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NEUROPSICOLÓGICA
PARTE I
Conteudista
Prof.ª Dr.ª Rita de Cassia M. Moreira
FUNÇÕES MOTORAS E ORIENTACÃO
O cientista Miguel Nicolelis espera que, na solenidade de abertura da
Copa do Mundo de 2014, um cidadão brasileiro paraplégico seja capaz de
levantar-se de uma cadeira de rodas no estádio do Itaquerão, dar 25 passos e
inaugurar com um chute não apenas o evento, como a maior vitória da
Neurociência no mundo. Foi o que ele disse no dia 21 de maio de 2013 em
palestra na FINEP. "Seria um chute brasileiro para entrar para a história da
humanidade", afirmou emocionado. O movimento só é viável a partir de um
estímulo cerebral transmitido ao exoesqueleto (prótese de um esqueleto). O
projeto – Andar de Novo – é apoiado pela FINEP com cerca de R$ 33 milhões
em recursos não-reembolsáveis.
Os reflexos
Nós realmente não passamos um dia das nossas vidas sem sermos
testados. Mal nascemos e logo já somos submetidos a testes e mais testes.
Em um deles o médico coloca seu dedo indicador sobre a palma da mão da
criança recém-nascida e espera que ela se agarre firme a ele. Naturalmente a
criança não o faz após pensar: “Bem, existe um dedo na minha frente e se eu
não segurá-lo logo essa enorme criatura em roupas alvas não vai tirá-lo daí”.
Não exatamente. O que então faz com que o bebê tenha esse reflexo
independente da sua vontade?
Essa circuitaria neuronal é muito curiosa e está presente, como podemos
notar, desde antes do nascimento, podendo ser registrado inclusive após 16
semanas de gestação. Primeiramente vamos entender o que acontece com
este pequeno recém-chegado.
Ao tocar a mão do bebê, o médico estimula um neurônio sensorial que,
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curiosamente, viaja da extremidade do membro até a coluna vertebral do
pequeno cidadão1. Nesta etapa, ele faz comunicação com outro neurônio no
mesmo segmento da medula e que rapidamente se comunica com o neurônio
motor. Este reflexo demora aproximadamente 40 milisegundos. Entretanto, se
hoje um médico colocasse um dedo na palma da sua mão nada aconteceria
(quer dizer, nada além de você achar esta atitude um tanto estranha). Eis que
caminhamos para uma compreensão mais ampla dos mecanismos do nosso
sistema motor.
Diferentemente do reflexo patelar (o martelinho no joelho), observado
através da extensão da perna após uma leve percussão no tendão patelar, o
qual pode ser descrito por um arco reflexo (Fig. 1), o reflexo observado no
bebê esta sob o controle de regiões cerebrais. Após cerca de 6 meses de
idade, nosso cérebro aprende a controlar este reflexo conscientemente inibindo
respostas automáticas por meio do lobo frontal. Este exemplo nos dá uma
breve ideia de como o sistema locomotor é complexo e envolve diversas
estruturas. Mas ainda há muito por vir.
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Sim, também temos este tipo de neurônio nos pés, e sim! esta única célula pode chegar a medir mais de 1 metro de
comprimento.
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De uma maneira geral, a medula se organiza em duas porções principais:
a ventral e a dorsal (Fig. 2). Na porção dorsal, concentram-se neurônios
sensoriais que levam informação de todo o corpo ao sistema nervoso central,
enquanto que na porção ventral encontramos os neurônios motores inferiores.
Além destes, existem neurônios que fazem parte do circuito local e ajudam na
regulação dos sinais enviados aos músculos. A medula é imprescindível para o
movimento; entretanto, ela não é suficiente para que ele ocorra, recebendo
influências de estruturas do nosso encéfalo que envia informações através dos
neurônios motores superiores.
O tronco encefálico
Tomemos como exemplo ainda o bebê. Por que depois de
aproximadamente um ano, o bebê já consegue, no sentido estritamente literal,
caminhar com suas próprias pernas?
Para que isso acontença, devemos pensar em dois fatores principais: o
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equilíbrio e a postura. Entre a medula e o cérebro, localizam-se estruturas
essenciais para nossas funções vitais básicas. São estruturas altamente
conservadas no processo evolutivo e que, por isso, são encontradas com
grande semelhança em todos os mamíferos. São as estruturas do tronco
encefálico (Fig. 3). Primeiramente, destacaremos o núcleo vestibular. Esta
pequena estrutura recebe informação de duas fontes importantes: os canais
semicirculares e os órgão otolíticos localizados no vestíbulo (daí o nome) no
ouvido interno. Em outras palavras, esses neurônios recebem informações
sobre a posição e a aceleração angular da cabeça. Projetam-se até a medula
por duas diferentes rotas, a medial e a lateral, formando o tracto vestíbulo-
espinhal, e lá se ligam aos neurônios de circuito local que, por sua vez, se
comunicam com neurônios motores dos músculos posturais.
