Você está na página 1de 26

ARTETERAPIA

A arte como forma de expressão humana

A arte é uma atividade humana desde a pré-história. Tommasi (2005)


nos conta que os desenhos e símbolos eram usados para registrar diferentes
maneiras de viver, quando o homem expressava seus medos, rotinas e
crenças. As pinturas encontradas em cavernas da França e da Espanha
mostram que seus habitantes eram caçadores e tinham conhecimento acerca
dos animais e das técnicas de pintura. A arte, então, vem suprir a necessidade
do Homem em expressar o que vê, percebe do seu próprio mundo e ao redor.
A expressão artística, por assim dizer, organiza a experiência humana de
maneira a transformá-la em objeto de conhecimento.
Os artistas sempre usaram da pintura, da fotografia, do desenho, da
escrita, etc. para retratarem seus mundos internos e externos. A arte está a
favor dessa representação que não é meramente uma cópia da realidade,
mas sim como a apreendemos, o que entendemos dela. Dessa maneira, as
atividades de cunho artístico favorecem a comunicação com o meio. A
arteterapia surge desta necessidade de expressarmos sentimentos, ideias,
emoções. No material que é produzido está algo que diz a respeito daquele
que o fez e que, muitas vezes, não nos damos conta pelo fato de ser algo
muito inconsciente.
Enquanto manifestação subjetiva, a arte fala sobre quem a cria, o
momento histórico e cultural. Por isso, tem sido objeto de estudos e influencia
diversas áreas do conhecimento. No século XIX, chama atenção de
psiquiatras e estudiosos que estavam se debruçando sobre os mistérios da

ARTETERAPIA
mente. É aí que pincéis, lápis, tintas, giz passam a ser ferramentas de
exteriorização dos conteúdos psíquicos. Carl G. Jung, do qual falaremos mais
abaixo, foi um dos precursores do que hoje chamamos de arteterapia. O
psiquiatra suíço não designava assim as ferramentas da arte quando as usava
terapeuticamente, mas hoje, sua teoria embasa uma das maiores vertentes da
arteterapia.
A arteterapia nos ajuda a mostrar o que está oculto, difícil de enxergar
em nós mesmos. Fazendo com que possamos nos permitir sentir as coisas de
forma diferente. Nem sempre é um processo agradável, pois pode suscitar
recordações e sensações que não queremos sentir, mas que também são
importantes para nosso crescimento pessoal. Através da expressão artística, a
pessoa pode se conectar consigo mesma, uma vez que será provocada a sair
do seu lugar comum.
A arteterapia vem da união das duas palavras “arte” e “terapia”, no
entanto, segundo Philippini (1998) temos diversas maneiras de conceituar a
arteterapia. A autora escreve que uma delas é entender a arteterapia como
um processo que surge com a utilização dos diferentes recursos expressivos. O
processo arteterapêutico é um diálogo entre o sujeito e a imagem que foi
revelada por meio do fazer criativo, a “interpretação” não fica a cargo do
profissional arteterapeuta. É algo que se constrói junto.
A American Art Therapy Association descreve que a arteterapia é uma
profissão que integra disciplinas a favor do enriquecimento da vida humana,
das famílias e comunidades por meio de atividades artísticas, processos
criativos, teoria psicológica e experiência humana num contexto terapêutico.
No Brasil, temos a UBAAT (União Brasileira de Associações de
Arteterapia) que define a arteterapia como sendo a arte uma ferramenta
dentro do contexto terapêutico. Seus objetivos principais são estimular o
crescimento emocional, abrir caminhos para maior conscientização do
indivíduo sobre si mesmo.

ARTETERAPIA
O que é a arteterapia?

Como definido acima, a arteterapia é um processo de


autoconhecimento por meio de recursos artísticos. Suas técnicas podem estar
presentes em inúmeros contextos: nos ateliês, consultórios – no trabalho
individual, em pequenos grupos, escolas, instituições diversas. Tudo vai
depender do objetivo e do público que se quer trabalhar.
Quando falamos de arteterapia, estamos falando das possibilidades de
encontro consigo mesmo. Angústias, medos, tristezas, histórias mal resolvidas,
são alguns exemplos do que pode ser trabalhado no contexto arteterapêutico.
Tudo isto pode ser expresso numa linguagem diferente, de acordo com a
proposta do profissional que deverá saber quais materiais usar em cada
situação. Colocar para fora estes sentimentos ou situações, nos permite olhar
por outro ângulo, desmembrando tais imagens a fim de compreendê-las e
com isso trabalhar as situações presentes em nossa vida.
A arteterapia pode ser utilizada como ferramenta no resgate da
autoestima. Muitas pessoas costumam dizer que não sabem desenhar ou fazer
qualquer coisa criativa, nesses casos o arteterapeuta é um facilitador, ou seja,
uma pessoa que vai incentivar a pessoa a iniciar o seu processo criativo,
estimulando-o a reconhecer o que há de melhor dentro de si.
Além disso, os recursos da arteterapia também favorecem a liberação
de tensões e ansiedades. Tristeza, ansiedade, raiva, e todas as nossas
emoções são carregadas de energia e podemos liberá-las de uma forma não

