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Roger Fisher

William Ury
Bruce Patton

Como Conduzir
Uma Negociação
CHEGAR A ACORDO
SEM CEDER

Edição revista e actualizada

Getting to YES

Traduzido do inglês por


Maria João Goucha
Conteúdos

PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇÃO 9


PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO 15
INTRODUÇÃO 17

I O PROBLEMA 21
CAPÍTULO 1 > NÃO DISCUTA POSIÇÕES 22

II O MÉTODO 35
CAPÍTULO 2 > SEPARE AS PESSOAS DOS PROBLEMAS 36
CAPÍTULO 3 > CENTRE-SE NOS INTERESSES E NÃO EM POSIÇÕES 59
CAPÍTULO 4 > INVENTE OPÇÕES PARA PROVEITO MÚTUO 75
CAPÍTULO 5 > INSISTA NA UTILIZAÇÃO DE CRITÉRIOS OBJECTIVOS 100

III SIM, MAS... 115


CAPÍTULO 6 > E SE ELES FOREM MAIS PODEROSOS?
(DESENVOLVA A SUA MAPAN – MELHOR ALTERNATIVA PARA UM ACORDO NEGOCIADO) 116
CAPÍTULO 7 > E SE ELES NÃO QUISEREM ENTRAR NO JOGO? (USE A NEGOCIAÇÃO JIU-JITSU) 126
CAPÍTULO 8 > E SE ELES UTILIZAREM PROCESSOS DESONESTOS?
(TENTE DOMAR O NEGOCIADOR INFLEXÍVEL) 148

IV EM CONCLUSÃO 163

V DEZ PERGUNTAS SOBRE COMO CONDUZIR UMA NEGOCIAÇÃO 167

AGRADECIMENTOS 211
ÍNDICE ANALÍTICO 214
NOTA SOBRE O PROJECTO NEGOCIAL DE HARVARD 221
Dez Perguntas Sobre Como Conduzir
Uma Negociação
Imparcialidade e Negociação “de Princípios”
> Pergunta 1 “Faz sempre sentido assumir uma posição
negocial?”
> Pergunta 2 “E se a outra parte tiver uma noção de
imparcialidade diferente?”
> Pergunta 3 “Devo ser imparcial mesmo que não seja preciso?”

Lidar com as Pessoas


> Pergunta 4 “Que devo fazer quando as pessoas são o
problema?”
> Pergunta 5 “Devo negociar até com terroristas ou nazis?
Quando é que faz sentido não negociar?”
> Pergunta 6 “Como devo ajustar a minha abordagem negocial,
tendo em conta as diferenças de personalidade, género, cultura,
entre outras?”

Tácticas
> Pergunta 7 “Como devo decidir ‘Onde nos podemos
encontrar?’, ‘Como devemos comunicar?’, ‘Quem deve fazer a
primeira oferta?’ e ‘Por que valor devo começar?’”
> Pergunta 8 “Concretamente, como consigo passar da invenção
de opções para um compromisso?”
> Pergunta 9 “Como pôr em prática estas ideias sem correr
grandes riscos?”

Poder
> Pergunta 10 “A minha forma de negociar tem alguma
importância se a outra parte for mais poderosa?” e “Como posso
melhorar o meu poder negocial?”
1
O PROBLEMA
1. Não Discuta Posições
CAPÍTULO 1
Não Discuta Posições

Independentemente de se estar a negociar um contrato, um problema


familiar ou um acordo de paz entre nações, as pessoas preocupam-se
sistematicamente com as posições negociais. Cada parte assume uma
posição, defende-a e faz concessões para chegar a um compromisso.
O exemplo clássico que ilustra este gingar negocial é a discussão en-
tre cliente e proprietário numa loja de artigos em segunda mão:

Cliente > Quanto quer por este prato de latão?


