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REC – uma iniciação à filmagem


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REC – uma iniciação à filmagem


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REC
uma iniciação à filmagem

matheus andrade

Ideia
João Pessoa
2013

REC – uma iniciação à filmagem


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Todos os direitos e responsabilidades do autor.

Diagramação: Magno Nicolau e Matheus Andrade


Revisão: Amanda Braga
Ilustrações e capa: João de Lima Neto

A554r Andrade, Matheus.


REC – uma iniciação à filmagem / Matheus Andrade. – João
Pessoa: Ideia, 2013.

110p.:il.

1. Cinema 2. Filmagem 3. Linguagem cinematográfica

CDU: 791.43
ISBN – 978-85-7539-828-9

EDITORA
www.ideiaeditora.com.br

Impresso no Brasil - Feito o Depósito Legal

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Para os professores, funcionários, alunos e amigos


da Unidade Acadêmica de Arte e Mídia da
Universidade Federal de Campina Grande.

AGRADECIMENTOS

Aos amigos e amigas que ajudaram, cada qual ao seu


modo, na realização deste livro: Amanda Braga, João
de Lima Neto, João Carlos Beltrão, Gabriela Parente,
Helton Paulino, Madalena Gomes, Maria das Graças,
Paulo Matias, Rafaela Gambarra, Tuca Andrade; aos
alunos, os quais me estimularam a organizar as aulas
de filmagem em forma de livro; e aos clientes que me
deixaram experimentar a filmadora em seus
trabalhos.

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SUMÁRIO

PREFÁCIO 9
INTRODUÇÃO 13

CAPÍTULO 1 ENTENDENDO A FILMADORA 15


A câmera e o olhar 16
Tipos de câmera 21
Mecanismos básicos das filmadoras 26
Acessórios de filmagem 31

CAPÍTULO 2 CONSTRUINDO AS IMAGENS 37


Enquadramento 38
Perspectiva e volume 44
Profundidade de campo 48
O movimento na imagem 54

CAPÍTULO 3 COMPREENDENDO A LUZ 61


A posição da luz 62
Lidando com a sombra 66
Qualidade de luz 71
A arte de iluminar 75

CAPÍTULO 4 FILMANDO PARA UMA NARRATIVA 81


Planos e angulações 82
Movimentos de câmera 89
Espaço e tempo para as gravações 93
O eixo de filmagem 98

OBSERVAÇÕES FINAIS 105

REFERÊNCIAS 109

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PREFÁCIO

Q uando vemos nos filmes o crédito de diretor de


fotografia (às vezes acrescido de “e câmera”), nos
perguntamos: o que compete a este “técnico”? Ele é
o responsável pela concepção da imagem, através da
combinação dos dispositivos de câmera, luz e maquinaria,
ou seja, é o responsável por tornar concretas as intenções
do diretor. Uso “intenções” porque é em torno desta palavra
que se amplia – do caráter meramente técnico ao “artístico”
– o trabalho deste profissional.
Matheus propõe a vocês, leitores, refletir sobre as
intenções, os propósitos do “antes de apontar a câmera
para alguém ou algo”, ou seja, um estímulo ao fazer
consciente. Para tanto, sistematiza conceitos de modo claro,
conciso, objetivo e didático, levando, para as linhas que
seguem, suas qualidades como comunicólogo de formação e
professor de batente. Nisto reside a primeira qualidade
deste livro.
Ao final de sua leitura, o sinal é de exclamação e o
verbo está no imperativo: faça! Portanto, se faz imperativo
eleger a câmera como recorte do tema. É por onde muitos
começam: escolha feliz e em consonância com os dias de
hoje, onde “maquininhas de imagens” são tão acessíveis.
Mas o autor não trata superficialmente, ou melhor,
introdutoriamente, todas as etapas do fazer audiovisual,
característica de publicações mais disponíveis. Ele se
concentra na câmera, parte do departamento de fotografia,
para além da superfície, mergulhando, aprofundando.
Refletir sobre a forma do filme passa pelo
questionamento do modo como fazer para transmitir
determinado conteúdo. A câmera é fundamental no

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“como”. É com ela e suas funções, dispositivos,


características combinadas com as da luz, que você factua as
intenções no que concerne à imagem. Seja o clima da cena
pela dicotomia luz e sombra e suas características e/ou a
relação de alguém e suas intenções com algo, através do
foco seletivo, da profundidade de campo, do plano e sua
composição clássica (divisão áurea do quadro pela regra dos
terços). Desta forma, atento ao iniciante, mas sem esquecer
o iniciado, tratar os dispositivos da câmera e a potência
estética pelo seu uso qualificado. Ao final de cada capítulo, o
leitor é convidado a exercitar e explorar as possibilidades
estéticas. Instigante é a proposta de um filme sobre uma
casa funerária: devemos ir em direção a um clima sombrio
ou divinal? Fico por aqui, para não estragar a brincadeira ou
ser a cola.
Compulsoriamente, Matheus também qualifica o
espectador para o ato de olhar, enxergar. Então, ao meu
final aqui também proponho um exercício: descrever uma
cena que iniciaria um filme e perguntar se ela se aplicaria a
uma parte ou a todas as intenções que proponho. Vamos a
ela! A cena: em um gabinete à luz de abajur, em primeiro
plano, um 38 com o tambor semi carregado e, mais atrás,
um sapato que brilha molhado está sobre o birô; em
segundo plano, um homem gordo, esparramado numa
cadeira reclinada, silhuetado de modo intermitente pelas
luzes da rua que brilham pelas frestas da persiana na janela.
Então: qual(is) intenção(ões)? Este homem está morto? Está
pensando em suicídio? Reflete sobre o homicídio que
cometeu ou vai praticar? Para respostas a estas intenções,
perguntamos: a câmera onde deve estar? No eixo ou não?
Em movimento? De onde até onde? Combinando um com
outro? O foco passeia do revólver, passando pelo sapato,
até o gordo? Como vemos, as possibilidades são infinitas em
se tratando só da câmera. Quem deve determinar são as
intenções. E, com a leitura e o exercício aqui propostos,

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vocês saberão expressá-las melhor, através dos botõezinhos


e navegando no menu de vossas câmeras.
Finalizando, se acho que o conheço, como Matheus
lhe convida tanto a exercitar, desconfio que o que deseja
mesmo é que vocês errem, provavelmente, dezenas de
vezes. Porque ele tem clareza da potência pedagógica e
didática do erro. Caros, frutíferos erros para o bem de nosso
audiovisual!

João Carlos Beltrão

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INTRODUÇÃO

F ilmar é uma atividade comum. Todo mundo filma


hoje em dia. As inovações que a indústria da mídia
insere diariamente no mercado possibilitam que,
cada vez mais, todos tenham acesso a uma câmera.
Aliás, em dias de hoje, poucos são os que nunca
registraram algo com um tipo de câmera. Nem que seja para
testar ou aprender como funciona o aparelho celular. Outro
caso clássico é o dos que compram uma filmadora para
registrar os acontecimentos familiares.
Imagens do bebê da casa falando, andando, caindo;
do cachorro correndo atrás do próprio rabo; de um acidente
ocorrido ali próximo; dum passeio de bicicleta realizado pela
esposa e o filho; do aniversário de casamento; das festas das
crianças.
Filmagens dos passeios turísticos: vídeos em praias,
monumentos ou lugares mundialmente conhecidos.
Inúmeros são os exemplos.
Se você já deu passos assim, então já é um bom
sinal. Se ainda não deu esses passos e quer filmar, também
está tudo bem.
O livro que aqui se inicia, na verdade, é um tipo de
transcrição do conjunto de aulas do curso básico de
filmagem para principiantes, ministrado por mim. Realizei-o
no programa de cursos de extensão proposto
semestralmente pela Unidade Acadêmica de Arte e Mídia da
Universidade Federal de Campina Grande.
O propósito do curso é capacitar para filmar: tanto
para os que buscam aprender e aprimorar para os seus
registros domésticos, quanto para os que almejam a
profissionalização na área.

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Ao preparar as aulas, percebi a carência de


referências específicas sobre o assunto. Normalmente, os
livros abordam o trabalho audiovisual por inteiro (pré-
produção, produção e pós-produção); trata-se de manuais
de vídeo, em sua maioria. E inserem a filmagem apenas
como um capítulo ou até menos.
Ao ministrar as aulas, notei que uma série de
experiências foram partilhadas entre mim e os alunos,
testadas em sala ou vivenciadas em meus trabalhos. Assim,
trago relatos do que aprendi na prática e não encontro
facilmente nos manuais, nos tópicos de filmagem.
Desta vista, busco sintetizar no livro as informações
básicas do curso para uma iniciação à filmagem. Organizo-o,
assim, em quatro capítulos dispostos na seguinte ordem:
Entendendo a filmadora, Construindo as imagens,
Compreendendo a luz e Filmando para uma narrativa. Uma
sequência, digamos, crescente, em relação ao
aprofundamento da atividade de filmagem. A razão da
ordenação é que me parece o formato mais didático para o
assunto.
Ao término de cada capítulo, segue uma sugestão de
atividades relacionadas ao conteúdo visto. Exercícios que
praticamos em sala de aula.
Fixo, ainda, que as referências que utilizei, não
apenas para o curso e para o livro, mas também para o meu
trabalho de filmagem, estão aqui. Ressalvo que tomei a
liberdade de redigir o texto sem estar a todo tempo
referenciando autores e livros diretamente, porém eles
todos (e acredito que outros mais) são parte constituinte do
texto aqui desenvolvido.
Agora é só apertar o botão vermelho e seguir sua
leitura tranquilamente, parando as páginas para praticar
com sua câmera sempre que possível. Acredito que algumas
explicações e respostas só serão assimiladas com sua
prática. Mãos à obra.

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ENTENDENDO A FILMADORA

A câmera é o nosso instrumento de gravação do


mundo. A todo tempo somos convidados, por ela, a
registrar momentos alheios. Entretanto, nem
sempre as filmagens têm tanto sucesso assim enquanto
registro. Apertar o botão para gravar o que acontece diante
de nós não parece suficiente para produzir um registro
eficaz de uma festa de aniversário de um parente ou dos
primeiros passos do bebê da casa, por exemplo.
Os equipamentos automáticos facilitam, de fato, o
trabalho de registro. Às vezes dá certo. Digo certo dentro
das proporções despretensiosas de uma filmagem por lazer.
Mas o que a câmera, no automático, está fazendo para
regular tudo? Ou melhor, quando não se gosta da regulagem
da câmera, o que devo fazer? A resposta é conhecer o
processo de filmagem.
Se a intenção é avançar, isto é, filmar melhor, com
ciência do que fazer para gravar tendo a certeza de que no
final dará certo, entender a filmadora é o princípio. Passar
de simples registro dos familiares para produção profissional
requer mais reflexão, o que certamente é muito importante
para os bons resultados.
Pense que há, de fato, uma relação da câmera com
os sentidos da visão e da audição. Existe uma lógica de
equivalência. Filmar, não à toa, é base para o chamado
universo audiovisual: som e imagem. É capturar, com
precisão, as sonoridades e visibilidades da vida. E tudo o que

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buscamos, com a câmera nas mãos, é gravar o que de som e


imagem está acontecendo ao nosso redor.
Conhecer melhor o equipamento que estará,
literalmente, às suas mãos, é a base para começar a fazer
registros com resultados interessantes. Alguns conceitos
também são fundamentais para caminhar com segurança
nessa área. Saber, antes de tudo, qual o tipo de câmera que
você possui; o que você pode fazer com a máquina frente
aos recursos que ela lhe oferece; quais acessórios serão
necessários para a situação que se pretende filmar. Enfim,
entender a filmadora e tal campo de trabalho é o começo
para fazer seu registro com eficiência.

