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07/08/2017 8 conceitos que você precisa conhecer para entender o que é dinheiro

8 conceitos que você precisa conhecer para entender o que é


dinheiro
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05/04/2017

“O que é o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.”
(Santo Agostinho)

Introdução

Há coisas que parecem ser evidentes. Sabemos intuitivamente o que é. Mas quando nos perguntam, não sabemos
responder. Assim como Agostinho afirmou não saber como responder à pergunta acerca do tempo, muitos de nós
nos veríamos embaraçados a tentar elaborar qualquer tipo de resposta relativa ao dinheiro. “O que é o dinheiro?” é
algo que todos parecem saber. Mas ao nos colocarmos a questão, poucos saberíamos explicá-la.

O dramaturgo, escritor e jornalista Nelson Rodrigues dizia que dinheiro compra tudo. Até o amor verdadeiro. A
frase é provocativa. Mas em nosso íntimo, sabemos que há limites para o poder do dinheiro. No entanto, negar a
importância e o fascínio que o dinheiro exerce sobre nós seria, no mínimo, ingênuo. Vejamos uma pequena fábula,
inventada sem nenhum propósito literário, que serve apenas para ilustrar os diversos usos do termo “dinheiro”,
suas aplicações e implicações.

Era uma vez um mundo possível em que João e Maria eram irmãos. Seus pais tinham pouco dinheiro. João e
Maria tiveram uma infância pobre. João, já adulto, casou-se por dinheiro, com uma mulher idosa. Passados alguns
anos João ficou viúvo e herdou todo o dinheiro de sua esposa. João ficou milionário. Maria se manteve solteira. E
pobre. Enquanto João aumentava seu dinheiro com aplicações que lhe rendiam juros, Maria vivia endividada. Uma
parte significativa do salário de Maria era gasto com juros, que incidiam sobre suas dívidas. O tempo passava e
João acumulava cada vez mais riqueza. E Maria acumulava mais dívida. O dinheiro trabalhava para João. E Maria
trabalhava por dinheiro. Um dia, cansada de tanta falta de dinheiro, Maria assassinou João. E herdou todo seu
dinheiro. Maria, como não era instruída, só confiava em dinheiro vivo. Vendeu todos os bens imóveis herdados de
João, sacou todo o dinheiro que havia no banco e guardou sua fortuna num grande cofre. Maria transformou todo o
patrimônio que era de João em um enorme volume de dinheiro, que mantinha cuidadosamente escondido no cofre
de sua modesta casa, tudo em espécie. A movimentação financeira de Maria chamou atenção da polícia. O crime
de Maria foi descoberto. Mas o cofre nunca foi encontrado. Tampouco o dinheiro. Condenada a 20 anos de prisão,
Maria sentiu-se tranquila. No fim das contas, sacrificar um tempo de sua liberdade em troca de tanto dinheiro
valeria a pena. Passados os anos, Maria é solta. Sua casa manteve-se intacta. E seu cofre ainda estava lá. Em seu
primeiro dia de liberdade, Maria saiu às compras para comemorar. Sacou um pacote de dinheiro do cofre e foi ao
supermercado. Para seu espanto, os preços estavam muito mais altos. Decorridos 20 anos, a quantidade de
dinheiro que Maria havia separado para as compras já não comprava tantas coisas assim. A quantidade de dinheiro
que Maria portava mal dava para o básico. A inflação havia desvalorizado seu dinheiro. Ainda assim, pelas contas
de Maria ainda dava para comprar alguma coisa. Mas a surpresa maior ainda estava por vir. Ao passar suas
compras no caixa, a funcionária do supermercado não reconheceu as notas que Maria lhe entregou. “Isso é
dinheiro velho”, afirmou a moça do caixa para o espanto de Maria. “Como assim?”, retrucou. “Isso aí não vale
nada”, respondeu a caixa. “Isso é nota de real. Antiga. Não vale nada. Agora o dinheiro se chama surreal. E
ninguém mais usa dinheiro de papel, dona. Isso foi proibido há muito tempo. Agora só no cartão ou celular. A
senhora é louca, é?” Maria, em estado de choque por se imaginar novamente sem dinheiro, sofreu um infarto
fulminante. E morreu.

