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EDUARDO COUTURE

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Os' Mandamentos
Coururc, Eduardo]uan, 1904-1956.
Os mandamentos do advogado. Tradução de Ovídio
do Advogado
A. Baptista da Silva e Carlos Otávio Athayde. POrto
Alegre, Fabris, 1979. Tradução de
78p. 22 em. Oz'ídio A. Baptista da Silva e
Carlos Otázlio Athayde
.1. Advogados. 2. Advocacia. I. Silva, Ovídio A.
Baptlsta da, trad. 11. Athayde, Carlos Otávio, trad. 111.
T ítulo.

CDU 347.965
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Índice para catálogo sistemático
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I. Advogados 347.965
2. Advocacia 347.965
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Porto Alegre. 1979/ Reimpressão, 1999
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@ de Eduardo J. COll[ure, 1949; (Q de Anita S. de


Cauture, 1979 OS MANDAMENTOS
DO ADVOGADO
1.0 _ ESTUDA - O direito está em constante
transformação. Se não o acompanhas, serás cada dia me-
nos advogado.
2.0 _ PENSA - O direito se aprende estudando;
porém, se pratica pensando.
3.0 _ TRABALHA - A advocacia é uma fati-
gante e árdua atividade posta a serviço da justiça.
Diagramação, composição e rel'isão:
4.0 _ LUTA - Teu dever é lurar 1',,1,. direito;
AGE - Assessoria Gráfica c Editorial Ltda.
porém, quando encontrares o direito em conflito com a
justiça, luta pela justiça.
S.O _ SÊ LEAL - Leal para com teu cliente, a
quem não deves abandonar a não ser que percebas que é
indigno de teu patrocínio. Leal para com o adversário,
ainda quando ele seja desleal contigo. Leal para com o
juiz, que ignora os fatos e deve confiar no que tu lhe
dizes; e que, mesmo quanto ao direito, às vezes tem de
confiar no que tu lhe invocas.' .(
6.0 _ TOLERA - Tolera a verdade alheia, como
gostarias que a tua fosse tolerada.
7.0 _ TEM PACIÊNCIA - O tempo vinga-se
das coisas que se fazem sem sua colaboração.
8.0 _ TEM FÊ - Tem fé no direito como o me-
Reservados todos os direitos de publicação em língua
lhor instrumento para a convivência humana; na justiça,
portuguesa a
como destino normal do direito; na paz, como substitu-
SERGIO ANTONIO FABRIS EDITOR
tivo benevolente da justiça; e, sobretudo, tem fé na liber-
Rua Miguel Couto, 7li5 - C. postal liOOl
dade, sem a qual não há direito, nem justiça, nem paz.
PortO Alegre - RS

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9.0 - ESQUECE - A advocacia é uma luta de


paixões. Se a cada batalha fores carregando tua alma de
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rancor, chegará o dia em que a vida será impossível para
ti. Terminado o combate, esquece logo tanto a vitória
INTRODUÇÃO
quanto a derrota. ~~
10.0 - AMA A TUA PROFISSÃO - Procura
considerar a advocacia de tal maneira que, no dia em que
teu filho te peça conselho sobre seu futuro, consideres "
uma honra para ti aconselhá-lo que se torne advogado. E provável que não exista recanto do
mundo onde algum advogado não tenha
em seu escritório um desses textos que,
desde o de São Ivo, no século XIII, até o
de Ossorio, no século XX, se vêm con-
servando em quadros para expressar a
dignidade da advocacia.
São decálogos do dever, da cortesia e
da nobreza da profissão. Querem signifi-
car em poucas palavras a dignidade do
ministério do advogado. Ordenam e con-
fortam ao mesmo tempo; mantêm alerta
a consciência do dever; procuram ajustar
a condição humana do advogado à missão
quase divina da defesa.
Entretanto, a advocacia e as formas de
seu exercício são experiências históricas.
Suas necessidades e também seus ideais
transformam-se com o decorrer do
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tempo e novas eXlgencias vão surgindo acima de tudo, na excelsa dignidade da
ante o espírito do homem. Por essa ra- matéria confiada às mãos do artista.
zão, é necessário repensar periodica- Como política, a advocacia é a disci-
mente os mandamentos para ajustá-los às plina da liberdade dentro da ordem. Os
novas realidades. conflitos entre o real e o ideal, entre a
Agora e aqui, neste tempo e neste lu- liberdade e a autoridade, entre o indiví-
gar do mundo, as exigências da liberdade duo e o poder, constituem tema de cada
humana e as solicitações da justiça social dia. Envolvidos por esses conflitos, cada
constituem as notas predominantes da vez mais dramáticos, o advogado não é
advocacia, sem as quais o sentido trans- uma simples folha na tempestade. Ao
cendental dessa profissão pode contrário, investido da autoridade que
considerar-se frustrado. Por sua vez, a li- cria o direito, ou da defesa que pugna
berdade e a justiça fazem parte de um pela sua justa aplicação, o advogado é
contexto onde interferem, colidem e lu- quem desencadeia, muitas vezes, a tem-
tam outros valores. pestade, e pode contê-la.
A advocacia é, por isso, ao mesmo Como ética, a advocacia é um exercício
tempo, arte e política, ética e ação. constante da virtude. A tentação passa
sete vezes por dia pelo advogado. Este
Como arte, tem suas regras e estas,
pode fazer de sua missão, como já foi
como todas as regras da arte, não são ab..
dito, a mais nobre de todas as profissões,
solutas, mas, ao contrário, fiCam confia-
ou o mais vil de todos os ofícios.
das à inesgotável aptidão criadora do
Como ação, a advocacia é um constante
homem. O advogado foi feito para o di-
serviço aos supremos valores que regem
reito; não o direito para o advogado. A
a conduta humana. A profissão exige a
arte de manipular as leis sustenta-se,
permanente serenidade da experiência e
10 11
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do conhecimento dos principios da jus- sempenho da mais sublime das missoes


