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Leonardo Fernandes Fraceto e Sílvio Luís Toledo de Lima

Este artigo descreve um experimento bastante simples, capaz de introduzir o estudante a um dos mais
importantes métodos de separação, efetuado maciçamente em laboratórios de análises químicas em diferentes
ramos da ciência: a cromatografia. A importância desse tema está na aliança entre duas facetas fundamentais
da Química: interações intermoleculares e métodos de separação de componentes de uma mistura complexa.
Aborda-se a separação de diferentes corantes alimentícios presentes em pastilhas de chocolate.


interações intermoleculares, cromatografia, corantes alimentícios

Recebido em 11/9/02, aceito em 14/5/03

A
46 cromatografia é um método tre outras. Trataremos aqui da croma- topo do papel, este deve ser retirado
de análise que ocupa um tografia em papel, na qual uma tira da cuba para sua secagem. Se os
lugar de destaque em vários de papel poroso é usada como supor- componentes da mistura são colori-
campos da Ciência (Química, Bioquí- te, caracterizando a fase estacionária. dos, é possível distinguí-los direta-
mica, Engenharia de Alimentos etc.) A execução dessa análise requer mente. Em caso contrário, a tira po-
devido à sua praticidade de efetuar a aplicação da solução da mistura a de ser borrifada com reagentes capa-
separações, permitindo identificar e ser examinada na parte inferior do pa- zes de formarem produtos coloridos
quantificar variadas misturas de com- pel, por meio de um capilar ou de um com a mistura. Um modo particular
postos químicos. palito de dente, de maneira que se de revelação é fornecido pelas subs-
O termo cromatografia deriva das formem minúsculas manchas. A fase tâncias que absorvem luz ultravioleta.
palavras gregas “chrom” (cor) e “gra- móvel, isto é, o solvente que será Assim, depois da eluição, obser-
phe” (escrever). Embora o processo empregado no processo, é acondi- vando o suporte no qual se proces-
atualmente já não dependa da cor, cionada numa cuba previamente pre- sou a corrida à luz de uma lâmpada
esta ainda é empregada para facilitar parada, que consiste em um recipi- ultravioleta, é possível verificar que se
a identificação de compostos que te- ente de vidro, aberto na parte supe- espalham, em negro, as manchas
nham sido separados por um proces- rior. O nível da fase móvel não deve das substâncias separadas. Seguin-
so chamado migração diferencial. ultrapassar 1 cm. Uma das extremi- do os princípios que regem essa téc-
Quando uma amostra de uma dades da tira de papel é mergulhada nica, será demonstrado neste expe-
mistura corre por um suporte apro- no solvente. Aplica-se a mancha da rimento como separar e analisar, utili-
priado, líquido ou sólido, seus com- mistura acima do nível do solvente zando a cromatografia em papel, co-
ponentes interagem de maneiras para evitar a dissolução das substân- rantes alimentícios em pastilhas de
diferenciadas com o material-suporte, cias. Fecha-se a cuba com uma placa chocolate.
de acordo com a maior ou menor de vidro e observa-se a cromatogra-
afinidade química existente entre eles. fia. Graças ao fenômeno físico-quími- Material e reagentes
Em toda cromatografia, distingue-se co de capilaridade, o solvente come- • 4 pastilhas coloridas de Confetti®
uma “fase estacionária” e uma “fase ça a subir ao longo do papel, num (amarela, vermelha, azul e laran-
móvel”. A primeira consiste em uma processo denominado eluição. Na ja)
substância que absorve a mistura sob medida em que o solvente passa pela • Vinagre doméstico branco
exame; a segunda é a substância mistura, os componentes químicos • Solução de amônia doméstica
(geralmente líquida) que induz a mi- são arrastados, de forma que a subs- incolor
gração da mistura. Existem vários ti- tância que possuir maior afinidade • Papel indicador de pH
pos de cromatografia: em camada com o solvente será deslocada a uma • Água destilada
delgada, em coluna e em papel, en- velocidade maior. Antes que atinja o • Solução de NaCl 5% em água

