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CONTRIBUIÇÕES QUANTO À RESISTÊNCIA À DEFORMAÇÃO PERMANENTE DE

MISTURAS ASFÁLTICAS

Beatriz Chagas Silva Gouveia, Juceline Batista dos Santos Bastos, Jorge Barbosa Soares

RESUMO
A deformação permanente é um dos principais defeitos observado nos pavimentos das rodovias cearenses, submetidos a
um clima quente e seco na maioria dos meses do ano. No entanto, os métodos tradicionais de dosagem de misturas
asfálticas adotadas no Brasil não são capazes de inferir de forma eficiente o desempenho de uma mistura em campo. O
presente estudo apresenta os resultados decorrentes de melhorias aplicadas na dosagem de uma mistura asfáltica,
originalmente aplicada em uma obra de restauração de uma Rodovia Federal monitorada no estado do Ceará. A Mistura
Original (MO) foi dosada pelo método Marshall, apresenta um teor de ligante de 5,8% e contém 42% de areia. Duas
misturas alternativas foram dosadas pela metodologia Superpave, utilizando o mesmo ligante e o mesmo agregado de
origem granítica (graúdo e miúdo). Foi excluída toda a areia para a Mistura Alternativa 1 (MA1); e excluída toda a areia
e adicionado 18% de material fresado para a Mistura Alternativa 2 (MA2). Ambas as misturas alternativas apresentam
teor de ligante de 4,5%. Para avaliar essas misturas, foram realizados os ensaios de módulo dinâmico (MD) e uniaxial
de carga repetida. Os resultados evidenciaram um aumento nos valores de MD em médias e altas temperaturas, e o Flow
Number saltou de 30 na MO, para acima de 750 na MA1 e acima de 2500 para a MA2. Observa-se a importância de se
considerar no Brasil outros procedimentos além da dosagem Marshall com vistas à melhoria do desempenho das
misturas asfálticas.

Palavras Chave: Deformação permanente; Módulo Dinâmico; Fresado; Superpave.

ABSTRACT
Rutting is the major Hot Mix Asphalt [HMA] distress in highways in the State of Ceará, which is under hot and dry
climate throughout most of the year. However, Brazilian current HMA mix design and subsequent testing procedures
provide no insight with respect to rutting in the field. This study presents the results of the improvement on a HMA,
originally applied in a rehabilitation project of a monitored federal highway. The original mixture [MO] was designed
with the Marshall methodology. It presented 42% of sand, 5.8% binder content, and crushed granite stone as the coarse
aggregate. Two alternative mixtures were designed using the Superpave methodology, using the same binder, the same
crushed granite stone aggregate, and excluding all the sand, substituted by the fine material of the crushed granite stone
for the alternative mix 1 [MA 1]; and excluding all the sand, substituted by the fine material of the crushed granite stone
and by the 18% of Recycled Asphalt Pavement [RAP] for the alternative mix 2 [MA 2]. Both alternative mixes
presented a 4.5% binder content. Laboratory tests were performed to evaluate the expected improvement: Dynamic
Modulus [MD] and Flow Number [FN]. The results evidenced an increase of on MD at medium to high temperatures
[37.8 and 54.4°C], and the FN increased from a very low value of 30 for the MO, to over 750 for MA 1, and to over
2500 for MA 2. It is noted the importance of considering procedures other than the Marshall Method with the objective
of improving performance of HMA with respect to rutting.

Keywords: Rutting; Dynamic Modulus; Recycled Asphalt Pavement; Superpave.

INTRODUÇÃO

O acúmulo de pequenas quantidades de deformação não recuperável, resultantes da aplicação das


cargas dos veículos cria uma perda de capacidade de drenagem do pavimento, resultando em danos
causados pela água. Essa deformação permanente, também chamada de afundamento de trilha de
roda, apesar de ser indesejada, é um defeito estrutural muito comum nos pavimentos asfálticos do
Brasil (Guimarães, 2009).

As temperaturas elevadas (acima de 60ºC), comumente encontradas nos pavimentos do nordeste


brasileiro durante quase todo o ano, contribuem para a redução da rigidez do ligante e o aumento da
deformação permanente dos pavimentos dessa região. A busca pela seleção de materiais que
forneça uma melhor resistência a essa falha ainda é um desafio em nosso país.