tiça. Porém, quando a anarquia, o despo- humanas. Outro, serve-a como dirigente
tismo ou o desprezo pela condição hu- de U1na grande empresa, administrando
mana abalam as instituições e ameaçam enormes patrimônios i e defendendo os
os direitos individuais, então a advocacia esperados dividendos. ;Outro, exerce-a de
é militância na luta pela liberdade. Arte, sua cátedra de professpr, ministrando au-
política, ética e ação, por sua vez, são las, vai serenamente l'l1editando sua ciên-
apenas a matéria da advocacia. Esta se re- cia, fazendo-a progreqir e preparando a
vela mediante uma forma. Como toda sementeira para a proqução dos melhores
arte, possui um estilo. exemplares. Aquele ~erve-a através do
O estilo da advocacia não é a unidade, jornalismo e faz advocacia doutrinária em
mas a diversidade. Busquemos na expe- editoriais e crônicas, levando o direito,
riência de nosso tempo o bonus vir ius di- como o pão de cada dia, à boca do povo.
cendi peritus, o advogado que simbolize Outro, é somente advogado de clientela
toda a classe e, muito provavelmente, comercial, e se ocupa Iapenas de combi-
não o haveremos de encontrar. nações financeiras. dutro, vê como o
Um é político, e exerce sua advocacia cuidado de seus interesses particulares,
da tribuna parlamentar, defendendo, seus negócios, sua fazenda, seus imóveis
como dizia Dupin, apenas mais uma exigem-lhe maior atenÇão do que os inte-
causa: a bela causa da nação. Outro, resses de seus clientes. Outro, que pôde
desempenha-a mediante o exercício de conciliar a missão de advogado com a de
uma tranqüila posição administrativa, co- escrivão, sente como a I paciência do notá-
locando apenas uma parcela de sua ciên- rio foi consumindo os ardores do causÍ-
cia a serviço de determinada função pú- dico. Outro, que advoga apenas em ma-
blica. Outro, honra-a como juiz, no de- téria penal, em contato com sórdidos in-
12 13
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termediários, especulando com a liber- mina sua dissertação sobre a despedida


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dade humana para poder receber sua ,.


de Heitor e Andrômaca; e tantos, e tan-
propina, pois, conseguida a liberdade, tos, e tantos outros ...
sabe que perderá para sempre os honorá- Se o adágio já não fosse usado em rela-
rios; e o que trabalha nas pequenas cida- ção à Medicina, poder-se-ia dizer que não
des do interior e recebe seus clientes an- existe a advocacia, mas sim uma multidão
tes que saia o sol; e aquele que ainda de advogados.
cobra os honorários de seus primeiros Pouco conhecido, ou muito esquecido
serviços; e o que aos poucos foi abando- entre nós, um texto de Leão e Antêmio a
nando seus clientes para dedicar-se ex- Calícrates (Código, 2, 7, 14) diz-nos de
clusivamente a uns poucos amigos; e o que maneira, ontem como hoje, é a nossa
que já não tem nem auxiliar nem datiló- uma' magistratura da República:
grafo e sobe afanosamente os degraus "Os advogados que esclarecem os fatos
dos cartórios em busca dos elementos ambíguos das causas, e que pelos esfor-
que sua inexpressiva causa requer; e o ços de sua defesa em questões freqüen-
magistrado aposentado que passa melan- temente públicas, ou mesmo p'rivadas,
colicamente a suplicar justiça desde a salvam as causas perdidas e socorrem as
planície, depois de havê-la dispensado abandonadas, são proveitosos ao gênero
desde as alturas; e o que a exerce ao es- humano, não menos que se em batalhas,
tilo norte-americano, meio advogado, e sendo feridos, salvassem a pátria e seus
meio detetive; e a jovem advogada que descendentes. Em verdade, não cremos
defende as causas de menores com o que em nosso Império militem unÍoca-
mesmo desvelo de mãe que um dia virá a mente os que combatem com espadas,
ser; e o professor secundário que corre a escudos e couraças, mas também os ad-
ouvir uma testemunha, assim que ter- vogados, pois estes, confiados na força de
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sua gloriosa palavra, defendem a espe-


rança, a vida e a descendência dos que
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o direitoestá em constante transformação. Se não o
acompanhas, serás cada dia menos advogado.
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1.° - ESTUDA
o direitoestá em constante transformação. Se não o
acompanhas, serás cada dia menos advogado.

