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Confissão

Pecado Grave
ANTÔNIO DONATO

Aula 3

[versão provisória]
O texto desta transcrição não foi revisto ou corrigido pelo autor.
Por favor, não cite nem divulgue esse material.

Na primeira aula falamos do que são os sacramentos. Na segunda aula falamos dos elementos
essenciais do sacramento da Confissão. Hoje vamos falar da moral cristã como um todo. A
necessidade de falar disso se dá porque, como vimos na aula passada, a gente, ao confessar-se, precisa
fazer um exame de consciência, na qual nos lembramos de todos os pecados graves – e, se possível,
dos leves – que cometemos. Mas, segue-se a pergunta, o que é pecado? Como podemos reconhecê-
lo? E sobretudo como se dá a diferença entre o pecado grave e o leve?
Essa diferença entre a gravidade dos pecados está na teologia, isto é, ela descreve os pecados graves,
no qual temos de confessar, e os leves, que são inúmeros, mas que, com a graça, podemos evitá-los.
Seria algo inumano, ao confessar-se, fazer o propósito de além de abandonar todos os pecados graves,
também todos os pecados leves. Isso seria algo muito bom se tivesse ao alcance das pessoas.
Nem sempre é suficientemente clara a distinção dos pecados leves, também conhecidos como veniais.
Porém, os pecados graves, conhecidos como mortais, são bastante claros e ao nos confessarmos temos
de abandona-los todos. Em latim, venia significa perdão. Venial significa perdoável, são os pecados
mais facilmente perdoáveis e que não requerem a Confissão para serem perdoados. Os pecados
veniais, apesar de serem perdoáveis sem que seja necessária a Confissão, têm a Confissão como seu
meio ordinário para serem perdoados. O perdão dos pecados veniais pode ser dado por uma verdadeira
contrição, por exemplo – mas não somente por isso.
No catecismo oficial, encontramos listadas as condições necessárias para que um pecado seja grave.
A saber: (i) matéria grave, (ii) plena advertência e (iii) pleno consentimento. Os pecados graves são
aqueles que, ao serem cometidos, fazem-nos perder a graça de Deus, a graça que tínhamos adquirido
pelo Batismo, pela Confissão, pelos sacramentos ou por algum arrependimento profundo. Ao
cometermos pecados graves, perdemos a graça, perdemos todo o organismo sobrenatural que
tínhamos, [organismo] pelo qual participávamos da vida divina e que, na medida em que ia se
desenvolvendo, ia produzindo em nós a santidade. Os pecados veniais não eliminam a graça, pois têm
outra natureza. Para sabermos, portanto, a gravidade do ato, devemos investigar esses três requisitos.
Primeiro, a matéria, o ato feito em questão. Segundo, a plena advertência, diz respeito à inteligência.
Terceiro, o pleno consentimento, diz respeito à vontade. Para que uma coisa seja pecado grave, o ato
cometido tem de ser plenamente humano.
Na Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino diz que existem “atos humanos” e “atos de homem”.
Os atos de homem são os atos que são feitos por um ser humano, mas que não por isso são humanos
– são atos totalmente privados de razão e de vontade. Por exemplo, digamos que você,
desconsiderando que o fogão possa estar quente, encosta a mão nele e se queima: antes mesmo de
pensar e deliberar sobre a sua reação, você desencosta a mão. Ou seja, por um ato reflexo, você agiu,
portanto, isso é um ato de homem. Um ato reflexo não é um ato humano porque não é racional, não
é pensado, deliberado, advertido e consentido. Algumas vezes agimos de maneira tão rápida que nem
sequer conseguimos entender o que fizemos. Digamos que durante uma neblina, você esteja dirigindo
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e uma criança resolve atravessar a rua estando o farol fechado. Você, ao avançar o sinal, não percebe
que havia uma criança na rua e, no instante em que ia atropela-la, você tenta desviar, mas não
consegue. Isso foi um ato de homem, não é um ato humano; isso não foi uma coisa entendida,
deliberada e consentida. [0:10] Obviamente, essas coisas não podem ser pecado mortal. Se perdêssemos
a amizade com Deus por coisas como essas, Deus seria injusto, pois trataria como Seu inimigo alguém
que não tem culpa nenhuma. Para haver pecado grave, tem de haver um ato plenamente humano, que
por sua vez tem de ser plenamente advertido e plenamente consentido – isso é a primeira coisa a se
investigar para saber se há pecado grave.