Quanto aos materiais, os principais fatores que contribuem para a formação deste defeito são: (i)
percentual de ligante asfáltico elevado, (ii) granulometria com alto teor de finos, (iii) ligante
asfáltico com consistência baixa para a temperatura da região, (iv) agregados com baixa
angularidade, baixa rugosidade e forma esférica, (v) temperaturas elevadas, (vi) resistência ao
desgaste do agregado e (vii) compactação insuficiente.

A partir dos fatores que contribuem para a formação da deformação permanente, destaca-se o
método de dosagem. O método de dosagem Marshall, utilizado atualmente para projetos de
revestimento asfáltico no Brasil (exigido pelo órgão fiscalizador no país), resulta em um teor de
ligante superior quando comparado ao método Superpave (amplamente utilizado em países como
Estados Unidos e na Europa e restrito apenas em pesquisas experimentais e concessionárias do
país), pois a energia de compactação do compactador giratório Superpave é mais severa que o
método por impacto do procedimento Marshall.

Assim, esses fatores têm contribuído de forma isolada e/ou em conjunto para o surgimento precoce
dessa falha e isso tem levado à adoção de estratégias para melhorar as propriedades originais dos
ligantes asfálticos. A modificação de ligantes asfálticos por polímeros vem se consolidando nas
últimas décadas como uma técnica eficiente para lidar com as situações cada vez mais críticas de
carregamento e temperatura às quais os pavimentos são diariamente submetidos durante a vida de
serviço. No entanto, os ligantes modificados por polímeros necessitam de alguns cuidados na
aplicação, quais sejam: exigência de temperaturas mais elevadas para a modificação do ligante,
necessárias para obter uma viscosidade adequada a fim de recobrir e compactar o agregado mineral,
porém potencialmente causadoras de envelhecimento precoce do ligante; maior cuidado na
usinagem e compactação da mistura asfáltica; falta de estabilidade do ligante quando armazenado
durante períodos prolongados de estocagem; além de custos mais elevados (Tomé, 2010).

Dessa forma, a busca por misturas asfálticas que apresentem bom desempenho em campo, com
melhoramentos simples que possam ser implementados num curto prazo pelos órgãos motiva a
realização desta pesquisa. Visa-se fornecer indícios para escolha de materiais que resistam à
deformação permanente, além de contribuir para o conhecimento das propriedades desses materiais
a diferentes temperaturas e frequências de carregamento.

FUNDAMENTAÇÃO TÉORICA

Deformação Permanente

Para o estudo em laboratório da resistência à deformação permanente de misturas asfálticas, o


Brasil desenvolveu e aprovou em 2015 o projeto de norma CE: 34.000.01 (ABNT/ONS-34, 2015).
Esse projeto visa normatizar o ensaio mais comumente realizado no país para caracterização da
deformação permanente de misturas asfálticas que é o uniaxial de carga repetida (Nascimento,
2008; Onofre, 2012; Borges, 2014; Bastos et al., 2015). Nesse ensaio a mistura asfáltica é
submetida a um carregamento cíclico de compressão e a deformação permanente acumulada (εp) é
obtida em função do número de ciclos. O ciclo consiste de um pulso semi-senoidal (haversine) de
0,1 s seguido por um repouso de 0,9 s, a uma temperatura de 60ºC (Witczak et al., 2002;
Nascimento, 2008).

A deformação permanente se acumulada da seguinte forma: a densificação da amostra ocorre a uma


taxa elevada (zona primária); na zona secundária, a taxa de deformação é praticamente constante;
na zona terciária, a amostra rompe e a taxa de deformação plástica é mínima, nessa zona ocorre o
cisalhamento da amostra com volume constante e é referido como Flow Number (FN) (Figura 1)
(Witczak et al., 2002). O ensaio é finalizado em 3 casos: (i) quando o FN é identificado, (ii) quando
o ciclo 7.200 é atingido ou (iii) quando a mistura atinge 2% de deformação (Dongre et al., 2009).
Figura 1 – Regiões da curva de deformação plástica e obtenção do FN no ensaio uniaxial de carga repetida [Projeto de
Norma CE: 34.000.01 (ABNT/ONS-34, 2015)]

Nascimento (2008) recomendou critérios de FN de misturas asfálticas densas utilizadas como


camada de revestimento em rodovias brasileiras para 2 níveis de tráfego: FN de 300 para o tráfego
com Número N entre 3×106 e 1×107; e FN de 750 para Número N entre 1×107 e 3×107.

