viver se resuma a essas matérias, pelo contrário, ele tem
uma função irradiante e transversal nessas Constituições. Porém, é primordial analisar
as repercussões nesses campos para o desenvolvimento do Sumak Kawsay em
consonância com a cosmovisão indígena.
105
A “Ley marco e la Madre Tierra y Dessarollo Integral para Vivir Bien boliviana” também estabelece a
necessidade de fimar hábitos de consumo sustentável, com acesso a alimentos nutritivos e agroecologicos,
bem como a revalorização e fortalecimento de cooperativas e associações de pequenos agricultores,
nações indígenas e afrobolivianas, no sentido de democratizar os processo sustentáveis, promovendo
formas coletivas e comunitárias de produção. No mesmo sentido, estabelece a eliminação do latifúndio e
a regularização do acesso a estrangeiros a propriedades e ao aproveitamento da terra.
104
106
Inclusive, a Coca – elemento que faz parte da cultura andina – é protegida na Constituição Boliviana:
”El Estado protege a la coca originaria y ancestral como patrimonio cultural, recurso natural renovable de
la biodiversidad de Bolivia, y como factor de cohesión social; en su estado natural no es estupefaciente.
La revalorización, producción, comercialización e industrialización se regirá mediante la ley” (art. 384).
105
107
As informações aqui relatadas, bem como todo o projeto do Plano nacional do Bem-viver, pode ser
acessado através do seguinte sítio eletrônico: http://plan.senplades.gob.ec/.
107
108
Retirado da análise da conjuntura da semana feita pelo Instituto Humanitas Unisinos, disponível em:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/501470-conjuntura-da-semana-bolivia-governo-plurinacional-e-
plurietnico-em-crise.
109
É necessário pontuar, por fim, que o Sumak Kawsay foi forjado a partir
do conhecimento indígena e cumpre um papel significativo de resistência para os povos
peruanos e equatorianos amazônicos contra o avanço das empresas petroleiras, do
agronegócio e as megaminerações que visam degradar o meio ambiente110 (Savampa e
Mirta apud Medici, 2011, p. 118) Por isso, está presente não somente nas intenções e
formulações acadêmicas da produção do conhecimento, mas, principalmente, nas
reações e resistências das lutas indígenas por toda a América andina.
109
A autora destaca que a Constituição boliviana tem o conceito de bem-viver mais centrado na
organização econômica do Estado, enquanto no caso equatoriano busca os aspectos econômicos, sociais,
políticos e epistêmicos (Walsh, 2009, p. 6).
110
Para um estudo que demonstre as alternativas à produção capitalista, através de novas formas de
cooperação e economia solidária, observar: Boaventura, 2012, p. 33-105. Sobre o caso Sarayaku - que
envolve conflito ambiental de uma empresa petroleira na Amazônia equatoriana e a concepção indígena
do Sumak Kawsay: http://canaljusticia.org/index.php?modo=tipo&seccion=2
110
111
Galeano não se referia à questão indígena, na verdade, tratava da história de um velho comunista de El
Salvador (Galeano, 2005, p. 221). Todavia, é possível extrair outra interpretação desse poema:
encontramos ali o ideal de junção de horizontes do indianismo e marxismo, o mistério e a mágica relação
com a natureza do indianismo se une a racionalidade do marxismo.
112
Essas informações, bem como outras ao longo do presente tópico, foram retiradas da análise do
Instituto de Direitos Humanos da UNISINOS anteriormente citado.
111
113
Do ponto de vista legal, havia a Lei 180/2011, que declarava a intangibilidade da área indígena e,
posteriormente, a Lei 222/2012, que possibilita a quebra dessa intangibilidade por meio de consulta
prévia às comunidades interessadas. Essas leis, inclusive, tiveram sua constitucionalidade questionada
perante o Tribunal Constitucional Plurinacional Boliviano. O Tribunal, entretanto, afirmou a sua
constitucionalidade, estabelecendo certas condições para a sua aplicação, especialmente ressaltando a
necessidade da consulta prévia - que deve ser aplicada em clima de “confiança mútua”, de forma que as
comunidades indígenas devem participar ativamente do seu processo de elaboração, de forma horizontal e
paritária com o Estado (Clavero, 2012. P. 1/7).