Proprietário > É uma peça muito bonita, não acha? 75 dólares
é um bom preço.
Cliente > Não vê que está todo amolgado? Dou-lhe 15.
Proprietário > Francamente! Ainda podia considerar uma proposta
aceitável, mas 15 dólares não é nada razoável.
Cliente > Sendo assim, ofereço-lhe 20, mas 75 dólares
é impensável. Faça-me um preço adequado.
Proprietário > Não posso fazer uma coisa dessas, minha senhora.
Vendo-lho por 60 dólares e não aceito cheques.
Cliente > 25.
Proprietário > Custou-me muito mais do que isso. Mas estou
disposto a aceitar uma proposta séria.
Cliente > 37,50. É o máximo que lhe ofereço.
Proprietário > Já reparou na gravura desse prato? Para o ano, peças
deste género vão valer o dobro do que valem hoje.

E assim por diante! Talvez cheguem a um acordo, ou talvez não.


Qualquer método de negociação pode ser julgado com alguma pre-
cisão mediante três critérios: deve dar origem a um acordo pondera-
do, se for possível chegar a acordo; deve ser eficiente; e deve melho-
rar, ou pelo menos não estragar, a relação existente entre as partes.
(Podemos caracterizar um acordo ponderado como aquele que, na

22
NÃO DISCUTA POSIÇÕES

medida do possível, contempla os legítimos interesses de cada uma


das partes, analisa com imparcialidade os interesses em conflito, é
duradouro e tem em consideração os interesses comuns.)
A forma mais comum de negociação, ilustrada pelo exemplo ante-
rior, depende da sucessiva tomada – e cedência – de posições.
Tomar posições numa negociação, como o fazem a cliente e o pro-
prietário, significa satisfazer determinados requisitos com alguma
utilidade. Por um lado, dá a conhecer à outra parte as suas inten-
ções. Por outro, serve de apoio a uma situação incerta e preocupante.
E, por fim, poderá permitir que se estabeleça um acordo em termos
aceitáveis. Mas estes requisitos podem ser satisfeitos de outra forma,
já que as posições negociais não reúnem os critérios básicos necessá-
rios para celebrar, de forma eficaz e amigável, um acordo ponderado.

Discutir posições dá origem a resultados


insensatos
Ao discutir posições, os negociadores têm tendência para persistir
nessas mesmas posições. Quanto mais clarificar a sua posição e a
defender contra eventuais ataques, mais comprometido fica. Quanto
mais tentar convencer a outra parte de que lhe é impossível mudar a
sua posição inicial, mais difícil se torna fazê-lo. O seu ego identifica-
-se com a sua posição e agora o seu único interesse é “salvar a face” –
conciliando a acção futura com as posições tomadas anteriormente –
inviabilizando cada vez mais a possibilidade de um acordo poder, de
forma ponderada, conciliar os interesses iniciais de ambas as partes.
O perigo de que as posições negociais possam vir a inviabilizar
uma negociação está bem patente no malogro das conversações, rea-
lizadas em 1961, durante o mandato do presidente, John F. Kennedy,
quanto à proibição generalizada de realizar experiências nucleares.
Se tivessem sido bem sucedidas, estas negociações poderiam ter
travado em grande parte a corrida às armas de grande alcance que
aconteceram ao longo das três décadas seguintes. A questão crítica
era decidir quantas inspecções por ano, in loco, poderiam os Estados
Unidos e a União Soviética realizar no território do outro país, para