Nosso país, que é jovem e de organi-


zação unitária, possui dez códigos e doze
mil leis, com milhares de artigos. A eles
se somam os regulamentos, as-portarias,
as resoluções de caráter geral e a juris-
prudência, que são outras tantas formas
de normatividade. Essas disposições reu-
nidas atingem a milhões. Porém, o Uru-
guai é apenas uma província, uma das
menores províncias, na imensa jurisdição
do mundo. E, além disso, o direito legis-
lado não abrange todo o direito.
Aquela escritora que, certa vez, que-
rendo apreender a atmosfera de Giotto,
denominou-a o cárcere de ar, estava longe
~dê~~mpb t~que~COh1~essa~imagem~evocava~-~~-~- -=
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de modo sutil o mundo denso e invisível


do direito.
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Qual o advogado que pode ter a cer- É tal o risco de situar um caso em sua
teza de conhecer todas as regras legais exata posição, no sistema do direito, e
existentes? Quem pode estar certo. de tantas são as possibilidades de erro, que
que, ao emitir uma opinião, considerou, um de nossos mais talentosos magistra-
em sua plenitude, esse conjunto impo- dos dizia que os advogados, como os he-
nente de normas? róis da independência, freqüentemente
Entretanto, como se isso não bastasse, perecem antes da vitória final.
ocorre, ainda, que essas normas nascem, Como todas as artes, a advocacia só se
se modificam e morrem constantemente. aprende com sacrifício, e, como em todas
Em dados momentos históricos, as opi'- as artes, também se vive em constante
niões jurídicas não só deveriam emitÍr-se aprendizagem. O artista, mínimo corpús-
datadas, mas também com a hora em que culo, encerrado no imenso cárcere de ar,
fossem proferidas. O advogado, como se vive esquadrinhando sem cessar suas
fora um caçador de leis, tem de viver próprias grades, e seu estudo só termina
com a arma em punho, sem poder aban- com sua própria vida.
donar um instante sequer o estado de
alerta. No caso mais difícil e delicado ,
naquele em que tenha esmagado seu ad-
versário sob o peso de sua enorme erudi-
ção, seu opositor pode limitar-se a indi-
car o artigo de uma lei esquecida ou igno-
rada. E então, mais uma vez , como na
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apóstrofe de Kirchmann, uma simples pa-


lavra ~o legislador terá reduzido a pó
uma biblioteca inteira.
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2.° -PENSA
o direito se aprende estudando; porém, se pratica
pensando.
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2.° - PENSA
o direito se aprende estudando; porém, se pratica
pensando.
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o processo escrito é um livro cujas


principais páginas foram pensadas e escri-
tas cuidadosamente pelos advogados. Es-
tes, como os ensaístas, historiadores e fi- 1
lósofos, são os mediadores necessários I
entre a vida e o livro.
o mesmo ocorre, porém com maIOr
destaque teatral, no processo oral.
O advogado recebe a confidência pro-
fissional como um caso de angústia hu-
mana, e o transforma em uma exposição
tão lúcida quanto seu pensamento o
permite. A afirmação de Sperl de que a
petição inicial é o projeto da sentença
que pretende o autor, .diz-nos com elo-
qüência que intensos processos mentais
devem ocorrer para transformar a angús-
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tia em lógica, e a paixão dos interesses O grave no pensamento do advogado é
num simples silogismo. que, nessa obra de transformação do
drama humano em memoriais e gestos,
Quando o advogado desenvolve com tanto quanto a inteligência, operam a in-
eficiência seu trabalho, o juiz recebe o tuição e a experiência. Não é o racioCÍ-
caso, por assim dizer, peptonizado (vem nio, diz o filósofo, que determina ao es-
do subst. peptona = proteína solúvel em cultor aprofundar um pouco mais a curva
água e ácido). Normalmente, a função do dos quadris. Entre seus olhos, fixos no
juiz consiste em escolher uma das solu- modelo, e seus dedos que acariciam a es-
ções que lhe são propostas, ou encon- tátua, se estabelece uma comunicação di-
trar uma terceira ainda melhor. O advo- reta. O pensamento do advogado não é
gado transforma a vida em lógica, e o juiz racioCÍnio puro, já que o direito não é
transforma a lógica em justiça. Por isso, o pura lógica: seu pensamento é, ao mesmo
dia de glória para o advogado não é o dia tempo, inteligência, intuição, sensibili-
em que conhece a sentença definitiva que dade e ação. A lógica do direito não é
lhe deu ganho de causa. Afinal, nesse dia uma lógica formal, mas uma lógica viva,
não lhe aconteceu nada de importante. feita com todas as substâncias da expe-
Apenas cumpriu-se a sua previsão. Seu riência humana.
grande dia, o da grande responsabilidade,
foi aquele dia longínquo e muitas vezes Certo juiz, num arroubo de sinceri-
esquecido, em que, após escutar um re- dade, disse que a jurisprudência é feita
lato humano, decidiu aceitar a causa. pelos advogados. E realmente assim é,
Nesse dia, tinha a liberdade para dizer porque, na formação da jurisprudência,
sim ou não. Dizendo sim, desde então, o e, com ela, do direito, o pensamento do
futuro ficou determinado para ele. juiz é, normalmente, um posterius; o prius
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a serviço da justiça.

