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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO


CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

PEDRO AUGUSTO DOMINGUES MIRANDA BRANDÃO

O NOVO CONSTITUCIONALISMO PLURALISTA LATINO-


AMERICANO: PARTICIPAÇÃO POPULAR E COSMOVISÕES
INDÍGENAS (PACHAMAMA E SUMAK KAWSAY)

Dissertação de Mestrado

Recife
2013
1

PEDRO AUGUSTO DOMINGUES MIRANDA BRANDÃO

O NOVO CONSTITUCIONALISMO PLURALISTA LATINO-


AMERICANO: PARTICIPAÇÃO POPULAR E COSMOVISÕES
INDÍGENAS (PACHAMAMA E SUMAK KAWSAY)

Dissertação apresentada no Programa de Pós-


graduação em Direito da Faculdade de Direito do
Recife/Centro de Ciências Jurídicas da
Universidade Federal de Pernambuco como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.
Área de concentração: Sociedade, Democracia e
Direitos Humanos
Orientador: Prof. Bruno Galindo

Recife
2013
2

PEDRO AUGUSTO DOMINGUES MIRANDA BRANDÃO

O NOVO CONSTITUCIONALISMO PLURALISTA LATINO-


AMERICANO: PARTICIPAÇÃO POPULAR E COSMOVISÕES
INDÍGENAS (PACHAMAMA E SUMAK KAWSAY)

Dissertação apresentada no Programa de Pós-


graduação em Direito da Faculdade de Direito do
Recife/Centro de Ciências Jurídicas da
Universidade Federal de Pernambuco como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.
Área de concentração: Sociedade, Democracia e
Direitos Humanos
Orientador: Prof. Bruno Galindo

A Banca Examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do primeiro,


submeteu o candidato à defesa em nível de Mestrado e a julgou nos seguintes termos:

Prof. Dr. , Dr. UFPE


Julgamento: ____________________________ Assinatura: _________________
Prof. Dr. , Dr. UFPE

Julgamento: _____________________________Assinatura: __________________

Prof. Dr. , Dr. UFPE

Julgamento: _____________________________Assinatura: __________________

MENÇÃO GERAL: __________________________________________________________

Coordenador do Curso:

Prof. Dr. Marcos Nóbrega


3

AGRADECIMENTOS

Todo trabalho é, em certa medida, uma tarefa coletiva. Esta dissertação,


em grande medida, foi fruto das experiências que tive com cada uma das pessoas abaixo
elencadas (e outras que seria impossível citar). O trabalho foi forjado, além do silêncio
da biblioteca e nas madrugadas da rua da aurora, em cada café, aula, reunião política,
mesa de bar e viagens Brasil afora.

Foram anos difíceis, mas extremamente prazerosos. O importante, o


importante mesmo, é que tudo foi feito com muita alegria e entusiasmo, Entre outras
coisas, aprendi que um título é apenas um título. O que fica no caminha é muito mais
importante: alegria, amizades, companheirismo e humildade. Em uma academia
marcadamente egocêntrica e teimosamente conservadora – que tende a invizibilizar
conhecimentos fora dos padrões científicos – conheci e me aproximei de muita gente
que sente prazer em compartilhar o conhecimento e que sabe, seguindo Paulo Freire,
que não pode haver educação sem amor.

Posso ver cada um dos meus/minhas amigos/amigas em cada trecho da


dissertação. O meu agradecimento sincero a todos/as que fizeram parte dessa jornada!

Ao Muda, Zoada, Coletivo de Lutas Comunitárias (CLC) e ao Centro


Popular de Direitos Humanos (CPDH). Laura, Thiago, Carla, Júlia, Pedro Josephi,
Severino, Gabriela, Rafael e todos/as que dedicam os melhores dias de suas vidas para
lutar por um mundo mais justo. Por mostrarem, cotidianamente, que a academia não
basta. Pelo exemplo de dedicação e militância aos Direitos Humanos e, principalmente,
por acreditarem que nada é impossível de mudar.

Aos professores/as, funcionários/as e amigos/as da Universidade Católica


de Pernambuco, onde tudo começou. Especialmente, à Jamile e aos meus amigos de
debates jurídicos, Rafael Dias, Arthur Lima, Felipe Bechara e Rafael Bezerra.

Aos bons amigos que o Mestrado em Direito me trouxe, carinhosamente


apelidado de G4: Ticianne Perdigão, Manuela Abath e John Heinz. Tenho certeza de
que o futuro reserva um lugar de destaque para vocês na academia, meus amigos.
4

À Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-PE, pelo empenho na


efetivação da Constituição, especialmente, a Marcelo Labanca – amigo e exemplo de
professor.

Aos funcionários e professores do Programa de Pós-Graduação em


Direito/UFPE, em especial, ao Prof. Arthur Stanford, pelo exemplo de dedicação; e ao
Prof. Ivo Dantas, pelo amor contagiante ao Direito Constitucional.

Todos/as que fizeram parte do grupo de estudos sobre o “Novo


Constitucionalismo Latino Americano”, na Faculdade de Direito do Recife.

À Cesar Baldi, um dos precursores do estudo sobre as Constituições


Andinas no Brasil, pelo constante diálogo, pelas críticas e pelas excelentes sugestões
bibliográficas.

Ao professor Fernando Dantas, pela honra de participar da minha banca e


pela articulação da Rede pelo Constitucionalismo Democrático, que visa emancipar o
Constitucionalismo das garras da monoculturalidade. Há braços e mentes nesta luta.

Especialmente, aos professores Gustavo Ferreira Santos e João Paulo


Allain Teixeira, que tanto contribuíram para esta dissertação, pelo conhecimento
jurídico e pelo entusiasmo no debate sobre Constitucionalismo e Democracia.

Ao meu orientador, Prof. Bruno Galindo, exemplo de acadêmico


dedicado e sensível, pelas sugestões e pela paciência.

À CAPES e ao povo brasileiro, por terem investido na minha formação


acadêmica através da Universidade Pública. Espero, sinceramente, que as experiências
aqui estudadas possam contribuir para uma concepção mais justa, plural e igualitária de
sociedade.

Pelo apoio incondicional da minha família: meus pais, Eduardo e Rosana,


e meus irmãos, Paulo e Duda. Se pude enxergar longe, é porque estava amparado nos
ombros de gigantes.

Sumak Kawsay (Bem-viver) e Ñandereko (vida harmoniosa)!


5

Para essa pessoa que, pela insuficiência de mim


mesmo, recorro a Fernando Pessoa: “Amo como
ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para
amar senão amar. Que queres que te diga, além de
que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?”.

À Laura Morais, por ter lido e corrigido cada


vírgula, acento e parágrafo desta dissertação. Por ser
o que é.
6

Soy América Latina,


Un pueblo sin piernas, pero que camina
Tú no puedes comprar al viento
Tú no puedes comprar al sol
Tú no puedes comprar la lluvia
Tú no puedes comprar el calor
Tú no puedes comprar las nubes
Tú no puedes comprar los colores
Tú no puedes comprar mi alegría
Tú no puedes comprar mis Dolores (...)
Vamos caminando
Aquí se respira lucha
Vamos caminando
Yo canto porque se escucha
Vamos caminando
Aquí estamos de pie
Que viva la américa!
No puedes comprar mi vida...

Latinoamerica, Calle 13.


7

RESUMO

Brandão, Pedro. O Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano: participação


popular e cosmovisões indígenas (Sumak Kawsay e Pachamama). 2013. Dissertação de
Mestrado – Centro de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito do Recife, Universidade
Federal de Pernambuco, Recife.

A dissertação tem o objetivo de analisar as inovações Constitucionais do Novo


Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano, que é resultado da fusão da concepção
de “Novo Constitucionalismo Latino-Americano”, proposto Roberto Viciano e Rubens
Dalmau, centrada na participação popular e nos mecanismos democráticos contidos nas
recentes Constituições da América-Latina, com a percepção de “Constitucionalismo
Pluralista”, de Raquel Fajardo - mais interessada no protagonismo indígena e na
formação do Estado plurinacional. O presente trabalho também busca caracterizar as
diferentes concepções teóricas sobre o fenômeno, comparando-o com o
Neoconstitucionalismo de matriz europeia e destacando suas diferenças, através do
recorte plurinacional e intercultural que permeia as novas Constituições Latino-
Americanas. Nesse sentido, demonstramos que esse movimento surgiu como uma forte
reação popular às políticas neoliberais adotadas, principalmente, nos anos noventa, e
como tal reação reverberou em textos constitucionais comprometidos com a
participação popular e a cosmovisão indígena, tendo em vista que este grupo foi o
grande protagonista nessas reações sociais. Sob esta perspectiva, analisamos,
primeiramente, as Cartas Constitucionais da Venezuela e da Colômbia que
apresentaram significativos avanços normativos, embora não sejam efetivamente
consideradas parte do Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-americano – tendo em
vista que não incorporaram as cosmovisões indígenas em seus textos Constitucionais -,
além de, no primeiro caso, as recentes reformas constitucionais tenderam a enfraquecer
o poder popular e fortalecer o poder presidencial e, no segundo caso, a formação
monocultural das instituições estatais, ainda que a Corte Constitucional propicie alguns
avanços no campo dos Direitos sociais e na questão indígena. Em seguida, estudamos as
Constituições do Equador e da Bolívia que, efetivamente, rompem com o modelo do
constitucionalismo tradicional e propõem novas e criativas possibilidades de pensar o
Constitucionalismo de acordo com os postulados da descolonização e
plurinacionalidade, positivando nessas Constituições o Sumak Kawsay (Bem-viver),
que orienta uma nova concepção de desenvolvimento alternativa ao capitalismo, a
Pachamama (Mãe-terra), que rompe com o antropocentrismo moderno e torna a
natureza sujeito de Direitos, e a intensificação da participação popular, por meio de
instituições que buscam controlar o estado e a economia, além de possibilitar a
participação indígena no seio do Estado.

Palavras-chave: Constitucionalismo, latinoamerica, Democracia, Pachamama, Sumak


Kawsay.
8

ABSTRACT

The dissertation aims to analyze the innovations of the New Constitutionalism


Constitutional Pluralist Latin American, which is the result of the fusion of design "New
Latin American Constitutionalism," proposed by Roberto Viciano and Rubens Dalmau,
focused on popular participation and democratic mechanisms contained in recent
constitutions of Latin America, with the perception of "Pluralistic Constitutionalism"
Raquel Fajardo - more interested in the role and training of indigenous multinational
state. This study also seeks to characterize the different theoretical conceptions about
the phenomenon, comparing it with the European neoconstitutionalism array and
highlighting their differences through intercultural and plurinational cut that permeates
the new Latin American Constitutions. Accordingly, we demonstrate that this
movement emerged as a strong popular reaction to the neoliberal policies adopted
mainly in the nineties, and as such reaction reverberated in constitutional texts
committed to popular participation and indigenous worldview, a view that this group
was the great protagonist in these social reactions. From this perspective, we analyze,
first, the Constitutional Letters of Venezuela and Colombia that, although they are not
actually considered part of the New Constitutionalism Pluralist Latin American - a view
that does not incorporate the indigenous worldviews in their Constitutional texts -
besides, in the first case, the recent constitutional reforms tended to weaken the power
of the people and strengthen presidential power and, in the second case, the state
institutions still being formed by single culture, even if their triggers some
Constitutional Court in the field of social rights and indigenous issues showed
significant normative advances. Then we studied the constitutions of Ecuador and
Bolivia, which effectively break with the traditional model of constitutionalism and
propose new and creative possibilities of thinking Constitutionalism in accordance with
the postulates of decolonization and plurinationality, these Constitutions making
constitutional the Sumak Kawsay (Well -live), which guides the development of a new
design alternative to capitalism, the Pachamama (Mother Earth), which breaks with the
modern anthropocentrism and nature makes the subject of rights, and increased popular
participation, through institutions that seek to control the state and the economy, and
enable indigenous participation within the state.

Keywords: Constitutionalism, Latinoamerica, Democracy, Pachamama, Sumak


Kawsay.
9

SUMÁRIO

Introdução ..................................................................................................................... 10
1. Delimitando o nosso objeto de estudo.................................................................. 15
1.1. O Novo Constitucionalismo Latino-Americano na perspectiva de Roberto
Viciano e Rubens Dalmau .......................................................................................... 16
1.2. O Constitucionalismo Pluralista e os ciclos constitucionais de Raquel Fajardo .
......................................................................................................................... 23
1.3. Um breve diálogo com Roberto Viciano, Rubens Dalmau e Raquel Fajardo . 29
1.4. O Novo Constitucionalismo Pluralista Latino Americano: entre a participação
cidadã e as cosmovisões indígenas – a concepção adotada neste trabalho ................. 31
1.5. Outras concepções teóricas sobre o tema......................................................... 36
1.6. Neoconstitucionalismo e Novo Constitucionalismo: diferenças e aproximações
......................................................................................................................... 43
1.7. O contexto político de surgimento do Novo Constitucionalismo Pluralista
Latino-Americano: uma reação ao projeto neoliberal ................................................ 50
2. A Constituição Colombiana de 1991 e a Constituição Venezuelana de 1999 .. 57
2.1. A Constituição Colombiana de 1991 e a Corte Constitucional Colombiana ... 57
2.1.1. Direitos indígenas: previsão normativa e aplicação Constitucional ......... 64
2.2. O caso Venezuelano ......................................................................................... 71
2.2.1. Processo Constituinte e a Constituição da República Bolivariana da
Venezuela de 1999 ......................................................................................................
.................................................................................................................. 72
2.2.2. Tensões entre a participação popular e o hiper-presidencialismo ............ 76
2.2.3. A Constituição Bolivariana e a questão Indígena ..................................... 87
3. Constituições da Bolívia e do Equador: O Novo Constitucionalismo Pluralista
Latino-Americano ......................................................................................................... 93
3.1. Sumak Kawsay/ Suma Qamaña/Bem-Viver ........................................................... 98
3.1.1. TIPNIS: tensões entre o desenvolvimentismo e o Sumak Kawsay ........ 110
3.2. Pachamama .................................................................................................... 116
3.3. Refundação do estado e desenho institucional............................................... 124
Considerações finais ................................................................................................... 137
Referências .................................................................................................................. 140
10

Introdução

A história da América Latina é fortemente marcada por períodos de


instabilidade institucional e por construções desiguais nas relações de poder. As
Constituições, em nosso continente, são, majoritariamente, representadas por
concepções elitistas e coloniais em detrimento de compreensões de mundo
historicamente marginalizadas, como o conhecimento popular, a cosmovisão indígena e
a cultura negra.

O Estado periférico Latino-Americano tem raízes distintas do Estado-


nacional Europeu. Enquanto aquele foi construído como fruto da instrumentalização do
poder das matrizes ibéricas (sem uma sociedade nacional) e subordinado aos interesses
mercantis das metrópoles, este foi construído pela ascensão de uma burguesia
individualista e liberal que substituiu a aristocracia feudal. Nesse cenário, a tradição
brasileira e latino-americana das instituições jurídicas é, de um lado, uma confluência
entre a herança colonial ibérica burocrático-centralizadora e, de outro, uma tradição
liberal-individualista utilizada a serviço dos detentores do poder (Wolkmer, 2008, p. 20-
30).

No plano constitucional, as antigas Cartas Latino Americanas, em geral,


foram baseadas na Constituição dos Estados Unidos, marcadamente liberal e elitista
(Gargarella, 2009, p. 4). O Constitucionalismo semântico ou nominal marcou a história
Latino-Americana durante parte do século XIX e XX, assinalando uma contraposição
entre o Constitucionalismo dos países “avançados”, com força normativa e vinculante, e
o Constitucionalismo dos países “subdesenvolvidos”, nulo de efetividade (Pisarello,
2009, p.1).

Esse velho Constitucionalismo, portanto, é caracterizado por


Constituições que concretizam privilégios para classes detentoras do poder econômico e
por concepções culturalmente monolíticas e excludentes, colocando as concepções de
mundo não eurocêntricas como subordinadas e submissas1. Nesses casos, opera-se a

1
De acordo com R. Viciano e R. Dalmau “En general, las constituciones del viejo constitucionalismo
solo cumplieron los objetivos que habían determinado las elites: la organizacíon del poder del Estado y el
mantenimiento, em algunos casos, de los elementos básicos de um sistema democrático formal” (Viciano
11

constitucionalização como forma de submeter as diferentes formas de pensar o mundo a


um pensamento único, sem nenhuma perspectiva de pluralidade ou interculturalidade.

Com o objetivo de questionar essas premissas apresentadas, o giro


paradigmático do Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano busca propor
novas alternativas para resolução desses conflitos, priorizando perspectivas que foram
ignoradas ao longo da história jurídica em nosso continente, bem como demarcando o
espaço reivindicatório e transformador do Constitucionalismo, que se aproxima da
Democracia, ao contrário do discurso jurídico formado historicamente, revelador de um
Direito Constitucional comprometido com a manutenção dos privilégios e sem o intuito
de combater desigualdades sociais e de positivar concepções de mundo não
eurocêntricas2.

Observaremos, no decorrer da dissertação, que as Constituições do Novo


Constitucionalismo Pluralista fundam novas lógicas – jurídicas e políticas - para os
países andinos que, em grande medida, ainda vivem as contradições acima elencadas,
mas tenta superá-las de forma democrática e participativa, com fórmulas constitucionais
absolutamente originais e criativas.

O Novo Constitucionalismo Pluralista, diante deste cenário, apresenta um


caráter transformador diante das práticas constitucionais presentes em nosso continente.
No entanto, é importante destacar, desde logo, que há uma pluralidade de entendimentos
acerca do tema, com contribuições de diversos autores.

É por isso que, na primeira parte de nosso trabalho, como modelos


representativos de diversas concepções acerca do tema, estudaremos as perspectivas de
Roberto Viciano e Rubens Dalmau, que demonstram uma preocupação central com as
assembleias constituintes democráticas e com as novas formas de intervenção popular, e
a concepção de Raquel Fajardo, centrada no reconhecimento dos direitos indígenas,
como desdobramento de um Constitucionalismo Pluralista. Essas duas contribuições

e Dalmau, 2010, p. 22-23). Nas palavras de Neves: “O que caracteriza a democratização dos países sul-
americanos é a inexistência de uma esfera pública universalista, que pressupõe ampla inclusão social da
população nos sistemas funcionais” (Neves, 2008, p. 213)
2
É por isso que nos serve o alerta de Wolkmer: “A importação de estruturas coloniais assimiladas pelas
elites locais (matrizes eurocêntricas e norte-americana) tem favorecido e alimentado formas de
dominação econômica e de exclusão social, inviabilizando o desenvolvimento de uma cultura jurídica
autenticamente latino-americana” (Wolkmer, 2008, p.20).
12

são, na nossa perspectiva, as mais valorosas no âmbito da sistematização desse novo


movimento.

Não temos o objetivo, por óbvio, de homogeneizar as diferentes


propostas constitucionais, mas de verificar os traços comuns na construção desse novo
movimento. Posteriormente, com o intuito de criar uma concepção de Novo
Constitucionalismo Pluralista que abarque a riqueza das experiências que ocorrem em
nuestra America, definiremos a concepção que pretende guiar a presente dissertação.

Não obstante, analisamos outras concepções teóricas sobre o tema, desde


autores latinos americanos, até os autores, passando pela incipiente experiência
brasileira sobre o novo movimento. Em que pese a primeira parte deste trabalho
constituir um estudo mais descritivo sobre as diferentes abordagens a respeito do Novo
Constitucionalismo, mais adiante, buscaremos uma análise mais crítica e reflexiva sobre
o tema.

Feito esse percurso teórico sobre as diferentes concepções sobre o tema,


nos preocupamos, por rigor metodológico, em distinguir o Neoconstitucionalismo do
Novo Constitucionalismo, demonstrando que este movimento, ao contrário daquele,
dimensiona, como polo concretizador da Constituição, a participação popular e as lutas
sociais, e não o poder judiciário.

Na última parte do primeiro capítulo, analisamos o surgimento do Novo


Constitucionalismo Pluralista como uma reação imediata às políticas neoliberais que se
propagaram em nuestra América nos anos 90. Demonstramos como a participação
popular e a reorganização dos movimentos de massa foi importante para criação de
processos constituintes democráticos e participativos em nosso continente que
reverberam em Constituições comprometidas com o reconhecimento de direitos sociais,
indígenas e com a intervenção do Estado na economia.

Dedicamos o segundo capítulo para tratar das Constituições Colombiana


e Venezuelana. Analisamos, no caso Colombiano, a atuação protagonista da sua Corte
Constitucional na efetivação dos postulados constitucionais e, ainda, o desenvolvimento
da normativa Constitucional sobre os povos indígenas naquele país.
13

No caso da Carta Venezuelana, analisamos a questão indígena, tanto na


Constituição como nas normas infraconstitucionais que regulamentam os dispositivos
Constitucionais, referentes à autonomia indígena. Os mecanismos de participação
popular também são destrinchados nesse processo, notadamente, em relação às recentes
reformas constitucionais ocorridas na Venezuela, que aumenta o poder presidencial e
dificulta a participação popular no processo democrático.

Demonstra-se, assim, que tais reformas constitucionais distanciam-se dos


postulados do Novo Constitucionalismo Latino-Americano, notadamente, em relação a
intensificação da intervenção cidadã. Dessa forma, esses processos são importantes
precedentes do Novo Constitucionalismo Pluralista Latino Americano, mas não
cumprem os ideais descolonizadores e interculturais que são as principais marcas desse
novo movimento.

Reservamos para o último capítulo o estudo sobre as Constituições do


Equador e da Bolívia e os seus mecanismos descoloniais e interculturais, desenhados ao
longo da primeira parte de nosso trabalho.

O Sumak Kawsay (Bem-viver) é analisado em suas diversas dimensões,


especialmente, a partir da perpesctiva indígena/andina, destacando a importância de sua
positivação para uma nova lógica Constitucional e perpassando o delicado conflito de
TIPNIS, na Bolívia, em que concepções indianistas e marxistas de desenvolvimento
entram em rota de colisão. A Pachamama, que busca superar o antropocentrismo do
Constitucionalismo tradicional, é analisada nos textos da Constituição do Equador e da
Bolívia.

Por fim, diante desssas inovações, mostramos como o Estado


Plurinacional se redimensiona para receber as novas perpesctivas acima citadas. A partir
daí, analisamos a reconfiguração do Estado a partir do protagonismo indígena e da
participação popular que se desdobram em mecanismos institucionais que intensificam
a participação cidadã na vida política desses países.

Ressaltamos que a nossa intenção não é fazer uma análise comparativa


entre as constituições do Novo Constitucionalismo Pluralista Latino Americano e o caso
brasileiro, muito menos pretendemos fazer um exame histórico ou completo do
14

Constitucionalismo da nossa região - não é nosso intuito analisar minuciosamente o


processo constitucional nesses países.

O que nos interessa são as novas contribuições para a teoria da


Constituição naquilo que há de inovador e original. O nosso recorte busca analisar o
denominador comum no Constitucionalismo desses países: a positivação dos Direitos da
Pachamama, do Sumak Kawsay e a intensificação da participação popular no processo
constitucional3.

3
Nesse contexto, é importante salientar o papel da academia que pode, ao contrário de seu pretexto oficial
de difundir conhecimento, atuar muito mais como sufocadora de outros conhecimentos possíveis, sob o
argumento da necessária “cientificidade” e “racionalidade”. O que guia a presente dissertação é o respeito
a outros conhecimentos produzidos fora das linhas acadêmicas, por isso respeitamos e buscamos o
conhecimento dos povos indígenas que não se enquadram em um modelo estreito de produção acadêmica.
Estudar esses novos modelos, também representa, nas palavras de Raquel Sieder: “[...] una critica al saber
jurídico dominante monocultural, racista y exclusivo y um compromiso – aunque sea todavia al nivel
discursivo - de valorrar las epistemologias o lós „saberes‟ distintos que historicamente han sido negados,
discriminados y desvalorizados” (Sieder, 2011, p. 316). É necessário, portanto, um papel crítico em
relação à própria academia e a produção do conhecimento.
15

1. Delimitando o nosso objeto de estudo

A problemática da definição do Novo Constitucionalismo Pluralista


perpassa por diversas nuances, de ordem teórica e prática, que pretendemos
desenvolver, tendo em vista, como ressalta Rodrigo Uprimmy, que a intensidade dessas
reformas constitucionais não são acompanhadas por um processo satisfatório de
sistematização dos pontos de convergência desse movimento (Uprimmy, 2011, p. 110).

O que buscamos, diante da complexidade do assunto e da dificuldade de


sua definição, principalmente por se tratar de uma experiência recente, é ressaltar as
diferentes contribuições para o mundo jurídico e traçar parâmetros minimamente
demonstráveis para definir o que chamaremos de “Novo Constitucionalismo Pluralista
Latino Americano”.

Há variadas denominações para esse novo movimento: i) Novo


Constitucionalismo Latino Americano (Viciano e Dalmau, 2010; 2011; 2011b; Dalmau
2008); ii) Constitucionalismo Mestiço (Baldi, 2009); iii) Constitucionalismo Andino
(Wolkmer, 2010)4 ; iv) Neoconstitucionalismo Transformador 5 (Santamaria, 2011); v)
Constitucionalismo do Sul (Pissarelo, 2008); vi) Constitucionalismo Pluralista
(Fajardo, 2011); vii) Constitucionalismo Experimental ou Constitucionalismo
Transformador (Sousa Santos, 2010c) viii) Constitucionalismo Plurinacional e
Democracia consensual plural do novo Constitucionalismo Latino-Americano
(Magalhães, 2011) ou Novo Constitucionalismo Indo-afro-latinoamericano (Magalhães,
2010); ix) Constitucionalismo Pluralista Intercultural (Wolkmer, 2010, p. 154); x)
Constitucionalismo Indígena (Clavero, 2011); xi) Constitucionalismo Plurinacional
Comunitário (Chivi Vargas, 2009); xii) O Novo Constitucionalismo Indigenista
(Ramirez, 2009) e xiii) Constitucionalismo da Diversidade (Uprimmy, 2011).

Cada autor, a seu modo, analisa as recentes reformas e transformações


constitucionais ocorridas na América Latina, de diferentes âmbitos teóricos e por
diversas perspectivas ideológicas, tendo em vista que, como afirma Cesar Baldi:

4
Wolkmer não faz referência a um autor especifico, apenas afirma que são expressões que vêm sendo
utilizadas.
5
O autor explica que tomou o termo „Transformador‟ emprestado de Boaventura de Sousa Santos
(Santamaria, 2011, p. 15).
16

“justamente sobre sua caracterização ou periodização é que existem profundas


divergências, algumas de cunho epistemológico” (Baldi, 2011, p. 11).

Os três autores que analisaremos em seguida (Rubens Dalmau, Roberto


Viciano e Raquel Fajardo), porém, foram os que tentaram sistematizar, no campo
Constitucional, de forma melhor sucedida, tais reformas, contextualizando com uma
visão crítica sobre os processos recentes ocorridos na América Latina.

Posteriormente, analisaremos a diferença desse novo movimento com o


Neoconstitucionalismo de matriz europeia e o contexto político de seu surgimento.

1.1. O Novo Constitucionalismo Latino-Americano na perspectiva de


Roberto Viciano e Rubens Dalmau

Os precursores do desenvolvimento teórico do Novo Constitucionalismo


são os juristas da Universidade de Valencia, na Espanha, Roberto Viciano e Rubens
Dalmau. Obviamente, já havia autores que trabalhavam essas experiências no âmbito
dos países latinos, mas parece-nos que Dalmau e Viciano foram os primeiros, a partir da
Teoria da Constituição, que buscaram sistematizar os avanços normativos das
Constituições Andinas, principalmente com a experiência acumulada como assessores
constituintes dos processos Constitucionais do Equador, Bolívia e Venezuela.

Inicialmente, os autores diferenciam o Novo Constitucionalismo do


Neoconstitucionalismo. O Neoconstitucionalismo seria uma teoria do Direito e não uma
teoria da Constituição, pois visa uma análise da dimensão positiva da Constituição. Não
busca uma ruptura, apenas converter o Estado de Direito em Estado Constitucional de
Direito, embora reconheça a centralidade e o fortalecimento da Constituição,
principalmente com a forte presença dos princípios no ordenamento jurídico (Viciano e
Dalmau, 2010, p. 17-18).

O Neoconstitucionalismo é uma corrente doutrinária fruto da academia,


dos professores de Direito Constitucional, enquanto o Novo Constitucionalismo é um
movimento surgido das reivindicações e manifestações populares. Todavia, ressaltam os
17

autores, é uma corrente constitucional em período de construção doutrinaria, com


elementos comuns, mas sem um modelo hermético (Viciano e Dalmau, 2011b, p. 4;
2011, p. 312-313).

O Novo Constitucionalismo, ao mesmo tempo em que absorve alguns


comandos do Neoconstitucionalismo, notadamente, a infiltração da Constituição no
ordenamento jurídico, ostenta, como preocupação central, a legitimidade democrática da
Constituição, garantindo a participação política – de forma que só a soberania popular
pode determinar a alteração da Constituição – e recuperando a origem democrático-
radical do Constitucionalismo Liberal Revolucionario Jacobino. Trata-se, portanto, de
uma “teoria (democrática) de la Constitución” (Viciano e Dalmau, 2010, p. 18/19).

Essa Teoria, com alguns obstáculos, tem se materializado nos processos


constituintes da Venezuela, Bolívia e Equador, pelo que os autores denominam de
“Novo Constitucionalismo Latino-Americano”.

Assim, umas das principais diferenças que marca o velho


Constitucionalismo da América Latina, em relação ao Novo Constitucionalismo, se
refere aos processos constituintes. Enquanto aquele era fruto de um acordo de elites,
baseado em interesses comuns, este faz parte de uma dinâmica participativa e marcada
por tensões. Nas palavras de Dalmau “es um constitucionalismo sin padres”, onde só o
povo pode sentir-se progenitor da Constituição, em contraposição aos pais da
Constituição do velho Constitucionalismo (Viciano e Dalmau, 2010, p. 22; 2010b, p. 9-
13; Dalmau, 2008, p. 6).

Nesse sentido, fazendo a relação entre a ativação do poder constituinte e


o caráter revolucionário dessas Constituições, após afirmar que somente o povo é
legítimo para fazer alterações Constitucionais mediante processos constituintes
democráticos e participativos, afirma Rubéns Dalmau:

Fronte a unha constitución débil, adaptada e retórica, propia do vello


constitucionalismo latinoamericano, o novo constitucionalismo, froito das
asembleas constituintes comprometidas con procesos de rexeneración social e
política, expón un novo paradigma de Constitución forte, orixinal e
vinculante, necesaria nunhas sociedades que confiaron na mudanza
constitucional a posibilidade dunha verdadeira revolución 6 (Dalmau, 2008, p.
5-6).

6
O autor, neste caso, utiliza a língua galega.
18

A precursora desse processo foi a Constituição Colombiana de 1991 -


impulsionada pela mobilização da sociedade civil, notadamente o movimento septima
papeleta – que gerou uma Assembleia Constituinte plenamente democrática, ainda que
sem o referendo de ratificação popular, núcleo legitimador daquelas Constituições
(Viciano e Dalmau, 2010, p. 23-24; 2010b, p. 16-17).

A Constituição Brasileira de 1988, na percepção dos autores, ainda que


anuncie alguns traços essenciais, não é considerado um exemplo desse Novo
Constitucionalismo, devido ao seu processo constituinte deficitário de legitimidade
democrática em sua Assembleia Nacional Constituinte, condicionada pelas regras
ditatoriais 7 (Viciano e Dalmau, 2011, p. 318-319; 2010b, p. 11-12). Sobre o tema,
comenta Luis Roberto Barroso:

Não prevaleceu a ideia, que teve amplo apoio na sociedade civil, de eleição
de uma constituinte exclusiva, que se dissolveria quando da conclusão dos
trabalhos. Ao revés, optou-se pela formula insatisfatória de delegação dos
poderes constituintes ao Congresso Nacional, a funcionar, temporariamente,
como constituinte, inclusive com a participação de senadores eleitos
anteriormente à sua instalação, por se encontrarem no curso de seus mandatos
de oito anos (Barroso, 2009, p. 41).

Sem dúvidas, o resultado do processo constituinte de 1988 foi satisfatório


em muitos aspectos, notadamente, na garantia da ordem democrática e dos direitos
fundamentais que iniciou uma nova institucionalidade na nossa recente democracia. O
papel dos movimentos sociais e das mobilizações populares, principalmente na
afirmação dos Direitos sociais, foi fundamental para uma Constituição que garantisse o
Estado Social e Democrático de Direito.

No entanto, não obstante tais avanços, o Processo Constituinte Brasileiro


que originou a Constituição de 1988 não cumpriu os requisitos exigidos pelos autores
para se enquadrar no Novo Constitucionalismo Latino-Americano, tendo em vista: i) a
participação de representantes da ditadura militar que macularam a composição do
Processo Constituinte; ii) a ausência de consulta popular para a ativação do Poder

7
No mesmo sentido, os autores entendem que o texto constitucional Peruano foi manipulado pelo regime
golpista fujimorista e, no caso da reforma argentina de 1994, não houve a ativação direta do poder
constituinte. No caso da Constituição equatoriana de 1998, não há a ratificação do texto final, parecida
com o caso Colombiano. Esses exemplos demonstram, portanto, que não há um caráter linear ou temporal
no Novo Constitucionalismo latino-americano (Viciano e Dalmau, 2011, p. 319-320).
19

constituinte – que foi realizado pela Emenda Constitucional nº 26; iii) ausência de
ratificação popular do projeto final da Constituição.

Efetivamente, o primeiro processo Constitucional de acordo com os


postulados do Novo Constitucionalismo foi na Constituição da Venezuela de 1999,
cujas características são as seguintes: i) referendo ativador do processo constituinte; ii)
referendo de aprovação do texto Constitucional; iii) rigidez para a reforma
Constitucional, de modo que o poder constituinte derivado não possa reformar a
Constituição. Nesse caso, somente o poder originário pode modificar o texto
constitucional, retirando-se dos poderes constituídos, por si só, a possibilidade de alterar
a Constituição, tendo em vista que todas as alterações devem se submeter ao crivo
popular8 (Viciano e Dalmau, 2010, p. 25-33; 2010b, p. 12).

Dessa forma, os autores consideram o poder constituinte-constituído uma


das “grandes falacias de las ciencias sociales”, pois só a soberania popular deveria ter o
poder de alterar a Constituição. O poder constituinte delegado ao legislativo perde a sua
essência, pois o deveria ser, teoricamente, indelegável e intransferível, com o objetivo
de “mantienen viva la relación entre el pueblo y su Constitución” (Viciano e Dalmau,
2008b, p. 107-109). Assim, há a eliminação do poder constituinte-constituído
(constituinte derivado ou poder reformador), articulando-se como único legítimo para a
reforma, o próprio poder constituinte originário, por isso a denominação do
“Constitucionalismo de transição” 9 , tendo em vista a necessidade de constantes
mudanças para resolver problemas que estão historicamente enraizados (Viciano e
Dalmau, 2010, p. 32-34).

Posteriormente, essas experiências foram materializadas nos processos


constituintes do Equador (2007-2008) e da Bolívia (2009), nos quais, segundo os
autores: “Teoría y práctica se unem, por lo tanto, em el nuevo constitucionalismo
latinoamericano” (Viciano e Dalmau, 2011, p. 321).
8
É por isso que os autores entendem “se supera el concepto de Constítución como limitadora de poder
(constituido) y se avanza em la definicion de la Constitucíon como fórmula democrática donde el poder
constituynte - la soberania popular – expresa su voluntad sobre la configuracion y limitación del Estado
pero también de la propria sociedad” (Viciano e Dalmau, 2010, p. 16). Trabalharemos as possibilidades
de modificação Constitucional na Constituição da Venezuela, de forma aprofundada, em tópico especifico
mais adiante.
9
Viciano e Dalmau explicam o seguinte: “El objetivo de la constitución, por lo tanto, no era estabelecer
el modelo final, sino possibilitar que este modelo pudiera ser pensado, com más tiempo y sin amenaza
inminente de um regresso al viejo sistema” (Viciano e Dalmau, 2008b, p. 106). Na já citada expressão de
Boaventura de Sousa Santos “Constitucionalismo experimental” (Sousa Santos, 2010c).
20

A Constituição Boliviana, no artigo 408, determina que a reforma total da


Constituição - aquela que afeta sua base fundamental - deve ser feita através da
“Assembleia Constituinte Originaria Plenipotenciária”, ativada mediante referendo
popular que pode ser convocado: i) por 20% do eleitorado; ii) pela Assembleia
Legislativa Plurinacional; iii) pelo Presidente ou Governador. O mesmo artigo garante
que a entrada em vigor da alteração Constitucional necessita de ratificação popular
mediante referendo.

Portanto, as Constituições Boliviana e Venezuelana eliminaram o poder


constituinte-constituído. Os autores fazem uma pequena ressalva quanto ao caso
equatoriano, em que é permitida a alteração da Constituição por meio dos poderes
constituídos, exceto suas clausulas fundamentais, incluídas restrições a Direitos e
garantias fundamentais, estrutura e elementos fundamentais do Estado, ou procedimento
de reforma da Constituição (Viciano e Dalmau, 2010a, p. 33; 2011b, p. 18; 2010b, p.
18). Dalmau entende que essas possibilidades, todavia, não se mostram preocupantes
tendo em vista a impossibilidade de se alterar pontos essenciais na Constituição daquele
país (Dalmau, 2008, p. 14).

De acordo com o art. 441 da Constituição do Equador, a emenda


Constitucional que não altere os elementos acima citados, pode ser realizado mediante
referendo, desde que seja convocado: i) pelo presidente da república; ii) pelos cidadãos,
com no mínimo 8% das pessoas inscritas no registro eleitoral; iii) pelos membros da
assembleia nacional, com um número não inferior a terça parte de sua composição. Em
todas as hipóteses, o projeto só será aprovado se obtiver dois terços dos votos da
assembleia nacional, passando por dois debates, sendo o segundo impreterivelmente 30
(trinta) dias depois do primeiro.

No caso das reformas constitucionais, previsto no art. 442 da


Constituição do Equador - que tem como limites direitos e garantias constitucionais, a
modificação do procedimento de reforma constitucional - pode ser iniciado: i) pelo
Presidente da Republica; ii) por 1% dos cidadãos inscritos no registro eleitoral; iii)
mediante resolução aprovada pela maioria dos integrantes da Assembleia Nacional. A
reforma também tramita em dois debates, sendo o segundo até 30 (trinta) dias depois do
primeiro. Se aprovado, deve-se convocar referendo nos 45 dias seguintes, sendo
necessário, para sua aprovação, mais da metade dos votos válidos.
21

Já o artigo 444 prevê que a Assembleia Nacional Constituinte pode ser


convocada através de consulta popular, que também deve estipular a forma de eleição
de seus representantes, e pode ser solicitada pelo Presidente da Republica, por dois
terços da Assembleia Nacional, ou por 12% das pessoas inscritas no registro eleitoral.
Igualmente, o mesmo artigo afirma que para a entrada em vigor da Nova Constituição,
fruto da ANC, deve ser aprovada por referendo popular.

Reformas constitucionais compõe o núcleo de lutas sociais, que implicam


mudanças em vários campos e esferas da vida social. Os processos constituintes são a
“ponta de iceberg” dos conflitos para a transformação de paradigmas societários, que
visam institucionalizar novos modelos políticos (Barbosa et al, 2009, p. 178-191).
Trata-se, como se pode observar, do desenvolvimento da participação popular no
âmbito da reforma da Constituição, pois o povo é convocado para toda e qualquer
alteração no campo constitucional10.

É por isso que os autores colocam a necessidade da continuidade


Constitucional – pois o legislador ordinário não poderá reformar a Constituição –
eliminando o poder constituinte-constituído/poder constituinte derivado.

Ademais, surge como característica formal dessas Constituições i)


originalidade, com novas formulas Constitucionais; ii) amplitude, que também está
relacionada com a necessidade de manutenção da vontade do poder constituinte,
limitando o campo de atuação dos poderes constituídos – tanto o Parlamento quanto o
Tribunal Constitucional11; iii) complexidade, de cunho institucional, embora com uma
linguagem acessível; iv) rigidez Constitucional (Viciano e Dalmau, 2010, p. 24-26).

10
É uma experiência interessante, principalmente para o caso brasileiro, em que as inúmeras reformas
constitucionais ocorreram sem a menor preocupação com as consultas populares. No Equador, por
exemplo, o então recém-eleito Presidente Rafael Correa assumiu a presidência e convocou uma consulta
popular para saber se a população desejava uma nova Constituição. O “sim” foi vitorioso sendo,
posteriormente, eleito os representantes da assembleia nacional constituinte, com forte presença e
articulação dos movimentos sociais (Barbosa et al, 2009, p. 180-181). Na Bolívia, em julho de 2006,
foram eleitos 255 representantes da assembleia constituinte, com forte presença indígena em sua
composição e presença de 84,51% da população, a maior participação política da história da Bolívia 10
(Barbosa et al, 2009, p. 187/188). Como já ressaltado, o caso Venezuelano, que tem fortes características
participantes, será analisado em tópico especifico.
11
Roberto Gargarella, referindo-se a extensão dos novos direitos nas Constituições, afirma que embora
novos Direitos não se convertam „magicamente‟ em realidade, a ausência de positivação de tais Direitos,
tende a trabalhar contra a sua concretização (Gargarella, 2010, p. 13). Ressalta-se, no entanto, que não são
novos Direitos, o que é novo é a potivivação Direitos.
22

Assim, o Novo Constitucionalismo, aproximando-se do


Constitucionalismo revolucionário do século XVIII, fortemente influenciado pelo
Positivismo, coloca-se contra duas teses reinantes no Direito Constitucional clássico:
textos sintéticos e delegação do poder constituinte (Viciano e Dalmau, 2008b, p. 109).