Há também o ensaio triaxial de varredura de tensões (Triaxial Stress Sweep – TSS) (Choi, 2013;
Borges, 2014; Bastos et al., 2015), que possui a vantagem de melhor se aproximar das condições
encontradas em campo por considerar o confinamento. Além disso, o ensaio TSS possibilita o uso
do Shift Model, derivado do modelo incremental viscoplástico (Choi et al., 2012; Subramanian et
al., 2013), que analisa o comportamento de misturas asfálticas quanto à resistência à deformação
permanente. A associação do Shift Model ao programa LVECD (Layered Viscoelastic Continuum
Damage) (Eslaminia et al., 2012; Choi e Kim, 2014) permite a previsão de desempenho de
pavimentos asfálticos quanto à essa falha.

Módulo Dinâmico

Papazian (1962) observou o comportamento viscoelástico linear em misturas asfálticas e realizou


ensaios onde se aplicavam tensões senoidais a um CP, à temperatura controlada e com várias
frequências, obtendo-se as deformações resultantes, concluindo que os conceitos de
viscoelasticidade linear poderiam ser aplicados no estudo dos materiais asfálticos. Hoje esse ensaio
é conhecido como módulo dinâmico (MD). A realização desse ensaio em várias temperaturas e
frequências, juntamente com a aplicação do princípio da superposição tempo-temperatura,
possibilitam a construção de curvas mestras, importante ferramenta na caracterização de misturas
asfálticas para a análise e o dimensionamento de pavimentos. De posse dessas curvas, os modelos
viscoelásticos lineares podem ser ajustados aos dados experimentais (Lee e Kim, 1998; Park e Kim,
1998; Daniel e Kim, 2002; Soares e Souza, 2002; Silva, 2009), tornando possível a simulação de
diferentes carregamentos e a estimativa da resposta de deformação do material para os mesmos.
Para os materiais puramente elásticos, os picos de tensão (σ0) e de deformação (ε0) coincidem no
mesmo instante. Devido à natureza viscoelástica, as misturas asfálticas apresentam uma defasagem
entre os sinais da tensão aplicada e da deformação obtida, representada pelo ângulo de fase (φ).

O MD, que corresponde à razão entre a amplitude de tensão e a amplitude de deformação no


material, é o valor absoluto do módulo complexo. O ângulo de fase é função das propriedades
viscosas do material, correspondendo à defasagem da resposta da deformação em relação à tensão.
Para materiais puramente elásticos, a resposta é imediata φ = 0°, e para materiais puramente
viscosos, os sinais de tensão e de deformação estão totalmente fora de fase, portanto φ = 90°. As
misturas asfálticas apresentam defasagem com valor tipicamente entre 0º e 45º.

O ensaio de MD pode ser realizado a partir da utilização de carregamento axial de compressão. O


carregamento é aplicado em diversas frequências e temperaturas, possibilitando-se conhecer a
resposta do material para uma vasta gama de velocidades de carregamento a que este pode ser
submetido. O resultado do ensaio é um dos parâmetros mais importantes para caracterizar a rigidez
de uma mistura asfáltica e já vem sendo utilizado em métodos de dimensionamento mecanístico-
empíricos de pavimentos, a exemplo do Mechanistic-Empirical Pavement Design Guide – MEPDG.
Além disso, pode ser utilizado como indicador de desempenho, relacionando a rigidez da mistura
com a deformação permanente e a vida de fadiga observada em campo (Clyne et al., 2003). Vale
observar que, em nível nacional, a normativa para este ensaio já se encontra em desenvolvimento no
âmbito da Comissão de Asfalto, sendo esperada a sua aprovação ainda em 2016.

MATERIAIS E MÉTODOS

Ligante asfáltico

Utilizou-se um ligante asfáltico convencional, classificado como 50/70 e PG 70S-XX (S relativo a


Standard Traffic, ou seja, N < 106, e sem classificação na temperatura inferior, uma vez que é usado
em clima tropical), oriundo da refinaria Petrobras-Lubnor, em Fortaleza-CE. As temperaturas de
usinagem e de compactação foram obtidas graficamente (ASTM D2493, 2009), com base nas
medidas de viscosidade obtidas nas três temperaturas de ensaio (135, 150 e 177°C).