Temos aqui algo bem interessante: a medula é organizada de forma que
os neurônios da matéria cinzenta refletem a organizaçao do corpo humano.
Dessa forma, notamos que a rota medial controla os músculos axiais, ou seja,
do eixo do corpo, e a lateral controla os músculos dos membros. A partir desse
ponto é facil pensar o porquê da divisão do tracto vestíbulo-espinhal e mais:
notar que entender a anatomia nos ajuda a entender o funcionamento do
organismo. Por exemplo, neurônios que recebem informações de nossa
posição no espaço, controlam os músculos da nossa postura.
Como outro exemplo relevante podemos citar o colículo superior. Esta
estrutura recebe informações vindas da retina e, dentre outras coisas, controla
o movimento dos olhos e da direção da cabeça através das vias
colículoespinhais, sendo uma estrutura de extrema importância na nossa
orientação visual.
Mas lembrando do nosso recém-nascido, o que mais a experiência e o
desenvolvimento nos torna diferentes dele?
Vamos a mais uma estrutura importante: a formação reticular.
Diferentemente dos núcleos do tronco encefálico, a formação reticular é
formada por uma complicada rede de neurônios distribuídos em meio a uma
malha de feixes axonais, e está envolvida em diversas funções, como a
regulação do sono e vigília, controle cardiovascular e respiratório, entre outras.
No controle motor, os neurônios da formação reticular recebem informações de
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diversas regiões do cérebro, incluindo aquelas ligadas ao movimento
voluntário, e as enviam para outras estruturas como o cerebelo (que trataremos
com mais detalhes em breve) e a medula espinhal.
Pense no que acontece ao tentar levantar uma garrafa de água que está
à sua frente enquanto você está sentado lendo esta aula. Você tem um único
trabalho consciente: mover o braço e pegar a garrafa. O resto, o seu corpo faz
sem você perceber. A formação reticular é uma grande responsável para esse
movimento inconsciente. Ela recebe informações sobre o movimento desejado,
envia projeções para a medula de forma semelhante ao núcleo vestibular e, na
medula, os neurônios motores compensam a tendência de movimento,
mantendo sua postura. O mais interessante, é que o movimento compensatório
vem alguns milissegundos antes do movimento voluntário, o que nos mostra
que, mesmo inconscientemente, seu corpo planeja o movimento por completo.
O córtex motor
Mas de onde vem essa informação primária para mover o braço? Vamos
direto à principal via do cérebro que comanda este movimento, o córtex motor.
O córtex motor compreende diversas regiões dentro do lobo frontal, como
ilustra a Figura 4. Como vimos em unidades anteriores, o hemisfério direito
comanda os movimentos do lado esquerdo do corpo e vice-versa.
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Figura 4. O córtex motor. O córtex motor pode ser dividido em córtex motor primario,
córtex prémotor e córtex motor suplementar. O córtex parietal, apesar de não ser parte
do córtex motor, participa diretamente de movimentos visuoguiados, como veremos a
seguir.
Os gânglios da base
Seria o córtex motor a única estrutura que controla nosso movimento?
Analisemos o caso de Sr. Pedro. Um sujeito de 67 anos de idade que começou
a notar aos 52 anos que tinha leves tremores nas mãos ao realizar tarefas
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corriqueiras. Aos poucos, estes tremores aumentaram e somente quando ele
involuntariamente derrubou um copo de água no chão procurou ajuda médica.
Ele foi diagnosticado com uma doença descrita em 1817 por James Parkinson,
que ficou conhecida em referência ao seu nome. A doença de Parkinson do Sr.
Pedro progrediu, seus movimentos são além de trêmulos, lentos, ele anda com
dificuldade, a passos curtos e vagarosos, tem limitadas expressões faciais e
mostra pouca motivação para atividades voluntárias e um princípio de
demência.
Esta triste doença se relaciona com um déficit de alguns neurônios
dopaminérgicos dos gânglios da base, também conhecidos como núcleos da
base (Fig. 6).
Os gânglios da base compreendem estruturas profundas nos hemisférios
cerebrais: o núcleo caudato, o putâmen e o globo pálido (interno e externo),
além de estruturas do tronco encefálico: o núcleo subtalâmico e a substância
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gerando movimentos indesejados no indivíduo afetado. Vale lembrar que
ambas as doenças não se restringem somente a consequências motoras, mas
estas são rapidamente notadas. Felizmente, os tratamentos avançam em
diversas direções e uma delas, a estimulação cerebral profunda, ainda está
em desenvolvimento mas já mostra resultados animadores.