Dos atos involuntários, portanto, não decorre pecado grave. Todavia, devemos atentar que, entre o
ato totalmente involuntário e o ato totalmente voluntário, existe uma faixa intermediária onde pode
haver uma meia culpa. O que se dá nessa faixa intermediária, a meia culpa, muitas vezes não é pecado
grave, mas por não ser totalmente involuntário, é pecado leve. Um dos motivos para haver pecado
leve é quando não há a plena advertência e o pleno entendimento e quando não foi totalmente
involuntário – falaremos disse logo mais. O pecado leve não se dá somente quando não é totalmente
voluntário. Existem também os pecados que têm por leves as matérias, que dizer, haverá pecado leve
quando houver a plena advertência e o pleno consentimento sobre matéria leve.
O que é a plena advertência? É um atributo da inteligência, é um atributo do ato [do ser] inteligente.
Um ato inteligente humano tem de ser plenamente advertido. De uma maneira geral, pode-se dizer
que um ato é plenamente advertido quando claramente se entende o que se está fazendo, quer dizer,
é saber que está fazendo o que se está fazendo. Mais ainda, é não somente entender o que está fazendo,
mas perceber a malícia do que se está fazendo.
Do ponto de vista moral, para se afirmar que há malícia em determinado ato não é necessário que o
autor tenha sido formalmente notificado que tal ato é pecado – se fosse assim só os teólogos
cometeriam pecado, pois afinal só eles é que sabem o que é e o que não é pecado formalmente;
igualmente, só os advogados cometeriam crimes, pois só eles conhecem formalmente as leis, ao
contrário dos homens comuns. Para haver o entendimento da malícia, portanto, basta que se perceba,
de alguma maneira, a malícia da coisa. Também não é preciso entender claramente a essência da
malícia, quer dizer, não é preciso perceber [ou classificar a espécie] – isto é um roubo, isto é furto,
isto é adultério, isto é pecado disto, daquilo e daquilo outro etc. –, basta apenas que se perceba, ainda
que de maneira confusa, [o que se está fazendo].
A advertência plena tem de ser clara no sentido de que o sujeito perceba o que ele está fazendo e basta
que seja confusa no sentido da percepção da malícia intrínseca presente no ato. A percepção é confusa
no sentido de não se saber precisar, não se saber definir qual é o tipo de pecado que se está cometendo;
basta apenas intuir a presença da coisa má, basta perceber claramente esse algo que para autor é
confuso – “Isso não está me cheirando a coisa boa! Eu não sei o que é, se é assassinato, se é aborto,
se é lesão corporal, mas eu sei que não é algo bom”. Se a sua consciência mostra que “isso aí Deus
não gosta”, apesar de não saber, ó raios, que pecado é, se você percebe claramente que a coisa não é
boa, que tem maldade no pedaço e você faz essa coisa, isso já é [um ato com] plena advertência.
Portanto, para haver plena advertência não é preciso saber formalmente o que é errado, não é preciso
ter estudado nada e não é preciso sequer saber explicar o quê de errado se está fazendo.