Já as características materiais do Novo Constitucionalismo buscam


intensificar a participação popular no âmbito democrático, construindo uma
aproximação entre o governo e a soberania popular, mediante novas formas de
democracia e participação cidadã. Nesse cenário, com o desenvolvimento de uma
democracia participativa, os partidos políticos têm o seu papel reduzido, pois é limitado
pela intervenção direta da população (Viciano e Dalmau, 2010, p. 34-35).

Como consectário do incremento da democracia participativa, tem-se um


maior protagonismo da participação de grupos historicamente marginalizados, como os
povos indígenas, através da especificação de seus Direitos, além da recepção de tratados
internacionais e ações constitucionais protetivas de tais Direitos. Os povos indígenas,
historicamente excluídos, também são reconhecidos através de institutos antes
desconhecidos do Direito Constitucional.

Por fim, ainda como característica material, observa-se o controle da


economia pelo estado como forma de reduzir as desigualdades econômicas através da
implantação de novas e variadas formas de economia solidária, inclusive com o
resguardo dos recursos naturais, fruto da luta dos movimentos sociais contra o
neoliberalismo, pois, como afirmam os autores “las condiciones sociales em América
latina no dejan muchos resquicios para la esperanza, pero uno de ellos es el papel de um
constitucionalismo comprometido” (Viciano e Dalmau 2010, p. 37/38; 2011b, p. 5).

É de se ressaltar, que o Novo Constitucionalismo proposto pelos autores,


não se resume as experiências latino-americanas que pretendemos desenvolver nessa
dissertação. Trata-se de uma teoria – explicativa e não propriamente científica - que teve
seu primeiro desenvolvimento a partir das experiências citadas, mas nada indica que se
limitem aqueles experimentos.

A definição desses autores, no entanto, não passa imune a críticas. No


tópico específico sobre a nossa definição do Novo Constitucionalismo Pluralista,
traçaremos nossa análise sobre suas propostas.
23

1.2. O Constitucionalismo Pluralista e os ciclos constitucionais de Raquel


Fajardo

A autora peruana12, Raquel Fajardo, tem uma preocupação fundamental


em analisar a dinâmica dos povos indígenas e a sua inserção no processo constitucional
de alguns países Latino Americanos. É uma preocupação que visa combater o longo
processo de invisibilização desses povos, resultante tanto de um processo de etnocídio
cultural – que usou da violência para exterminar os povos indígenas – quanto de uma
doutrina integracionista, que busca a integração dos indígenas à “civilização” e, apesar
de mais sutil, igualmente devastadora para a cultura indígena.

Segundo a autora, as novidades constitucionais introduzidas pelas


recentes ondas de reformas constitucionais se propõem a superar tanto o
“Constitucionalismo liberal monista” do sec. XIX, quanto o “Constitucionalismo social
integracionista” do sec. XX, ainda marcados por uma forte herança colonial,
notadamente, com os instrumentos jurídicos de subordinação e tutela dos povos
indígenas (Fajardo, 2011, p. 139). Nesse sentido, convém o alerta de Antonio Carlos
Wolkmer em relação à formação jurídica dos países de colonização ibérica:

Constatou-se, assim, que a imposição e o favorecimento dos pressupostos do


Direito alienígena colonizador, além de discriminar grande parte da própria
população nativa, desconsiderava as práticas costumeiras de um Direito
autóctone, largamente exercidas em incontáveis comunidades de índios e
populações negras escravizadas. Naturalmente tratava-se dos traços reais de
uma tradição subjacente e marginalizada de experiências jurídicas informais,
que não chegaram a influenciar, tampouco foram reconhecidas e
incorporadas pela legalidade oficial. Sufocaram-se, assim, as tradições de um
Direito nacional mais autêntico proveniente das comunidades indígenas, em
função do Direito estrangeiro, trazido pelo colonizador, e que não expressava
as genuínas aspirações da população nativa que aqui vivia (Wolkmer, 2008,
p. 29).

12
Sabemos que atualmente não é indicado, pelas melhores regras acadêmicas, a indicação da
nacionalidade ou qualquer outra qualificação acompanhando o nome do autor. Todavia, entendemos que
os autores „do Sul‟- inclusive, os latino-americanos - foram tão invisibilizados no cenário acadêmico,
notadamente no campo Constitucional, que é necessário demarcar a sua origem e seu local de fala. Dessa
forma, buscamos tirar a capa de invisibilidade da intelectualidade de alguns países, mostrando que ao Sul
há produção acadêmica, reflexão e pensamento sobre os problemas envolvendo o Direito.
24

Dessa forma, as doutrinas liberais e o Constitucionalismo político não


foram capazes de reproduzir textos constitucionais capazes de refletir os anseios de
maiorias políticas, como as populações indígenas, as afro-americanas, e os diversos
movimentos do campo e urbano (Wolkmer, 2010, p. 147).

O Constitucionalismo liberal na América Latina surgiu no contexto da


independência, com forte caráter questionador do poder da metrópole e com o intuito de
impor limites ao poder absolutista, em prol da luta emancipatória dos povos da colônia,
mas com algumas diretrizes, influenciadas pelas ideias europeias, como o liberalismo
econômico, o dogma da livre iniciativa, a limitação do poder centralizador e a
concepção monista de Estado de Direito (Wolkmer, 2010, p. 148).

Os estados liberais, portanto, se organizaram sob a tutela do monismo


jurídico, pois a ideologia do Estado-nação não permitia mais de um sistema normativo
vigorando no mesmo espaço territorial. Um modelo importado, com forte carga
monocultural, que excluía do processo político e jurídico: mulheres, afrodescendentes e
povos originários. Do ponto de vista constitucional, havia três formas de manter esta
sujeição: i) abolir as terras coletivas, na intenção de evitar levantes indígenas; ii)
assimilar, civilizar e cristianizar os indígenas; iii) estabelecer guerras contra as nações
indígenas (Fajardo, 2011, p. 140).

Já Constitucionalismo social, questionou o marco do constitucionalismo


liberal, assimilacionista e individualista, ampliando e reconhecendo direitos coletivos
dos povos indígenas13. Todavia, o seu objetivo era integrar os indígenas ao Estado e ao
mercado, sem romper com a identidade do Estado-nação. Ou seja, não se questionou a
monoculturalidade e a tutela estatal sobre os povos indígenas (Fajardo, 2011, p. 140).
Todas essas características refletem uma forte lógica econômica. Para além da alta carga
culturalmente homogênea e do componente religioso, tinham a clara intenção de anexar
terras e retirar dos indígenas os seus territórios ancestrais, disponibilizando para a
dinâmica mercadológica os seus territórios.

13
O senso-comum teórico ainda firma o início do Constitucionalismo social com a Constituição de
Weimar de 1919, quando, na verdade, foi iniciado com a Constituição Mexicana de 1917. Mostra-se,
além do desconhecimento da realidade constitucional latino americana, uma alta carga de colonialismo
constitucional.
25

Um questionamento efetivo à monoculturalidade, ao colonialismo14, e à


própria configuração do Estado tem início (e caminha de forma progressiva) apenas no
final do século passado (1980) até o presente momento, embora com diversas
contradições e tensões (Fajardo, 2011, p. 141). A partir daí, a autora divide a nova fase
do Constitucionalismo na América latina em três ciclos principais, que analisaremos a
seguir.

O primeiro ciclo (1982-1988) é denominado de “Constitucionalismo


Multicultural”, e tem como principais características a abertura das Constituições para a
diversidade cultural e o reconhecimento de várias línguas oficiais. São exemplos desse
ciclo, a Constituição da Guatemala (1985) – que reconhece a configuração multietnica e
multicultural do país, e a da Nicarágua (1987) – que declara a “natureza multiétnica” do
povo e seus Direitos culturais, linguísticos e territoriais15 (Fajardo, 2011, p. 141).

Não há, entretanto, maiores avanços no reconhecimento dos Direitos


indígenas nem do pluralismo jurídico.

O segundo ciclo (1989-2005) foi fortemente influenciado pela


convenção 169 da OIT (1989) – que, dentre outras coisas, positivou a necessidade de
consulta prévia aos indígenas – e tem como principal característica a introdução de
fórmulas de pluralismo jurídico que rompem com a ideia de monismo jurídico e,
consequentemente, passam a reconhecer as tradições, os costumes e as autoridades
indígenas. O reconhecimento desse sistema foi uma grande conquista para a população
indígena, tanto para reafirmar seus direitos territoriais quanto para frear a criminalização
de suas lideranças (Fajardo, 2011, p. 142-3).

Foram determinantes para o desenvolvimento desse segundo ciclo i) as


lutas indígenas; ii) o desenvolvimento do Direito Internacional sobre povos indígenas;

14
Colonialialismo, na concepção de Boaventura de Sousa Santos “es todo sistema de naturalización de las
relaciones de dominación y de subordinación basadas em diferencias étnicas o raciales. El estado
moderno es monocultural y es colonial em ese sentido, porque sus instituicones siempre han vivido a
partir de uma norma, que es uma norma eurocêntrica que no celebra sino, al contrario, oculta la
diversidad” (Sousa Santos, 2012b, p. 21)
15
Segundo a autora, a Constituição brasileira de 1988 encontra-se no limiar do primeiro para o segundo
ciclo (2011, p. 141), embora não desenvolva os avanços e limites da Constituição brasileira na proteção
dos Direitos indígenas. Para Ricardo Verdum, a Constituição brasileira: “como outras Constituições
latino-americanas, foram incorporadas a diversidade étnica e os direitos específicos no novo texto
constitucional, sem tocar nas estruturas políticas de dominação” (Verdum, 2009, p. 97)
26

iii) a expansão do multiculturalismo16 e as reformas do Estado e da justiça são exemplos


desse novo ciclo: as Constituições da Colômbia (1991)17, México e Paraguai (1992),
Peru (1993), Equador (1998) e Venezuela (1999) (Fajardo, 2011, p. 143-144).

Essas Constituições reconheceram às comunidades indígenas os


seguintes Direitos: i) a constituição de autoridades e instituições próprias e legítimas; ii)
organização jurídica de acordo com as suas tradições e costumes; iii) possibilidade de
exercer funções jurisdicionais – jurisdição autônoma. Todos esses reconhecimentos
produziram a superação do Estado monista do século XIX, que foi substituído por uma
espécie de pluralismo jurídico interno, ainda que de forma inorgânica e desorganizada
no corpo constitucional (Fajardo, 2011, p. 146).

Porém, essas Constituições também estabeleceram restrições à autonomia


indígena, defendendo que a mesma seja limitada à Constituição e à lei, seguindo o
modelo da Convenção 169 da OIT, que impõe como limite à autonomia indígena os
direitos humanos e fundamentais. Dessa forma, cria-se uma espécie de “pluralismo
jurídico subordinado colonial” (Fajardo, 2011, p. 147). São as “cláusulas de freio”, que
são incorporados nos textos constitucionais como limites aos direitos indígenas
(Wilhelmi, 2009, p. 141). Algumas Constituições ainda criaram leis de compatibilização
(Equador/94) e harmonização (Colômbia e Peru), estabelecendo uma espécie de relação
horizontal entre essas instâncias. O problema é que, na prática, os conflitos passam a ser
decididos pela jurisdição ordinária, ou seja, não houve soluções adequadas
interculturalmente para a resolução dessas colisões (Fajardo, 2011, p. 148).

16
Multiculturalismo diferencia-se de interculturalismo, nas palavras de Boaventura de Sousa Santos: “Ao
contrário do multiculturalismo – que pressupõe a existência de uma cultura dominante que aceita, tolera
ou reconhece a existência de outras culturas ao espaço cultural onde domina – a interculturalidade
pressupõe o reconhecimento recíproco e a disponibilidade para enriquecimento mútuo entre várias
culturas que partilham um dado espaço cultural” (Sousa Santos e Menezes, 2010, p. 9) No mesmo
sentido, referindo-se à diferenciação entre a interculturalidade e o multiculturalismo, Bruno Galindo
afirma: “Considerando a conexão sintática e a dimensão semântica dos termos envolvidos e tendo em
vista o aspecto léxico, poderíamos afirmar que o multiculturalismo seria um sistema de compreensão da
existência de uma multiplicidade de culturas, ao passo que o interculturalismo denotaria a idéia de um
sistema entrelaçador de culturas, estabelecendo necessários influxos entre elas”. (Galindo, 2006, p. 94)
17
A Constituição colombiana de 1991 cumpre um papel primordial e, porque não, vanguardista nesse
segundo ciclo proposto por Fajardo. Devido a sua importância e as suas peculiaridades, principalmente
em relação à atuação “ativista” da sua Corte Constitucional, desenvolveremos em tópico especifico mais
adiante.
27

Tais previsões podem ser extremamente predatórias em relação aos


Direitos e à autonomia indígena, pois sob o argumento de violação à lei e à
Constituição, pode-se vulnerar as conquistas indígenas daqueles países. Se por um lado
não seria desejável a criação de um mundo apartado, sem diálogo com as normas
internacionais e constitucionais, por outro, tal previsão constitucional pode ceifar
qualquer possibilidade da verdadeira autonomia indígena. O grande desafio, portanto, é
interpretar interculturalmente as normas Constitucionais que, como será analisado
adiante, tem o Tribunal Constitucional Plurinacional Boliviano como uma alternativa
intercultural a esse conflitos.

Dessa forma, esse segundo ciclo traz avanços importantes para a questão
indígena na América Latina, mas tem limites epistemológicos e institucionais latentes
na afirmação e garantia dos povos indígenas, tendo em vista que a constitucionalização
desses Direitos não foi acompanhada de mecanismos institucionais que efetivaram tais
avanços.

Além disso, essas conquistas constitucionais não foram traduzidos em


avanços reais para as comunidades indígenas, tendo em vista o concomitante avanço de
políticas neoliberais que acabaram por bloquear aqueles progressos no campo
constitucional (Fajardo, 2011, p. 143).

O terceiro ciclo (2006-2009), denominado Constitucionalismo


Plurinacional, é marcado pelo giro paradigmático na teoria da constituição, pois não se
caracteriza somente pela ampla positivação dos direitos indígenas, mas pela
internalização do conhecimento e da cosmovisão indígena nesse processo. É
representado pelas Constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009), que buscam a
refundação do Estado com base na plurinacionalidade e no protagonismo indígena.

Diante do avanço de políticas neoliberais, iniciadas na década de 90, os


novos clamores sociais foram centrados em direitos sociais e um papel ativo do Estado
capaz de enfrentar o poder econômico e as empresas multinacionais. Como tradução
dessas demandas, foi positivado, nessas Constituições, o direito à água e à segurança
alimentar, além dos direitos indígenas e o reconhecimento de sua Cosmovisão – como o
Buen Vivir e a Pachamama - que foi alçada a novo sujeito de Direitos no Equador
(Fajardo, 2011, p. 149). De acordo com a autora:
28

Al definirse como un Estado plurinacional, resultado de un pacto entre


pueblos, no es un Estado ajeno el que “reconoce” derechos a los indígenas,
sino que los colectivos indígenas mismos se yerguen como sujetos
constituyentes y, como tales y junto con otros pueblos, tienen poder de
definir el nuevo modelo de Estado y las relaciones entre los pueblos que lo
conforman. Es decir, estas Constituciones buscan superar la ausencia de
poder constituyente indígena en la fundación republicana y pretenden
contrarrestar el hecho de que se las haya considerado como menores de edad
sujetos a tutela estatal a lo largo de la historia (Fajardo 2011, p. 149).

Essas Constituições, portanto, têm um claro projeto descolonizador e


intercultural, estabelecendo a jurisdição autônoma indígena igualitária com a ordinária
e, no caso Boliviano, o estabelecimento do Tribunal Constitucional Plurinacional 18 –
com representantes paritários da jurisdição indígena e ordinária – e, na Constituição
Equatoriana, com igualdade de gênero, de maneira a garantir a igualdade étnica e de
gênero, respectivamente (Fajardo, 2011, p. 150-154).

Ademais, foi implementado por esses textos – além da clássica


democracia representativa – novas e diversas formas de participação política, como a
democracia comunitária, os referendos, as consultas e o reconhecimento das eleições e
da autoridade indígena, de acordo com o seu próprio Direito e procedimento, que antes
era monopólio do Estado19 (Fajardo, 2011, p. 150-154).

Nas Constituições do Equador e da Bolívia, os direitos indígenas


perpassam toda a Constituição e constroem, efetivamente, uma nova concepção de
Estado e de sociedade, em que a velha lógica colonial e patriarcal é superada em
detrimento de uma leitura intercultural do Direito Constitucional.

18
A autora ressalta, entretanto, alguns retrocessos na dinâmica política devido às resistências
conservadoras, que impossibilitaram o pleno desenvolvimento da jurisdição autônoma indígena na
Bolívia, tal qual era o projeto original, como, por exemplo, o limite territorial, pessoal e material imposto
à jurisdição autônoma indígena (Fajardo, 2011, p. 150-154).
19
É interessante notar que Antonio Carlos Wolkmer também se refere a ciclos do Constitucionalismo
latino-americano. De acordo com o autor o “Constitucionalismo Pluralista intercultural” tem 3 ciclos. No
primeiro ciclo insere a Constituição Brasileira e Colombiana como propulsoras desse processo; no
segundo inclui a Constituição da Venezuela de 1999, de característica participativa e pluralista; já no
terceiro ciclo coloca a Constituição do Equador e da Bolívia, com suas características interculturais e do
pluralismo igualitário jurisdicional (Wolkmer, 2010, p. 153). Há diferenças pontuais entre esta
classificação e os ciclos propostos por Raquel Fajardo, já que nesta se insere a Colombiana no primeiro
ciclo (Fajardo insere no segundo). O terceiro ciclo, entretanto, é idêntico: a constituição da Bolívia e do
Equador são pioneiras no processo de afirmação dos indígenas como atores constitucionais, ponto central
do nossa dissertação, pelo que se constroem sociedades interculturais e com pluralismo jurídico
igualitário. Todavia, o autor não desenvolve a diferenciação desses ciclos, bem como não se aprofunda
nas diversas características dessas Constituições.
29

Sob esta temática, objetiva-se, portanto, construir um novo modelo de


sociedade e de Estado em que os protagonistas dos processos Constitucionais sejam
aqueles historicamente excluídos e marginalizados - notadamente os indígenas, as
mulheres e os campesinos. Esse ciclo representa de forma significativa o que
pretendemos trabalhar na presente dissertação, notadamente no nosso último capitulo.

1.3. Um breve diálogo com Roberto Viciano, Rubens Dalmau e Raquel


Fajardo20

Se por um lado, o Novo Constitucionalismo proposto por Rubens


Dalmau e Roberto Viciano revela-se progressista e democrático, visando fórmulas que
maximizam a participação cidadã e oferecem um suporte teórico para o controle dos
atos estatais e dos representantes populares em prol da efetividade Constitucional; por
outro, entretanto, ainda defende uma concepção de Direito homogênea e monocultural,
negando as contribuições transformadoras do Constitucionalismo Equatoriano e
Boliviano para a Teoria da Constituição, notadamente, a interculturalidade e
plurinacionalidade - resposta indígena a um Constitucionalismo eurocentrado.

É bem verdade que diversas Constituições ao redor do mundo


reconhecem direitos aos povos originários. Todavia, as Constituições da Bolívia e do
Equador não se limitam a isso, elas internalizam práticas, costumes e tradições dos
povos indígenas, historicamente excluídos do processo de produção/aplicação do
Direito.

Tais conquistas, entretanto, parecem não gerar maiores reflexões nas


obras dos professores espanhóis, já que parecem não destacar a importância do
protagonismo indígena e da nova institucionalidade plurinacional. Esse é o nosso
desacordo fundamental com os autores, vez que, como afirma Cesar Baldi:

Ignorar determinados parâmetros inovadores das duas Constituições e querer


colocar no mesmo parâmetro a Constituição colombiana de 1991, que
reconhecia de forma limitada a diversidade cultural (inobstante o

20
Para uma análise dos conflitos entre diferentes as concepções de Raquel Fajardo, Roberto Viciano e
Rubens Dalmau: Baldi (2011).
30

desempenho da Corte constitucional ser um dos mais avançados capítulos do


constitucionalismo do continente) é obscurecer o evidente protagonismo
indígena e a luta por um padrão descolonizador e plurinacional de Estado. E,
assim, questionar fundamentalmente os parâmetros eurocentrados do
constitucionalismo (Baldi, 2011, p.3).

Nessa linha, certamente o ponto de maior cisão entre o nosso


entendimento e o dos professores citados, disposto em tópico específico, reside no papel
das conquistas constitucionais originadas das lutas dos povos indígenas.

Essas novas concepções constitucionais, nas palavras de Cesar Baldi


“rompem com uma visão eurocentrada do mundo e admitem a inclusão de visões até
então marginais na teoria constitucional, fruto também do forte protagonismo das
comunidades indígenas” (Baldi, p.1, 2009b). E não se trata apenas de ressaltar o
protagonismo indígena, mas como sua filosofia está entrelaçada diretamente com uma
nova concepção de conhecimento e desenvolvimento (Sieder, 2011, p. 314), como
analisaremos em seguida.

Negar essas contribuições para o processo democrático é interpretar


monoculturalmente as Constituições desses países e recusar o maior avanço que essas
Cartas alcançaram: o respeito aos povos ancestrais e a suas tradições. Como afirma
Raquel Sieder:

Um renovado esfuerzo por analizar el derecho em América latina no debe ni


puede dejar por fuera lós derechos indígenas. Uma de las especificidades y
fortalezas de la región es la sobrevivência y pervivencia de los pueblos
indígenas (Sieder, 2011, p. 316).

Dessa forma, a concepção dos autores citados parecem estruturas que


revelam implicações políticas mais ligadas a uma esquerda marxista ortodoxa, que não
consegue reconhecer a contribuição indígena para o processo Constitucional, tendo em
vista que envolve o conhecimento e o respeito aos povos ancestrais - que tem outra
dinâmica de produção econômica e de interação com o meio ambiente21. São resquícios
do eurocentrismo que encobre outras perpesctivas de mundo22.

21
Desenvolveremos a tensão entre versões mais dogmáticas do marxismo e o indianismo no tópico:
TIPNIS: tensões entre o desenvolvimentismo e o Sumak Kawsay.
22
O Professor Roberto Viciano, ministrou mini-curso na Faculdade de Direito do Recife (FDR/UFPE)
durante três dias, no qual pôde expor as linhas mestras do Novo Constitucionalismo, com ênfase no
31

Esses são, portanto, os principais pontos de tensão em relação à


abordagem dos professores Roberto Viciano e Rubens Dalmau. Todavia, é importante
ressaltar que as críticas acima destacadas não têm o condão de negar o Novo
Constitucionalismo aventado pelos autores, mas avançar naqueles pontos que
acreditamos essenciais para a construção de um direito plurinacional. Só então
poderemos traçar novos rumos e aperfeiçoar os caminhos já existentes.

Nesse sentido, as contribuições de Raquel Fajardo e diversos outros


autores andinos são marcantes na presente dissertação.

Todavia, se por um lado Roberto Viciano e Rubens Dalmau não


incorporam as experiencias indígenas na sua abordagem, Raquel Fajardo parece limitar
o seu Constitucionalismo Pluralista às experiências indigenas. É claro que esse é um
ponto essencial no debate, mas certamente não é único, ou seja, é primordial, mas não é
exclusivo23.

Portanto, se Raquel Fajardo analisa esse processo constitucional com


ênfase na questão indígena e, por outro lado, os professores espanhóis dão ênfase à
participação popular no controle do estado e da economia, entendemos que aliar essas
duas características seria o ideal para a nossa definição de Novo Constitucionalismo
Pluralista Latino-Americano.

1.4. O Novo Constitucionalismo Pluralista Latino Americano: entre a


participação cidadã e as cosmovisões indígenas – a concepção adotada
neste trabalho

processo constitucional da Venezuela, Equador e Bolívia. Quando questionado sobre a possibilidade das
jurisdições autônomas nestes países, afirmou que optava por uma aplicação mais homogênea do Direito.
Ora, a autodeterminação dos povos indígenas, incluindo a jurisdição especial, é uma das maiores
conquistas para esses povos. A jurisdição indígena autônoma foi prevista e fortalecida nas Constituições
do Equador (art. 171) e da Bolívia (art. 199), e garante o respeito à cultura e as tradições desses povos,
sendo um dos instrumentos mais importantes e originais no constitucionalismo desses países.
23
É necessário ressaltar que a divisão em ciclos proposta pela autora não autoriza uma interpretação
linear da história, que já demonstrou que a possibilidade de avanços e retrocessos não são demarcadas
temporalmente. Os ciclos, na nossa interpretação, buscam sistematizar de forma didática os diferentes
avanços e propostas das recentes reformas constitucionais na América Latina, de forma que não pode ser
compreendida como uma sequência lógico-histórica.
32

Mesclando os dois entendimentos acima mencionados, desenvolvemos


aquilo que denominamos “O Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano”.

O século XXI se inicia com grandes experiências no campo político e


Constitucional em nuestra América. Mas a história, longe de ser linear, pode preparar
surpresas para essas novas experiências jurídicas – do sucesso ao fracasso – que só o
futuro irá responder. O nosso papel, enquanto investigador socio-jurídico, é analisar –
sem nenhuma pretensão de neutralidade – os avanços e retrocessos desses experimentos,
destacando o que a população desses países, notadamente aqueles que foram
historicamente marginalizados no campo político e jurídico, tem a ganhar (ou perder)
com esse novo movimento constitucional.

Esse movimento surgiu de uma necessidade histórica de, por um lado,


apropriar-se constitucionalmente de alguns instrumentos de lutas e reivindicações
populares, para garantir o controle popular do poder e da economia e, por outro,
salvaguardar conhecimentos e práticas históricas das comunidades ancestrais. Esses são
os dois principais pontos que convergem para a caracterização da nossa definição sobre
o Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano.

É por isso que a nossa proposta dialoga com os mecanismos


constitucionais de democratização do poder e, ao mesmo tempo, reafirma o grande
marco dessas Constituições: o protagonismo indígena e o giro descolonizador e
plurinacional. Tornar visível o que era invisível. Entender a lógica dos povos ancestrais
e positivar na Constituição seus conhecimentos: esta, sem dúvidas, parece-nos à maior
contribuição desse novo movimento político e constitucional surgido em nuestra
América.

Na busca por um modo alternativo de produção, relacionado diretamente


com o respeito à natureza, surge o Novo Constitucionalismo Pluralista como fruto da
luta dos povos ancestrais e em contraponto a concepções totalizantes e monoculturais do
Direito, com a positivação de lógicas das comunidades indígenas como o Sumak
Kawsay (Bem-viver) e a Pachamama (Mãe-terra).
33

É importante observar que não há apenas o anuncio da “descolonização”,


“plurinacionalidade” ou “interculturalidade”. Palavras sem o intento efetivo de refundar
o Estado e desconstruir a colonização não são suficientes para o nosso projeto. Há,
efetivamente, a construção de novas formas de arquitetar o Constitucionalismo nesses
países - com sofisticados meios institucionais para sua implementação.

Historicamente, as diferentes concepções e culturas indígenas propostas


pelos ordenamentos não foram “traduzidas institucionalmente”, ou seja, foram
neutralizadas pela ausência de meios concretizadores no plano institucional, ainda
marcado pela monoculturalidade (Fajardo, 2011, p. 148). Por isso, as mudanças de
lógica nas Constituições Equatoriana e Boliviana também inauguram a necessidade de
uma verdadeira “reengenharia do sistema legal”, pois essas Constituições não apenas
anunciam direitos, mas traçam os caminhos para concretizá-los (Walsh, 2009, p. 2/5)
como analisamos no último capitulo do nosso trabalho.

O Estado, portanto, foi redesenhado a partir da perspectiva indígena - e


seu esforço plurinacional e descolonizador - nas Constituições do Equador e da Bolívia
(Sieder, 2011, p. 308). O debate que historicamente era conduzido sobre o que o Estado
pode fazer para os indígenas, transforma-se naquilo que esses povos podem contribuir
para o desenvolvimento da sociedade e a refundação do Estado, pois “o realmente
inovador das novas Constituições equatoriana e boliviana não é tanto a introdução de
novos elementos, mas sim o intento de construir uma nova lógica e forma de pensar sob
parâmetros radicalmente distintos” (Walsh, 2009, p. 1/7).

Nesse ponto, portanto, não se trata do Estado proteger o índio e suas


tradições e costumes, mas muito além disso, trata-se do Estado ser pensando a partir das
concepções indígenas. E ai repousa o grande diferencial das Cartas do Equador e da
Bolívia24.

Portanto, nos limites dessa dissertação, buscamos aprofundar aquilo que


entendemos que há de mais original nestas Constituições: a positivação da cosmovisão
indígena nas Constituições desses países e as consequências jurídicas dessa nova forma
de pensar o direito constitucional, com foco na Pachamama e Sumak Kawsay, que são

24
A população indígena na América latina corresponde a 11% de sua população, em mais de 400
comunidades, e encontram-se entre os setores mais pobres e excluídos da América latina (Sieder, 2011, p.
304).
34

em nossa opinião as maiores representações constitucionais da intenção descolonizadora


e emancipatória do Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano.

Por isso, a última parte do nosso trabalho tem como foco os direitos
indígenas e suas conquistas, mas sem deixar de perceber a importância do controle do
Estado e da economia através da participação cidadã para além da questão indígena. Ou
seja, a intensificação das formas tradicionais do Constitucionalismo, como o referendo
revogatório e as novas formas de intervenção popular também serão trabalhadas.
Obviamente, essas questões, muitas vezes, estão entrelaçadas25.

De acordo com esses critérios, entendemos que as Constituições do


Equador (2007/2008) e da Bolívia (2006/2009) cumprem esses requisitos. Aliam
participação cidadã e democrática a um giro paradigmático e mais criativo desse
movimento: reconhecimento das cosmovisões indígenas, que reconfiguram a própria
teoria da Constituição e o papel do Estado, sendo as Constituições da Colômbia (1991)
e da Venezuela (1999) os precedentes dessse processo26.

Essas linhas iniciais são fragmentos da nossa definição, como uma


introdução para que o leitor compreenda as diversas abordagens e concepções sobre o
tema ora em análise. As suas principais características serão analisadas na última parte
do nosso trabalho.

Desde já, porém, ressaltamos que a expressão “Novo Constitucionalismo


Pluralista” não tem nenhuma pretensão totalizadora ou de uniformidade. Tal expressão é
o somatório de diferentes perspectivas e concepções, que têm pontos de interseção e
contato. É fundamental esclarecer que a denominação adotada na presente dissertação
não tem o condão de tornar unitário ou homogêneo as ricas concepções daqueles países.

Não pretendemos negar o óbvio. As dessemelhanças são muitas. Mas as


similitudes também o são, os processos políticos desde a era colonial até a dependência
25
A divisão feita não tem o intuito de separá-las de outras perspectivas e possibilidade do Novo
Constitucionalismo Pluralista, mas apenas de analisá-la da forma mais clara possível, sempre tendo em
vista que as aproximações entre os diferentes temas são essenciais para a compreensão do tema.
26
É necessário ressaltar, também, que a não inserção de determinados processos Constituintes no que
classificamos de Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano, como, por exemplo, o caso
Brasileiro, Colombiano e Venezuelano, não significa, necessariamente, que tais processos são menos
democráticos, mas apenas que não correspondem às características desse campo teórico-metológico que
expusemos – notadamente no campo das conquistas indígenas e dos esforços descolonizadores.
35

neocolonial. O que nos conduz é um continente marcado, antes de tudo, pela exploração
histórica e pela desigualdade que originaram outros dramas sociais que ainda assolam a
nossa sociedade a qual, como afirmou Eduardo Galeano “especializou-se em perder
desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo
mar e fincaram seus dentes em sua garganta” (Galeano, 2010, p. 17)

Porém, ainda pode-se objetar, com razão: porque um Constitucionalismo


“Latino-Americano”, se as experiências se resumem a Bolívia e Equador ? A resposta
pode-se dividir em duas partes: i) essas Constituições surgem, em boa medida, como
fruto das reivindicações de movimentos sociais de toda América Latina que, direta ou
indiretamente, contribuíram para a construção desses novos modelos que resultaram nas
Constituições do Equador e da Bolívia; ii) o caráter emancipatório dessas Constituições
surgem como exemplo para nosso continente. Não como modelo que se deva reproduzir
acriticamente, mas como caminho trilhado para Constituições que retratem a pluralidade
da sociedade e combata as desigualdades sociais tão marcantes em nuestra America.

Dessa forma, são duas as dimensões desse novo processo. No plano


Latino Americano; existe, na verdade, é um Novo Constitucionalismo Pluralista que se
contrapõe ao antigo Constitucionalismo Latino Americano, marcado pelo elitismo, pela
ausência de participação popular e pela subordinação das práticas, saberes e
conhecimento dos povos indígenas. Portanto, a leitura do título do nosso trabalho deve
conjugar o Novo Constitucionalismo com o contexto Latino-Americano. Por outro lado,
existe a pretensão de destacar o real surgimento de um Novo Constitucionalismo na
história constitucional (embora, de acordo com o seu desenvolvimento, essa
possibilidade possa ser descartada), encontrando respostas constitucionalmente
adequadas para sociedades complexas e dando respaldo jurídico e político para setores
historicamente marginalizados, como a população indígena27.

De toda forma, sempre haverá críticas sobre a escolha da denominação


que optarmos. O que podemos fazer, na medida do possível, é esclarecer as nossas
escolhas e torná-las mais densas teoricamente. Mas, sabemos dos limites das definições,
especialmente, em temas complexos e ainda pouco estudados pelos juristas, como é o
presente caso.
27
Basta observar, por exemplo, como Gerardo Pisarello entende que as experiências constitucionais do
Sul são respostas criativas para a recente crise européia e suas constituições oligárquico-financeiras,
retomando o protagonismo dos grupos populares e das resistências sindicais (Pisarello, 2011, p. 189/205).
36

Por fim, é bom alertar que o Novo Constitucionalismo Latino-Americano


cumpre um papel importantíssimo na afirmação de um Direito Constitucional de acordo
com nosso tempo e espaço, mas devemos evitar ufanismos que proclamem
salvacionismos normativos/constitucionais. A América latina e o nosso
Constitucionalismo ainda têm muito que caminhar para a concretização desses Direitos.

1.5. Outras concepções teóricas sobre o tema

Além dos autores analisados nos pontos anteriores, há diversos outros


que, em termos gerais, concordam que o marco diferencial desse movimento é o
protagonismo indígena - representado principalmente nas Constituições do Equador e
da Bolívia – e a intensificação da participação popular. Porém, tais autores não
procuram aprofundar a sistematização desse novo movimento e utilizam conceitos
diversos para classificar o que chamamos de “Novo Constitucionalismo Pluralista
Latino-Americano”.

É óbvio que há diversos pesquisadores que tratam isoladamente tanto da


Constituição do Equador quanto da Bolívia, mas o que nos interessa no presente estudo
é a formulação teórica que faz a ponte entre essas duas Constituições, demonstrando
suas características descolonizadoras, com o reconhecimento da cosmovisão indígena e
com um novo projeto societário.

O termo Novo Constitucionalismo Latino-Americano também é utilizado


por Roberto Gargarella e Gerardo Pisarrelo, muito embora, como ressaltado, não se
estendam sobre a fundamentação da escolha conceitual sobre o tema.

Segundo Pisarello, o Constitucionalismo semântico ou nominal marcou a


história latino-americana durante parte do século XIX e durante o sec. XX, assinalando
uma contraposição entre o Constitucionalismo do “Norte”, com força normativa e
vinculante, e o Constitucionalismo dos países periféricos, sem efetividade e com forte
exclusão da participação popular e de minorias (ou maiorias) étnicas (Pisarello, 2009,
p.1).
37

Nos últimos 30 anos, as Constituições ao redor do mundo demonstram


forte preocupação na manutenção do status quo e desrespeito à natureza e ao
ecossistema. Se no „Norte‟, avançam as Constituições nesse sentido, ao Sul há
experiências que vão na contramão desse processo e reestabelecem medidas de controle
do poder econômico e de respeito ao processo democrático (Pisarello, 2011, p. 189).

Tanto que o autor reconhece a Constituição Brasileira e a Colombiana


como as primeiras experiências do Novo Constitucionalismo Latino-Americano, muito
embora também reconheça a centralidade do processo Venezuelano, Boliviano e
Equatoriano, impulsionada pelos atores constituintes – movimento do campo,
sindicatos, indígenas, movimentos de desempregados, feministas – e pela necessária
reconstrução do Estado e rompimento com suas experiências anteriores (Pisarello, 2009,
p.2-3; 2011, p. 191).

Pisarello entende que muitas propostas no Novo Constitucionalismo não


são totalmente originais e remontam ao Constitucionalismo Social do século XX na
Europa e na América-latina e das revoluções dos séculos XVII e XVIII, como as
revoluções Inglesa, Americana e Francesa, na linha de um Constitucionalismo
democrático radical (Pisarello, 2011, p. 193).

De toda forma, reconhece como características centrais desse novo


movimento Latino Americano: i) um amplo rol de direitos individuais e coletivos,
inclusive, os culturais, sociais e ambientais; ii) a influência dos tratados internacionais
de Direitos Humanos; iii) o aperfeiçoamento das garantias desses direitos e a
implementação de mecanismos originais de participação cidadã iv) o controle popular
sobre os recursos produtivos e a intenção de ampliar a integração latino-americana28
(Pisarello, 2009, p. 2).

Essas características, aliás, são resultados da organização dos


movimentos indígenas nesses países e a positivação do Sumak Kawsay e da
Pachamama, que questionam o crescimento capitalista baseado no desenvolvimentismo

28
O autor reconhece, entretanto: “Estas transformaciones, en definitiva, contribuirían a la gestación de un
nuevo constitucionalismo social latinoamericano que, si bien está lejos de ser inmune a regresiones
autoritarias o elitistas, ha despertado fuertes expectativas democratizadoras y garantistas” (Pisarello,
2009, p. 8). Cita o exemplo da Constituição Portuguesa de 1976 que tinha forte conteúdo social e
democrático e, após 6 reformas constitucionais “la narrativa emancipadora del texto constitucional se fue
diluyendo en un lenguaje que apostaba por la integración en el nuevo tipo de capitalismo que se estaba
generando a escala europea” (Pisarello, 2011, p. 171).
38

e podem contribuir para superar as Constituições “oligarquico-financeiras” do Norte,


notadamente após a crise de 2008 (Pisarello, 2011, p. 197-204).

Por sua vez, Roberto Gargarella entende que o Novo Constitucionalismo


Latino Americano é formado pela recente onda de reformas Constitucionais no nosso
continente, mas ainda é permeado por dúvidas e reflexões sobre o tema, tendo em vista
que a história do Constitucionalismo demonstra que as Constituições surgem em
momentos de ruptura e buscam resolver problemas políticos e sociais 29 (Gargarella,
2009, p. 1-2).

As Constituições do século XIX (“fundacionais”) excluíram do seu


processo de elaboração os setores à época marginalizados, como os indígenas e as
mulheres, ignorando as diversas demandas sociais existentes. No início do século XX,
houve uma primeira onda de reformas Constitucionais na América latina, notadamente
com a Constituição do México de 1917, que incluía direitos sociais, econômicos e
culturais, como resposta às grandes mobilizações operárias - ainda que tenham sido
bloqueadas por um projeto liberal-conservador (Gargarella, 2009, p. 8; 2011, p. 290).

A segunda onda procurou inserir cláusulas participativas, como os


plebiscitos e os referendos, revalorizando os Direitos Humanos, notadamente após as
ditaduras militares em nosso continente, porém com limites institucionais que não
garantem o efetivo protagonismo popular, como, por exemplo, o fortalecimento dos
mecanismos de reeleição presidencial30 (Gargarella, 2009, p. 8; 2011, p. 291-292).

Dessa forma, há uma clara necessidade de reinvenção dos pressupostos


clássicos do Constitucionalismo para aproximar os representantes e os representados e
para, dentre outras coisas, fortalecer o debate público na América Latina. O autor
considera que, em geral, as reformas Constitucionais recentes no nosso continente
deram contribuições ainda pobres para um constitucionalismo de cunho igualitário,
29
No mesmo sentido, de acordo com Miguel Carbonel: “hay um momento em la historia de lós países em
el que se genera nuna crisis profunda que da lugar a la creación de nuevos textos constitucionales. Las
crisis son manifestaciones del malestar existente em la sociedad pero también son faros de esperanza em
el derecho, em la justicia, em la possibilidad profunda de renovación jurídica e institucional y de
construcción de sociedades nuevas basadas em el respeto a lós derechos de todos” (Carbonel, 2010, p.
49).
30
Temos, como exemplo, dessa primeira onda, a Constituição do México de 1917 e, posteriormente, a
Constituição Brasileira de 1937, Boliviana de 1938, Argentina em 1949 (Gargarella, 2009, p. 8; 2011). Na
segunda onda, entre outras, podemos citar a reforma da Constituição Brasileira de 1988, a Equatoriana de
1978, a Argentina de 1994, a Colombiana de 1991. (Gargarella, 2009, p. 8). Desenvolveremos a tensão
entre hiper-presidencialismo e participação popular no tópico destinado ao caso Venezuelano.
39

democrático e justo, muitas vezes influenciado desnecessariamente por institutos


europeus ou por objetivos de curto prazo31 (Gargarella, 2009, p. 1-5; 2011, p. 292).