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3.° - TRABALHA
A adl!ocacia é uma fatigante e árdua atividade posta
a -sert!içoda justiça.

Quem quiser saber em que consiste o


trabalho do advogado, deverá compreen-
der o seguinte: de cada cem assuntos que
passam pelo escritório de um advogado,
.c{nqÜe-~t~~~ãàsãõ"'}~didais~Tr~ata:se~de~
conselhos, orientações e idéias em maté-
ria de negócios, assuntos de família, pre-
venção de futuros litígios, etc. Em todos
esses casos, a ciência cede lugar à pru-
dência. Dos dois extremos do dístico
clássico que define o advogado, o pri-
meiro predomina sobre o segundo, e o
ôme bueno se sobrepõe ao sabedor deI de-
recho. '*'

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locução com a grafia arcaica, por não se encontrar, em nossa


língua, uma expressão que tenha significado correspondente.

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Dos outros cinqüenta, trinta são roti- mental que exigem do profissional. Cau-
neiros. Consistem em pesquisas e buscas sas aparentemente perdidas, por cujas fis-
em cartórios, pedidos de documentos, suras penetra um raio de luz e através do
questões de jurisdição voluntária, defesas qual o advogado abre seu caminho;
singelas ou processos sem oposição. questões complexas que devem ser sus-
Nessa atividade não contenciosa, o gabi- tentadas por meses ou por anos e que exi-
nete do advogado pode transformar-se gem um sistema nervoso equilibrado,
num escritório de tramitação de docu- sagacidade, altivez, energia, previsão, au-
mentos. Seu lema poderia ser, então, toridade moral e fé :lhsohl!';1 no triunfo.
como o das grandes companhias que A perícia no trato des~~s complexos
produzem artigos domésticos: more and assuntos outorga ao advogad:i n título de
better service for more people. princeps fori.
A opinião pública julga o trabalho do
Dos vinte restantes, quinze oferecem advogado, e sua dedicação a ele, com o
alguma difiLu1dade e exigem up; trabalho mesmo critério com que confere o título
mais intenso. Contudo, ainda se trata de aos campeões olímpicos: pela reserva de
uma espécie de dificuldade que a vida energias para decidir a contenda no mo-
nos oferece a cada passo e que a dedica- mento final.
ção e o esforço de um homem laborioso
e inteligente estão acostumados a vencer.
Nos cinco restantes, encontra-se a es-
sência mesma da advocacia. São os gran-
des casos da profissão. Grandes, não cer-
tamente por sua expressão econômica,
senão pela magnitude do esforço físico e

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4.° - LUTA
Teu dever é lutar pelo direito; porém, quando
encontrares o direito em conflito com a justiça, luta
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4.° - LUTA
Teu det!er é lutar pelo direito,' porém, quando
encontrares o direito em conflito com a justiça, luta
pela justiça.

Nem só nos velhos textos se atribui à


advocacia uma significação guerreira. O
processo oral ou escrito com sua batalha
dialética; as idéias dos escritores france-
ses do século XIX que concebiam a ação
como le droit casqué et armé en guerre e a
exceção como o un droit qui n'a p/us l'épée,
mais le bouclier lui reste; o caráter natural-
mente belicoso de boa parte da humani-
dade; o endeusamento da luta pelo di-
reito feito no livro fascinante de Ihering;
tudo isso fez com que, ao longo dos sécu-
los, se considerasse o advogado como um
soldado do direito.
Porém, a luta pelo direito suscita, a
cada dia, o problema do fim e dos meios.

39

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o direitonão é um ftm, mas um meio. guma oportunidade; entretanto, muito
N a escala dos valores, não aparece o di- raramente serão justos. Em algum caso,
reito. Aparece, no entanto, a justiça, que poderão significar uma vitória ocasional;
é um fim em si, e a respeito da qual o mas na luta o que importa é ganhar a
direito é tão-somente um meio para guerra e não simples batalhas. E se, em
atingi-la. A luta deve ser, pois, a luta pela determinado caso, algum advogado haja
justiça. vencido a guerra mediante ardil, que não
As questões não se dividem em pe- esqueça que, na vida de um advogado, a
quenas ou grandes, mas em justas ou in- guerra é sua própria vida, e não efêmeras
justas. Nenhum advogado é demasiada- batalhas.
mente rico para recusar causas justas A confusão dos fins e dos meios po-
porque sejam pequenas, nem tão pobre derá passar inadvertida em algum caso
para aceitá-las, quando injustas, por se- profissional. Porém, ao longo de toda a
rem grandes. vida de um advogado não pode passar
Muitos advogados, por confundirem os despercebida.
meios com o fim, mesmo de boa-fé, A verdadeira prova para o advogado
crêem aplicável ao litígio fadado ao insu- surge quando lhe é proposto um caso in-
. . .
cesso a máxima médica que aconselha Justo, economicamente vantaJoso, e que,
prolongar a todo o custo a vida do en- além disso, sua simples propositura,
fermo, à espera de que se produza um alarmaria de tal modo o demandado que
milagre. lhe proporcionaria uma imediata e lucra-
Os incidentes protelatórios, assim tiva transação. Nenhum advogado será
como os recursos infundados, constituem plenamente tal, senão quando saiba recu-
uma subversão de valores. Poderão todos sar esse caso, sem encenação e sem
esses ardis forenses ser eficazes em al- alarde.