ARTETERAPIA
destrutiva. Pode-se pedir a pessoa que faça um desenho ou uma pintura para
representar como realmente se sente.
O processo criativo atinge camadas do inconsciente que apenas
falando, muitas vezes, não conseguimos acessar. Usar recursos da arte em um
contexto terapêutico, portanto, pode ser uma forma de relaxamento, onde a
pessoa se envolve no processo usufruindo também dos movimentos de pintar
ou desenhar algo que representa seu mundo interior.
Na perspectiva junguiana, podemos nos remeter a aspectos do coletivo
como os mitos e contos de fada, amplificando os conteúdos apresentados,
buscando maiores significados. Por isso, é importante também que o
arteterapeuta tenha esse conhecimento, a fim de auxiliar a pessoa por esse
caminho.
O processo criativo e os materiais podem ser usados como formas de
avaliação do que se passa com os pacientes. Durante a atividade proposta, a
arteterapeuta observa movimentos, expressões, comentários, coordenação
motora, pois tudo isso fornece muita informação a respeito da pessoa ou
grupo.
O profissional arteterapeuta é um mediador ou facilitador, que provê o
recurso e propõe a atividade mais adequada ao paciente ou cliente. Ao final
desta etapa, o arteterapeuta promove o diálogo da(o) cliente com o material
que produziu, a fim de obter os símbolos que surgiram da imagem.
As sessões, portanto, começam com uma proposta de trabalho
conduzida pela avaliação do arteterapeuta. É sempre importante que haja
tempo antes de encerrar a sessão para que terapeuta e paciente conversem
sobre a atividade: quais foram as sensações, pensamentos, sentimentos,
incômodos e alegrias despertados durante a execução da proposta. Isto tudo
serve de informação, não somente para reflexão da terapeuta, como
também deve ser capaz de promover insights e associações por parte dos
pacientes.

“Mas eu não sei desenhar, nem pintar! E agora?”

É comum a arteterapeuta ouvir “não sei desenhar” ou “não sei


pintar”. Nossa cultura pouco valoriza estas formas de expressão. Daí, o
“bichinho” da autocrítica não sai de perto e fala cada vez mais alto,

ARTETERAPIA
principalmente na fase adulta. Desde o início dos tempos, o ser humano utiliza
a arte para comunicar-se, seja expressando seu mundo interno ou
representando o que está a sua volta. O impulso criativo, a necessidade de se
expressar, está em todos nós. Nesse sentido, a arte é uma ferramenta muito
poderosa de autoconhecimento.
A arteterapia lida com o processo, e não tem finalidade estética ou
artística, enquanto técnica. A pintura, o desenho e a colagem funcionam
como formas de comunicação entre o inconsciente e o consciente,
retratando diferentes estágios. O que importa na arteterapia é a
compreensão e resolução de conflitos, a partir da utilização de seus recursos.
Sendo assim, às pessoas que não sabem desenhar ou pintar e acham
que isso as impede de experimentar a arteterapia, é possível dizer: Permita-se.
Os recursos em arteterapia são utilizados, pois:

 Facilitam a comunicação;
 Despertam a criatividade;
 Estimulam a cognição;
 Elevam a autoestima;
 Possibilitam novas descobertas;

ARTETERAPIA
Quais os fundamentos da Arteterapia?

Carl G. Jung

Para entender com a Arteterapia funciona é necessário olharmos para


algumas ideias em que ela está embasada. Carl Gustav Jung (1875-1961) foi
um dos primeiros a usar os recursos artísticos dentro do consultório. Ele
acreditava no poder da arte e nos símbolos que surgem nas imagens
produzidas. Sua teoria nos ajuda a entender como produzir algo criativamente
pode ampliar a ideia de quem somos. Ao produzir imagens e dialogar com
elas, estamos nos permitindo mergulhar em aspectos nossos que estão
inconscientes, ou seja, não estamos em contato direto.
Carl G. Jung foi um psiquiatra suíço que influenciou e ainda influencia a
psicologia e outras áreas do conhecimento. Ao longo de seu trabalho com
pacientes esquizofrênicos, em Burghölzli, Jung foi formulando suas teorias a
respeito da psique humana. De acordo com suas ideias, somos constituídos
não somente pelo inconsciente pessoal, mas também por um inconsciente
coletivo.
Jung via o inconsciente como camadas, sendo as mais superficiais
relacionadas às nossas vivências pessoais e, nas camadas mais profundas, as
vivências mais impessoais ou, em termos junguianos, arquetípicas. O
inconsciente coletivo é formado, então, não por experiências pessoais, mas
sim por conteúdos que foram herdados de nossos antepassados e que são
transmitidos de geração em geração.

