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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

Faculdade de Veterinária
Departamento de Patologia Clínica Veterinária Relatório de Caso Clínico
Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínica (VET03121)
http://www.ufrgs.br/favet/bioquimica

IDENTIFICAÇÃO
Caso: 2001/2/08 Procedência: Clínica Bicho Mania No da ficha original: Faísca
Espécie: canina Raça: SRD Idade: 4 anos Sexo: fêmea Peso: 27 kg
Alunos(as): Álan Gomes Pöppl e Daniela Sperling Lubisco Ano/semestre: 2001/2
Residentes/Plantonistas:
Médico(a) Veterinário(a) responsável: Daniela Segalin

ANAMNESE
Animal obeso, intolerante ao exercício, encontra-se sempre deitada e quieta, não brinca e não resiste aos
passeios. Já tomou progestágenos três vezes (última vez em dezembro de 2001), come ração comercial e
comida caseira à noite e ao meio-dia mais alguma coisa como ossos e restos com muita gordura, apresenta
oligúria, cio irregular devido aos progestágenos e monta nos outros cães.

EXAME CLÍNICO
Temperatura retal 38,5º C, fezes normais, mucosas rosadas, TPC 1 segundo, FC 70 BPM , FR 24
movimentos/minuto, cálculos nos incisivos superior e inferior, ausência de 3 incisivos e 1 canino inferior,
apresenta muitas pulgas e alguns carrapatos (Rhipicephalus sanguineus), aumento de volume abdominal à
palpação (possivelmente hepatomegalia e esplenomegalia)

EXAMES COMPLEMENTARES
Potássio: 6,62 mEq/l (4,37-5,35), Amilase 3000 U/l (185-700, a 37º C), TG 80,4 mg/dl (38,1), pesquisa de
hemocitozoários positiva para Ehrlichia.

URINÁLISE
Método de coleta: micção natural Obs.:
Exame físico
cor consistência odor aspecto densidade específica (1,015-1,045)
amarelo fluida sui generis turva 1,043
Exame químico
pH (5,5-7,5) corpos cetônicos glicose pigmentos biliares proteína hemoglobina sangue nitritos
8,5 n.d. n.d. + ++ + n.d. n.d.
Sedimento urinário (no médio de elementos por campo de 400 x)
Células epiteliais: 0 Tipo: escamosas Hemácias:
Cilindros: 0 Tipo: Leucócitos:
Outros: Tipo: Muitos cristais de fosfato triplo Bacteriúria: leve
n.d.: não determinado

BIOQUÍMICA SANGÜÍNEA
Tipo de amostra: soro Anticoagulante: Hemólise da amostra: ausente
Proteínas totais: g/L (54-71) Glicose: mg/dL (65-118) ALP: U/L (0-156)
Albumina: 31,5 g/L (26-33) Colesterol total: 156 mg/dL (135-270) ALT: 3 U/L (0-102)
Globulinas: g/L (27-44) Uréia: 36 mg/dL (21-60) CPK: U/L (0-125)
BT: 1,29 mg/dL (0,1-0,5) Creatinina: 1,4 mg/dL (0,5-1,5) : ( )
BL: 0,86 mg/dL (0,01-0,49) Cálcio: mg/dL (9,0-11,3) : ( )
BC: 0,43 mg/dL (0,06-0,12) Fósforo: mg/dL (2,6-6,2) : ( )
BT: bilirrubina total BL: bilirrubina livre (indireta) BC: bilirrubina conjugada (direta)
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HEMOGRAMA
Leucócitos Eritrócitos
Quantidade: 16.500/µL (6.000-17.000) Quantidade: 5,27 milhões/µL (5,5-8,5)
Tipo Quantidade/µL % Hematócrito: 38,0 % (37-55)
Mielócitos (0) (0) Hemoglobina: 13,5 g/dL (12-18)
Metamielócitos (0) (0) VCM (Vol. Corpuscular Médio): 72 fL (60-77)
Bastonados 0 (0-300) 0 (0-3) CHCM (Conc. Hb Corp. Média): 35,5 % (32-36)
Segmentados 9.075 (3.000-11.500) 55 (60-77) Morfologia: Anisocitose discreta
Basófilos 330 (0) 2 (0) Plasma levemente ictérico
Eosinófilos 3.300 (100-1.250) 20 (2-10) Morfologia normal dos trombócitos
Monócitos 330 (150-1.350) 2 (3-10)
Linfócitos 3.300 (1.000-4.800) 20 (12-30) Plaquetas
Plasmócitos (0) (0) Quantidade: /µL (200.000-500.000)
Morfologia: Normal Observações:

TRATAMENTO E EVOLUÇÃO
Vibramicina (Doxiciclina, antibiótico) 5mg/kg BID por 3 semanas, é a droga de eleição para pacientes com
erliquiose e nefropatas, por ser a menos nefrotóxica.
Dieta hipoprotéica com a ração Canine K/d da Hill’s, indicada para cães com insuficiência renal, insuficiência
cardíaca leve a moderada e doença hepática pois apresenta fósforo reduzido, proteínas reduzidas, sódio
bastante reduzido, calorias não protéicas aumentadas, aporte ácido reduzido, vitaminas do complexo B
aumentadas e pH urinário neutro (6,8-7,2).
Remoção mecânica dos carrapatos e uso tópico de Frontline (Fipronil, ectoparasiticida) no animal.
Limpeza do ambiente com Butox (Deltamitrina, carrapaticida).
Banhos regulares no animal e escovação.