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Mai~'grave ainda.' é a. situação em que


nos coloca nosso melhor cliente, aquele
rico e ambicioso, cuja amizade é para nós
fonte segura de proveitos, quando nos ~~
propõe uma causa sem fundamento. O
advogado necessita, ante essa situação, de
5.° - SÊ LEAL
absoluta independência moral. Só então Leal para com teu cliente, a quem não deves
poderá constatar que seu verdadeiro va- abandonar à não ser que percebas que é indigno de teu
lor como. advogado não foi adquirido na patrocínio. Leal para com o adversário, ainda quando
Faculdade ou no dia do juramento profi$- ele seja desleal contigo. Leal para com o juiz, que
ignora os fatos e deve confiar no que tu lhe dizes; e
sional: sua auténticidade como advogado
que, mesmo quanto ao direito, às vezes tem de,confiar
revela-se no dia em que pode dizer a esse no que tu lhe invocas.
cliente, com a dignidade de sua profissão
e com a simplicidade afetuosa de sua
amizade, que a causa é indefensável.
Até .esse dia, ele terá sido apenas um
aprendiz e, se esse dia não chegar, terá
sido como o aprendiz da balada imortal, .
que sabia provocar tempestades, porém
não sabia como contê-las.

42
~~

5.° - SÊ LEAL
Leal para com teu cliente, a quem não deves
abandonar a não ser que percebas que é indigno de teu
patrocínio. Leal para com o adversário, ainda quando
ele seja desleal contigo. Leal para com o juiz, que
ignora os jatos e det'e confiar no que tu lhe diZes; e
que, mesmo quanto ao direito, às vezes tem de confiar
no que tu lhe im'ocas.

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NO que se refere à -i~~ldad;~~d~o'~d~o-


gado, impõe-se retificar um erro grave e
difundido. Há séculos, se vêm confun-
dindo, como se fossem uma mesma fun-
ção, a advocacia e a defesa.
Unamuno, no EI sentimiento trágico de
la llida, escrevia estas palavras: "O pecu- i

liar e característico da advocacia é pôr a


lógica a serviço de UIJ?atese a ser defen-
dida, enquanto o mé~odo rigorosamente
científico parte dos f~tos, dos dados que
--afealiélade~ no~s~~oferece;para""'chegar~ou= _~_c~~__~~ -=1
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não a uma conclusão. A advocacia supõe


--.sempre uma"petição de~princípios, e seus--
45

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argumentos são todos ad probandum. O conselheiro, não dá argumentos ad pro-


espírito advocatício é, em princípio, bandum mas ad neceJSitatem. Estes não
I

dogmático, enquanto o espírito estrita- são sistemáticos nem corroborantes, mas


mente científico é puramente racional e se apóiam sobre dados que, necessaria-
cético, isto é, investigador." mente, a realidade lhe fornece.
Dessa proposição, à de V az Ferreira - O que acontece é que o advogado,
quando afirma, em Mora! para inte!ectua- uma vez examinados os fatos e estudado
!es, que a profissão do advogado é intrin- o direito, aceita a causa e então se trans-
secamente imoral, porquanto impõe a de- forma de advogado em defensor.
fesa de teses não totalmente corretas, ou Aí, sim, seus argumentos são ad pro-
de fatos não totalmente conhecidos - bandum e sua posição é definitiva,
não há mais que um passo. transformando-se em enérgico e intransi-
O erro é grave, porque a advocacia não g<:nt<:d<:fensor de suas atitudes. Mas isso
é dogmática. A advocacia é arte, e a arte não ocorre por imoralidade, senão por
não tem dogmas. uma contingência da própria defesa. An-
À advocacia é cética e investigadora. O tes de aceitar a causa, o advogado tem li-
advogado ao aconselhar, ao orientar a berdade para decidir. Aceitando-a, po-
conduta alheia, ao assumir a defesa, co- rém, sua lei já não é mais a da liberdade,
meça por investigar os fatos e por decidir e sim a da lealdade.
livremente sobre a própria conduta. A Se o defensor permanecesse cético e
advocacia moderna, como a Medicina, vacilante depois de haver aceito a defesa,
faz-se cada dia mais preventiva que cura- deixaria de ser um defensor. A luta judi-
tiva. Nessa atividade, o advogado não ciária é uma luta de afirmações e não de
procede dogmaticamente, mas, ao con- vacilações. As dúvidas devem ocorrer an-
trário, criticamente. O advogado, como tes, não depois de se haver aceito a causa.
46 47

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outras deslealdades e astúcias, a demanda