Às vezes pode acontecer também uma outra coisa que não desculpa da plena advertência: é quando
uma pessoa leva uma vida má a tanto tempo que perde a plena advertência de seus atos. Por exemplo,
fulano é um criminoso acostumado a matar e a estuprar e ao chegar em casa ele dá um tabefe na
esposa: ele não percebe que esse tabefe é um pecado grave. Surrar a esposa é um pecado gravíssimo,
do ponto de vista cristão. Um fulano que mata todo dia, que rouba, que trafica, que tem uma vida
irregular, que trai a mulher frequentemente, quando ele dá um tabefe na esposa, ele acha que tem
motivo para isso, ele acha que está fazendo um favor para a mulher, que ele a está colocando na linha,
que errado seria se ele não desse esse tabefe. Então, ele não se adverte em nada, ele não percebe a
malícia do ato. Só que essa malícia, essa falta de advertência, é consequência dos pecados que ele
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comete frequentemente que endureceram a mente dele, que endureceram a consciência dele. Nesse
caso, não tem desculpa por não ter plena advertência, é pecado sim. Quando ele receber a graça e se
converter, se for se confessar e cair em si, ele vai dizer: “Meu Deus, o que eu fiz? Como eu tratei a
minha mulher? Eu fui um monstro! Claro, eu era um monstro e nem percebia, porque durante o dia
eu fazia mil vezes pior”.
A plena advertência, em coisas do direito natural, é exigida nessas circunstâncias, quando é uma
pessoa que já tem boa-fé, quando é uma pessoa que já tem uma consciência razoavelmente formada.
Senão, na verdade, não é preciso plena advertência. Podemos ver uma referência clara a isso na Bíblia,
em Romanos, onde São Paulo fala aos romanos: [0:20] “Estou indo para Roma, mas aí é uma terra
dissoluta, as pessoas bebem, fazem orgia, praticam homossexualismo, têm escravos, compram gente,
mandam gente para o Coliseu, fazem misérias. E eles não tiveram ninguém que explicassem para eles
que isso é errado. Pois na Judéia, nós tivemos os profetas, então eles já estão avisados. Na Grécia,
eles tiveram os filósofos que, no fundo, ensinaram uma moral muito parecida com a cristã. Agora,
aqui em Roma, nunca ninguém os ensinou, o pessoal que faz isso acha que é direito, acha que é
normal mandar matar o escravo, jogar as pessoas para os leões, fazer orgia toda semana – ‘A minha
mulher está enchendo o saco, vou matá-la, ora, se ela é minha propriedade’. Perguntar-se se isso é
pecado? Imagina! Pecado? O que é isso? Eles não sabem”.1
E aí, eles vão ser desculpados por não ter plena advertência? Em hipótese alguma, porque eles caíram
nesse estado, eles se tornaram totalmente insensíveis, por causa de todos os outros pecados que
fizeram antes. E tanto é verdade que, na hora em que eles começam a dar ouvidos ao cristianismo e
se convertem, eles falam: “Meu Deus!, como eu posso ter feito tudo isso?”. Na verdade, no fundo,
eles sabiam, mas se cegaram. Então, a falta de plena advertência, nesse sentido, só desculpa o pecado
grave quando é uma consciência plenamente formada.
Para a consciência plenamente formada, existe o dever, para os cristãos, de estudar a doutrina
minimamente e se informarem das coisas. Se houver uma negligência muito evidente, no que diz
respeito à pessoa não aprender o mínimo da doutrina cristã, ela é responsável por causa disso pelos
pecados que ela cometer sem advertência. Nas pessoas que hoje em dia se convertem com seriedade
ao Cristianismo, uma negligência patente de não se interessar pelas coisas de Deus é difícil de
acontecer. Isso acontecia mais quando a sociedade toda era cristã, então havia gente que era cristã
quase que por osmose, então eles descuidavam do dever mais elementares. Nesses casos, quando o
sujeito tem uma vida muito dissoluta, ou quando ele tem uma negligência crassa de aprender o
mínimo de doutrina compatível com o estado dele [...] Supõem-se que um médico tenha de aprender
mais de doutrina cristã sobre esse ponto do que uma pessoa comum; um advogado também, um
empresário etc. Quando se tem uma negligência muito crassa de aprender a doutrina conforme a
necessidade do seu estado, no caso de um padre, ele tem de saber muitíssimo mais sobre isso, então
ele também se torna culpado, mesmo se não houver plena advertência.