23
COMO CONDUZIR UMA NEGOCIAÇÃO

investigar ocorrências sísmicas suspeitas. A União Soviética acabou


por concordar com três inspecções, mas os Estados Unidos insisti-
ram em pelo menos dez. E aí a discussão – de posições – terminou,
apesar de nenhum dos países ter percebido se uma “inspecção” im-
plicaria uma pessoa a averiguar durante um dia, ou centenas de pes-
soas a bisbilhotar indiscriminadamente durante um mês. Nenhuma
das partes se esforçou por definir uma metodologia de inspecção que
conciliasse o interesse que os Estados Unidos tinham na verificação,
com o desejo mútuo de que a ingerência fosse mínima.
Cada grupo focar-se nas suas posições quase levou a um desne-
cessário derramamento de sangue numa disputa entre agricultores
e a companhia petrolífera nacional do Iraque, a seguir à queda do
regime de Saddam Hussein.
Agricultores deslocados no sul do Iraque tinham-se juntado, tinham
arrendado terras aráveis ao governo, e tinham usado as suas últimas
economias e empréstimos para plantar culturas. Infelizmente, ape-
nas alguns meses depois, os agricultores receberam cartas a ordenar
que deixassem as terras imediatamente, de acordo com as cláusu-
las do seu contrato de arrendamento, porque tinha sido descoberto
petróleo naquelas terras. A companhia petrolífera disse: “Saiam das
nossas terras.” Os agricultores responderam: “As terras são nossas,
não saímos.” A petrolífera ameaçou chamar a polícia. Os agricultores
responderam: “Nós somos muitos.” Então a companhia petrolífera
nacional ameaçou trazer o exército. “Nós também temos armas, não
saímos”, foi a resposta. “Não temos nada a perder.”
Enquanto as tropas se reuniam, o derramamento de sangue foi
evitado pela intervenção, no último minuto, de um oficial que ti-
nha acabado de fazer um curso sobre alternativas de negociação
de posições. “Daqui a quanto tempo esperam poder produzir pe-
tróleo nestas terras?”, perguntou à companhia petrolífera nacional.
“Provavelmente daqui a três anos”, responderam-lhe. “O que preten-
dem fazer com a terra nos próximos meses?” “Fazer um primeiro
levantamento sísmico das camadas profundas.” Depois perguntou
aos agricultores: “Qual é o problema de saírem agora, como eles
pedem?” “As colheitas são daqui a seis semanas. Representam tudo
o que temos.”

24
NÃO DISCUTA POSIÇÕES

Pouco depois, alcançou-se um acordo: os agricultores podiam fa-


zer as suas colheitas. Não impediriam as actividades preparatórias
da companhia. Na verdade, a companhia esperava poder brevemente
contratar muitos dos agricultores como trabalhadores para a sua ac-
tividade de construção. E não obstou a que continuassem a cultivar
entre a sua maquinaria.
Como fica demostrado por estes exemplos, à medida que se vai
dando cada vez mais atenção às posições, diminui o interesse em
satisfazer as preocupações fundamentais entre as partes envolvidas.
O acordo torna-se menos provável, e qualquer acordo poderá resul-
tar de um compromisso irreflectido de posições finais e não de uma
solução cuidadosamente encontrada para satisfazer os legítimos inte-
resses de ambas as partes. O resultado é, frequentemente, um acordo
menos satisfatório para cada uma das partes, ou nenhum acordo, de
todo, quando um bom acordo teria sido possível.

Discutir posições não é eficaz


O método normal de negociação pode dar origem a um acordo (o
preço do prato de latão) ou a um malogro (o número de inspecções
realizadas in loco). Em ambos os casos, o processo é moroso.
Discutir posições constitui um entrave à realização de um acordo.
Ao assumir uma posição negocial, tenta aumentar a possibilidade de
que qualquer acordo alcançado lhe seja favorável, partindo de uma
posição extrema, mantendo-se obstinadamente inflexível, ocultando
as suas verdadeiras intenções e fazendo apenas as concessões neces-
sárias para que a negociação possa avançar. A parte contrária assume
um comportamento idêntico e cada um destes factores acaba por in-
terferir com a provável realização imediata de um acordo. Quanto
mais extremas forem as posições iniciais e menores as concessões,
mais tempo e esforço serão necessários para descobrir se é ou não
possível chegar a acordo.
O processo normal de negociação requer igualmente um núme-
ro considerável de decisões individuais, relativamente ao que cada
negociador pretende oferecer ou rejeitar e até que ponto pretende

25
COMO CONDUZIR UMA NEGOCIAÇÃO

fazer concessões. Tomar posições não é fácil e demora muito tem-


po. Tomar uma decisão implica não só fazer cedências à outra parte,
como tende igualmente a criar condições para que se continue a ce-
der, o que significa que um negociador não se sente muito motivado
para agir com rapidez. Assim, é normal que actue deliberadamente
devagar, que ameace desistir, que crie dificuldades, e que opte por
outras tácticas deste género, todas elas aumentando o tempo e os
custos necessários para chegar a um acordo, bem como o risco de
não se chegar a nenhum.

Discutir posições põe em perigo uma relação


em curso

As posições negociais transformam-se num confronto de vontades.