A lealdade do defensor para com seu
já não seria uma luta de um homem hon-
cliente deve ser constante e não deve fal-
rado contra outro manhoso, mas a luta de
tar senão quando ele se convença de
haver-se enganado ao aceitar a causa. dois desonestos.
E quanto à lealdade para com o juiz?
Nesse caso, deve renunciar à defesa, com
Também aqui se impõe uma retificação.
a máxima discrição possível, para não
assorio, em seu livro famoso, faz uma
criar embaraço ao advogado que deve
distinção com referência aos deveres do
substituí-lo.
advogado para com o juiz. Quanto aos fa-
a instante mais decisivo para essa leal-
tos, considera ele que o juiz está indefeso
dade ocorre no momento de receber os
ante o advogado. Como os ignora, forço-
honorários. a grave nas relações entre
samente há de crer de boa-fé no que o
advogado e cliente é que, instantanea-
advogado lhe diz. Porém, quanto ao di-
mente, de um dia para outro, a natureza
reito, isso não ocorre. Aqui, eles atuam
das coisas transforma o defensor em cre-
em pé de igualdade, porque o juiz sabe o
dor. Nesse dia, não se deve lançar o es-
direito e, se não o sabe, que o estude.
cudo ao solo, para que o cliente o em-
Será assim? É muitol provável que não.
punhe em defesa contra seu novo ini-
a advogado dispõe de todo o tempo que
migo. A esse respeito, os Mandamentos si-
deseja para estudar o direito aplicável ao
lenciam. Trata-se de um problema de
caso. Mas o juiz, vítima de uma tela de
consciência. Já dizia Montaigne: a ami-
Penélope, que ele tec~ à noite e o escri-
zade perfeita é indivisível.
vão desmancha de dia, apresentando-lhe,
Quanto à lealdade para com o adversá-
sem cessar, processos ie mais processos,
rio, pode ser traduzida nesta simples re-
não dispõe desse tempo. E o mesmo
flexão: se às astúcias da outra parte e às
acontece com o juiz honradamente
suas deslealdades, respondêssemos com
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pobre, que não pode comprar todos os


livros que se publicam; ou com o que
exerce seu mister longe dos grandes cen-
tros, onde se encontram as boas bibliote-
~~
cas; ou com o que não pode manter con-
tato com professores e mestres para 6.° -TOLERA
expor-lhes suas dúvidas; ou com o que, Tolera a verdade alheia, como gostarias que a tua
carente de saúde, não pode dedicar-se à fosse tolerada.
leitura com a intensidade desejada. Nes- ~~
ses" casos, uma' citação deliberadamente
mutilada, uma opinião desvirtuada, uma
tradução maliciosamente feita, ou um
precedente jurisprudencial difícil de con-
ferir, constituem grave deslealdade.
Uma feliz filiação etimológica liga lei a
lealdade. Aquilo que Quevedo dizia do
espanhol, que, sem lealdade, mais valera
não sê-lo, é aplicável ao advogado. Ad-
vogado que trai a lealdade, trai a si
mesmo e à lei.

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6.° -TOLERA
Tolera a t'erdade alheia, como gostarias que a tua
fosse tolerada.

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E sta questão é grave e delicada. Ser ao


mesmo tempo enérgico, como o requer a
defesa, e cortês, como o exige a educa-
ção; prático, como o impõe o litígio, e su-
til-,CTotno.6teclama a inteligência; -eficaz e .0

respeitoso; combativo e digno. Ser, ao


mesmo tempo, tão diferente e, às vezes,
tão contraditório, em. todos os dias do
ano e em todos os mO,mentos, na adver-
sidade e na bonança, constitui realmente
um prodígio. ! i

E, não obstante, a advocacia assim o


impõe. Ai daquele que a exerce com
energia e sem educação, ou com cortesia,
mas sem eficiência!
Para conciliar o contraste só há um
~meio: at:oler1nc ia. --Esta-é ediicaçã6"e~iOJe=---~~~-~'.
ligência, arma de ataquje e escudo de de-
fesa, lei de combate e r~gra de eqüidade ...
53
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Ainda que pareça inacreditável, o certo ao ad vogado que assegurasse a vitória a


é que no litígio ninguém tem razão antes seu cliente.
da coisa julgada. Não há litígios ganhos As verdades jurídicas, como se fossem
de antemão. Basta, para tanto, lembrar a de areia, dificilmente se podem conter
histórica luta de Golias e David. Não há todas na mão; sempre existirão alguns
litígio ganho de antemão, devido à sin- grãos que, queiramo-lo ou não, nos esca-
gela razão pela qual Golias incidiu em ar- parão por entre os dedos e irão parar nas
rogância ao considerar-se antecipada- mãos de nosso adversário. A tolerância
mente vencedor na histórica luta. nos obriga, por respeito ao próximo e à
O litígio é feito de verdades contingen- nossa própria fraqueza, a proceder com
tes e não de verdades absolutas. Os fatos fé na vitória, porém sem arrogância no
mais claros se deformam, se não se logra combate.
produzir uma prova plenamente eficaz; o E se o cliente nos exige garantia de vi-
direito mais incontroverso abala-se no tória?
curso da demanda, ante uma inesperada e N esse caso, apelemos para nossa bi-
imprevisível mudança de jurisprudência. blioteca e retiremos dela um escrito sin-
Daí por que a melhor regra profissio- gelo, denominado Decálogo do cliente,
nal não é aquela que promete a vitória, muito comum nos escritórios de advoga-
mas a que informa ao cliente que prova- dos brasileiros e mostremos a esse nosso
velmente se poderá contar com ela. Nem cliente: "Não peças a teu advogado que
mais nem menos do que isso era o que faça profecia da sentença; não esqueças
estabelecia o Fuero juzgo, ao cominar a de que, se fora profeta, ele não abriria
pena de morte ao advogado que se com- escritório de advocacia".
prometia a triunfar na causa; ou a Ter-
ceira Partida que impunha perdas e danos
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7.° - TEM PACIENCIA
o tempo vinga-se das coisas que se jazem sem sua
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7.° - TEM PACIÊNCIA