Todavia, entende que as Constituições do Equador e da Bolívia são


verdadeiras exceções à falta de “imaginação Constitucional” que reina na América
Latina, tendo em vista a defesa do povo indígena como protagonista de seu destino e o
intuito de acabar com sua marginalização social e política, muito embora os textos não
questionem as estruturas do forte presidencialismo e ainda tenham diversas
deficiências 32 (Gargarella, 2009, 1-5; 2011, p. 292; 2011b, p. 87-88). O autor,
entretanto, não propõe nenhum tipo de classificação para essas mais recentes reformas
Constitucionais na América Latina.

Roberto Gargarella, portanto, também parece entender que as


Constituições que efetivamente rompem com a lógica elitista e individualista -
notadamente com a internalização das cosmovisões indígenas por meio da positivação
dos Direitos da Pachamama e Sumak Kawsay - rechaçando os “transplantes
constitucionais” que não faziam parte da história cultural, política e jurídica de seu país
- são as Constituições do Equador e, principalmente, a da Bolívia (Gargarella, 2009, p.
5; 2011, p. 300).

Na mesma linha, o Colombiano, Rodrigo Uprimmy tem a preocupação


de analisar as direções e obstáculos do movimento, embora ressalte a ausência de
sistematização das características gerais do recente Constitucionalismo latino-
americano 33 (Uprimmy, 2011, p. 110). O professor, entretanto, não parece propor
nenhuma denominação ou recorte específico para a caracterização das recentes
reformas, pois busca analisá-las amplamente.

31
As recentes alterações Constitucionais na América latina ocorreram nos seguintes países: Nicarágua
(1987), Brasil (1988), Colômbia (1991), Paraguai (1992); Peru (1993); Argentina (1994); Venezuela
(1999), Equador (2008) e Bolívia (2009), além de emendas Constitucionais notáveis no México,
Venezuela e Costa Rica (Gargarella, 2011b, p. 88).
32
Até porque, segundo o autor, essas recentes reformas foram impulsionadas pelos próprios presidentes e
não seria interessante, para seus projetos, cortar seus próprios poderes (Gargarella, 2011, p. 292). Em
sentido contrário, Rodrigo Uprimmy afirma que as recentes reformas Constitucionais buscaram limitar as
possibilidades legislativas do Presidente fortalecendo o controle do congresso, ainda que não questionasse
o sólido presidencialismo e o mecanismo de reeleição (Uprimmy, 2011, p. 120).
33
Surgiram novas Constituições no Brasil (1988), Colombia (1991), Paraguai (1992), Equador (1998 e
2008), Perú (1993), Venezuela (1999) e Bolívia (2009), além de reformas na Constituição da Argentina
de (2009), México de (1992) e Costa Rica (1999) (Uprimmy, 2011, p. 109).
40

De acordo com Uprimmy, o nosso continente ainda é marcado pela


distância entre a realidade constitucional e os avanços efetivos na realidade social,
embora haja fortes mudanças institucionais. Nesse cenário, o papel da academia é
analisar criticamente essas transformações, através de reflexões que aprofundem o
processo democrático e rechace formas autoritárias de poder (Uprimmy, 2011, p. 133-
134).

Didaticamente, divide a sua análise entre a parte dogmática, sobre


reconhecimento de Direitos, e a orgânica, relativa ao controle do poder e dos órgãos
estatais, embora a participação do cidadão em esteja presente em ambas34 (Uprimmy,
2011, p. 110).

Destacamos, no campo da parte dogmática, um “Constitucionalismo de


la diversidade” onde não há preocupação com a unidade nacional, mas sim com o
pluralismo e com a garantia da liberdade religiosa e do estado laico. Da mesma forma,
há uma ênfase no reconhecimento de grupos marginalizados, como os indígenas e a
população afrodescendente, com traços distintivos e mais radicais na Constituição do
Equador e da Bolívia, inclusive com garantia de novos Direitos civis, políticos e
coletivos (Uprimmy, 2011, p. 111-113).

No âmbito orgânico, o autor destaca duas vertentes para ampliar a


participação popular na vida política da democracia desses países: a primeira é
relacionada aos instrumentos de democracia direta, como o referendo; a segunda é
ligada aos espaços da cidadania que tem como objetivo controlar a gestão pública,
inclusive com a superação, em algumas constituições, da concepção tripartite de poder.
(Uprimmy, 2011, p. 117-121).

Dessa forma, para o autor, as alterações que essas Constituições visam


produzir passam, na verdade, tanto pelo fortalecimento dos direitos sociais, econômicos

34
O autor cita, ainda, tensões surgidas com o Novo Constitucionalismo, notadamente a relação entre
democracia participativa e jurisdição Constitucional e, também, entre a democracia participativa e o
hiper-presidencialismo. Sobre a primeira, tratamos na próxima parte de nosso trabalho; a segunda
desenvolvemos na parte sobre a Constituição Venezuelana.
41

e culturais positivados, quanto pelo fortalecimento de seus mecanismos de participação


popular35 (Uprimmy, 2011, p. 123-126).

O Novo Constitucionalismo Latino Americano, é bom frisar, também


teve certa aceitação doutrinária no Brasil - ainda que sem grandes explicações sobre a
escolha de sua denominação - pelo desenvolvimento, no campo acadêmico, de alguns
congressos e seminários sobre o tema, que congregou diversos juristas latino-
americanos e europeus em torno do processo de reinvenção do Constitucionalismo.

O “I Congresso Constitucionalismo e Democracia – O Novo


Constitucionalismo Latino-Americano”, teve a sua primeira versão sediada em Recife,
organizado em parceria entre a Universidade Federal de Pernambuco e a Universidade
Católica de Pernambuco. Nesse primeiro evento, foi intensificada a articulação da
“Rede pelo Constitucionalismo Democrático na América Latina”, que está presente em
mais de 20 países de nosso continente, com o objetivo de propor uma nova forma de
pensar o direito constitucional e a democracia. No Brasil, a rede se organiza nas cinco
regiões do nosso país e em diversas Universidades36. A segunda versão do Congresso
ocorreu em novembro de 2012 em Ouro Preto/MG, marcado pela participação de
autores andinos, tendo sido intensificado a construção da rede durante este segundo
encontro37.

Esses fóruns jurídicos tem a clara tentativa de construir no pensamento


jurídico nacional novas formas de pensar e promover o Direito Constitucional, para
além das teorias clássicas da Constituição com centralidade norte-americana e
europeia38.

35
O autor considera que essas recentes reformas se enquadram na definição de Neoconstitucionalismo,
caracterizado por sua força normativa e por uma alta carga valorativa (Uprimmy, 2011, p. 123-126).
Sobre a caracterização do Neoconstitucionalismo e as possíveis divergências com essa concepção,
abordaremos em seguida.
36
Informações sobre a Rede podem ser encontradas no seguinte site:
http://constitucionalismodemocratico.direito.ufg.br/. É de se destacar também que, recentemente, o
CONPEDI – Congresso de pesquisa em Direito - um dos maiores no âmbito jurídico, foi intitulado – O
Novo Constitucionalismo Latino-Americano: desafios da sustentabilidade (Neste caso, entretanto, houve
uma redução da compreensão do significado do Novo Constitucionalismo latino-americano, resumindo o
movimento às causas de sustentabilidade).
37
Para acessar os palestrantes e os temas do congresso ocorrido em Recife:
http://www.unicap.br/pages/congresso/ e em Ouro Preto: http://www.congressoouropreto.com/local.htm
38
É de ser destacar, no campo da pesquisa sobre o tema, o grupo de pesquisa na Universidade Federal do
Ceará, coordenado pela Professora Germana Moraes, sob a denominação “O Novo Constitucionalismo
Democrático na América Latina”. Já na Universidade Federal de Pernambuco, na Faculdade de Direito do
42

Portanto, inicia-se um processo de mudança de agenda do


Constitucionalismo brasileiro, mas que, como afirma Cesar Baldi, um dos pioneiros no
estudo sobre o Constitucionalismo Mestiço:

Para um constitucionalismo que, sistematicamente, tem voltado as costas


para a realidade latino-americana, concentrando suas atenções nos
desenvolvimento de teorias eurocentradas, ainda vai demorar ser assimilado o
processo de descolonização, plurinacionalidade e interculturalidade, que os
movimentos constituintes da Bolívia e do Equador, em grande parte
protagonizados por indígenas, inauguram no âmbito continental (Baldi, 2010,
p.1).

Nesse sentido, um dos poucos desenvolvimentos teóricos sobre o Novo


Constitucionalismo em nosso país encontra-se em artigo do Professor José Luiz
Quadros Magalhães, sob a denominação “O Novo Constitucionalismo indo-afro-
brasileiro”39.

Após a análise das tensões entre o Constitucionalismo (enquanto


representação da segurança) e a democracia (enquanto reflexo da mudança) desde o
período liberal, o autor propõe a “Democracia Consensual Plural do Novo
Constitucionalismo”, orientado por uma “democracia consensual, não hegemônica e
dialógica” (Magalhães, 2010, p. 95/96).

Elenca, ainda, como características desse novo modelo Constitucional, os


mecanismos de participativos orientados para a construção de consensos. Também
salienta que tal modelo não pode funcionar em uma sociedade baseada na competição e
que deve ser norteado a partir da plurinacionalidade, sem formas hegemônicas e
autoritárias de construção prévia de consensos (Magalhães, 2010, p. 95/96). Segundo o
autor:

O Estado e a Constituição no lugar de reagir a mudanças não previstas ou não


permitidas, passa a atuar, sempre, favoravelmente às mudanças desde que
estas sejam construídas por consensos dialógicos, democráticos, logo não

Recife, destacamos o grupo de estudos “O Novo Constitucionalismo Latino-Americano”, que tem


propiciado um intenso e rico debate sobre o tema, inclusive com a possibilidade de difundí-lo com os
alunos da graduação. Maiores informações sobre os grupos, respectivamente, em:
http://cedicufc.blogspot.com.br/p/o-novo-constitucionalismo-democratico.html e
http://www.moinhojuridico.ufpe.br/index.php?option=com_content&view=article&id=321&Itemid=252
39
Em dois vídeos disponibilizados no youtube sobre o Estado Plurinacional, o autor afirma que os novos
movimentos com rótulos „neo‟ e „pós‟, introduzidos por diversas teorias, muitas vezes não representam
efetivamente novas propostas, mas as experiências constitucionais da Bolívia e do Equador podem
possibilitar uma real ruptura com a teoria do Direito moderno e com a teoria da Constituição. Disponível
em: http://www.youtube.com/watch?v=z97FH1a9Jt4&feature=relmfu
43

hegemônicos, plurais, diversos, não hierarquizados e não permanentes


(Magalhães, 2010, p. 97).

A partir de tais considerações, são as Constituições do Equador e da


Bolívia que verdadeiramente implicaram uma alteração radical na concepção de Estado
que “desafia a teoria constitucional moderna”, embora as Constituições da Colômbia e
da Venezuela já apresentem importantes transformações40 (Magalhães, 2010, p. 83).

Esses são autores que trazem excelentes contribuições sobre o tema,


apesar de, como já dito, não desenvolverem o critério de sistematização desse novo
movimento Constitucional – função desta primeira parte de nosso trabalho.

1.6. Neoconstitucionalismo e Novo Constitucionalismo: diferenças e


aproximações

Utilizamos o termo “Novo Constitucionalismo” por entender que é mais


coerente com a história Constitucional da América Latina, marcada por fortes lutas
contra políticas neoliberais e pelo fortalecimento dos movimentos sociais de cunho
popular nos anos 90 e inicio do século XXI. Esse Novo Constitucionalismo tem nuances
próprias que o diferencia do Neoconstitucionalismo de matriz europeia, estabelecendo
algumas divergências e avançando em pautas que são típicas de realidades culturais e

40
No entanto, ao confrontar a visão do autor com a nossa concepção do Novo Constitucionalismo
Pluralista, discordamos da análise. O movimento que deu origem a este movimento é marcado por fortes
tensões, conflitos e divergências, e não por supostos consensos. Nesse sentido, seguimos com Marcelo
Neves quando afirma “cabe dizer que a esfera pública é a arena do dissenso. Assim, afasta-se aqui a
concepção habermasiana de uma esfera pública que, na sua força legitimatória, orienta-se para o
consenso” (Neves, 2010, p. 208). O consenso, por mais democrático e não hegemônico que o autor
proponha, parece estimular convergências que verdadeiramente não existem naquelas sociedades. O
Direito e o Constitucionalismo, na nossa concepção, são frutos de constantes disputas por espaços e
práticas emancipatórias. Nesse sentido, o consenso proposto pelo autor parece muito mais ter o poder de
conter e limitar o pluralismo do que, propriamente, estimular a plurinacionalidade e a democracia. As
diferenças, invariavelmente, não serão determinadas pelo consenso, pois são processos de lutas intensas
que encontrará resistências. Por isso, em nossa opinião, o consenso busca antes sufocar as múltiplas
formas de pensar do que exercer a democracia participativa e comunitária.
44

históricas diferenciadas, notadamente em relação à plurinacionalidade, ao protagonismo


indígena, e aos ideais de interculturalidade e descolonização41.

Todavia, não se trata, necessariamente, de uma negação absoluta do


Neoconstitucionalismo, pois há pontos de convergência entre os dois movimentos. O
que pretendemos mostrar, nas linhas a seguir, é tão somente o porquê da preferência do
termo Novo Constitucionalismo em detrimento do Neoconstitucionalismo para nos
próximos capítulos analisar algumas características próprias desse Novo
Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano.

Inicialmente, é necessário fazer uma ressalva essencial: não existe um


modelo ou arquétipo definido de Neoconstitucionalismo, são variadas as formas de se
entender e interpretar o referido movimento. É tanto que Miguel Carbonel (2003), em
sua coletânea clássica sobre o tema, o define como “Neoconstitucionalismo(s)”, tendo
em vista as múltiplas possibilidades de construção e constituição desse movimento.

Na Europa, houve a reconstitucionalização da Europa continental após


processos traumáticos de regimes autoritários, que marcaram países como a Itália,
Alemanha, Portugal e Espanha (Barroso, 2007, p. 131-132; Sarmento, 2009, p. 34). No
caso Latino-Americano, algumas características do Neoconstitucionalismo se
propagaram em relação às novas Constituições que oscilaram entre a reação ao
neoliberalismo e a reação às ditaduras militares ocorridas a partir da década de 60.

Parece inequívoco que, no período pós-segunda guerra, as Constituições


ganharam maior centralidade nos ordenamentos jurídicos em diversos países, haja vista
a combinação de sua forma analítica com modelos articulados de Jurisdição
Constitucional e defesa dos Direitos Humanos42.

Essas Constituições têm como característica comum o amplo rol de


direitos e garantias fundamentais, de forte conteúdo axiológico, que simbolizam a
transição de regimes autoritários para regimes democráticos, e penetram em temas que

41
Como já sublinhado no inicio do trabalho, não nos propomos a negar a produção acadêmica europeia, o
que buscamos é analisá-la criticamente de acordo com a nossa realidade.
42
Portanto, o Constitucionalismo, principalmente pós-segunda guerra, fortaleceu-se na defesa da
indisponibilidade dos Direitos Fundamentais perante maiorias legislativas eventuais. Nas palavras de
Lenio Streck “a Constituição nasce como um paradoxo porque, do mesmo modo que surge como
exigência para conter o poder absoluto do rei, transforma-se em um indispensável mecanismo de
contenção do poder das maiorias” (Streck, 2009b, p. 17).
45

antes eram estranhos à Constituição. Além dessas características, no


Neoconstitucionalismo, há o fortalecimento da Jurisdição Constitucional, pocisionando
o Poder Judiciário como intérprete último das normas Constitucionais (Barroso, 2007,
p. 134-137; Sarmento, p. 2009, 34-37).

Portanto, desvelando o que há por trás do Neoconstitucionalismo,


percebe-se um ponto fulcral: o alargamento da Jurisdição Constitucional. Tanto no
campo doutrinário, quanto no campo acadêmico, formou-se um movimento de
agigantamento do Poder Judiciário sob a égide do Neoconstitucionalismo43.

Mas isso não é uma novidade. Trata-se de um lugar comum no atual


momento constitucional. O que se observa, na verdade, com a análise do alargamento da
Jurisdição Constitucional sob a égide do Neoconstitucionalismo de matriz europeia, é
que a Jurisdição Constitucional foi erguida como centro da efetivação da Constituição,
enquanto no Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano priorizou-se a
participação popular na interpretação e alteração constitucional44.

O importante, portanto, é que o Novo Constitucionalismo alterou o pólo


de realização Constitucional. Enquanto o Neoconstitucionalismo identificava, quase
exclusivamente, o Poder judiciário e os Tribunais/Cortes Constitucionais como órgãos
que efetivam direitos fundamentais, o Novo Constitucionalismo alterou essa lógica e
ampliou os atores da realização dos postulados Constitucionais, incluindo, além dos
outros poderes (executivo e legislativo), os referendos populares para reforma
constitucional.

43
Claro, não se trata de uma equação simples, mas o papel dos Direitos Fundamentais é justamente
ressaltar que os direitos das minorias ou “as maiorias ausentes da história” devem ser protegidos. Por isso,
em uma democracia constitucional (e não meramente majoritária), Direitos Fundamentais não podem ser
limitados ou sufocados por maiorias parlamentares posto que constituem “uma exigência democrática
antes que uma limitação à democracia” (Binembojm, 2009, p. 92). Obviamente, os perigos existem em
todas as concepções envolvendo Democracia majoritária e Democracia constitucional, o que podemos
trabalhar é na tentativa de reduzi-los ou minimiza-los, mas os riscos em relação a concepções predatórias
aos Direitos fundamentais na interpretação Constitucional sempre existirão. De toda forma, Por mais
interessante que seja o tema, não é nosso objetivo trabalhar com essas tensões no estreito limite dessa
dissertação, pois o que nos interessa é o contraste entre o Novo Constitucionalismo e o
Neoconstituicionalismo.
44
Rodrigo Uprimmy pontua diversas tensões do Novo Constitucionalismo, caracterizados pela
democracia participativa, e uma forte jurisdição Constitucional influenciada pela postura
neoconstitucional - com amplas previsões de Direito e um sistema judicial forte. Segundo o autor,
conciliar essas duas posições é uma tarefa difícil, mas não impossível de ser trabalhada: “el desarollo de
una teoría de la justicia constitucional da américa latina, que implique un ejercicio de la protecion
judicialde lós derechos tendiente a promover y no a debilitar la participacion y la discusión democráticas”
(Uprimmy, 2011, p. 132).
46

Essas alterações na forma de pensar o Direito Constitucional propiciam


uma maior participação popular na interpretação constitucional para que “la ultima
palabra constitucional la pronuncie el pueblo” 45 (Gargarella apud Lópes e Mustelier,
2010, p. 103).

Dessa forma, o Novo Constitucionalismo, ao mesmo tempo em que


absorve alguns comandos do Neoconstitucionalismo, notadamente, a impregnação da
Constituição no ordenamento jurídico, ostenta como preocupação central a legitimidade
democrática da Constituição, garantindo que só a soberania popular pode determinar a
alteração da Constituição, a participação política e os direitos fundamentais, inclusive,
os sociais e econômicos. (Viciano e Martínez, 2010, p. 18-19).

No mesmo sentido, um dos maiores legados do Neoconstitucionalismo


de matriz europeia foi o fortalecimento do ser humano no centro do ordenamento
jurídico.

A dignidade da pessoa humana foi positivada na Constituição Brasileira,


e nas Constituições européias da Alemanha (1949), Italia (1947), Portugual (1976),
Espanha (1978) e na própria declaração de direitos humanos (1948) (Barroso, 2010, p.
251).

O homem ergueu-se ao centro do sistema através dofortalecimento da


noção de dignidade humana como uma resposta político/jurídica as atrocidades
cometidas pelos regimes autoritários ocorridos nesses países. E, não podemos negar, foi
um grande avanço em relação ao antigo sistema patrimonialista que ainda imperava no
cotidiano jurídico.

Porém, há um giro paradigmático no Novo Constitucionalismo Pluralista


Latino-Americano: temos aqui a figura da Pachamama, da qual o ser humano é parte

45
Há uma aproximação interessante entre o Novo Constitucionalismo latino e o “Constitucionalismo
popular” com forte influência nos Estado Unidos da América. Em nossa opinião, entretanto, enquanto o
constitucionalismo popular funda-se em uma crítica a Jurisdição Constitucional e prega uma democracia
majoritária de cunho eminentemente liberal, com forte centralidade na democracia representativa, o novo
Constitucionalismo prega uma maior participação popular (democracia participativa) e reconhece a
organização dos movimentos sociais de maiorias historicamente „ausentes da história‟ e suas pautas de
luta (ex: Os movimentos indígenas, sem-terra e sem-teto, desempregados), tendo em vista a importância
desses movimentos no cenário da vida política desses países. Sobre o Constitucionalismo Popular,
observar: Waldron (2003), Gargarella (2008) pp. 249-265 e Gustavo Ferreira Santos (2011). Críticas
sobre o avanço do Neoconstitucionalismo no Brasil: Dimitri Dimoulis (2008) e Humberto Ávila (2009).
47

dela. Ou seja, a Constituição se afasta de um modelo antropocêntrico para um modelo


biocêntrico – onde se busca a harmonia entre os homens e a natureza.

De toda forma, é interessante notar que as Constituições do Novo


Constitucionalismo não negam a dignidade da pessoa humana, como se estabelece na
Constituição da Bolívia (art. 8) e Equador (art. 11.7), mas impõe uma nova
interpretação sobre seu significado. Ou seja, antes de negar a dignidade da pessoa
humana, o que ocorre, na verdade, é a resignificação de uma nova lógica da dignidade
influenciada pelas culturas indígenas que projetam um distanciamento da acumulação
de posses materiais. Nessa nova lógica, entretanto, há a preocupação de se manter a
interdependência entre seres humanos e natureza (Zaffaroni, 2011, p. 118/121), como
será devidamente analisado no tópico sobre a Pachamama.

Feita essas breves distinções entre postulados do Novo


Constitucionalismo Plauralista Latino Americano e o Neoconstitucionalismo de matriz
europeia, trabalharemos com as diferenciações adotadas pelo jurista Equatoriano
Ramiro Ávila Santamaria.

O autor diferencia (i) Neoconstitucionalismo; (ii) Neoconstitucinalismo


Latino-Americano e; (iii) Neoconstitucionalismo Andino ou Transformador, que
coincide com a nossa concepção de Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-
Americano (Santamaria, 2011). Vejamos, resumidamente, a caracterização de cada
período .

O neoconstitucionalismo surgiu na Europa como uma resposta jurídica


aos regimes fascistas, e desenvolveu-se principalmente em países como a Alemanha,
Espanha e Itália, como já dissemos. Dessa forma, segundo o autor, para quem o
Neoconstitucionalismo responde a problemas concretos relacionados àquela realidade,
podemos resumir as características do movimento da seguinte forma: i) proteção dos
direitos fundamentais; ii) rigidez constitucional; iii) Constituição como norma jurídica
diretamente aplicável, independente de concretização legislativa; iv) juízes como
defensores da Constituição (Santamaria, 2011, p. 53-57).

Já o Neoconstitucionalismo Latino-Americano foi fortemente


influenciado pela reação às ditaduras militares de nosso continente (anos 60 até os anos
48

80 do século passado) e pode ser representado pelas Constituições Brasileira de 1988 e


a Colombiana de 1991 (Santamaria, 2011, p. 17-59).

Nessa esteira, o modelo Europeu foi aqui recepcionado com algumas


peculiaridades e tem como principais características: i) ser fruto das lutas sociais e da
ampla carência de direitos em sociedades extremamente desiguais, através do
reconhecimento dos direitos econômicos, sociais e culturais e, em certa medida, os
direitos indígenas; ii) reconhece, no plano do controle de constitucionalidade, tanto o
modelo concentrado europeu quanto o difuso norte-americano46; iii) redimensionar o
Estado para cumprimento os direitos fundamentais, afastando-se do absentismo
neoliberal; iv) possibilitar o desenvolvimento de diversos modelos econômicos, de
variadas tendências políticas; v) hiper-presidencialismo, haja vista a necessidade de
fortes lideranças para aprofundar as mudanças sociais47 (Santamaria, 2011, p. 59-75).
Essa concepção é o canal de diálogo entre o Neoconstitucionalismo de matriz europeia e
a sua recepção em parte da América Latina.

De toda forma, vamos à parte que mais nos interessa. O autor faz uma
interessante construção do que denominou Neoconstitucionalismo Andino ou
Transformador, demonstrando que a construção do Constitucionalismo ocidental foi
baseada nos problemas europeus e, portanto, acabou por espelhar necessidades
específicas daquele continente, de maneira que a adaptação deste modelo à realidade
andina, com problemas diferentes e muito mais profundos, até porque a Europa nunca
viveu um período de colonialismo, encontra na descolonização uma marca essencial
para construir uma nova cultura jurídica em nosso continente 48 (Santamaria,2011, p.
75/77).

46
No plano do controle de Constitucionalidade, Venezuela, Equador e Bolívia, ao contrário da maioria
dos países latino-americanos, estabeleceram o controle concentrado de Constitucionalidade – embora com
algumas peculiaridades no caso Equatoriano que se aproxima do controle misto (Santamaria, 2011, p. 64).
Nos estreitos limites desse trabalho, não pretendemos desenvolver o papel da Jurisdição Constitucional
nesses países. De toda forma, pode-se criticar o fortalecimento do controle concentrado de
constitucionalidade nos mesmos termos em que se crítica a abstrativização do controle difuso no Brasil.
Nos dois casos, há maior concentração de poder em apenas um órgão e não estamos certo se esta é a
melhor forma de garantir a efetividade constitucional, pois retira-se do juiz singular a possibilidade de
aplicação da Constituição e, consequentemente, uma maior pluralidade na interpretação Constitucional.
47
Sobre o tema, desenvolveremos no tópico especifico sobre a Venezuela.
48
Segundo Katherine Walsh, há uma diferença entre o “decolonial” e “descolonial”, na medida em que
“la decolonialidad implica algo más que la descolonización. Su interes no es por el control político y de
soberania tipicamente entendidos em lós conceptos de colonialismo y colonizácion, conceptos que com su
añadidos de „des‟ asumen uma transición, superación y emancipación de esta relación histórica y política
local e residual” (Walsh, 2009b, 233)
49

Ademais, o nível de segregação e exclusão na América latina,


notadamente dos povos indígenas, não encontra precedente em terras europeias. Os
modelos de estado social e liberal na Europa, fruto das conquistas dos movimentos
sociais, nunca realmente foram efetivados em nosso continente. O Estado
Neoconstitucional, pensado a partir da Europa, não pode, portanto, resolver as
especificidades dos problemas andinos. Não se trata, apenas, de aperfeiçoar o Estado
moderno para o cumprimento dessas tarefas, é necessário, efetivamente, repensar a
estrutura do estado no sentido da descolonização e da fuga do eurocentrismo 49
(Santamaria,2011, p. 77/78).

Para Boaventura de Sousa Santos, a ausência de atenção do


Neoconstitucionalismo com temas que são sensíveis aos direitos fundamentais nos
países da América Latina, como os direitos relacionados à participação, ao Direito à
territorialidade e de grupos étnicos, é marcante (Sousa Santos apud Garavito, 2011, p.
73). De fato, no âmbito do neoconstitucionalismo de matriz europeia, o
desenvolvimento da Jurisdição Constitucional se tornou, quase que exclusivamente, a
única forma de efetivar direitos fundamentais, desestimulando o desenvolvimento de
novas formas de participação política e popular através da Constituição.

Na linha proposta por Boaventura, em razão dessa insuficiência do


modelo de Estado ocidental em lidar com essas demandas, o autor seleciona como
características desse Neoconstitucionalismo Transformador: (i) a valorização das
narrativas dos movimentos sociais, incluindo as novas práticas participativas e
organizacionais, como as assembleias constituintes, democracia comunitária, além da
nova relação entre a natureza (Pachamama) e o homem, fugindo de um paradigma
mercantilista; (ii) valorização de novas formas de conhecimento e lutas simultâneas por
reconhecimento, distribuição e representação (Sousa Santos apud Santamaria, 2011, P.
80; Santamaria, 2011, p. 79).

Tais características foram materializadas nos processos constitucionais da


Bolívia e do Equador e, em menor extensão, na Constituição Venezuelana de 1991, que
superaram o Neoconstitucionanalismo de matriz européia (Santamaria, 2011, 79-80).
Dessa forma, o Constitucionalismo Andino inclui novos avanços em sua relação com a

49
Para Anibal Quijano, eurocentrismo significa “um modo de producir y de controlar el imaginario
social, la memória y el conocimiento” (2010, p. 11).
50

democracia e procura responder algumas perguntas a partir de seu contexto histórico,


cultural e social. Tal conceituação coincide, como já explorado, com a nossa concepção
de “Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-americano”.

Portanto, a escolha da denominação “Novo Constitucionalismo” não é


por acaso, mas visa demarcar as diferenças entre o movimento ocorrido em meados à
final do século XX na Europa, com intensas repercussões na América Latina, e as novas
pautas e dinâmicas do momento constitucional que acontece no século XXI em nosso
continente.

Nesse tópico, buscou-se apenas determinar o motivo da escolha sobre o


“Novo Constitucionalismo” em detrimento do Neoconstitucionalismo de matriz
europeia. O debate sobre o Neoconstitucionalismo inunda a academia jurídica, muitas
vezes com fórmulas repetidas e assuntos reproduzidos irrefletidamente para a nossa
realidade. Chegou o momento de rever a agenda do nosso Constitucionalismo.

1.7. O contexto político de surgimento do Novo Constitucionalismo


Pluralista Latino-Americano: uma reação ao projeto neoliberal

Nas décadas de 80 e 90 do século passado, iniciou-se um processo de


retomada do projeto liberal, o chamado neoliberalismo, que buscou o avanço da
economia de mercado, gerando como consequência, entre outras coisas, a retirada do
direito dos trabalhadores e a precarização do mundo do trabalho50.

O fenômeno, com algum lapso temporal, percorreu quase o mundo


inteiro, mas foi na América Latina que produziu os maiores ataques às riquezas naturais

50
Bauman resume bem a receita neoliberal “criando melhores condições para a livre empresa, o que
significa ajustar o jogo político às regras da „livre empresa‟ – isto é, usando todo o poder regulador à
disposição do governo a serviço da desregulação, do desmantelamento e destruição das leis e estatutos
„restritivos às empresas‟, de modo a dar credibilidade e poder de persuasão à promessa do governo de que
seus poderes reguladores não serão utilizados para restringir a liberdade do capital” (Bauman, 2001, p.
172). Nas palavras de Barroso: “O neoliberalismo pretende ser a ideologia da pós-modernidade, um
contra-ataque do privatismo em busca do espaço perdido pela expansão do papel do Estado” (Barroso,
2010, p. 67).
51

e ao modo de produzir e viver das comunidades tradicionais, notadamente dos


indígenas, buscando justamente neutralizar aquelas (poucas) conquistas iniciadas com o
Constitucionalismo social no início do século passado.

O Constitucionalismo social, surgido no início do século XX com a Carta


do México de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919, tingiram o Constitucionalismo
com um caráter social e com uma proposta minimamente igualitária. Não ocorreu por
acaso, mas foi fruto de intensas lutas sociais protagonizadas, notadamente, pela classe
operária influenciada pela crescente ideologia socialista e anarquista que floresceram
em meados do século XIX.

Contudo, foi somente no pós-segunda guerra que as Constituições sociais


se espalharam pelo ocidente, notadamente nas Constituições alemã (1949), portuguesa
(1978), espanhola (1978), francesa (1958) e a brasileira (1988)51 (Galindo, 2006, p. 58).
Era o Estado Social ganhando terreno na luta por um Constitucionalismo mais inclusivo
e democrático.

O Constitucionalismo social legou a necessidade de intervenção do


Estado na economia, como forma de redução das desigualdades, e a necessidade de
proteção do Direito dos trabalhadores e das organizações sindicais, sendo o
reconhecimento dos direitos sociais a grande marca desse processo.

No âmbito do Novo Constitucionalismo Pluralista, no que tange ao


contexto político de sua criação, buscando resgatar – entre outras coisas - o postulado
intervencionista do Constitucionalismo social, há unanimidade entre os diversos
analistas jurídicos e sociais: essas Constituições surgiram como fruto imediato da reação
ao projeto neoliberal implementado na década de 80 e intensificado na década de 90 na
América Latina.

51
No Brasil, o Constitucionalismo social foi inaugurado com a Constituição de 1934. Com isso não
queremos dizer, obviamente, que houve um pleno Estado Social no Brasil ou em países da América
latina. O que houve, na verdade, foram avanços normativos na conquista de Direitos sociais, que nas
palavras de Lenio Streck: “Evidentemente, a minimização do Estado em países que passaram pela etapa
do Estado Providência ou welfare state tem consequência absolutamente diversas da minimização do
Estado em países como o Brasil, onde nunca houve o Estado Social” (Streck, 2009, p. 23). Na perspectiva
Constitucional, Daniel Sarmento destaca que a partir de Governo Fernando Henrique Cardoso (1995), que
tinha amplo apoio no parlamento, diversas emendas Constitucionais buscaram redefinir o papel do
Estado, como a flexibilização dos monopólios estatais, o fim de certos limites para a o capital estrangeiro
e a reforma no sistema previdenciário, claramente inspirado na receita neoliberal (2008, p. 32). Já
Pisarello destaca que foram 35 emendas durante o governo FHC que buscaram retirar o alcance social e
econômico da Constituição de 1988 (Pisarello, 2011, p. 186).
52

Nesse espaço de tempo, reformas econômicas promoveram a livre


circulação de capitais, bens e serviços, aumentando processos de desigualdade e
exclusão, sob a égide de reformas constitucionais que impulsionaram o neoliberalismo.
Direitos sociais e políticos perderam sua efetividade em detrimento dos direitos
patrimoniais, como defendia o velho liberalismo (Pisarello, 2009, p. 8; 2012, p. 184).
Posteriormente, como refluxo desse processo, a eleição de governos comprometidos
com o combate a políticas privatizantes marcou diversos países latinos52.

São momentos de intensificação da participação popular nas lutas contra


projetos fundados na lógica da desregulamentação da economia e da privatização,
inclusive, de serviços essenciais.

O contexto político em que se inserem essas mudanças, portanto, são as


transformações paradigmáticas que os países latinos viveram no plano da organização
dos movimentos sociais e da ascensão ao poder de partidos representantes de segmentos
historicamente excluídos e oprimidos, como os indígenas, os agricultores e a classe
trabalhadora.

É por isso que, em nosso continente, as revoltas sociais tiveram papel


essencial no processo de refundação do Estado e da intensificação da participação
popular. Dos levantes indígena em Chiapas no México, com a criação do Exército
Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), passando pelos fortes protestos sociais na
Argentina contra as medidas de austeridade do governo, até as grandes mobilizações
Bolivianas contra a privatização do gás e da água53, a América Latina resistiu à receita
neoliberal - certamente um ingrediente que não era esperado pelos agentes do
neoliberalismo (Coelho et al, 2010, p. 77; Main, 2010, p. 99/100).

Essas revoltas, além de promoverem a ascensão da política de rua e das


grandes manifestações, sepultou a crença da democracia representativa-liberal como
único meio de ação política e recuperou a legitimidade perdida das intensas lutas sociais
(Stefanoni, 2012, p. 18), gerando repercussões na dinâmica constitucional.

52
O autor cita, como exemplo, o Brasil (Lula); Argentina - Kichner; Uruguai - Vázquez; Chile - Bachele;
e Venezuela - Chavez (Pisarello, 2009, p. 8). Posteriormente, no caso equatoriano – Rafael Correa; e
Boliviano - Evo Morales.
53
No caso Boliviano, por exemplo, houve a chamada “Guerra do gás” e a “Guerra da água” em 2005 -
revoltas populares articuladas pelos movimentos sociais contra os processos de privatização dos bens
naturais daquele país que culminaram com a eleição de Evo Morales (Prada, 2010, p.69).
53

Dessa forma, os “atores constituintes” (movimentos sem-terra e sem


emprego; indígenas, feministas; afrodescendentes e sindicalistas), na expressão de
Pisarello (2009), foram os protagonistas das novas Constituições. Tais modelos de
sociedade, baseados em lutas populares e na reorganização dos movimentos sociais,
impulsionam as conquistas Constitucionais nesses países.

Esse movimento buscou frear o ímpeto privatizante que outras


Constituições ao redor do mundo defendem, gerando como consequência novas formas
de economia – cidadã e comunitária - e de intervenção popular nos rumos do mercado,
estabelecendo um retorno ao “constitucionalismo social dirigente”, mas com uma clara
preocupação com as cosmovisões indígenas e o meio ambiente, de forma que essas
mudanças foram traduzidas em processos Constituintes que visaram a ruptura com a
lógica produtivista, com fortes características garantistas e democratizantes (Pisarello,
2009, p. 8; Pisarello, 2011, p. 195/198).

Assim, enquanto a Constituição Brasileira surgiu como uma reação à


ditadura militar e ao estado ditatorial, assim como outras Constituições da América
latina e da Europa (as Constituições espanhola de 1978 e a portuguesa de 1976, por
exemplo), os processos constituintes do Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-
Americano surgiram como reação ao modelo de desenvolvimento econômico e político
inserido pelo consenso de Washington54.

Dessa forma, temos como consequência processos constitucionais


marcados pela interferência das pautas populares, como, por exemplo, a forte
intervenção do Estado na economia, e de espaços públicos (mas não estatais) de
intervenção política 55 . É por isso que Boaventura afirma “no necesitamos teorias de
vanguardia; necessitamos de teorías de retaguardia para acompañar la riqueza del
movimento social” (Sousa Santos, 2008, p. 154), tendo em vista que essas Constituições
não foram frutos de juristas enclausurados em gabinetes, mas da luta dos movimentos
sociais, principalmente, o indígena (Santamaría, 2009, p. 14-15).

54
Rodrigo Uprimmy faz interessante análise, no plano da origem e natureza, das recentes reformas
Constitucionais na América Latina. Segundo o autor, algumas Constituições surgiram como forma de
reação as ditaduras militares (Brasileira e a Paraguaia), outras visando combater democracias com déficits
de legitimidade (Mexicana e Colombiana) e, ainda, as Constituições da Venezuela, do Equador e da
Bolívia como resultado da ascensão de novos grupos políticos ao poder (Uprimmy, 2011, p. 109).
55
Segundo Barroso, referindo-se a outro contexto, mas aplicável ao presente caso: “Assim, à organização
dicotômica clássica ”público-privada”, agrega-se um novo e importante elemento: a esfera pública não
estatal” (Barroso, 2010, p. 63).
54

Assim, como resposta ao projeto neoliberal, podemos destacar a forte


reorganização dos movimentos sociais de massa e a rearticulação – no campo
epistemológico e na prática dos movimentos de esquerda 56 – de alternativas ao
capitalismo periférico, que foram materializadas com os processos constituintes da
Venezuela (1999) e, em maior escala, com as constituintes do Equador (2007/2008) e da
Bolívia (2006/2009), marcadas por lutas sociais contra as então reinantes políticas
neoliberais57.

No caso equatoriano, por exemplo, a própria Constituição eliminou de


seu sistema jurídico a terceirização e a intermediação laboral; reconheceu e protegeu o
trabalho autônomo; estabeleceu prioridade dos produtos e serviços da economia social
para as compras públicas e auditorias cidadãs para dívidas públicas, entre tantos outros
avanços (Larrea, 2008, p. 23). Também são consequências que podem ser atribuídas a
este momento constitucional a renacionalização de empresas estratégicas para o
desenvolvimento, especialmente a indústria petroleira na Venezuela e a de
hidrocarbonetos na Bolívia58 (Main, 2010, p. 101).

No mesmo sentido, os artigos 16 e 20 da Constituição da Bolívia


estabelecem que toda pessoa tem direito à água, entre outros direitos básicos, sendo
responsabilidade do Estado garantir o seu fornecimento e impossibilitando toda e
qualquer forma de concessão ou privatização desse bem. Ademais, o próprio preâmbulo
da Constituição Boliviana faz referência, entre outras coisas, a importância da luta pela
água no processo de refundação do Estado.

