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1. Razão de ordem
Nas relações jurídicas de natureza privada as partes detêm ampla liber
dade para defmirem o conteúdo dos contratos que celebram, de acordo,
aliás, com o princípio da liberdade contratual estabelecido no artigo 405.°
do Código Civil. A autonomia privada apenas é restringida por força de
normas imperativas ou injuntivas e de princípios gerais de direito.
Alguns tipos contratuais de matriz privatística encontram-se especial
mente previstos na lei em razão da sua frequente utilização no tráfego
jurídico ou por traduzirem a existência de um interesse público. A previsão
de normas imperativas no direito privado destina-se a acautelar interesses
de terceiros (afectados por um negócio jurídico ao qual são alheios), a
* Jurista no Banco de Portugal.
Foi quase um «imperativo categórico» que me levou a participar nesta homenagem
a meu Pai, por tudo aquilo que me tem ensinado sobre as leis: as do direito, as da vida
e as de Deus.
* * Advogado na Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, Socie
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APLICAÇÃO DE NORMAS SUBSTANTIVAS DE DIREITO PÚBLICO A CONTRATOS DE
EMPREITADA DE OBRA PARTICULAR: UM CASO DE FUGA PARA O DIREITO PÚBLICO? 257
Isto sucede, as mais das vezes, por o regime contido no Código Civil
ser pouco detalhado e por não se encontrar adaptado à complexa realidade
das grandes empreitadas, até porque não foi sujeito a qualquer revisão
. Para além disso, o regime das empreitadas de
desde a sua publicação
3
direito civil contém essencialmente disposições supletivas, sendo que a
jurisprudência e a doutrina apenas têm reconhecido o carácter imperativo
O regime de empreitada civil que foi aprovado pelo Código Civil de 1966 «convi
veu» até à data com seis regimes jurídicos de empreitadas de obras públicas: o Decreto de
9 de Maio de 1906; o Decreto-Lei n.° 48.871, de 19 de Fevereiro de 1969; o Decreto-Lei
n.° 235/86, de 18 de Agosto; o Decreto-Lei n.° 405/93, de 10 de Dezembro; o Decreto-Lei
n.° 59/99, de 2 de Março; e o Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro (que aprovou o
actual Código dos Contratos Públicos).
Cfr., neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10/19/2003, pro
cesso n.° 04B2742; e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/16/20 12, processo
n.° 159/08.9TVLSB.L1-1 (ambos disponíveis in www.dgsi.pt); cfr., ainda, PIRES DE LIMA
4• Edição revista e actualizada
e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume II,
(reimpressão), Coimbra Editora, pp. 863 ss.; PEDRO RorvIAiIo MAR’ru.mz, Autonomia Pri
vada no Contrato de Empreitada, em Nos 20 anos do Código das Sociedades Comerciais
(Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo
Xavier), Volume III, Coimbra Editora, 2007, pp. 979 e ss.; e JosÉ PUJOL, Aplicação
do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas às Empreitadas Particulares,
in Revista da Ordem dos Advogados, ano 54, Julho 1994, pp. 505 e ss.
PEDRO VIEIRA DA GAMA LOBO XÁVIER
258 VASCO XAVIBR DA GAMA LOBO RIBEIRO DE MESQUITA
s Nem sempre é fácil destrinçar se uma dada relação jurídica é conformada pelo direito
público ou pelo direito privado, sendo que a doutrina jurídica tem vindo a desenvolver
ao longo dos tempos vários critérios ou teorias, destacando-se a teoria dos interesses
(prossecução de interesses públicos vs. interesses privados), a teoria da infra-ordenação
ou supra-ordenação (relação de supremacia vs. relação de igualdade/equivalência entre
os sujeitos envolvidos) e a teoria dos sujeitos (mvocação de normas que conferem aos
titulares de ius imperii determinadas prerrogativas para justificar e fundamentar a sua
actuação vs. invocação de normas que pressupõem a igualdade e que são potencialmente
aplicáveis a um universo específico). Decisivo, no entanto, para a distinção de um contrato
de direito público e de direito privado, é o respectivo objecto e fim contratuais. A este
proposito, cfr HEINRICH EWALD HORSTER, A Parte Geral do Codigo Civil Português,
Almedina, 2000, pp. 36 a 40.