Essa pequena fábula, cujo enredo parece ter sido extraído de algum folhetim de qualidade duvidosa, mostra os
diversos usos da palavra dinheiro. Muitos deles são metafóricos. Expressam recursos materiais, poder aquisitivo,
conforto, ambição, riqueza acumulada, ativos financeiros, remuneração, créditos, dívidas etc. O mais importante
que se pode depreender dessa breve história, para fins deste estudo, é o fato de o dinheiro, além de funcionar
como um meio de troca, também funciona como um multiplicador de riqueza. No mundo em que vivemos, dinheiro
cria dinheiro. Há também uma relação direta entre o valor do dinheiro e o tempo. Os juros recebidos não mais são
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do que o valor do dinheiro no tempo. A fábula mostra também que o dinheiro é um instituto jurídico-legal, cuja
validade é amparada por leis. Basta uma mudança legislativa para transformar o que antes era considerado
dinheiro em mero papel sem valor.

Assim, o que vai nos interessar nesse trabalho é o dinheiro em um sentido físico, o que inclui moedas metálicas,
papel-moeda e seus equivalentes eletrônicos, assim como suas funções, tais como definidas pela economia, quais
sejam: meio de troca, unidade de conta e reserva de valor. A partir desses usos econômicos será buscada uma
compreensão acerca do que é o dinheiro em suas diversas acepções. Para tanto, será feito um inventário de
algumas teorias econômicas e sociais acerca do dinheiro. Em seguida será apresentada a hipótese de o dinheiro
ser algo simultaneamente físico, abstrato e imaginário, conforme proposto por Emma Tieffenbach, professora do
departamento de Filosofia Política da Universidade de Genebra, no livro Aristote chez les hèlvetes. Finalmente,
serão apresentadas algumas considerações sobre o dinheiro como entidade social, em referência ao trabalho do
filósofo John Searle acerca do tema.

1. O dinheiro como meio de troca, unidade de conta e reserva de valor

Economistas utilizam o termo dinheiro de um modo específico. Embora quem tenha muito dinheiro possa ser
considerada rica, nem todos os ricos possuem sua riqueza em dinheiro. Há, portanto, uma diferença entre riqueza
e dinheiro. Em termos técnicos, para um economista dinheiro (ou moeda) “significa um estoque de ativos que
podem ser prontamente utilizado para realizar transações” (Mankiw, 2015, p. 58).

Segundo a teoria econômica, o dinheiro, ou a moeda (na terminologia dos livros-texto de economia), possui três
funções básicas, conforme apresentadas a seguir.

1.1 Meio de troca

Como meio de troca, o dinheiro é aquilo que utilizamos na aquisição de bens e serviços. Em uma economia
moderna, baseada na divisão social do trabalho, não precisamos nos preocupar em produzir tudo aquilo de que
necessitamos. Tampouco dependemos de trocas para satisfazer nossas necessidades, como nossos antepassados
que praticavam o escambo. O escambo exigia que houvesse sempre uma coincidência de anseios entre as
pessoas engajadas nas trocas. Se um produtor de sapatos necessitasse de arroz, teria que encontrar alguém que
produzisse arroz, e, além disso, estivesse interessado em sapatos. O dinheiro, como mercadoria universal,
substituiu a necessidade de troca de bens. As transações passaram a ser indiretas. Se um sapateiro necessita de
arroz basta utilizar o dinheiro ganho em sua atividade para comprá-lo diretamente em um mercado.
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1.2 Unidade de conta

Muitas coisas podem ser expressas em dinheiro. Se não as coisas elas mesmas, mas os valores dessas coisas
podem ser quantificados em dinheiro. Esse valor é chamado preço. Certamente há coisas que o dinheiro não
compra, isto é, coisas que não são traduzíveis em dinheiro. Essa é uma questão do campo da ética, não da
economia. Mas é possível afirmar, com certo grau de certeza, que praticamente tudo tem seu preço. O dinheiro,
portanto, “define como os termos segundo os quais os preços são determinados e as dívidas registradas (Mankiw,
2015, 58)”. Quando alguém vai numa concessionária de veículos para comprar o carro, o vendedor lhe informa o
preço em termos monetários, não em termos de outra mercadoria, ainda que haja mercadorias cujos preços sejam
equivalentes. O mesmo vale para uma dívida. Os balanços de uma empresa e o PIB de um país, embora
representem muitos itens não monetários, são ambos expressos em dinheiro. O dinheiro, portanto, “constitui o
padrão por meio do qual mensuramos as transações econômicas (Mankiw, 2015, 59)”.

1.3 Reserva de valor

Para os economistas, o dinheiro (ou moeda) como reserva de valor é uma maneira de se adiar o poder de compra
que se tem no presente para um momento futuro. Essa função do dinheiro tem algumas implicações importantes.
Uma delas é a possibilidade de especulação. Se tenho dinheiro hoje para comprar uma casa, mas o mercado
imobiliário está aquecido, posso especular acerca de uma queda de preços no futuros e guardar meu dinheiro para
utilizá-lo em um momento mais vantajoso. Outra implicação importante é a possibilidade de perda do valor
intrínseco da moeda em decorrência da inflação. Há sempre o risco da perda do poder de compra futuro, salvo se
os recursos financeiros em dinheiro forem mantidos sob a forma de uma aplicação financeira remunerada por juros.
Neste caso, há um prêmio pelo adiamento do uso dos recursos.