Cada negociador afirma o que pretende e não pretende fazer. A tarefa
de encontrar em conjunto uma solução aceitável tem tendência para
se transformar numa disputa. Cada uma das partes tenta forçar a ou-
tra a mudar de posição, por todas as formas que estão ao seu alcance.
“Não vale a pena insistires. Se queres vir comigo ao cinema é para
ver o Avatar, e mais nada.” É normal que uma das partes se sinta
irritada e ressentida à medida que julga estar a submeter-se à vonta-
de intransigente do outro e a esquecer os seus legítimos interesses.
É por isso que as posições negociais desgastam as relações existentes
e, por vezes, provocam rupturas. Empresas que, durante anos, man-
têm negócios em comum, podem acabar por pôr cobro a uma rela-
ção. Vizinhos chegam a incompatibilizar-se. E os sentimentos desa-
gradáveis que estas situações originam podem durar uma eternidade.

As posições negociais pioram quando


há muitas partes envolvidas
Embora seja desejável que numa negociação participem apenas duas
pessoas, a verdade é que este número é quase sempre superior. A uma
mesa de negociações podem sentar-se vários interessados, ou cada

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NÃO DISCUTA POSIÇÕES

uma das partes pode ter os seus constituintes, os superiores, a direc-


ção ou comissões com os quais é necessário negociar. Quanto maior
for o número de pessoas envolvidas numa negociação, mais graves
são os inconvenientes que resultam da tomada de posições negociais.
Se 150 países encetarem negociações, como acontece em inúmeras
assembleias das Nações Unidas, é quase impossível enveredar por
posições negociais. O consenso pode ser geral, mas uma parte pode
não concordar. É extremamente difícil fazer concessões recíprocas
pois nunca se sabe a quem se faz a concessão. Apesar de serem aos
milhares, os acordos bilaterais ficam sempre muito aquém dos acor-
dos multilaterais. Nestas circunstâncias, as posições negociais levam
à formação de coligações entre as partes, cujos interesses comuns
são habitualmente mais simbólicos do que substantivos. Nas Nações
Unidas, este tipo de coligações origina frequentemente relações ne-
gociais entre “o” Norte e “o” Sul, ou entre “o” Leste e “o” Ocidente.
O facto de os grupos serem numerosos dificulta a tomada de uma
posição comum. E, pior do que isso, torna-se muito mais difícil al-
terar uma posição que tenha sido tomada à custa de muito esforço.
Igualmente difícil se torna alterar uma posição se as altas autorida-
des, que participam na negociação a nível extraordinário, forem obri-
gadas a dar o seu consentimento, apesar de terem estado ausentes da
mesa de negociações.

Ser simpático não é solução


Muitas pessoas reconhecem que as posições negociais inflexíveis
têm um custo elevado, nomeadamente no que diz respeito às partes
e à relação que entre elas se estabelece. Seria possível evitar esta si-
tuação se se adoptasse um estilo mais cordial de negociação, enca-
rando o outro não como adversário mas como amigo, tendo por ob-
jectivo principal chegar a acordo e não à vitória. Neste delicado jogo
negocial, a regra é fazer ofertas e concessões, confiar no parceiro, ser
amável e ceder o necessário para evitar o confronto.
O quadro seguinte caracteriza os dois estilos de posição negocial:
estilo flexível e estilo intransigente. A maioria das pessoas escolhe a

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COMO CONDUZIR UMA NEGOCIAÇÃO

sua estratégia negocial optando por um destes dois estilos. Perante


as escolhas existentes no referido quadro, e relativamente a posições
negociais, considera-se uma pessoa flexível ou intransigente? Ou
prefere optar por uma estratégia intermédia?
O delicado jogo negocial atribui mais importância à construção e
à estabilidade de uma relação, um pouco à semelhança do que se
passa dentro de muitas famílias e entre amigos. Este processo re-
vela ser eficaz, pelo menos no que diz respeito à rápida obtenção de
resultados. É altamente provável que se consiga um acordo quando
as partes envolvidas disputam entre si uma maior generosidade e
solicitude, apesar de o resultado poder ser menos acertado. Os resul-
tados talvez não sejam tão desastrosos como na história, da autoria de
O. Henry, daquele casal indigente, em que a afectuosa mulher vende
a sua trança para poder comprar uma bonita bracelete para o relógio
do marido, e este, desconhecendo o que se passa, vende o seu relógio
para poder comprar umas bonitas travessas para o cabelo da sua mu-
lher. No entanto, qualquer negociação essencialmente preocupada
com a relação em si corre o risco de produzir um acordo irreflectido.