56
Estamos com Boaventura de Sousa Santos em sua definição de esquerda: “Izquierda significa el
conjunto de teorías y práticas transformadoras que, a ló largo de lós últimos ciento e cincuenta años,
resistieron a la expansión del capitalismo y al tipo de relaciones económicas, sociales, políticas y
culturales que genera, y que se hicieron com laconvicción de la possibilidad de um futuro poscapitalista,
de uma sociedad alternativa, más justa, por estar orientada a la satisfacción de las necessidades reais de
lós pueblos, y más libres, por estar centrada a la realización de las condiciones del efectivo ejercicio de la
liberdad.” (Sousa Santos, 2010c, p. 167). Já Roberto Gargarella identifica a esquerda latino-americana
com a tradição radical republicana, que tem como objetivo fortalecer o poder popular e uma preocupação
central com as questões sociais e a igualdade. Segundo o autor: “la izquierda está llamada a jugar um
papel central em nuestro futuro constitucional, a los fines de alcançar um ordenamiento legal más
igualitário” (Gargarella, 2011b, p. 88-107).
57
É por isso que esses processos reafirmam a conexão entre Direito e Política, obviamente existente
desde constitucionalismo liberal revolucionário, por mais que tantos ainda teimem em negar ou
invisibizar essa relação no plano teórico.
58
O equatoriano Pedro Páez entende que as recentes reformas econômicas feitas pelos governos
progressistas para distribuição de renda não são transformações estruturais no modelo econômico (Paéz,
2010, p. 196).
55

Assim, se estabelece uma nova lógica produtiva, baseada na cooperação


e no respeito à economia solidária, distanciada do neoliberalismo e de seus postulados
subservientes as corporações internacionais que, segundo Mignolo, seria “la vitoria de
la economia sobre el resto de las esferas de la vida” (Mignolo, 2008, p. 51).

Dessa forma, surgem não apenas as possibilidades de controle do Estado


sobre a economia, mas novas e criativas possibilidades da coletividade controlar o
avanço da economia sobre os direitos fundamentais, afinal, como ensina Galeano com
fina ironia “ninguém se incomoda muito, afinal, que a política seja democrática, desde
que a economia não o seja” (Galeano, 2005, p. 108).

Portanto, é de se observar que nos países do Novo Constitucionalismo


surgiram diversas soluções originais para problemas envolvendo o controle do poder e
da economia, oriundas justamente da necessidade de organização para se contrapor ao
projeto neoliberal. Podemos citar, por exemplo, o Conselho de Participação Popular e
Cidadão no Equador (Quinto poder), a superação da concepção tripartite de poder na
Venezuela, além dos referendos revogatórios de mandatos eletivos. Na Constituição
Colombiana, denomina-se “formas de participação democrática”, na Constituição
Equatoriana é “participação na democracia”, na Constituição da Venezuela e Bolívia
chama-se “Democracia participativa”, todas elas incluindo novas formas de participação
democrática e controle de poder sobre o poder constituído, alterando a dinâmica da
democracia meramente representativa59 (Viciano e Dalmau, 2010, p. 23/35).

Por sinal, esses movimentos de emancipação social nos países latino-


americanos optaram, como saída política para períodos de crise, pela feitura de
assembleias constituintes democráticas e, consequentemente: i) saída pacífica e sem o
uso da violência para mudança dos rumos político; ii) depositaram, no âmbito
constitucional, esperança de intensas transformações sociais através do Direito - que
foram traduzidas em positivação constitucional de instrumentos de democracia
participativa essenciais para a estimulo a intervenção cidadã. Portanto, radicalizar a
democracia e propor novas formas de participação popular, como reação a um modelo

59
Para uma excelente análise comparada entre Venezuela, Bolívia e Equador dos institutos de
participação popular de intervenção cidadã no Estado, ler: Coelho et al , 2010.
56

que excluiu a participação popular das decisões jurídicas, políticas e econômicas, foi a
proposta dessas novas Constituições Latino-Americanas60.

Por fim, é importante destacar que não se trata apenas de uma luta contra
o neoliberalismo, nem do capitalismo contra o socialismo, é uma luta muito mais antiga,
da passagem do colonialismo à autodeterminação 61 (Sousa Santos, 2010, p. 150).
Portanto, obviamente, não é apenas a um contexto de reação ao neoliberalismo que o
Novo Constitucionalismo se insere. Essa é a causa imediata. O problema é mais
profundo e tem a clara pretensão descolonizadora.

Nesse sentido, a concretização desse processo e a materialização das


reações ao neoliberalismo e ao projeto neocolonial – com forte presença do estado na
economia e de dispositivos Constitucionais que limitam a livre iniciativa e impulsionam
o protagonismo indígena– será demonstrado no último capítulo, com a positivação do
Sumak Kawsay e da Pachamama como forma de inaugurar uma nova forma de
produção e relação com a natureza.

60
Para Bonavides, a democracia participativa representa a retirada do conceito abstrato de Povo e o insere
numa dinâmica real de participação popular. Segundo o autor: “Em suma, a democracia participativa
configura uma nova forma de Estado: o Estado democrático-participativo que, na essência, para os países
da periferia é a versão mais acabada e insubstituível do Estado social, este que a globalização e o
neoliberalismo tanto detestam e combatem, argumentando contra todos os elementos conceituais de sua
teorização” (Bonavides, 2008, p. 19). É tanto que Boaventura afirma que os países citados, embora não
sejam processos propriamente socialistas, tem uma vocação para tal. Os modelos de sociedade que estão
em curso nessas regiões podem ser denominados: (i) revolução bolivariana; (ii) revolução cidadã; (iii)
revolução comunitária; (iv) socialismo do século XXI; (v) socialismo do Buen Vivir (Bem-viver), que
propõem diferentes lutas que buscam determinar uma mudança estrutural nesses países (Sousa Santos,
2010, p. 149/151).
61
Nas palavras de Viciano e Dalmau: “No el que el siglo XXI sea el único protagonista de esta lucha; las
batallas se han librado, ganado e perdido, durante décadas” (Viciano e Dalmau, 2005, p. 7/8).
57

2. A Constituição Colombiana de 1991 e a Constituição Venezuelana de


1999

A Constituição da Colômbia e da Venezuela estão no limbo, de acordo


com os autores analisados no capitulo anterior, entre pioneiras ou precursoras do Novo
Constitucionalismo. Ora são citadas enquanto precedente desse movimento, ora
enquanto sua parte integrante, mas sem grande desenvolvimento acerca de suas
inovações e de sua importância, de modo que merecem uma atenção especial da nossa
parte, tendo em vista que as explicações sobre os motivos da presença – ou ausência –
dessas Constituições no âmbito do que denominamos Novo Constitucionalismo
Pluralista Latino-Americano ainda são pouco desenvolvidas no âmbito teórico.

Não abordaremos de forma minuciosa o conteúdo dessas Constituições,


mas apenas aqueles aspectos que entendemos mais sensíveis as nossas preocupações,
como a questão indígena e a participação popular.

Neste capítulo demonstraremos, em suma, as principais características da


Constituição da Venezuela (1999) e da Colômbia (1991) - resgatando seus avanços e
limites – buscando comprovar porque compreendemos que tais Constituições não
encontram respaldo epistemológico para a composição da nossa concepção de Novo
Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano.

2.1. A Constituição Colombiana de 1991 e a Corte Constitucional


Colombiana

A Constituição colombiana de 1991, entre outras coisas, foi à pioneira no


reconhecimento da jurisdição autônoma indígena, contribuindo para o desenvolvimento
do pluralismo jurídico nos ordenamentos jurídicos de nosso continente. É claro que há
outras Constituições que contribuem – com menor intensidade - para o surgimento do
Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano, mas essa experiência se destaca
no campo Constitucional de nossa região.
58

Com todos os seus avanços e limites, Fajardo insere a Constituição


Colombiana, conforme já visto, como a primeira do segundo ciclo das reformas
Constitucionais recentes na América latina, com certo pioneirismo na garantia dos
direitos indígenas.

Já Viciano e Dalmau entendem que a Constituição de 1991 tornou-se


capaz de alterar as estruturas do país, tendo como ponto propulsor a instauração da
assembleia constituinte de caráter democrático, fruto das mobilizações populares
materializadas no movimento “séptima papeleta”, que representava a necessidade de um
novo texto constitucional diante da insuficiência da Constituição anterior em refletir os
problemas existentes na Colômbia (Viciano e Dalmau, 2010, p. 24; 2010b, p. 16).

No âmbito do controle do poder e das reformas Constitucionais,


inclusive, o artigo 374 da Carta Colombiana possibilita que a Constituição possa ser
reformada pelo Congresso, por uma Assembleia Constituinte ou pelo povo mediante
referendo. Coerentes com seu projeto de alteração constitucional, quando realizada
apenas por meio das assembleias constituintes, os autores colocam como ponto frágil da
Constituição Colombiana a possibilidade de reforma através dos poderes constituídos,
ainda que seja possível promovê-la por meio dos referendos e da assembleia
constituinte (Viciano e Dalmau, 2011b, p. 18). Na perspectiva do Novo
Constitucionalismo proposto por esses autores, tal possibilidade enfraquece a
participação popular nos rumos Constitucionais do país, limitando a soberania popular.

De toda forma, o fato é que a Constituição Colombiana de 1886 não


reconhecia as diferentes culturas e concepções de mundo da sociedade colombiana: a
língua oficial era o espanhol e a religião católica. O papel da Constituinte de 1991 foi
propor uma sociedade nacional baseada em diferenças, incorporando direitos a favor das
comunidades indígenas, direitos coletivos sobre seus territórios e reconhecendo a
autonomia das autoridades tradicionais indígenas sobre o sistema de justiça (Gavíria
Díaz, 2010, p. 73/74).

Através de tal processo, que reconheceu e fortaleceu as diferenças,


rompeu-se a forte hegemonia da cultura ocidental, valorizando culturalmente as
concepções que eram historicamente taxadas de “incivilizadas, atrasadas ou bárbaras”.
O Estado, monocultural e monista, passou a reconhecer outras formas de organização
59

social - para além da oficial (Botero, 2005, p. 227), de maneira que a partir da
Constituição Colombiana de 1991:

El Estado colombiano se autoreconoce como pluriétnico y multicultural,


superando una larga tradición durante la cual se reclamó monocultural, en
cuanto reconocía un solo Dios, el católico; un solo idioma, el español; un
solo derecho, el positivo estatal; una sola forma de propiedad, la privada,
para transformarse por mandato del constituyente primario, en un Estado
Social de Derecho diverso y complejo (Moreno, 2011, p. 6).

O artigo 1º da Constituição declara, entre outras coisas, que a Colômbia é


um Estado Social de Direito, com democracia participativa e pluralista, baseada na
dignidade da pessoa humana, no trabalho e na solidariedade das pessoas. O título II da
Constituição, denominado “Dos Direitos, garantias e deveres”, assevera que todas as
pessoas nascem livres e iguais, sem nenhuma discriminação por sexo, raça, origem
nacional ou familiar, língua, religião, opinião política ou filosófica.

No campo da relação entre a economia e a Constituição, há conflitos


sobre a orientação ideológica da Constituição Colombiana de 1991, já que possui alguns
traços de intervenção estatal e outros de incentivo a livre iniciativa, resultado das
tensões ideológicas entre social-democratas e neoliberais no seu processo Constituinte
(Uprimmy, 2011, p. 117).

O artigo 107 da Constituição colombiana, inserido no capítulo sobre as


“formas de participação democrática”, garante o Direito de todos de organizar, fundar
partidos e movimentos sociais – aos quais, nesse último caso, se permite, inclusive, a
inscrição de candidatos nas eleições. Os partidos de oposição também têm os seus
Direitos garantidos no art. 112, inclusive, com direito a resposta oficial nos meio de
comunicação do Estado. O art. 103 estabelece que são mecanismos de participação
popular: o voto, o plebiscito, o referendo, a consulta popular, os fóruns abertos, a
iniciativa legislativa e a revocatória de mandato62.

É de se destacar, todavia, que essas formas de representação popular e


democrática estão paralisadas, praticamente resumindo-se ao voto. O país caminha no
campo político no sentido de aprofundar o status quo tradicional e todas as suas

62
Este último instrumento, teve uma forte repercussão em diversas outras reformas Constitucionais na
América latina, como será visto em seguida.
60

injustiças e desigualdades, não se realizando essas propostas constitucionais (Gaviria


Díaz, 2010b, p. 149).

De toda forma, como se observa, a Constituição Colombiana inseriu


importantes conquistas para o Constitucionalismo na América latina, notadamente no
campo na democracia participativa e do pluralismo jurídico (Wolkmer, 2010, p. 153).

As Constituições latino-americanas, de uma forma geral, são marcadas


pela extensão e por uma alta carga axiológica, positivada através dos princípios. Nesse
contexto, é claro que a Constituição constrói-se na interpretação dos seus legitimados, o
que significa que a abertura e a plurissignificancia do texto pode gerar normas pouco
orientadas pela percepção intercultural63.

Nesse sentido, sem dúvida, a Corte Constitucional inaugura um capítulo


à parte na história Constitucional colombiana, pois tem exercido papel essencial na
aplicação e concretização dos direitos fundamentais, principalmente, por imprimir uma
lógica intercultural na proteção desses direitos. A Corte tem forte atuação na defesa e
implementação das conquistas constitucionais, configurando-se, de certo modo, como a
grande protagonista desse processo64. Ela é composta, de acordo com o art. 239, por
membros eleitos pelo Senado, a partir de listas apresentadas pelo Presidente da
República, pelo Tribunal Supremo e pelo Conselho de Estado, com a função de guarda
e supremacia da Constituição.

A Corte tem suscitado diversos estudos ao redor do mundo acerca da sua


atuação na defesa dos direitos fundamentais. Diante de um cenário político pouco
inovador, em termos de políticas públicas, e bastante conservador, no âmbito dos
direitos fundamentais, a atuação da Corte tem merecido uma atenção especial, pois vem
potencializando o caráter transformador da Constituição Colombiana de 1991.

63
Nas palavras de Marcelo Neves: “Isso significa, em nosso contexto, que, embora a Constituição do
Estado Constitucional vincule normativamente os seus concretizadores, ela é reconstruída
permanentemente mediante a sua interpretação e aplicação por esses mesmos concretizadores. Esse é o
paradoxo das hierarquias entrelaçadas: a sentença constitucional, subordinada normativamente à
Constituição, afirma, ao concretiza-la, o que é constitucional” (Neves, 2009, p. 295).
64
Pode-se ter acesso às decisões da Corte Constitucional colombiana em seu sítio eletrônico oficial:
http://www.corteconstitucional.gov.co/. É de se ressaltar que a Corte Constitucional colombiana declarou
a inconstitucionalidade de lei que permitia o terceiro mandato do Presidente Álvaro Uribe, por violação
ao artigo 197 da Constituição.
61

Na Colômbia já havia, desde 1910, a possibilidade de se declarar a


inconstitucionalidade de uma lei, fruto do Judicial Review. Dessa forma, com o
surgimento da Constituição de 1991 e da Corte Constitucional Colombiana, não houve
sérias tensões a respeito da legitimidade da Corte, ao contrário do que ocorreu em
outros países. (Uprimny e Villegas, 2004, p. 14/15).

Além disso, a facilidade de acesso à Corte Constitucional para análise da


constitucionalidade das leis – notadamente pela acción publica e acción de tutela - sem
maiores formalidades, sem custo e para todo e qualquer cidadão, tem sido essencial para
sua manifestação. O próprio desenho da Justiça Constitucional Colombiana fornece
grande possibilidade de atuação da Corte, seja pela possibilidade de declaração de
inconstitucionalidade das leis, seja pela possibilidade de rever decisões de tribunais ou
juízes, desde que envolva questões Constitucionais (Uprimny e Villegas, 2004, p.
14/15).

Dessa forma, tanto o amplo acesso ao Poder Judiciario quanto a


possibilidade de anular decisões de outras instâncias judiciais, possibilitam uma maior
atuação da Corte Colombiana, tornando-se o cenário ideal para o desenvolvimento do
ativismo judicial. Porém, há ainda dois elementos essenciais para o desenvolvimento
do ativismo: crise de representação e enfraquecimento dos movimentos sociais e dos
partidos de oposição (Uprimny e Villegas, 2004, p. 16).

Esses elementos, inclusive, têm sido comuns nos diversos países


periféricos que enfrentam crise de legitimidade nos poderes de representação popular e
enfraquecimento do poder de mobilização da sociedade civil organizada. Estas
características, sem dúvidas, são as condutoras dos processos de “ativismos judiciais”
em volta do mundo, notadamente nos países periféricos65.

No caso colombiano, entretanto, esta característica é potencializada.


Historicamente a representação legislativa e presidencial na Colômbia é bastante
influenciada pelos interesses de mercado, muito influenciada pela política econômica

65
Neste ponto, com forte presença na América latina, mas com maior intensidade na Colômbia, há a
presença da violência que marca a realidade colombiana e retira o cidadão da participação em
mobilizações coletivas e, como consequência, gera o enfraquecimento dos movimentos sociais (Uprimny
e Villegas, 2004, p. 39).
62

norte-americana, e não busca, efetivamente, um compromisso com a concretização da


Constituição e dos postulados mínimos da justiça social.

Dessa maneira, houve colisões entre políticas neoliberais dos anos 90 e a


Constituição, o que gerou uma série de tensões entre as normas constitucionais e a
atuação governamental, principalmente no campo do direito do trabalho e suas
garantias, o que transformou a Corte em uma das únicas instituições estatais
comprometidas com o desenvolvimento da Constituição66 (Uprimny e Villegas, 2004, p.
19).

Isso gerou tensões entre o parlamento e a jurisdição constitucional que


são naturais em toda e qualquer democracia, porém, no caso colombiano, esses conflitos
são potencializados devido a um alto grau de violação de Direitos em detrimento de um
texto constitucional garantista. Um dos pontos que torna a Corte Colombiana
progressista, já que normalmente a atuação jurídica tende a ser conservadora e a
espelhar os interesses dominantes, foi a forte mobilização e a pluralidade da Assembleia
Nacional Constituinte, com a forte presença de indígenas, minorias religiosas e forças
políticas e sociais historicamente marginalizadas da vida política colombiana (Uprimny
e Villegas, 2004, 14/19).

A Corte tem atuado, notadamente, na defesa de grupos sociais que


historicamente foram excluídos da proteção jurídica, como os indígenas, as mulheres, as
minorias religiosas, os homossexuais, os devedores do sistema financeiro, os portadores
de HIV e os sindicalistas (Uprimny e Villegas, 2004, p. 2/12). No mesmo sentido, a
Corte estabeleceu esforços hermenêuticos para efetivar direitos fundamentais, por
exemplo: i) direito à descriminalização do consumo de drogas em alguns casos; ii)
permissão para prática de eutanásia ativa, diante de determinadas circunstâncias; iii)
efetivação do direito à saúde via poder judiciário67 (Gaviria Díaz, 2010).

66
Diante de um cenário de avanço do neoliberalismo e da precarização das condições trabalhistas, a Corte
tem reafirmado os direitos sociais propostos na Constituição, pois “la lucha jurídica de los obreros ante la
Corte Constitucional es generalmente considerada por los líderes sindicales como un factor de esperanza
en medio de una situación deterioro de los derechos de los trabajadores como nunca antes había sido
vista” (Uprimny e Villegas, 2004, p. 26). Inclusive, representantes das elites empresariais tentaram
reduzir a competências e as atribuições da Corte, devido a sua atuação protetiva em relação ao Direito dos
Trabalhadores, mas o Tribunal recebeu apoio das centrais sindicais e dos movimentos de Direitos
Humanos (Uprimny e Villegas, 2004, p. 2).
67
O autor, que foi magistrado da Corte, também faz uma ampla análise do contexto da criação da
Constituição Colombiana, dos direitos econômicos, culturais, sociais e do consequente desenvolvimento
63

Portanto, a Corte Constitucional Colombiana, ainda que em uma zona


fronteiriça entre a debilidade institucional e práticas sociais emancipatórias, tem forte
atuação em prol dos historicamente marginalizados, numa espécie de “alianza contra-
hegemónica tácita ente la Corte Constitucional - o por lo menos entre algunos
magistrados de la Corte Constitucional - y ciertos sectores sociales excluidos o
atropellados” (Uprimny e Villegas, 2004, p. 2-12)

Nesse contexto, o papel da Corte Colombiana transcende a declaração de


inconstitucionalidade das normas, ou a anulação de decisões dos tribunais inferiores –
atribuídos convencionalmente aos Tribunais/Cortes Constitucionais – assumindo a
função pedagógica de efetivar a Constituição diante de um cenário de desrespeito e
violação dos direitos consagrados constitucionalmente.

O simbolismo das decisões da Corte tem uma função positiva ao dialogar


com outros poderes na construção de uma sociedade democrática, pois permite que o
conteúdo emancipatório de algumas de suas decisões “contienen un mensaje político en
el cual se concretiza la idea de esperanza depositada en los textos constitucionales, de
tal manera que los actores encuentran en dicho mensaje un pretexto para la acción
política” (Uprimny e Villegas, 2004, p. 40).

Embora a sociedade colombiana ainda esteja muito distante do projeto


constitucional desenhado para o país, no âmbito doutrinário há certa convergência a
respeito da essencialidade da Corte Constitucional na proteção dos direitos
fundamentais, notadamente, no campo dos direitos indígenas, contribuindo
decisivamente para a efetividade constitucional (que, obviamente, ainda encontra
limites)68.

da atuação da Corte Constitucional (Gaviria Díaz, 2010). Pinto (2009) faz uma abordagem crítica da
jurisprudência da Corte em relação à questão indígena, citando suas decisões, os parâmetros da Corte e o
possível desdobramento legal das mesmas. Além dos casos citados, Cesar Baldi (2009) faz interessante
análise da jurisprudência da Corte Constitucional Colombiana e da aplicação da legislação nacional
relacionada a etnoeducadores para crianças nas escolas colombianas. No mesmo sentido, sobre uma
ampla análise do ativismo judicial da Corte Constitucional em relação aos trabalhadores, aos direitos dos
homossexuais, dos indígenas, dos devedores hipotecários (em diversas decisões que atacou diretamente o
sistema financeiro do país) e dos movimentos dos direitos humanos em geral, notadamente a questão das
execuções sumárias e violência produzida pelos agentes estatais, ver Uprimny e Villegas (2004). Para
uma extensa apreciação dos direitos indígenas na Constituição Colombiana, incluindo quadro sinóptico
com as previsões constitucionais e principais decisões da Corte Constitucional colombiana por tema
acerca dos direitos indígenas, analisar Botero e Jaramillo (2009).
68
Não é outra a lição de Cesar Baldi sobre a importância das decisões provindas da Corte Constitucional
Colombiana: “o „colonialismo interno‟ de parte dos constitucionalistas brasileiros insiste em não prestar
64

Obviamente, como na maioria dos países periféricos, há um forte


descompasso entre a realidade e a pretensão normativa constitucional. A violência, a
corrupção, o medo, e a falência de algumas instâncias estatais, ainda são reinantes no
cotidiano da frágil democracia colombiana. A paz, direito e dever positivado no artigo
22 da Constituição de 1991, ainda parece um projeto distante de ser alcançado pela
população colombiana69.

As Constituições não mudam magicamente a realidade dos países, mas


certamente contribuem de forma decisiva para a sua transformação, pois, sem uma
Constituição transformadora, certamente as mudanças sociais e a superação de
problemas históricos na Colômbia seria ainda mais difícil.

Dessa forma, é inegável que a Corte tem cumprido uma função essencial
na afirmação e implementação dos direitos fundamentais na Colômbia. Mas, coerente
com a nossa introdução inicial sobre o papel do Direito e da jurisdição constitucional
em países periféricos, a Corte Constitucional não tem e nem deve ter o poder de mudar
estruturalmente as bases da sociedade. É necessário uma convergência dos diversos
componentes do Estado – incluindo Legislativo e Executivo – para a efetivação
Constitucional, além da necessária intervenção dos movimentos sociais e dos atores
constituídos.

2.1.1. Direitos indígenas: previsão normativa e aplicação Constitucional

Atualmente, vivem aproximadamente 1.378.884 de indígenas na


Colômbia, representando em torno de 2% da população, são 710 territórios indígenas
divididas em 27% do território colombiano e mais de 80 etnias (Moreno, 2011, p. 3). A
questão indígena na Colômbia é perpassada por violações de direitos e perseguições
políticas, tanto por parte do Estado, quanto pelas guerrilhas aliadas ao narcotráfico e aos

atenção ou citar como jurisprudência para análise de casos similares na nossa Constituição. Os casos
envolvem direitos de minorias, indígenas e populações negras ou palenqueiras (os „quilombos‟ de lá), em
país também de semiperiferia, com desafios gigantescos na área de direitos econômicos e sociais, com
grau exacerbado de violência e de incremento de políticas de segurança” (Baldi, 2009, p. 1).
69
Artigo 22 da Constituição Colombiana: “La paz es un derecho y un deber de obligatorio
cumplimiento.”
65

paramilitares, que buscam nas terras indígenas um local para desenvolver o cultivo e a
plantação das drogas. Há cerca de 70.000 mil indígenas refugiados internos na
Colômbia70 (Moreno, 2011, p. 15).

Nesse contexto, há diversas garantias constitucionais que protegem o


desenvolvimento cultural dos povos indígenas. O art. 63 da Constituição dispõe que as
terras comunais dos grupos étnicos serão inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis.
No mesmo sentido, os territórios indígenas são de propriedade coletiva e indisponível,
de acordo com o artigo 329 da Constituição.

O art. 13 dispõe que o espanhol é o idioma oficial, mas que as línguas e


dialetos dos grupos étnicos são oficias em seus territórios, inclusive, garantindo o
ensino bilíngue nas suas comunidades. Além disso, o artigo 7º garante o
reconhecimento e proteção à diversidade étnica e cultural da nação colombiana.

É de se salientar que a Colômbia foi o primeiro país a reconhecer, por


meio da Constituição de 1991, a jurisdição autônoma indígena (Uprimmy, 2011, p.
112). Ressalte-se, ademais, que os tratados internacionais de direitos humanos, com
status de norma constitucional, complementam os direitos fundamentais previstos na
Constituição e fortalecem a proteção dos direitos humanos e do processo democrático
na Colômbia, principalmente quanto à questão indígena com a recepção da convenção
nº 169 da OIT71.

Diante dessa riqueza normativa, surgiram diversas formas criativas de


resolução dos conflitos interculturais, envolvendo os povos indígenas e o sistema estatal
de justiça na Colômbia, trabalhadas pela Corte Constitucional.

70
Diante das constantes ameaças daqueles atores, tanto por parte do Estado quanto de grupos
guerrilheiros e paramilitares, com o objetivo de preservar sua vida e sua cultura, a organização do Povo
indígena do povo Awá lançou a seguinte denúncia em 2010: “En reiteradas ocasiones hemos manifestado
que no estamos a favor ni en contra de ningún actor armado y por esta razón exigimos a todos los actores
armados que transitan por nuestro territorio que nos mantengan al margen de un conflicto que no nos
pertenece. Por la dignidad y el respeto a nuestro pueblo, solicitamos que no seamos objeto de
señalamientos y estigmatizaciones, ante la supuesta vinculación de la población Awá, en los grupos
armados legales e ilegales” (Moreno, 2001, p. 15).
71
Artigo 93: “los tratados y convenios internacionales ratificados por el Congreso, que reconocen los
derechos humanos y que prohiben su limitación en los estados de excepción, prevalecen en el orden
interno. Los derechos y deberes consagrados en esta Carta, se interpretarán de conformidad con los
tratados internacionales sobre derechos humanos ratificados por Colombia.”
66

A Corte cumpriu um papel absolutamente importante na reafirmação da


cultura e da territorialidade indígena no contexto colombiano, muitas vezes
considerando o elemento cultural em detrimento da perspectiva econômica das grandes
corporações, - fato reconhecido pelas próprias lideranças indígenas (Rappaport apud
Uprimny e Villegas, 2004, p. 23).

Nesse sentido, basta analisar o caso do exame de DNA na comunidade


Wayu, que foi substituído por provas testemunhais, pois a retirada de sangue viola as
crenças e tradições daquela comunidade indígena. Igualmente, a autoridade indígena do
povo Páez anulou uma decisão da jurisdição ordinária em um caso de separação de
bens, sob a justificativa da legitimidade da jurisdição indígena (Botero, 2005, p.
243/244).

No mesmo sentido, a Corte protegeu a autonomia cultural do Povo


U´Wa, em detrimento das pretensões da empresa multinacional OXI de explorar
petróleo em território daquela comunidade indígena, - considerado sagrado pelos povos
ancestrais (Uprimny e Villegas, 2004, p. 23). A Corte, também, declarou a
inconstitucionalidade de uma lei de 1889, que tratava os indígenas como selvagens e
estabelecia sua integração a “sociedade” por meio da catequização da igreja católica
(Gaviria Díaz, 2010).

Outro caso interessante, sobre a matéria, diz respeito à decisão da


jurisdição autônoma indígena, que expulsou um indígena integrante do povo Coyaima
Natagaima, de sua comunidade, junto com sua família, pelo cometimento de furto. A
Corte (sentença T-254) entendeu que a sanção da jurisdição indígena violou direitos
estabelecidos na Constituição, notadamente o da individualização da pena, em razão de
a sanção ter se estendido a sua familia, e anulou a decisão da jurisdição autônoma. Por
outro lado, no mesmo julgamento, a Corte defendeu a possibilidade de banimento da
comunidade indígena, tendo em vista que a sua vedação constitucional fazia referencia a
ao próprio território estatal, e não ao território indígena (Pinto, 2009, p. 260-263).

Para defender a territorialidade indígena, que envolve, precipuamente, a


defesa da sua cosmovisão e da sua identidade, já que o território está relacionado ao
sagrado, a Corte Constitucional, a título exemplificativo, se pronunciou nos seguintes
termos na sentença T-405/93:
67

Para el indígena, la territorialidad no se limita únicamente a una ocupación y


apropiación del bosque y sus recursos, pues la trama de las relaciones
sociales trasciende el nivel empírico y lleva a que las técnicas y estrategias de
manejo del medio ambiente no se puedan entender sin los aspectos
simbólicos a los que están asociadas y que se articulan con otras dimensiones
que la ciencia occidental no reconoce (apud Moreno, 2001, p. 9).

A Corte, também, já anulou uma decisão condenatória de indígena,


oriunda da jurisdição ordinária, por entender que foi violado o princípio do juiz natural
e, ao mesmo tempo, do direito fundamental a ser julgado na jurisdição especial indígena
(T-266/199). Na oportunidade, determinou-se que o acusado fosse devidamente julgado
pelas autoridades tradicionais da comunidade indígena de Mamos (Pinto, 2009, p. 271-
274).

Há outros casos, por exemplo, que as autoridades tradicionais indígenas


solicitaram ao Estado o encarceramento de um indígena condenado por homicídio na
jurisdição especial e, no mesmo sentido, requereram ao poder estatal apoio para captura
de foragidos da jurisdição indígena, em um dialógo entre a jurisdição indígena e a
jurisdição ordinária. Também há previsão, garantida pela Corte Constitucional, de a
justiça autônoma renunciar a sua competência e transferí-la para a jurisdição ordinária.
Ou seja, a jurisdição autônoma indígena deve ser entendida como um Direito, e não uma
obrigação (Botero, 2005, p. 245; Botero e Jaramillo, 2009, p. 159).

É interessante observar que, algumas vezes, os próprios indígenas


recorrem à jurisdição ordinária para questionar as decisões de suas autoridades. A
jurisdição ordinária pode rever aquelas decisões que sejam consideras atentatórias aos
direitos fundamentais, observando os limites impostos pela Corte (Moreno, 2011, p.
11). Esses são exemplos de diálogos que entendemos interessante para o pluralismo
jurídico, pois não é o Direito estatal que ordena ou impõe a sua presença, mas os
próprios indígenas que reconhecem a necessidade de participação estatal na
concretização de sua justiça. O importante, nesses casos, é que a autonomia indígena é
resguardada e respeitada, mas ainda dentro dos limites impostos pela Corte através da
interpretação da Constituição de 1991.

Nesse sentido, a decisão C-139/1996 da Corte Constitucional colombiana


define:
68

Dentro del marco constitucional, es posible que las comunidades indígenas


apliquen uma amplia variedad de sanciones, que pueden ser más o menos
gravosas que las aplicadas fuera de la comunidad para faltas similares de tal
suerte que es constitucionamente posible que conductas que son consideradas
inofensivas em la cultura nacional predominante, sean sin embargo,
sancionadas em el seno de uma comunidad indígena y viceversa (apud Pinto,
2009, p. 266).

Inclusive, essas decisões têm gerado um interessante caso de diálogo


institucional, em que as decisões da Corte são o paradigma para o desenvolvimento da
normatividade infraconstitucional72.

É importante ressaltar, entretanto, que os povos indígenas entendem que


a validade de seu sistema jurídico se fundamenta muito além da Constituição de 1991,
baseados em suas memórias e costumes (Moreno, 2001). Nesse ponto, é interessante
observar que os indígenas rompem com a tradição moderna de Constituição enquanto
fundamento de validade do sistema jurídico. As crenças e tradições indígenas,
efetivamente, fundamentam o sistema jurídico dos povos ancestrais, sendo o papel da
Constituição apenas reconhecer a esses povos autonomia para que desenvolvam a sua
cosmovisão73.

Inclusive, o termo “Derecho Proprio” foi cunhado nos anos 80 para


demonstrar, dentro de suas particularidades e tradições, como os diversos povos
indígenas buscam ordenar a sua vida social. Obviamente, não se trata apenas de “um
Direito”, mas a somatória de diversos sistemas das comunidades indígenas
colombianas, que se relacionam de forma diversa com o Direito estatal e a jurisdição
ordinária (Botero, 2005, p. 226-227).

É tanto que no capitulo V, sobre as jurisdições especiais, a Constituição


determina que os povos indígenas exercerão funções jurisdicionais dentro de seu âmbito
territorial, de acordo com as suas normas e procedimentos, desde que não sejam

72
A atuação da Corte na proteção dos Direitos indígenas tem originado, inclusive, o caminho básico para
projetos de leis de tratam da coordenação entre a jurisdição indígena autônoma e a jurisdição ordinária
(Pinto, 2009, p. 278).
73
As Constituições, no sentido moderno, são “constituintes de poder no âmbito normativo e temporal, na
medida em que instituem uma nova estrutura política, renovando-lhe a fundamentação normativa,
positivada juridicamente” (Neves, 2009, p. 21). O que não quer dizer, obviamente, que o Direito não é
utilizado estrategicamente pelas comunidades indígenas. Moreno utiliza como exemplo a “Escuela de
Derecho Proprio” que tem como objetivo fortalecer a identidade cultural e aperfeiçoar a jurisdição
autônoma indígena (Moreno, 2011, p. 18).
69

contrários à lei e à Constituição, sendo o papel da normatividade infraconstitucional


criar formas de coordenação entre a jurisdição especial e o sistema jurídico nacional.

No conflito entre as jurisdições, houve, por meio da Corte, a


implementação de mecanismos que contribuíram para uma interpretação intercultural
das normas que envolviam eventuais conflitos entre a jurisdição ordinária e a indígena,
como os peritos culturais, responsáveis pela tradução da cultura indígena para melhor
compreensão dos magistrados da diversidade étnica e cultural envolvida na lide 74
(Sánchez apud Fajardo, 2011, p. 148; Botero, 2005, p. 237).

Além disso, ainda no âmbito do pluralismo jurídico, apesar de ressaltar


que a submissão absoluta da jurisdição autônoma às leis e à Constituição poderiam
esvaziar o sentido e fundamento daquela, a Corte definiu os seguintes limites para
jurisdição indígena: não poderiam incluir pena de morte, tortura, escravidão, trato cruel
e deveriam respeitar o devido processo 75 (Fajardo, 2011, p. 148; Botero e Jaramillo,
2009, p. 168). O devido processo, obviamente, deve ser interpretado interculturalmente,
e não deve ser entendido como dogmaticamente foi construído no ocidente, sob pena de
ceifar a autonomia indígena (Pinto, 2009, p. 283).

Assim, a valoração dos diversos princípios Constitucionais, que


poderiam limitar a autonomia indígena, são ponderados pelas circunstâncias do caso
concreto, como o grau de isolamento e integração com a comunidade, de maneira a
harmonizar a autonomia indígena, diversidade cultural e os outros direitos consagrados
constitucionalmente (Pinto, 2009, p. 265).

É tanto que a Corte destacou, na sentença S-349, que “resulta claro para
la Corte que no se les pueden aplicar a los pueblos indígenas todas las normas
constitucionales y legales, pues de lo contrario, el reconocimiento a la diversidad
cultural no tendría más que un significado retórico”. Essa decisão exemplifica, em
parte, o conflito colocado em relação às limitações Constitucionais e legais aos povos
indígenas nas Constituições andinas do segundo ciclo proposto por Fajardo.

74
A partir da década de 90, os Tribunais colombianos têm feito um movimento de abertura a outros
campos do conhecimento, notadamente, a antropologia jurídica. Para uma ampla análise dos conflitos
interculturais na Colômbia, observar Botero (2005).
75
A própria autora reconhece, entretanto, que sentenças posteriores da Corte Constitucional limitaram a
jurisdição autonôma indígena (Fajardo, 2011, p. 148).
70

No entanto, a formação monocultural das instituições pode atribuir a


Constituição um papel limitador à autonomia indígena, em detrimento do
desenvolvimento de uma interpretação constitucional comprometida com a
interculturalidade. O problema contido nas Constituições do segundo ciclo, e, mais
especificamente, na Constituição colombiana, na linha proposta por Fajardo, é que as
instituições estatais ainda são formadas de forma homogênea, sem lidar com a
pluralidade das sociedades complexas.

Por exemplo, de acordo com a Constituição Colombiana, os territórios


indígenas serão governados por conselhos formados por suas regras e costumes, mas
ainda impõe-se a observância da aplicação das regras legais. Também preceitua que o
desenvolvimento deve caminhar em harmonia com o plano nacional de
desenvolvimento, assim como colaborar com a ordem pública de acordo com as
disposições do governo nacional (art. 330).

São exemplos que, ainda, subordinam a autonomia indígena à concepção


de desenvolvimento nacional e, consequentemente, à um modelo de produção que não
está de acordo com a cosmovisão indígena.

É bem verdade que a Corte Constitucional tem tido uma atuação sensível
quanto aos direitos fundamentais, mas nada obsta que haja uma virada jurisprudencial
que comece a obstaculizar a efetivação desses Direitos. O “mínimo ético”, “direitos
reconhecidos constitucionalmente”, ou “direito mínimo” são expressões facilmente
manipuláveis argumentativamente que, sob o pretexto abstrato de defender a
Constituição, podem violar Direitos e garantias fundamentais das comunidades
indígenas se não interpretadas interculturalmente.

O giro descolonizador da Constituição Boliviana, por exemplo, reside


justamente nesses aspectos: a criação do Tribunal Constitucional Plurinacional, com
representação indígena obrigatória, para interpretar conflitos envolvendo direitos
fundamentais e o aprimoramento de mecanismos de participação popular no controle da
economia e das instituições estatais, de modo a pluralizar essas instituições,
contribuindo de forma decisiva para a interpretação intercultural da Constituição.

Dessa forma, apesar de não possuir o caráter descolonizador e nem


incorporar no campo Constitucional as cosmovisões e os conhecimentos indígenas,
71

principais características das Constituições do Novo Constitucionalismo Pluralista


Latino-Americano, com todos os limites e avanços, a Constituição colombiana de 1991,
junto com a atuação da sua Corte Constitucional, insere-se como precedente do Novo
Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano, pois, além de conter mecanismos de
participação popular, ainda que de forma limitada, reconhece a autonomia indígena e
seus direitos76.

2.2. O caso Venezuelano

Sem dúvidas, o processo constitucional Venezuelano é um dos mais


complexos e instigantes no novo cenário latino-americano, tendo em vista que “pocos
processos de mudanças han suscitados tantos apoyos y tantos antagonismos, y
seguramente ninguno como el venezuelano há creado sentimientos tan contradictorios
dentro y fuera del pais” (Viciano e Dalmau, 2005, p. 9).

É necessário, portanto, muita cautela para que os extremos das análises


políticas e jurídicas não anulem um exame crítico do atual estágio no campo
Constitucional desse país. Por óbvio, não buscamos, de forma alguma, uma
“neutralidade” na análise do tema - o que permeia esta dissertação é a busca de uma
relação mais sincera entre política e direito - mas procuramos ser críticos, papel
fundamental do acadêmico. Há avanços, inegavelmente, mas também há retrocessos no
desenvolvimento constitucional Venezuelano.

Estudar esses novos experimentos sem os preconceitos midiático-


corporativos produzidos por oligarquias que há muito ocupavam o centro do poder em
nosso continente e, ao mesmo tempo, sem a indiferença acrítica daqueles que acreditam

76
No último capitulo deste trabalho será possível observar, com maior clareza, as diferenças entre a
Constituição Colombiana de 1991 e as Constituições da Bolívia e do Equador que, segundo a concepção
aqui defendida, efetivamente fazem parte do Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-americano.
72

que as críticas (sejam quais forem) são contrárias a um projeto popular de Estado, é a
nossa tarefa no presente tópico77.

Dessa forma, as críticas aqui colocadas têm o intuito de promover a


democracia, de forma mais intensa e participativa, como preceitua as bases teóricas do
Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano, e não orientar ao velho modelo
Venezuelano de exclusão, manutenção de privilégios e ausência de participação política
cidadã.