1.3.1 O valor do dinheiro no tempo

Economistas dizem que o dinheiro tem um valor no tempo. Esse valor chama-se juros. O setor bancário se
alimenta basicamente de juros, sobretudo no Brasil, cujas taxas de juros estão entre as maiores do planeta. Trata-
se do único de que se tem notícia cujo lucro decorre essencialmente do passivo propriamente dito, ou seja, de sua
dívida. Para todos os outros setores, inclusive as pessoas físicas, uma dívida sempre custará dinheiro.

Mas para os bancos, um depósito será sempre uma fonte de lucro. A principal fonte, diga-se de passagem. No final
das contas, os bancos vivem de emprestar o dinheiro dos outros. Até quando ele nos paga alguma coisa para
fazermos depósitos a prazo, a título de aplicação, ele lucra emprestando esses valores a uma taxa muito maior do
que aquela com a qual remunera os correntistas (taxa de captação). Isso recebe o sofisticado nome de spread
bancário.

Vejamos um exemplo:

Se deixarmos uma conta de cheque especial a descoberto em R$ 1.000,00, supondo uma taxa de 11% ao mês, por
um prazo de doze meses, ao final do período a dívida estará em R$ 3.498,00. Ao final de cinco anos, a mesma
dívida, supondo a mesma taxa de juros de 11%, será de R$ 524.057,00. É o efeito perverso dos juros compostos.
Por outro lado, se aplicarmos R$ 1.000,00 pelos mesmos cinco anos, a uma taxa de captação de 1% ao mês,
obteremos ao final do período, em nossa conta bancária, R$ 1.816,69. A diferença entre o valor recebido e o valor
cobrado pelo banco a título de juros é de R$ 522.240,31. Os números são assombrosos.

2. O papel dos bancos na criação de dinheiro


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Quando efetuamos um depósito bancário à vista, no balanço do banco esse depósito aparece como um passivo, ou
seja, representa uma obrigação para ele em face do depositante. Mas os bancos, e somente os bancos, têm o
privilégio legal de emprestar esses depósitos a terceiros e ainda receber uma remuneração pela transação. Os
juros.

Assim, os bancos criam dinheiro novo graças a um sistema denominado reservas fracionadas. Quando
depositamos, digamos, R$ 100 na nossa conta bancária, o banco mantém apenas uma fração desse valor
entesourado – por exemplo, 10% – e pode emprestar o restante. Alguém recebe o empréstimo de R$ 90 e deposita
o dinheiro no sistema bancário, o que permite que o banco, de novo, retenha 10% e empreste o restante.

Ao fim da cadeia, o banco terá criado dinheiro novo, que existe apenas escrituralmente, e sobre o qual pode
receber juros, por meio de suas operações de crédito. Um dinheiro, portanto, gerado sem nenhum suporte material,
e sem nenhum lastro em transações da economia real (produção e comercialização de bens e serviços).

Como em condições normais ninguém vai sacar todo o dinheiro depositado simultaneamente, os bancos têm
autorização legal para emprestar esses valores não utilizados. A mágica está feita. O dinheiro é criado e sustentado
apenas por uma relação de confiança, amparada pelo direito. Trata-se, portanto, de um exemplo do caráter de
construção coletiva do dinheiro.

Para o historiador Yuval Norah Harari, o “dinheiro não é uma realidade material – é um construto psicológico. Ele
funciona convertendo matéria em espírito” (Harari, 2012, p. 187). E acrescenta: “Os bancos, assim como toda a
economia, funcionam com base na extraordinária capacidade de imaginação humana. Sobrevivem e florescem em
razão da nossa confiança no futuro. Essa confiança é a única garantia para a maior parte do dinheiro do mundo”
(Harari, 2012, p. 317). Parece haver, portanto, um componente quase ficcional no dinheiro, tal como é utilizado nas
avançadas economias capitalistas.