Problema
Posições negociais: que jogo prefere?
Flexível Intransigente
> Os participantes são amigos. > Os participantes são adversários.
> O objectivo é o acordo. > O objectivo é a vitória.
> Faz concessões para cultivar > Exige concessões como condição para a
a relação. relação.
> É flexível com as pessoas e com os > É intransigente com os problemas e com
problemas. as pessoas.
> Confia nos outros. > Não confia nos outros.
> Muda facilmente de posição. > Mantém a sua posição.
> Faz propostas. > Faz ameaças.
> Dá a conhecer a sua posição. > Não revela a sua posição.
> Faz cedências para chegar > Exige contrapartidas para chegar
a um acordo. a um acordo.
> Procura uma única resposta: aquela que > Procura uma única resposta: aquela que
eles aceitarão. você aceitará.
> Insiste no acordo. > Insiste na sua posição.
> Tenta evitar o confronto de vontades. > Tenta ganhar no confronto de vontades.
> Cede à pressão. > Pressiona.

28
NÃO DISCUTA POSIÇÕES

A verdade é que, se enveredar por uma estratégia negocial mais flexí-


vel e amigável, pode ficar mais vulnerável a alguém que adopte a es-
tratégia contrária. As posições negociais intransigentes predominam
sobre as posições flexíveis. Se aquele que opta pela intransigência
pretende obter cedências e faz ameaças, enquanto o outro, de forma
mais delicada, vai cedendo para tentar evitar o confronto e insiste
no acordo, o jogo negocial tem tendência para favorecer quem opta
pelo confronto. Este processo poderá conduzir a um acordo, muito
embora este possa não ser o mais acertado, visto que será certamente
mais favorável a quem for mais intransigente nas posições negociais.
Se, perante uma posição intransigente a todos os níveis, adoptar uma
posição flexível, é provável que fique de tanga.

Alternativa possível
Se não lhe apraz a escolha entre um estilo flexível e um estilo intran-
sigente nas posições negociais, poderá alterar as regras do jogo.
O jogo negocial faz-se a dois níveis: o da negociação que visa a subs-
tância e o da negociação que, habitualmente e de forma implícita,
se centra no processo de lidar com a substância. O primeiro tipo de
negociação pode dizer respeito ao seu salário, aos termos de um con-
trato de locação financeira ou ao pagamento de um preço. O segundo
diz respeito à forma como irá negociar a questão substantiva, adop-
tando uma posição negocial flexível, intransigente ou qualquer outra.
Este último tipo de negociação é um jogo dentro do próprio jogo, ou
seja, um “meta jogo”. Cada lance de uma negociação não se relaciona
apenas com o aluguer, o salário ou quaisquer outras questões mate-
riais, mas também ajuda a definir as regras do próprio jogo. A sua
jogada tanto pode manter as negociações tal como estão a decorrer,
como pode alterar as regras do jogo.
Geralmente este segundo tipo de negociação passa despercebido
porque se realiza sem que tenha sido tomada uma decisão conscien-
te. Só quando a relação se estabelece com alguém oriundo de um
outro país, nomeadamente alguém com antecedentes culturais mar-
cadamente diferentes, é que poderá compreender a necessidade de

29
COMO CONDUZIR UMA NEGOCIAÇÃO

estipular determinados processos adequados às negociações mate-


riais. Consciente ou inconscientemente, está a negociar normas de
conduta a cada passo que dá, mesmo que esses lances pareçam estar
exclusivamente relacionados com as questões materiais.
Se tiver dúvidas quanto à escolha de um estilo, flexível ou intransi-
gente, de posição negocial, opte por “nenhum”. Mude de jogo. No âm-
bito do Projecto Negocial de Harvard, temos vindo a desenvolver uma
alternativa às posições negociais, que se traduz num método de ne-
gociação expressamente elaborado para produzir efeitos ponderados,
com eficácia e amizade. Este método, a que chamámos “negociação
de princípios” ou “negociação de méritos”, pode resumir-se em quatro
pontos fundamentais que definem um método simples de negociação
aplicável a quase todas as circunstâncias. Cada um deles diz respeito
a um elemento básico da negociação e propõe-lhe o que deve fazer.