Então, numa pessoa de consciência bem formada, de acordo com o estado dele, para haver pecado
grave, tem de haver plena advertência. Advertência plena significa o indivíduo perceber claramente
o que ele está fazendo e advertir-se pelo menos confusamente da malícia presente no que ele está
fazendo. “Confusamente” significa que ele percebe realmente que é malícia, porém não sabe explicar
corretamente no quê ela consiste – isso já é suficiente. A consciência o está acusando: “Isso não é
coisa boa. Eu não sei o que é isso, mas eu vou fazer”. Ou seja, ele sente que está fazendo uma coisa
errada. Então, um dos elementos do pecado grave é a existência da plena advertência, pois o ato
pecaminoso tem de ser um ato plenamente humano.
Tem de haver também o pleno consentimento, tem de haver um ato voluntário de tal modo que a
pessoa possa dizer sinceramente que ela fez porque quis fazer, pois se não quisesse tê-lo feito, estaria
em condições de não o ter feito. De todas as coisas em que busquei explicação do que é o plenamente

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Rm 1:7-32
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voluntário, a melhor que eu encontrei foi esta: “Eu fiz porque quis e, além disso, eu tenho certeza de
que, se naquelas condições, eu não tivesse querido fazer, eu não o teria feito, pois eu estava em
condições de poder não tê-lo feito”.
Resumindo, para haver pecado grave, além da matéria grave, tem de haver essas duas condições que
definem o ato plenamente humano, a saber, a plena advertência e o pleno consentimento. Na prática,
isso às vezes causa algumas dificuldades de discernir se foi plenamente voluntário ou plenamente
advertido. Essas dificuldades inclusive são muito boas que aconteçam porque à medida que vamos
tentando compreender isso, nós vamos conhecendo melhor a nós mesmos, vamos como que tomando
posse de nós mesmos. À medida que essas dificuldades acontecem e tentamos resolvê-las, nós vamos
nos tornando mais conscientes de nós mesmos. E também isso é uma oportunidade boa para estudar
esses temas e poder se aprofundar no conhecimento da moral.
Uma coisa importante para entender o sentido disso é que essas coisas se aplicam aos pecados por
pensamento. Deus quer que sejamos bons não apenas nos atos externos, mas também nos atos
internos, que sejamos puros em todos os sentidos. É interessante ver como isso se aplica no
pensamento. Há duas paixões muito fortes no ser humano, que de certa maneira coordenam todas as
outras: as paixões do concupiscível e as paixões do irascível. As paixões do concupiscível são as que
buscam o prazer. As paixões do irascível são as que foram dadas ao ser humano para proteger a
própria vida – irascível vem da palavra “ira”. Os pecados da castidade, os pecados da vida sexual
desregrada, são do concupiscível. Os pecados de não perdoar, de revoltar-se, aborrecer-se com os
outros, brigar, irar-se, não perdoar a si próprio etc. são provenientes das paixões do irascível. Essas
duas paixões costumam produzir em nós pecados por pensamentos, aliás essa é principal fonte dos
pecados contra a castidade e dos pecados de ira contra o próximo. Vejam, aqui fica claro também o
que é o plenamente consentido e o plenamente advertido. [0:30]
Normalmente, na maioria dos seres humanos, dificilmente um pensamento surge por livre e
espontânea vontade. Na maioria dos seres humanos, os pensamentos “voam”. A gente associa uma
coisa com outra, e essa com outra, e essa com outra, e continuamente o pensamento está uma
balbúrdia. Geralmente, quando vamos cometer, ou estamos em ocasião de cometer um pecado por
pensamento, o pensamento não se origina porque quisemos. Ele se origina de uma maneira
automática, sem que procuremos pensar naquilo. Isso se dá principalmente naquelas pessoas que já
têm uma boa consciência, nas pessoas que andam no temor de Deus. Raramente uma pessoa dessas
vai ter um mau pensamento premeditadamente, eles simplesmente veem, eles surgem normalmente
por associação de ideias em nossa mente. Quando eles começam, nós nem nos advertimos que
estamos pensando na coisa, ele simplesmente vem – nesse caso não advertência alguma e nem