3. Os tipos de dinheiro ou moeda


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O dinheiro assume diversas formas. Pedaços de papel, moedas metálicas e registros eletrônicos no computador de
uma instituição financeira. Nenhuma dessas formas teria valor se não fossem aceitas como dinheiro. Mas é
importante ressaltar que em nenhuma dessas formas há um valor intrínseco. Quando o dinheiro não possui valor
intrínseco é chamado de moeda fiduciária, pois é instituída por determinação legal de um Estado. Nas economias
de hoje, quase todas as formas de moeda são fiduciárias. Isso significa que não são lastreadas por nenhuma
mercadoria cujo valor seja utilizado como equivalente. O dinheiro, nesses termos, só pode ser expresso nele
mesmo. Uma casa pode valer um milhão de dólares. Um dólar valerá sempre um dólar. Um número puro.

4. Algumas teorias acerca do dinheiro – Simmel e Marx

Muitos pensadores refletiram acerca do significado do dinheiro. A seguir, será apresentada uma breve súmula com
algumas concepções sobre o tema, destacadas no livro do economista João Sayad, intitulado Dinheiro, dinheiro.
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4.1 George Simmel

Para George Simmel, uma sociedade de indivíduos livres, que podem decidir sobre certos fatos econômicos, como
por exemplo, se trabalham ou não, e em que trabalham, se como assalariados ou donos de algum tipo de negócio,
só pode existir se houver dinheiro. É a existência do dinheiro que permite a divisão social do trabalho. E a formação
de excedentes.

O dinheiro, nessa concepção, é objetivo. Uma nota de 100 dólares é igual a qualquer outra nota de mesmo valor.
Não depende de quem a utiliza, tampouco de uma interpretação subjetiva acerca de seu valor. O dinheiro, portanto,
estabelece relações impessoais. “No limite, consegue atribuir à relação humana mais íntima, o sexo, um preço, que
é expresso em quantidade de dinheiro” (Sayad, 2015, p.134).

O dinheiro é fungível. Se trocarmos uma nota de 100 dólares por outra de 100 dólares não há nenhuma diferença.
O dinheiro também permite comparar tudo que pode ser reduzido a um preço. Quase tudo tem um preço ou pode
ser precificado.

O dinheiro é anônimo. Não se indaga sobre quem efetivamente emitiu uma nota de 100 dólares. Quando
recebemos um troco em dinheiro, jamais saberemos a origem daquelas notas, isto é, quem as utilizou previamente
a nós.

O dinheiro é sigiloso. Salvo nos casos de quebra de sigilo bancário por determinação legal, ninguém sabe a
quantidade de dinheiro possuída ninguém, seja a de um milionário, a do vizinho do lado ou do mendigo da esquina.
Na prática, os paraísos fiscais existem para tornar secreto e invisível o dinheiro de origem criminosa.

Por fim, “o dinheiro é ao mesmo tempo nada, um pedaço de papel estampado ou uma moeda que contém algum
metal precioso, e tudo, pode ser transformado em qualquer coisa” (Sayad, 2015, p. 136).

4.2 Karl Marx

Em O Capital, Marx faz uma espécie de análise ontológica da mercadoria. Conclui que a mercadoria é dialética:
uma unidade de contrários, representada pelo seu valor de uso e valor de troca. O substrato da mercadoria seria o
trabalho humano, representado abstratamente pela força de trabalho média de uma dada sociedade. O dinheiro,
por sua vez, seria uma mercadoria universal, capaz de expressar o valor de todas as mercadorias. No tempo de
Marx, o dinheiro ainda era lastreado em ouro. Uma espécie de símbolo. Representava o ouro, mas não era ouro.

Atualmente, sem a existência de nenhum lastro em metais preciosos, o dólar passou a ser a referência mundial,
aceito universalmente como moeda de troca. Para outros países, suas respectivas moedas têm seus valores
cotados em relação ao dólar. Com a exceção dos Estados Unidos, que é o emissor legal dessa moeda, o dólar
funciona como uma mercadoria, cujo valor depende da taxa de câmbio. A obtenção de dólar, para composição de
reservas cambiais dos demais países, é possibilitada pelas exportações ou empréstimos.

Para Marx, nas economias tradicionais, o dinheiro funcionava em espécie de circuito: mercadoria-dinheiro-
mercadoria (M-D-M). Produzia-se mercadoria, trocava-se por dinheiro, que seria mais uma vez trocado por
mercadoria. A função do dinheiro limitava-se, portanto, a mero meio de troca. Nas sociedades capitalistas, há um
novo circuito: dinheiro, mercadoria, dinheiro (D-M-D’). O dinheiro se transforma em mercadorias para que estas
sejam transformadas em mais dinheiro. O objetivo final da sociedade capitalista passa a ser a acumulação de
dinheiro (capital).