o tempo l'inga-se das coisas que se jazem sem sua
colaboração,
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E xiste um pequeno demônio que


ronda e persegue os advogados e a cada
dia põe em perigo sua missão: a impa-
ciência.
A advocacia requer muitas virtudes;
mas, além disso, como as fadas que cer-
cavam o berço do príncipe de França, tais
virtudes devem ser assistidas por outra
que as faça habitualmente atuantes.
Paciência, para escutar. Cada cliente
considera seu caso o mais importante do
mundo.
Paciência, para encontrar a solução.
Esta nem sempre aparece à primeira vista
e é mister procurá-la durante muito
tempo.
Paciência, para suportar o adversário.
Já vimos que lhe devemos lealdade e to-
59

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lerância, ainda quando ele seja impor-


tuno e néscio.
Paciência, para aguardar a sentença.
Esta demora e, enquanto o cliente desa-
~~
nima e desespera, cabe ao advogado
manter-lhe a esperança. Nessa missão, 8.° - TEM FÉ
deve ter presente que o litígio, como a Tem fé no direito como o melhor instrumento para a
guerra, é ganho em certos casos por convivência humana; na justiça, comodestino normal
aquele que consegue agüentar tão-só um do direito; na paz, como substitutivo benevolente da
minuto a mais que seu adversário. justiça; e, sobretudo, temfé na liberdade, sem a qual não
E, -sobretudo, -paciência para suportar a há. direito, ~nemjustiça,~nempaz.
sentença adversa. ~~
A coisa julgada, como disse Chio-
venda, é a máxima preclusão. Acrescen-
temos nós que, por tal motivo, exige a
máxima paciência.

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8.° - TEM FÉ
Tem fé no direito como o melhor instrumento para a
conl'il'éncia humana; na justiça, como destino normal
do direito; na paz, como substitutit'o benevolente da
justiça; e, sobretudo, tem fé na liberdade, sem a qual não
há direito, nem justiça, nem paz.
~~

C ada advogado, em sua condiçao de


homem, pode ter a fé qúe sua consci-ência'
lhe indique. Porém, em sua condição de
advogado, deve ter fé no direito, porque
até agora o homem não encontrou, em
sua longa e comovente aventura sobre a
terra, nenhum instrumento que melhor
lhe assegure a convivência. A razão do
mais forte não é somente a lei da brutali-
dade, mas também a lei da angustiante
incerteza.
Mas o direito, como vimos, não é um
valor em si mesmo, nem a justiça é seu
conteúdo necessário. O preceito não visa
à justiça, mas à ordem; a transação não
assegura a justiça, mas a paz; a coisa jul-
63
gada não é um instrumento de justiça,
mas de autoridade; a pena nem sempre é
medida de justiça, mas de segurança.
Mesmo assim, apesar desses desvios
~~
temporais, a justiça é o conteúdo norma!
do direito, e suas soluções, ainda que 9.° - ESQUECE
aparentemente injustas, são freqüente- A advocacia é uma luta de paixões. Se a cada batalha
mente mais justa,s que as soluções contrá- fores carregando tua alma de rancor, chegará o dia em
fIas. que a vida será impossível para ti. Terminado o
A fé na paz provém da convicção de combate, esquecelogo tanto a vitória quanto a
que também a paz é um valor na ordem derrota.
humana. Substitutivo bondoso da justiça,
convida a renunciar às vezes a uma parte
cios bens, para assegurar aquilo que foi
prometido na terra aos homens de boa
vontade.
Quanto à fé na liberdade, sem a qual
não há direito, nem justiça, nem paz ... ,
essa não necessita explicações, entre os
mandamentos do advogado. Se este não
tem fé na liberdade, melhor seria, como
diz a Escritura, atar uma pedra ao pes-
coço e lançar-se ao mar.

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9.° - ESQUECE
A (,dl'OCaciaé uma 11Ita de paixões. Se a cada batalha
fores carregando tuà alma de rancor, chegará o dia em
que a l/ida será impoSJÍl'el para ti. Terminado o
combate, esquece logo tanto a l,itória quanto a
derrota.