2.2.1. Processo Constituinte e a Constituição da República Bolivariana da


Venezuela de 1999

Como já amplamente demonstrado, Viciano e Dalmau entendem que a


Constituição Bolivariana da Venezuela constitui-se na primeira experiência do Novo
Constitucionalismo Latino-Americano, por uma série de características já trabalhadas,
como, por exemplo, a instituição da Assembleia Nacional Constituinte democrática,
participativa e a reação popular ao neoliberalismo (Viciano e Dalmau, 2010, p. 25;
2008b; 2011, p. 320-321). Pisarello entende que a Constituição da Venezuela é central
no Novo Constitucionalismo Latino-Americano, tanto pela intensa participação popular
na elaboração do texto, quanto por seu caráter de “ponte” entre o processo
constitucional do final do século XX e do início do século XXI (Pisarello, 2009, p. 8-9).

A Venezuela passou por um processo ditatorial até 1958, a partir de


quando teve início a “quarta república”, com uma aparente democratização, mas com
um forte grau de exclusão política e social das classes subalternas. O Pacto de Ponto
Fijo, de 31 de dezembro de 1958, que representou a reunião dos partidos tradicionais da
época, originou a Constituição de 1961 e tinha como marco político-institucional a

77
Portanto, antes de analisar o atual momentoVenezuelano e fazer críticas, às vezes ingênuas, ao debate
carregado ideologicamente, é importante ressaltar que os atores teóricos deste país sabem que suas
opiniões estão, invariavelmente, ligadas a uma conjuntura polarizada de poder. Inclusive, impressiona
como a produção teórica está vinculada aos discursos e pronunciamentos proferidos pelo Presidente
Chavéz. Neste sentido, observar: Antillano (2010); Harnecker (2010); J. Chávez (2010); Reyes (2010).
Também por isso, é necessária muita cautela no estudo do caso Venezuelano.
73

defesa da Constituição e o respeito ao processo eleitoral, fruto de um amplo acordo


político (Barbosa et al, 2009, p. 184; Amorim Neto apud Pedras, 2008, p. 327).

Dessa forma, o modelo político de 1961 até 1998 era marcadamente


representativo, com sistema bipartidário (Kornblith, 2007, p.1). Tratava-se, portanto, de
um funcionamento ainda formal que não tornava o povo protagonista da participação
democrática. Nesse contexto, os movimentos sociais e lideranças políticas começaram a
se reorganizar para mudar as bases políticas do Estado Venezuelano.

Todavia, as tragédias que o neoliberalismo impôs a realidade periférica


sul-americana criou a perfeita condição para que emergirssem movimentos sociais
reivindicatórios e líderes progressistas. O denominado Socialismo do Século XXI, que
busca demarcar distância das experiências socialistas do séc. XX para, além de
questionar a hegemonia neoliberal, reorientar novas formas de pensar a atuação estatal e
coletiva78 (Harnecker, 2010, p. 124; Lang, 2010, p. 17).

O “caracazo” de 1989 se tornou a primeira grande manifestação de


protesto contra um sistema que estava à beira da falência, uma revolta popular que
deixou o saldo de mais de 500 mortos, além da suspensão parcial dos direitos e
garantias fundamentais. Tratava-se de um levante a favor de uma melhor distribuição de
renda oriunda do petróleo, maior participação popular, avanços de direitos e políticas
públicas, sendo um processo de acumulação de lutas históricas que resultou na chegada
de Chávez ao poder (Dalmau, 2008, p. 11; Chávez, 2010, p. 138; Restrepo e Aristizábal,
2009, p. 174; Pisarello, 2011, p. 191).

O presidente então eleito, como primeiro passo para as mudanças


estruturais que precisavam ser feitas na Venezuela, convoca uma consulta popular sobre
a necessidade de uma Assembleia Nacional Constituinte (Barbosa et al, 2009, p.
184/185)79.

78
Nas palavras de Miriam Lang, da fundação Rosa Luxemburgo para os países andinos: “no es suficiente
deconstruir la hegemonia neoliberal, sino analizar los rumbos que han tomado estos nuevos proyectos
políticos – sin caer por outro lado em el colectivismo forzado o el estatismo que marcaron el socialismo
real. Es necesario recuperar lós verdaderos sentidos de la emancipación u del empoderamento, tanto
individuales como colectivos” (Lang, 2010, p. 17) Outras denominações do Socialismo no seculo XXI:
Socialismo Comunitário; Comunitarismo; Sociedade do Bem-Viver; Sociedade da Plenitude Humana
(Harnecker, 2010, p. 125).
79
Nesse contexto, novos presidentes Latino-Americanos, incluindo Chavéz, depositarem suas esperanças
em mudanças radicais através das Assembleias Constituintes. É uma aposta, não apenas, numa transição
74

Para a referida convocação, a seguinte pergunta foi feita aos cidadãoes


Venezuelanos: “Convoca usted uma Asamblea Nacional Constituynte com el proposito
de transformar el estado y crear um nuevo ordenamiento jurídico que permita el
funcionamiento efectivo de uma democracia social e participativa ?” Com 87,7% dos
votos válidos, o “Sim” foi amplamente vitorioso, embora com uma abstenção de 62,3%
da população (Kornblith, 2007, p. 2).

A pergunta estabelecida para a ativação do processo Constituinte,


definitivamente, representa o rompimento com a herança política e jurídica anterior,
demonstrando o claro intuito de refundar o Estado – papel da Assembleia Nacional
Constituinte.

Os movimentos sociais, artífices do futuro processo constituinte


começaram a desenhar o que seria a Constituição Venezuelana de 1999: participativa e
de cunho popular, na qual seriam reinvidicados direitos que historicamente não foram
garantidos à população, inclusive a forte presença do Estado na economia.

Os aliados do presidente Chávez conquistaram 121, dos 131 assentos na


ANC (Shifter e Joyce, 2008, p.59). Em dezembro de 1999, após a elaboração da nova
Carta, houve o referendo consultivo para aprovar o projeto constitucional, com o
seguinte questionamento: “Aprueba usted el projecto Constitución elaborado por la
Asamblea Nacional Constituynte?” O “Sim” obteve 71,78% dos votos, com uma
abstenção de 56% (Kornblith, 2007, p.2).

O processo constituinte, que se desenvolveu cheio de conflitos e tensões,


mas, finalmente, teve como resultado a Constituição Venezuelana de 1999, com o
objetivo de reestruturar e garantir que as entidades políticas serão sempre, dentre outras
coisas, democráticas, participativas, pluralistas e com mandatos revogáveis (art. 6).

sem o uso da violência, mas no uso dos instrumentos da democracia burguesa – e nas regras do jogo -
para mudanças profundas na estrutura social (Shifter e Joyce, 2008, p. 55/56; Viciano e Dalmau, 2008b,
p. 106). De toda forma, há questionamentos sobre a legitimidade da convocação da Assembleia Nacional
Constituinte por meio de decreto presidencial, pois a Constituição de 1961 não previa a convocação da
ANC. Houve provocação da Corte Suprema para decidir se era necessário efetuar uma reforma
Constitucional prevendo a convocação da ANC ou se seria possível a sua convocação por meio do
referido decreto. A própria Suprema Corte entendeu que não seria inconstitucional, desde que se limitasse
aos princípios básicos da Constituição de 1961. Posteriormente, entretanto, a Corte mudou sua posição
para entender que não estava vinculada a Constituição de 1961 (Lösing; Brewer-Carías apud Pedras 2008,
p. 331).
75

Essas tensões foram revigoradas com a tentativa de golpe sofrida pelo


Presidente Chávez, perpetrada por membros da elite econômica e do antigo poder
político Venezuelano, no ano de 2002. Todavia, o referido golpe fortaleceu, nas classes
populares, o sentimento de defesa do projeto Constitucional e, ao mesmo tempo, afastou
os riscos de ruptura constitucional através de golpes e da violência, como ocorrido no
Chile em 197380 (Pissarelo, 2009, p. 13). Segundo Roberto Amaral:

Entre as experiências em curso em nosso Continente, a Venezuela parece


demonstrar, na prática, que a profunda democratização da sociedade e do
sistema econômico é a mais eficiente forma de promover mudanças sociais e
públicas. E que a profunda democratização da sociedade pode ser o melhor
antídoto às pressões forâneas, às pressões do grande capital, das grandes
potências que não admitem projeto próprio para os países periféricos
(Amaral, 2001, p. 60).

Assim, como resposta as pressões estrangeiras e internas, ligadas aos


segmentos historicamente beneficiados com políticas de privatização, há tantos
dispositivos que tratam do controle da economia pela participação popular e cidadã.

No título VI, do sistema socioeconômico, a Constituição Venezuelana


estabelece algumas diretrizes importantes no âmbito do controle da economia - não só
pelo Estado, mas pela cidadania- como, por exemplo, a garantia de uma justa
distribuição da riqueza mediante uma planificação estratégica, aberta e democrática.
Propõe, por razões de soberania econômica, a manutenção, pelo Estado, da totalidade
das ações relacionadas ao petróleo, assim como a água é bem de domínio público.

No campo social e econômico, incentiva-se a autogestão, por meio das


cooperativas e das empresas comunitárias, todas norteadas pela solidariedade. Ademais,
no mesmo título, declara que o latifúndio é contrário ao interesse social e que o Estado
promoverá a segurança alimentar. Também anuncia que o Estado incentivará, dentre
outras, as associações comunitárias, sob a propriedade pública, baseada na iniciativa
popular.

80
Interessante é que há a constitucionalização da desobediência civil (art. 350) que possibilita ao povo
desconhecer qualquer regime que contrarie os valores, os princípios e as garantias democráticas ou os
Direitos Humanos. A „constitucionalizacíon del derecho de rebelión‟, contraditoriamente, foi utilizada
para a tentativa de golpe, no ano de 2002, por setores conservadores aliados ao capital econômico na
Venezuela (Viciano e Dalmau, 2008b, p. 114). A Constituição do Equador também tem previsão nesse
sentido (art. 98). Esses dispositivos foram influenciados pela Constituição Jacobina de 1793 (Pisarello,
2011, p. 195). Sobre o tema, recomendamos o interessante documentário ”A revolução são será
televisionada” que demonstra, entre outras coisas, o papel dos meios de comunicação no golpe de 2002.
76

Esses dispositivos, sem dúvidas, ameaçam o status quo e desafiam o


poder político e econômico que dominavam a Venezuela.

2.2.2. Tensões entre a participação popular e o hiper-presidencialismo

A Constituição Venezuelana declara que a participação do povo, na


formação, no controle e na execução da gestão pública, é o meio necessário para o
protagonismo que garante o desenvolvimento pessoal e coletivo, de forma que o Estado
deve garantir as condições favoráveis para a sua prática (art. 62).

Possibilita-se a participação e o protagonismo popular através da eleição,


dos referendos, da consulta popular, da revogatória de mandato, da iniciativa legislativa,
dentre outros.

O artigo 72 disciplina a revogatória de mandato, aplicável a todos os


cargos de eleição popular e também aos magistrados, mediante a apresentação de 20%
dos eleitores/as inscritos na circunscrição eleitoral, a partir da metade do mandato81.

A possibilidade de revogação do mandato na América Latina já existia na


Constituição Colombiana de 1991, embora de forma muito limitada. A revogatória de
mandato prevista pela Constituição Bolivariana da Venezuela assume traços peculiares
que alargam o seu poder, pois, ao contrário de outros países em que há essa previsão -
Suíça, Rússia, Estados Unidos, e na América latina: Colômbia, Argentina, Panamá, Peru
– admite a sua utilização para todos os cargos públicos de eleição popular, incluindo o
Presidente da República. Portanto, a Constituição Venezuelana aprimorou a
possibilidade de revogar o mandato82 (Kornblith, 2007, P.8; Dalmau, 2008, p. 10).

Dessa forma, os avanços democráticos ocorridos na região se realizam,


portanto, sob o marco Constitucional, e não diretamente entre os líderes e as massas,
como normalmente afirmam os opositores deste processo. O governo está legitimado
81
De acordo com Kornblith, diante da ausência de regulação legislativa, produziram-se 2 regulamentos,
46 resoluções e 2 instruções de procedimento para regular a revocatória presidencial (Kornblith (2007,
p.9).
82
Em termos de referendo revocatório para todos os cargos, depois da Constituição Venezuelana, seguiu-
se a Constituição do Equador e da Bolívia, como será visto no último capítulo da presente dissertação.
77

pelo povo, e não o contrário83 (Viciano e Dalmau, 2010, p. 21). Todavia, mesmo com
esses novos instrumentos, permanecem os desafios entre a relação do Estado e da
participação popular no processo democrático, pois, nas palavras de Harnecker “O
paternalismo de Estado es incompatible com el protagonismo popular” (Harnecker,
2010, p. 126).

Como já demonstrado, uma das maiores conquistas do Novo


Constitucionalismo Latino-Americano foi a exclusão do poder constituinte-constituído,
pois só o poder constituinte seria legítimo para as alterações e reformas constitucionais.
Por outro lado, o caráter transitório das normas tem um lugar de destaque nessas Cartas,
possibilitando que as mudanças Constitucionais ocorram de acordo com as necessidades
sociais, aproximando a ideia de Democracia e de Constitucionalismo.

Nesse sentido, a Constituição Venezuelana, no capitulo III, do título “De


la reforma Constitucional”, no artigo 347, afirma que o povo é depositário do poder
constituinte originário, podendo convocar a Assembleia Nacional Constituinte com o
objetivo de transformar o Estado, criar um novo ordenamento jurídico e redigir uma
nova Constituição.

No caso Venezuelano, as alterações Constitucionais podem ocorrer


através de emenda à Constituição, reforma Constitucional e da Assembleia Nacional
Constituinte. Enquanto a emenda possibilita alterações pontuais na Constituição, a
reforma permite mudanças mais amplas, sendo que ambas, no entanto, não permitem à
alteração da estrutura fundamental da Constituição – que só é possível através da ANC.
Os três casos, de toda forma, necessitam da aprovação popular mediante referendo para
a alteração (Viciano e Dalmau, 2008b, p. 110). Mudanças estruturais da Constituição

83
Em sentido contrário, Marcelo Neves afirma que o bolivarianismo proposto por Hugo Chavez contém
traços de um “neojacobinismo entrecortado pelo personalismo e o apelo nacionalista”. Segundo o autor:
“Sobretudo na Venezuela, com influências na Bolívia e no Equador, há sinais de um modelo de
„democracia monolítica‟, sem compromissos maiores com o Estado de Direito (...) E há amplas
evidências que de que o „Constitucionalismo bolivariano‟ não se apresenta como alternativa, pois
caminha retoricamente para uma democracia monolitica, com desprezo ao Estado de Direito. Mas ele se
nutre do fracasso da democratização no âmbito de constituições simbólicas.” (Neves, 2010, p. 217-218).
O autor, entretanto, não fundamenta sua opinião na Constituição Venezuelana nem na prática
Constitucional, acabando por reproduzir uma crítica muito mais baseada na lógica midiática sobre esses
países do que, propriamente, o que se tornou o Novo Constitucionalismo Latino-Americano. Como será
visto, é óbvio que há críticas ao processo Venezuelano, mas não nos termos colocados por Marcelo
Neves, principalmente, quando aproxima o caso Venezuelano ao Equador e a Bolívia, e não destaca os
avanços no campo intercultural e participativo dessas Constituições.
78

Bolivariana da Republica Venezuelana, portanto, só podem por meio da Assembleia


Nacional Constituinte.

O artigo 349 determina que a iniciativa de convocar uma ANC é do


Presidente da República, do Conselho de Ministros, da Assembleia Nacional, por
deliberação de dois terços de seus membros, dos Conselhos Municipais por meio de
votação de dois terços deles, e dos eleitores, quando representam 15% da população
registrada no Registro Civil e Eleitoral. No final, o referido artigo define que nem
mesmo o Presidente da República ou os poderes constituídos, poderão objetar a decisão
da Assembleia Nacional Constituinte. Essas explicações são necessárias para o
entendimento dos próximos parágrafos.

Houve, no campo político, importantes vitórias obtidas por Hugo


Chavéz, como a superação do referendo revogatório de seu mandato em 2004 e a vitória
eleitoral em 2006 84.

Fortalecido com essas conquistas, em 2007, o Presidente Chaves propôs


mediante reforma Constitucional – e não Assembleia Nacional Constituinte - uma
ampla alteração constitucional.

Essa reforma tentou inserir uma série de limitações à participação


popular estabelecendo, além da reeleição indefinida, o aumento da porcentagem para
ativar os referendos revogatórios, assim como a iniciativa popular e a revogação das
leis, além da acabar com a possibilidade de consulta popular para eleição dos membros
do Poder Cidadão (Coelho et al, 2010, p. 92).

Mas também ocorreram medidas positivas, como a substituição da


Democracia Participativa pela Democracia Socialista e do Estado Democrático e Social
de Direito pelo Estado Socialista, e diversas propostas redefinindo as formas de
propriedade, como, por exemplo, a proibição do latifúndio, proibição de privatização de
empresas estatais que desenvolvam atividades ligadas ao Estado e a defesa da

84
Em relação a este referendo, depois de uma tentativa mal sucedida devido a existência de vícios
formais, os opositores recolheram 3,4 milhões de assinaturas, dentre as quais 2,4 milhões foram
reconhecidas como legítimas, para convocar o referendo revogatório. O “Não” obteve 59% dos votos
válidos (Kornblith, 2007, p.3). De toda forma, não se pode negar que esses instrumentos participativos
foram importantes para a canalização, de forma democrática, com algumas exceções, das tensões políticas
ocorridas na Venezuela (Coelho et al, 2010, p. 87).
79

agroecologia (Coelho et al, 2010, p. 92; Viciano e Dalmau, 2008b, p. 104/123) entre
tantas outras mudanças, com alguns avanços e retrocessos.

Em nossa opinião, entretanto, tais medidas não podem justificar os


retrocessos no âmbito da democracia participativa.

Foram sujeitas ao referendo 69 alterações, entre 33 propostas do


Presidente Chavez e 36 da Assembleia Nacional Venezuelana. No entanto, após a
aprovação pela Assembleia Nacional, essa reforma Constitucional proposta foi
derrotada por meio do referendo popular - por aproximadamente 51% dos votantes -
com um alto índice de abstenção, próximo a 45% (Viciano e Dalmau, 2008b, p. 104).

Sem dúvidas, porém, a reeleição indefinida para o chefe do executivo foi


o ponto mais polêmico da reforma, ainda que alguns de seus partidários amenizassem o
seu potencial danoso para as estruturas democráticas por conta da possibilidade da
revogatória de mandato85. Passaremos, então, a tratar do tema.

Dentro de uma concepção democrática de Constituição, não podemos


admitir que o referendo revogatório seja utilizado como justificativa para reeleições
indefinidas do chefe do executivo. Ora, o instituto surgiu justamente como forma de
empoderamento da participação popular e da luta democrática. Utílizá-lo para legitimar
o fortalecimento do já poderoso poder presidencial, sob a justificativa que há qualquer
momento o mandato presidencial pode ser revogado, parece uma contradição em
termos.

O que se observa, nessa tentativa de reforma, é a indubitável alteração


estrutural do sistema Jurídico-Constitucional, que só poderia acontecer em um espaço: a
Assembleia Nacional Constituinte, até porque o poder constituído não estava disposto a

85
Sobre esse fatos, em um primeiro momento, uma aparente conivência dos Viciano e Dalmau com a
proposta de reeleição indefinida conduzida por Hugo Chavéz, sob a justificativa da possibilidade do
mandato ser revogado mediante instrumento Constitucional, comparando-o com o sistema parlamentar
Europeu (Viciano e Dalmau, 2008b, p.121). Posteriormente, entretanto, afirmam que em nenhum
momento defenderam a reeleição indefinida. (Viciano; Dalmau, 2010, p. 21-22). De toda forma, os
autores criticaram, em 2008, no tocante a reforma Constitucional de 2007, o retrocesso em termos de
democracia participativa devido ao aumento da porcentagem para intervenção popular em temas como o
referendo revogatório, aprovação de leis e decretos, e convocatória da assembleia nacional constituinte,
mas não em relação à reeleição indefinida (Viciano e Dalmau, 2008b, p. 124). Os próprios autores citam
que Hugo Chavéz, em declaração no Palacio Miraflores, não optaria por outro mandato após o 2007-2013
(Viciano e Dalmau ; 2008b, p. 121). Porém, o que vemos atualmente é mais uma tentativa de reeleição
presidencial.
80

um diálogo aberto, amplo e transparente em torno das reformas proposta pelo Presidente
(Viciano e Dalmau, 2008b, p. 104-120) de forma que:

El hecho de que se mencionen estos temas no debe entenderse como un


desacuerdo con la necesidad de reformar la Constitución para modificarlos,
sino como la demostración de una obviedad: son reformas del ordenamiento
constitucional venezolano que no era oportuno que se llevaran adelante por la
vía de la simple reforma constitucional, sino por la más democrática de una
Asamblea Nacional Constituyente; desde la perspectiva jurídico-
constitucional no cabe duda alguna acerca de este aspecto (Viciano e
Dalmau, 2008b, p. 116).

Para Pisarello, no mesmo sentido, um modelo de democracia


protagonizada pela participação popular deveria respeitar os ditames constitucionais e
implementar, diante da magnitude das alterações constitucionais, a convocação de uma
Assembleia Nacional Constituinte para os debates necessários, inclusive sobre a
concepção de socialismo que se desejava para a Constituição (Pisarello, 2009, p. 14).

Portanto, além de uma decisão política que não se coaduna com a


democracia participativa – a reeleição indefinida – houve violação à própria regra
estipulada nos artigos acima citados, tendo em vista a necessidade de Assembleia
Nacional Constituinte para a referida mudança.

Entendemos, na linha dos citados autores, que a referida proposta


constitucional só seria possível, de acordo com as próprias regras estipuladas na
Constituição de 1999, via Assembleia Nacional Constituinte, que é o grande fórum de
discussão para modificações estruturais na Constituição.

O Estado de Direito remonta, justamente, à necessidade de submissão do


Estado ao Direito86. A Constituição existe, desde as revoluções liberais, justamente para
frear impulsos autoritários e limitar o poder do Estado. É por isso que o respeito às
regras do jogo, notadamente, quando essas regras positivam e implementam direitos

86
De acordo com Albrecht Weber: “Um elemento básico del Estado de Derecho democrático es el
sometimiento a la Constitución de todos lós poderes públicos, que garantiza la supremacia de la
Constitución respecto a otras normas (del legislativo e del ejecutivo) u supone el cometimiento a la
Constitución de jueces e tribunales, incluyendo há jurisdiccíon constitucional y su labor de control e
interpretáción” (Weber, 2008, p. 48). No caso Colombiano, por exemplo, a Corte Constitucional declarou
a inconstitucionalidade de projeto de referendo que permitia o terceiro mandato ao presidente Álvaro
Uribe, por violação ao artigo 197 da Constituição Colombiana e por diversos vícios formais. Dessa forma,
independente da vontade do líder presidencial, o sistema Constitucional conseguiu barrar a possibilidade
da terceira reeleição promovendo, de certa forma, um processo democrático mais sólido e menos
personalista.
81

relacionados a participação popular, são tão importantes para o Estado Constitucional de


Direito.

Potencializando esse debate, com um caráter ainda mais destrutivo para a


democracia participativa, foi proposta novamente, em 2009, outra alteração
Constitucional – agora pelo rito de emenda, sob a justificativa de ser uma alteração mais
restrita – a reeleição indefinida para o cargo de presidente da Republica 87 (Cuellar,
2011). Dessa vez, entretanto, a alteração Constitucional foi aprovada por meio de
referendo (aproximadamente 54% dos eleitores) e, consequentemente, a reeleição
indefinida para o cargo de presidente foi confirmada.

Portanto, o artigo 230 da Constituição Venezuelana, após a emenda de 17


de fevereiro de 2009, estabeleceu que o período presidencial é de seis anos, podendo
haver reeleição (sem mencionar qualquer limitação). Dessa forma, é positivada no
ordenamento jurídico Venezuelano a reeleição indefinida para o cargo de Presidente da
República.

Como já dissemos, a permanência no poder presidencial por tempo


indefinido implica em uma alteração estrutural da ordem-jurídica normativa e, portanto,
deve ser proposta via Assembleia Nacional Constituinte.

Além disso, houve, nesse ponto, mais uma violação à regra prevista na
Constituição que, em seu artigo 345, não permite a apresentação de reforma
Constitucional em um mesmo período constitucional na Assembleia Nacional. Como
forma de burlar o regramento constitucional, portanto, foi proposto via emenda e não,
no mínimo, a reforma constitucional.

O ponto que nos interessa, muito além do caráter personalista da política


Venezuelana, é analisar como o processo político reverberou nas alterações
Constitucionais que desfiguram uma proposta inicial de participação popular e
democrática, configurando uma dupla inconstitucionalidade.

A construção de um modelo político “desde abajo”, referenciado pela


Constituição, no qual o protagonismo democrático seja o real instrumento de

87
Questiona-se, também, em termos de uma teoria democrática, a aprovação, em 2010, pela assembleia
nacional, da lei habilitante que permitia que o Presidente Chávez legislasse por decreto durante 18 meses
(Pedras, 2008, p. 320).
82

emancipação popular, não parece encontrar eco no fortalecimento do poder executivo,


notadamente nas funções presidenciais e na possibilidade de reeleição indefinida.

Uma concepção emancipatoria de democracia deve centrar suas ideias no


fortalecimento da democracia participativa e na alternância do poder – não
necessariamente em termos de projeto, mas no sentido de lideranças. Contudo, como
visto, as recentes reformas Constitucionais na Venezuela caminham na direção oposta.

E certamente não estamos sós nessas críticas, constitucionalistas


profundamente preocupados com o caráter democrático do desenvolvimento desses
processos Constitucionais criticam o modelo de fortalecimento do poder presidencial,
notadamente na Venezuela.

Sem deixar de reconhecer os enormes avanços no campo da participação


popular e das garantias de direitos, inclusive afirmando que as lideranças presidenciais
nos países latino-americanos têm permitido uma aproximação com os setores excluídos,
Gerardo Pisarello pontua que toda concentração de poder é incongruente com a
participação democrática e com pluralismo político (Pisarello, 2009, p. 18; 2011, p.
201/203).

Por isso, a inserção de mecanismos de controle popular deve ser


constantemente aperfeiçoada, para que não se reproduza as experiências autoritárias da
esquerda burocrática, de maneira que:

[…] esto es especialmente visible en el caso venezolano, donde la excesiva


delegación de funciones en el ejecutivo tiende a reforzar la percepción del
carácter infalible e irremplazable del líder y corre el riesgo de debilitar los
contrapesos institucionales y de restringir o suplantar la auto-organización
popular. Lo mismo ocurre con el papel de las fuerzas armadas, cuya creciente
presencia en el aparato estatal, incluso si su papel no es represivo, amenaza
con imponer la lógica de la autoridad vertical y de la obediencia acrítica (por
no hablar del patriarcalismo) sobre la lógica de la deliberación y de la
crítica popular (Pisarello, 2009, p. 17).

Há, indubitavelmente, uma forte concentração de poder no chefe do


executivo na Constituição Venezuelana, fruto da intensa influência de Bolívar 88

88
De acordo com Combellas, citando discurso de Bolívar, respectivamente no discurso de Angostura de
1819 e no Congresso Constituinte da Bolivia de 1826: “Nada es tan peligroso respecto al pueblo como la
debilidad del Ejecutivo (…). En las Repúblicas debe ser el más fuerte porque todo conspira contra él” e
83

(Barbosa et al, 2009, p. 185). O que nos preocupa é a forte centralização personalista na
prática constitucional Venezuelana e suas consequências para a democracia
participativa, notadamente após essas reformas Constitucionais.

Um dos maiores críticos, no campo teórico, do fortalecimento do sistema


presidencial é o Constitucionalista argentino Roberto Gargarella. Para o autor, não há
apenas a concentração de poder, mas principalmente, de esperanças e responsabilidades
na figura presidencial, sendo este um dos causadores das instabilidades políticas-
democráticas em nosso continente (Gargarella, 2011, 292/298).

No Constitucionalismo Latino-Americano, portanto, reconhece-se uma


vasta lista de Direitos, incluindo a participação cidadão, mas que em razão da forte
concentração de poder, acaba por ter restringida a sua aplicação, pois “por un lado,
proponen mecanismos generosos de participación popular, mientras mantienen, al
mismo tiempo, organizaciones políticas fuertemente verticalizadas (Gargarella, 2011, p.
295; 2009, p. 11).

O autor entende que o fortalecimento do executivo acaba por sufocar


outras manifestações da representação popular, principalmente, no contexto latino-
americano de recentes avanços no campo do protagonismo cidadão e da participação
democrática, com instrumentos de democracia direta e participativa, sendo contraditório
à relação entre o fortalecimento do presidencialismo e participação popular (Gargarella
2009, p. 10/11; 2011, 295/299).

Embora a crítica não seja destinada apenas ao caso Venezuelano, mas,


em nossa opinião, principalmente a ele, concordamos com o autor quando afirma que a
ideia de democracia participativa:

requiere descentralizar y desconcentrar el poder, y no a la inversa. Hacer


ambas cosas al mismo tiempo (fortalecer al Presidente- abrir espacios para
más participación) suele resultar entonces una operación contradictoria, que
conlleva el grave riesgo de que uno de los dos ideales u objetivos termine
resultando opacado o directamente apagado. Conforme a las sugerencias
exploradas más arriba, es dable esperar que la vieja estructura
presidencialista, ya sólida además de fortalecida por las nuevas reformas,
corra com ventajas, entonces, por encima de las instituciones participativas

“El Presidente de La República viene a ser en nuestra Constitución como el Sol que, firme en su centro,
da vida al Universo. (apud Barbosa et al, 2009, p. 185). Gargarella afirma que, segundo Bolívar, o
fortalecimento do sistema presidencial era “la clave para garantizar la independencia de las nuvas
naciones”(Gargarella, 2009, p. 1).
84

más nuevas, jóvenes, y sujetas a regulación por parte de las autoridades ya en


el poder (Gargarella, 2009, p. 11).

O desenvolvimento das instituições que consagram a democracia


participativa, portanto, estão em plena desvantagem neste confronto e provavelmente
terão um desenvolvimento tímido em detrimento das instituições já consolidadas como
o poder presidencial (Gargarella, 2011, p. 297).

No mesmo sentido, Rodrigo Uprimmy afirma que a combinação de


hiperpresidencialismo com mecanismos de democracia participativa podem gerar uma
espécie de “cesarismo democrático” que, efetivamente, inibe o desenvolvimento de um
projeto real de democracia participativa (Uprimmy, 2011, p. 131). Pregando uma
democracia de conteúdo, baseada nos direitos fundamentais e com forte controle do
poder, Miguel Carbonel destaca o risco de confiar em líderes messiânicos e
carismáticos, diante da história autoritária da América Latina. Sendo assim, afirma que
toda forma autoritária de poder rompe com a “medúla” do Constitucionalismo
(Carbonel, 2010, p. 53-54).

É bem verdade que nem sempre democracia participativa e


fortalecimento presidencial são contraditórios ou antagônicos. O problema é quando há
a colisão ou o conflito de pautas relacionadas às vontades populares e ao poder
presidencial em que, sem dúvidas, tende a prevalecer o enraizado e simbólico poder do
chefe do executivo. Em nossa opinião, portanto, eleições indefinidas não compõem o
núcleo de qualquer democracia que busque ser participativa e empoderar os setores
excluídos. Isso reverbera em uma intensificação dos poderes presidenciais que
menospreza o pluralismo político-jurídico e a participação popular.

São questões objetivas que reputamos como obstáculos para a construção


da democracia participativa na Venezuela, sem reproduzir, obviamente, um discurso
preconceituoso e muitas vezes seletivo sobre o hiper-presidencialismo nos países
periféricos, inclusive com o uso indiscriminado e sem formulação teórica do termo
“populismo”, que evitamos utilizar nesse trabalho por entender que convém muito mais
85

à estigmatização de líderes de nosso continente do que um critério teórico de


enquadramento de lideranças políticas89.

São vários os avanços promovidos pela Constituição Bolivariana da


Venezuela no âmbito da participação democrática que, certamente, foi precedente
interessantíssimo para o Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano, mas
definitivamente não cumpre os requisitos necessários para a nossa classificação, que
tem como uma de suas preocupações a retirada da concentração de poder por meio da
participação popular.

Dessa forma, criticar o processo venezuelano é também buscar reafirmar,


o conteúdo inter-geracional dos direitos fundamentais. Não há garantias de certos
direitos sem a manutenção de outros – como, por exemplo, o entrelaçamento dos
direitos sociais e políticos - e a promessa de democracias construídas sem essa
perspectiva parecem ainda incompletas ou de baixa intensidade.

É necessário, portanto, o alerta de Cançado Trindade, reafirma a


indivisibilidade dos direitos fundamentais adotado nesta dissertação, ao tratar de alguns
regimes políticos que “arrogam-se em promotores de alguns Direitos econômicos e
sociais para continuarem a minimizar os Direitos Civis e Políticos” (Cançado Trindade
apud Mendes et al, 2009, p. 710).

É importante ressaltar que a concepção adotada no presente trabalho é


guiada pela interdependência e entrelaçamento entre as diversas dimensões dos Direitos
Humanos. Sem direitos civis e políticos não é possível desenvolver os direitos

89
Nas palavras de Pissarelo: “Esta centralidade del papel presidencial ha sido a abordada con frecuencia a
partir de la categoría de “populismo”, entendido como sinónimo de liderazgo demagógico y manipulador.
Así expresado, sin embargo, el término se ha revelado más bien infecundo. En primer lugar, por su
carácter inespecífico y poço explicativo, que há llevado a aplicarlo a supuestos políticos diferentes e
incluso contrapuestos. En segundo lugar, por su carácter ahistórico, que desconoceel papel que
fenómenos considerados populistas han tenido como factor de inclusión de amplias capas de la población
en contextos caracterizados por fuertes desigualdades sociales o por preexistencia de regímenes
oligárquicos o liberal-representativos excluyentes inespecífico y poco explicativo, queha llevado a
aplicarlo a supuestos políticos diferentes e incluso” (2009, p. 11). Por exemplo, os critérios utilizados por
Aristizábal e Restrepo para classificação do caso Venezuelano e Colombiano sobre o Neopopulismo: i)
caráter personalista, paternalista e carismático; ii) a mobilização política vertical e ideologia anti status
quo (2009, p. 170-171) podem se aplicar a lideranças do mundo inteiro, inclusive aos líderes Europeus e
norte-americanos. Para outra perspectiva acerca do populismo e seu papel na América latina, observar:
Laclau (2006), para quem o perigo maior para a América latina vem do neoliberalismo, e não do
populismo.
86

econômicos, sociais e culturais e a recíproca também é verdadeira. Sua inter-relação é


patente e assim pretendemos desenvolver a pesquisa90.

Por isso, coadunamos com Augusto Cançado Trindade, a partir da


indivisibilidade dos Direitos Humanos, quando afirma que a divisão dos direitos
humanos em gerações prestou um desserviço à causa dos direitos humanos, nos
seguintes termos:

Trata-se de uma classificação que, além de inconvincente, historicamente


indemonstrável e juridicamente infundada, ainda tem servido de válvula de
escape para que muitos governos, descomprometidos com a efetivação dos
direitos sociais, nada façam para concretiza-los, a pretexto de o mais
importante é cuidar dos direitos civis e políticos (...) a visão fragmentada dos
direitos humanos interessa sobre tudo aos regimes autoritários, ao
autoritarismo sem bandeiras, seja no plano político, seja no plano econômico-
social (Cançado Trindade apud Mendes et al, 2009, p. 710).

Dessa forma, a história do Constitucionalismo também tem muito a


ensinar ao Novo Constitucionalismo Latino-Americano e aos projetos políticos de linha
socialista em nuestra América. A interdependência dos direitos fundamentais implica
que a liberdade não pode ser negociada em nome da justiça social, nem que a justiça
social seja sacrificada em nome da liberdade. É uma dupla lição, respectivamente, ao
socialismo e ao liberalismo91.

90
Do ponto de vista dos Direitos Humanos, outra preocupação é que, no plano do Sistema Regional dos
Direitos Humanos, a República Bolivariana Venezuelana não tem se adaptado às diretrizes da Corte
Interamericana de Direitos Humanos. A Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça declarou que
a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que exigia a reintegração de magistrados aos
seus cargos, não era executável. Ademais, exigiu que o Estado Venezuelano denunciasse a CADH, sob o
fundamento de usurpação de função do próprio Tribunal. Inclusive, na decisão da sala Constitucional,
houve centralidade da soberania nacional e da autodeterminação nacional para o descumprimento da
decisão da CIDH (Cavallo, 2010, p. 431; Brewer-Carías, 2010, p. 669). O caso Venezuelano é tão
complexo que o próprio autor do estudo, Allan R. Brewer-Carías, provocou a CIDH por suposta violação
de seus Direitos fundamentais por meio de perseguição política, pois vem sendo acusado pelo delito de
conspiração na Venezuelana, por suposta participação no golpe ocorrido em 2002 naquele país. Maiores
informações sobre o caso encontram-se no informe 97/09 da CIDH. Há, inclusive, a possibilidade de
retirada voluntária da Venezuela do sistema Interamericano de Direitos Humanos. Recentemente um
grupo de 200 intelectuais ligados aos Direitos Humanos, majoritariamente latino-americanos, divulgou
um manifesto contra a possível saída da Venezuela, reafirmando a importância da CIDH para o avanço da
democracia e da proteção aos Direitos Humanos no contexto latino-americano e ressaltando que a saída
daquele país “debilitará seriamente los mecanismos de protección de derechos humanos de todos y todas
los venezolanos y venezolanas privándolos de un instrumento indispensable para su protección.
(Disponível em: http://www.espaciopublico.org/index.php/noticias/134-derechos-humanos/2331-carta-de-
academicos-ante-pretendido-retiro-de-venezuela-de-la-cidh). O tema torna-se um tanto mais complexo,
quando se observa que a própria Constituição venezuelana atribui status Constitucional aos Tratados
Internacionais de Direitos Humanos.
91
É por isso que Anibal Quijano – na sua proposta de redistribuição radical do controle de poder - afirma
que revoluções socialistas baseadas no controle total do poder por meio do estado baseiam-se em
87

Assim, precisamos que os protagonistas dos processos constitucionais


(indígenas, feministas, sindicalistas e movimentos sociais, em geral), assumam os seus
papeis nesse processo, tendo o vista o complexo paradoxo que se apresenta na prática
constitucional desses países: o fortalecimento da democracia participativa e, ao mesmo
tempo, a instituição de uma forte concentração de poderes na figura presidencial com
tentativas de reeleições indefinidas92.

2.2.3. A Constituição Bolivariana e a questão Indígena

Aproximadamente mais de quinhentos mil índios vivem na Venezuela, o


que correponde a 2,5% da população, com aproximadamente 44 povos indígenas e
2.800 comunidades93. O caráter participativo e mobilizador da constituinte bolivariana
possibilitou a participação indígena e, consequentemente, a positivação no âmbito
Constitucional de seus direitos. Isto significou a desconstrução do conceito de estado-
nação da Constituição de 1961, que imperava a lógica integracionista, dispondo sobre a
proteção aos indígenas e a sua “incorporação progressiva a vida da nação” (Kuppe,
2006, p. 168; Giménez, 2006, p. 156).

Durante a Assembleia Nacional Constituinte, havia 104 representantes


das circunscrições regionais, 24 da circunscrição nacional e 3 representantes indígenas,
que foram eleitos de acordo com seus costumes e práticas, a partir de diversas instâncias
participativas no âmbito indígena, inclusive com a “Comissão permanente de Direitos

alicerces teóricos totalmente falsos, com o risco de despotismo dos controladores do poder (Quijano,
2000, p. 241) Eduardo Galeano resume muito bem a tensão entre liberdade e justiça social nos regimes
socialistas em um ensaio intitulado “O socialismo não morreu”: “Em ritmo de vertigem, multiplicam-se
as mudanças, a partir da certeza de que a justiça social não tem por que ser inimiga da liberdade nem da
eficiência. Uma urgência, uma necessidade coletiva: a gente já não aguentava, a gente estava farta de uma
burocracia tão poderosa quanto inútil, que em nome de Marx a proibia de dizer o que se pensava e de
viver o que se sentia. Toda espontaneidade era culpada de traição ou loucura” (Galeano, 2012, p. 416).
Mas, claro, assim como nós, não abandona o projeto socialista: “Em todo caso, é o testemunho de alguém
que acredita que a condição humana não está condenada ao egoísmo e à obscena caçada ao dinheiro, e
que o socialismo não morreu, porque ainda não era: que hoje seja o primeiro dia da longa vida que tem
por viver” (Galeano, 2012, p. 420)
92
É como bem observa Boaventura de Sousa Santos: “Veo em lós compañeros de Venezuela- com todo
respeto-un triunfalismo que ya visto antes, em otros contextos, y que normalmenteoculta debilidades. Y la
debilidade del processo venezolano, para mi, es la relácion entre partido y movimientos” (Sousa Santos,
2010d, p. 196)
93
Informação disponível no site: http://www.forumdesalternatives.org/pt-br/os-indigenas-na-venezuela-
nao-eram-nem-reconhecidos-como-parte-da-sociedade
88

dos Povos Indígenas”, atuando paralelamente a ANC, o que resultou em diversas


conquistas para os povos indígenas (Barbosa et al, 2009, P. 184; Kuppe, 2006, p. 168;
Giménez, 2006, p. 160; Coelho et al, 2010, p. 78).