ARTETERAPIA
Um dos conceitos mais fundamentais da teoria de Jung é o arquétipo.
O arquétipo é determinado em relação a forma e não ao conteúdo,

sendo um elemento vazio. O conteúdo que surgirá desta estrutura


dependerá do material da experiência consciente. Os arquétipos,
portanto, são formas básicas e coletivas que consideramos como universal. As
formas de manifestação dos arquétipos são percebidas, segundo Jung (2008),
através dos sonhos e da imaginação ativa. Sendo produtos da psique, os
sonhos são muito importantes, pois não sofrem influência consciente. A
imaginação ativa é uma técnica em que o terapeuta incentiva o paciente a
entrar em sua própria fantasia, deixando vir à tona os elementos inconscientes.

Criatividade a serviço do autoconhecimento

O trabalho, estudos, famílias, conflitos internos, relacionamentos.


Exercemos diferentes papéis e funções ao longo da vida e, muitas vezes, tudo
isso ao mesmo tempo. Cada pessoa possui sua própria histórias e tantas
demandas podemos nos separar de quem somos e do que queremos
verdadeiramente. Por mais que a criatividade esteja em nosso dia a dia, tem
horas que é preciso ir além. A criatividade pode estar a favor do nosso
autoconhecimento. Parar por algum momento na semana e refletir sobre
nossas vidas é muito importante para não cairmos no risco de desviarmos de
nosso próprio caminho.
Por meio de recursos como pintura, desenho, modelagem, entre outros,
o terapeuta pode incentivar que seu paciente crie algo usando tais materiais,
a fim de permitir que os conteúdos inconscientes aflorem. Sendo assim, a
arteterapia que segue a abordagem junguiana parte da ideia que o
autoconhecimento é permitido através do fazer criativo, uma vez que este
permite acessar o que não conseguimos verbalmente.
A força criativa se assemelha a um instinto tal qual a fome, por exemplo.
No entanto, Jung (1984: par 245) preferiu defini-la como “um fator psíquico de
natureza semelhante à do instinto”, por não apresentar uma “organização fixa
e herdada invariavelmente” (par. 245).

ARTETERAPIA
Para o psicólogo existencialista Rollo May (1982), a criatividade está em
todas as nossas atividades, nas nossas relações, nos mais diferentes trabalhos e
profissões. Usamos a criatividade o tempo todo, pois ela está em todo o
processo de fazer.
Precisamos da criatividade para ajudar a arrumar casa, por exemplo,
em que lugar cada coisa tem que ficar para que possamos visualizar e ter mais
fácil acesso a elas. Precisamos tirar o que não serve mais, o que guardamos
em lugares específicos, assim ordenamos e temos mais acessibilidade ao que
antes estava jogado e misturado. Criar tem relação com esse tipo de
ordenação também.
Fayga Ostrower (1977) diz que a motivação humana para a criação
vem desta busca por ordenar e significar a vida. Criar é uma necessidade
para o Homem, já que só pode crescer e desenvolver-se, ordenando e dando
forma ao seu mundo.
Em arteterapia lidamos diretamente com a criatividade, sim e por isso
algumas pessoas dizem não serem capazes de criar algo e se sentem muito
bloqueadas diante da proposta. Muitas pessoas acreditam que precisam ser
desenhistas ou pintores para se beneficiarem da arteterapia, o que não é
verdade. Arteterapia trata do processo, do fazer e das sensações despertadas
pela atividade.

Criar não é um processo de mudança de si mesmo, e sim


de encontrar-se a si mesmo. A criação quer apenas
cumprir seu maior desejo: conhecer e aceitar a si mesmo
como és.
Michele Cassou (Life, Paint and Passion)

ARTETERAPIA
Antecedentes da Arteterapia

Arte e psiquiatria têm se encontrado desde meados do século XIX.