A CÂMERA E O OLHAR

Compreender a filmadora requer uma reflexão a


respeito do processo como um todo. A finalidade aqui é a de
potencializar a mente do operador, visto que filmar bem é
um trabalho que exige criatividade, sensibilidade e ousadia.
Acredite: apertar botões é um trabalho comum a
todos. É só pegar um equipamento, estudá-lo um pouco,
conferir no manual e pronto. Pense que os eletrodomésticos
são assim. A câmera não seria diferente. Espero que após a
leitura deste primeiro capítulo você já se sinta capaz de
apertar os botões do seu equipamento com consciência de
suas funções.
O processo criativo é o diferencial. Grandes ideias
custam muito caro. E nem todo mundo tem grandes ideias
sempre que precisa. Criar é algo que não nos habituamos a
praticar todos os dias, quando não fazemos parte de um
campo que exija isso.
Então, saber como filmar, como posicionar o
equipamento, construir uma imagem de qualidade,
equalizar a luz na câmera etc., tudo isso exige reflexão e
conhecimento técnico. Como a parte técnica será mais

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explicitada nos tópicos seguintes, cuidaremos um pouco da


sua mente agora.
A sociedade se organiza através dos sentidos
humanos. Informações visuais e sonoras, em
predominância. Semáforos, apitos, placas de trânsito,
televisão, rádio. E a máquina de filmar é um artefato que
contribui para esse universo da comunicação.
Como sabemos, a câmera apresenta uma forte
relação com o olhar humano, no viés da imagem,
principalmente. Possui suas semelhanças e diferenças, é
claro. É um equipamento de registro e percepção visual,
assim como o olhar agregado ao cérebro.
Para pensar melhor nessa relação não casual,
coloco, inicialmente, a seguinte questão: a câmera é a
extensão ou a limitação do olhar?
Minha resposta imediata seria: é a extensão e a
limitação do olhar. Depende apenas do ponto de vista em
jogo. Vejamos.
Para se inventar as primeiras filmadoras, os
cientistas do século XIX buscavam criar um equipamento
capaz de apreender os movimentos. Principalmente os mais
velozes, imperceptíveis ao olhar humano. Tanto que as
primeiras experiências foram as de registrar o galope de um
cavalo, na Inglaterra, e o voo de um pássaro, na França.
Experiências com sucessões de fotografias, somando uma
quantidade significativa de imagens fixas a fim de se estudar
os movimentos.
A partir de tal lógica, vieram os aparelhos capazes de
filmar. Munidos de uma série de fotogramas por segundo
para registrar e exibir as ações, as câmeras conseguem
simular o movimento com perfeição. Inclusive gravar e
mostrar situações impossíveis de serem vistas a olho nu.
Cenas de um acidente, por exemplo, passadas em câmera

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lenta, mostram detalhes do que não conseguimos ver no dia


a dia, mesmo diante de tal ação.
Compreendido desta maneira, a câmera oferece
experiências jamais vistas pelo olhar humano. Funciona
como um tipo de extensão do olhar.
Os inventores achavam que a câmera seria um
instrumento importante para o desenvolvimento de
pesquisas. E nada mais. Aliás, não deixa de ser. Porém,
tomou outro rumo: o das narrativas.
Cabe lembrar que toda história é narrada por
alguém. O que nos faz entender que recebemos as histórias
de pontos de vista diferenciados.
O cinema trouxe para a sociedade, nas primeiras
décadas do século XX, essa característica de “contador de
histórias” que os filmes e os demais produtos audiovisuais
possuem. Constituindo a cada passo a ação da câmera em
mostrar tudo para compreendermos o que ele quer contar.
Nas narrativas audiovisuais, então, a câmera pode se
posicionar de várias maneiras para mostrar o mesmo objeto
ou ação. E nós somos quase a câmera quando estamos
sentados contemplando as imagens, ou melhor, a câmera
conduz nosso olhar.
Assim, a câmera fornece pontos de vista
diferenciados para observarmos as ações. É posta em
posições incomuns ao posicionamento dos nossos olhos.
Imagens de dentro para fora da geladeira, por exemplo, e
histórias contadas a partir do ponto de vista de uma criança,
são capazes de levar o olho humano a ver as coisas a partir
de outros pontos de vista.

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A filmadora e o olho humano

Dessa maneira, através da visibilidade dada a


movimentos imperceptíveis e pelos pontos de vista
possíveis, a câmera é a extensão do olhar humano sim.
Contudo, vejamos onde ela passa a ser a limitação.
O olhar humano é o aparelho mais eficiente de
observação, quando em bom funcionamento. Em
comparação às câmeras, ele fica numa escala superior no
que se refere à capacidade de olhar, ou seja, à latitude.
Digamos que a câmera enxerga bem menos que o olho.
Quando entramos numa sala escura, por exemplo,
com o tempo, o nosso olhar se ajusta àquela situação de
luminosidade. A câmera tem recursos para esses ajustes,
porém muitas vezes não são suficientes para filmar em tais
ambientes.
Enfim, nem sempre o que é suficiente para vermos é
suficiente para que a câmera capture imagens. As filmadoras
precisam de muito mais luz para construir imagens
semelhantes às projetadas na mente humana através do
olho.
Portanto, do ângulo da latitude, a câmera é o olhar
limitado. Tem qualidade inferior ao sentido humano. É

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necessário pensar desta maneira também para, de fato,


potencializar a feitura das imagens.
Posicionar a câmera em um ponto de vista implica
em não posicioná-la num outro possível. Colocação óbvia,
porém fundamental para pensar numa forma de limitação
do olhar.
A lente da câmera oferece uma condição
bidirecional, com diâmetro determinando, para representar
o mundo em imagens. Assim, a escolha da câmera nas
narrativas audiovisuais se dá dentro dos ajustes do
equipamento em conseguir enxergar a ação em
determinada condição.
O quadrado ou retângulo da tela é um recorte do
que ocorre diante da câmera. Por isto a necessidade de
escolher posicionamentos para se filmar. Este recorte,
então, deixa de fora uma série de outros acontecimentos
que poderiam ser percebidos pelo olhar humano.
A câmera recorta as ações. Uma matéria do
telejornal é feita de imagens recortadas de uma
determinada realidade. O cameraman não consegue abarcar
a realidade com seu equipamento de trabalho. A realidade é
muito complexa. Ele precisa capturar a imagem da multidão,
mas não cabe na lente da filmadora de onde ele está. Cabe a
ele, então, recortar as situações e mostrá-la por partes. São
recortes muito mais limitados que o olhar humano.
Daí a limitação da câmera em relação a sua
capacidade de captura das ações da vida. Ela vê menos que
o olhar humano em sua normalidade. É, assim, a limitação.
Extensão ou limitação, há sempre uma equivalência
com o olhar. Nesse aspecto, devemos fixar a seguinte lição:
é importante se preocupar com o que e como a câmera vê as
coisas, e não com o que nós estamos vendo a olho nu
quando filmamos.

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TIPOS DE CÂMERA

Existem câmeras de vários tipos. Vários modelos,


tamanhos, pesos, cores, com variadas funções e
características a fim de atender suas necessidades. A priori,
acredito que todas são eficientes para a realização das
filmagens desejadas. Desde que bem manuseadas. Mesmo
ciente de que algumas são feitas para trabalhos menos
comprometidos com a qualidade profissional.
A tese inicial é a seguinte: uma câmera de poucos
recursos, de caráter doméstico, quando bem utilizada, eleva
sua qualidade ao máximo, podendo trazer resultados
audiovisuais de alto nível; assim como uma câmera muito
boa, profissional, quando mal operada, salientará todos os
defeitos na tela, evidenciando a ineficácia de quem filmou.
Nesse caso, compreenda que a câmera não é
determinante para o resultado que se quer alcançar. O
cinegrafista é o grande segredo das boas filmagens. Agora,
um bom operador com uma excelente câmera terá muito
mais possibilidade de atingir o ápice da qualidade de
gravação.
Então, que tipo de câmera você precisa ter para
filmar? Imaginar o que se pretende gravar e que fins terão
as imagens é decisivo para a escolha de qual equipamento
irá usar. É uma boa questão para quando se quer adquirir
uma câmera.
Se for só para registros familiares e turísticos, uma
câmera pequena, de poucos recursos, será a melhor opção.
Já para filmar eventos, uma câmera com mais benefícios
para tratar a imagem e o som, de porte mediano, será mais
precisa para os bons registros, além de ter mais impacto aos
olhos do contratante.
Quando se fala em tipos de câmeras, apesar de
parecer, não é tão fácil explanar esse assunto se pensarmos

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em características particulares de cada modelo e marca de


equipamento. Por esse caminho seria uma missão quase
impossível, pelo menos para mim.
Assim sendo, me proponho aqui a apresentar os
tipos de filmadoras dividindo em quatro categorias de
máquinas: as minicam, as handycam, as mediumcam e as
bigcam.
Privo-me aqui de expressões como “amadora”,
“profissional” ou “semiprofissional” para classificar, pois
acredito que estes termos trafegam entre os diversos
modelos existentes, podendo tornar qualquer explicação
confusa.
Portanto, em prol da didática, tentarei explicar na
forma de categorias, abordando suas características físicas,
recursos para a imagem, suporte de gravação e sua
usualidade.

MINICAM

As minicam são as câmeras mais compactas


disponíveis. Às vezes estão agregadas a equipamentos como
aparelho celular, tablet, máquina fotográfica, notebook ou
até mesmo caneta esferográfica. Quando não, são câmeras
minúsculas usadas para situações como sistema de
segurança ou para discrição investigativa.
Normalmente oferecem poucos recursos de
regulagem em relação à equalização da captura. São
automáticas, salvo alguns casos. Assim, é importante
posicioná-las bem para a realização de uma gravação
satisfatória.
As compactas capturam em memory flash, memória
interna, cartão MS, miniSD e SD, HD de computador, quando
acoplado.
Pelas limitações, essas câmeras realizam seus
registros com uma qualidade inferior em relação a outros

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equipamentos. Mesmo ciente de que algumas já têm uma


qualidade interessante.
São muito utilizadas para registros domésticos,
cotidianos e turísticos. Pela portabilidade, cumprem o papel
de filmar situações efêmeras, nas quais jamais alguém
levaria uma câmera ou não caberia um equipamento tão
grande (este pode fazer com que a ação nem aconteça),
como flagrantes, furtos, negociações ilegais, acidentes,
ações privadas, momentos com ídolos, shows musicais,
eventos ímpares em geral.

HANDYCAM

Como sugere a tradução, as câmeras de mão são


pequenas e portáteis também. Mas não cabem na palma da
mão como as compactas. São leves e fáceis de carregar.
Ideais para registros que almejem resultados mais
satisfatórios.
Um pouco mais bem equipadas, muitas delas
possuem 3CCDs ou sistema CMOS para melhorar a
qualidade das imagens. Oferece recursos de regulagem da
captura, o que potencializa a gravação. Algumas vêm com
entrada para um microfone, entrada para headphone, e o
dispositivo para fotografia.
Seus suportes de captura perpassam desde fitas
miniDV, a Memória Interna, Memory Card, cartão SD, DVD e
sistema de HD.
As handycam podem servir tanto para simplificados
registros domésticos, quanto para trabalhos de cunho
profissional, de acordo com o modelo e com o operador. Sua
qualidade pode chegar a um nível muito bom. Porém, seu
modelo não impõe respeito e profissionalismo para os
trabalhos mais sérios.
Além do uso doméstico e turístico, são utilizadas
com frequência em trabalhos acadêmicos, realização de

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vídeos para festivais, produção de material de arquivo,


making of de grandes produções, chegando a trabalhos
profissionais televisivos e cinematográficos.