> Pessoas: separe as pessoas dos problemas.


> Interesses: concentre-se nos interesses e não em posições.
> Opções: conceba uma série de possibilidades centradas em
obter ganhos mútuos antes de se decidir.
> Critérios: esforce-se para que o resultado assente numa
determinada norma objectiva.

O primeiro ponto prova que os seres humanos não são computa-


dores, mas sim criaturas com emoções muito fortes, em geral com
percepções radicalmente diferentes e com dificuldades em comuni-
car. É normal as emoções confundirem-se com os méritos objectivos
do problema, e tomar posições só vem dificultar esta situação, uma
vez que o ego de cada pessoa tende a identificar-se com as suas po-
sições. Fazer concessões “à relação” é igualmente problemático, por-
que pode encorajar e recompensar a teimosia, que por sua vez pode
levar ao ressentimento, que acabará por prejudicar a relação. Assim,
e antes de abordar o problema substantivo, o “problema das pessoas”
deve ser identificado e tratado separadamente. Em sentido figurado,
senão mesmo literal, os participantes deviam trabalhar lado-a-lado
para tentar resolver o problema e não atacar-se mutuamente. Daí a
primeira resposta: separe as pessoas dos problemas.

30
NÃO DISCUTA POSIÇÕES

O segundo ponto pretende superar a desvantagem de concentrar


as atenções nas posições de cada um, quando a negociação tem por
objectivo satisfazer os seus interesses fundamentais. Muitas vezes,
a posição negocial oculta o que a pessoa realmente quer. Conseguir
posições de compromisso não significa que se chegue a um acordo
que realmente tenha em conta as necessidades humanas que levam
as pessoas a adoptar essas posições. O segundo elemento básico do
método: concentre-se nos interesses e não nas posições.
O terceiro ponto permite superar as dificuldades em encontrar
óptimas soluções sob pressão. A sua capacidade de raciocínio fica
limitada se tiver de tomar uma decisão na presença do adversário e a
criatividade desaparece se estiverem em jogo muitas coisas. O mes-
mo se passa quando tenta encontrar a solução certa. Pode evitar todas
estas restrições se reservar um determinado tempo para enumerar
uma série de soluções possíveis em prol dos interesses comuns que
conciliem, com imaginação, os diferentes interesses. Temos aqui o
terceiro ponto básico: antes de tentar fazer um acordo, crie opções
para proveito mútuo.
Se os interesses forem claramente opostos, um negociador pode
conseguir um resultado favorável pela simples teimosia. Mas este
método tende a fomentar a intransigência e a produzir resultados
arbitrários. No entanto, pode contrariar um negociador deste género,
insistindo no facto de não ser suficiente que ele, pura e simplesmente,
afirme uma coisa, e no facto de o acordo ter de respeitar determinadas
normas, independentemente da simples vontade da outra parte. Isto
não significa que deva insistir para que os termos se baseiem na nor-
ma por si seleccionada, mas tão só deixar claro que são determinadas
normas, como o valor de mercado, a opinião de peritos, o costume ou
o Direito, que determinam o resultado. Discutir estes critérios em vez
de discutir o que é que as partes querem ou não querem fazer, sig-
nifica que nenhuma das partes tem necessidade de fazer cedências,
visto que ambos podem ceder perante uma solução justa. Chegamos
assim ao quarto ponto básico: esforce-se por utilizar critérios objectivos.
Os quatro preceitos da negociação de princípios são importantes
desde o momento em que se começa a pensar numa negociação, até
ao momento em que o acordo é alcançado ou até ao momento em