112
bom, aqui vamos produzir”. Ele não vê importância no espiritual, não o sente.
Por isso ainda não está entendendo114
114
Trecho disponível na matéria acima citada. Em sentido diverso, autores de tradição Marxista, como
François Houtart, lembra que o próprio Marx já criticava a instrumentalização da natureza pelo homem,
afirmando que foi o capitalismo que separou homem e natureza. O sistema necessidade/capacidade de
Marx reafirma o projeto socialista como uma alternativa harmônica entre os homens e a natureza -
dialogando com a cosmovisão do Bem-viver (Houtart, 2011, p. 7). No mesmo sentido, Michel Löwy
alerta que a preocupação ambiental já era presente nas obras de Marx, embora não tenha sido
desenvolvida, fornecia uma base teórica para a crítica da lógica produtivista. Entrevista disponível em:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21444
115
Nas palavras de Salvador Schavelzon, também disponível na matéria acima citada: “de um lado a
proposta indígena do Viver Bem e da construção de um Estado plurinacional comunitário, com base no
direito à diferença e reconhecimento de autonomia e território dos indígenas e, de outro, a busca de
integração nacional, a luta contra a pobreza pelo desenvolvimento capitalista, a industrialização e o
discurso estatal nacionalista, que prioriza o que seria o interesse das maiorias, apesar de custos ambientais
e da violação de direitos”.
113
116
Em entrevista, assim se pronuncia a antropóloga Rita Lara Segato: “o próprio campo socialista está
dividido em pelo menos mais dois. Tem um campo socialista desenvolvimentista, eurocêntrico, e outro
que vai apontando para a crise civilizatória geral de todo o projeto eurocêntrico que estruturou um mundo
de acordo com a hierarquia colonial”. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/8584
115
TIPNIS é um exemplo claro que não existe resposta fácil para essas
tensões. O debate, sem dúvidas, necessita de muita negociação. Mas podemos adiantar
que os indígenas têm uma grande arma discursiva a seu favor: a Constituição Boliviana
e seus mecanismos interculturais e descoloniais. O diferencial, portanto, no atual
momento vivido nesses países, é que há uma forte base normativa/constitucional para se
117
Nesse aspecto, em nossa opinião, não se quer dizer a negação total e absoluta da modernidade, até
porque a própria ideia de Constituição é um projeto moderno. O que não se pode é colonizar o ideal de
Sumak Kawsay como um projeto meramente moderno ou como um instrumento retórico para impor a
velha lógica desenvolvimentista.
118
O autor também afirma que seria típico do modo colonial deduzir abstratamente que as marchas por
TIPNIS são conduzidas por ONG´s com interesses imperialistas, pois implica na ideia que os indígenas
são facilmente manipuláveis ou ingênuos (Sousa Santos, 2012, 30/31).
116
3.2. Pachamama
Decidimos construir
119
E TIPNIS é um exemplo que se repete em vários países da América Latina, como Belo Monte e a
transposição do rio São Francisco no Brasil; a exploração petrolífera no Equador; a exploração de cobre
na Argentina e de Ouro no Chile; os corredores de transporte na Bolívia, no Equador e no Pánama, entre
outros. Para um mapa interativo desses grandes empreendimentos que desafiam a sustentabilidade em
nosso continente: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/508777-os-pontos-de-tensao-para-povos-indigenas-
na-america-latina. O Fórum Social Pan-Amazônico (FSPA) lança carta em apoio a autodeterminação
indígena e aos indígenas de TIPNIS: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/501348-por-um-tipnis-livre-da-
opressao-e-ganancia-do-capital-nota-de-repudio-a-violencia-na-bolivia. Para uma contribuição ponderada
entre o discurso desenvolvimentista e os "pachamâmico", recomendamos o artigo de Pablo Stefanoni
disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/501508-bolivia-o-imbroglio-do-tipnis-. Sobre o
conflito entre indígenas contrários à construção de TIPNIS e cocaleros, sindicatos e segmentos do
campesinato favoráveis, na nona marcha indígena, observar: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/510480-
na-bolivia-nona-marcha-indigena-desperta-racismo-hereditario
120
Preâmbulo da Constituição equatoriana de 2008.