6
Cfr PEDRO COSTA GONÇALVES, O Contrato Administrativo (Uma Instituição do
Direito Administrativo do Nosso Tempo, Almedina, 2003, pp. 46 a 49; e MA1UA JOÃO
ESTORNINHO, A Fuga para o Direito Privado, 1996
1
PEDRO VIEIRA DA GAMA LOBO XAVLER
260 VASCO XAVIER DA GAMA LOBO RIBEIRO DE MESQUITA
Sobre a noção de empreitada traçada no artigo 1207.° do Código Civil, cfr. PIRES
DE LIMA e ANTuNEs VARELA, Código..., ob. cit., pp. 863 ss.
lO Sobre o conceito de empreitada de obras públicas previsto no artigo 343.° do
Código dos Contratos Públicos, cfr. JORGE ANDRADE DA SILVA, Código dos Contratos
Públicos Comentado e Anotado, 3’ Edição, Almedina, pp. 844 e ss.
Defendendo a aplicação analógica do regime de direito público para preencher
as lacunas do regime do contrato de empreitada civil, cfr. JosÉ PUJOL, Aplicação..., ob.
cit., p. 518.
12
Principalmente se o contrato de empreitada estiver amplamente regulado.
13
Até porque não parece ser defensável que as regras aplicáveis às empreitadas de
obras públicas devam ser consideradas normas excepcionais (que são aquelas que, além
de contradizerem outra regra, vão contra os princípios informadores de qualquer sector
PEDRO VIEIRA DA. GAMA LOBO XAVIER
262 VASCO XAVIER DA GAMA LOBO RIBEIRO DE MESQUITA
Caberá por isso aferir nesses casos se através .da aplicação de uma:
norma substantiva de direito público são conferidos a uma das partes
poderes excepcionais que encontram justificação unicamente na célere
prossecução do interesse público. Este ângulo de abordagem poderá
no entanto não ser o mais apropriado, já que a ideia da regulação de
um contrato de direito privado através de um regime de direito público
visa justamente prever e antecipar as dificuldades com que a entidade:
contratante se pode. deparar na execução de um contratO. Um caminho
porventura mais adequado será o de verjficar se a aplicação de uma
determinada norma do regime do Código dos Contratós Públicos pres-;.
suporá, ou não, a posição de auctoritas ou de potestas do dono da obra;
O certo, no entanto, é que a grande maioria das regras constantes do
regime jurídico da empreitada de obras publicas não se podem considerar
normas com caracter emmentemente público, pelo que a partida deverão
do sistema jundico), caso em que no seria admitida a analogia nos termos do artigo
11 ° do Codigo Civil, cfr JOSE PUJOL, Aplicação ob cit, p 521
,
‘
Cfr. J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao direito e ao discurso:..legitimador,:
Almedina (21 a Reimpressão), p 183
Cfr. J. BAP1’ISTA MACHADO, Introdução..., ob. cit., p. 330.
APLICAÇÃO DE NORMAS SUBSTANTIVAS DE DIREITO PÚBLICO A CONTIATOS DE
EMPREITADA DE OBRA PARTICULAR: UM CASO DE FUGA PARA O DIREITO PÚBLICO? 263
‘
Embora se pudesse inferir da lei civil que, na ausência de poderes de representa
ção expressos para a prática de tais actos, nos termos do disposto nos artigos 258.° e as.
APLICAÇÃO DE NORMAS SUBSTANTIVAS DE DIREITO PÚBLICO A CONTRATOS DE
EMPREITADA DE OBRA PARTICULAR: UM CASO DE FUGA PARA O DE1TO PÚBLICO? 265
20
Estes prazos poderão então ser considerados como «os prazos usuais e razoáveis»
referidos no Código Civil, até porque o legislador os considerou como justos ao aprovar
o Código dos Contratos Públicos.
21
Apesar de os prazos de garantia previstos no Código dos Contratos Públicos
poderem regular de forma mais justa e equitativa os interesses das partes, parece-nos
controverso o entendimento que sustenta que, em relação a determinado contrato, o qual
não remete para este código, se deveria aplicar os prazos de garantia do Código dos
Contratos Públicos em derrogação daquele previsto no Código Civil.
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Estabelecendo as partes expressamente uma cláusula penal para tal vicissitude,
parece que não se poderá aplicar de forma cumulativa a cláusula penal prevista no Código
dos Contratos Públicos.
APLICAÇÃO DE NORMAS SUBSTANTIVAS DE DiREITO PÚBL
ICO A CONTRATOS DE
EMPREITADA DE OBRA PARTICULAR UM CASO DE FUGA PARA
O DIREITO PÚBLICO? 267
1
:,
cláusulas contratuais. Porém, mesmo na ausência de remissão contratual
específica para o regime substantivo de direito público, a sua aplicação
poderá ser acolhida pelo intérprete na medida em que seja adequada
e
conveniente à interpretação e integração da vontade das partes num
a
situação não prevista no contrato de empreitada de obra particular. Tal
entendimento vai ao encontro da regra estabelecida no artigo 239.°
do
Código Civil, que prevê que «na falta de disposição especial, a decla
ração negocia? deve ser integrada de harmonia com a vontade que
as
partes teriam tido se tivessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com
os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta».