consentimento algum. Quando eles veem, demora um certo tempo para percebermos que estamos
com maus pensamentos. Nesses momentos, quanto mais delicada é a consciência da pessoa, mais
rápido ela se dá conta de estar tendo maus pensamentos – às vezes pode acontecer de maneira quase
que instantânea, apesar de haver sim o transcurso de tempo. Num segundo momento, nós nos damos
conta de que estamos pensando em tal coisa. Num terceiro momento, pode acontecer de percebermos
a malícia da coisa. Dependendo do assunto e dependendo da consciência da pessoa, esses três
momentos podem até ser bem distintos. [Interrupção]
Então, em certos pensamentos, na cabeça de um cristão, é imediatamente visível a presença da
malícia. Um cristão, se ele pensar em surrar a mulher dele, na mesma hora ele vai perceber que aquilo
tem malícia. Um cristão, se pensar numa revista erótica, na hora em que ele perceber que está
pensando no assunto, ele já vai perceber a malícia. Mas há outros casos, de coisas diferentes, que não
são tão fáceis de identificar, que as etapas são distintamente três. Por exemplo, você às vezes pode
ver um objeto, começar a gostar dele e aí resolver pegá-lo e, só num determinado momento depois,
perceber que aquele objeto não é para levar, que ele está à venda – isso acontece às vezes. Apesar de
estar evidente para as demais pessoas que essa coisa que está sendo oferecida nesse lugar não é
gratuita, que essa coisa está a venda, você não se dá conta disso no momento. Só depois de tê-la pego
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é que você percebe que aquilo não é amostra grátis, que aquilo está à venda. Nesse caso, você
percebeu o que estava fazendo claramente, mas demorou um certo tempo para perceber onde estava
a malícia da coisa. Digamos, que você é advogado e está pensando em fazer uma determinada ação.
Porém, somente depois que você percebe que essa determinada ação é proibida nesse caso. Às vezes,
dependendo da coisa, você pode não perceber o que estava fazendo, depois perceber o que estava
fazendo e só em seguida perceber a malícia. A partir do momento que você percebe claramente que
está fazendo tal coisa e percebe claramente que há malícia nessa coisa, aí está a advertência plena.
Dependendo do pensamento, há diferença entre perceber que se está pensando e perceber a malícia é
quase zero. Outras vezes, pode haver uma diferença. Mas quando essas coisas se completam, é a plena
advertência.
Daí para frente, diz respeito à vontade. Digamos que você percebeu o que estava acontecendo. Nesse
caso, você aceita ou não aceita isso? Recusar o pleno consentimento, quando se percebe que se está
fazendo uma coisa má, no caso de ato, é recusar-se a fazer e, no caso de pensamento, é distrair-se.
Por exemplo, o sujeito está lhe aborrecendo e você começa a pensar: “Esse cara merecia morrer. Se
ele morresse, seria tão bom. Ele tem de morrer”. E depois você percebe: “Querer que ele morra e
matá-lo é a mesma coisa. Isso é pecado, querer a morte do meu irmão” – nesse caso, você já teve a
advertência. O que vem em seguida? A deliberação da vontade. Se você percebeu que aquilo é pecado,
ou que aquilo é uma coisa má, ou que aquilo é uma coisa que tem malícia, geralmente são três as
respostas do ser humano, são três os possíveis desdobramentos. Primeiro, você consente. “Eu quero
que ele morra mesmo. Ele tem de morrer” – aí você percebe que poderia ter dito não, mas quis dizer
sim; aí há o pleno consentimento. Segundo, você recusa: “Eu tenho de parar de pensar nisso. Deus
não gosta disso e, por amor a Deus, não quero mais pensar nisso. Na verdade, eu vou perdoar esse
fulano. Ele merece morrer, mas eu quero que ele viva, que ele fique bom, que ele seja um santo
homem” – aí você não consentiu. Terceiro, você nem consente nem não consente: você continua
pensando no piloto automático e vendo como seria bom se ele morresse mesmo – aparentemente não
está consentindo, mas também não está recusando. Isso é a mesma coisa que consentir. Se você deixa
indo e não recusa, isso daí, para efeitos práticos, na maioria esmagadora das vezes, é consentir.