117
121
Katherine Walsh entende a Pachamama como “um ser-vivo – com inteligência, sentimentos,
espiritualidade – e os seres humanos são elementos dela”, sendo a Constituição equatoriana precursora
desses direitos em todo o mundo (Walsh, 2009, p. 4/5).
122
Obviamente, a pretensão governamental nem sempre caminha de acordo com a normatividade
constitucional, por exemplo, Rafael Correa, presidente do Equador, declarou: “si la natureza com esta
sequía se opone a la revolución ciudadana, lucharemos y juntos venceremos, tengan la seguridad”
(Acosta, 2011b, p. 332). Inclusive, as tensões sobre os direitos da natureza foram constantes na
Assembleia Nacional Constituinte Equatoriana, devido ao rompimento com o Direito tradicional que
estava em curso naquela assembleia. Alberto Acosta, que presidiu a Assembleia Constituinte entre
outubro de 2007 e julho de 2008, relata: “A discussão no interior da Assembleia Constituinte em
Montecristi foi complexa. Vários participantes, inclusive do bloco da situação, o majoritário, assim como
membros de alto nível do próprio governo, não quiseram aceitar os Direitos da Natureza e a acusaram
inclusive de uma "estupidez". Fora da Assembleia, os Direitos da Natureza foram vistos como uma
"confusão conceitual" pelos conservadores do direito, essencialmente incapazes de entender as mudanças
em andamento. Para eles, é difícil compreender que o mundo está em movimento permanente” (Acosta,
2011, p. 4)
118
são algo perene ou dado, pelo contrário, são construídos a partir do intérprete e de suas
interações.
124
Tal lei complementa e avança em relação outra lei aprovada anteriormente (Ley de derechos de la
Madre Tierra n.071), que tem como objetivo reconhecer os Direitos da Mãe terra, assim como as
obrigações do Estado Plurinacional e da sociedade em respeitar esses Direitos.
120
125
Dessa forma, o Conselho Plurinacional para o Bem-viver, em harmonia e equilíbrio com a natureza,
formado pelo Presidente da República, representantes da assembleia plurinacional e diversos
representantes do Estado e dos movimentos sociais, elaborará planos para o acompanhamento e
cumprimento desta lei.
126
Ressaltamos os aspectos positivos da lei em relação aos direitos da natureza, tendo em vista que o
nosso principal ponto versa sobre a importância de a própria lei reconhecer que a Constituição Boliviana
efetivamente garante a Madre Tierra como sujeito de direitos. Todavia, há críticas substancias em relação
à referida lei. Bartolomé Clavero defende a inconstitucionalidade da lei perante a Constituição Política
Boliviana, pois, segundo o autor, trata-se de verdadeira violação à autodeterminação indígena e à
Pachamama (Clavero, 2012b). No mesmo sentido, organizações indígenas se retiraram das discussões do
projeto de lei porque a referida lei não materializa a cosmovisão indígena e os direitos da natureza.
121
127
Como reflexo dos estudos da Pachamama na arquitetura institucional desses países, Gudynas faz uma
intervenção interessante sobre a diferenciação entre a justiça ambiental e a justiça ecológica. Para o autor,
a justiça ambiental visa atender as necessidades humanas e, a partir dos direitos humanos, têm-se os
procedimentos de reparação (p.ex: indenização financeira), enquanto a justiça ecológica parte dos direitos
da natureza e tem como principal propósito a restauração dos ecossistemas violados, e não as pretensões
humanas (Gudynas, 2011b, p. 273/274).
128
Remetemos o leitor ao ponto sobre Neoconstitucionalismo e Novo Constitucionalismo, em que
trabalhamos a perspectiva da dignidade da pessoa humana, proposto pelo movimento Neoconstitucional,
e a Pachamama, fruto do Novo Constitucionalismo Pluralista.