:..
24
Cfr. PIRES DE LIMA e ANTIJNEs VARELA, Código..., ob. cit., págs. 906 e 907.
‘5
Para uma análise das situações de contratação excluida, cfr. VASCO XAVJER MES
QUITA, Para a compreensão dos critérios delimitadores das relações in house no Novo
Código dos Contratos Públicos: contributo da jurisprudência do TJUE e a assunção
das relações iii house no Sector das Águas em Portugal, in Revista de Direito Público,
n° 4, 2010, Instituto de Direito Público, Almedina, pp. 134 ss.
26
O Código dos Contratos Públicos não fornece qualquer noção de erros e omis
sões, o que poderia afigurar-se aconselhável, designadamente por autonomizar, quanto
ao respectivo regime, os trabalhos a mais e o suprimento por erros e omissões, pondo
termo à relativa ambiguidade qúe se assiste neste domínio. Cfr. Licfr.iio LOPES MARTINS,
Alguns aspectos..., ob.’cit., p. 399. -.
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O legislador do Código dos Contratos Públicos não faz depender o conceito de
erro e omissão da existência de um dano para o dono da obra, apesar de associar um
regime de responsabilidade à existência de erros e omissões e à inobservância do ónus
da sua detecção. Cfr. JOSÉ PUJOL, Erros e omissões do Regime de erros e omissões do
Código dos Contratos Públicos, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano LIV
ÇXXVII), •OS 1/3, p. 109.
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2K
Cfr. LiciNlo LOPES MARTINS, Alguns aspectos..., ob. cit., p. 408.
29
A introdução de alteração ao plano convencionado por necessidades técnicas pode
ser motivada, por exemplo, por se verificar que se encontra uma mina ou um poço no
sítio onde deviam ser construídos os alicerces ou um pilar do edificio; ou por se alterarem
as regras de aplicação de betão armado, sendo a alteração aplicável retroactivamente às
obras em curso; ou, ainda, por se descobrirem no projecto imperfeições técnicas, não
imputáveis a nenhum dos contraentes, mas que importa corrigir. Cfr., PIREs DE LIMA e
ANTUNES VARELA, C’ódigo..., oh. cit., p. 885.
° Cfr 3 M SERVULO Co1uiA e ANTONIO CADILHA, O regime dai esponsabilidade
por erros e omissões, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 69, 111/1V,
2009, p. 877.
PEDRO ViE1 DA GAMA LOBO XAVIER
270 VASCO XAVIER DA GAMA LOBO RIBEIRO DE MESQUITA
‘
Cfr JOSE PUJOL, Erros e omissões ob czt, pp 111 ss
,
1’ e
que invoca este instituto <(não esteja coberta pelos riscos próprios do
. Este instituto tem assim natureza supletiva perante as normas
37
contrato»
legais e contratuais de gestão ou distribuição do risco.
Para que possa ser invocado o direito à modificação do contrato é
ainda necessário que a exigência das obrigações a cumprir pela parte que
. Segundo MENEZES
o invoca «afecte gravemente os princípios da boafé»
38
, «as circunstâncias que, a alterarem-se ou — neste caso a
39
COJWEIR0 —
1
não se verflcarem, justificam a resolução ou modificação do contrato,
:.• prudência posterior a 1974, Separata dos Estudos em Memória do Prof Doutor Paulo
Cunha, Lisboa, 1987, p. 67, e Contratos públicos: subsídios para a dogmática admi
nistrativa, com o exemplo no princípio do equilíbrio financeiro, in Cadernos O Direito,
n.° 2, 2007, Almedina, p. 75.
e 36
No mesmo sentido, A. MEzEs CORDEIRO, Da alteração das circunstâncias..., p. 69.
‘
Como os referentes aos contratos com eficácia real, estabelecidos no artigo 796.°
do Código Civil. Sobre este tema, v. VASCO DA GMvIA LOBO XAVIER, A alteração das
circunstâncias e risco (arts. 437.° e 796.0 do Código Civil), Colectânea de Jurisprudência,
VIII (1983), 5, pp. 17 a 23.