Tipos de filmadora

MEDIUMCAM

Estas são câmeras de porte mediano. Leves e de


grande mobilidade, são equipamentos que oferecem ainda
mais recursos para a captura. Modelos ideais para trabalhos
de cunho profissionais, as quais estão preparadas para as
mais diversificadas situações de filmagem.
Contém todos os mecanismos necessários para uma
boa equalização da qualidade de gravação. São equipadas
com lentes potentes, às vezes chegando a dar conta de
ambientes menos iluminados. Entrada para microfones,
headphone, saída para monitor. Traz a possibilidade de
trabalhar tanto no modo automático quanto no manual. Por
sua vez, exige mais do operador.
Captura em suporte miniDV, DVcam, HD, cartões de
memória, entre outras plataformas.

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As mediumcam consistem numa opção interessante


para diversos trabalhos profissionais, pela praticidade e
portabilidade do equipamento, além da excelente qualidade
de imagem.
São utilizadas, frequentemente, para trabalhos
profissionais como vídeos institucionais, filmagem de
eventos, matérias jornalísticas, propagandas, filmes de
curta, média e longa duração, programas de televisão, entre
vários outros serviços.

BIGCAM

Elas são as câmeras de grande porte. Pesadas e de


difícil locomoção. Porém, com recursos e qualidade de alto
nível. Equipamento para profissionais. Para isso, exige muito
mais do cameraman.
Munida de todos os recursos necessários para
grandes trabalhos, apresentam variações entre modelos e
marcas (como todas as outras). Normalmente são armadas
em tripés ou outras formas de apoio para gravação, por
serem muito pesadas.
Os suportes de captura trafegam entre DVcam, HD,
memória sólida, cartões de memória, película 16mm e
35mm.
São as câmeras usadas em estúdios de produtoras e
emissoras de tevê, filmagens de grandes eventos e sets de
cinema.

Visto o exposto, creio que adjetivos como “amador”


ou “profissional” se enquadram melhor na classificação do
operador de câmera do que para o equipamento. Pequenos
equipamentos podem responder por trabalhos brilhantes,
assim como grandes máquinas estão a mercê de serem
subutilizadas.

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Para além da minha tipologia, algumas câmeras


fotográficas DSLR são equipamentos com excelentes
resultados de filmagem, hoje pertencentes ao mercado
profissional de filmagem pelos resultados satisfatórios que
apresentam.
Há também uma série de câmeras com recursos
especiais, como: a prova d’água, visão noturna, imagem
térmica, infravermelho.
Os valores desses equipamentos são imprecisos.
Alguns podem até ser alugados. O preço varia entre
modelos, marcas e lojas. Pesquise bastante antes de
comprar. Lembre-se apenas que todos os modelos têm sua
serventia, suas qualidades e limitações. Agora cabe a você
pensar exatamente qual equipamento lhe servirá para cair
no universo das filmagens.

MECANISMOS BÁSICOS DAS FILMADORAS

A câmera está cheia de botões. Para que serve cada


um deles? Minha proposta, agora, é apresentar os
mecanismos básicos e comuns existentes nas filmadoras. A
finalidade também é de evitar um casual desentendimento
com o leitor a partir dos pontos que começarem a
referenciar esses mecanismos sem qualquer explicação
posterior.
Fico ciente de que algumas dessas funções a serem
apresentadas são tão óbvias para uns conhecedores da área
que podem até causar questões como “para que explicar
isso?” ou até respostas mentais irônicas ao ler, tais como “É
mesmo?”. Em contrapartida, espero também contemplar os
que estão, de fato, na iniciação à filmagem e não contém
qualquer informação sobre a câmera.

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Os mecanismos na câmera

Assim sendo, minha ideia é explicar as funções da


câmera de maneira concisa e acessível, seguindo uma
ordem de ação a qual poderá ser utilizada para o
procedimento de filmagem, como um tipo de “manual passo
a passo”, resultando, então, num provável guia de
acompanhamento, caso o operador precise. Vejamos.

 Bateria: fonte de energia da câmera. Procure


sempre verificar, antes de sair para filmar, se a
bateria está com carga suficiente – se possível total
– para realizar as filmagens, pois uma bateria
descarregada põe a perder todo um dia de gravação.
Algumas câmeras têm um acessório (carregador)
para dar carga, enquanto outras carregam com a
bateria acoplada na própria câmera. Ela só encaixa
numa posição e nela vem as indicações. De acordo
com a filmadora, a bateria tem um tempo de
duração e você deve estar ciente disso. Se possível,
use sempre uma bateria sobressalente;

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 Power e Stand By: o power é o botão de ligar e


desligar a câmera. Quase todo equipamento
eletrônico possui um botão desses (aparelho de
som, computador, DVD, secador de cabelo etc.). Já o
botão stand by serve para “repousar” a câmera
enquanto não está sendo utilizada. Um quase
desligar. Algumas câmeras exercem essa função
automaticamente. Esteja sempre atento para a
utilização de tal função, visando economizar a carga
da bateria;

 Câmera/camcorder e VCR: a filmadora dispõe de


dois modos de utilização: o de gravação (câmera) e o
de reprodução (VCR). No primeiro, a câmera
disponibiliza as funções para as filmagens, podendo
ser totalmente automático ou manual (A/M). Já o
segundo modo, favorece para que vejamos o
material capturado, como um aparelho de DVD –
com botões de stop, play, rew, ff, pause.
Normalmente, as opções estão no botão de ligar da
câmera;

 Suporte de gravação: pela evolução técnica, muitos


tipos de suporte de gravação existem, tais como:
película, fita, DVD, cartão etc. Ponha o cartão na
câmera, abra o compartimento, caso necessário, e
não se preocupe tanto porque o cartão só entra na
posição correta. Grave alguns segundos. Pronto.
Após os primeiros registros, confira na própria
câmera (função VCR) se está funcionando conforme
se espera. Certifique-se da gravação da imagem e do
som. O próprio cartão tem um lacre de proteção
para não gravar por cima do material capturado.
Confira. Verifique, também, se há espaço suficiente
para realizar a filmagem planejada. Às vezes, pode

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acabar a memória no meio de uma situação muito


importante a ser registrada e deixar você com um
problema. Assim, se possível, leve sempre um cartão
sobressalente. Use o mesmo princípio, salvo suas
peculiaridades, para as câmeras com fita, memória,
HD, película, DVD etc.;

 Foco: essa função é de extrema importância para


estabelecer a nitidez da imagem sobre o objeto que
se queira mostrar na filmagem. Ajuda a conduzir o
olhar para o que se busca mostrar na tela. Algumas
câmeras dispõem apenas de foco automático.
Outras controlam o foco através de botões. As de
maior porte disponibilizam essa função através de
um “anel de foco” existente na objetiva. Pode ser
usado de modo manual ou automático;

 Iris: a função da iris da câmera é dosar a quantidade


de luz que entra pela lente. Serve para tornar a
imagem mais clara ou mais escura. É importante
encontrar o botão para controlar a iris, pois algumas
câmeras não demonstram precisão entre a luz que
entra e a que é observado no visor. Pode ser usada
de modo manual ou automático;

 Shutter: o shutter está diretamente relacionado à


velocidade de registro da câmera. Não pela
quantidade de frames por segundo, mas pela fixação
de movimentos mais rápidos. Quanto maior o
número do shutter na câmera, movimentos mais
velozes podem ser vistos com mais precisão na tela.
Função de uso automático ou manual;

 White Balance: o botão WB ou balanço do branco


serve para a câmera equilibrar as cores da luz do

REC – uma iniciação à filmagem


30

ambiente de filmagem. É fundamental “bater o


branco” na locação para adquirir a coloração
adequada dos elementos de cena. Para tanto, basta
apontar a câmera para uma superfície de cor branca
na locação e apertar o botão. A câmera compensará
a luz. Algumas câmeras apresentam leituras de luz
pré-estabelecidas. Pode ser usada de modo manual
ou automático;

 Zoom: a princípio, o zoom é o recurso mais divertido


da câmera. Porém, isso pode trazer falhas
comprometedoras para suas filmagens. O zoom
serve para aproximar (zoom in) ou distanciar (zoom
out) os objetos da câmera sem precisar se mover
para isso. Auxilia na composição de suas imagens. É
um tipo de movimento óptico feito na lente da
câmera. Como movimento, ele não é tão agradável
para o espectador, devendo ser utilizado apenas
com uma boa razão;

 Rec: normalmente é o botão vermelho do


equipamento. Mesmo quando não é vermelho, é ele
que ativa e desativa a função de gravar da câmera.
As câmeras indicam, no visor, se está em ação ou
não. Fique atento para o fato de que sempre tem
um pequeno atraso para iniciar a gravação, por isso
não acione exatamente no início da ação a ser
filmada. Sempre aperte o rec um pouco antes da
ação e, para encerrar a filmagem, dê uma margem
de segurança também.

Geralmente, os locais onde se encontram essas


funções variam nos equipamentos de marcas e modelos
diferenciados. Portanto, é preciso criar uma familiaridade

REC – uma iniciação à filmagem


31

com a câmera que será utilizada por você, isto é, saber onde
cada botão está na filmadora para evitar problemas.
Obviamente, outras funções para filmagem são
oferecidas pela diversidade de câmeras existente no
mercado. Neste caso, já entra para uma proposição pessoal
sobre o que você quer filmar. E, assim sendo, a pesquisa
sobre as outras funções é sua. Agora pegue a câmera e
conheça-a.

ACESSÓRIOS DE FILMAGEM

Para filmar, os itens a se ter em mãos vão muito


além da câmera. Concordo: a câmera é o mais importante,
porém alguns acessórios são imprescindíveis quando se
trata de gravar com a finalidade de um resultado
excepcional.
Certos acessórios são lógicos. Também não terei
receio em falar deles, pois é sempre bom reforçar a
memória. Já outros, inimagináveis algumas vezes, terão que
ser expostos com sua finalidade. O ideal é sempre pensar
nas seguintes questões antes de sair com a câmera: em que
situação se vai filmar? O que e como será filmado?
Diante de tais questões, você estará ciente de quais
acessórios serão necessários para realizar suas imagens.
Uma caixa de ferramentas, por exemplo, nunca será demais.
O objetivo imediato agora é fazer você montar o seu “kit
filmagem” com os acessórios necessários para uma gravação
que funcione. Vejamos.