122
129
Sustentava uma base ética comum a todos os seres da terra, com interdependência entre os humanos,
solo, planta, animais (Zaffaroni, 2011, p. 69)
130
Em geral, porém, esses são discursos oriundos de países centrais, em contrates com certa ausência de
debates nos países periféricos – ainda que esses países sejam os mais ameaçados pelo avanço da
degradação ambiental (Zaffaroni, 2011, p. 93).
131
Nesse aspecto, a poesia de Eduardo Galeano traduz perfeitamente o significado da Pachamama “O
importante é que nós, as pessoas, sejamos livres. E plenamente conscientes de que somos parte da
natureza. Esse foi o mandamento que Deus esqueceu: Serás parte da natureza. Obedecerás à natureza de
que fazes parte. Deus se esqueceu porque estava ocupadíssimo… Mas está em tempo de recuperar isso”.
Trata-se de um Depoimento de Eduardo Galeano na praça Catalunya, 24/05/11, em apoio aos jovens
123
Não podemos esquecer, por fim, que o debate sobre a Pachamama está
diretamente entrelaçado com a necessidade de manter vivo o respeito à territorialidade e
a cosmovisão indígena. Pachamama, Sumak Kawsay e direitos indígenas caminham
juntos na reafirmação de um novo paradigma societário.
132
Preâmbulo da Constituição Boliviana.
125
Não é uma formula alcançada, mas sim um campo de disputa (não apenas
discursiva, mas de práticas sociais, políticas e estatais) onde se tecem formas
criativas de reestruturação e construção identitárias e de classe. Como
programa político, o importante não é que o Estado se chame plurinacional (o
risco é que se chame plurinacional, porém, criando em formas mais refinadas
de controle sociais a partir do Estado); o importante é que ele contribua à
consolidação de formas plurais de autogoverno que desestruturem a matriz
liberal do sistema político novas formas civilizacionais que desbanquem
permanentemente o Estado liberal, monocultural e uninacional; que obriguem
permanentemente o Estado a se desconstruir (Garcés V, 2009, p. 175).
133
A descolonização, segundo o constitucionalista indígena Chivi Vargas: “não é uma receita de um
intelectual brilhante, mas sim a síntese da resistência política dos povos indígenas, convertida em
estratégia de mobilização e questionamento do conhecimento dominante, com suas práticas sociais e
culturais” (Chivi Vargas, 2009, p. 161). Para Walter Mignolo, a democracia não pode ser entendida sem
levar em conta a “diferença colonial”, tendo o racismo um papel fundamental em uma concepção não
manipulada de democracia. Racismo que não se resume ao elemento religioso ou a cor da pele, mas a
desconsideração epistemológica – neutralizando o valor do conhecimento e da língua – e a
desconsideração ontológica – desconsideração da humanidade dos indivíduos racializados (Mignoli,
2008, 43/45).
126
134
Segundo o autor: “Un Estado monocultural y monoorganizativo articulado de forma periférica al
sistema mundial, que se construyó sobre la base de la negecion del pluralismo social e cultural de las
formaciones andinas boliviana e ecuatoriana, y que sufrió um déficit crônico de legitimación social
debido a su incongruência com la constitución primigenia de su base social” (Medici, 2010, p. 7). No
mesmo sentido, Mirian Lang explica: “Hablan de la necessidad de descolonizar y deconstruir, incluso de
diluir el Estado, el cual, siendo um instrumento hostil, profundamente cargado tanto de colonialidad como
de neoliberalismo, no puede ser el instrumento mediante eu cual se construye uma sociedad pluranacional
y justa” (Lang, 2010, p. 19).
127
135
Inclusive, a própria noção de Bem-viver articula a parte dogmática e a parte orgânica da Constituição –
pois o fortalecimento da participação cidadã, por meio da reestruturação do Estado, é condição para o
Bem-viver (Larrea, 2010, p. 21).