1 38
Sobre este tema, cfr. A. MENEZES CORDEiRO, Da Boa Fé no Direito Civil, Alme
dina, 2011 (4.a Reimpressão), pp. 998 a 1186.
u Cfr. Da boa fé..., ob. cit, pp. 109 1-1092.
PEDRO VIEIRA DA GAMA LOBO XAVIER
272 VASCO XAVIER DA GAMA LOBO RIBEIRO DE MESQUITA
°
Neste sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Abril de
1975, Boletim do Ministério da Justiça, 246, 1975, pp. 138 a 141; Cfr. ainda PIREs DE
LiMA E ANTUNES VARELA, Código..., oh. cit., p. 414; e MENEZES CORDEIRO, Da alteração
oh. cit., pp. 47 e 48.
41
Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 1978, Boletim do
Ministério da Justiça, 276, 1978, pp. 253 a 264, e A. MENEZES CoRDEIRo, Da altera
ção..., oh. cit., p. 68.
42
Cfr. VASCO DA GAMA LoBo XAVIER, Á alteração..., oh. cit., p. 21; FERRER COR
REIA e VASCO DA GAMA LOBO XAVIER, Contrato de empreitada e cláusula de revisão:
inteipretação e erro; alteração das circunstâncias e aplicação do artigo 437.° do Código
Civil, Revista de Direito e Economia, 1978, 1, p. 125; A. MENEZES CORDEIRO, Contratos
públicos: subsídios..., oh. cii., p. 78.
APLICAÇÃO DE NORMAS SUBSTANTIVAS DE DIREITO PÚBLICO A CONTRATOS DE
EMPREITADA DE OBRA PARTICULAR: UM CASO DE FUGA PARA O DIREITO PÚBLICO? 273
do contrato nos termos do artigo 437. °do Código Civil é necessária que
a alteração incida em circunstâncias basilares para a decisão dos inte
ressados, de modo a modificar ou fazer desaparecer a base do negócio
e ainda que tal alteração se não contenha nos limites da álea normal do
contrato. ff1— Dado o carácter economicamente aleatório do contrato de
empreitada, especialmente para o empreiteiro, só um aumento imprevisível
do custo dos materiais e da mão-de-obra pode justificar a modificação
contratual. IV— Alegar-se a alteração das circunstâncias “decorrentes
do 25 de Abril’ dizendo que “a partir daquela data ocorreu uma alta
inflacionária de todos ofactores de produção ligados a construção civil
e muito especialmente da mão-de-obra que desequilibrou a economia
dos contratos e que era imprevisível na data da celebração do contrato
dos autos nada revela quanto às circunstâncias basilares da decisão
“,
46
Cfr. J. M. SÉRVULo CORREIA, LINo TORGAL e P. FERNÁNDEZ SANCHEZ, Alteração
das circunstâncias e modificação de propostas em procedimentos de contratação pública,
in Estudos de Contratação Pública, III (organização Pedro Costa Gonçalves), CEDIPRE,
Almedina, 2010, p. 169.
APLICAÇÃO DE NORMAS SUBSTANTIVAS DE DIREITO PÚBLICO A CONTRATOS DE
EMPREITADA DE OBRA PARTICULAR: UM CASO DE FUGA PARA O DIREITO PÚBLICO? 275
rar uma forma de impedir, restringir ou falsear a concorrência garantida pelo disposto
no presente Código relativamente à formação do contrato») e dos n.°’ 2 e 3 do mesmo
artigo («salvo quando a natureza duradoura do vínculo contratual e o decurso do tempo
o justzfiquem, a modcação só é permitida quando seja objectivamente demonstrável
que a ordenação das propostas avaliadas no procedimento de formação do contrato
não seria alterada se o caderno de encargos tivesse contemplado essa modcação» e
PEDRO VIEIRA DA GAMA LOBO XAVYER
276 VASCO XAVJER DA GAMA LOBO RIBEIRO DE MESQUITA
«nos contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre
o exercício de poderes públicos, o fundamento previsto na alínea a) do artigo anterior
não pode conduzir à modificação do contrato por decisão judicial ou arbitral, quando
esta interfira com o resultado do exercício da margem de livre decisão administrativa
subjacente ao mesmo ou implique a formulação de valorações próprias do exercício
da função administrativa») não deverá, em princípio, ser aplicável aos contratos de
empreitada de obra privada, uma vez que tratam de disposições relativas à tramitação
pré-contratual ou do exercício de poderes públicos.
‘
Nos outros casos, a alteração anormal e imprevisível das circunstâncias conferem
ao empreiteiro o direito à modificação do contrato ou a uma «compensação financeira,
segundo critérios de equidade».