O dinheiro seria, portanto, em Marx, uma figura sui generis, que representasse um “universal concreto”. Na lição de
João Sayad, “é como se ‘o boi’, a ideia abstrata de boi, a palavra boi estivesse pastando no mesmo pasto com bois
reais, bois particulares e concretos”. Na economia capitalista esse signo (o dinheiro), “se transforma em fetiche –
não deixa ver o que está por trás, ou a essência da economia capitalista, o capital que se valoriza” (Sayad, 2015, p.
142).

5. O dinheiro como objeto físico, abstrato e imaginário


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Para Tieffenbach, o dinheiro é uma coisa ao mesmo tempo física, abstrata e imaginária, sem, contudo, representar
de maneira perfeita nenhuma dessas três classes de objeto. Assim, embora o dinheiro possua características
físicas, abstratas e imaginárias, não é possível enquadrá-lo precisamente a nenhum delas.

5.1 Objeto físico

O dinheiro é algo perceptível na maior parte do tempo. Segundo Tieffenbach, é possível tocá-lo e identificá-lo sem
muito esforço. Ao longo da história, o dinheiro já tomou várias formas, de metais preciosos a cigarros, e até mesmo
a de seres humanos em tempos de escravidão. Fisicamente, hoje em dia, o dinheiro assume geralmente a forma
de um pedaço de papel com determinados atributos específicos que tornam possível identificá-lo como legítimo,
quando presentes, e como falso, na ausência desses atributos.

Há uma forma, um peso, uma cor, e até um odor específico. Todos atributos físicos. Sua fragilidade corresponde a
de um pedaço qualquer de papel que, ao ser queimado, é destruído. Mas existe algo mais. Um valor atrelado a
esse pedaço de papel que o transcendo enquanto objeto físico. Assim, queimar uma nota de 100 dólares equivale
também a “queimar” 100 dólares. Conclui-se, portanto, que uma nota de dinheiro é mais do que um simples pedaço
de papel.

Enquanto um bilhete tem, por exemplo, um valor de 100 dólares, no caso de uma nota de 100 dólares, o papel em
si, que dá o suporte físico a esse valor, possui apenas o valor gráfico de sua confecção. No caso da nossa fábula
introdutória, o papel das notas do dinheiro de Maria sobreviveu à desaparição de sua existência legal como moeda,
mas o dinheiro, em si, cessou de existir. Fica claro, portanto, que a nota de 100 dólares e o papel que a representa
não partilham as mesmas propriedades. Portanto, não se pode falar estritamente em identidade. De acordo com
Tieffenbach, tudo que podemos afirmar é que “o dinheiro coincide com alguma coisa de físico” (Tieffenbach, 2014,
p. 48).

5.2 Objeto abstrato

No passado, durante muito tempo, o dinheiro era representado por peças de ouro e prata. Havia, portanto, um valor
atrelado ao seu peso em metal precioso. Sua constituição física era inseparável de seu valor. Posteriormente,
surgiram as notas bancárias, que representavam um certificado da quantidade de metais preciosos depositados
nos bancos. O portador de tais notas poderia resgatar o equivalente aos valores nelas expressos, em ouro ou
prata, ou qualquer outro tipo de metal precioso equivalente.
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Nos dias de hoje, o dinheiro depositado no banco, como vimos anteriormente no item 3, não tem uma existência
física. Trata-se de um valor escritural, intangível, registrado no banco de dados de uma instituição financeira. Em
rigor, o que está registrado no banco em meios magnéticos não é exatamente o dinheiro em si, mas uma
representação dele.

Vimos também que os bancos trabalham com reservas fracionárias, o que faz com que o conjunto de depósitos
efetuados em um banco por seus correntistas seja inferior à base monetária com que o banco trabalha. Há,
portanto, um descompasso entre os valores creditados nas contas bancárias e a sua existência real. Isso é
possível ser verificado claramente no caso em que todos os correntistas se apresentam para sacar seus saldos em
dinheiro. Os bancos se tornariam imediatamente insolventes.

Segundo Tieffenbach, “o dinheiro parece ser capaz de possuir uma existência independente de todo suporte físico”
(Tieffenbach, 2014, p. 49). Há, portanto, em relação ao dinheiro, de acordo com Tieffenbach, uma atribuição de
existência abstrata, do mesmo modo que atribuímos aos nomes e aos conceitos. Mas ao contrário dos nomes e
conceitos, que são atemporais, o dinheiro possui uma história. O dinheiro é criado a partir de uma data específica,
por estipulação legal. E, assim, podem desaparecer. É o caso do franco francês, da lira italiana e da peseta
espanhola, que desaparecem no dia em que o euro se tornou a moeda oficial dos países da União Europeia que
aderiram à união monetária.