Conforme UBAAT, a arte de alguns pacientes chamou a atenção de
especialistas da época, que se voltaram para os estudos dos aspectos
patológicos presentes na produção destas pessoas. O estudo de Mohr (1906) é
conhecido por comparar expressões artísticas de pessoas que sofriam de
transtornos mentais e pessoas saudáveis. Estes e outros estudos influenciaram
os famosos testes psicológicos de Rorscharch e “Teste de Apercepção
Temática” (TAT), que são altamente projetivos. A Psicanálise de Freud, também
nascida nessa época, ressaltou que a arte é uma manifestação do
inconsciente - uma sublimação dos desejos sexuais, daqueles impulsos que
não podem ser realizados.
Jung via na arte muito mais do que a sublimação de desejos. Para ele,
a arte era uma expressão simbólica do inconsciente individual e coletivo. Em
seu consultório, pedia a seus pacientes que também fizessem desenhos e
pinturas representando sonhos e estados emocionais.
Nos Estados Unidos, Margaret Naumburg (1890-1983) é conhecida por
introduzir a arte como principal recurso terapêutico, ao invés de apenas uma
técnica a mais dentro da psicoterapia.
A partir de então, a arte foi ganhando cada vez mais espaços em
diversos países. Terapeutas de diferentes abordagens iniciavam seus estudos e

ARTETERAPIA
trabalhos com arte dentro dos consultórios. Janie Rhyne (1913-1995) ficou
conhecida por usar a arte no contexto da Gestalt-terapia, encorajando seus
pacientes a interpretar e expressar sentimentos através dos trabalhos artísticos.
Na perspectiva da teoria centrada na pessoa, Natalie Rogers (1928-2015)
aplicou a arte à sua abordagem e desenvolveu a chamada “Conexão
Criativa”

Osório Cesar: Arte e Psiquiatria no Juquery

Osório Cesar (1895-1980) é um importante nome na história da


psiquiatria brasileira, como nos conta Tommasi (2005). Foi o primeiro psiquiatra
brasileiro a registrar e documentar a arte produzida pelos pacientes do
Hospital Psiquiátrico do Juquery. Na década de 1920, escreveu artigos e livro
sobre seus estudos ligando arte e loucura, introduzindo este tema no meio
acadêmico. Chegou a se corresponder com Freud, que interessado em seu
artigo, o publicou na revista Imago. Osório Cesar constatou que as produções
destes pacientes internados no Juquery eram heterogêneas, ou seja, muito
particulares e diferentes entre si. Ele procurou compreender os símbolos
presentes nas artes destes pacientes, embasada pela teoria psicanalítica. Ao
longo de 40 anos atuando nesta área, Osório Cesar contribuiu para um olhar
mais sensível e intuitivo em relação a esses pacientes e já naquela época
apontou os benefícios da expressão artística para as pessoas em sofrimento
mental.

Nise da Silveira e as imagens do inconsciente

Bem, não podemos falar em Arteterapia sem citar Nise da Silveira (1905-
1999). Psiquiatra, nascida em Maceió - Alagoas, foi uma das primeiras mulheres

ARTETERAPIA
a cursar medicina e se formou em 1931. Conhecida pelo seu trabalho no setor
da terapia ocupacional, era contrária aos tratamentos psiquiátricos da época
que envolviam, entre outras técnicas, o eletrochoque.
Por esta atitude contrária à tradicional psiquiatria, Nise foi mandada
pela diretoria do Hospital Engenho de Dentro para o setor de Terapêutica
Ocupacional, que não recebia muita atenção por parte da equipe médica.
De uma coragem ímpar, Nise começa a transformar aquele lugar. Chama os
“clientes”, como costumava nomear os pacientes do hospital, e oferece
materiais de pintura e modelagem, montando um verdadeiro ateliê. Depois
disso conforme a própria Nise (1981), o ateliê foi ganhando uma posição muito
especial porque o desenho e a pintura se revelaram de grande interesse
artístico e científico. Ela mostrou que a terapêutica ocupacional poderia ser
algo a mais do que simplesmente lazer ou uma forma de passar o tempo. Era
uma possibilidade de entrar em contato com o mundo inconsciente,
devolvendo a dignidade e autoestima da pessoa com esquizofrenia.

O atelier de pintura me fez compreender que a principal


função das atividades na Terapêutica Ocupacional seria
criar oportunidade para que as imagens do inconsciente
e seus concomitantes motores encontrassem formas de
expressão (Nise da Silveira, 1981).