31
COMO CONDUZIR UMA NEGOCIAÇÃO

que se decide desistir. Este período pode dividir-se em três fases: aná-
lise, planificação e discussão.
Na fase da análise tenta simplesmente diagnosticar a situação – re-
colhe informação, organiza-a e reflecte sobre ela. Tem em conta os
problemas da pessoa, relativamente às concepções tendenciosas, às
emoções hostis e à comunicação pouco clara, bem como os seus inte-
resses e os interesses da parte contrária. Quererá conhecer as opções
que estão a ser discutidas e identificar alguns critérios já sugeridos
como base para o acordo.
Na fase de planificação volta a lidar com os mesmos quatro elementos
que lhe permitem criar novas ideias e decidir o que fazer. Como pre-
tende lidar com os problemas das pessoas? De entre os seus interesses,
quais os mais importantes? E quanto aos objectivos realistas? Vai querer
arranjar opções e critérios adicionais para tomar uma decisão.
E na fase de discussão, quando as partes encetarem o diálogo para
chegarem a acordo, estes quatro elementos vão ser, mais uma vez, o
melhor tema de conversa. Identificam-se e analisam-se as diferenças
de percepção, os sentimentos de frustração e de irritação e as dificul-
dades de comunicação, e cada uma das partes acaba por compreen-
der os interesses da parte contrária. Desta forma, poderão, em con-
junto, criar opções mutuamente vantajosas e, com base em normas
objectivas, tentar celebrar um acordo que concilie interesses opostos.
Numa palavra, e ao contrário das posições negociais, o método da
negociação de princípios, ao dar mais importância aos interesses
básicos, às opções mutuamente satisfatórias e às normas justas, dá
normalmente origem a um acordo acertado. Este método permite-lhe
atingir eficazmente um consenso gradual ou uma decisão comum sem
implicar custos na respectiva transacção. Se separar as pessoas dos
problemas pode, directamente e com determinação, encarar o outro
negociador como um ser humano, tornando assim possível um acordo
amigável, independentemente de quaisquer diferenças substantivas.
Cada um destes quatro pontos básicos vai ser desenvolvido nos
próximos quatro capítulos. Se não acredita, poderá saltar algumas
páginas e dar uma vista de olhos aos três capítulos finais, onde en-
contrará uma resposta para as perguntas normalmente feitas sobre
este método.

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NÃO DISCUTA POSIÇÕES

Problema Solução
Posições negociais: Mude as regras
que jogo prefere? do jogo – negoceie
méritos

Flexível Intransigente Por princípio


> Os participantes > Os participantes > Os participantes são
são amigos. são adversários. a solução para o problema.
> O objectivo é o acordo. > O objectivo é a vitória. > O objectivo visa atingir, com
eficácia e amizade,
um resultado ponderado.

Separe as pessoas
dos problemas
> Faça concessões > Exija concessões como > Seja flexível com as pessoas
para cultivar a relação. condição para a relação. e intransigente com
> Seja flexível com as pessoas > Seja intransigente com os problemas.
e com os problemas. os problemas e com > Avance, independentemente
as pessoas. da sua confiança.
> Confie nos outros. > Não confie nos outros.

Centre-se nos interesses


e não em posições
> Mude facilmente > Mantenha a sua posição. > Descubra interesses.
de posição. > Evite assumir uma posição
> Faça propostas. > Faça ameaças. definitiva.
> Dê a conhecer > Não revele a sua posição.
a sua posição.

Crie opções para proveito


mútuo
> Faça cedências para chegar > Exija contrapartidas > Desenvolva múltiplas opções
a um acordo. para chegar a um acordo. para escolha; decida mais
> Procure uma única resposta: > Procure uma única tarde.
aquela que eles aceitarão. resposta: aquela que você
aceitará.

Esforce-se por utilizar critérios


objectivos
> Insista no acordo. > Insista na sua posição. > Tente obter um resultado
> Tente evitar o confronto > Tente ganhar no confronto baseado em normas
de vontades. de vontades. e independente da vontade.
> Ceda à pressão. > Pressione. > Seja razoável
e mantenha-se aberto
ao diálogo; ceda
aos princípios mas nunca
à pressão.

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