5.3 Objeto imaginário

A existência do dinheiro parece depender inteiramente de nós. Enquanto as montanhas e oceanos resistirão ao
nosso possível desaparecimento enquanto espécie na Terra, o dinheiro se extingue junto conosco. Como aponta
Tieffenbach, num certo sentido, o dinheiro se comporta como um produto de nossa imaginação, ou seja, “como
qualquer coisa cuja existência está inexoravelmente ligada aos pensamentos que temos a seu respeito”
(Tieffenbach, 2014, 49). No entanto, o dinheiro não é como um unicórnio de três cabeças ou como uma ficção
qualquer que depende apenas daquilo que nossa imaginação é capaz de conceber. No dinheiro, a capacidade
imaginativa que nos é exigida quando estamos de posse de uma nota de 100 dólares está sujeita a regras estritas,
cujos impactos no mundo real são igualmente reais.

Segundo Tieffenbach, a existência do dinheiro dependeria apenas em parte das nossas capacidades imaginativas.
Se ao sair de casa, alguém deixa cair uma nota de 100 dólares, que o vento leva para longe dos olhos das pessoas
que circulam pelas ruas, a nota ainda continuará a existir. E enquanto mantiver suas propriedades físicas, não
perderá seu valor. Caso alguém a encontre, a nota continuará servindo para seus propósitos. Assim, o dinheiro
possui uma existência mais autônoma do que a de um personagem ficcional, como Sherlock Holmes. Sem
mencionar seus efeitos práticos no dia a dia das pessoas.

6. O dinheiro e suas propriedades


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Ainda de acordo com Tieffenbach, as propriedades físicas das coisas que nós utilizamos como dinheiro parecem
não ser tão essenciais para que elas cumpram sua função. Um martelo, para cumprir sua função, depende
diretamente da sua forma e de sua matéria, além da destreza de quem o utiliza. Com o dinheiro, esse parece não
ser o caso. Suas propriedades, portanto, não seriam essenciais a sua função. Algumas formas de dinheiro
utilizadas no passado, como o gado, por exemplo, pode não a mais prática possível, sobretudo nos dias de hoje.
Mas, de algum modo, cumpriu sua função. Por sua vez, um martelo não pode ser substituído por um pedaço de
papel, e ainda assim continuar a cumprir a sua função. Em comparação ao martelo, a quantidade de suportes
físicos, ou até virtuais, que o dinheiro pode assumir parece praticamente ilimitada.

No entanto, nem tudo pode ser utilizado como dinheiro indiscriminadamente. Há algumas características
indispensáveis para que algo seja estabelecido como dinheiro, sem comprometer a sua função. Tieffenbach propõe
uma lista, não exaustiva, de cunho meramente exemplificativo. Vejamos.

Em primeiro lugar, o dinheiro deve ser alguma coisa que possa ser trocada. E só podemos trocar aquilo que
possuímos. Entende-se como posse, para fins dessa análise, não o conceito jurídico que distingue entre posse e
propriedade, mas um sentido mais geral, que representa uma forma de poder sobre as coisas.

Ter posse de algo, nos termos aqui definidos, trata-se de algo que se pode dispor e controlar à vontade.
Sentimentos como admiração, reconhecimento e estima não são passíveis de serem controlados, ou menos não é
possível exercer um controle direto sobre eles, portanto não poderiam ser qualificados como dinheiro. Possuir algo
também implica a possibilidade de sua utilização exclusiva.

Outra condição para algo se qualificar como dinheiro seria a sua raridade. Sua relativa escassez. Se dinheiro fosse
algo de fácil obtenção ninguém precisaria se esforçar para obtê-lo. O que o tornaria sem valor para finalidade de
trocas. Finalmente, para que tenha um estatuto de dinheiro, é necessário que um objeto seja utilizado não de forma
aleatória e pontual, mas de modo regular para a maioria das pessoas.

7. Algumas especulações metafísicas


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Parece que o dinheiro, ainda que muitas vezes se comporte de maneira análoga a objetos físicos, abstratos e
imaginários, não se reduz a nenhuma dessas três categorias. Trata-se, portanto, de um objeto híbrido, de difícil
enquadramento ontológico nos moldes tradicionais.

Quanto a ser um universal quantificável, cujas propriedades sejam uma medida numérica, parece ser esse o caso.
Abstraindo de todos seus outros atributos, o dinheiro seria representado numericamente por uma medida discreta,
não contínua, dividida em frações (centavos), sem atingir valores negativos. Um número puro. O valor negativo
seria algo possível não como um valor assumido pelo dinheiro, mas tão somente a representação de uma dívida.