As conquistas, obviamente, não aconteceram sem reações. O poder


político tradicional Venezuelano, notadamente os mineiros e os proprietários de terras,
colocaram a questão do território indígena como verdadeiro óbice ao “desenvolvimento
nacional”, o que gerou algumas modificações no texto constitucional até a sua
finalização (Kuppe, 2006, p. 169).

O conflito também ocorreu porque certos setores ainda estavam


desacostumados com a aplicação de direitos para minorias étnico-culturais, pois
estavam habituados ao ordenamento anterior, com uma aplicação homogênea do
sistema normativo (Giménez, 2006, p. 160). Indubitavelmente, a Constituição
Bolivariana avançou na positivação dos direitos indígenas, superando uma lógica
monocultural da Constituição anterior. É muito próximo, inclusive, da Constituição
Colombiana, no que tange as previsões Constitucionais dos direitos indígenas.

Já no seu preâmbulo anuncia a necessidade de refundar o Estado,


estabelecendo uma sociedade democrática, participativa e protagonista, multiétnica a
pluricultural.

No capítulo VIII da Constituição, “De los Derechos de los pueblos


indígenas”, reconhece a organização social, política, econômica e cultural, incluindo as
línguas e religiões dos povos indígenas. Também reconhece o direito originário sobre as
terras que ocupam e a essencialidade destas para o desenvolvimento de suas formas de
vida, assim como são inalienáveis, imprescritíveis, intransferíveis e irrevogáveis.
Também exige a prévia e livre informação às comunidades indígenas para o
aproveitamento de recursos naturais por parte do Estado (art. 119 e 120).

A “Lei Orgânica sobre os Povos e Comunidades Indígenas”, verdadeiro


marco na luta dos povos indígenas, que foi aprovada em dezembro de 2005,
regulamenta os artigos constitucionais acima citados e estabelece a proibição de
qualquer atividade em comunidades indígenas que afetem a integridade cultural, social,
econômica e ambiental dos povos, sendo a decisão tomada em assembleia e de acordo
com suas tradições e costumes (art. 12 e 13). Os artigos 17 e 19 da lei proíbem a
89

execução de qualquer projeto que não foi previamente aprovado pela população
indígena envolvida, sendo passível de ação de amparo qualquer ato privado ou estatal
que viole o respeito às decisões indígenas94.

Nos artigos 121 e 122 da Constituição bolivariana são positivados a


educação própria, em um regime de educação de caráter intercultural e bilíngue, além
do direito à manutenção da identidade étnica, cultural, e da sua cosmovisão, valores e
espiritualidade, assim como sua medicina tradicional.

Em seguida, protege-se a propriedade coletiva dos conhecimentos


indígenas, inclusive, com a proibição de patentes, e garante-se a participação política
dos povos indígenas na Assembleia Nacional e em entidades locais (art. 124 e 125).
Depois, a Constituição possibilita que os municípios com população indígena
promovam a sua organização local de acordo com suas particularidades, além da
garantia da eleição de três representantes indígenas para a Assembleia Nacional, de
acordo com suas tradições e costumes (art. 186).

O artigo 260 consagra o pluralismo jurídico, em que as autoridades


indígenas podem, em seu habitat e restrito a seus integrantes, aplicar o sistema de
justiça com base em suas crenças e tradições - desde que não sejam contrários à
Constituição, à lei e à ordem pública. Dessa forma, trabalha-se com um pluralismo
extremamente limitado, nos mesmos moldes da Constituição Colombiana, originados na
Constituição e disciplinado em lei.

A lei orgânica, disciplinando este artigo constitucional, afirma que a


justiça indígena está limitada pelos direitos humanos e fundamentais estabelecidos na
Constituição e nos tratados internacionais, todos interpretados interculturalmente.

O artigo 132 da referida lei afirma que a jurisdição especial indígena tem
a faculdade de conhecer, investigar e executar suas decisões, que constituem coisa
julgada e, ainda, estabelecem limites mínimos para o procedimento, como a participação
da vitima, da família e da comunidade.

94
Para uma análise sobre o desenvolvimento legislativo das previsões Constitucionais e a da formação da
Lei Orgânica Sobre os Povos e Comunidades Indígenas, elaborada pela comissão permanente dos povos
indígenas na assembleia Nacional, observar: Kupper (2006).
90

Nos artigos seguintes, a lei estabelece a competência da jurisdição


autônoma indígena: é válida dentro das terras indígenas e, de forma extraterritorial,
paras as questões ocorridas entre indígenas fora de terras ancestrais, desde que não
sejam de caráter penal e não incida sobre direitos de terceiros. Os não-indígenas que
cometerem crimes no interior das terras ancestrais podem ser detidos e postos à
disposição da jurisdição ordinária.

De acordo com o artigo 134 da referida lei, a jurisdição ordinária poderá


rever tais decisões se violarem as normas acima citadas, sendo competente o Tribunal
Supremo de Justiça para dirimir qualquer conflito, mediante ação de Amparo
Constitucional dirigida a Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça.

No âmbito da competência material, a lei estipula que as autoridades


indígenas são para todos os conflitos, exceto crimes contra a segurança da nação, delitos
de corrupção contra o patrimônio público, tráfico de armas e de drogas, quadrilha, além
de genocídio, crimes de guerra e de agressão. Não obstante, nesses casos, é garantido o
respeito a sua cultura e ao seu idioma em todas as fases do processo, inclusive peritos e
tradutores (art. 137/140).

No processo penal, de acordo com o artigo 141 da lei, não haverá crime,
mesmo sendo tipificado como delito, quando forem permitidos na cultura e no direito
indígena, desde que não haja violação aos direitos fundamentais e tratados
internacionais. O Estado, por sua vez, deve dispor de estabelecimentos penais próprios
para reclusão de indígenas nos estados com população nativa.

Nesse contexto, no caso do pluralismo jurídico Venezuelano, citamos a


mesma problemática da previsão constitucional Colombiana, tendo em vista que a
interpretação monocultural da Constituição, da lei e, principalmente, da vaga “ordem
pública”, pode aniquilar a possibilidade da verdadeira autonomia jurisdicional indígena.
Em nossa opinião, embora com vários avanços, o caso ainda constitui-se um
“pluralismo jurídico subordinado”. Perfeitamente aplicável a experiência Venezuelana,
Raquel Fajardo explica:

De hecho, muchas de las limitaciones acaban semejando el patrón pluralismo


jurídico subordinado colonial, encubiertas bajo el discurso de que la
jurisdicion indígena sólo se explica por la diversidad cultural: uma justicia
entre índios, circunscripta al território comunal, para casos menores, y sin
91

tocar lós bracos, aun cuando lós blancos vulnerem bienes jurídicos indigenas
(Farjado, 2010, p. 148)

Na perspectiva desta autora, a Constituição da Venezuela insere-se no


segundo ciclo de sua classificação anteriormente abordada, junto com as Constituições
da Colômbia de 1991, do Equador de 1994, e do México de 1992. É influenciada por
normas internacionais, notadamente a Convenção 169 da OIT, garantindo nações
multiétnicas e pluriculturais, além do reconhecimento da autonomia indígena através do
pluralismo jurídico, ainda que de forma limitada (Fajardo, 2011, p. 142-143).

Como fruto desse segundo ciclo, observa-se o despreparo institucional


para absorver e alargar as mudanças constitucionais (Fajardo, 2011, p. 143) ainda muito
distante das previsões da Constituição do Equador e da Bolívia, principalmente quanto
ao pluralismo jurídico igualitário.

Por exemplo, o artigo 126 da Constituição reconhece que os povos


indígenas fazem parte da nação e do povo Venezuelano e que, de acordo com a
Constituição, deve proteger a soberania nacional. Embora a questão da justiça indígena
não esteja bem definida no plano jurisprudencial, o tipo de lógica de proteção da
soberania pode ser muito bem articulado para a violação dos direitos indígenas e sua
autonomia, conforme ressaltamos no caso Colombiano.

Observa-se, também, a título exemplificativo, que o presidente/a,


secretários/as e diretores da “junta diretiva do Instituto Nacional dos Povos Indígenas”,
responsável pela execução e coordenação das políticas públicas dirigidas aos povos
indígenas, são nomeados, com prévia postulação dos povos indígenas, pelo Presidente
da República (art. 151). Esse dispositivo indica não apenas um viés hiper-
presidencialista na legislação Venezuelana, mas também limitador da autonomia
indígena.

Portanto, nos termos do Novo Constitucionalismo Pluralista Latino


Americano por nós proposto, a Constituição Bolivariana da Venezuela, se não cumpre o
primeiro requisito: possibilitar a intensificação da participação popular no processo
democrático – devido à introdução constitucional da reeleição indefinida e de outras
formas de concentração de poder inseridas na Constituição Bolivariana via reformas-
também, definitivamente, não cumpre o nosso segundo requisito: desenvolver um
92

constitucionalismo pluralista, que avance no reconhecimento e no protagonismo dos


povos indígenas, com instituições que espelhem a pluralidade indígena e internalize
práticas e costumes das comunidades ancestrais.
93

3. Constituições da Bolívia e do Equador: O Novo Constitucionalismo


Pluralista Latino-Americano

Onde se recebe a Renda per Capita? Tem muito morto de fome querendo
saber. Em nossas terras, os numerinhos têm melhor sorte do que as pessoas.
Quantos vão bem quando a economia vai bem? Quantos se desenvolvem com
o desenvolvimento? (...)

Eduardo Galeano, os numerinhos e as pessoas.

Sem dúvida, o Constitucionalismo não está isolado das outras ciências e


práticas sociais, por isso é tão importante conduzir esse capítulo com um constante
debate sobre as novas formas de pensar a ciência, a modernidade e as diferentes formas
de saber. Tal debate, inclusive, é essencial para entender a reengenharia institucional
ocorrida nesses países, o direito indígena, a Pachamama e o Sumak Kwasay: ou seja,
outras lógicas epistemológicas que foram inseridas nas Constituições desses países95.

A modernidade sacralizou a ciência como forma de se relacionar com o


mundo, a partir de uma linguagem crível e objetiva, determinando a exclusão de outras
formas de saber que eram consideradas secundárias, como a espiritualidade, o intuitivo,
a sensibilidade (Santamaría, 2010, p. 46/47), de forma que:

Toda aquella forma que no era susceptible de ser demostrable objetivamente,


experimentable, medible, cuantificable, externalizable, transmitida por
escrito, sujeta a ser verificada por medio de los sentidos, simplemente no
debía ser considerada con seriedad (Santamaría, 2010, p. 46/47).

Dessa forma, o Constitucioalismo contemporâneo, em certa medida,


sempre legitimou a reprodução do capitalismo e das diferentes formas de colonialismo e
patriarcalismo, sufocando e afetando as soluções políticas e jurídicas de nossa terra, de
forma que o fim do colonialismo não implicou no fim das relações extremamente

95
Não podemos perder de vista que, embora esse debate tenha interconexões com a filosofia, sociologia e
outros ramos do conhecimento, a nossa análise é eminentemente constitucional. E esse é o nosso local de
fala porque estudamos como essas cosmovisões reverberam no projeto Constitucional do Equador e da
Bolívia e, consequentemente, como operam diante da dinâmica constitucional, pois, como ressalta Anibal
Quijano, é necessário partir da resistência à criação de alternativas (Quijano, 2007, p. 3).
94

desiguais de poder que dele foi origináro (Chivi Vargas, 2009, p 157; Sousa Santos e
Menezes, 2010, p. 12).

Neste cenário, as Constituições do Equador e da Bolívia são as que


parecem mais comprometidas com uma transformação radical da sociedade, inserindo
no Constitucionalismo elementos que antes eram estranhos a teoria tradicional da
Constituição.

A Cosmovisão indígena incorporada por essas Constituições são


experiências que, certamente, reconstroem e, ao mesmo tempo, desconstroem a
racionalidade monolítica que o Direito e a modernidade estão acostumados. As duas
Constituições são as principais manifestações da resistência indígena em nuestra
America, que acabam por simbolizar a força daqueles que foram invisibilizados pela
história e pelo Direito.

São frutos e concretizações do avanço da epistemologia do sul, que pode


ser entendida, metaforicamente, como um campo epistêmico que procura reparar danos
causados pelo capitalismo e pela sua forma colonial de saber. Não se resume ao sul
geográfico, pois visa integrar o conjunto de países que foi vítima do colonialismo
europeu e, ao mesmo tempo, classes e grupos sociais no interior do norte geográfico, de
modo que o sul metafórico seria “o lado dos oprimidos pelas diferentes formas de
dominação colonial e capitalista” (Sousa Santos e Meneses, 2010, p. 13). E o que se
buscamos são as Constituições comprometidas com as aspirações do sul96.

Nesse sentido, indígenas e campesinos tiveram um papel fundamental


nas conquistas constitucionais desses países e foram os principais atores das lutas
sociais contra as formas de desenvolvimento que não respeitavam a Pachamama e a
cosmovisão indígena (Pisarello, 2011, p. 198).

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, na


Bolívia, mais da metade da população está abaixo da linha da pobreza, dentre a qual 3/4
da população indígena faz parte desse setor – sendo que aproximadamente 60% da

96
No mesmo sentido, traduzido perfeitamente na poesia de Galeano: “Norte e Sul, diga-se de passagem,
são termos que neste livro designam a partilha da torta mundial e nem sempre coincidem com a
geografia.” (Galeano, 2009, p. 26).
95

população boliviana é indígena. No Equador, mais de 80% dos indígenas vivem em


situação de pobreza (Sieder, 2011, p. 305).

Na Bolívia a privatização de setores estratégicos acarretou fortes revoltas


populares que intensificaram o processo de insatisfação social, materializadas na guerra
da água e do gás. No Equador, a submissão às políticas financeiras e econômicas do
capitalismo global levou à forte resistência dos movimentos indígenas e populares
(Pisarello, 2009, p. 8), tendo em vista, que os direitos indígenas estão diretamente
intricados com o modelo de desenvolvimento econômico harmonizados com a natureza
e os princípios democráticos do Bem-viver (Sieder, 2011, p. 314).

Como consequência, essas tensões se desdobraram em dispositivos


constitucionais que revelavam a insatisfação popular, notadamente dos povos indígenas,
ocorrida nesses países, afinal, dispositivos Constitucionais são frutos de lutas e
reinvidicações populares, como já ressaltamos no tópico destinado ao momento político
do surgimento desse movimento.

Não é à toa que a população indígena tenha forte intervenção nessas


Cartas, pois foram as populações mais exploradas – tanto fisicamente quanto no campo
epistêmico – e encontraram no Constitucionalismo uma forma de positivar seus direitos
e disputar a institucionalidade. A centralidade do Sumak Kawsay em diversas partes
dessas Cartas demonstra o protagonismo indígena no processo Constituinte.

Para se ter uma ideia, dos 400 artigos da larga Constituição boliviana, 80
fazem referências aos povos indígenas, que são definidos pela Carta como coletividades
humanas que compartilham a identidade cultural, o idioma, a tradição, a história, a
religião, as instituições, as cosmovisões, a territorialidade, cuja existência é anterior à
invasão espanhola (art. 30, I) e que, portanto, tem direito a existir livremente,
garantindo-se o respeito as suas práticas, costumes e cosmovisão, a seus saberes
tradicionais, e seu sistema político, jurídico e econômico (art. 30, inciso I e ss). Nessa
esteira, o Estado reconhece a titulação coletiva sobre seus territórios e protege e garante
a propriedade comunitária, que compreende o territorio indígena originário campesino,
as comunidades interculturais originarias e as comunidades campesinas, estabelecendo
que a propriedade coletiva é indivisível, imprescritível, inalienável, irrenunciável (art.
394, III).
96

Além disso, a Carta Boliviana reconhece a medicina tradicional dos


povos indígenas, assim como assegura propriedade intelectual, histórica, cultural, e o
patrimônio das nações e povos indígenas (art. 42). Nos centros educativos, dispõe que
serão respeitados a espititualidade das nações e povos indígenas (art. 87) e que na
educação superior, levar-se-á em conta o conhecimento “universal” e os saberes
coletivos dos povos indígenas (art. 91), inclusive resgatando suas diferentes línguas (art.
95, II). Determina também que é patrimônio dos povos indígenas: os mitos, as
cosmovisões, a história oral, as danças, as práticas culturais, os conhecimentos e as
tecnologias tradicionais, de forma que esse patrimônio faz parte da expressão e
identidade do Estado (art. 100).

Na Constituição Equatoriana, o Estado reconhece os direitos dos povos


indígenas, a manutenção de sua identidade, incluindo a conservação e o
desenvolvimento de sua espiritualidade, as suas tradições culturais, linguísticas, sociais,
políticas e econômicas, bem como manutenção da posse ancestral comunitária das suas
terras que são inalienáveis, imprescritíveis e indivisíveis (art. 84).

Os indígenas têm a propriedade intelectual de seus conhecimentos


ancestrais, seu uso e valorização conforme a lei, bem como a manutenção e a
administração de seu patrimônio histórico e cultural. Igualmente, tem direito a uma
educação de qualidade, inclusive a um sistema educacional bilíngue (art. 84).

Os povos indígenas, de raízes ancestrais, e as comunidades


afroequatorianas formam parte do Estado Equatoriano, único e indivisível (art. 83), de
forma que o Estado fomentará a interculturalidade, inspirará suas políticas e
instituições, e também estabelecerá a conservação, a restauração, a proteção e o respeito
do patrimônio cultural e da riqueza linguística e arqueológica, como forma de preservar
a identidade nacional plurinacional e multiétnica (art. 62).

É claro que as Constituições da Bolívia e do Equador tem suas


peculiaridades. Mas, como será visto adiante, também têm pontos de convergência
inegáveis: a pretensão intercultural e descolonial que seus textos anunciam. Assim, este
último capítulo tem a função de analisar, na perspectiva constitucional, os institutos
desses documentos que cumprem essas pretensões.
97

Não se trata, portanto, de uma análise abrangente do conteúdo dessas


Cartas, mas daquilo que é original e inovador nesses novos documentos, incluindo, a
reegenharia institucional – que orienta o conteúdo de tais Constituições e traça
parâmetros claros que rompem com o Constitucionalismo eurocêntrico e tradicional
(embora, obviamente, não o negue completamente), como a Pachamama e o Sumak
Kawsay.

Certamente, não só há avanços nessas Constituições. Em ambas as Cartas


observa-se que a questão afro não acompanhou essas conquistas, subordinando suas
identidades a dos povos indígenas (Walsh, 2009, p. 7). Ou seja, enquanto essas
constituições despontam novas formas de observar o mundo, acabam por encobrir
outras perspectivas97.

Dessa forma, qualquer ufanismo em relação ao tema pode ser


extremamente perigoso, pois o papel da intelectualidade crítico também é, sem dúvidas,
reconhecer e analisar os problemas e as deficiências dessas Constituições. Tais análises
devem ser feitas para evitar a suposição de completude dessas Cartas, submetendo-as a
constantes críticas para que realmente concretizem os ideais do Bem-viver e a Mãe
natureza.

Portanto, não esqueçamos nunca, como alerta Boaventura, que ao mesmo


tempo em que falamos de Sumak Kawsay e Socialismo do Século XXI, nesses países
ainda há trabalho escravo (Sousa Santos, 2010d, p. 197). Sem dúvidas, o nosso projeto
constitucional ainda está muito distante de sua concretização, mas com avanços e
retrocessos caminhamos em nuestra América.

De toda forma, descobrir um pouco das novidades constitucionais em


nosso continente pode significar, também, a descoberta e a revelação de um lado da
história não contada, ainda marcado pelo neocolonialismo ou, nas palavras de Cesar
Baldi: “A américa latina, ela mesma uma invenção colonial, talvez tenha que ser
redescoberta ou mesmo finalmente „descoberta‟ pelos constitucionalistas, que ainda

97
Por exemplo, no artigo 32 da Constituição Boliviana e no artigo 85 da Constituição equatoriana,
determina-se que o população afro, goza, em tudo que corresponde, dos Direitos econômicos, sociais,
políticas e culturais reconhecidos na Constituição para os povos indígenas. Dessa forma, não há normas
relacionadas à população afro e suas peculiaridades, apenas uma subordinação a questão indígena.
98

veem seus países como brancos ou branqueados e não como parte da Abya Yala ou de
uma América “Afro-latina”98 (Baldi, 2010, p. 3).

3.1. Sumak Kawsay/ Suma Qamaña/Bem-Viver

99
Foto por José Cleiton Carbonel

98
O termo Abya Yala é o nome dado ao continente americano por povos originários e, atualmente, ainda
é utilizado em contraponto ao caráter colonizador do termo América.
99
Essa foto foi tirada na 13ª Assembleia Anual do Povo Xucuru (2012), na serra Ororubá, em
Pesqueira/PE, para celebrar a luta histórica do povo Xucuru pelos seus direitos à autodeterminação,
territorialidade e dignidade. Tive a oportunidade de participar do ato junto com estudantes,
pesquisadores/as, militantes de movimentos sociais e comunidades indígenas de diversas partes do Brasil.
Na ocasião, escrevi: “Há muito tempo não via um céu tão estrelado como aquele do alto da Serra
Ororubá. Da cidade é impossível observá-las. Assim como da urbe não é possível observar as estrelas, da
academia não é possível observar uma infinidade de experiências. Naquelas danças, rezas e rituais, há
muito conhecimento, cultura e história, que uma educação homogênea e monocultural afastou da
realidade acadêmica. A racionalidade obscurece essas formas de conhecimento e ignoram o mágico, o
intuitivo e o espiritual. O presente texto, por exemplo, não consegue traduzir a riqueza daquela
experiência. Os estudantes e pesquisadores que estiveram presentes na vivência da Assembleia do Povo
Xucuru saíram de lá com uma certeza – dentre tantas dúvidas - sobre a vida acadêmica: o encastelamento
dos intelectuais na academia é limitador das experiências e vivências pessoais e, como consequência, gera
uma produção monocultural do conhecimento. Se ainda queremos analisar criticamente o Brasil e o
mundo, é preciso (antes de tudo) saber que os livros e as bibliotecas não são a única – nem a principal -
fonte de conhecimento.
99

“Liberdade, Democracia, Parlamento, Soberania do Povo, todas as


grandes palavras que pronunciaram nossos homens de então procediam do repertório
Europeu”. Assim se pronunciou Mariátegui, em 1928, sobre a luta pelo socialismo na
América latina (Mariátegui, 2012, p. 109).

Talvez seja o momento de descolonizar as palavras e a nossa gramática.

Os povos indígenas são povos coletivos, mas foram submetidos à


individualização – tiraram-lhes uma forma de vida e impuseram-lhes outra. Agora,
positivado na Constituição, o Sumak Kawsay pretende reestabelecer esse aspecto
coletivo da vida, em todas as suas dimensões e se contrapor – como reação e alternativa
ao modelo dominante de desenvolvimento100 (Macas, 2010, p. 14; Gudynas, 2011c, 1).
O Sumak Kawsay surge como uma resposta da cosmovisão indígena que visa integrar o
homem e a natureza de forma respeitosa e não resume a qualidade de vida ao nível de
consumo ou posses materiais, nem ao simples desenvolvimento por meio do
crescimento econômico (Gudynas, 2011c, p. 2; Dávalos, 2009, p. 5/7).

A positivação do Sumak Kawsay cumpre dois objetivos: no campo


simbólico, dá destaque à visão de mundo daqueles que foram marginalizados e
excluídos; no plano econômico, aponta os equívocos do desenvolvimentismo, a partir da
realidade periférica (Tortosa, 2009, p. 5). Na perspectiva de Houtart, o Bem-viver tem
uma dupla função: faz uma crítica ao modelo econômico vigente ao mesmo tempo em
que propõe alternativas de reconstrução política, social e cultural da sociedade (Houtart,
2011, p. 5).

Como exemplo, destacamos que no artigo 8º da Constituição Política da


Bolívia, o Estado assume e promove como princípios éticos e morais da sociedade
plural: “ama qhilla, ama llulla, ama suwa (no seas flojo, no seas mentiroso ni seas

100
Para o advogado Kichwa equatoriano, Luis Macas, na cosmovisão indígena, o Sumak Kawasay seria a
vida em plenitude, baseada no i) randi-randi, prática da reciprocidade e da redistribuição que funda a
propriedade coletiva; ii) ruray, maki-maki, que é o trabalho voluntário; iii) ushay, organização social e
política; iv) Yachay, são os saberes e conhecimentos coletivos (Macas, 2010, p. 14) Por outro lado, não
se pretende uma homogeneidade entre os diferentes povos indígenas, cada povo indígena pode ter a sua
concepção de Bem-viver (Gudynas, 2011b, p. 8)
100

ladrón), suma qamaña (vivir bien), ñandereko 101 (vida armoniosa), teko kavi (vida
buena), ivi maraei (tierra sin mal) y qhapaj ñan (camino o vida noble)”.

Igualmente, na Constituição Equatoriana, em seu preâmbulo, a carta já


anuncia uma nova forma de convivência cidadã, em harmonia com a natureza, para
alcançar o Sumak Kawsay. Posteriormente, reconhece-se o direito a um ambiente
saudável e ecologicamente equilibrado, que garanta o Buen Vivir (art.14). O Estado
também será responsável pela promoção e geração de conhecimento, pesquisa
científica, e pela potencialização dos saberes ancestrais, para contribuir com a
realização do Sumak Kawsay (art. 387.2). Ademais, propugna-se que o interesse geral
deva prevalecer em detrimento do interesse particular, em nome do Bem-Viver (art.
83.7), bem como que as políticas públicas e as prestações de serviços públicos sejam
orientados de maneira a efetivar o Buen Vivir (art. 85.1).

Assim, o Sumak Kawsay (kichwas) ou Suma Qumña (aymaras) é um


conceito em constante construção e pode ter diferentes significados nas mais diversas
localidades. Nossa abordagem centra na perspectiva indígena que foi incorporada a
essas Constituições, mas sem esquecer outras relações - perspectivas teóricas e de
práticas sociais - que podem ser edificadas para aprimoramento dessas cosmovisões,
tendo em vista que a interculturalidade pressupõe um constante processo de
aprendizado.

A noção de Bem-viver, além da ligação com o conhecimento indígena,


encontra respaldo em outras tradições filosóficas, como a marxista, feminista, libertária,
ecológica, gandhiana, além das comunidades afro-equatorianas. Todas essas
perspectivas partem do pressuposto de que o modelo de desenvolvimento capitalista é
insustentável do ponto de vista ambiental, social e energético, propondo uma relação
solidária entre a natureza e o ser humano, com a inter-relação entre os saberes, seres,
racionalidades e lógicas de pensar, atuar e viver (Walsh, 2009b, p. 220; Acosta apud
Pisarello, 2011, p. 200).

101
Na perpectiva Guarani, o Nãnde Reko (modo de ser guarani), junto com o Tierra sin Mal, faz parte da
compreensão da Vida Buena do Povo Guarani, que expressa, concepção guarani, uma série de virtudes,
como a liberdade, a festa em comunidade e a felicidade, que estão articuladas na busca da terra sem mal
(Mélia, 2008, p. 99; Gudynas, 2011c, p. 7).
101

Neste sentido, o Bem-Viver não está orientado apenas para construção de


uma moralidade indígena, mas para nortear a luta contra o sistema capitalista, ou seja,
não pretende guiar apenas um grupo étnico, mas tem a pretensão de propor uma
verdadeira refundação da sociedade, para muito além de determinadas
particularidades102 (Walsh, 2009b, p. 223/232).

As diferentes concepções de agir e pensar sobre o Bem-viver não se


excluem, pelo contrário, coordenam-se pela consenso de que a ideia de
desenvolvimento atual é incompatível com o Sumak Kawsay. Deve-se, portanto, romper
com a lógica exclusivista moderna e permitir um encontro com os diferentes saberes -
todos com igual hierarquia103 (Gudynas, 2011, p. 88/101).

A universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos que se


articulam nas relações dos homens e da natureza são os novos direitos fundamentais ou
“derechos del buen viver”, “derechos fundamentalísimos” (Prada), ou “nuevos
derechos fundamentales” (Sousa Santos), como o direito à água, à soberania alimentar,
ao pluralismo (Médici, 2010, p. 16). Para o economista equatoriano Pablo Dávalos,
Sumak Kawsay é104:

Sumak kawsay es la voz de los pueblos kechwas para el buen vivir. El buen
vivir es una concepción de la vida alejada de los parámetros más caros de la
modernidad y el crecimiento económico: el individualismo, la búsqueda del
lucro, la relación costo-beneficio como axiomática social, la utilización de la
naturaleza, la relación estratégica entre seres humanos, la mercantilización

102
É bem verdade, como afirma Katherine Walsh, que a sociedade equatoriana e boliviana ainda se
constrói com interesses do mercado, e que o Bem-viver ainda não tem raiz no imaginário dessas
sociedades. Mas as Constituições desses países abrem uma possibilidade reorientar a o desenvolvimento
da sociedade com base nos princípios do Bem-viver (Walsh, 2009b, p. 226)
103
Para Gudynas, a teoria da ecologia profunda, os ashuar ecuatorianos, o küme mongen, os mapuches
do sul chileno, os cambas del bosques do norte amazônico da Bolívia, os afrodescedentes do pacifico
colombiano, os seringueiros e castanheiros da Amazônia, possuem suas concepções de Bem-viver, que
não se restringem ao Sumak Kawsay propostos nas Constituições equatoriana e boliviana (Gudynas,
2011b, p. 5/6).
104
Para a “Ley marco de la Madre Tierra y Dessarollo Integral para Vivir Bien boliviana, que será
estudada em seguida: “El Vivir Bien (Sumaj Kamaña, Sumaj Kausay, Yaiko Kavi Päve). Es el horizonte
civilizatorio y cultural alternativo al capitalismo y a la modernidad que nace en las cosmovisiones de las
naciones y pueblos indígena originario campesinos, y las comunidades interculturales y afrobolivianas, y
es concebido en el contexto de la interculturalidad. Se alcanza de forma colectiva, complementaria y
solidaria integrando en su realización práctica, entre otras dimensiones, las sociales, las culturales, las
políticas, las económicas, las ecológicas, y las afectivas, para permitir el encuentro armonioso entre el
conjunto de seres, componentes y recursos de la Madre Tierra. Significa vivir en complementariedad, en
armonía y equilibrio con la Madre Tierra y las sociedades, en equidad y solidaridad y eliminando las
desigualdades y los mecanismos de dominación. Es Vivir Bien entre nosotros, Vivir Bien con lo que nos
rodea y Vivir Bien consigo mismo (Art. 5. 2)”.
102

total de todas las esferas de la vida humana, la violencia inherente al egoísmo


del consumidor, etc. El buen vivir expresa una relación diferente entre los
seres humanos y con su entorno social y natural. El buen vivir incorpora una
dimensión humana, ética y holística al relacionamiento de los seres humanos
tanto con su propia historia cuanto con su naturaleza (Dávalos, 2008, p.3)

Portanto, a Pachamama e Bem-viver são expressões da “ecologia dos


saberes”, que mesclam o saber indígena (ancestral), com o eurocêntrico (moderno,
progressista), e tem como base a pluralidade do conhecimento – para além do científico
(Sousa Santos, 2010, p. 152; 2010e, p. 45). É tanto que para a definição do Bem-Viver,
recorremos a autores dos mais diversos campos do conhecimento, como sociólogos,
filósofos, economistas, juristas, bem como, obviamente, a propria cosmovisão indígena
- marca fundamental desse processo.

Dessa forma, o Bem-viver não instrumentaliza a natureza e inter-


relaciona os seres humanos com a biosfera, criando uma solidariedade vinculante entre
pessoa-sociedade-natureza (Medici, 2011, p. 112). Tanto que uma das mudanças mais
importantes do Constitucionalismo Andino foi questionar o conceito de
desenvolvimento através de teorias críticas, lutas emancipatórias e novas perspectivas
epistemológicas que se nutrem do conhecimento dos povos ancestrais. Isso se insere na
construção contrahegemônica de uma nova sociedade (Larrea, 2008, p. 15/16).

Mas, obviamente, não basta positivar o Sumak Kawsay nessas


Constituições. Há necessidade de desenvolvimento que desdobre a filosofia do Bem-
viver e da Pachamama em diversos dispositivos dessas novas experiências
constitucionais, notadamente na questão do desenvolvimento econômico, recursos
naturais e da propriedade.

Não que o Bem-viver se resuma a essas matérias, pelo contrário, ele tem
uma função irradiante e transversal nessas Constituições. Porém, é primordial analisar
as repercussões nesses campos para o desenvolvimento do Sumak Kawsay em
consonância com a cosmovisão indígena.

Na Constituição Boliviana há a previsão de que toda pessoa tem direito à


alimentação, de forma que o Estado tem o dever de assegurar o acesso à água e ao
fornecimento de sistema de esgoto, que são direitos humanos e não podem estar sujeitos
103

à concessão ou privatização, bem como garantir a segurança alimentar105 (art. 16 I e II,


20, III).

No título I, da Organização Econômica do Estado, o artigo 306 dispõe


que o modelo econômico Boliviano é plural e está orientado para melhorar a qualidade
de vida e o Viver Bem de todos os/as bolivianos/as. A economia social e comunitária
complementa o interesse individual e o Bem-Viver coletivo (art. 306, III), bem como
protege e reconhece o trabalho cooperativo (art. 310), embora, ao mesmo tempo,
também reconheça a iniciativa privada e a liberdade de empresa, que deve ser regulada
por lei (art. 308, I e II), podendo o Estado intervir nos setores estratégicos da cadeia
produtiva para preservar o abastecimento e a qualidade de vida dos cidadãos (311.4).

O Estado reconhece, promove e fomenta a organização econômica


comunitária, relativa às nações e povos indígenas, e as organizações econômicas
campesinas e de pequenos produtores urbanos e artesões. Essas organizações, bem
como as micros e pequenas empresas, terão preferência nas compras do Estado
(307/334, IV)

No mesmo sentido, toda e qualquer atividade deve contribuir com a


economia do país, de maneira que a acumulação privada não pode por em risco a
soberania econômica do Estado. Toda forma de desenvolvimento econômico,
igualmente, deve colaborar com a redução das desigualdades sociais e deve proteger o
meio ambiente (art. 312). O monopólio e oligopólio privado estão expressamente
proibidos (art. 314). No âmbito da participação do Estado na economia, reconhece-se
que a mesma deve ser conduzida com vistas a um processo de planificação, com
participação e consulta cidadã (art. 316).

Inclusive, a Constituição Boliviana proibiu o latifúndio e a dupla


titulação de terra por ser contrário ao interesse coletivo, definindo aquele como: a posse
improdutiva da terra, a terra que não cumpre sua função social e econômica ou aplica

105
A “Ley marco e la Madre Tierra y Dessarollo Integral para Vivir Bien boliviana” também estabelece a
necessidade de fimar hábitos de consumo sustentável, com acesso a alimentos nutritivos e agroecologicos,
bem como a revalorização e fortalecimento de cooperativas e associações de pequenos agricultores,
nações indígenas e afrobolivianas, no sentido de democratizar os processo sustentáveis, promovendo
formas coletivas e comunitárias de produção. No mesmo sentido, estabelece a eliminação do latifúndio e
a regularização do acesso a estrangeiros a propriedades e ao aproveitamento da terra.
104

um sistema de servidão ou escravidão. A própria Constituição estabeleceu que um


referendo iria definir se a superfície máxima das propriedades poderiam exceder 5.000
(opção A) ou 10.000 (opção B) hectares. A opção B foi vitoriosa com 78% dos votos.
De toda forma, esses limites só serão observados se a propriedade foi adquirida a partir
do inicio da vigência da Constituição (art. 399).

Os recursos naturais são os minerais, os hidrocarbonetos, a água, o ar, o


solo e subsolo, as florestas, o espectro eletromagnético e todos os elementos e forças
físicas capazes de aproveitamento, que são estratégicos e de interesse público para o
desenvolvimento do país, de maneira que o Estado assumirá o controle e a direção sobre
a sua exploração, exportação, industrialização, transporte e comercialização, através de
entidades públicas, cooperativas e comunitárias106 (arts. 348 e 351).

O Bem-viver pode ser traduzido, no plano educacional, pela positivação


constitucional de uma educação que fortaleça a consciência crítica dos cidadãos, a
conservação do meio ambiente, a biodiversidade e o Buen Vivir, de maneira a
consolidar a unidade nacional, a identidade e o desenvolvimento cultural dos membros
de cada nação indígena, contribuindo para o enriquecimento intercultural dentro do
Estado (art. 80, I e II). Inclusive, a Constituição Boliviana reconhece, além do
castelhano como idioma oficial, mais 36 idiomas das nações e povos indígenas
originários, com obrigação de utilizar ao menos dois deles oficialmente.

No caso Equatoriano, logo no artigo 1º da Constituição, já se anuncia que


os recursos naturais não renováveis pertencem ao patrimônio inalienável, irrenunciável
e imprescritível do Estado Equatoriano, bem como a água é um direito humano
fundamental e irrenunciável e o Estado promoverá a soberania alimentar (art. 12/13).
No artigo 3.5, coloca-se como dever do Estado planificar o desenvolvimento nacional,
erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável, a redistribuição de
renda, dos recursos e da riqueza, para atender ao Bem- Viver.

No título VI, destaca-se que o regime de desenvolvimento é um conjunto


organizado, sustentável e dinâmico dos sistemas econômicos, políticos, socioculturais e

106
Inclusive, a Coca – elemento que faz parte da cultura andina – é protegida na Constituição Boliviana:
”El Estado protege a la coca originaria y ancestral como patrimonio cultural, recurso natural renovable de
la biodiversidad de Bolivia, y como factor de cohesión social; en su estado natural no es estupefaciente.
La revalorización, producción, comercialización e industrialización se regirá mediante la ley” (art. 384).
105

ambientais, que garantem a realização do Sumak Kawsay. O Bem-viver exige que


pessoas, comunidades, povos e nacionalidades gozem de seus Direitos e exerçam
responsabilidades no marco da interculturalidade, do respeito a sua diversidade e da
convivência harmônica com a natureza (art. 275). É por isso que na Constituição
Equatoriana, o regime de desenvolvimento (titulo VI) está a serviço do regime do Bem-
viver (título VII) (Houtart, 2011, p. 14).

No mesmo sentido, no Título II, capítulo segundo, da Constituição


Equatoriana, os denominados “Derechos del Buen Vivir”, em suas diversas sessões,
versam sobre: água, alimentação, ambiente saudável, comunicação e informação,
cultura e ciência, educação (aliás, tida pela Carta como indispensável para o Bem-
viver), moradia, saúde, trabalho e seguridade social, revelando-se como eixo articulador
do Sumak Kawsay que orienta diversos direitos garantidos constitucionalmente.

Para garantir a realização do Bem-viver, o Estado compromete-se a


garantir os direitos das pessoas, das coletividades e da natureza; regular o processo de
desenvolvimento; gerar e executar políticas públicas; promover e impulsionar os saberes
ancestrais, e as atividades de iniciativa criativa, associativa, cooperativa e privada (art.
277) entre outras. Por outro lado, para a realização do Sumak Kawsay, as pessoas e as
coletividades (em suas diversas formas organizativas) devem: participar de todas as
fases e espaços da gestão pública – local e nacionalmente - e produzir e consumir bens e
serviços com responsabilidade ambiental e social (art. 278).

No plano do conhecimento, o Estado busca destinar os recursos


necessários não apenas para a investigação científica e a inovação tecnológica, mas para
a recuperação e desenvolvimento dos saberes ancestrais (art. 388).

O sistema econômico – composto pelas formas pública, privada, estatal,


mista, popular e solidária - de organização econômica, é solidário e social, e tem por
objetivo garantir a produção e reprodução das condições materiais e imateriais que
possibilitem o Bem-Viver. O Estado também deve garantir as formas de produção que
preservem o Bem-viver (arts. 283/319).

Ademais, surgem novas e criativas formas de propriedade, que são


reconhecidas pelo Estado. Além da propriedade pública e privada, há a comunitária,
estatal, associativa e mista. Todas devem cumprir sua função social e ambiental (art.
106

321), sendo proibido o latifúndio e a concentração de terra, bem como a privatização da


água e de suas fontes (art. 282), embora seja proibido qualquer tipo de confisco (art.
323).

É reconhecida a propriedade intelectual e proíbe-se todas as formas de


apropriação do conhecimento coletivo (na ciência, tecnologia e dos saberes ancestrais),
e dos recursos genéticos que contem diversidade biológica e agro-biodiversidade (art.
322). Adiante, o Equador se declara livre dos cultivos de sementes transgênicas, exceto
em casos de interesse nacional fundamentado pelo Presidente da República e aprovado
pela Assembleia Nacional (art. 401).

É bem verdade que essas Constituições reconhecem diversas lógicas


econômicas, mas há uma centralidade no modelo econômico indígena como princípio
organizador do conjunto da sociedade (Sousa Santos, 2012b, p. 28). É claro que há
diversas concepções conflitantes nessas constituições, incluindo a convivência entre um
modelo econômico baseado no Bem-viver e outro de matriz neodesenvolvimentista,
fruto da pluralidade das assembleias constituintes desses países.

De fato, a normativa constitucional não basta para a alteração do


arcabouço jurídico dos países do Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-
Americano. As normas infraconstitucionais são essenciais para a concretização da
previsão constitucional em termos de Bem-viver e da reestruturação da estrutura
institucional.