A produção artística foi tamanha que veio a ideia de criar o Museu do


Inconsciente, como forma de preservação das obras e poder, assim, dividir
esse conhecimento com outras pessoas.
Nise estudava os escritos de Jung, e via então nas pinturas e formas
produzidas por seus clientes a manifestação dos conteúdos inconscientes,
buscando assim, compreender os símbolos que surgiam nestas artes. No ano
de 1954, ela escreveu para o Jung e enviou fotos das mandalas produzidas
dentro do hospital.
O seu encontro com Jung ocorreu em 1957, no qual Nise incentivada
por ele a conhecer mais sobre Mitologia e como isso poderia também ajudá-
la a compreender a riqueza do mundo interno de seus clientes. Neste mesmo
ano, a exposição “A Esquizofrenia em Imagens” com as mandalas feitas pelos

ARTETERAPIA
pacientes de Engenho de Dentro ocorreu em Zurique ao mesmo tempo que o
II Congresso Internacional de Psiquiatria. Jung se deteve diante de algumas
imagens e teceu diversos comentários a respeito. Para Nise da Silveira, o
contato com a obra de Jung foi o fio condutor do seu próprio trabalho como
psiquiatra, e a guiou em sua visão a respeito dos esquizofrênicos, uma vez que
o objetivo da psicoterapia junguiana é mais ampla do que a dissolução de
conflitos interpessoais. A psicoterapia junguiana permite que a criatividade se
manifeste através do fazer artístico, da criatividade.
Apaixonada por animais, principalmente os gatos, Nise da Silveira
introduziu a ideia de cães e gatos como co-terapeutas. A relação de afeto
que surge desse contato era para alguns pacientes uma linha única para sua
saúde mental. Apesar de suas observações que confirmavam o valor
terapêutico da relação entre pacientes e animais e que proporcionava
resultados excelentes, isso não era bem aceito no Brasil.
Sua maneira sensível de olhar para estes pacientes foi fundamental
para que eles pudessem se expressar e também para o nascimento da arte
como recurso terapêutico. Muitos profissionais em diferentes partes do mundo
já usavam pintura e desenho, até mesmo animais em hospitais psiquiátricos.
No entanto, a coragem de Nise da Silveira e sua atitude em nome daqueles
que não podiam falar por si mesmos foi única. Ela é uma grande inspiração
para todos nós.

Não se curem além da conta. Gente curada demais é


gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura.
Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é
a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca
convivi com pessoas muito ajuizadas.
(Nise da Silveira)

ARTETERAPIA
Surgimento da Arteterapia no Brasil

Desde a década de 80 a Arteterapia ganha força no Brasil, se legitimando


como uma prática eficaz.
Se fortalecendo com novos membros e associações.

Prevendo a necessidade de parâmetros nacionais para regulamentar a


pratica e a profissão, foi criada em 2006 União Brasileira de Associações de
Arteterapia (UBBAT).

No Brasil existem formações e especializações, mas procure sempre uma que


siga os parâmetros curriculares da UBBAT, a fim de garantir também a
qualidade dos profissionais e da docência na área.

E assim, a arteterapia vem crescendo, ganhando novos espaços e outras


teorias vem de encontro a fim de fundamentar esse conhecimento.

ARTETERAPIA
Principais recursos e técnicas em Arteterapia

Cada material proporciona sensações e sentimentos diferentes.


Podemos usá-los conforme os objetivos a serem trabalhados. Sendo assim, é
importante que o arteterapeuta tenha em mente o que deve suscitar com o
processo. Uma entrevista inicial bem feita, para os casos individuais, e
observações, nos casos de grupos, são altamente recomendáveis antes do
profissional iniciar sua intervenção.
Urrutigaray (2006) aponta que além do trabalho em si que foi produzido
durante uma sessão de arteterapia, tanto a limpeza como a sujeira resultante
do processo são dados importantes para refletirmos sobre os sentimentos
decorrentes destas situações.
Temos os materiais secos como lápis, pastéis, giz de cera, canetas
hidrográficas. Tais materiais são fáceis de manusear, ou seja, a pessoa tem
maior controle sobre o que está criando. Estes recursos são indicados para
pessoas iniciantes e com dificuldades motoras, pois estimula a coordenação
motora fina.
As tintas como aquarela, acrílica, guache, tinta óleo, etc. possuem esta
característica mais diluída, proporcionam conexão, manifestação de
sentimentos e emoções. O trabalho com tinta é mais difícil de ser controlado.
No caso de uma aquarela, por exemplo, que usa mais água, a pessoa pode
se sentir frustrada por não conseguir reproduzir a sua intenção no papel. Pode
ser um dado bastante interessante e material a ser trabalhado pela
arteterapeuta. Portanto, isto pode provocar tensão ou, por outro lado, uma
gratificação pelos efeitos produzidos.