Quando, por exemplo, estamos com valores negativos no banco (cheque especial), não parece tratar-se de um
valor monetário negativo, mas de uma dívida assumida pelo uso de recursos de terceiros (no caso o banco). Em
outras palavras, não haveria dinheiro negativo estrito senso, mas uma dívida representada por valores expressos
em moeda, cuja configuração negativa seria apenas uma questão linguística.

O dinheiro é um evento histórico. Surgiu historicamente, logo começou a existir em algum momento do tempo. E o
que ele foi antes, no passado, por exemplo, no período do padrão-ouro, já não é mais no presente. E o que ele é
hoje muito provavelmente não o será no futuro. O dinheiro é contingente, não necessário. Poderia jamais ter sido
criado. Não se trata de algo existente necessariamente em todos os mundos possíveis.

Para John Searle, o dinheiro é uma entidade emergente, não fundamental. Fatos e entidades sociais se
sobrepõem a fatos brutos (físicos, naturais) e dependem da intencionalidade coletiva. Em relação ao dinheiro, se
pensarmos nele como uma entidade social, parece que ele começa a existir por estipulação, no tempo e no
espaço, a partir de um acordo coletivo. Trata-se de uma hipótese bastante defensável. No entanto, vimos que há
casos em que o dinheiro parece adquirir uma feição misteriosa, como um Fiat, cuja emergência não se atrela a
nenhum fato físico.

O interessante é que esses valores monetários são passíveis de incidência de juros, que nada mais é do que o
valor do dinheiro no tempo, e que fazem aumentar o montante inicial de dinheiro, no caso de uma aplicação
financeira, ou diminuí-lo, no caso de uma dívida bancária. Mas nesses casos, talvez seja possível argumentar que
não é exatamente o dinheiro, em si mesmo, que causa essa variação, mas produtos a ele correlatos, como um
título de renda fixa ou financiamentos bancários. Essa variação não seria exatamente do dinheiro em termos puros,
mas de ativos ou passivos (para utilizar uma linguagem contábil) a ele atrelados. As variações decorreriam,
portanto, da relação do dinheiro com o tempo.

A postergação de seu uso (aplicações, poupanças) seria passível de uma variação positiva, enquanto a
antecipação de seu uso (cheque especial etc.) implicaria uma variação negativa. Mas o resultado final seria o
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surgimento de mais dinheiro, em termos quantitativos, o que parece nos colocar num impasse filosófico: se o
dinheiro fosse apenas resultante de fatos brutos que emergem a partir de uma intencionalidade coletiva, como
justificar a multiplicação do dinheiro por ele mesmo?

Em razão dos juros, teria então o dinheiro a capacidade de se reproduzir por ele próprio? É possível dizer que
nesses casos o dinheiro funcionaria como uma espécie de causa de si mesmo? Embora seja essa a intuição, a
questão é de difícil resolução. Inicialmente é possível argumentar que a existência de juros efetivamente não faz
com que dinheiro crie dinheiro, salvo metaforicamente.

Seria apenas uma transferência de dinheiro já existente, por parte do devedor para o credor. Quem toma dinheiro
emprestado antecipa no tempo um recurso que ainda não dispõe. E paga pela antecipação. Quem empresta, por
sua vez, adianta um recurso para terceiros, e é remunerado por esse adiantamento. Mas se parte desses recursos
emprestados não existem de fato, surgem a partir de reservas fracionárias, como vimos no item 2, então há, em
certo sentido criação de dinheiro, uma vez que a base sobre a qual incide o juros decorre de uma ficção jurídica,
qual seja, a possibilidade de um banco emprestar recursos que, de fato, não possui.

A questão da inflação parece mais simples. A variação não é nominal. Não se pode afirmar que uma nota de 100
dólares passou a ser uma nota de 90 dólares em função da inflação. O que ocorre é a perda de poder aquisitivo da
moeda. A nota de 100 dólares continua valendo 100 dólares. Contudo, houve uma perda de valor em relação bens
e serviços passíveis de serem adquiridos ou contratados mediante pagamento em dinheiro.

O dinheiro é, portanto, uma entidade relacional. Tanto em função de quem o possui, quanto em função daquilo com
o qual ele pode ser trocado.

8. O dinheiro como entidade social

De acordo com John Searle, as entidades sociais são categorias constituídas por uma “imensa ontologia invisível”.
O dinheiro estaria dentro dessa categoria, das entidades sociais, que seriam “o produto da intencionalidade
coletiva, que as elabora convencionalmente a partir de objetos e eventos naturais” (Varzi, 2005, 96).