Às vezes acontece de vir um pensamento desses no meio de uma atividade muito exigente. Às vezes
pode acontecer de esses pensamentos virem e a gente nem sequer perceber que eles estão vindo – ou
até percebe, mas não dá tempo de prestar atenção, [0:40] por se estar concentrado em outra coisa, sem
nem ter tempo de dizer “não” para eles. Então, nesses casos em que eles estão vindo quase que no
automático, isso não é um ato humano, é um ato de homem. Para saber se é consentido ou não,
façamos a pergunta: “Naquela situação em que eu estava, se eu quisesse ter recusado, eu conseguiria
ter recusado? Eu poderia ter recusado? Eu não recusei porque eu quis não recusar?”. Se a resposta for
“sim”, é plenamente consentido. Se a resposta for “não”, não é pleno consentimento.
Muitas vezes a vontade começa a ser envolver antes que haja a plena advertência. Isso acontece
muitas vezes em pensamento. Se não me engano, em moral, isso se chama o movimento primeiro do
primeiro. Às vezes você percebe a coisa, mal estando entendendo a malícia, já tendo consentido. Logo
depois é que você percebe mais claramente a malícia e aí volta atrás quase que de imediato. Nesse
caso, de certa maneira, você consentiu. Isso não é suficiente para ser pecado grave – por um motivo
muito simples: se você raciocinar bem claramente dentro de você, se fizer uma introspecção bem
profunda, você chega à conclusão de que não dava para não querer, nem que você quisesse não querer,
era impossível, a coisa não estava clara; de fato você quis, foi o primeiro instante do querer, quando
a própria inteligência não estava enxergando muito claro. Então, a sua vontade foi levada, mas não
foi plenamente deliberada, não se pode dizer que você foi plenamente responsável. Se você se
examinar sinceramente, vai ver que você não teria podido efetivamente não fazer aquilo plenamente.
Tanto é verdade isso tudo que, quando acontece, logo em seguida nós voltamos atrás. Na verdade,
não volta atrás, a gente se retifica diante da posse de todos os elementos constituintes do ato humano.
Nesses casos, pode até ser pecado venial, mas nunca será pecado grave.
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Numa pessoa que realmente tem temor a Deus, os pecados mais evidentes são quase que rapidamente
advertidos e consentidos ou não. E percebemos, com um pouquinho de prática, a diferença de uma e
outra. Isso é muito bom para o nosso próprio discernimento, para o nosso próprio conhecimento. Nós
nos tornamos, cada vez mais, senhor de nós mesmos. Isso inclusive é muito importante para o maior
de todos os mandamentos que é o amor. Amar é doar. O maior amor é doar a si mesmo. Se você não
é dono pleno de si mesmo, você não consegue se doar a si mesmo. Isso tanto serve para uma esposa,
como serve para Deus, como serve para um filho, como serve para um pai. Quanto mais somos donos
de nós mesmos, mais nós podemos amar, porque amar é doar-se.
Ainda assim, a moral cristã faz uma distinção interessante. Muitas vezes as pessoas ainda têm dúvidas
se consentiram ou não num ato, e muitas vezes é um pensamento. A moral cristã, nos livros de moral,
o Santo Afonso de Ligório inclusive, dá uma regra para essas coisas. Quando, apesar de tudo, a pessoa
se examina, olha se houve a plena advertência, se ela percebeu a malícia, se ela consentiu plenamente,
se ela fez porque realmente quis, se ela, examinando-se, não chega a uma conclusão, às vezes ela não
chega a uma conclusão porque não ela se conhece o suficiente. Com a prática da oração
principalmente, que nos faz conhecer a nós mesmos cada vez mais e de uma maneira muito mais
plena, essas coisas vão se dirimindo.