NECRÓPSIA (e histopatologia)
Patologista responsável:

DISCUSSÃO
A Erliquiose é uma moléstia infecciosa que acomete cães, eqüinos, bovinos, ovinos e felinos. O gênero
Ehrlichia é constituído por bactérias gram negativas pertencentes à família Ehrlichiae, sendo parasitas
intracelulares obrigatórios que infectam os leucócitos, podendo ser transmitidos pelos carrapatos vetores:
Amblyoma americanum, Dermacentor variabilis e Rhipicephalus sanguineus.
No desenvolvimento da erliquiose canina, a doença apresenta um período de incubação variando de 8 a 20
dias pós-inoculação, podendo se dividir em 3 fases: aguda, subclínica e crônica.
Na fase aguda, que pode durar entre 2 a 4 semanas, o microorganismo replica-se nas células
mononucleares da circulação, e o parasita dissemina-se para órgãos como baço, fígado, linfonodos. Outra
característica observada é o aumento de volume dos órgãos em conseqüência da hiperplasia linforreticular.
Os achados mais freqüentes são apatia, depressão, febre, cianose, intolerância ao exercício, dispnéia,
esplenomegalia. As anormalidades hematológicas e bioquímicas incluem trombocitopenia e anemia que pode
ser discreta. Outro achado comum é a hiperproteinemia resultante do aumento dos níveis de globulinas no
sangue sugerem uma resposta imune exacerbada que provavelmente é ineficiente.
A fase subclínica ocorre após a fase aguda e geralmente é assintomática, apesar de poderem ocorrer
anormalidades laboratoriais, e pode durar meses ou anos, mas geralmente dura de 6 a 9 semanas evoluindo
para a fase crônica. Estímulos estressantes ou tratamento imunossupressor durante esta fase podem
provocar a progressão para a fase crônica.
Na fase crônica os sinais da moléstia podem ser caracterizados como brandos ou graves nos cães
infectados. Nesta fase geralmente os animais apresentam-se apáticos e com infecções secundárias diversas,
sendo muito comum o aumento do tempo de sedimentação, coagulação do sangue e anemia, onde a
proteinúria é observada em conseqüência da lesão renal instalada devido à deposição de imunocomplexos
no rim, levando a uma azotemia com aumento dos níveis sangüíneos de uréia, creatinina e potássio.
Estes microorganismos provocam formação de anticorpos anti-eritrocitários que desencadeiam uma anemia
hemolítica que pode ser branda ou severa, sendo uma anemia do tipo arregenerativa o achado mais
freqüentemente documentado nos cães cronicamente infectados. Com isso, os níveis sangüíneos de
bilirrubina encontram-se aumentados devido ao metabolismo da hemoglobina, assim como mostram-se
presentes na urinálise bilirrubina e hemoglobina.
Geralmente a causa desencadeante da pancreatite canina e felina espontânea é desconhecida; mas, com
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base nas causas documentadas em pacientes humanos, estudos experimentais e observações clínicas, deve
ser considerada a nutrição como um dos fatores potenciais.
O pâncreas exócrino é altamente reativo às alterações nos substratos nutricionais presentes na dieta. Foi
relatado que a pancreatite é mais prevalente em animais obesos. Há evidências de que dietas ricas em
gorduras e pobres em proteínas induzem à pancreatite, e que a pancreatite é mais grave quando induzida
em cães alimentados com dieta rica em gorduras e menos grave quando induzida em animais magros.
Desconhece-se porque a hiperlipidemia pode causar pancreatite, mas foi sugerido que ácidos graxos tóxicos
são gerados dentro do pâncreas pela ação da lipase sobre concentrações anormalmente elevadas de
triglicerídios nos capilares pancreáticos.
A azotemia está freqüentemente presente na pancreatite, em geral sendo resultante da desidratação. A
insuficiência renal aguda pode ocorrer secundariamente à hipovolemia ou a outros mecanismos. Em alguns
casos ocorre hiperbilirrubinemia e animais com pancreatite supurativa freqüentemente apresentam
hipoglicemia. Hipertrigliceridemia é ocorrência comum, principalmente associada a uma dieta rica em lipídios
como é o caso da paciente.

CONCLUSÕES
Visto o resultado positivo para Ehrlichia na pesquisa de hemocitozoários, os problemas referentes ao
aumento dos níveis sangüíneos de amilase e triglicerídios podem ser decorrentes de problemas renais e
sobrecarga de lipídios na dieta respectivamente, não caracterizando necessariamente uma pancreatite. O
tratamento instituído para erliquiose irá solucionar a afecção inflamatória do pâncreas, sendo recomendada
uma reavaliação do paciente em três semanas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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LEGATZKI, K.; JORGE, P.S. Erliquiose canina: uma doença emergente? Revista Nosso Clínico, São Paulo,
março/abril 2002, p. 12-18.
NELSON, R.W.; COUTO, C.G. Fundamentos de medicina interna de pequenos animais. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 1994.
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