Nesse sentido, podemos citar, como consequência das conquistas


constitucionais equatorianas de 2008, a criação do Plan Nacional para el Buen Vivir
(2009-2013), elaborado pela secretaria Nacional de Planificação e Desenvolvimento
(SENPLADES) , em conjunto com a participação popular, que desenvolveu a proposta
do Sumak Kawsay em termos de políticas públicas e práticas cidadãs107:

El análisis de este documento muestra que el Sumak Kawsai es una nueva


palabra para un desarrollo integral, inspirado por la tradición y el discurso de
los pueblos indígenas, y que quiere proponer, con un aporte original, un
cambio de paradigma frente a la concepción capitalista del desarrollo.
Similares esfuerzos intelectuales existen en sociedades africanas y asiáticas, y
es el conjunto de todas estas iniciativas lo que ayudará a precisar los

107
As informações aqui relatadas, bem como todo o projeto do Plano nacional do Bem-viver, pode ser
acessado através do seguinte sítio eletrônico: http://plan.senplades.gob.ec/.
107

objetivos de los diversos movimientos sociales y organizaciones políticas que


luchan por un cambio de sociedad (Houtart, 2011, p. 16)

Observamos, logo na apresentação, que o Plano tem como objetivo


reiterar a revolução cidadã e concretizar o Estado intercultural e plurinacional para
garantir o Bem-viver de todos os cidadãos, a partir dos seguintes eixos: i) revolução
democrática, que indica as propostas para transformação do Estado, implementação da
democracia radical e desenvolvimento normativo a partir dos preceitos constitucionais;
ii) revolução ética, que visa garantir a transparência das contas públicas, iii) revolução
econômica, produtiva e agrária, que busca possibilitar o acesso aos bens essenciais e o
investimento em tecnologia, educação, entre outros; iv) revolução social, que articula a
política econômica e social, de forma a mobilizar os povos e as comunidades para
exercerem livremente seus direitos; v) revolução pela dignidade, autonomia e integração
da America latina, que objetiva uma posição digna e soberana perante a sociedade
internacional.

O plano também prioriza a planificação da gestão de assuntos públicos e


o controle popular sobre as instituições do Estado, ali incluídos os povos indígenas e os
movimentos sociais – promovendo o diálogo entre os saberes tradicionais e científicos,
de maneira que as experiências populares não são subalternizadas diante do
conhecimento técnico.

Sobre o conceito de desenvolvimento diante do Bem-viver, o Plano


acentua:

En términos generales se puede afirmar que el concepto dominante de


desarrollo ha mutado y ha sido inmune a sus críticas. Ha "resistido" a críticas
feministas, ambientales, culturales, comunitarias, políticas, entre otras. No
obstante, en el mejor de los casos ha tenido críticos implacables que, sin
embargo, no han sido capaces de plantear conceptos alternativos. Es por eso
que es necesario encontrar propuestas desde el sur que permitan repensar las
relaciones sociales, culturales, económicas, ambientales desde otro lugar.
Siguiendo el nuevo pacto de convivencia sellado en la Constitución del 2008,
este Plan propone una moratoria de la palabra desarrollo para incorporar en el
debate el concepto del Buen Vivir.

Tudo isso demostra que o Bem-viver pode se desdobrar em políticas


concretas de afirmação da cidadania, e não se trata, apenas, de uma vaga e abstrata
filosofia indígena sem nenhuma materialização concreta, como alguns teimam em
108

insistir. São consequências práticas da cosmovisão do Bem-viver que começam a


reorientar a atuação do Estado perante os cidadãos e revisitar a lógica econômica
individualista.

O Buen Vivir é uma construção continuada que, sem dúvidas, foi


positivada na Constituição desses países – mas não se esgota nela. É edificada pelas
práticas sociais e discursivas produzidas cotidianamente pela luta dos setores que foram
subalternizados.

O Buen Vivir está relacionado a um modo alternativo de produção e a


uma nova lógica de interação com a natureza e o desenvolvimento. Busca rechaçar não
somente uma concepção neoliberal de desenvolvimento, mas a própria lógica colonial
de exploração. O homem, nessa perspectiva, faz parte da natureza e é integrante dela. É
por isso que o índio aymara qullana boliviano, Simon Yampara, afirmou: “Nos Andes,
tudo tem vida (...) nos Andes, convive-se em interação com os diversos mundos, como
animal, vegetal, o da terra, o das deidades naturais, com o mundo das pessoas, em que
ninguém é mais nem menos importante” 108.

Não se trata de debate sobre o PIB, o crescimento econômico, mas sim de


relações amplas entre os seres humanos, que envolvem a natureza, a vida comunitária e
a construção de uma nova sociedade, superadas as visões mercadológicas de
desenvolvimento. É tanto que a Constituição Equatoriana reconhece o seu sistema
econômico como social e solidário. Para isso, o Estado é fortalecido, mas com a
preocupação de se criar o alargamento da participação cidadã como condição necessária
para o Bem-viver na comunidade (Larrea, 2008, p. 20/22).

O Bem-viver, portanto, não ataca a superficialidade do problema, mas


sim as causas fundantes das grandes desigualdades que assolam países latino-
americanos, que é a força da economia em detrimento do ser humano e da natureza. E
determinadas medidas, garantidas pela Constituição, tornam o Sumak Kawsay não
apenas mais uma peça retórica nas Constituições simbólicas (ou poéticas) de nosso
continente, mas, efetivamente, concretizam a possibilidade de priorizar direitos
fundamentais em detrimento do poder econômico e da lógica colonial.

108
Retirado da análise da conjuntura da semana feita pelo Instituto Humanitas Unisinos, disponível em:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/501470-conjuntura-da-semana-bolivia-governo-plurinacional-e-
plurietnico-em-crise.
109

Assim, Sumak Kawsay é um eixo transversal – articulador e integrador -


que perpassa toda a Constituição e desafia o modelo neoliberal e seus postulados
materialistas e individualizantes 109 (Walsh, 2009, p.7) resgatando a cosmovisão
ancestral, que representa uma nova forma de desenvolvimento baseado na ligação com
Mãe-Terra. O Bem-viver é uma espécie de princípio guia que rege essas Constituições.

Portanto, a construção do Bem-viver perpassa três planos: o


socioeconômico, que busca assegurar a igualdade; o político, que visa à possibilidade de
mudanças nas estruturas do poder; e o sociocultural, que abre a possibilidade de
aprendizagem mútua entre as diferentes culturas (Díaz Polanco apud Larrea, 2008, p.
24/25).

É necessário pontuar, por fim, que o Sumak Kawsay foi forjado a partir
do conhecimento indígena e cumpre um papel significativo de resistência para os povos
peruanos e equatorianos amazônicos contra o avanço das empresas petroleiras, do
agronegócio e as megaminerações que visam degradar o meio ambiente110 (Savampa e
Mirta apud Medici, 2011, p. 118) Por isso, está presente não somente nas intenções e
formulações acadêmicas da produção do conhecimento, mas, principalmente, nas
reações e resistências das lutas indígenas por toda a América andina.

Dessa forma, o Sumak Kwasay não admite práticas


neodesenvolvimentistas, baseadas nos discursos de instituições econômicas
internacionais e elites econômicas locais, que se escondem sob o discurso do
“desenvolvimento sustentável” e “responsabilidade social empresarial”, ou mesmo
políticas governamentais que contrariem esses aspectos constitucionais com o objetivo
de degradar a natureza (Médici, 2011, p. 119). E como veremos em seguida, TIPNIS
(Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure) é um excelente exemplo de como
ao uso retórico do Bem-Viver não pode ser prejudicado em detrimento de concepções já
conhecidas de desenvolvimento, que instrumentaliza e não respeitam a Pachamama e a
cosmovisão indígena.

109
A autora destaca que a Constituição boliviana tem o conceito de bem-viver mais centrado na
organização econômica do Estado, enquanto no caso equatoriano busca os aspectos econômicos, sociais,
políticos e epistêmicos (Walsh, 2009, p. 6).
110
Para um estudo que demonstre as alternativas à produção capitalista, através de novas formas de
cooperação e economia solidária, observar: Boaventura, 2012, p. 33-105. Sobre o caso Sarayaku - que
envolve conflito ambiental de uma empresa petroleira na Amazônia equatoriana e a concepção indígena
do Sumak Kawsay: http://canaljusticia.org/index.php?modo=tipo&seccion=2
110

3.1.1. TIPNIS: tensões entre o desenvolvimentismo e o Sumak Kawsay

Propus fundarmos juntos o marxismo mágico: metade razão, metade paixão,


e uma terceira metade de mistério.

Eduardo Galeano, celebração do amor incessante 111.

Para além do conflito com o neoliberalismo, que se dá de forma aberta e


declarada, observamos que o Sumak Kawsay entra em rota de colisão com ideologias
marxistas ligadas a esquerda desenvolvimentista.

Nesse ponto, cumpre retomar o debate iniciado no ponto 1.1 da nossa


dissertação, no qual observamos haver implicações políticas ligadas a diferentes formas
de pensar o desenvolvimento e a sustentabilidade no Novo Constitucionalismo
Pluralista Latino-Americano. O confronto de ideias acerca do desenvolvimento parece
tornar a dicotomia capitalismo x socialismo (ou direita x esquerda) insuficiente para
caracterizar este conflito. Existem outros elementos, típicos de sociedades complexas
politicamente, que perpassam esse debate.

O conflito de TIPNIS (Território Indígena Parque Nacional Isiboro


Sécure), ocorrido na Bolívia, expõe perfeitamente a tensão entre essas concepções. O
motivo das reivindicações se referia a uma estrada que iria perpassar o território
indígena TIPNIS, considerado sagrado para os povos indígenas e que tem o custo
estimado em US$ 415 milhões (inclusive, financiado pelo BNDES, com forte interesse
brasileiro envolvido e com a sua execução feita pela empreiteira brasileira OAS) 112.

Nesse sentido, o caso TIPNIS entrou em conflito com duas características


fundamentais da cosmovisão indígena: i) a concepção indígena do Sumak Kawsay e da
Pachamama, tendo em vista o custo sociopolítico e ambiental de sua construção; ii) a

111
Galeano não se referia à questão indígena, na verdade, tratava da história de um velho comunista de El
Salvador (Galeano, 2005, p. 221). Todavia, é possível extrair outra interpretação desse poema:
encontramos ali o ideal de junção de horizontes do indianismo e marxismo, o mistério e a mágica relação
com a natureza do indianismo se une a racionalidade do marxismo.
112
Essas informações, bem como outras ao longo do presente tópico, foram retiradas da análise do
Instituto de Direitos Humanos da UNISINOS anteriormente citado.
111

existência de normas Constitucionais que asseguram a consulta prévia, tendo em vista


que a Constituição Boliviana (art 30, II, 15) prevê que os povos indígenas devem ser
ouvidos, através de procedimentos apropriados, quando medidas administrativas ou
legislativas forem suscetíveis a afetá-los. A consulta deveria ser prévia, obrigatória, de
boa-fé e ajustada entre os povos indígenas e o Estado113.

Ante o desrepeito para com a filosofia indígena e a violação as normas


constitucionais, os povos indígenas bolivianos organizaram a 8ª Marcha Nacional em
defesa de TIPNIS - que foi duramente reprimida pelo governo boliviano ao receber os
manifestantes com balas de borracha, gás lacrimogêneo e diversas prisões.

Após a dura repressão, o governo de Evo Morales se rendeu às


manifestações das lideranças indígenas da região e suspendeu a construção da estrada
que passaria por TIPNIS, até que as consultas feitas às populações indígenas afetadas
fossem concluídas. No momento, as negociações estão paralisadas.

A partir do caso, os analistas do IDH (Unisinos) chegam à conclusão de


que a América Latina está refém de uma esquerda industrial e desenvolvimentista, que
não consegue lidar com concepções contrárias a esse modelo e não reconhece a grande
contribuição indígena à política e à economia, acabando por considerar os indígenas
como freio ao desenvolvimento das forças produtivas, como afirma o líder indígena
Fernando Huanacuni:

Quando falamos de comunidade, não falamos só de humanos. Comunidade é


tudo: animais, plantas, pedras. E não para vender. Por exemplo, no governo
boliviano, existem marxistas. Bom, nosso país tem uma reserva muito grande
de lítio e sua exploração é alvo de muitas especulações. O lítio pode deixar a
Bolívia poderosa. Mas o mundo indígena não quer explorar o lítio. O
marxista quer, tem somente um pensamento material. Nós preferimos não
explorar porque é importante para o equilíbrio da vida. Mas o marxista não
pensa assim. Para mudar o sentido de um rio, o marxista vai colocar tratores e
pronto. O indígena vai dizer "não, calma, espera, vamos pedir permissão para
os nossos ancestrais e vejamos se é bom”. O marxista vai dizer “claro que é

113
Do ponto de vista legal, havia a Lei 180/2011, que declarava a intangibilidade da área indígena e,
posteriormente, a Lei 222/2012, que possibilita a quebra dessa intangibilidade por meio de consulta
prévia às comunidades interessadas. Essas leis, inclusive, tiveram sua constitucionalidade questionada
perante o Tribunal Constitucional Plurinacional Boliviano. O Tribunal, entretanto, afirmou a sua
constitucionalidade, estabelecendo certas condições para a sua aplicação, especialmente ressaltando a
necessidade da consulta prévia - que deve ser aplicada em clima de “confiança mútua”, de forma que as
comunidades indígenas devem participar ativamente do seu processo de elaboração, de forma horizontal e
paritária com o Estado (Clavero, 2012. P. 1/7).
112

bom, aqui vamos produzir”. Ele não vê importância no espiritual, não o sente.
Por isso ainda não está entendendo114

O trecho acima citado expõe, em termos práticos, essas fraturas entre


diferentes cosmovisões e racionalidades. O caso TIPNIS é a materialização das tensões
existentes entre a esquerda tradicional e a cosmovisão indígena que reivindica o Sumak
Kawsay como forma de desenvolvimento baseada na relação harmônica com a
natureza115.

Destaque-se, nesse aspecto, o esforço do intelectual e vice-presidente


boliviano, Garcia Linera, em unir “duas razões revolucionárias: indianismo e
marxismo”. O autor demonstra como a contribuição indígena - inclusive com a
politização da sua cultura, da história e da cor da pele e a ideologia comunitarista - pode
erosionar os postulados do neoliberalismo e reivindicar novos projetos societários,
inclusive com projeção eleitoral para disputa do Estado (Linera, 2012, p. 591/593).

É que, na Bolívia, o marxismo, em sua primeira versão, criou uma


espécie de identidade superior a todas as outras, com base em uma narrativa moderna e
industrial que inferiorizou a massa camponesa, taxando de “atrasada” e “retrocesso
histórico” a realidade agrária, de forma que:

[...]tal narrativa modernista e teleológica da história, em geral adaptada dos


manuais de economia e de filosofia, criou um bloqueio cognitivo e uma
impossibilidade epistemológica sobre duas realidades que foram o ponto de
partida de outro projeto de emancipação, que com o passar do tempo
sobrepuseram-se à própria ideologia marxista: a temática camponesa e étnica
do país (Linera, 2010, p. 318/320)

114
Trecho disponível na matéria acima citada. Em sentido diverso, autores de tradição Marxista, como
François Houtart, lembra que o próprio Marx já criticava a instrumentalização da natureza pelo homem,
afirmando que foi o capitalismo que separou homem e natureza. O sistema necessidade/capacidade de
Marx reafirma o projeto socialista como uma alternativa harmônica entre os homens e a natureza -
dialogando com a cosmovisão do Bem-viver (Houtart, 2011, p. 7). No mesmo sentido, Michel Löwy
alerta que a preocupação ambiental já era presente nas obras de Marx, embora não tenha sido
desenvolvida, fornecia uma base teórica para a crítica da lógica produtivista. Entrevista disponível em:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21444
115
Nas palavras de Salvador Schavelzon, também disponível na matéria acima citada: “de um lado a
proposta indígena do Viver Bem e da construção de um Estado plurinacional comunitário, com base no
direito à diferença e reconhecimento de autonomia e território dos indígenas e, de outro, a busca de
integração nacional, a luta contra a pobreza pelo desenvolvimento capitalista, a industrialização e o
discurso estatal nacionalista, que prioriza o que seria o interesse das maiorias, apesar de custos ambientais
e da violação de direitos”.
113

Nesse sentido, um dos mais influentes marxistas latino-americanos, José


Mariategui, reconhece a contribuição indígena - seus costumes e hábitos relacionados à
cooperação e ao coletivismo -, cunhando a expressão “Socialismo indo-americano” para
expressar a especificidade da questão indígena nas experiências revolucionárias de
nuestra América:

Não queremos, certamente, que o socialismo seja na América decalque e


cópia. Deve ser criação heróica. Temos que dar vida, com nossa própria
realidade, em nossa própria linguagem, ao socialismo indo-americano. Eis
aqui uma missão digna de uma geração nova (Mariátegui, 2012, p. 109).

Todavia, percebemos que o autor ainda considera o proletariado como o


principal sujeito histórico revolucionário e ainda aponta certa subordinação das forças
indígenas nos processos revolucionários, sob o prisma da vanguarda operária:

Para a progressiva educação ideológica das massas indígenas, a vanguarda


operária dispõe daqueles elementos militantes da raça índia que, nas minas ou
nos centros urbanos, particularmente nesses últimos, entram em contato com
o movimento sindical, assimilam seus princípios e capacitam-se para
desempenhar um papel de emancipação de sua raça (Mariátegui, 2012b, p.
114).

Sem deixar de reconhecer os contributos de Mariategui para a formação


de uma esquerda autenticamente latino-americana, na qual a questão indígena é posta
em evidência, começam a surgir debates sobre a necessidade de junção entre as
perspectivas marxistas e indianistas sem hierarquização ou subordinação entre essas
duas perpectivas.

O fato é que o marxismo tradicional e o capitalismo sempre


compartilharam o mesmo paradigma civilizatório (Zaffaroni, 2011, p. 131), conforme
antecipamos em relação à concepção adotada por Rubens Dalmau e Roberto Viciano,
no início de nosso trabalho, que acaba por secundarizar a participação indígena no Novo
Constitucionalismo Latino-Americano, com uma visão mais próxima ao marxismo
clássico.

O indianismo, então, buscou se firmar tanto contra correntes


nacionalistas e conservadoras, como contra as correntes marxistas (Linera, 2010, p.
322). Nos anos 90, depois de uma forte ascensão do movimento indianista, formado
tanto pela intelectualidade quanto pelos movimentos camponeses, pode-se dizer que “a
114

concepção de mundo de corte emancipatório mais importante e influente na atual vida


política do país é o indianismo”, sendo ele, simultaneamente, “o núcleo discursivo e
organizativo do que hoje podemos denominar a „nova esquerda‟” (Linera, 2010, p. 328)
de forma que foi possível “inaugurar a possibilidade de um espaço de comunicação e
enriquecimento mútuo entre indianismos e marxismos - que serão provavelmente as
concepções emancipatorias da sociedade mais importantes no século XXI” (Linera,
2010, p. 332).

Os processos políticos ocorridos atualmente na Bolívia e no Equador


demonstram a importância da população indígena na conquista por direitos e por
transformações sociais. O sujeito revolucionário nesse contexto é compartido, sem
subordinações ou inferiorizações, entre o operariado, camponeses, feministas,
afrodescendentes, e os povos indígenas. Não é por isso, todavia, que devemos deixar de
reconhecer que os indígenas tiveram um papel protagonista nesse processo, como
recorda Garcia Linera:

No meio disso – e do esvaziamento ideológico provocado por essa ausência


de futuro modernizante-, que a ideologia indianista pôde se expandir e ser
capaz de oferecer uma explicação do drama coletivo, precisamente a partir da
articulação política das experiências cotidianas de exclusão social,
discriminação étnica e memória social comunitária de camponeses (...) esse
indianismo propiciara a coesão de uma força de massa mobilizável,
insurrecional e eleitoral, politizando o campo político discursivo e
consolidando-se como uma ideologia com projeção estatal (Linera, 2012, p.
593)

Dessa forma, resgatar essa tensão entre marxismo e indianismo é


importante por dois motivos: i) demonstrar como uma parcela da esquerda ortodoxa
contribuiu (e ainda contribui) para a invisibilidade do conhecimento e da tradição
indígena, a partir da colonialidade eurocêntrica116 ii) e, em contraponto, reascender a
importância do resgate da cosmovisão indígena e seus contributos para uma nova lógica
emancipatória, materializada na concepção do Sumak Kawsay, que questione não
apenas a lógica neoliberal, mas a própria lógica colonial – tantas vezes reproduzida pelo
discurso marxista.

116
Em entrevista, assim se pronuncia a antropóloga Rita Lara Segato: “o próprio campo socialista está
dividido em pelo menos mais dois. Tem um campo socialista desenvolvimentista, eurocêntrico, e outro
que vai apontando para a crise civilizatória geral de todo o projeto eurocêntrico que estruturou um mundo
de acordo com a hierarquia colonial”. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/8584
115

O Bem-viver, portanto, é uma prática que se origina da cosmovisão


indígena e das práticas e dinâmicas dos movimentos sociais. Não pode ser utilizado para
esconder discursos neocoloniais que supostamente defendem o uso “sustentável” da
natureza, mas na verdade maximiza lucros e instrumentaliza a Pachamama em nome do
desenvolvimentismo. É o risco que Gudynas alerta de “modernizar al Buen Vivir”
(Gudynas, 2011c, p. 6)117.

Dessa forma, não se pode falar de Sumak Kawsay e, posteriormente,


defender modelos neoextrativistas e de produtivismo selvagens. Essas concepções não
podem caminhar juntas. (Sousa Santos, 2010, p. 154). Em suma, como afirma Walter
Mignolo:

La econonomia capitalista no puede ser democrática porque está montada


sobre princípios creadores de subjetividades competitivas para vivir mejor
que el outro em vez de uma economia que asegure vivir bien, siguiendo el
principio fundamental de la filosofia política, econômica y ética indígena
(Mignolo, 2008, p. 56).

Assim, no caso de TIPNIS, estamos com Boaventura de Sousa Santos


quando aposta em uma solução pelo diálogo. A Bolívia tem possibilidades de ensinar ao
mundo como compatiblizar a geração de riquezas com o respeito à Mãe Terra e ao
Bem-viver. Mas é preciso investir, sinceramente, no diálogo - sempre levando em conta
a importância da cosmovisão indígena, não apenas como imagem representativa do
passado, mas principalmente, como uma forma alternativa de produção para o futuro do
mundo118 (Sousa Santos, 2012, 26/32).

TIPNIS é um exemplo claro que não existe resposta fácil para essas
tensões. O debate, sem dúvidas, necessita de muita negociação. Mas podemos adiantar
que os indígenas têm uma grande arma discursiva a seu favor: a Constituição Boliviana
e seus mecanismos interculturais e descoloniais. O diferencial, portanto, no atual
momento vivido nesses países, é que há uma forte base normativa/constitucional para se

117
Nesse aspecto, em nossa opinião, não se quer dizer a negação total e absoluta da modernidade, até
porque a própria ideia de Constituição é um projeto moderno. O que não se pode é colonizar o ideal de
Sumak Kawsay como um projeto meramente moderno ou como um instrumento retórico para impor a
velha lógica desenvolvimentista.
118
O autor também afirma que seria típico do modo colonial deduzir abstratamente que as marchas por
TIPNIS são conduzidas por ONG´s com interesses imperialistas, pois implica na ideia que os indígenas
são facilmente manipuláveis ou ingênuos (Sousa Santos, 2012, 30/31).
116

contrapor a esses grandes projetos desenvolvimentistas que não respeitam a natureza e a


cosmovisão indígena119.

3.2. Pachamama

RECONOCIENDO nuestras raíces milenarias, forjadas por mujeres y


hombres de distintos pueblos,

CELEBRANDO a la naturaleza, la Pacha Mama, de la que somos parte y que


es vital para nuestra existencia,

INVOCANDO el nombre de Dios y reconociendo nuestras diversas formas


de religiosidad y espiritualidad,

APELANDO a la sabiduría de todas las culturas que nos enriquecen como


sociedad,

COMO HEREDEROS de las luchas sociales de liberación frente a todas las


formas de dominación y colonialismo, Y con un profundo compromiso con el
presente y el futuro,

Decidimos construir

Una nueva forma de convivencia ciudadana, en diversidad y armonía con la


naturaleza, para alcanzar el buen vivir, el sumak kawsay;

Una sociedad que respeta, en todas sus dimensiones, la dignidad de las


personas y las colectividades;

Un país democrático, comprometido con la integración latinoamericana –


sueño de Bolívar y Alfaro-, la paz y la solidaridad con todos los pueblos de la
tierra; (...) 120

119
E TIPNIS é um exemplo que se repete em vários países da América Latina, como Belo Monte e a
transposição do rio São Francisco no Brasil; a exploração petrolífera no Equador; a exploração de cobre
na Argentina e de Ouro no Chile; os corredores de transporte na Bolívia, no Equador e no Pánama, entre
outros. Para um mapa interativo desses grandes empreendimentos que desafiam a sustentabilidade em
nosso continente: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/508777-os-pontos-de-tensao-para-povos-indigenas-
na-america-latina. O Fórum Social Pan-Amazônico (FSPA) lança carta em apoio a autodeterminação
indígena e aos indígenas de TIPNIS: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/501348-por-um-tipnis-livre-da-
opressao-e-ganancia-do-capital-nota-de-repudio-a-violencia-na-bolivia. Para uma contribuição ponderada
entre o discurso desenvolvimentista e os "pachamâmico", recomendamos o artigo de Pablo Stefanoni
disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/501508-bolivia-o-imbroglio-do-tipnis-. Sobre o
conflito entre indígenas contrários à construção de TIPNIS e cocaleros, sindicatos e segmentos do
campesinato favoráveis, na nona marcha indígena, observar: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/510480-
na-bolivia-nona-marcha-indigena-desperta-racismo-hereditario
120
Preâmbulo da Constituição equatoriana de 2008.
117

A Pachamama e o Bem-viver estão entrelaçados em uma nova concepção


de desenvolvimento constitucional, mas têm suas peculiaridades e abordagens
específicas.

Sem dúvida, o reconhecimento constitucional dos direitos da natureza


promove uma nova era na história do Direito (Zaffaroni, 2011, 108), tendo em vista que
uma das ideias mais marcantes do eurocentrismo é a da exploração da natureza,
engendrada a partir da ética produtivista da revolução industrial (Quijano, 2010, p. 5).

A Constituição do Equador, além de mencionar a Pachamama no seu


preâmbulo, normatiza que a natureza é sujeito de direitos nas hipóteses que a própria
Constituição reconheça (art. 10), como tal, contudo, é no título II (Dos Direitos) que se
encontram, sem dúvidas, os artigos paradigmáticos em relação aos Direitos da natureza.
Diz-se que a Pachamama, onde se reproduz e se realiza a vida, tem Direito a que se
respeite integralmente a existência, a manutenção e a regeneração de seus ciclos vitais,
estruturas, funções e processos evolutivos, de forma que qualquer pessoa, comunidade
ou povo, pode exigir o cumprimento dos Direitos da Natureza121 (art. 71).

Também é garantido o Direito à restauração da natureza, independente de


indenização as pessoas ou coletividades (art. 72), de forma que o Estado aplicará as
medidas de precaução e restrição para as atividades que possam conduzir à destruição
dos ecossistemas e à alteração dos ciclos naturais, inclusive com a proibição de
introdução de organismos e material orgânico que possam alterar de maneira definitiva
o patrimônio genético nacional (art. 73) 122.

121
Katherine Walsh entende a Pachamama como “um ser-vivo – com inteligência, sentimentos,
espiritualidade – e os seres humanos são elementos dela”, sendo a Constituição equatoriana precursora
desses direitos em todo o mundo (Walsh, 2009, p. 4/5).
122
Obviamente, a pretensão governamental nem sempre caminha de acordo com a normatividade
constitucional, por exemplo, Rafael Correa, presidente do Equador, declarou: “si la natureza com esta
sequía se opone a la revolución ciudadana, lucharemos y juntos venceremos, tengan la seguridad”
(Acosta, 2011b, p. 332). Inclusive, as tensões sobre os direitos da natureza foram constantes na
Assembleia Nacional Constituinte Equatoriana, devido ao rompimento com o Direito tradicional que
estava em curso naquela assembleia. Alberto Acosta, que presidiu a Assembleia Constituinte entre
outubro de 2007 e julho de 2008, relata: “A discussão no interior da Assembleia Constituinte em
Montecristi foi complexa. Vários participantes, inclusive do bloco da situação, o majoritário, assim como
membros de alto nível do próprio governo, não quiseram aceitar os Direitos da Natureza e a acusaram
inclusive de uma "estupidez". Fora da Assembleia, os Direitos da Natureza foram vistos como uma
"confusão conceitual" pelos conservadores do direito, essencialmente incapazes de entender as mudanças
em andamento. Para eles, é difícil compreender que o mundo está em movimento permanente” (Acosta,
2011, p. 4)
118

A Constituição da Bolívia, logo no seu preâmbulo, também reconhece


que com a força da Pachamama busca-se refundar a Bolívia. Mais adiante, declara que
as pessoas têm direito a um meio ambiente saudável, equilibrado e protegido, de forma
a permitir que os indivíduos e as coletividades da atual e das futuras gerações, bem
como todos os seres vivos, desenvolvam-se de maneira normal e permanente (art. 33).
Assim, qualquer pessoa ou coletividade tem a faculdade de exercer as ações judiciais na
defesa do meio ambiente, sem prejuízo da necessidade de atuação estatal diante das
violações contra o meio ambiente (art. 34).

Neste mesmo contexto, há a criação, no capítulo terceiro, da jurisdição


agroambiental, que tem o Tribunal Agroambiental como seu órgão máximo e como
principais atribuições: resolver questões relacionadas à defesa e ao aproveitamento dos
recursos naturais renováveis, hídricos, florestais e da biodiversidade, ou que atentem
contra a fauna, flora, meio ambiente e que ponha em risco o sistema ecológico (art.
189). Ademais, as relações e os tratados internacionais devem ser regidos pelos
princípios da harmonia com a natureza, defesa da biodiversidade e da proibição da
exploração e apropriação privada de plantas, microorganismo e qualquer matéria viva
(art. 225.7).

Segundo Walsh e Gudynas, em relação à Pachamama, a Constituição


Boliviana ainda conservou a tutela do homem sobre a natureza, e reproduziu a lógica de
proteção da natureza para servir ao ser humano, não assumindo o mesmo
distanciamento da concepção eurocêntrica que a Constituição Equatoriana
protagonizou. Dessa forma, a Carta boliviana não concede direitos próprios à natureza,
enquanto a Equatoriana assim o faz123 (Walsh, 2009, p. 4; Gudynas, 2011, p. 87) Em
sentido contrário, porém, Zaffaroni defende que a Constituição boliviana reconhece de
forma tácita a natureza enquanto sujeitos de Direito, ao passo que a equatoriana o faz de
forma expressa (Zaffaroni, 2011, p. 106).

Nesse ponto, coadunamos com a posição defendida por Zaffaroni. Em


uma interpretação sistemática da Constituição, de acordo com os seus princípios
basilares, pode-se compreender que a Constituição boliviana protege os direitos da
natureza. A Constituição é um espaço de disputa discursiva, em que suas normas não
123
Eduardo Gudynas cita como exemplo, na Constituição Boliviana, que a industrialização e
comercialização dos recursos naturais serão prioridades do Estado, o que acaba por dificultar o respeito a
Pachamama (Gudynas, 2011, p. 88).
119

são algo perene ou dado, pelo contrário, são construídos a partir do intérprete e de suas
interações.

Assim, melhor que denunciar o caráter antropocêntrico da Constituição


Boliviana em relação aos direitos da natureza, devemos construir sua interpretação com
base nos princípios reitores da Carta, levando em conta a verdadeira disputa discursiva
que envolve a interpretação constitucional. Não estamos defendendo que se possa dizer
tudo sobre qualquer coisa a partir do texto constitucional, mas que a interpretação
sistemática das cosmovisões internalizadas pela Carta Boliviana permite que a natureza
alce um novo patamar de direitos.

Se a Constituição Política da Bolívia foi bem mais tímida em relação aos


direitos da natureza do que a Constituição do Equador, isso não significa que esta não
tenha resguardado tais direitos, até porque a Pachamama está diretamente entrelaçada ao
Buen Vivir. Para Medici, por exemplo, os direitos da natureza e o princípio da
Pachamama são derivados do Bem-viver e complementam o humanismo
antropocêntrico, apresentando-se como novidade para o constitucionalismo ocidental
moderno (Medici, 2010, p. 19).

Nesse sentido, como consequência do comprometimento constitucional


boliviano com a Pachamama e o Sumak Kawsay, a Assembleia Legislativa
Plurinacional Boliviana, aprovou a “Ley marco de la Madre Tierra y Dessarollo Integral
para Vivir Bien”, depois ratificada pelo Presidente Evo Morales, em outubro de 2012124.

Logo no artigo primeiro, a lei prega o desenvolvimento em harmonia


com o Bem-viver e a Pachamama, recuperando os conhecimentos ancestrais e os
saberes locais dos povos indígenas originários e das comunidades afro, de acordo com a
Constituição Política do Estado. Também, define a complementariedade e
interdependência entre os direitos, defendendo a Mãe Terra como sujeito coletivo de
interesse público, impossibilitando a mercantilização da Pachamama e obrigando a
todos/as a prevenir qualquer tipo de dano contra a natureza. Contudo, nas hipóteses de
eventuais danos, estes devem ser restaurados de forma integral e efetiva (capítulo II).

124
Tal lei complementa e avança em relação outra lei aprovada anteriormente (Ley de derechos de la
Madre Tierra n.071), que tem como objetivo reconhecer os Direitos da Mãe terra, assim como as
obrigações do Estado Plurinacional e da sociedade em respeitar esses Direitos.
120

No artigo 5.1, a Madre Tierra é entendida como um sistema vivente


conformado pela comunidade indivisível de todos os sistemas de vida e dos seres vivos,
interrelacionados, interdependentes e complementares, que dividem um destino comum.
A Mãe Terra é sagrada, a partir das cosmovisões das nações indígenas, povos
originários camponeses, comunidades interculturais e afrobolivianas.

Nos títulos seguintes propõe-se a difusão dos valores da Pachamama e do


Bem-viver como alternativa ao capitalismo, de forma a promover a sustentabilidade e a
desmercantilização das relações entre seres humanos e a natureza. Expõe-se a
necessidade de desenvolver políticas de proteção e conservação da biodiversidade e do
patrimônio genético, o fortalecimento do sistema de áreas protegidas, bem como a
eliminação gradual dos cultivos de organismos geneticamente modificados.

No capítulo sobre proteção administrativa e jurisdicional dos direitos da


Mãe-Terra, a Pachamama deve ser protegida na jurisdição ordinária, agroambiental e na
jurisdição indígena originária camponesa, de acordo com a Constituição Política do
Estado, reconhecendo amplos mecanismos judiciais de proteção da natureza125.

Dessa forma, a própria lei reconhece que a Pachamama é sujeito de


Direitos no ordenamento jurídico Boliviano126. Assim, partindo do pressuposto que as
duas Constituições reconhecem a natureza como sujeito de Direitos, iremos desenvolver
o arbaçouço filosófico e jurídico que originaram a positivação da Madre Tierra nessas
Constituições.

O Presidente Evo Morales, em discurso na Assembleia das Nações


Unidas, afirmou que se o século XX foi o século dos Direitos Humanos, o sec. XXI
deve ser dos Direitos da Natureza, da Pachamama e de todos os seres vivos (Boff, 2012,
p. 3).

125
Dessa forma, o Conselho Plurinacional para o Bem-viver, em harmonia e equilíbrio com a natureza,
formado pelo Presidente da República, representantes da assembleia plurinacional e diversos
representantes do Estado e dos movimentos sociais, elaborará planos para o acompanhamento e
cumprimento desta lei.
126
Ressaltamos os aspectos positivos da lei em relação aos direitos da natureza, tendo em vista que o
nosso principal ponto versa sobre a importância de a própria lei reconhecer que a Constituição Boliviana
efetivamente garante a Madre Tierra como sujeito de direitos. Todavia, há críticas substancias em relação
à referida lei. Bartolomé Clavero defende a inconstitucionalidade da lei perante a Constituição Política
Boliviana, pois, segundo o autor, trata-se de verdadeira violação à autodeterminação indígena e à
Pachamama (Clavero, 2012b). No mesmo sentido, organizações indígenas se retiraram das discussões do
projeto de lei porque a referida lei não materializa a cosmovisão indígena e os direitos da natureza.
121

Os direitos humanos centram suas perspectivas nas pessoas, para as quais


a natureza, normalmente, é resumida a um ambiente saudável, encaixada na terceira
geração dos direitos fundamentais, tendo em vista a clássica formulação geracional
(Acosta, 2011b, p. 349). É distanciando-se dessa formação antropocêntrica que desponta
a Pachamama como os direitos com valores inerentes ou intrínsecos a natureza 127
(Gudinas, 2011b. p. 246).

Dessa forma, não se impõe à natureza um valor instrumental – pois a


Pachamama não tem como objetivo servir ao homem. Há, nesse cenário, portanto, uma
assimetria evidente entre a proposta da natureza como sujeito de direitos – tendo em
vista que o homem é integrante da Pachamama - e a teoria antropocêntrica moderna
(re)produzida historicamente pelo constitucionalismo clássico128.

Isso impacta diretamente a visão piramidal-hierarquica desenvolvida pela


teoria clássica do Direito Constitucional, e trasnforma a Constituição em um núcleo
coordenador dos diversos saberes e práticas jurídicas e culturais (Medici, 2010, p. 21).
O próprio Constitucionalismo social, que avançou em muitos pontos em relação ao
Constitucionalismo liberal, retomando a relação indivíduo-sociedade, ainda bloqueia a
relação com a natureza e a trata como um objeto de apropriação. O Novo
Constitucionalismo retoma, por meio da consagração dos direitos da natureza - Sumak
Kawsay e Pachamama - o ciclo natureza-individuo-sociedade (Médici, 2011, p.
102/112).

É por isso que o surgimento de novos sujeitos de Direitos causa


verdadeiro estranhamento naqueles que estão acostumados com o que está posto e não
buscam questionar ou repensar o arcabouço jurídico tradicional.

Houve um tempo que em que o homem era proprietário da mulher, assim


como homens tinham escravos como propriedade. Da mesma forma que existiu
relutância na conquista de direitos por “selvagens”, escravos, mulheres, pessoas de

127
Como reflexo dos estudos da Pachamama na arquitetura institucional desses países, Gudynas faz uma
intervenção interessante sobre a diferenciação entre a justiça ambiental e a justiça ecológica. Para o autor,
a justiça ambiental visa atender as necessidades humanas e, a partir dos direitos humanos, têm-se os
procedimentos de reparação (p.ex: indenização financeira), enquanto a justiça ecológica parte dos direitos
da natureza e tem como principal propósito a restauração dos ecossistemas violados, e não as pretensões
humanas (Gudynas, 2011b, p. 273/274).
128
Remetemos o leitor ao ponto sobre Neoconstitucionalismo e Novo Constitucionalismo, em que
trabalhamos a perspectiva da dignidade da pessoa humana, proposto pelo movimento Neoconstitucional,
e a Pachamama, fruto do Novo Constitucionalismo Pluralista.
122

diferentes orientações sexuais, também o há quando a natureza torna-se sujeito de


direitos (Zaffaroni, 2011, p. 126; Clavero e Mamani, 2011, p. 10/11; Acosta, 2011b, p.
342). É evidente, portanto, que reconhecer direitos à natureza desafia a própria
dogmática constitucional tradicional, pois o meio ambiente, de um instrumento para os
desejos humanos, passa a ser ressignificado para um local em que atua em sinergia com
os desejos humanos, sem relação de subordinação ou tutela, fruto principalmente da
cosmovisão indígena que norteou essas Constituições.

Mas, claro, não foi apenas a cosmovisão indígena que levantou a


importância da Mãe Terra e da relação de complementariedade da relação harmoniosa
entre o ser humano e a natureza, até porque, a positivação dos Direitos da Pachamama
não deixa de ser uma fusão entre o universo cientifico europeu e a cosmovisão indígena,
tendo em vista que a “aquisição de Direitos” à Mãe-Terra, a partir do projeto
constitucional, é um hibrido jurídico-político que não existe na cosmovisão indígena
(Sousa Santos, 2010b, p. 32).

Aldo Leopold, em 1949, propôs a ética da terra129 – que transformava o


homem conquistador em parceiro da terra. James Lovelock, por sua vez, programou a
hipótese de Gaia, que compreende a terra como um grande organismo vivo, em que
todas as partes estão relacionadas e contribuem para sua regulação, proposta esta muito
parecida com a de Arne Naess e sua ecologia profunda130 (Clavero e Mamani, 2012, p.
10; Acosta, 2011b, p. 345). Gaia, oriunda das elaborações científicas, é a Pachamama –
só que esta chega como contribuição da cosmovisão indígena, ou seja: “Gaia llega de
Europa y la Pachamama es nuestra” (Zaffaroni, 2011, p 108/136).