128
136
Nesse aspecto, também é importante ressaltar que o pleito indígena – em geral - não envolve nenhum
tipo de separatismo do Estado, apenas a convivência harmônica dentro do âmbito estatal, por meio de
autonomia e livre determinação (Sanchez, 2009, p. 66). As minorias nacionais de alguns países como o
Canadá, Bélgica e Espanha, lutam pelo reconhecimento da igualdade, mas, diferentemente dos povos
indígenas, estão integrados à economia capitalista, o que não se torna óbice ao reconhecimento da
diversidade étnica, pois não confrontam a tradição liberal. Segundo a autora, em relação aos indígenas:
“as relações de domínio são estruturais: a formação social capitalista do país e os valores e instituições
liberais impedem a autorrealização das formas sociais indígenas” (Sanchez, 2009, p. 81/83).
137
Usos e costumes, na advertência de Juan Pinto, devem ser entendidos como o sistema normativo dos
povos indígenas. Não há uma relação de subordinação entre o “Direito” e “usos e costumes” (2009, p.
282). Segundo Diego Álvarez, as Leyes de Indias, de 1542, já destacavam na América espanhola que os
conflitos indígenas fossem resolvidos por suas próprias leis, desde que não fossem injustas (Álvarez,
2009, p. 224). É necessário salientar também que o termo “administração da justiça indígena” é
concebido para fins acadêmicos, já que para os povos ancestrais não significa uma instituição estruturada
com agentes especializados, mas parte da própria comunidade (Férnandez, 2012, p. 232).
129
138
De toda forma, Fajardo ainda considera um retrocesso colonial a limitação da jurisdição autônoma
indígena à limitação territorial, temporal e pessoal imposta na Constituição Boliviana e Equatoriana - nos
dois últimos casos (Fajardo, 2011, p. 153).
130
É claro que essas cláusulas podem ter uma função predatória em relação
aos direitos indígenas, como já ressaltamos no caso Colombiano. Todavia, também se
abre a possibilidade de diálogo e aprendizagem entre a cosmovisão indígena e os
direitos clássicos consagrados constitucionalmente e nos tratados internacionais de
direitos humanos, pois há mecanismos institucionais para possibilitar que os próprios
indígenas participem da última palavra em termos de intrepretação Constitucional.
139
A Constituição Equatoriana reconhece e garante às comunidades indígenas, de acordo com a
Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos, o direito coletivo a criar, desenvolver e
praticar seus direitos próprios (ou consuetudinário), desde que não afrontem direitos constitucionais, em
particular das mulheres, crianças e adolescentes (art. 57.10). No capítulo sobre função judicial e justiça
indígena, também destaca-se que as autoridades das comunidades indígenas exercerão funções
jurisdicionais, com base no seu direito próprio, dentro de seu território, com garantia da participação
feminina. (art. 171).
131
140
Todavia, o art. 4.3 da lei Ley del Tribunal Constitucional Plurinacional, no artigo, sobre supremacia
Constitucional estabelece que “El Tribunal Constitucional Plurinacional en su labor de guardián de
la Constitución Política del Estado es el intérprete supremo de la Ley Fundamental sin perjuicio de la
facultad interpretativa que tiene la Asamblea Legislativa Plurinacional como órgano depositario de la
soberanía popular.” Segundo Clavero, essa lei pode se submeter ao crivo de constitucionalidade, tendo em
vista que é o Tribunal Constitucional que deve oferecer a última resposta em termos de interpretação
Constitucional (Clavero, 2012b, p 8). Essa questão pode ser remetida ao ponto 2.1 do nosso trabalho que
discutiu as tensões entre jurisdição Constitucional e Democracia, sob o marco do Neoconstitucionalismo.
Do nosso ponto de vista, para um constitucionalismo participativo e democrático, tal qual se propõe o
Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano. O diálogo entre o Tribunal Plurinacional e a
Assembleia Plurinacional sobre a última palavra em termos de interpretação constitucional é saudável
para a democracia, principalmente em um país onde as verdadeiras transformações institucionais se
deram no plano legislativo e executivo, e não no judiciário (como no caso da Colômbia, por exemplo).
141
Será levado em conta o exercício da autoridade indígena originária. A Ley del Tribunal Constitucional
Plurinacional estabelece que o Tribunal Plurinacional é composto por sete magistrados/as e, ao menos,
dois deles devem ser oriundos do sistema indígena originário, por meio do sistema de auto-identificação
(art. 13).