ARTETERAPIA
A modelagem pode ser feita com plastilina (massinha de modelar),
argila, papel machê, gesso, entre outros. São materiais que trabalham as
sensações, a descarga de tensões e permitem o fazer e refazer. A argila possui
propriedades que estimulam a manifestação de símbolos com forte carga
afetiva. O contato com a argila, segundo Saraiva (2008) possibilita um
encontro com emoções profundas.
As técnicas de fotografia, por exemplo, permitem à pessoa que explore
lembranças, remetendo à sua própria história de vida. Podem ser trabalhadas
fotos de família, autorretrato, fotos tiradas por outras pessoas, o olhar sobre a
própria realidade, entre outras possibilidades. É um recurso bastante
mobilizador de memórias e sentimentos. A fotografia tem se tornado mais
acessível ao longo dos anos, pois hoje temos celulares com boas câmeras que
permitem facilmente seu manuseio sem gerar altos custos. Por meio da
fotografia, treinamos nosso olhar em relação a nós mesmas e/ou ao que está
a nossa volta. Podemos nos voltar a detalhes, cenas, pois nos permite explorar
novos ângulos quando fotografamos.

Formas de Expressão
Artes plásticas: desenho, pintura, modelagem, colagem

Desenho
Desenhar nada mais é que marcar uma superfície com um objeto, seja
este um lápis, giz, ou caneta, por exemplo. Este impulso de desenhar está
presente na história da humanidade. Desde os tempos das cavernas, há
registros de desenhos que representavam as vivências daquele povo. Assim
como a humanidade, o desenho também foi evoluindo e é inegável a sua
importância como forma de expressão do indivíduo. Por isto, é um recurso
muito usado e com grande potencial dentro do contexto arteterapêutico. O
desenho trata das diferentes formas de pensarmos e de nos relacionarmos
com o mundo, pois diz respeito a capacidade de perceber, observar e
discriminar formas. Desenhar está ligado ao desenvolvimento da imaginação.
Inúmeras são as possibilidades de trabalho com o desenho, o
arteterapeuta pode pedir que a pessoa desenho um sonho, sentimento

ARTETERAPIA
sensações, etc. O ato de desenhar é altamente expressivo e projetivo e, além
disso, libera tensões e expressa a realidade interna do indivíduo.
Os principais recursos usados na atividade do desenho, como
mencionado acima, são: lápis de vários tipos e cores, canetas, canetas
hidrográficas, giz de cera (pastel e óleo). A coordenação motora é requisitada
e trabalhada no ato de desenhar, uma vez que o controle motor é essencial.
O desenho de cópia permite que a pessoa se foque no aqui e agora,
tendo que prestar atenção aos detalhes, favorecendo, assim, a capacidade
de observação. No desenho dirigido, há um tema a ser explorado em que a
pessoa deverá expressar a partir de seu próprio referencial o tema proposto. O
desenho livre trata de uma possibilidade de o indivíduo expressar seu mundo
interno da forma que desejar, sobre o que desejar.

Pintura

A pintura através dos mais diferentes tipos de tintas permite uma maior
fluidez das emoções e sentimentos, e também nos remete ao fluxo da
respiração. Através dos movimentos e cores obtidos pela pintura, podemos
experimentar e mergulhar em sensações diversas. Para Jung, a pintura é muito
eficaz na expressão de uma situação psíquica pois o sentimento se exprime
através das cores.

Colagem
É uma técnica que causa menos impacto ao sujeito ao ser proposta. A
colagem muitas vezes é associada ao fazer infantis, pois remete aos primeiros
anos da escola. No entanto, é uma ferramenta de grande valor que pode ser
utilizada nas primeiras sessões por sua linguagem simples e ao mesmo tempo
bastante projetiva. Auxilia no levantamento das demandas do paciente ou do
grupo, elucidando conflitos ou trazendo mais à tona o mundo interno do
indivíduo. A colagem é uma atividade na qual a pessoa tem a oportunidade
de separar partes, destacar imagens e outros materiais, e dando a estes uma
nova configuração. Assim, também se trabalha a oportunidade de planejar e
organizar do paciente.

ARTETERAPIA
Nas colagens, podemos usar imagens de revista, mas também outros
materiais são muito bem-vindos, como sementes, folhas, pedaços diversos de
papéis, e.v.a. A colagem pode ficar ainda mais interessante quando
misturada a outras técnicas como desenho ou pintura.