Agregados

A Figura 2 exibe as granulometrias das misturas asfálticas desta pesquisa e a Linha de Densidade
Máxima (LDM). A granulometria da Mistura Original (MO) (21% de brita 3/4", 35% de brita 1/2",
22% de areia de rio, 20% de arisco e 2% de cal), foi aplicada na BR-222, Ceará; as granulometrias
da Misturas Asfálticas 1 (MA1) (37% de brita 3/4", 23% de brita 1/2”, 38% de pó de pedra e 2% de
cal hidratada do tipo CH-1, optou-se em utilizar nessa mistura apenas agregados britados); e 2
(MA2) [35% de Brita 3/4", 23% de brita 1/2", 22% de pó de pedra, 2% de cal CH-1 e 18% de
fresado (optou-se em utilizar material fresado na composição dessa mistura, tanto para buscar uma
melhor resistência à deformação permanente, quanto com o intuito de contribuir para a diminuição
do grande volume desse passivo ambiental)]. As granulometrias M1 e M2 são variações da
granulometria MO e serão aplicadas em 2 trechos experimentais a serem submetidos à ação de um
simulador de tráfego de grande porte.
100
80
Passante (%)

60
40
20
0
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1
Abertura das Peneiras (d/D)0,45
MO AM1 AM2 LDM
Figura 2 – Curvas granulométricas das misturas asfálticas investigadas

Como a composição granulométrica é uma das variáveis que influencia na resistência à deformação
permanente, observou-se a granulometria da mistura MO apresenta uma curva com degrau, com
descontinuidade a partir da peneira N°10 (2,0 mm), e isso sugere pequena porcentagem de
agregados com tamanho intermediário, formando um patamar na curva granulométrica
correspondente às frações intermediárias. Além disso, a curva MO, com TMN de 12,5 mm, exibiu
comportamento próximo ao limite superior da Faixa C do DNIT até a peneira N°10, caracterizando
maior quantidade de miúdos. As curvas granulométricas MA1 e MA2 enquadram-se na Faixa B do
DNIT. Essa faixa foi selecionada almejando um melhor desempenho quanto à resistência à
deformação permanente (Motta et al., 2012).

Dosagem

A mistura asfáltica original (MO) foi dosada de acordo com o método Marshall (75 golpes por face
do CP para a determinação do teor de projeto) preconizada no Brasil (DNER - ME 043, 1995). A
mistura asfáltica MA1 foi compactada com 75 giros e atingiu um Volume de vazios (Vv) de 3,9%,
resultando em 4,5% de ligante asfáltico. Para a Mistura 2, fixou-se o teor de ligante em 4,5%, sendo
necessário reduzir o número de giros (65 giros) para atingir o Vv alvo.
Tabela 1 – Parâmetros de dosagem das misturas asfálticas avaliadas neste trabalho
Parâmetro CAP (%) Gmm Gmb Vv (%) TU (°C) TC (°C)
MO 5,8 2,423 2,326 4,2
MA1 4,5 2,538 2,439 3,9 163 -169 150 - 156
MA2 4,5 2,534 2,443 3,6

Ensaios Mecânicos

Os ensaios mecânicos foram realizados com o objetivo de determinar o Flow Number e a curva
mestra do módulo dinâmico das misturas analisadas. Para ambos os ensaios, foi utilizado um
equipamento universal de ensaios (Universal Testing Machine – UTM 25). Os ensaios uniaxiais de
carga repetida foram realizados a 60ºC. Inicialmente ocorreu um pré-carregamento de 15 kPa. Em
seguida aplicou-se um carregamento de 204 kPa durante 0,1 s e repousando durante 0,9 s. Durante o
repouso ocorreu com carregamento de 5% da tensão principal, 10,2 kPa. O ensaio foi interrompido
quando as misturas atingiram o Flow Number (Dongré et al., 2009).

As misturas asfálticas tiveram suas curvas de deformação permanente modeladas segundo o Modelo
de Francken (Equação 1). Neste modelo, os parâmetros A e B estão relacionados à zona primária e
à zona secundária da curva de deformação permanente. Já os parâmetros C e D comandam o ajuste
do modelo na zona terciária.