Contudo, às vezes é muito frequente causar dúvidas, às vezes o sujeito não sabe mesmo. Ele vai para
a confissão e diz: “Eu fiz isso, mas não sei se consenti ou não consenti”. Aí, nesses casos,
normalmente nós os dirimimos por presunção, nós os julgamos por presunção: se a pessoa está na
dúvida de se ela consentiu ou não com determinado pecado, presume-se que se ela é acostumada a
pecar nesse tipo de pecado constantemente, é porque ela consentiu. Senão, se ela não é acostumada,
se ela dificilmente comete aquele pecado, se ela já está acostumada há um longo tempo não cometer
esse pecado, se ela repele essas coisas, estando em dúvida, é porque ela não consentiu. É muito fácil
de entender. Se o sujeito faz isso o tempo todo e ainda está na dúvida, é porque ele fez mesmo e não
está querendo admitir, ele não está querendo ser sincero. E o outro que não faz e tem uma consciência
delicada e está acostumado, se ele está na dúvida, é porque ele não fez. Porque se tivesse feito mesmo,
ele teria percebido certamente e estaria dizendo: “Não, eu fiz porque quis. É evidente que eu fiz
porque eu quis”. Quando vamos nos confessar, depois de alguma prática cristã sincera, se estamos
em dúvida em relação ao consentimento com o pecado, normalmente usamos esse critério.
E finalmente resta-nos a pergunta: e se o sujeito se enganar usando esse critério? “Eu estou na dúvida,
mas como eu não normalmente não consinto, então eu digo que não, que não consenti. Mas e se eu
estiver enganado?” Se estiver enganado, mas estiver usando esses critérios com sinceridade,
juridicamente, moralmente, não há motivo para se confessar daquilo. Para se confessar de alguma
coisa, é preciso que se tenha fundamento de que cometeu o pecado. Por exemplo, se você tem tudo
isso, se se examina com clareza e sinceridade, mas ainda fica a dúvida, se você tem um histórico de
consciência delicada que normalmente rejeita o consentimento com o pecado, se você não está vendo
claramente o motivo ou a presunção do motivo, do consentimento, você não tem uma obrigação
explícita de se confessar daquilo. Na hipótese de que você tivesse realmente consentido, quando você
receber a absolvição, você vai ser perdoado desse pecado, porque não foi por mentir [0:50] que você
deixou de confessar, não foi por ocultar a vergonha, não foi por querer calar, mas porque você não
sabia acertar se era ou não era. Então, tiramos por presunção. Se, apesar de tudo isso, você se enganou,
o pecado, seja lá qual for, irá certamente ser perdoado na absolvição.
Isso tudo nos parece uma burocracia religiosa, mas na verdade nos faz um bem enorme. Isso nos
ajuda a ter um domínio interior cada vez maior. Buscar a Confissão regularmente, onde nos acusamos
dessas coisas e nos examinamos dessa maneira, nos ajuda a ter um domínio dentro de nós cada vez
maior, um controle dentro de nós tremendo. Acabamos por ser donos de nós mesmos e mais livres,
porque podemos dispor de nós de uma maneira muito mais racional, muito mais clara e muito mais
serena. Inclusive, num casamento, por exemplo, se as pessoas que se casam são assim, elas não doam
só a vida externa, elas são capazes de se doar inteiramente de corpo e alma – isso é a verdadeira
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doação de uma pessoa para outra. Ela é dona de si para poder fazer o que entende que tem de ser feito.
As pessoas que não são assim, na verdade, são cada vez mais joguetes das próprias paixões.
Há um terceiro ponto que é a questão da matéria grave. Nós já vimos o que é plena advertência e já
vimos o que é pleno consentimento. Agora a questão é mais delicada: o que é matéria grave? [0:52:26]

Transcrição: Jussara Reis


Revisão: Rahul Gusmão

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