Modelagem
Quando falamos de modelagem, o material mais utilizado é a argila. A
argila tem possui características únicas e contato com este material é muito
mobilizador de emoções mais primitivas, permitindo que soltemos no material
sentimentos como raiva, alegria; trabalhando com mais delicadeza ou de
forma mais bruta a argila. O ato de modelar está ligado ao sentido do tato, ao
toque. A argila permite modelar, desmanchar quantas vezes quisermos
durante a sessão. Na impossibilidade de se usar argila, outros materiais podem
ser inseridos como a massinha, o papel machê e a massa de biscuit, por
exemplo.

Artes do corpo
Dança e teatro
A dança é uma manifestação corporal rítmica que desde os tempos
mais remotos é criada e cultivada dentro da cultura de todos os povos, como
expressão do corpo em movimentos significativos. Enquanto forma de
expressão, dançar pode revelar aspectos psíquicos, por meio do
desenvolvendo de movimentos, nos quais a pessoa descubra seu próprio
corpo e o que este tem a lhe dizer. O teatro é também uma das mais antigas
formas de representação, onde brincamos de ser outras pessoas e nos
apropriar de histórias diferentes das nossas. O teatro possui diversas técnicas e
possibilidades em que se pode contar, recontar e modificar as histórias.

Dança circular: mandala em movimento


A dança circular são danças tradicionais presentes em todas as tribos,
usadas em parte dos rituais representando o espaço sagrado, celebrando
momentos como nascimento, casamento, morte, estações do ano, colheitas,
etc. São danças que remetem a necessidade de comunhão e parceria,
estimulando a integração e a celebração entre as pessoas.

ARTETERAPIA
Música
A música mexe diretamente com nossas emoções e memórias. Pode
estar presente nas sessões de Arteterapia como recurso auxiliar, como recurso
de mobilização psíquica, ou mesmo como recurso principal em que a pessoa
possa transmitir o que sente por meio de uma composição própria ou de
artistas que admira. Instrumentos musicais podem ser inseridos, como forma de
expressão. É também um ótimo recurso para trabalhar com grupos.

ARTETERAPIA
Por que desenhamos mandalas?

A palavra “mandala” é originária do sânscrito e significa “círculo”. São


figuras que remetem aos povos antigos, e estão presentes no formato dos
santuários de todas as épocas. As mandalas também representam a conexão
com o cosmo, com o divino.
Trata-se de um símbolo espiritual no hinduísmo e budismo que
simbolizam o universo. A forma básica de grande parte das mandalas é um
quadrado com quatro portais contendo um círculo com um ponto central. Em
algumas tradições espirituais, as mandalas são empregadas para concentrar a
atenção de seus praticantes, a fim de estabelecer um espaço sagrado e
como recurso auxiliar para a meditação.
A familiaridade com os escritos filosóficos da Índia levou Jung a adotar
a palavra "mandala" para descrever esses desenhos circulares que ele e seus
pacientes fizeram. Jung dedicou-se a análise das mandalas feitas pelos seus
pacientes, traçando paralelos com elementos do inconsciente coletivo, a fim
de compreender as imagens que surgiam. Ele mesmo chegou a desenhar
várias mandalas. Os desenhos circulares refletiam seu estado interior naquele
momento. De acordo com Jung (2008, par. 622), as mandalas são imagens
que surgem espontaneamente e a respeito de sua importância, comentou:
As pinturas são uma espécie de ideogramas de
conteúdos inconscientes. Utilizei evidentemente tal
método comigo mesmo e posso constatar que de fato
podemos pintar quadros complexos, cujo verdadeiro
conteúdo nos é totalmente desconhecido. Enquanto
pintamos, o quadro se desenvolve por si mesmo e muitas

ARTETERAPIA
vezes até contrariando a intenção consciente. É
interessante observar como a execução do quadro
atravessa de um modo inesperado as expectativas
conscientes.

Existem mandalas de diferentes tipos e cores, no entanto, o que a


coloca em tamanha posição de importância para a psicologia junguiana é o
fato de representar o centro da personalidade, que remete ao Self.
As mandalas feitas por pacientes representam seu próprio interior e são
feitas na busca por uma ordenação da personalidade. Desenhar ou pintar
uma mandala pode auxiliar estados de maior desorientação ou caos psíquico,
pois estas imagens remetem a equilíbrio e totalidade.
No processo arteterapêutico, ao pedir um desenho é possível que a
pessoa traga a mandala espontaneamente num impulso inconsciente na
busca por esta ordenação psíquica. A arteterapeuta também pode sugerir a
elaboração de mandalas durante os atendimentos.