P ara que círculo do inferno lrao um


dia aqueles advogados que nos recitam,
inclementes, às vezes agarrando-nos pelo
casaco, levantando-nos a voz como se
fôssemos o adversário, suas alegações,
suas razões ou seus memoriais?
E que lugar do purgatório estará reser-
vado àqueles que na velhice seguem con-
tando ainda questões que sustentaram na
juventude?
E que lugar do paraíso espera os dire-
tores das revistas de jurisprudência que
se recusam a publicar as notas críticas da-
queles que confundem as publicações ju-
rídicas com uma terceira ou quarta ins-
tância?
67
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13'J- . ~
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..-"'~ ~:

A verdade é que existe uma insidiosa


enfermidade que ataca aos advogados e
os faz falar constantemente de suas causas,
mormente daquelas que, por uma ou ~~
outra razão, nasceram para serem esque-
cidas. 10.0 - AMA A TUA
Os pleitos diz o provérbio defen-
t t PROFISSÃO
dem-se como próprios e perdem-se como Procura considerar a advocacia de tal maneira que,
alheios. no dia em que teu filho te peça conselho sobre seu
Também~ a aqvocacia tem o seu [air futuro, consideres uma konra para ti aco~selhá-lo que
play, que consi~te não só no co~porta- .. . se torne aavogadiJ. . .
mento leal e correto durante a luta, mas
~~
também no acatamento respeitoso às de-
cisões do juiz.
O àdvogado que segue discutindo de-
pois da coisa julgada em nada difere do
atleta que, terminado o prélio, pretende
permanecer no campo de jogo tentando
obtert contra um inimigo inexistente,
uma vitória que lhe fugiu das mãos.
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10.0 AMA A TUA


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PROFISSÃO
Procura considerar a advocacia de tal maneira que,
no dia em que teu filho te peça conselho sobre seu
futuro, consideres uma honra para ti aconselhá-lo que
se torne adz'ogado.
~~

Seja-nos permitido ilustrar o último


mandamento com uma .parábola.
Conta Péguy que um dia ficou impre~-
sionado vendo sua mãe consertar uma
cadeira, Era talo esmero, o escrúpulo, a
amorosa atenção com que executava sua
tarefa, que o filho manifestou-se admi-
rado, A mãe, então, lhe disse: o amor pe-
las coisas bem feitas deve acompanhar-
nos por toda a vida; as partes invisíveis
das coisas devem reparar-se com o
mesmo escrúpulo com que se cuidam as
partes visíveis; as catedrais de França são
as catedrais de França porque o amor
com que se fez o ornamento externo é o
71
mesmo amor com que foram feitas as é grande virtude entrever nela esse pe-
partes invisíveis. queno fio de ouro da glória que deseja-
Isso mesmo acontece em todos os atos mos para nosso filho.
da vida. O amor à profissão eleva-a à dig- Coloquemos, nesse dia, a mão sobre
nidade de uma arte. O amor por si só seu ombro e digamos-lhe: procura aqui,
transforma o trabalho em criação; a tena- meu filho, o bem e a virtude que almejo
cidade, em heroísmo; a fé, em martírio; a para tua vida; e, sobretudo, faze pela de-
concupiscência, em nobre paixão; a luta, fesa de teus semelhantes, na causa da jus-
em holocausto; a cobiça, em prudência; o tiça, tudo aquilo que eu quis fazer e a
lazer, em êxtase; a idéia, em dogma; o. vida não me permitiu! Terás com isso um
amor-próprio, em sacrifício; a vida, em pouco de glória e muita angústia. Mas
poeSIa. está escrito na lei da vida que é este o
Quando o advogado chega ao ponto de preço que se paga pela própria vida.
aconselhar seu filho, no dia decisivo em Já estava expresso nos versos que o
que deve orientá-lo sobre seu futuro, que coro dirige a Wilhelm Meister, no poema
siga sua própria profissão, é porque en- imortal:
controu nela algo mais que um simples "Sê bem-vindo, jovem noviço!
ofício. Ofício queremos para nós mes- Sê bem-vindo ao sacrifício!"
mos; mas para nosso filho alme jamos, se
possível, a glória.
A adv~)Cacianão é certamente um ca-
minho glorioso. É feito, como todas as
coisas humanas, de sacrifícios e de exal-
tações, de amarguras e esperanças, de de-
senganos e renovadas ilusões. Entretanto,
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I E stes Mandamentos deixam delibera-


damente imprecisa a linha de separação
entre o real e o ideal, entre o que é e o
que desejamos que seja.
O advogado é mostrado, aqui, um
pouco como a vida o apresenta e outro
_pouco como o representa a ilusão. Em
--tod o-caso~~-~âparece~como'g()stariade~sero..~
autor, no dia em que pudesse superar to-
das aquelas limitações terrenas que im-
pedem, na luta de todos os dias, a obten-
ção da plenitude de sua arte.
\ Mas, essa imprecisão da fronteira que
\
~ separa o visível de sua essência, o adqui-
rido daquilo que se desejaria adquirir, é
inerente a toda meta. Meta é, em suas
acepções latina e grega, respectivamente,
~~_~
__~~__ o término de uma carreira e o que o
______ =~~o_==,,=~~=~c"~~-_= .••__ .==__ =--- =-~c~,="---'-:=_"""c=__
~----,~-=~=-'-=
transcende. Por esse motivo, nunca sabe-
..remos, até=-qtre~-I5-mlto~a~vitÉ>r-ia~é~um~fim~=.=,=
ou um novo começo, e em função de que -~-
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misteriosas razões, nas expressões supe-


riores da advocacia, não há outra con-
quista senão aquela que deixa abertos,
indefinidamente, ante nós, os caminhos
do bem e da virtude. .
É essa, definitivamente, em sua última
expressão, a vitória do ideal sobre o real.

MONTEVIDÉU, 1949.

~,

78
JA~TR.Ó?OL~
Indústria Gráfica LIda.

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