 = .   +C( .
− 1) (1)

Onde,  : deformação específica permanente; , ,  e : ceficientes determinados para cada CP; e


N: número de ciclos.

Após a determinação dos coeficientes da Equação 1, foi possível plotar a primeira e segunda
derivadas da curva de deformação plástica a partir das equações 2 e 3, respectivamente.



= . .  () + C. D. ( .
) (2)
²
= . . ( − 1).  () + C. D². ( .
) (3)

²

A Equação 2 corresponde à taxa de deformação plástica, cujo ponto de mínimo ao longo do número
de ciclos corresponde ao Flow Number no ensaio uniaxial de carga repetida. Na segunda derivada
(Equação 3) o FN corresponde ao ciclo onde o valor inverte de sinal (de negativo para positivo).
Já os ensaios de MD foram executados com a aplicação de carregamento axial senoidal em CPs
cilíndricos moldados em laboratório com 150 mm de altura por 100 mm de diâmetro. Os ensaios
foram realizados nas temperaturas -10; 4,4; 21,1; 37,8 e 54,4ºC, nas frequências 25; 10; 5; 1; 0,5 e
0,1 Hz, sempre iniciando da temperatura mais baixa e da frequência mais alta, seguindo as
recomendações da norma a AASHTO T 342-11 (AASHTO, 2011).

A partir das tensões aplicadas e das deformações obtidas, e com a aplicação do princípio de
superposição tempo-temperatura, foram construídas as curvas mestras de rigidez de cada mistura.
Essas curvas foram modeladas pela função sigmoidal (Equação 4) (Bonaquist et al., 2003; Bari e
Witczak, 2006). Cada parâmetro dessa equação tem um significado físico distinto: δ representa o
valor mínimo do MD da mistura; δ+α representa o valor máximo do MD, que é a assíntota máxima
da curva; β é o ponto da curva que determina a posição horizontal onde ocorre a mudança de sinal
da curvatura; e γ representa a inclinação máxima da curva (Mateos e Soares, 2015).
"
log(| ∗ |) = + #$ %&'()*(,- ) (4)

RESULTADOS E DISCUSSÕES

As misturas foram submetidas ao ensaio uniaxial de carga repetida, até a obtenção da taxa mínima
de deformação plástica, onde é obtido o FN. As 3 misturas apresentaram rompimento antes dos
7.200 ciclos no ensaio uniaxial de carga repetida (Figura 3). Desses ensaios foram obtidas as curvas
(média de 2 ensaios para cada amostra) de número de ciclos de carga versus deformação
permanente acumulada.
1,5
permanente (%)
Deformação

0,5

0
0 500 1000 1500 2000 2500 3000
Número de Ciclos
MO MA1 MA2
Figura 3 – Resultados do ensaio uniaxial de carga repetida para as misturas investigadas

Os dados dos ensaios de MD (média de 3 ensaios para cada amostra) deram origem as curvas
mestras apresentadas na Figura 4. Esses dados complementam os resultados obtidos no ensaio
uniaxial de carga repetida, permitindo uma melhor análise do comportamento mecânico das
misturas asfálticas.

100.000

10.000
MD (MPa)

Ajuste Sigmoidal
1.000 Curva Mestra OM
Ajuste Sigmoidal
Curva Mestra AM1
Ajuste Sigmoidal
100
1,0E-06 1,0E-04 1,0E-02 1,0E+00 1,0E+02 1,0E+04 1,0E+06
Frequencia Reduzida (Hz)
Figura 4 – Curvas mestras do MD modeladas por meio de curva sigmoidal
Observa-se na Figura 3 que as misturas asfálticas MA1 e MA2 apresentaram FNs superiores a 750
ciclos. De acordo com os critérios de FN sugeridos por Nascimento (2008), essas misturas atendem
a um tráfego pesado, enquanto a mistura MO não se enquadra em nenhum nível de tráfego,
sugerindo sua fragilidade quanto à deformação permanente. Essa mistura apresentou FN no ciclo
30. A mistura MA2 apresentou o menor nível de deformação permanente. Seu resultado foi superior
(FN médio no ciclo 2792 com εtotal de 1,22%, e MD a 54,4°C, 133% superior, em média, em relação
à MO) ao apresentado pela mistura MA1 (FN médio no ciclo 795 com εtotal de 1,36% e MD 54,4°C,
37% superior, em média, em relação à MO).