 Bolsa para câmera: além de proteger o


equipamento com mais precisão, a bolsa da câmera
tem a função de guardar alguns itens fundamentais
para quando sair para filmar, como: o carregador de
bateria, a correia da câmera e os cartões.
Dependendo da bolsa, você pode guardar pequenos

REC – uma iniciação à filmagem


32

acessórios necessários para uma determinada


situação de filmagem, como uma fita isolante, um
fone de ouvido, um lápis comum. Para alguns casos,
uma mochila camufla seus equipamentos, evitando
serem visados nas ruas;

 Limpeza da lente: a qualquer momento, a lente da


câmera corre o risco de ficar suja. Basta filmar na
praia, onde a maresia embaça a lente. Isso
danificará as imagens que tentar gravar. Para isso, é
bom ter sempre uma flanela de limpeza na bolsa da
filmadora. Quando não, passar um pedaço de
camisa de algodão, suavemente, ajuda. Mas não é o
ideal. Existem produtos de limpeza para lentes,
ideais para manter o equipamento em ótimas
condições de trabalho;

 Tripé e monopé: para obter imagens mais estáveis,


o ideal é utilizar um tripé para a filmadora.
Gravações na mão nunca terão a estabilidade do
tripé. Porém, quando mal utilizado nos movimentos,
o tripé pode ser problemático. Lembre-se: sempre
confira o nivelamento dele, pois a linha do horizonte
no mar pode ficar caindo para um dos lados. O
monopé é mais prático. Perfeito para algumas
situações corridas. Dá certa estabilidade em relação
à câmera na mão, mas não é a mesma coisa que um
tripé;

 Iluminação: as filmagens sempre precisam de mais


luz do que achamos. Tenha sempre por perto um
refletor de luz, no mínimo. Alguns ambientes já
possuem algum ponto de luz. Leve principalmente
para ambientes fechados ou imagens noturnas.
Algumas câmeras possuem a função light, outras

REC – uma iniciação à filmagem


33

têm um encaixe para uma lâmpada apropriada. O


importante é não deixar a imagem escura quando
não se tem esse propósito;

 Rebatedor: acessório feito para rebater luz. Usado


para imagem diurna, em ambientes abertos, onde a
luz do sol predomina iluminando os objetos de cena.
Normalmente, é utilizado para rebater a luz do sol
em outra direção sobre o objeto, a fim de amenizar
a sombra causada pela intensidade da luz primária.
De improviso, pode ser utilizada uma folha de
isopor, na qual uma das faces pode ser colada uma
folha de papel alumínio, o que dará duas opções de
intensidade da luz rebatida;

 Extensão: com tantos equipamentos eletrônicos nas


mãos, é fundamental ter sempre uma extensão de
energia. Algumas vezes pode ser necessário para
ligar a câmera na tomada e economizar a carga da
bateria. Outras vezes, a tomada mais próxima ainda
é longe da cena. Então, uma extensão de, no
mínimo, 10 metros não lhe deixará na mão em
várias ocasiões. Para suportar a iluminação, a
extensão deve ser feita de um fio mais grosso. Junto
a isso, um “T” também pode ser importante para
solucionar problemas com tomadas;

 Microfone: várias câmeras já possuem um


microfone. Outras precisam acoplar um. E algumas
têm uma entrada para ligar um segundo microfone.
Para certas situações, é fundamental utilizar um
segundo microfone a fim de obter um resultado
sonoro bom. Filmar com o microfone da câmera
requer o cuidado de controlar o som do ambiente
em questão, como, por exemplo, entrevistar alguém

REC – uma iniciação à filmagem


34

numa sala com ar condicionado ou ventilador.


Sempre desligue esses aparelhos, se não quiser
acabar com a captura. Para uma entrevista, um
microfone lapela acoplado à câmera deixará o som
do ambiente baixo e a voz alta. Já um microfone
shotgun com função direcional, em suporte de
boom, será outra opção para solucionar problemas
do ambiente da gravação, evitando a captura de
sons indesejáveis;

 Bolsa estanque: para filmar embaixo d’água, mesmo


com sua filmadora simples, é necessário uma bolsa
estanque, a qual isola o equipamento de qualquer
possibilidade de entrar água nele. Há também a
caixa estanque para essas situações. Confira pelo
modelo da sua câmera. Esses acessórios possuem a
indicação de profundidade.

Mais alguns acessórios devem estar contidos em


qualquer “kit filmagem”, tais como fita adesiva de papel,
cabo de exibição, adaptadores de plugs, filtro de imagem,
pilha, lâmpada reserva, difusor e filtro de luz, papel branco,
lanterna etc. Não se espante. Ainda surgirão mais, de acordo
com a necessidade gerada pela ação a ser filmada.

REC – uma iniciação à filmagem


35

Acessórios de filmagem

O que se leva para as gravações nunca é demais. Às


vezes saímos para filmar sem ter certeza do que nos espera
na locação. Nesse caso, prevenir é melhor do que remediar.
Sem dúvidas! Pecar por excesso nem chega a ser um
pecado. O pior de tudo mesmo, no final das contas, é chegar
na hora da filmagem, de frente para a cena, e notar que
esqueceu determinado item. O improviso pode até salvar
você, mas nem sempre funciona tão bem.
Por fim, fique ciente de que, além dos acessórios,
um cinegrafista precisa ter bom preparo físico e ser
destemido. Afinal, ninguém faz ideia do que pode ser
filmado.

ATIVIDADES

1) Faça imagens de um mesmo objeto, procurando


mostrá-lo de pontos de vista que não sejam comuns
à visão humana.
REC – uma iniciação à filmagem
36

2) Pegue sua câmera ou a que você utilizará e verifique


onde estão os mecanismos básicos e como eles
funcionam no equipamento.

3) Escolha uma situação para filmar. Faça imagens


testando os recursos que a sua câmera lhe oferece e
confira as imagens que você acabou de fazer.

4) Quais acessórios serão necessários para filmar as


seguintes situações: um passeio na praia, um evento
com um palestrante importante e uma viagem de
barco com duração de cinco dias?

REC – uma iniciação à filmagem


37

REC – uma iniciação à filmagem


38

II

CONSTRUINDO AS IMAGENS

A câmera é a nossa ferramenta de produção


simbólica. Assim como o pintor manuseia seu pincel
e suas tintas, levando dias (ou não) para fazer seu
quadro, o cameraman deve ter todo capricho artístico ao
operar a filmadora. Ele vai, de certo modo, “pintar” cada
imagem, devendo prezar pela composição de suas filmagens
como uma busca infindável pela sua obra-prima.
Toda essa produção simbólica é feita para ser
consumida por alguém. Suas imagens serão vistas. E esse
potencial receptor, normalmente, espera o melhor de
nossos produtos. Desde já, alguns procedimentos básicos
devem ser levados em consideração ao se pensar em filmar,
desde que se queira produzir um material “essencial” e
“visível aos olhos”.
Antes de começar a filmar, é fundamental decidir
sobre duas coisas: o que se filmará e como se filmará.
Por exemplo, agora vou sair para filmar uma
entrevista com alguém íntegro. Assim pensando, já se
estabelece o objeto principal e o tipo de filmagem. Em
seguida, define-se o que se quer mostrar sobre o
entrevistado, como enquadrar, em que posição se coloca a
câmera. Enfim, devemos estar decididos sobre a forma a se
realizar uma imagem bela.
Nesse caso, o ideal é prezar por uma câmera estável,
num tripé, com um cenário que contextualiza o assunto ou a
profissão do entrevistado, imagens com boa claridade e

REC – uma iniciação à filmagem


39

ótima visibilidade, composta por cores harmoniosas. A cena


deve estar equilibrada como um bom quadro, o qual
comemos com os olhos.
Para melhor “pintar nosso entrevistado”, o primeiro
passo é estabelecer um tipo de equilíbrio entre o conteúdo
e forma da imagem. A partir daí pensamos em como
construir imagens sedutoras para nosso espectador. Para
tanto, algumas dicas podem auxiliar bastante neste
trabalho.

ENQUADRAMENTO

O bom enquadramento deve ser uma das


qualidades de um operador de câmera. Em suma, diz
respeito à composição pictórica da imagem, do equilíbrio
visual em relação à ação ou objeto central a ser mostrado
para o espectador. Busca-se apresentar o centro do
interesse, pondo-o (ou não) em evidência na tela. Mas como
fazer isso? Como equilibrar uma imagem ou fazê-la soar
bem?
Um primeiro passo é a regra dos três terços. A tela
deve ser observada e compreendida na proporção de três
terços (vertical e horizontal). A divisão do campo visual em
três terços facilita para se chegar a um resultado menos
ruidoso para o espectador. Partindo dessa divisão
geométrica, os objetos na filmagem tendem a se balancear
na tela.
Algumas câmeras vêm com a opção das linhas no
visor. A proposta principal é estabelecer, através dessa
divisão, a harmonia visual para a imagem, tornando-a capaz
de seduzir o espectador à primeira vista.

REC – uma iniciação à filmagem


40

Três terços: vertical e horizontal

Seguindo o gráfico, os pontos em que as linhas se


cruzam são considerados como “pontos de ouro” no que se
refere à colocação do assunto na tela. Sob eles, o objeto
principal tende a ficar bem posicionado no quadro.
Para suavizar sua aparição, descentralize o objeto na
tela. Ponha-o no canto direito da tela, dentro dos três terços
desse lado. Assim ressaltamos outros elementos no cenário
(se houver), compondo uma bela imagem, às vezes mais
agradável para o consumo visual.

REC – uma iniciação à filmagem


41

Objetos de cena posicionados no ponto de ouro

Já em imagens de paisagem, procure não centralizar


a linha do horizonte na tela, sempre coloque abaixo ou
acima do meio da tela (seguindo a linha dos três terços) para
torná-la mais harmoniosa. A linha localizada no meio da
imagem dá a impressão de um corte central da tela. Perde a
harmonia.
Utilizando o tripé, linhas do horizonte, ou qualquer
outra linha, não deve ficar desnivelada. Verifique o
nivelamento do tripé e veja na imagem se um dos dois lados
da linha não está caindo.

REC – uma iniciação à filmagem


42

Equilíbrio e desequilíbrio na imagem

Contudo, não desconsidere o que você vê pelo visor


da câmera. Tratamos de uma espécie de divisão matemática
na imagem, um tipo de lógica para auxiliar o equilíbrio
visual, e por isso mesmo que não se deve esquecer também
de considerar o que você está achando da imagem, se está
bonita ou não para você, se está agradável ou não para
você, ou até pedir sugestão para um receptor leigo.
Centralize os objetos, se tiver um bom motivo dramático.
Afinal, o resultado depende exclusivamente de você nesse
momento. Prosseguindo.
No caso de filmar pessoas, o olhar de um
personagem focalizado em cena, por exemplo, deve estar
direcionado para o maior espaço da tela. No caso de
entrevistas, principalmente, se o sujeito olha da direita para
a esquerda na tela, o lado esquerdo da tela deve ter, em
média, mais espaço (aproximadamente um terço e meio do
quadro). Para os movimentos também segue a mesma
lógica: deixar mais espaço do lado para onde o objeto se
dirige. Isso soa bem.
Pessoas filmadas em belas paisagens tende a um
problema de composição: ficar com a linha do horizonte

REC – uma iniciação à filmagem


43

“saindo pelos ouvidos”. Não só em paisagens. Linhas de


móveis, quadro negro ou lâmpadas florescentes dão esse
defeito na imagem. Mudando o posicionamento da câmera
ou movendo o personagem você consegue mudar isso.
Uma entrevista, por exemplo, em que atrás do
entrevistado tem uma estante em que a linha está por trás
da cabeça dele, você pode, simplesmente, colocar uma
almofada na cadeira para ele sentar, o que levantará seu
posicionamento, movendo a linha de trás mais para baixo.

Linha atrás na cabeça do entrevistado

Bem, outros objetos podem problematizar ainda


mais a imagem do seu entrevistado, criando sentidos
pejorativos, como chifres ou cabelos ilusórios. Esteja sempre
atento.
Há, ainda, uma preocupação com o ajustamento da
imagem. Podemos dizer que uma imagem, de acordo com o
modo que se enquadra o objeto de cena, pode estar
“folgada” ou “apertada”.
A “folga” se dá no caso de o objeto estar muito
distante, quando poderia estar mais perto. Cria-se, assim,
um excesso de espaço desnecessário na imagem. Ora muito

REC – uma iniciação à filmagem


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teto, ora muito piso. É interessante ajustar bem o objeto ou


personagem no quadro, ficando próximo às bordas da
imagem. No caso de pessoas, não se deve deixar muito teto
ou piso, muito menos espaços laterais. A não ser que tenha
um bom elemento em coerência com o personagem. Mas
muito espaço vago na tela sem motivo pode ser um tanto
ruidoso.
O “aperto” é o efeito contrário no enquadramento.
Quando os objetos estão muito próximos da câmera, a
ponto de cortar partes deles que deveriam estar na tela,
gera outro tipo de defeito. A mesma regra serve para as
pessoas. Então, nada de cortar os pés ou as mãos sem
necessidade.
Outra regra básica é evitar cortar as pessoas nas
articulações: imagem cortando exatamente no pescoço
pode soar mal, por exemplo. No fim das contas, tudo deve
ter a dose certa na tela.