Temos agora um bom mapa de como as coisas funcionam para
realizarmos nossos movimentos. Mas imagine a seguinte situação: um tenista
aguarda o saque de seu adversário. Neste momento, ele ainda não sabe onde
a bola irá tocar o solo, e menos ainda onde ele deve alcançá-la. No momento
em que o sacador acerta a bola, esta vem mais lenta que o normal e toma uma
direção relativamente previsível para a recepção de um jogador experiente.
Esta previsão leva a uma ação do tenista no aguardo do saque, incluindo o
movimento de suas pernas para se deslocar em direção ao destino, de seu
braço que prepara a raquetada e de seu punho que direciona a raquete para o
efeito de sua jogada. Vamos por partes.
Sabemos que se tudo ocorrer como o jogador prevê, ele voluntariamente
correrá e acertará sua jogada, realizando os movimentos previstos, enquanto
seu corpo faz sua parte involuntária de manter a postura. Tudo isso, você já
sabe, envolve estruturas como a medula, o córtex motor e é regulada pelo
tronco encefálico e pelos gânglios da base (que estão intimamente ligados a
movimentos já aprendidos e retidos na memória). No entanto, ainda existe uma
região importante no cérebro que permite que o jogador se desloque de
maneira correta usando as informações visuais. Além do colículo superior, os
estímulos visuais chegam a diversas regiões corticais. O caminho seguido após
a retina é complexo e a região que nos interessa recebe informações de áreas
corticais visuais que processam os sinais enviados e detectam o movimento
diante dos olhos. Estamos falando do córtex parietal, ilustrado na Figura 4.
Essa região fornece informação de onde esta o objeto, de onde se encontra o
corpo no espaço tridimensional, e de onde se encontra o braço da raquete com
relação ao resto do corpo. Pacientes com lesões nessa região tem dificuldades,
por exemplo, de pegar um objeto, de guiar os movimentos do olhos e do corpo
no espaço, e podem chegar a negligenciar uma grande parte de seu campo
visual.
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Voltando ao nosso jogador, acrescentemos um imprevisto nesta jogada.
Sem que o nosso jogador saiba, o sacador colocou um efeito na bola, e quando
ele já se coloca em posição para acertar a bola no instante e local exatos, ela
quica no chão e se desloca da direção prevista por ele. Em milissegundos, toda
a ação planejada deve ser reavaliada. Na realidade, praticamente todos os
nossos movimentos são a todo instante reavaliados, com ou sem efeito na
bola. Bem, pouco importa se jogamos tenis ou não, todos os nossos
movimentos voluntários passam por uma avaliação constante sobre “o que eu
quero” e “o que eu fiz”, e corrigidos instante a instante. Sabendor que existe
uma estrutura que comanda essa avaliação eu lhes pergunto: o que esta
estrutura deve conter?
Ela deve primeiro receber a informação do que vai ser feito. Depois, do
que foi feito, e ainda mandar este “ajuste” para a região que faz o movimento.
Com isso, consideramos uma entrada do sinal emitido vindo “de cima”
(entenda-se, neurônios superiores), outra vinda “debaixo” (neurônios
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inferiores), e ao menos uma saída que volta com novas informações “para
cima”.
Bem, estamos aqui falando de uma das principais estruturas relacionadas
ao movimento: o cerebelo.
O cerebelo
Esta estrutura de aparência pouco agradável (Fig. 8) tem, entre outras, a
função crucial de controlar os movimentos de precisão. Pacientes que tem
lesões no cerebelo cometem erros persistentes de movimento, e isso varia
conforme a região afetada. O cerebelo pode ser dividido em três partes
principais: o cérebrocerebelo, que recebe informações de muitas áreas do
córtex cerebral e é responsável principalmente pela regulação de movimentos
que exigem grande habilidade e planejamento, incluido a fala. Outra parte é
chamada vestíbulocerebelo, que recebe aferências dos núcleos vestibulares
e se relaciona com o controle da postura e equilíbrio. A última é o
espinocerebelo, que possui aferências da medula espinhal e se relaciona com
o controle do movimento dos membros na marcha, músculos proximais e
também regula os movimentos dos olhos em resposta às aferências
vestibulares.
Projeções ao cerebelo
As principais regiões do córtex que se comunicam com o cerebelo, em
especial o cérebrocerebelo, são provindas do lobo parietal, como regiões
visuais secundárias e somatosensoriais primárias e secundárias. A principal
função do cerebrocerebelo é a regulação e coordenação visual de um
movimento em curso (o tenista ao tentar acertar a bola, por exemplo). Para que
esta informação volte aos neurônios motores tanto do córtex quanto do tronco
encefálico, as diferentes regiões cerebelares devem se comunicar entre si.
Agora nós temos uma ideia geral e relativamente completa de como
nosso sistema nervoso comanda, controla e efetua os movimentos. Temos
também a noção da importância da comunicação entre as diversas áreas e,
mais importante, do funcionamento conjunto do sistema.
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REFERÊNCIAS
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