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destilada mente os artificiais, sejam retidos pre- corante em um pequeno ponto ao
• Lamparina ferencialmente nesse material. longo da linha que você traçou, no
• Proveta de 25 mL ou frasco gra- Aqueça esse tubo em banho-maria mesmo papel. Use um palito próprio
duado por aproximadamente 5 minutos, me- para cada corante. Se, ao adicionar
• Fundo de garrafão de vidro xendo ocasionalmente. Quando toda o corante, usando um capilar sobre a
transparente de 2 L a tintura for removida, a solução terá linha traçada, este se espalhar muito,
• Garrafa transparente de refrige- uma cor branca e o fio de lã a cor do descarte o papel e comece a adição
rante de 2 L com o “gargalo” cor- corante. Remova o fio de lã e enxagüe do ponto em um novo papel. Coloque
tado em água de torneira. Repita esse pro- o papel na cuba como mostra a
• Papel de filtro cesso para os outros corantes, utili- Figura 1b, para correr o cromato-
• Tesoura zando um pedaço de fio para cada grama. Remova-o quando os coran-
• Régua cor. tes deixarem de se mover e deixe-o
• Lápis Para remover o corante, coloque em uma superfície limpa e seca,
• Palitos de dente cada fio em um tubo de ensaio e adi- preferencialmente em um papel toa-
• Pipeta de Pasteur (conta gotas) cione cerca de 5 mL de solução de lha branco. Trace uma linha onde o
• Tubos de ensaio amônia doméstica. Teste a solução fi- solvente parou. Deixe o papel secar.
• Fio de lã nal para ver se está básica; caso
• Vidro de relógio ou placa de Petri ainda esteja ácida, adicione mais Discussão
1 mL da solução de amônia domés- Neste experimento, é possível
Procedimento experimental tica e teste novamente. Repita esse observar que cada um dos corantes
Coloque cada uma das pastilhas processo até que a solução corres- apresenta uma migração sobre o pa-
em um tubo de ensaio com uma ponda a um meio básico. Aqueça em pel (fase estacionária) diferente para
quantidade de vinagre branco sufi- banho-maria os tubos com a lã e solu- cada caso (Figura 2). No momento
ciente para cobrir as pastilhas. Aque- ção de amônia por 5 min para evapo- em que a fase móvel se desloca de
ça os tubos separadamente em rar suavemente o solvente e concen- maneira ascendente sobre o papel,
banho-maria até a camada colorida trar o corante. No caso de todo o sol- há processos de interações intermo-
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se dissolver e os doces ficarem com vente evaporar, interrompa o aqueci- leculares entre os componentes em
uma cor branca. Isto acontecerá mento e adicione uma ou duas gotas análise, os corantes e as duas outras
rapidamente; portanto, tenha cuidado de água destilada e misture. substâncias: a fase móvel (solução de
para não dissolver nenhuma parte da Corte um pedaço de papel de filtro NaCl) e a fase estacionária (celulose,
camada branca abaixo da camada de 10 cm x 15 cm e dobre-o de manei- rica em grupos hidroxilas –OH ter-
colorida ou do interior das pastilhas. ra sanfonada (Figura 1a). Adicione a minais). Assim, em função das carac-
Cuidadosamente, transfira as solu- solução de NaCl no garrafão até uma terísticas de cada corante, haverá di-
ções com os corantes para outros altura de aproximadamente meio cen- ferenças entre as intensidades des-
tubos de ensaio limpos. Não transfira tímetro (0,5 cm). Tampe a cuba com sas interações. Caso a substância
nenhum sedimento. a garrafa de refrigerante, de forma que caracteriza um determinado co-
Para extrair o corante dessa solu- que tenha certeza de tocar no fundo. rante apresente uma alta polaridade,
ção, coloque o fio de lã e 3 mL de Usando um lápis (não pode ser ca- espera-se que interaja mais intensa-
vinagre no tubo de ensaio que contém neta de qualquer espécie), trace uma mente com o papel (fase estacionária)
a solução do corante. A utilização da linha acima da parte inferior do papel do que com a solução de NaCl (fase
lã na extração deve-se ao fato desta cromatográfico (aproximadamente móvel). Desta forma, a migração
possuir propriedades polares que um centímetro). Usando um palito de deste corante ocorrerá mais lenta-
fazem com que corantes, principal- dente, adicione um pouco de cada mente se comparada à de um outro
que apresente uma polaridade menor.
Isto ocorre porque a fase estacionária
apresenta diversos grupos polares
que atraem as moléculas polares, difi-
cultando assim sua migração na
direção da fase móvel.
Comentários adicionais
Este experimento pode ser usado
também na identificação comparativa
desses corantes artificiais de pasti-
lhas de chocolate com os de outros
Figura1: Representação esquemática de como realizar a corrida cromatográfica: (a) produtos alimentícios, como, por
aparência final do papel após ser dobrado de forma sanfonada e (b) sistema cuba exemplo, de sucos em pó de diver-
fechada e papel imerso na fase móvel. sos sabores (Tang®, Fresh® etc.) e