52
Que poderá ter o poder de emitir actos administrativos ou aprovar normas legais
e regulamentares que sejam susceptíveis de alterar as circunstâncias nas quais as partes
basearam a sua decisão de contratar.
APLICAÇÃO DE NORMAS SUBSTANTIVAS DE DIREITO PÚBLICO A CONTRATOS DE
EMPREITADA DE OBRA PARTICULAR: UM CASO DE FUGA PARA O DIREITO PÚBLICO? 277
,
obra] conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos», podendo
extrair-se da previsão desta norma os princípios da proporcionalidade
e da boa fé.
Já o n.° 3 do mesmo artigo dispõe que «a reposição do equilíbrio
financeiro produz os seus efeitos desde a data da ocorrência do facto
que alterou os pressupostos referidos no nimero anterior, sendo efec
tuada, na falta de estipulação contratual, designadamente, através da
prorrogação do prazo de execução das prestações ou de vigência do
contrato, da revisão de preços ou da assunção, por parte do contraente
público [dono da obra], do dever de prestar à contraparte o valor cor
respondente ao decréscimo das receitas esperadas ou ao agravamento
dos encargos previstos com a execução do contrato».
Finalmente os 4 e 5 desta disposição legal determinam, respecti
vamente, que «nafidta de estipulação contratual, o valor da reposição
do equilíbrio financeiro corresponde ao necessário para repor a pro
porçãofinanceira em que assentou inicialmente o contrato e é calculado
em função do valor das prestações a que as partes se obrigaram e dos
efeitos resultantes do facto gerador do direito à reposição no valor
dessas mesmas prestações» e que «a reposição do equilíbrio financeiro
não pode colocar qualquer das partes em situação mais favorável que
a que resultava do equilíbrio financeiro inicialmente estabelecido, não
podendo cobrir eventuais perdas que já decorriam desse equilíbrio ou
eram inerentes ao risco próprio do contrato».
Ora, em nosso entender estas normas poderão ser perfeitamente apli
cáveis às relações entre sujeitos privados, uma vez que não pressupõem
claramente a utilização de poderes de autoridade pública. Além disso,
o regime previsto neste código permite delimitar, de um modo bem
mais preciso e eficaz do que aquele que se acha previsto na lei civil, os
termos referentes às modificações do contrato com vista a recompor o
equilíbrio contratual entre as partes. No fundo, estas normas têm como
escopo a delimitação do risco entre as partes quanto à ocorrência de
determinados eventos, sendo usual que contratos de empreitada de obra
privada contenham normas ad hoc de conteúdo idêntico.
O regime aplicável aos contratos de empreitada de obras públicas
prevê ainda, nos termos do artigo 382.°, a revisão ordinária de preços,
estabelecendo que «o preço fixado no contrato para os trabalhos de
execução da obra é obrigatoriamente revisto nos termos confratuali’nente
estabelecidos e de acordo com o disposto em lei», sendo que se o contrato
for omisso quanto à fórmula de revisão de preços «é aplicável afórmula
PEDRO VEBIRA DA GAMA LOBO XAVIER
278 VASCO XAVIER DA GAMA LOBO RIBEIRO DE MESQUITA
7. Conclusão
Como já fomos referindo ao longo deste estudo, é relativamente fre
quente as partes regularem um contrato de empreitada de obra civil de
acordo com o estabelecido no regime substantivo aplicável às empreitadas
de obras públicas. O que é compreensível, atendendo à circunstância de
o contrato de empreitada do direito civil não ser regulado de forma tão
detalhada como o contrato de empreitada de obras públicas. Com efeito,
este último regime contratual tem vindo a ser objecto de sucessivas revi
sões nas últimas décadas, revelando a preocupação do legislador em dar
resposta aos vários problemas que têm vindo a ser suscitados, traduzidas,
nomeadamente, em medidas de controlo de custos de obras publicas
O regime actual das empreitadas de obras públicas é também o resultado
da transposição de disposições constantes de directivas da União Europeia
Por sua vez, o regime da empreitada de diieit civil não foi objecto de
qualquer revisão desde 1966 No entanto, a consideração das disposições
de direito publico que regulam a materia da empreitada num contrato de
direito pnvado podera suscitar questões da mais vanada mdole, cabendo
APLICAÇÃO DE NORMAS SUBSTANTIVAS DE DIREITO PÚBLICO A CONTRATO
S DE
EMPREITADA DE OBRA PARTICULAR: UM CASO DE FUGA PARA O DIREITO PÚBLICO?
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