142
André Hoekema utiliza a expressão “pluralismo jurídico unitário” para descrever esse mesmo
fenômeno: a subordinação dos sistemas indígenas ao Estado e ao Direito “oficial” (Hoekema apud
Botero, 2005, p. 233).
143
E não é só a Jurisdição Constitucional que é democratizada de forma plurinacional. A Constituição
garante a participação proporcional das nações e povos indígenas (art. 147, II), bem como a participação
das circunscrições indígenas na Assembleia Nacional Plurinacional (art. 146, VII). Em outro contexto,
Sanchez alerta que, em estados onde a luta política não avança para a plurinacionalidade, a representação
132
indígena nesses espaços pode servir para legitimar o sistema de dominação e desvirtuar a luta indígena
em prol de sua autonomia (Sanchez 2009, p. 76).
144
É notável o combate ao machismo e os esforços na demarcação de espaços femininos na Constituição
Equatoriana, como na imposição Constitucional da representação paritária entre homens e mulheres nos
partidos e movimentos políticos, nos órgãos do Estado, além da participação feminina na administração
da justiça indígena (art. 65).
145
No plano internacional, a Convenção 169 da OIT também reconhece que: “1. Ao aplicar as disposições
da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos
apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas
medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;(...) 2. As consultas realizadas
na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às
circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas
propostas”, entre outras disposições que reconhecem a consulta prévia. Aprofundando esse mecanismo, a
Declaração dos Povos Indígenas da ONU de 2008 afirma: “Os Estados consultarão e cooperarão de boa-
fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas instituições representativas, a fim de obter seu
133
consentimento livre, prévio e informado antes de adotar e aplicar medidas legislativas e administrativas
que os afetem”. Segundo Raquel Sieder, o modelo de consentimento, prévio, livre e informado da
Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, substitui a consulta prévia, impondo a possibilidade de veto
a partir das decisões das comunidades indígenas (Sieder, 2011, p. 311). Ou seja, não teria um efeito
meramente simbólico, mas, efetivamente, colocaria a decisão indígena como soberana.
146
O problema é que, mesmo o resultado da consulta sendo majoritariamente desfavorável, a decisão de
executar ou não o projeto pode ser adotada por meio da instância administrativa superior e de acordo com
a lei. Dessa forma, a opinião pública não vincula a atuação estatal, de maneira que a vontade popular
soberana pode ser derrotada por instâncias administrativas, limitando a própria soberania popular e
violando um dos maiores postulados do Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano.
134
147
Para uma análise da participação popular nas reformas Constitucionais no Equador e na Bolívia que,
sem dúvidas, são interessantes instrumentos de intervenção cidadã no futuro da Constituição, remetemos
o leitor para o ponto 1.2 da nossa dissertação, no qual discutimos a participação popular nos processos de
alteração da Constituição, ponto que está diretamente relacionado com o presente tópico. Para uma
excelente análise comparada entre Venezuela, Bolívia e Equador dos institutos de intervenção cidadã no
Estado, observar: Coelho et al , 2010.
135
148
Em relação à Constituição do Equador, Gargarella não deixa de reconhecer que há avanços em alguns
pontos, como o citado mecanismo de “morte cruzada” entre o executivo e legislativo, além do quarto
poder “Transparência e controle social”, mas não poupa criticas: além das fortes características do hiper-
presidencialismo, a prática do chefe do executivo desenvolveu-se no sentido de bloquear a participação
popular e não o contrário (Gargarella, 2011, p. 295/298).
136
Considerações finais
No entanto, essa nova percepção não pode ser vista com as velhas lentes,
de forma que se deve construir um novo Estado e uma nova institucionalidade a partir
das contribuições indígenas. O Tribunal Constitucional Plurinacional Boliviano é um
modelo de pluralismo jurídico igualitário, em que os povos indígenas, efetivamente,
participam da elaboração da palavra final, em termos de interpretação constitucional.
No mesmo sentido, a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, em temas
de seu interesse, reconhecem o direito coletivo dessas comunidades ao seu
desenvolvimento econômico, político, social e espiritual.
Referências
ACOSTA, Alberto. Por uma declaração Universal dos Direitos da Natureza. Reflexões
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