Quando se compara a mistura MA2 à mistura MA1 (ambas com o mesmo CAP 50/70 da Lubnor e a
mesma fonte mineralógica dos agregados, diferindo-se apenas pela incorporação do fresado),
percebe-se que a incorporação do reciclado resulta em um FN 252% superior. A adição de fresado
gerou, ainda, uma mistura mais rígida em altas temperaturas, com MD da MA2 69% maior, em
média, em relação ao MD da MA1, a 54,4ºC. Esse resultado dá indícios de que há a possibilidade
de se produzirem misturas asfálticas com maior qualidade em relação à deformação permanente, e
de menor custo, além de contribuir para mitigação dos danos ambientais.

Quando os dados dos ensaios de MD são plotados para cada temperatura média/alta ensaiada
(Figura 5), é possível observar se os resultados apresentam a tendência esperada para o desempenho
das três misturas ensaiadas. Espera-se que misturas com maior FN, apresentem maiores valores de
MD para as temperaturas mais altas.

10.000
OM 37,8°C OM 54,4°C
AM1 37,8°C AM1 54,4°C
AM2 37,8ºC AM2 54,4ºC
MD (MPa)

1.000

100
0,01 0,1 1 10 100
Frequência (Hz)
Figura 5 – MD nas temperaturas médias e altas (37,8 e 54,4°C)

Conforme esperado, os resultados de MD (54,4ºC) e FN apresentaram-se fortemente


correlacionados (Figura 6), indicando que misturas mais rígidas tendem a apresentar um melhor
desempenho quanto à deformação permanente (Witczak et al., 2002). Além disso, os resultados do
presente trabalho demonstram que o ensaio de MD, além de analisar as propriedades viscoelásticas
lineares de misturas asfálticas, pode fornecer indícios para escolha de materiais que resistam à
deformação permanente. Vale notar, contudo, que ridigezes mais elevadas podem acarretar
problemas de fadiga em misturas, fenômeno que dependerá também do sistema em camadas sobre o
qual as mesmas são colocadas, ou seja, a relação entre as rigidezes das diversas camadas é muito
relevante para qualquer previsão de desempenho. É, portanto, essencial para a completa
caracterização das misturas que este tipo de falha também seja investigada em laboratório por meio
de ensaios específicos, como indicado em Babadopulos et al. (2015).
3000
y = 11,711x - 1936,7
2500
R² = 0,999
2000
FN
1500

1000

500
0
0 100 200 300 400 500
MD (54,4ºC; 0,5HZ)
Figura 6 – Correlação MD (54,4°C, 0,5Hz) versus FN

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na busca de uma seleção mais adequada dos materiais quanto à resistência à deformação
permanente, esta pesquisa avaliou 3 misturas asfálticas diferenciadas entre si pela substituição de
areia por pó de pedra, pela dosagem e pela adição de fresado em uma das amostras. As
modificações efetuadas resultaram em superior resistência à deformação permanente, tanto quando
avaliadas pelo ensaio uniaxial de carga repetida como quando avaliadas pelo módulo dinâmico. As
mudanças provocaram aumento nos valores de MD em médias e altas temperaturas, e o Flow
Number saltou de 30 na MO, para acima de 750 na MA1 e acima de 2500 para a MA2. A dosagem
e seleção dos materiais foram bastante efetivas para melhorar o desempenho de uma mistura
asfáltica quanto à deformação permanente. Esses resultados dão indícios que melhoramentos
simples, implementáveis num curto prazo pelos órgãos, podem ser uma alternativa na busca por
melhores resultados quanto à deformação permanente. Outros fenômenos, como a fadiga de
misturas, devem receber o mesmo tipo de atenção, considerando-se, contudo, outros ensaios
mecânicos, e sempre a estrutura completa do pavimento.
Agradecimentos
Os autores agradecem aos órgãos de fomento a pesquisas CNPq e a Funcap pelas bolsas concedidas. Registre-se ainda o
agradecimento à Petrobras que, por meio da Rede Temática de Asfalto, torna possível este tipo de pesquisa no
LMP/UFC.

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