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rante. É importante enfa-
tizar que, sendo este um Para saber mais
experimento simples, po- CELEGHINI, R.M.S. e FERREIRA, L.H.
derá apresentar algumas Preparação de uma coluna croma-
tográfica com areia e mármore e seu uso
limitações. Assim, em
na separação de pigmentos. Química
determinadas situações, Nova na Escola, n. 7, p. 39-41, 1998.
diferentes corantes pode- CISTERNAS, J.R.; VARGA, J. e
rão aparentemente se des- MONTE, O. Fundamentos de Bioquí-
locar com a mesma veloci- mica Experimental. São Paulo: Editora
dade, causando incorre- Atheneu, 1999.
ções em algumas conclu- COLLINS, C.H. e BONATO, P.S.
Introdução a métodos cromatográficos.
sões.
Campinas: Editora da Unicamp, 1990.
Questões propostas DEGANI, A.L.G.; CASS, Q.B. e
VIEIRA, P.C. Cromatografia: um breve
1. Quais os resultados ensaio. Química Nova na Escola, n. 7,
esperados se os quatro p. 21-25, 1998.
corantes forem misturados HARRIS, D.C. Análise química quan-
Figura 2: Representação esquemática do croma- em um único tubo de en- titativa. Trad. C.A.S. Riehl e A.W.S.
tograma obtido no experimento. Dfm = distância Guarino. Rio de Janeiro: Livros Técni-
saio e, posteriormente,
percorrida pela fase móvel; Dc = distância percorrida cos e Científicos, 2001.
analisados por croma- LEHNINGER, A.L.; NELSON, D.L. e
por corantes. tografia em papel? COX, M.M. Trad. A.A. Simões. Princípios
gelatinas, entre outros (a Tabela 1 lista 2. O que ocorreria com a ordem de Bioquímica. São Paulo: Sarvier, 2000.
os principais corantes artificiais utili- de aparecimento das manchas no pa- LISBÔA, J.C.F. Investigando tintas
zados em alimentos). pel se a fase móvel fosse alterada de canetas utilizando cromatografia
Neste caso, basta colocar num para um solvente apolar? em papel. Química Nova na Escola, n.
papel de filtro uma pequena quan- 7, p. 38-39, 1998.
48 3. Qual o princípio químico envolvi-
tidade do corante de uma pastilha de MENDHAM, J.; DENNEY, R.C.;
do na extração do pigmento para a lã? BARNES, J.D. e THOMAS, M. Vogel –
chocolate (utilize o palito de dentes) 4. Quais são as principais diferen- Análise química quantitativa. Trad. J.C
e, ao lado deste, uma pequena quan- ças entre os corantes artificiais e Afonso, P.F de Aguiar e R.B. de
tidade da solução produzida pela naturais? Alencastro. Rio de Janeiro: Livros
dissolução do suco ou gelatina que Técnicos e Científicos, 2002.
contém o corante de interesse. Reali- Leonardo Fernandes Fraceto (fraceto@ NEPOMUCENO, M.F. Bioquímica
zando a análise cromatográfica em unicamp.br), bacharel e licenciado em Química Experimental. Piracicaba: Editora
papel, pode-se comparar o quanto e mestre em Biologia Molecular e Funcional pela Unimep, 1998.
Unicamp, é doutorando na Unicamp. Sílvio Luís OLIVEIRA, A.R.M. de; SIMONELLI,
cada mancha migrou. Se as duas
Toledo de Lima (shtoledo@hotmail.com), F. e MARQUES, F.A. Cromatografando
manchas migraram exatamente a bacharel e licenciado em Química e mestre em com giz e espinafre: um experimento
mesma distância, haverá fortes indí- Química Analítica pela Unicamp, é doutorando de fácil reprodução nas escolas de En-
cios de que se trata do mesmo co- na Unicamp. sino Médio. Química Nova na Escola,
n. 7, p. 37-38, 1998.
Tabela 1: Principais corantes alimentícios artificiais permitidos por lei. PALOSCHI, R.; ZENI, M. e RIVEROS,
Nome/Cor Utilização usual Comentários R. Cromatografia em giz no ensino de
Química: didática e economia. Quí-
Tartrazina pastelaria, confeitaria, licores, reações alérgicas em algumas mica Nova na Escola, n. 7, p. 35-36,
amarela sobremesas pessoas 1998.
Amarelo-sol bebidas, xaropes, pastelaria, urticária, alergias, vômitos,
confeitaria broncoconstrição (combinado com
Na internet
vermelho de Ponceau) European Food Legislation Web:
Vermelho de confeitaria, pastelaria, broncoconstrição (combinado com http://www.food.rdg.ac.uk/people/
afs96pgs/search.htm (último acesso
Ponceau 4R xaropes, bebidas, charcutaria azul brilhante)
em 25/01/03).
Eritrosina confeitaria, frutas, xaropes e pode causar hipertiroidismo e
vermelha enlatados sensibilidade à luz Abstract: Application of Paper Chromatography in the
Azul brilhante recomendado para marcação erupções em algumas pessoas, Separation of Dyes in Chocolate Candies – This article
describes a quite simple experiment, capable of introduc-
de carnes, bebidas, gelatinas, tumores de rim em animais, ing the student to one of the most important separation
doces e ervilhas enlatadas broncoconstrição (com eritrosina methods, massively carried out in chemical analysis labo-
ratories in different branches of science: chromatography.
vermelha e índigo carmim) The importance of this theme lies in the alliance between
two fundamental facets of chemistry: intermolecular inter-
Verde ácido bebidas, vegetais confeitaria, pode causar asma e urticária actions and methods of separation of components of a
brilhante licores, xaropes, enlatados complex mixture. The separation of different food dyes
present in chocolate candies is dealt with.
Negro brilhante confeitaria, glacês pode causar reações alérgicas Keywords: intermolecular interactions, chromatogra-
BN phy, food dyes

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Cromatografia em papel na separação de corantes N° 18, NOVEMBRO 2003

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