Imagem folgada e apertada

Quando se busca uma boa composição, alguns


princípios devem ser levados em consideração. Eles são: a
combinação das cores e a harmonia pela geometria. Da
mesma maneira que você se preocupa com a combinação

REC – uma iniciação à filmagem


45

das cores quando vai se vestir ou com a posição dos móveis


no seu quarto, você deve se ater a isso nas imagens. Procure
sempre as melhores combinações para destacar ou não os
objetos e observe como a harmonia das linhas e das formas
na tela.
Por fim, o enquadramento tem uma relação cultural
e dramática na sua construção. Filmes orientais constituem
equilíbrios visuais que se diferem da nossa concepção
harmônica ocidental. Confira isso, se puder. Conteúdos e
propostas narrativas também fornecem sugestões para os
enquadramentos, justificando, assim, a subversão de
qualquer regra dessas.
Enquadrar corretamente é mostrar as coisas com
sua devida força. Com sua expressão máxima. E não se trata
apenas de uma ação geométrica, mas sim de criar uma
harmonia entre suas imagens e a visão do espectador.

PERSPECTIVA E VOLUME

A tela tem duas dimensões: altura e largura.


Entretanto, por que algumas imagens nos dão a impressão
de ter profundidade? Ou, ao contrário, por que parecem
que vão sair da tela?
Em suma, notamos uma tridimensionalidade numa
superfície bidimensional. Tal ilusão faz com que o olhar
perceba a imagem com muito mais realismo. A questão
agora é: como fazer isso nas imagens? Como trabalhar uma
terceira dimensão com a limitação natural da tela? Não se
preocupe. Há meios.
Na imagem, a criação de uma terceira dimensão
ilusória na tela se dá através de dois conceitos: perspectiva
e volume.
Trocando em miúdos, ambos simulam a terceira
dimensão, porém de formas peculiares. Enquanto a
perspectiva se dá pelo posicionamento da câmera ou pelos

REC – uma iniciação à filmagem


46

elementos de cena, construindo uma espécie de imersão na


tela, através da luz e das cores pode-se dar volume, o que
faz os objetos “saltarem para fora” da tela. A principal
função é evitar a construção de imagens chapadas,
bidimensionais, sem uma terceira dimensão ilusória.
As primeiras descobertas da perspectiva começaram
nas pinturas, pela necessidade dos pintores de dar mais
realismo a seus quadros. Inclusive, ver pinturas é um bom
estudo para os operadores de câmera. Podem ajudar no seu
repertório de ideias. Além de tudo, vale salientar que
algumas regras são básicas para se trabalhar a perspectiva
na tela.
Primeiramente, nunca filmar exatamente de frente
para os objetos. Pensando em filmar uma faixada com o
nome de uma loja, ao colocar a câmera metricamente
diante dele, bem de frente, o resultado da sua imagem pode
não apresentar imersão. Fica chapada. O ideal é colocar a
máquina, digamos, meio do lado das coisas a serem
filmadas. Isso fará com que o letreiro seja visto na tela com
perspectiva, em proporções cúbicas.
Filmar uma parede feita de tijolo aparente frontal e
lateralmente suscita uma comparação a respeito da
harmonia entre as duas imagens. A lateral é sempre mais
agradável de ver. Outra forma fácil de perceber isso é
filmando prédios, casas ou carros nas duas posições. A
filmagem feita de nesga sempre simula muito melhor a
terceira dimensão na tela.

REC – uma iniciação à filmagem


47

Uma imagem chapada e outra com perspectiva

No caso de ambientes fechados, onde as paredes


são brancas e sem nada, encontramos muita dificuldade de
criar perspectiva. Alguns fotógrafos de cinema colocam
quadros nas paredes ou itens domésticos no ambiente,
como vasos e móveis nos cantos, a fim de dar uma
impressão tridimensional. Resumindo, colocar elementos ao
fundo ou à frente do objeto principal da ação filmada
funciona bem. Organizar os elementos de cena é importante
para dar perspectiva às imagens.
É cabível observar como as emissoras de televisão
buscam, até nas fontes que utilizam para escrever o nome
dos programas, perspectiva nas suas imagens, pois, de fato,
a perspectiva traz um realismo visual de grande valia para
nossas filmagens.
O volume, por sua vez, trata de outras estratégias
para evitar o achatamento da imagem na tela. Nesse caso,
também podemos recorrer às pinturas para estudar
possibilidades e nos certificarmos disso numa superfície
bidimensional.
Se fosse filmar um globo terrestre, funcionaria
colocar a câmera meio de lado? Claro que não. É através do
jogo de luz e sombra que conseguimos dar volume aos
objetos em cena. Na tela, qualquer objeto que for iluminado

REC – uma iniciação à filmagem


48

por uma luz lateral criará automaticamente uma sombra no


lado oposto. É uma questão física. E é justamente esse
contraste que fará os objetos parecerem avançar para fora
da tela.
Um simples brilho numa maçã mostrará sua forma
esférica. Faz parecer que ela vem pra frente. Assim como ela
iluminada por igual (luz diretamente de frente) torna-a
chata na tela. Enfim, as sombras na medida certa simulam
essa terceira dimensão na imagem.

Uma imagem chapada e outra com volume

Para filmar objetos esféricos, redondos, você deve


iluminá-lo lateralmente. Perceba nas vinhetas dos
telejornais como eles sombreiam as imagens dos globos a
fim de algo mais agradável e realista aos olhos.
De outra maneira, as cores também causam essa
impressão de volume no espectador. O vermelho, por
exemplo. Por ser uma cor “viva”, salta para frente quando
posta junto de algumas outras cores, tais como um cenário
verde claro, bege e cinza. O branco, por refletir muita luz,
chama a atenção do olhar na tela e salta para frente num
cenário escuro. Faz o objeto pular quase no colo do

REC – uma iniciação à filmagem


49

espectador. Ou pelo menos não parece achatado na


superfície da tela.
Imagine dois círculos desenhados no chão branco.
Um vermelho e o outro azul bem escuro. Por que temos a
sensação que o círculo escuro é um buraco e o encarnado
não? Então, o mesmo princípio deve ser levado em
consideração na composição cromática das imagens. As
cores dão sensações diferentes na tela.
Desta maneira, a perspectiva e o volume evitam que
os objetos na imagem pareçam falsos aos olhos. Ambos
camuflam a limitação pelas duas dimensões da tela. A ideia
é fazer imagens que pareçam com a própria vida em cena,
verossímeis, com a finalidade de não gerar nenhum
estranhamento por parte do espectador.

PROFUNDIDADE DE CAMPO

Estique o braço direito para frente e ponha a mão


diante dos olhos. Agora tente observar a mão e a paisagem
adiante de uma só vez. Não consegue? Um dos dois fica
embaçado? Calma, isso é natural. É só para lembrar mais
uma vez a equivalência entre o olhar humano e a câmera.
Os elementos embaçados nesse exercício estão de
fato fora de foco. Nós focamos os elementos que queremos
ver. E a câmera também põe em foco, ou não, os elementos
de cena.
Antes de tudo, a expressão profundidade de campo
não deve ser confundida com perspectiva (por pensar num
tipo de profundidade na imagem). O conceito em questão
agora aborda todo o espaço da imagem que se encontra
precisamente em foco, ou seja, tudo que estiver nítido na
filmagem. A proximidade dos conceitos se dá pelo fato da
nitidez ser em relação à profundidade da imagem.

REC – uma iniciação à filmagem


50

No geral, uma imagem tem muita profundidade de


campo quando coloca em foco tanto o objeto mais próximo
da câmera, quanto o objeto que se encontra distante dela.
Do contrário, pouca profundidade de campo se dá quando
se põe em foco um só elemento na imagem.
Pois é, belas imagens são feitas a partir da
compreensão da profundidade de campo, colocando o
objeto do primeiro plano em foco e o resto da cena
deixando desfocada. Algumas vezes fazemos isso por acaso.
Colocamos a câmera no lugar certo e pronto. Mas a questão
é: como fazer isso conscientemente? Como colocar dois
objetos em cena e deixar apenas um deles em foco? Ou
como deixar tudo em foco na mesma imagem?
Bem, algumas são as possibilidades para lidar com a
profundidade de campo. Devo dizer que não me cabe
empreender uma densa explicação física aqui, mas sim
apontar recursos na câmera e no ato de filmagem que
respondem nossas perguntas na prática. Tratarei de
apresentar, digamos, regras básicas para trabalhar a nitidez
na imagem.
Então, alguns mecanismos são fundamentais para
embaçar ou não os objetos de cena nas filmagens. Eles são:
o foco, a iris, os tipos de lente e a distância da câmera em
relação ao objeto. Vamos passo a passo.
Sobre o foco, como falei anteriormente, é o
mecanismo diretamente ligado à nitidez das imagens. Ele
tem o controle direto da câmera em relação a um
determinado objeto.
Quando ligado no automático, a tendência é a
câmera focalizar o objeto que se encontra no centro do
enquadramento. Ela focaliza com precisão. Pode confiar.
Entretanto, isso dificulta algumas composições em que o
foco deve estar não no objeto central, e sim num
secundário. É interessante mirar no objeto e deixar a câmera
focá-lo. Em seguida, ativa o modo manual do foco e

REC – uma iniciação à filmagem


51

enquadra como você deseja, tirando o objeto da


centralidade. É importante não tirar a câmera do lugar nesse
caso, pois o foco muda de acordo com o lugar onde o
equipamento é fixado.
O foco manual vai depender da precisão do
cameraman para deixar o objeto de cena nítido. O que se
pode fazer para ser eficaz é aproximar o objeto com zoom, o
máximo que puder. Em seguida, faz o foco manualmente e
volta o zoom para o enquadramento desejado. Isso garante
que o objeto principal estará bem visualizável. Afinal, não há
coisa pior do que assistir a uma entrevista cujo personagem
está desfocado. Sendo assim, muito cuidado.
O anel de foco, de fato, é para movimentar o ponto
de nitidez da câmera. Aumentar ou diminuir o campo de
visão nítida é outra coisa.
Por fim, usar o foco no modo automático em
imagens movimentadas faz com que a câmera fique
mudando-o de acordo com as ações da cena. Isso dará um
resultado horrível à filmagem. Cuidado.
Pelo mecanismo da iris, como antes foi dito,
controlamos a quantidade de luz que passa pela lente no ato
de captura. Escurece ou clareia a imagem. Funciona como a
pupila dos olhos: em ambientes escuros, ela dilata; na
claridade, ela fecha bastante.
Com a iris, a regra é a seguinte: quanto mais fechada
ela estiver, maior é a profundidade de campo. No geral,
ambientes escuros dão pouca profundidade de campo
porque a iris fica mais aberta; já os bem iluminados, colocam
tudo em foco. Algumas câmeras mostram no visor o número
da abertura da objetiva de acordo com a luminosidade dos
ambientes. Na praia, por exemplo, a câmera trabalha com
um alto número (F 22) pelo excesso de luz. Já num quarto,
em casa, sem tanta claridade, a lente tende a baixar o
número (F 3.5), isto é, abre mais a iris.