Assim, uma nota de 100 dólares, por exemplo, seria fruto de um acordo estabelecido coletivamente, segundo o
qual todo pedaço de papel dotado das mesmas características dessa nota, vale igualmente 100 dólares, dentro do
contexto econômico e jurídico atual.
07/08/2017 8 conceitos que você precisa conhecer para entender o que é dinheiro

Portanto, aquele pedaço de papel correspondente a uma nota de 100 dólares, poderia perfeitamente existir
independentemente desta estipulação (como um objeto de arte, por exemplo), mas ele adquire uma “realidade
social” no momento em que se decide, coletivamente, que seus detentores poderão utilizá-lo para contratar
serviços ou adquirir bens de consumo.

De acordo com Achille C. Varzi, generalizando, a teoria de Searle “poderia ser resumida à hipótese segundo a
qual os ditos objetos e eventos sociais resultariam da aplicação de uma regra constitutiva traduzida na seguinte
fórmula” (Varzi, 2005. 98):

x conta como y no contexto c

Para Varzi, essa regra traduz “uma postura realista e profundamente reducionista: as entidades sociais existem,
mas não são nada além de entidades físicas sobre as quais nós atribuímos uma importância social” (Varzi, 2005, p.
98). De fato, tal regra constitutiva parece não capturar as situações em que o dinheiro não retira sua existência do
suporte em entidades físicas, como no caso da moeda escritural, criada a partir de transações bancárias com o uso
de reservas fracionárias, assim como nos casos em que o dinheiro é criado a partir dele mesmo, ao se multiplicar
quantitativamente por meio da incidência de juros sobre juros, e também nos casos em que o dinheiro é
meramente um registro eletrônico num banco de dados de uma instituição financeira qualquer.

Conclusão

Surgido inicialmente como um meio de facilitar trocas, de modo a evitar que fosse sempre necessária uma
coincidência de interesses entre aqueles que participassem de um eventual escambo, o dinheiro adquiriu contornos
próprios e se tornou uma instituição de caráter social.

É, portanto, algo mais que um expediente facilitador de trocas. Seu impacto na vida das pessoas é inegável. Nas
economias contemporâneas, a existência de fluxos financeiros positivos é crucial para a sobrevivência material de
indivíduos, organizações e governos. Há uma lógica de interdependência entre o dinheiro e a sociedade.
Dependemos do dinheiro. E o dinheiro depende de nós. Sua existência emerge das necessidades humanas. Ainda
que possamos não ter a exata consciência de quão complexo é o seu funcionamento, parece que o dinheiro, no fim
das contas, é aquilo que nós fazemos dele, historicamente.

As teorias intencionalistas do dinheiro são válidas no sentido de captar o aspecto sociológico da emergência do
dinheiro. Mas parecem pecar pelo excesso de esquematismo. Soa um pouco como vício contratualista acreditar
que houve um pacto prévio, estipulando a existência do dinheiro a partir de um sistema anterior de representações
e crenças. O mais provável talvez seja que o dinheiro, tal como o concebemos hoje, estaria de tal modo
impregnado no interior das práticas sociais de nosso tempo que seria impossível delas se destacar,
independentemente de nossa compreensão intelectual, ou mesmo de nossa sofisticação conceitual. A se
considerar essa hipótese, a teoria intencionalista estaria invertida, pois somente a partir dos usos efetivos do
dinheiro é que um sistema de representações e crenças teria sido criado, de modo a justificá-lo e torná-lo
confiavelmente operacional.

A legalidade de um sistema bancário capaz de criar dinheiro a partir do nada, como destacado no item acerca das
reservas fracionárias, impõe um desafio maior: o dinheiro seria algo baseado na confiança apenas. Sua existência
seria um ato de fé. Talvez o dinheiro não passe de um mito. Uma ilusão monetária. Da qual nos tornamos
praticamente escravos. Como disse certa vez Roland Barthes, “a função principal do mito é transformar o que é
contingente em natural”. Seria esse o caso do dinheiro?

Bibliografia

• HARARI, Yuval Noah (2012). Sapiens. Uma breve história da humanidade. L&PM.
• IMAGUIRE, Guido; ALMEIDA, Custódio Luís S. de.; OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. (2007). Metafísica
contemporânea. Editora Vozes.
• MASSIN, Olivier; MEYLAN, Anne. Aristote chez les helvètes. Les Éditions d’Ithaque.
• MANKIW, Gregory. Macroeconomia. LTC.
• SAYAD, João (2015). Dinheiro, dinheiro. Portfolio Penguin.
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• SEARLE, John (1995). The Construction of Social Reality. New York, Free Press.
• VARZI, Achille C. (2005). Ontologie. Les Éditions d’Ithaque

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