Portanto, essas diferentes concepções tem um ponto em comum:


Pachamama é uma nova forma de se relacionar com a natureza e o ser humano se
131
reconhece enquanto parte dela, e não o contrário . Nesse sentido “el

129
Sustentava uma base ética comum a todos os seres da terra, com interdependência entre os humanos,
solo, planta, animais (Zaffaroni, 2011, p. 69)
130
Em geral, porém, esses são discursos oriundos de países centrais, em contrates com certa ausência de
debates nos países periféricos – ainda que esses países sejam os mais ameaçados pelo avanço da
degradação ambiental (Zaffaroni, 2011, p. 93).
131
Nesse aspecto, a poesia de Eduardo Galeano traduz perfeitamente o significado da Pachamama “O
importante é que nós, as pessoas, sejamos livres. E plenamente conscientes de que somos parte da
natureza. Esse foi o mandamento que Deus esqueceu: Serás parte da natureza. Obedecerás à natureza de
que fazes parte. Deus se esqueceu porque estava ocupadíssimo… Mas está em tempo de recuperar isso”.
Trata-se de um Depoimento de Eduardo Galeano na praça Catalunya, 24/05/11, em apoio aos jovens
123

constitucionalismo andino dio gran salto del ambientalismo a la ecologia profunda, es


decir, a um verdadero ecologismo constitucional” (Zaffaroni, 2011, p.106). A
positivação dos Direitos da Pachamama é o reconhecimento do meio ambiente como
sujeito de Direitos - em que se assume o conhecimento e a cosmovisão indígena. Não se
trata apenas de um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, como afirma a
Constituição brasileira, mas vai muito além.

Na verdade, a Pachamama é o deslocamento do antropocentrismo


moderno para o Biocentrismo – onde a vida (humana ou não) tem valor em si mesmo –
e, consequentemente, o meio ambiente não tem apenas valor de mercado. Não há
hierarquia entre as diferentes formas de vida, mas todos são naturalmente iguais
(Gudynas, 2011, p. 89; 2011b, p. 270). Mas esses direitos, é bom ressaltar, não
defendem a intocabilidade da natureza e centra-se na atuação coletiva e na manutenção
dos sistemas da vida e dos ecossistemas, e não nos indivíduos, de forma que os seres
humanos podem satisfazer suas necessidades vitais sem, necessariamente, desconsiderar
os direitos da natureza – como o uso da pesca, pecuária ou agricultura (Acosta, 2011, p.
7; Gudynas, 2011b, p. 261/270).

Sobre as implicações práticas da positivação dos Direitos da Pachamama,


desatacamos algumas consequências evidenciadas por Zaffaroni: i) qualquer pessoa é
legitimada na defesa dos direitos da natureza; ii) que a fará na legítima defesa de
terceiros, tendo em vista que a natureza será vista como um terceiro agredido, iii) no
âmbito do direito civil, o direito à propriedade será limitada toda vez que a conduta do
proprietário prejudique o meio ambiente, assim como a propriedade intelectual deverá
ser repensada. De toda forma, é preciso reconhecer que “nuestra imaginación es pobre,
porque nos movemos aún dentro del paradigma que niega derechos a todo ló no
humanos” (Zaffaroni, 2011, p. 133/136).

Certamente, a natureza como sujeito de direitos ainda deverá inaugurar


novas tendências e possibilidades de construção, inclusive criando forte impacto no
marco jurisprudencial desses países. Por enquanto, os avanços normativos e o
simbolismo dessa nova perspectiva para o Direito já consiste em uma superação do
antropocentrismo presente no debate Constitucional.

indignados espanhóis, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=mdY64TdriJk. Para a versão


transcrita, ver http://quemtemmedodademocracia.com/2011/06/19/eduardo-galeano-essencial/.
124

Não podemos esquecer, por fim, que o debate sobre a Pachamama está
diretamente entrelaçado com a necessidade de manter vivo o respeito à territorialidade e
a cosmovisão indígena. Pachamama, Sumak Kawsay e direitos indígenas caminham
juntos na reafirmação de um novo paradigma societário.

3.3. Refundação do estado e desenho institucional

En tiempos inmemoriales se erigieron montañas, se desplazaron ríos, se


formaron lagos. Nuestra amazonia, nuestro chaco, nuestro altiplano y
nuestros llanos y valles se cubrieron de verdores y flores. Poblamos esta
sagrada Madre Tierra con rostros diferentes, y comprendimos desde entonces
la pluralidad vigente de todas las cosas y nuestra diversidad como seres y
culturas. Así conformamos nuestros pueblos, y jamás comprendimos el
racismo hasta que lo sufrimos desde los funestos tiempos de la colonia.

El pueblo boliviano, de composición plural, desde la profundidad de la


historia, inspirado en las luchas del pasado, en la sublevación indígena
anticolonial, en la independencia, en las luchas populares de liberación, en las
marchas indígenas, sociales y sindicales, en las guerras del agua y de octubre,
en las luchas por la tierra y territorio, y con la memoria de nuestros mártires,
construimos un nuevo Estado.

Un Estado basado en el respeto e igualdad entre todos, con principios de


soberanía, dignidad, complementariedad, solidaridad, armonía y equidad en
la distribución y redistribución del producto social, donde predomine la
búsqueda del vivir bien; con respeto a la pluralidad económica, social,
jurídica, política y cultural de los habitantes de esta tierra; en convivencia
colectiva con acceso al agua, trabajo, educación, salud y vivienda para todos.

Dejamos en el pasado el Estado colonial, republicano y neoliberal.


Asumimos el reto histórico de construir colectivamente el Estado Unitario
Social de Derecho Plurinacional Comunitario, que integra y articula los
propósitos de avanzar hacia una Bolivia democrática, productiva, portadora e
inspiradora de la paz, comprometida con el desarrollo integral y con la libre
determinación de los pueblos (...)132

O Estado é uma complexa teia de atuação política, por vezes,


contraditório, no qual diversas lutas são travadas. Desde o fim do Constitucionalismo
liberal, em que a homogeneidade dos parlamentos e das assembleias constituintes foi
superada, o Estado se tornou um campo de tensões permanentes, pois abrigou novos

132
Preâmbulo da Constituição Boliviana.
125

setores que antes estavam excluídos do processo jurídico/político (Bercovici, 2008, p.


290; Sousa Santos, 2010d, p. 195).

Do agronegócio ao modelo ambiental proposto pelo Sumak Kawsay e


pela Pachamama; da privatização da água e dos bens naturais ao controle popular desses
recursos; do neoliberalismo ao intervencionismo do socialismo do Bem-Viver, o Estado
é um espaço em disputa, em que as diversas forças sociais pleiteiam diferentes projetos
de poder e sociedade, ou seja, um espaço de luta, de descobertas e tensionamentos
sociais.

São relações não lineares em que, constantemente, as forças populares


tendem a serem invisibilizadas em prol de projetos ligados ao capital econômico e a
formas produtivas voltadas para a desconsideração da natureza enquanto sujeito de
Direitos, de maneira que a busca por uma nova democracia – material e não meramente
formal – depende da correlação de forças políticas, que é essencial para o cumprimento
do projeto constitucional desenhado para Bolivia e Equador. São projetos que estão
diretamente relacionados à descolonização do Estado.

Contudo, porque o debate sobre colonialidade – “el lado oscuro de la


modernidad”, segundo Mignolo (2008, p. 50) -, é importante para definição do desenho
institucional desses países ? Porque, como lembra o intelectual boliviano Fernando
Garcés V, com base nos debates dos camponeses e dos indígenas para a refundação do
Estado: o Estado Plurinacional é o espaço da descolonização, de forma que133:

Não é uma formula alcançada, mas sim um campo de disputa (não apenas
discursiva, mas de práticas sociais, políticas e estatais) onde se tecem formas
criativas de reestruturação e construção identitárias e de classe. Como
programa político, o importante não é que o Estado se chame plurinacional (o
risco é que se chame plurinacional, porém, criando em formas mais refinadas
de controle sociais a partir do Estado); o importante é que ele contribua à
consolidação de formas plurais de autogoverno que desestruturem a matriz
liberal do sistema político novas formas civilizacionais que desbanquem
permanentemente o Estado liberal, monocultural e uninacional; que obriguem
permanentemente o Estado a se desconstruir (Garcés V, 2009, p. 175).

133
A descolonização, segundo o constitucionalista indígena Chivi Vargas: “não é uma receita de um
intelectual brilhante, mas sim a síntese da resistência política dos povos indígenas, convertida em
estratégia de mobilização e questionamento do conhecimento dominante, com suas práticas sociais e
culturais” (Chivi Vargas, 2009, p. 161). Para Walter Mignolo, a democracia não pode ser entendida sem
levar em conta a “diferença colonial”, tendo o racismo um papel fundamental em uma concepção não
manipulada de democracia. Racismo que não se resume ao elemento religioso ou a cor da pele, mas a
desconsideração epistemológica – neutralizando o valor do conhecimento e da língua – e a
desconsideração ontológica – desconsideração da humanidade dos indivíduos racializados (Mignoli,
2008, 43/45).
126

É por isso que o jurista argentino Alejandro Medici encontra nas


Constituições da Bolívia e do Equador o verdadeiro propósito de realizar o “giro
decolonial” para combater o Estado monocultural e eurocêntrico, pois o colonialismo
vai muito além das formas econômicos e políticas, encontrando respaldo no domínio
epistêmico e cultural134 (Medici, 2010, p. 7).

Essas Constituições pretendem superar a preocupação de Boaventura de


que produzimos ideias revolucionárias em estruturas reacionárias (Sousa Santos, 2010d,
p. 197). Sendo assim, a colonialidade – além da dominação territorial e de corações e de
mentes - está disposta na própria formação estrutural do Estado, sendo a
Plurinacionalidade a tentativa de romper essa construção.

Já afirmamos, nesse trabalho, que não se trata de o Estado proteger o


índio (concepção integracionista), mas o próprio Estado necessita ser pensando a partir
(também) da cosmovisão indígena, o que gera sérias repercussões em sua na
formatação. Pensar o Estado com e para os indígenas é o grande desafio para a
plurinacionalidade, tendo em vista a necessidade de criação de novas estruturas que
acompanhem as ideias revolucionárias do Sumak Kawsay e a Pachamama.

O Estado plurinacional, portanto, implica não apenas no reconhecimento


dos direitos indígenas, mas que esses povos são sujeitos constituintes e definem a nova
formatação do Estado, o qual reconhece a existência de várias nacionalidades ou povos,
dirigindo-se ao desmonte do colonialismo (Macas, 2010, p. 16; Fajardo, 2011, p. 149)
Como nos lembra Quijano, a população vítima de um Estado excludente não luta,
necessariamente, por mais Estado, mas, sobretudo, por outro Estado (Quijano, 2006, p.
21), o que foi refletida nas Constituições da Bolívia e do Equador.

134
Segundo o autor: “Un Estado monocultural y monoorganizativo articulado de forma periférica al
sistema mundial, que se construyó sobre la base de la negecion del pluralismo social e cultural de las
formaciones andinas boliviana e ecuatoriana, y que sufrió um déficit crônico de legitimación social
debido a su incongruência com la constitución primigenia de su base social” (Medici, 2010, p. 7). No
mesmo sentido, Mirian Lang explica: “Hablan de la necessidad de descolonizar y deconstruir, incluso de
diluir el Estado, el cual, siendo um instrumento hostil, profundamente cargado tanto de colonialidad como
de neoliberalismo, no puede ser el instrumento mediante eu cual se construye uma sociedad pluranacional
y justa” (Lang, 2010, p. 19).
127

De fato, podemos considerar as cosmovisões antes analisadas como


verdadeiros pressupostos filosóficos das Constituições do Equador e da Bolívia. E,
como afirma Gargarella, esses pressupostos devem refletir a disposição de institutos
estatais (Gargarella, 2009, p. 3). Portanto, para uma nova cultura constitucional, com
novos e originais pressupostos filosóficos, deve-se ter uma nova engenharia
institucional. Os mecanismos estatais monoculturais já não dão conta da diversidade
epistêmica e estrutural das Constituições do Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-
Americano, tendo em vista que durante muito tempo “a igualdad jurídica formal
invisibilizó las desigualdades fácticas de dicho orden: de clase, etnia, gênero y culturas”
(Medici, 2011, p. 101).

É bem verdade que essas Constituições produziram largas e criativas


listas de Direitos, mas não basta reconhecê-los, é preciso intensificar a democracia
através da Constituição e produzir formas mais eficazes de concretiza-los. Por isso, a
preocupação em concentrar energias na seção de direitos deve ser acompanhada da
necessidade de revisitar a seção constitucional responsável pela organização dos
poderes, ou seja, de adentrar na “sala de máquinas” das Constituições135 (Gargarella,
2011, p. 289/302).

Dessa forma, não adianta um amplo espaço de direitos fundamentais, se


não há os meios de garantí-los (obviamente, numa concepção democrática, para muito
além dos mecanismos judiciais). Portanto, além de anunciar direitos, as Constituições
devem dispor de instituições sofisticadas para a sua implementação.

Nesse aspecto, nos interessa propriamente o desenvolvimento da


autonomia indígena no Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano, mais
especificamente a questão da jurisdição indígena.

Sem dúvidas, como já ressaltado, o debate sobre a autonomia indígena


está diretamente relacionado à uma interpretação descolonizadora do Direito que desafia
o formalismo e o centralismo da teoria clássica constitucional, pois “la existencia de
Estados pluranacionales presupone que dentro del mismo Estado coexistam distintas
formas de entender el derechos” (Sieder, 2011, p. 315).

135
Inclusive, a própria noção de Bem-viver articula a parte dogmática e a parte orgânica da Constituição –
pois o fortalecimento da participação cidadã, por meio da reestruturação do Estado, é condição para o
Bem-viver (Larrea, 2010, p. 21).
128

Portanto, é importante ressaltar, portanto, em termos de autonomia e


justiça indígena, que a as mesmas não podem ser analisadas somente pelo prisma
jurídico, pois são verdadeiros obstáculos ao desenvolvimento econômico e ao
neoextrativismo (Sousa Santos, 2012b, p. 31), tornando-se obstáculo à própria lógica
capitalista e ao livre comércio dos bens naturais nos países que compõem o Novo
Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano que, nas palavras de Llasag Férnandez,
“não é um problema jurídico de reconhecimento constitucional, e sim político e
econômico, decorrente da falta de compreensão do Estado Plurinacional que combate o
neocolonialismo e a exploração dos recursos naturais” 136 (Férnandez, 2012, p. 232).

Nesse sentido, a autonomia indígena pode ser entendida da seguinte


forma: i) autonomia política e administrativa, no reconhecimento de que as autoridades
tradicionais com competência e legitimidade para resolver os problemas internos da
comunidade; ii) autonomia financeira, para receber recursos do estado e aplicá-los de
acordo com as suas necessidades, usos e costumes 137 ; iii) autonomia jurídica, que
implica no reconhecimento do pluralismo jurídico e da jurisdição autônoma indígena
(Pinto, 2009, p. 254), de maneira que:

O regime de autonomia implica, assim, em inovações políticas tanto no seio


dos povos indígenas quanto na estrutura do Estado. Por isso, a autonomia é
mais que o simples reconhecimento daquilo que já existe, ou daquilo que os
povos indígenas praticam. Ela implica em novos direitos, bem como em
modificações na organização político-territorial do Estado, para que os Povos
indígenas sejam parte de uma redistribuição de poderes e recursos que lhes
permita a livre condução dos seus modos de vida, enquanto se amplia sua
participação política na sociedade nacional (Sanchez, 2009, p. 70).

136
Nesse aspecto, também é importante ressaltar que o pleito indígena – em geral - não envolve nenhum
tipo de separatismo do Estado, apenas a convivência harmônica dentro do âmbito estatal, por meio de
autonomia e livre determinação (Sanchez, 2009, p. 66). As minorias nacionais de alguns países como o
Canadá, Bélgica e Espanha, lutam pelo reconhecimento da igualdade, mas, diferentemente dos povos
indígenas, estão integrados à economia capitalista, o que não se torna óbice ao reconhecimento da
diversidade étnica, pois não confrontam a tradição liberal. Segundo a autora, em relação aos indígenas:
“as relações de domínio são estruturais: a formação social capitalista do país e os valores e instituições
liberais impedem a autorrealização das formas sociais indígenas” (Sanchez, 2009, p. 81/83).
137
Usos e costumes, na advertência de Juan Pinto, devem ser entendidos como o sistema normativo dos
povos indígenas. Não há uma relação de subordinação entre o “Direito” e “usos e costumes” (2009, p.
282). Segundo Diego Álvarez, as Leyes de Indias, de 1542, já destacavam na América espanhola que os
conflitos indígenas fossem resolvidos por suas próprias leis, desde que não fossem injustas (Álvarez,
2009, p. 224). É necessário salientar também que o termo “administração da justiça indígena” é
concebido para fins acadêmicos, já que para os povos ancestrais não significa uma instituição estruturada
com agentes especializados, mas parte da própria comunidade (Férnandez, 2012, p. 232).
129

É claro que não existe apenas um sistema de justiça indígena, mas


sistema(s) de justiça(s) indígena(s) tendo em vista que não há, necessariamente,
uniformidade ou homogeneidade em seus procedimentos e sanções – sempre de acordo
com tradições e costumes específicos. Seria um erro “moderno” entender que as
diferentes comunidades indígenas dispõem de apenas um modelo de justiça indígena.

Já vimos que a Constituição Colombiana de 1991 foi a precursora da


justiça indígena na América Latina, mas com dispositivo constitucional que limita a
autodeterminação indígena à questão territorial, à lei e à própria Constituição. É bem
verdade que a Corte Constitucional Colombiana ofereceu uma interpretação
intercultural ao referido dispositivo, mas a Carta Colombiana – bem como aquelas
constituições do segundo ciclo proposto por Raquel Fajardo – ainda padecem de
instituições formadas monoculturalmente. É esse o diferencial das Constituições
Equatoriana e Boliviana, em maior medida.

A Constituição Boliviana garante que as instituições indígenas sejam


parte da estrutura geral do Estado (art. 30.5) e o exercício pelos povos indígenas de seu
sistema político, jurídico e econômico de acordo com sua cosmovisão (art. 30.14).

No capítulo quatro, específico sobre a jurisdição indígena ordinária


campesina, existe a previsão de que as nações e povos indígenas exercerão suas funções
jurisdicionais através de suas autoridades, aplicando seus princípios, valores culturais,
normas e procedimentos próprios aos membros dos povos indígenas dentro de sua
jurisdição. Dessa forma, foi atribuída a lei regulamentar o procedimento de
compatibilização entre as diferentes justiças, que têm o papel de determinar os
mecanismos de coordenação e cooperação entre a justiça indígena originária, a
jurisdição ordinária, a jurisdição agroambiental e todas as jurisdições reconhecidas
constitucionalmente. Todo cidadão ou autoridade pública acatará as decisões da
jurisdição originária campesina que, inclusive, pode solicitar apoio do Estado para o
cumprimento de suas decisões138 (art. 190/192).

A Constituição Boliviana também reconhece que a jurisdição autônoma


indígena deve respeitar o direito à vida, o direito de defesa e demais direitos e garantias

138
De toda forma, Fajardo ainda considera um retrocesso colonial a limitação da jurisdição autônoma
indígena à limitação territorial, temporal e pessoal imposta na Constituição Boliviana e Equatoriana - nos
dois últimos casos (Fajardo, 2011, p. 153).
130

estabelecidos na Constituição (art. 190. II). A Constituição Equatoriana entende que as


normas e procedimentos de soluções para os conflitos internos dos povos indígenas
serão respeitadas pelo Estado e pelas autoridades públicas, desde que não sejam
contrários a Constituição e aos tratados internacionais de Direitos Humanos, pois estão
sujeitos ao controle de constitucionalidade139 (art. 171).

Nesse aspecto, cumpre revisitar a crítica de Wilhelmi, para quem, as


“Cláusulas de Freio” têm o objetivo de impor limites aos direitos indígenas. Seriam
exemplos das limitações da justiça indígena o uso retórico das expressões “direitos
humanos”, “à constituição e às leis”, “os direitos e liberdades reconhecidos na
constituição” que, segundo o autor:

assume a função homogeneizadora que anteriormente era cumprida pelas


ideias de desenvolvimento e cultura nacional. Poderia ser dito, inclusive, que
o fenômeno atual tem paralelos com os termos nos quais as manifestações
culturais indígenas eram reconhecidas na época colonial: como manifestações
condicionadas às leis monárquicas e à moral cristã, isto é, às regras e
princípios em cuja concepção não participavam os povos indígenas
(Wilhelmi, 2009, p. 141/142)

É claro que essas cláusulas podem ter uma função predatória em relação
aos direitos indígenas, como já ressaltamos no caso Colombiano. Todavia, também se
abre a possibilidade de diálogo e aprendizagem entre a cosmovisão indígena e os
direitos clássicos consagrados constitucionalmente e nos tratados internacionais de
direitos humanos, pois há mecanismos institucionais para possibilitar que os próprios
indígenas participem da última palavra em termos de intrepretação Constitucional.

Nesse sentido, o tema da justiça autônoma indígena na Bolívia está


diretamente relacionado ao Tribunal Constitucional Plurinacional, tendo em vista que
este é o órgão responsável por proferir a última palavra em termos de interpretação

139
A Constituição Equatoriana reconhece e garante às comunidades indígenas, de acordo com a
Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos, o direito coletivo a criar, desenvolver e
praticar seus direitos próprios (ou consuetudinário), desde que não afrontem direitos constitucionais, em
particular das mulheres, crianças e adolescentes (art. 57.10). No capítulo sobre função judicial e justiça
indígena, também destaca-se que as autoridades das comunidades indígenas exercerão funções
jurisdicionais, com base no seu direito próprio, dentro de seu território, com garantia da participação
feminina. (art. 171).
131

constitucional e, eventualmente, decidir sobre os conflitos entre a jurisdição ordinária e


a jurisdição indígena140.

Nesse ponto, sem dúvidas, a Constituição Boliviana cria um novo


paradigma em termos de democratização da jurisdição constitucional, por dois motivos:
i) seus membros são eleitos diretamente pelo povo, mediante sufrágio universal,
podendo ser indicados por organizações da sociedade civil e dos povos e nações
indígenas, tendo os candidatos que cumprir as seguintes condições: ter os requisitos
gerais de acesso ao serviço público, ter no mínimo 35 anos e ter experiência na área de
Direito Constitucional, Administrativo e Direitos Humanos, por pelo menos oito anos
(art. 198/199); ii) representantes são escolhidos pelo critério da plurinacionalidade, com
representantes tanto do sistema ordinário quanto do sistema indígena originário
camponês141 (art. 197/197.I).

Nesse aspecto, no caso Boliviano, pensamos constituir um rompimento


com o já citado “pluralismo jurídico subordinado colonial” ou “pluralismo jurídico
unitário” citado por Fajardo 142 (Fajardo, 2011, p. 147/148) e, consequentemente, a
concretização de um real pluralismo jurídico igualitário, entre as diversas jurisdições
que compõem a Justiça Boliviana143.

140
Todavia, o art. 4.3 da lei Ley del Tribunal Constitucional Plurinacional, no artigo, sobre supremacia
Constitucional estabelece que “El Tribunal Constitucional Plurinacional en su labor de guardián de
la Constitución Política del Estado es el intérprete supremo de la Ley Fundamental sin perjuicio de la
facultad interpretativa que tiene la Asamblea Legislativa Plurinacional como órgano depositario de la
soberanía popular.” Segundo Clavero, essa lei pode se submeter ao crivo de constitucionalidade, tendo em
vista que é o Tribunal Constitucional que deve oferecer a última resposta em termos de interpretação
Constitucional (Clavero, 2012b, p 8). Essa questão pode ser remetida ao ponto 2.1 do nosso trabalho que
discutiu as tensões entre jurisdição Constitucional e Democracia, sob o marco do Neoconstitucionalismo.
Do nosso ponto de vista, para um constitucionalismo participativo e democrático, tal qual se propõe o
Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano. O diálogo entre o Tribunal Plurinacional e a
Assembleia Plurinacional sobre a última palavra em termos de interpretação constitucional é saudável
para a democracia, principalmente em um país onde as verdadeiras transformações institucionais se
deram no plano legislativo e executivo, e não no judiciário (como no caso da Colômbia, por exemplo).
141
Será levado em conta o exercício da autoridade indígena originária. A Ley del Tribunal Constitucional
Plurinacional estabelece que o Tribunal Plurinacional é composto por sete magistrados/as e, ao menos,
dois deles devem ser oriundos do sistema indígena originário, por meio do sistema de auto-identificação
(art. 13).
142
André Hoekema utiliza a expressão “pluralismo jurídico unitário” para descrever esse mesmo
fenômeno: a subordinação dos sistemas indígenas ao Estado e ao Direito “oficial” (Hoekema apud
Botero, 2005, p. 233).
143
E não é só a Jurisdição Constitucional que é democratizada de forma plurinacional. A Constituição
garante a participação proporcional das nações e povos indígenas (art. 147, II), bem como a participação
das circunscrições indígenas na Assembleia Nacional Plurinacional (art. 146, VII). Em outro contexto,
Sanchez alerta que, em estados onde a luta política não avança para a plurinacionalidade, a representação
132

Já na Constituição de Montecristi, a Corte Equatoriana é composta por


nove membros que devem ser escolhidos por uma comissão formada por representantes
do poder executivo, legislativo e de transparência social, através de um processo de
concurso público, com mandato de nove anos. Os requisitos são os seguintes: ser
equatoriana/o; ter exercido a profissão de advogado ou de professor por no mínimo 10
anos; demonstrar probidade e ética; não ter pertencido a partido político ou movimento
político nos últimos dez anos (art. 432/433).

No caso Equatoriano, entretanto, não houve maiores avanços em termos


de uma composição intercultural da sua Corte Constitucional. É por isso que Katharine
Walsh entende que a Constituição do Equador, em relação à justiça indígena, ainda
pode configurar um pluralismo jurídico “subordinado”, em regime especial inferior, ao
contrário da Constituição Boliviana que obteve mais avanços nesse sentido por meio de
seu Tribunal Constitucional Plurinacional (Walsh, 2009, p. 6).

Porém, há um recorte de gênero específico digno de nota nesta


Constituição Equatoriana: o artigo 434 da Constituição determina que a composição da
Corte deve buscar paridade entre homens e mulheres. Em um contexto de machismo e
patriarcalismo, não podemos deixar de saudar uma norma que visa à igualdade material
entre homens e mulheres na composição da Corte Constitucional144.

Outro tema, extremamente sensível à autodeterminação indígena, é a


questão das consultas prévias às comunidades indígenas. As Constituições do Novo
Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano positivaram a necessidade de consulta
prévia aos povos indígena em caso de qualquer intervenção em seus territórios145.

indígena nesses espaços pode servir para legitimar o sistema de dominação e desvirtuar a luta indígena
em prol de sua autonomia (Sanchez 2009, p. 76).
144
É notável o combate ao machismo e os esforços na demarcação de espaços femininos na Constituição
Equatoriana, como na imposição Constitucional da representação paritária entre homens e mulheres nos
partidos e movimentos políticos, nos órgãos do Estado, além da participação feminina na administração
da justiça indígena (art. 65).
145
No plano internacional, a Convenção 169 da OIT também reconhece que: “1. Ao aplicar as disposições
da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos
apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas
medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;(...) 2. As consultas realizadas
na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às
circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas
propostas”, entre outras disposições que reconhecem a consulta prévia. Aprofundando esse mecanismo, a
Declaração dos Povos Indígenas da ONU de 2008 afirma: “Os Estados consultarão e cooperarão de boa-
fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas instituições representativas, a fim de obter seu
133

Na Constituição Boliviana, como adiantado no tópico sobre TIPNIS, é


assegurado que os povos indígenas sejam consultados mediante procedimentos
apropriados quando houver medidas legislativas e administrativas possíveis de afetá-los.
Garantir-se-á o direito à consulta prévia obrigatória, realizada pelo Estado, de boa-fé e
combinada, em casos de exploração de recursos naturais não renováveis nos territórios
habitados pelos povos indígenas. Também é garantido às autonomias indígenas
originárias campesinas participar, desenvolver e executar os mecanismos de consulta
prévia, livre e informada (art. 30.21).

Na Constituição do Equador também se estabelece a necessidade de


consulta prévia, livre e informada, dentro de um prazo razoável, sobre planos,
programas de prospecção, exploração e comercialização de recursos não renováveis que
se encontrem em terras indígenas, e que possam afetá-las ambiental e culturalmente. A
consulta será obrigatória e oportuna e deve ser realizada pelas autoridades competentes.
Se não houver consentimento da comunidade, deve se proceder de acordo com a
Constituição e com a lei.

Além disso, um dos instrumentos mais criativos e interessantes que


surgiu na Constituição Equatoriana – embora com sérias limitações - entrelaça a relação
entre ser humano e natureza, e determina que toda decisão ou autorização estatal que
possa afetar o meio ambiente deverá se submeter à consulta da comunidade, por meio
do Estado, que será informada oportunamente e amplamente146 (art. 398).

No mesmo sentido da justiça indígena, as consultas prévias abordadas


são obstáculos para o desenvolvimento do capitalismo periférico e para as ingerências
do capital financeiro em áreas indígenas, o que pode se tornar um óbice para a sua
concretização Constitucional, como visto no caso TIPNIS.

consentimento livre, prévio e informado antes de adotar e aplicar medidas legislativas e administrativas
que os afetem”. Segundo Raquel Sieder, o modelo de consentimento, prévio, livre e informado da
Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, substitui a consulta prévia, impondo a possibilidade de veto
a partir das decisões das comunidades indígenas (Sieder, 2011, p. 311). Ou seja, não teria um efeito
meramente simbólico, mas, efetivamente, colocaria a decisão indígena como soberana.
146
O problema é que, mesmo o resultado da consulta sendo majoritariamente desfavorável, a decisão de
executar ou não o projeto pode ser adotada por meio da instância administrativa superior e de acordo com
a lei. Dessa forma, a opinião pública não vincula a atuação estatal, de maneira que a vontade popular
soberana pode ser derrotada por instâncias administrativas, limitando a própria soberania popular e
violando um dos maiores postulados do Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano.
134

De toda forma, é a cosmovisão andina sobre a necessidade de interação


com o meio ambiente e a territorialidade indígena reverberando no sistema jurídico
desses países. E não é apenas uma simples mudança na Constituição, mas na própria
forma do Estado e do Direito se relacionarem com a Pachamama e a filosofia indígena.

Os exemplos acima citados são os principais avanços em termos de


descolonização do Estado e, principalmente, na autodeterminação e autonomia dos
povos indígenas, concretizando os valores do Sumak Kawsay e Pachamama. Vale
destacar que, além desses institutos, há mecanismos de participação popular que
normalmente já compõem o arsenal do constitucionalismo tradicional e, mesmo que não
necessariamente signifiquem uma ruptura ou um desafio à teoria clássica do Direito
Constitucional, certamente, constituem um verdadeiro avanço transformador para
Constituições que estavam acostumadas a afastar a participação popular do processo
democrático.

Nesse sentido, como um mecanismo que efetivamente se imiscui na “sala


de máquinas” dessas Constituições, iremos analisar instrumentos Constitucionais que
implementam a participação popular através do controle do Estado e da economia147.

Inicialmente, (como, alias, já discutimos no ponto 2.3.3 do nosso


trabalho), analisaremos certos instrumentos constitucionais que questionam os poderes
presidenciais.

Por exemplo, seguindo o modelo da Constituição Colombiana e,


posteriormente e com mais intensidade, da Constituição Venezuelana, a Carta do
Equador, no seu art. 105, possibilita a revogatória do mandato mediante a solicitação de,
no mínimo 10% dos eleitores cadastrados no registro eleitoral correspondente para os
cargos eleitorais. No caso presidencial, estipula no mínimo 15%.

Já a Constituição Boliviana, na parte específica relativa à participação


popular e controle social, prevê a revogatória de mandato, remetendo o seu
disciplinamento à lei (art. 240). Interessante notar que as duas Constituições também

147
Para uma análise da participação popular nas reformas Constitucionais no Equador e na Bolívia que,
sem dúvidas, são interessantes instrumentos de intervenção cidadã no futuro da Constituição, remetemos
o leitor para o ponto 1.2 da nossa dissertação, no qual discutimos a participação popular nos processos de
alteração da Constituição, ponto que está diretamente relacionado com o presente tópico. Para uma
excelente análise comparada entre Venezuela, Bolívia e Equador dos institutos de intervenção cidadã no
Estado, observar: Coelho et al , 2010.
135

permitiram a revogação do mandato dos Presidentes da República, demonstrando um


forte apelo democrático e, nesse aspecto, mitigando as críticas de Gargarella citadas no
capítulo anterior148.

Inclusive, a democracia direta no Equador possibilita a criação, a reforma


ou revogação de normas, em qualquer esfera do poder legislativo por, no mínimo,
0,25% das pessoas inscritas na circunscrição eleitoral. O órgão terá 180 dias para
abordar a proposta, e não fazendo, a mesma entrará imediatamente em vigor.

Além disso, a Constituição do Equador tem o interessante mecanismo de


“morte cruzada” para o controle e equilíbrio entre os poderes. No artigo 130, coloca-se a
possibilidade de a Assembleia Nacional destituir o Presidente da República, por dois
terços de seus membros, em casos de grave crise política, de comoção interna, ou de
usurpação de funções constitucionais. Todavia, caso isto ocorra, o Conselho Nacional
Eleitoral deve convocar para uma mesma data eleições para Assembleia Nacional e para
Presidente. Igualmente, o artigo 148 garante que o Presidente pode dissolver a
Assembleia Nacional, pelos mesmos motivos já assinalados, devendo convocar uma
eleição tanto para a Assembleia Nacional quanto para a Presidência da República.

Ainda discorrendo sobre o regime democrático, a Constituição Boliviana


adota três formas de democracia: i) a participativa e direta, que é exercida por meio do
referendo, da iniciativa legislativa, da revocatória do mandato, dos conselhos e das
consultas prévias; ii) democracia representativa, exercida pela eleição de representantes
através do voto direto, secreto e universal; iii) comunitária, por meio de eleições,
nomeação e designação de autoridades e representantes indígenas por normas e
procedimentos próprios das nações e comunidades indígenas (art. 11). No mesmo
sentido, a Constituição Equatoriana garante a participação cidadã protagonista nas
decisões do Estado e no controle popular das suas instituições, exercidos através da
democracia representativa, direta e comunitária (art. 95). São novas formas
revolucionárias de Democracia, que só tendem a enriquecer a democracia representativa
e, naquele último caso, tem o objetivo discutir e deliberar em assembleias dos povos

148
Em relação à Constituição do Equador, Gargarella não deixa de reconhecer que há avanços em alguns
pontos, como o citado mecanismo de “morte cruzada” entre o executivo e legislativo, além do quarto
poder “Transparência e controle social”, mas não poupa criticas: além das fortes características do hiper-
presidencialismo, a prática do chefe do executivo desenvolveu-se no sentido de bloquear a participação
popular e não o contrário (Gargarella, 2011, p. 295/298).
136

indígenas, enquanto as “teorias do Norte” apenas reconhecem as duas primeiras (Sousa


Santos, 2010, p. 151; 2012, p. 115-116).

Essas Constituições inauguram novos mecanismos de participação


popular, incorporando com entusiasmo instituições de democracia direta, semidireta e
comunitária, enquanto são observadas com muita desconfiança pela maioria das Cartas
contemporâneas (López e Mustelier, 2010, p. 101). Dessa forma, as sociedades latino-
americanas parecem ter aceitado as regras do jogo e decidido disputar o poder, mas sem
esquecer o caráter transformador de suas propostas (Viciano e Dalmau, 2005, p. 7).

Nas duas Constituições, a população pode convocar referendo para


aprovar tratados internacionais (420, CE e 259 CB).

Sabemos, a história é indomável. Nada garante que esses desenhos


institucionais sejam devidamente implementados pelos países que compõem o Novo
Constitucionalismo Pluralista Latino Americano. A concretização dessas propostas
constitucionais depende da constante mobilização dos setores que se organizaram e
construíram umas das Constituições mais avançadas em termos de Direitos e arquitetura
institucional que o mundo já viu.

Talvez tenha chegado a hora de tomar as rédeas da história por um


Constitucionalismo mais democrático, intercultural e plurinacional. A Constituição, em
detrimento de abrigar a matriz de um estado excludente e segregador, deve dar voz aos
setores excluídos – que tanto foram invisibilizados na história do Constitucionalismo –
e transformar a engenharia Constitucional desses países, criando instituições que,
efetivamente, dialoguem com a diversidade e pluralidade existente em nosso continente.
137

Considerações finais

O Novo Constitucionalismo Pluralista Latino Americano proporciona


uma nova leitura do Direito Constitucional orientada a partir de três eixos principais: i)
o estabalecimento de uma nova relação entre democracia e Constitucionalismo, com a
intensificação da participação popular; ii) a criação de mecanismos interculturais e
descoloniais, principalmente, a partir da contribuição dos povos indígenas; iii) a
intervenção do Estado e da cidadania na economia, afastando-se do paradigma
eurocêntrico de desenvolvimento, pois visa uma nova relação com o meio ambiente.

Tal movimento se encontra em permanente construção, pois os


mecanismos democráticos se mostram intensos e participativos, com diversos
instrumentos que possibilitam o protagonismo popular. A dificuldade de mudanças e a
retirada de certos temas da pauta política, típicas do Constitucionalismo, são moderadas
diante das diversas possibilidades de reformas constitucionais, inclusive, a ativação das
Assembleias Constituintes através da solicitação popular.

Nesse sentido, Constitucionalismo e Democracia se aproximam, de


maneira que as Cartas desse novo movimento, aliadas à representação popular,
permitem a ocorrência de mudanças de acordo com as realidades e as necessidades
locais.

Identificamos, ainda, no presente trabalho, que essas Cartas inauguram


novas formas de pensar o Constitucionalismo, superando a forma monocultural e
eurocêntrica. O Sumak Kwasay, como representativo de um modelo alternativo de
sociedade, e o rompimento do antropocentrismo moderno através da positivação dos
Direitos da Pachamama, possibilitam uma nova leitura do direito Constitucional.
138

O giro paradigmático desse movimento busca, portanto, além de


questionar as premissas do Constitucionalismo monocultural, propor novas alternativas
para resolução de conflitos, priorizando perspectivas que foram ignoradas ao longo da
história jurídica em nosso continente e redesenhando a engenharia institucional desses
países.

No entanto, essa nova percepção não pode ser vista com as velhas lentes,
de forma que se deve construir um novo Estado e uma nova institucionalidade a partir
das contribuições indígenas. O Tribunal Constitucional Plurinacional Boliviano é um
modelo de pluralismo jurídico igualitário, em que os povos indígenas, efetivamente,
participam da elaboração da palavra final, em termos de interpretação constitucional.
No mesmo sentido, a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, em temas
de seu interesse, reconhecem o direito coletivo dessas comunidades ao seu
desenvolvimento econômico, político, social e espiritual.

A cosmovisão indígena, por sinal, está diretamente entrelaçada com a


com uma nova concepção de economia. Em uma sociedade tão plural e de profundas e
marcantes desigualdades sociais, o movimento começa a questionar o motivo pelo qual
o discurso ligado às forças econômicas era normalmente o discurso vencedor nas
disputas jurídicas e políticas em nosso continente.

Nesse sentido, demonstramos que o Novo Constitucionalismo Pluralista é


uma tentativa de resposta ao neoliberalismo e às concepções jurídicas atreladas ao
capital econômico que, até pouco tempo, tendiam a prevalecer em detrimento de
concepções jurídicas emancipatórias e plurinacionais. Como resultado desse processo,
surgem novas formas de propriedade, que combatem o latifúndio e a concentração de
riquezas, e de democracia, positivadas nas Constituições da Bolívia e do Equador.

É importante ressaltar, todavia, que analisamos, prioritariamente, a


dimensão normativa (e, portanto, ideal) desse Novo Constitucionalismo Pluralista. Não
porque não nos interessa a aplicação dessas Cartas, mas porque o tempo/espaço em que
se processam essas experiências não nos permite uma análise mais aprofundada sobre a
concretização dessas novas lógicas Constitucionais.

Os povos indígenas, no Constitucionalismo Andino, representam os


setores subalternos que historicamente foram excluídos do processo de
139

aplicação/produção do Direito. Simbolizam os quilombolas brasileiros, os negros


africanos, os desempregados espanhóis e gregos, as feministas latinoamericanas, e os
membros das comunidades tradicionais em qualquer parte do mundo.

É por isso que o Novo Constitucionalismo Pluralista tem como missão


precípua orientar um novo modelo de sociedade em que os atores sociais que
historicamente foram marginalizados possam ser protagonistas de seu destino. A
concretização dessas Constituições, em grande medida, também depende que os “atores
constituintes” continuem o processo de lutas e reivindicações sociais.

Por fim, é importante salientar que o nosso objeto de estudo ainda se


mostra em constante transformação e, sendo assim, qualquer garantia sobre o seu
desenvolvimento seria, necessariamente, equivocada. Cada trabalho é fruto de seu
tempo. Em razão disso, não podemos, nos limites desta dissertação, oferecer respostas
que simplesmente ainda não existem.

De toda forma, no processo de elaboração deste trabalho, dentre tantas


dúvidas, apenas uma certeza foi forjada: está emergindo um pensamento jurídico crítico,
que promete questionar o processo de colonização do pensamento constitucional em
nuestra América.
140

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