REC – uma iniciação à filmagem


52

A regra da numeração é simples, é a regra do


buraco: quanto mais tira, maior fica a abertura. Em outras
palavras, quanto menor o número F, quanto mais se subtrai,
maior é a abertura da iris.
Retornando à profundidade de campo, quanto
maior o número indicado no visor, mais espaço nítido se
obtém na imagem. Com a iris mais fechada, mais coisas
focalizadas teremos. Isso quer dizer que quanto mais luz
houver no ambiente da filmagem, maior é a possibilidade de
colocar coisas em foco.
Vale ressaltar que a dificuldade está em tirar de foco
em locais muito iluminados e colocar muitas coisas em foco
em ambientes de baixa luminosidade. É preciso pensar.

Imagem com pouca profundidade de campo

Em terceiro lugar, existem basicamente três


classificações para as lentes ou objetivas das câmeras. Elas
são: grande angular, normal e teleobjetiva. Cada qual com
suas peculiaridades em relação à imagem, influindo também
a profundidade de campo.
Para compreensão, pensemos numa escala de 20
(vinte) a 100 (cem). Dentro dessa escala, temos o lugar das

REC – uma iniciação à filmagem


53

três objetivas. Até o número 49 (quarenta e nove), temos


grande angulares. Em 50 (cinquenta), exatamente, reside a
lente normal. E, a partir de 51 (cinquenta e um), são as
teleobjetivas. A medida dessa escala se dá em relação à
distância focal da lente, isto é, a distância entre o orifício de
entrada da luz na objetiva e o lugar onde a imagem é
registrada na câmera.
Com esta rasa explicação, entendemos que a lente
zoom tem a capacidade de movimentar a distância focal.
Dessa maneira, ela reúne naturalmente as três classificações
numa só, passando da grande angular à teleobjetiva apenas
com um aperto de botão. Seguem as características de cada
objetiva.
 Grande angular: A lente grande angular se
caracteriza pela proximidade da distância focal. Por
essa razão, ela afasta os objetos de cena em relação
à câmera. Na lente zoom quer dizer que ela é a mais
aberta possível, mostrando mais itens no
enquadramento. É uma lente mais luminosa, a qual
necessita de menos luz do que as outras. Assim
sendo, essas lentes proporcionam maior
profundidade de campo. Na imagem, a grande
angular distorce as proporções, deixando as
margens laterais meio tortas, como a imagem vista
através do olho mágico das portas de apartamento.
E os objetos perto da câmera ficam imensos na tela.
São mais adequadas para as filmagens com a câmera
na mão por amenizar o tremor natural;

 Teleobjetiva: Já a teleobjetiva é o contrário. Possui a


maior distância focal. Ela tem a capacidade de
aproximar os objetos que estão longe da câmera.
Através do zoom, aproximamos o máximo quando
estão longe, ou seja, usamos a tele. Lembre-se das
lentes dos fotógrafos à beira do campo de futebol. É

REC – uma iniciação à filmagem


54

ideal para enquadramentos de detalhes ou de um


único objeto de cena, pelo seu ângulo de visão. Por
sua vez, ela necessita de mais luz e mais estabilidade
para as gravações. Em filmagens com a câmera na
mão, ela denuncia com mais intensidade a
instabilidade de um operador trêmulo. Essas
objetivas possuem pouca profundidade de campo.
Sua principal característica na tela é o achatamento
das distâncias entre os objetos em imersão: parece
que os objetos do primeiro plano do quadro estão
ao lado dos do segundo ou terceiro plano. Recurso
frequentemente usado para aproximar, por
exemplo, os edifícios em relação à praia, na busca
de valorizar o imóvel;
 Normal: A lente normal, por sua vez, é a
intermediária. Caracteriza-se pela semelhança que
estabelece com o olhar humano no que se refere à
forma de perceber o mundo através da visão. Seu
ângulo de visão se aproxima do nosso olhar. Por isso
a normalidade.

Através do movimento da lente zoom, num mesmo


ambiente, pode-se perceber a mudança dos aspectos de
cada uma: na luminosidade, na profundidade de campo, nas
proporções da imagem e na quantidade de itens
enquadrados. A partir das peculiaridades de cada objetiva,
pode-se pensar em como ficará a nitidez na feitura da
imagem. Use a grande angular para maior profundidade de
campo e a teleobjetiva para focar apenas um item na
imagem.
Por fim, outra estratégia para lidar com a
profundidade de campo está no local onde se posiciona a
câmera em relação aos objetos de cena. Por um lado,
quanto mais próxima estiver a câmera do objeto a ser
filmado, maior é a possibilidade de desfocar o segundo

REC – uma iniciação à filmagem


55

plano. Por outro lado, se afastar do objeto de cena e acionar


a teleobjetiva diminui a profundidade de campo da imagem.
Para imagens de muita aproximação, use o recurso
macro da objetiva (se tiver), o qual possibilitará focar um
objeto estando há centímetros de distância dele.
Em alguns casos, você pode mover ou reposicionar
os objetos de cena para trabalhar o foco na sua filmagem.
Colocar as pessoas mais próximas entre si garante o foco nas
duas, por exemplo. Do mesmo modo, aproximar uma pessoa
da câmera e distanciar a outra não garante que as duas
estejam nítidas na imagem.
Agora, se você quer uma imagem em que o
personagem esteja em foco e todo o cenário não, uma
maneira de fazer isso é a seguinte: afaste-se o quanto puder
dele com a câmera e recorra ao zoom para aproximá-lo
oticamente. Afaste-o do cenário também. Regule o foco
nele. Deixe a mesma luminosidade para compensar na iris,
deixando-a mais aberta. Enquadre adequadamente e
pronto. Agora reflita por que o cenário está fora de foco.

O MOVIMENTO NA IMAGEM

A fotografia e a filmagem têm semelhanças. Os


princípios de registro de luz são os mesmos. A filmagem é
uma sucessão de fotografias, 24 por segundo, que se
consagra enquanto tal na visão pela persistência retiniana.
Por isso as noções de enquadramento, composição,
perspectiva, volume e profundidade de campo são válidas
para ambos os processos. Tanto que você pode praticar
esses princípios em câmeras fotográficas para aprimorar
suas habilidades na hora de filmar. Aliás, é necessário
praticar bastante, independente do equipamento de
registro.
Considerando, então, que os princípios
apresentados a respeito da construção da imagem são

REC – uma iniciação à filmagem


56

cabíveis tanto para a fotografia quanto para a filmagem,


qual seria a peculiaridade da imagem em movimento? Bem,
a própria pergunta mata a charada: o movimento.
Chamar atenção para isso parece bem lógico. E é.
Contudo, muitas vezes nos deparamos com situações nas
quais esquecemos a importância do movimento para a
filmagem. Ocasiões de filmagem que dificilmente permitem
algum tipo de movimento na tela. E aí fica parecendo que
não enxergamos o óbvio tão facilmente assim.
O movimento é relevante para a filmagem por três
razões: 1) por valorizar a principal característica da
filmagem; 2) por acentuar a verossimilhança da imagem; e
3) por seduzir o olhar do receptor. Saliento que uma grande
conquista dos inventores no final do século XIX foi
reproduzir o movimento na tela. E isso não foi simples.
Foram anos de pesquisa e experimentos. Portanto, até
mesmo por respeito à história, é importante prezar pelo
movimento na imagem.
Estamos cercados de seres animados e inanimados
no mundo. Os primeiros estão inclusos entre os seres vivos.
Já os outros fazem parte da natureza morta. Para o
operador de câmera, o raciocínio se dá da seguinte maneira:
os animados são os que apresentam movimento na tela,
enquanto os inanimados estão inativos. O carro, por
exemplo, está “morto” no estacionamento até que alguém o
tire de lá, dê “vida” a ele em relação às filmagens.
Então, quando filmamos pessoas, animais, trânsito,
praia, salão de dança, show musical, festas, entre várias
outras situações onde tudo se mexe, não há dificuldade para
fazer as coisas se moverem na imagem. É interessante
apenas organizar as ações no quadro a fim de criar harmonia
visual.
Agora, quando o conteúdo a ser filmado trata-se de,
por exemplo, placa de estabelecimento comercial, túmulo,
quadro na parede, sala de estar, enfim, ambientes e objetos

REC – uma iniciação à filmagem


57

totalmente inanimados, se faz necessário pensar em


algumas soluções estratégicas para pôr “vida” na imagem.
Há um princípio básico e lógico: se a cena não tem
movimento, você pode movimentar a câmera. Mas não é a
mesma coisa. Imagine uma imagem de duas pessoas
paradas, ou melhor, congeladas lado a lado, olhando para a
câmera. De repente, a do lado esquerdo da tela vira a
cabeça para observar a do lado direito. É fato que o olhar do
receptor se dirigirá para o movimento. Já se a câmera fizer
um zoom de aproximação com as pessoas congeladas na
tela, o espectador continua com a imagem na tela (que já
está ficando sem graça pela duração), às vezes nem
percebendo o recurso do zoom como atrativo. Quer dizer, se
puder criar o movimento em cena será melhor para seduzir
o receptor. Caso não tenha jeito, faça-o na câmera.
Classifico, assim, os movimentos da câmera como
ópticos e físicos (ver capítulo IV sobre os movimentos
físicos). O primeiro se dá através do foco, da iris e do zoom.
Já o segundo corresponde às andanças feitas com o
equipamento.
O princípio é que o olhar humano é seletivo. Quando
observamos uma imagem, não a decodificamos por inteiro.
Miramos os elementos contidos nela. Por essa razão,
imediatamente o olhar é fisgado pelos movimentos que nela
houver. Se for ao lado direito da tela, olharemos
imediatamente.
Trata-se de um jogo de criatividade. Existe um leque
de possibilidades para isto. Vai depender de você. Suas
ideias de construção das imagens entram em cena. Mesmo
assim, eis algumas situações de filmagem em natureza
morta e soluções possíveis.
As faixadas de empresas estão lá, inertes. E tem que
filmá-las. O nome da empresa tem que aparecer. Então,
pode ser interessante colocar a câmera do outro lado da rua
(se houver condição), fechar um enquadramento na placa e

REC – uma iniciação à filmagem


58

filmar carros passando pela frente da câmera, quase


borrando a imagem antes da visualização. Pode não ser
ensaiado, mas é possível. E o efeito soa muito bem. Com a
prática, percebi que os editores sempre escolhem essas
imagens na montagem de um vídeo.
Na falta de fluxo de automóveis, desse
enquadramento próximo você pode abrir lentamente o
zoom e mostrar o prédio como um todo. É uma opção muito
batida. Mas funciona.
Um objeto morto como um túmulo de cemitério
(sem trocadilho) tem sua peculiaridade. Caso não haja
pessoas passando no segundo plano da imagem, pode ser
interessante procurar as plantas por perto. Coloque-as na
imagem e deixe o vento mover as folhas (ou até coloca
alguém para movê-la). Ou, ainda, pede pra alguém soltar
uma folha seca para entrar discretamente na cena. Nesse
caso, um movimento suave é criado sem roubar a
centralidade do objeto principal. Caso não haja essa
possibilidade, começar a imagem do túmulo fora de foco e
colocá-la lentamente em foco implanta um tipo de
movimentação na imagem.
Sala de estar, cozinha, quarto ou banheiro. Não
podendo ter personagem, alguns objetos podem auxiliar o
movimento: ventilador, luz acendendo, cadeira de balanço
em ação, torneira aberta. Caso não tenha condição alguma,
uma solução é fazer uma mudança de foco de um objeto no
primeiro plano para um no segundo plano da cena, usando o
anel de foco manual. Ou movimentar a câmera da esquerda
para a direita, por exemplo, visualizando todo o ambiente.