ARTETERAPIA
Indicações e contraindicações da Arteterapia

A arteterapia não possui contraindicações, muito pelo contrário, está


disponível para todos. Independente de idade ou limitações. Existem
profissionais que se dedicam ao atendimento para crianças, uma vez que
nessa fase do desenvolvimento a crianças está mais livre em sua
expressão. Os adolescentes e adultos podem oferecer mais resistência por já
terem desenvolvido uma autocrítica que bloqueia o fazer artístico, mesmo
sabendo que o compromisso é com o processo e não com a arte final, ou seja,
sem a preocupação de aquilo vai estar bom do ponto de vista estético.
Nas idades mais avançadas, como idosos por exemplo, os trabalhos em
grupo têm-se mostrado bastante eficientes, pois além de estimular o lado
criativo também contribui para a socialização do idoso. Estas pessoas, muitas
vezes, vivem uma fase de isolamento e pouco convívio com pessoas da
mesma idade. A arteterapia em grupo contribui na autoestima desse idoso,
bem como o resgate de memórias e apropriação da sua história de vida.
A arteterapia tem sido muito eficaz como terapia complementar para
casos de pessoas que sofreram AVC, ou que possuem algum grau de
deficiência. A coordenação motora, a linguagem e a memória são
estimuladas, mas não só isso, a sensibilidade que o fazer artístico propicia
incentiva a melhora da autoestima e a socialização, tirando o sujeito do
isolamento.
No caso de pessoas com depressão ou ansiedade, a arteterapia se
torna uma ferramenta importante que auxiliará o tratamento. Pessoas que
sofrem com a depressão tendem a suprimir sentimentos e emoções. Quando
algo muito triste acontece é difícil para essas pessoas conversarem a respeito,
pois podem se sentir envergonhadas ou aquilo pode ser doloroso demais para
ser colocado em palavras. A arte pode ser uma possibilidade de expressar
esses sentimentos numa pintura, num desenho, colagem ou na argila. Isto
pode ajudar a quem sofre de depressão, uma vez que quando guardamos
esses sentimentos, tendemos a implodir ou explodir.

ARTETERAPIA
Área de Atuação de um Arteterapeuta

O Trabalho do arteterapeuta é bastante abrangente.


Ele pode atuar atendendo legalmente crianças, adolescentes, adultos
e idosos. Na orientação Individual ou em grupo.vEm diversos locais como
Hospitais, Ongs, escolas, presídios, asilos, reabilitação de dependentes
químicos, empresas e inclusive abrir o seu próprio atelier terapêutico.
Uma forma de atuação criativa, prazerosa e auto realizadora.

ARTETERAPIA
Referências

CASSOU, Michele; CUBLEY, Stewart. Life, paint and passion: reclaiming the
magic of spontaneous expression. New York: Targher Penguin, 1995.

GASPAR, Fabíola Maria. Arteterapia, a arte de cuidar com arte: um caminho


para o humano em sua totalidade. 2013. 87 f. Dissertação (Mestrado em
Teologia) - Faculdades EST, São Leopoldo, 2013.

JUNG, Carl G. A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 1984.

_____________ . Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2008.

MAY, Rollo. A Coragem de Criar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982

OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis: Editora


Vozes Ltda, 1978.

PHILIPPINI, Angela. Mas o que é mesmo Arteterapia? In: Revista Imagens da


Transformação. Rio de Janeiro: Clínica Pomar, 1998, vol, p.7. Disponível em:
<http://arteterapia.org.br/pdfs/masoque.pdf> Acesso em 30 abr. 2018

SARAIVA, Sonia Anastasia Cardoso Durães. O uso do barro em arteterapia. Monografia


ISEPE . Rio de Janeiro, 2008. 82p. Disponível em
<http://www.arteterapia.org.br/pdfs/ousodobarroemarteterapia.pdf>. Acesso em 30
abr. 2018

SILVEIRA, Nise da. Imagens do inconsciente. Rio de Janeiro, Alhambra, 1981.

TOMMASI, Sonia Maria Bufarah. Arte-terapia e loucura: uma viagem simbólica


com pacientes psiquiátricos. São Paulo: Vetor, 2005

URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a Transformação Pessoal pelas


Imagens. Rio de Janeiro: WAK, 2006

ARTETERAPIA
Sites consultados:
Art Therapy Association https://arttherapy.org/. Acesso em 29 abr. 2018
Dança Circular http://www.dancacircular.com.br/oque.asp Acesso em 02
maio 2018
UBAAT https://www.ubaatbrasil.com/. Acesso em 30 abr. 2018

E-book escrito pela psicóloga e arteterapeuta Adriana M. Leopold para o Instituto Freedom.

ARTETERAPIA
ARTETERAPIA

Você também pode gostar