REC – uma iniciação à filmagem


59

Objeto em movimento na imagem

Imagens de objetos luminosos: a luz do poste, por


exemplo. A luz pode ficar muito forte para as lentes da
câmera. Um movimento óptico pode ser feito com a iris,
fazendo a cena começar escura e ir clareando até se
compreender o que está sendo mostrado pelo operador de
câmera. Ou o contrário: a cena com luz estourada ficando na
medida certa de iluminação. Em suma, vale ressaltar que a
mudança de abertura da entrada da luz na filmagem
aparenta uma forma de movimentação.
Parecido com o foco, você pode colocar no modo
manual, abrir a iris e, em seguida, colocar no modo
automático. O movimento fica preciso, pois a câmera
ajustará rapidamente.
Movimentos também podem ser criados com
iluminação e sombras. Imagens no elevador, para simular o
movimento, colocam a sombra ou a luz subindo ou
descendo num intervalo de tempo adequado. Já em cenas
noturnas, o aumento da intensidade da luz simula o
movimento de veículos ou relâmpagos nas janelas.
Arquitetura histórica, prédios restaurados, casarões
antigos. Movimentos físicos da câmera, horizontais e

REC – uma iniciação à filmagem


60

verticais, câmera na mão ou tripé, mostrando o todo e os


detalhes, atestam a mobilidade da imagem. Movimentos
ópticos também funcionam bem. Se tiver a oportunidade de
colocar pessoas na cena, melhor ainda.
Filmar um vídeo institucional, por exemplo, pode ser
muito difícil, pelo fato de precisar de muitas imagens
agradáveis de um mesmo prédio. É preciso cuidado e
criatividade.
Imagens de estátuas. Podemos fazer um
enquadramento pelo qual perceba-se as nuvens em
movimento, no segundo plano da imagem.
Exposições artísticas são estáticas. A sala está
silenciosa e parada. Aguardar as pessoas chegarem para
observar as obras é bom para a imagem. Entretanto, o
espectador quer ver algumas pinturas pela filmagem. Então,
leves movimentos de câmera podem funcionar bem. Mas a
estabilidade, neste caso, está justificada. Relaxe, pois o
receptor é um pouco tolerante também.
O importante mesmo é procurar valorizar o
movimento na composição pictórica da filmagem sem
perder a centralidade do objeto principal, é claro. Não deixe
o movimento ser um ruído para a imagem. Faça-o quando
sentir que a imagem ficará melhor. Quando não der, tudo
bem. O importante é procurar uma boa solução visual,
tendo consciência da melhor feitura das imagens para seu
potencial espectador.

ATIVIDADES

1) Realize uma entrevista filmada com uma pessoa.


Faça três perguntas. Escolha o cenário, o local da

REC – uma iniciação à filmagem


61

pessoa e da câmera. Preze pelo enquadramento


mais adequado.

2) Faça a imagem de um objeto qualquer, buscando


mostrá-lo em perspectiva e/ou volume.

3) Filme uma imagem com pouca profundidade de


campo, mostrando nitidamente um objeto na
imagem. Em seguida, faça a mesma imagem com
muita profundidade de campo, mostrando todos os
objetos em cena.

4) Faça uma imagem de uma cena inanimada e crie


dois movimentos na câmera dessa mesma cena
estática.

REC – uma iniciação à filmagem


62

REC – uma iniciação à filmagem


63

III

COMPREENDENDO A LUZ

A luz é o princípio da informação visual. Trocando em


miúdos: a gente só enxerga o que está refletindo
raios luminosos. Uma sala escura faz com que os
objetos permaneçam invisíveis. Não vemos nada a um
palmo de distância. Então, fiat lux (faça-se a luz) e temos as
imagens do mundo à nossa frente.
Numa peça de teatro, por exemplo, o nosso olhar é
conduzido pela dramaticidade da iluminação desenhada
para as cenas. Os pontos iluminados indicam para onde
olhamos, apontam as ações principais a fim de que
compreendamos a história. Já o escuro do palco não chama
nossa atenção – raramente, talvez. Contudo, o escuro tem
seu valor dramático também.
Qual a diferença entre o dia e a noite? Em primeiro
lugar, a luz. Em seguida, todas as sensações e significados
que essa mudança sucinta.
Esse apontamento lógico é fundamental para reger
o raciocínio da pessoa que almeja filmar com qualidade, pois
filmar é, antes de tudo, registrar as ondas luminosas; é
grafar a luz, como sugere a palavra fotografia. Assim,
compreender a luz é de extrema importância neste trabalho.
Falo isso porque sei que quase nunca prestamos
atenção às fontes de luz que clareiam os ambientes os quais
frequentamos. Pouco nos importamos se a iluminação se dá
através da porta ou da janela do nosso quarto durante o dia.
Muito menos se a luz principal é interior ou exterior ao

REC – uma iniciação à filmagem


64

ambiente. Porém, essa atenção deve ser dada quando o


assunto é filmar.
A diferença é que a câmera não vê as coisas como
vemos naturalmente. O equipamento precisa de muito mais
(ou menos) luz para construir uma imagem parecida com a
que vemos no dia a dia. Pouca luz dificulta na qualidade da
imagem. Muita luz estoura. Fontes de luz mal posicionadas
criam sombras indesejadas. Objetos de cena em lugares
ruins também. Então, como sanar tudo isso?
Para isso, precisamos de mais cautela antes de
apontar a câmera para filmar um objeto qualquer. O
importante, assim, é saber como os objetos são iluminados
para serem filmados, e não para serem vistos por nós.

A POSIÇÃO DA LUZ

De onde vem a luz? Esta é a principal pergunta que


temos que nos fazer quando estamos em qualquer situação
de filmagem para saber onde colocar a câmera. Por que
isso? Exatamente por duas razões básicas: 1) porque
precisamos levar em consideração que a luz se manifesta de
forma unidirecional, ciente da sua condição retilínea; e 2)
porque todo ambiente pressupõe uma fonte de luz primária
incidindo sobre tudo que nele contém. Além de tudo isso,
estamos sempre aprendendo a ver.
Ao apontar um refletor para um objeto,
imediatamente o ponto iluminado terá visibilidade. Já o
outro lado do objeto, onde não há qualquer iluminação,
estará sombreado. Isso mesmo. Naturalmente, temos a ação
antagônica de luz e sombra sobre tudo que vemos
iluminado.
Sabemos, de fato, que as sombras são necessárias,
mas nem sempre são tão agradáveis para serem vistas na
imagem. Principalmente quando são mal pensadas. Lembre-

REC – uma iniciação à filmagem


65

se dos telejornais. Eles não demonstram nenhum sinal de


sombreamento no rosto do apresentador, por exemplo.
Um caso clássico é o do registro em situações
turísticas em que o pôr do sol é a principal atração. As
pessoas querem ser fotografadas (ou filmadas) com o sol
como pano de fundo. Resultado: o rosto fica escuro. Com
uma luz como essa, a solução é mandar outra fonte de luz
para iluminar o rosto, como o flash da máquina fotográfica.
Primeiro passo: visualize uma linha onde seu objeto
de cena se localiza. Ou melhor, um eixo em relação à luz
principal. Dela, identifique se a luz incide sobre ele, frontal
ou não. Para isso, observe bem onde a sombra dele está e se
ela atrapalha ou não a imagem.

Luz à frente do eixo

O passo seguinte, então, é sabermos que a luz incide


sobre os objetos de cena em seis direções: de frente, por
trás, pelo lado esquerdo, pelo direito, por cima e por baixo.
O máximo que pode acontecer, além disso, é o objeto ser a
própria fonte de luz, como uma vela, um globo terrestre
iluminado por dentro, o farol de um carro etc.

REC – uma iniciação à filmagem


66

A luz frontal é a mais usada para garantir o registro


das coisas filmadas. Por isso que algumas câmeras trazem
como acessório um ponto de luz na carcaça. Tipo o flash.
Contudo, quando iluminado apenas de frente, o objeto
tende a ficar chapado na imagem, quando não, cria uma
sombra ruidosa para a imagem. Mas isso pode ser sanado
com um pouco de atenção.
As luzes laterais são utilizadas para projetar um
sombreamento do lado oposto da fonte. Iluminando um
rosto, por exemplo, sua metade fica escura, o que contribui
para dar volume na imagem. A luz lateral é muito agradável
para ser vista. Os objetos iluminados de lado criam sombras
capazes de desenhar e dramaticizar com beleza. Ganham
textura.
A luz que se coloca de cima para baixo é a que soa
mais natural. É a luz que aprendemos a ver. Parece com a luz
solar. Ou com os postes e luminárias das casas. Joga a
sombra para o chão, o que não traz ruído visual para o
espectador. Quando o entrevistado está de chapéu, por
exemplo, aí sim temos um problema de sombra no rosto.
Mas tem solução.
De trás para frente, a luz cria uma silhueta sobre o
objeto filmado, tirando excessivamente a capacidade de
leitura do que está sendo mostrado de frente para a câmera.
Essa é uma forma ideal para registro de entrevista com
personagens que não querem ser identificados na filmagem.
E a luz que incide de baixo para cima é a mais
estranha entre elas. Vai de encontro à normalidade dos
pontos de luz do cotidiano (lâmpadas, postes, sol, janelas
etc.). Nessa direção, a fonte proporciona sombras estranhas
no rosto de uma pessoa. Se o objeto estiver perto da parede
pode criar uma sombra maior do que o próprio objeto na
imagem, proporcionando uma dramaticidade clássica às
cenas de suspense e terror.

REC – uma iniciação à filmagem


67

Luz em direções diferentes

Desta feita, perceba que é necessário trabalhar com


estratégias para poder lidar com o jogo de sombra e luz dos
objetos. De todo modo, a posição da luz modela as coisas a
serem filmadas.
O primeiro passo é saber qual é a luz principal do
ambiente em que filmamos. Todo ambiente tem a sua luz
primária. No quarto, pela manhã, pode ser a janela com a
luz solar. Já à noite, no quarto, é a lâmpada quem funciona
como ponto principal de luz. Em outro caso, filmando, a luz
primária do ambiente pode ser posta por você.
Ter consciência da luz do ambiente é básico. Neste
caso, entenda a luz ambiente não como luz natural, mas sim
como a luz correspondente ao modo como cada ambiente é
iluminado, ou seja, como está disponível a iluminação em tal
lugar a ser filmado. Preste atenção ao movimento do sol em
relação ao lugar onde você mora. As mudanças da luz. É um
jeito simples de educar nosso olhar.
Com essa compreensão, o cameraman estará ciente
de como posicionar melhor o seu objeto de cena, onde
colocar a câmera e como trabalhar para controlar a melhor
aparição os objetos na tela.

REC – uma iniciação à filmagem


68

Se a sombra for ruidosa para as imagens, por fim, o


ideal é recorrer a estratégias que possam resolver seus
problemas.

LIDANDO COM A SOMBRA

Sabemos, então, que toda luz gera uma sombra. E


que a sombra, algumas vezes, gera problemas para a
imagem. Mas nem sempre ela deve ser reconhecida ou
assimilada como algo negativo na filmagem. Pelo contrário.
Ela é natural e é ela quem modela os objetos. Por isso a
importância de saber lidar com isso.
Quando se quer iluminar algo, a atitude mais
sensata é jogar a luz sobre o objeto. De frente pra ele,
talvez. Como falei, há até câmeras que trazem esse recurso
consigo, de ter uma iluminação acoplada que aponta
diretamente para o alvo. Em momentos, isso pode ser ruim,
pela forma que modela o objeto para a imagem. Mas nem
sempre é assim.
Todo caso nos diz que devemos estar cientes da
necessidade de iluminar as coisas a serem filmadas, tendo
sempre em vista o comportamento das sombras para a
imagem que buscamos. Afinal, é importante montar
imagens naturalistas, como se não tivesse nossa
intervenção. Com sombras.
Em geral, dois tipos de luz devem ser entendidos a
partir de como incide sobre os objetos de cena: a luz dura e
a luz difusa. Enquanto o primeiro refere-se à luz
diretamente apontada para o objeto, com alta intensidade,
criando uma sombra bem demarcada, ou seja, dura, o
segundo trata da luz mais branda, amenizada por uma
superfície branca, filtrada, ou rebatida em algo, a qual
projeta um sombreamento suave do objeto iluminado.

REC – uma iniciação à filmagem


69

A luz do sol ao meio-dia é um exemplo de luz dura.


Na rua, ela projeta uma sobra aos nossos pés, pescoço e
olhos muito bem definida. Sombra escura, forte e marcada.
Enfim, dura.
Um canhão de luz de 1000watts apontado
diretamente para um entrevistado projetará uma forte
sombra, intensa, no lado oposto. E isso, de acordo com a
proposta, soará como algo negativo para a filmagem; uma
falsa imagem cheia de sombras feias. Além do mais, é
especialmente incômodo para o sujeito entrevistado na
ação, principalmente se a luz esquentar.
Já a mesma luz do sol dentro de um quarto com
cortinas brancas nas janelas cria uma luminosidade branda
para o ambiente. Aliás, mesmo sem cortinas, a janela tem
uma luz difusa maravilhosa. Os objetos contidos no espaço
não terão sombras duras, mas sim suaves. Nesse caso, o
pano funcionará como um tipo de difusor da luz. O positivo
para a imagem é que as sombras não trazem problemas
visuais. Quanto mais suave a sombra, melhor será o produto
final na tela.
O sol, ao ser encoberto por uma nuvem qualquer,
num dia nublado, passa a ser uma luz difusa, cujos
contornos das sombras são especialmente suaves e
aprazíveis. Isso seria um bom dia para filmar.
Quando se trata de gerar um ponto principal de luz
(uma key light ou luz de ataque), algumas são as estratégias
para suavizar a luz que incide sobre o objeto.
Primeiramente, o ideal é ter um difusor para o tipo
de equipamento de luz que se usa, isto é, um tecido branco
que é posto na frente da lâmpada, projetado para suportar
o calor. Porém, nem sempre temos isso em mãos. E, mesmo
assim, temos que armar uma luz difusa para a situação.
Então, vejamos algumas estratégias.
Em eventos, ao invés de direcionar a luz
diretamente para os participantes, você pode mirar a luz

REC – uma iniciação à filmagem


70

para o teto ou até para as paredes (de acordo com a


situação), o que rebaterá uma luminosidade bem mais suave
sobre as pessoas.
Em entrevistas, uma solução interessante é rebater
a luz em uma folha de isopor, fazendo o reflexo ir até o
entrevistado, ou filtrá-la com um pano adequado, caso
tenha o equipamento.
Casos de maior improviso, uma folha de papel
vegetal posta na frente da fonte de luz (150 ou 300watts),
presa com pregadores de roupa, suaviza a intensidade
incidente.
Nestes casos, é sempre bom posicionar a luz de cima
para baixo em relação ao objeto, o que proporciona a
projeção da sombra para o chão e que, dificilmente, estará
no enquadramento, de acordo com o que você precisa
filmar. Além de parecer uma luz natural.
Outra coisa importante. A distância que é mantida
entre o objeto e a fonte de luz faz variar a potência com que
se incide a luz sobre o objeto. Posicionar o canhão mais
distante projeta uma luz menos intensa, o que diminui a
visibilidade dos detalhes dos elementos de cena. Do
contrário, quanto mais próximo, mais intensa fica a luz e
maior é a definição do objeto para o espectador.
Uma parede com textura, por exemplo, vista pela
câmera com a luz bem próxima dela é diferente de
posicionar o canhão longe. Ao aproximar a fonte de luz,
chegará um momento em que não será percebida a textura
da parede na imagem, pelo estouro de luz e ausência de
sombras.
Enfim, suavizar a luz ajuda, mas não quer dizer que
elimina a sombra. Para tratar do sombreamento é
necessário termos outros pontos de luz, ou luz de
preenchimento (fill light ou luz de compensação), para a
construção de uma iluminação mais plástica.

REC – uma iniciação à filmagem


71

A luz principal pode ser gerada artificialmente em


vários ambientes. Contudo, numa filmagem na praia, de dia,
não dá para lutarmos contra sol. O ideal é trabalharmos com
fontes de luz secundárias, a fim de preencher o objeto, ou
utilizar grandes pedaços de pano branco denominados de
butterfly para tornar difusa a luz solar, minimizando os
problemas de sombreamento áspero. Nesse caso, podem
ser usados rebatedores de luz ou canhões adequados.
Normalmente, a luz primária é a mais forte. Uma luz
secundária deve ser mais fraca para, assim, poder
compensar a sombra. Exemplo: se colocarmos uma luz de
1000watts posicionada diante/à direita de um entrevistado,
devemos compensar com uma luz de 500watts diante/à
esquerda, difusa, para amenizar o sombreamento do rosto
dele. Isso com os canhões na mesma distância em relação ao
objeto.
A finalidade da compensação é fazer a câmera
enxergar nas sombras, amenizar os pontos escuros e criar
bons contrastes na imagem.
Neste sistema de iluminação, além das suas luzes de
frente, uma contraluz (backlight ou luz de recorte) também
se faz necessário. Trata-se de um recurso importante para
acentuar a tridimensionalidade na imagem. Ela cria um
contorno luminoso sobre o objeto ou personagem de cena,
destacando-o do fundo do cenário, recortando-o.
Imagine uma pessoa com cabelo escuro num cenário
escuro. É a luz de recorte quem vai separar os itens desta
imagem. Ela tem que ser luz dura.
Os cuidados estão em não apontar diretamente para
a câmera e, de acordo com a proposta, não deixar o
equipamento aparecer na imagem. Sua intensidade também
não pode ser maior que a luz primária para não sombrear o
rosto do personagem. Mas pode ser de 1000watts também,
posicionada de cima para baixo, em oposição à luz primária.

REC – uma iniciação à filmagem


72

Iluminação de três pontos

Esta iluminação de três pontos é um modelo básico


para um tratamento adequado de uma imagem de alguém
ou algo. Deste princípio, pode-se partir para o trabalho com
menos ou mais pontos de luz e suas compensações corretas.
Entretanto, cada situação pode pedir posicionamentos de
luz peculiares. Às vezes, uma janela é o suficiente. O
importante mesmo é ter a consciência de armar uma luz
esteticamente correta para ser vista na tela, com bons
contrastes.
Por falar em contrastes, todo fotógrafo deve estar
atento às relações de contraste. Isso é quase tudo na
imagem. Às vezes, uma parte da tela tem mais luz que a
outra e o objeto principal está muito escuro. Entenda o
contraste e procure uma solução. Mudança de luz, de plano,
de angulação, de posição da câmera, de número F, de lugar
do objeto.
Em suma, devemos ter luz para as boas filmagens.
Contudo, todo cuidado é pouco ao pensar em compensar
fontes primárias de luz, não apenas em relação à quantidade
exata, como também com a qualidade da luz utilizada.

REC – uma iniciação à filmagem


73

QUALIDADE DE LUZ

Iluminar algo não é simplesmente colocar mais luz. A


priori existem tipos diferentes de luz. Algumas lâmpadas
deixam nítida a diferença nas cores. Aos olhos, muitas vezes,
certas diferenças passam despercebidas. Porém, na tela não
escapa. E, por sua vez, prejudica o resultado da imagem.
No registro em preto e branco, se põe em jogo o
contraste entre sombra e luz na imagem. Torna-se de
grande valia uma estética montada entre o clarão e a
escuridão.
Com as cores na imagem, as luzes passam a dar mais
trabalho para os diretores de fotografia. Principalmente pela
variação de tonalidade que determinadas fontes de luz
apresentam na tela.
No geral, luz é onda eletromagnética que sensibiliza
nosso olhar. O que vemos existe em frequências
delimitadas, numa faixa específica entre infravermelho e
ultravioleta. Estas são invisíveis. Enxergamos do vermelho
ao violeta, nos extremos, passando pelas cores do arco-íris.
Basta pegar um CD e olhar para a parte de baixo
dele que logo verá o reflexo do espectro de cores da luz.
Assim, a luz tem três cores primárias: vermelho,
verde e azul – sistema RGB (a soma delas dá luz branca).
Cada fonte de luz pode ter uma colocaração específica.
Lembre-se da diferença de cores entre a luz do nascer do sol
e do começo da tarde. E que cores tem a luz da noite?
Postes, fluorescentes, velas, faróis de carro.
Os ambientes em que vivemos nem sempre são
iluminados o suficiente para as câmeras. É preciso mais luz.
Por essa razão, é necessário ter cuidado com a qualidade da
luz para se filmar. Vale iniciar, então, afirmando que é

REC – uma iniciação à filmagem


74

preciso fazer uma distinção entre a luz através da


temperatura de cor.
Tipos de iluminação se diferenciam por algumas
características, além da mais visível (a artificialidade e a
naturalidade): partem de fontes de luz totalmente distintas
e possuem temperaturas de cor específicas, o que possibilita
outra coloração para a imagem.
O sol é a maior fonte de luz que possuímos. Ainda
por cima, é nossa principal fonte de luz natural. Seria um
desperdício tentar contrariar o sol numa filmagem externa.
Para isso, trabalhe sempre com ele. Nunca contra ele.
Em relação à temperatura, a luz natural possui uma
média peculiar de 5.600 a 7000 graus Kelvin, denominada de
daylight. Quando equalizada para outro tipo de luz, a luz
natural é percebida pela câmera como sendo azulada.
A desvantagem é a instabilidade solar. Entenda-se:
de repente, sem que tomemos partido, pode-se alterar
facilmente a luminosidade de uma cena. Basta uma nuvem
passar na frente do sol que temos mudanças na intensidade
da luz. Assim, não se estabelece um controle absoluto com a
luz natural. Contudo, fornece uma luminosidade totalmente
realista para a imagem.
É interessante observar que a luz natural para
filmagens pode ser artificializada, para se buscar mais
realismo. Parece contraditório, mas não é. Usam-se certos
artefatos para lidar com a luz para filmagem, tais como:
rebatedores, butterfly, difusores, gelatinas etc., tudo a fim
de criar fontes secundárias e amenizar sombras.
Existem lâmpadas daylight para o preenchimento de
luz nestes casos. Ideal para externas pela homogeneidade
criada na iluminação. Quando não são lâmpadas corretas,
pode-se usar gelatinas de correção de cor. Neste caso, azul.
Trata-se, portanto, de um tipo de ação produzida
artificialmente, que busca dar condições de uma imagem

REC – uma iniciação à filmagem


75

mais naturalista na tela. Sobretudo, não confunda a


tipologia.

Temperatura de cor

Já a iluminação artificial, é projetada por


equipamentos para montar uma luz para filmar. Diferentes
da temperatura de cor do sol, as luzes artificiais são
conhecidas como tungstênio, com 3.200 graus Kelvins. Ela
aparenta uma tonalidade amarelada na lente da câmera.
Hoje existem lâmpadas com várias temperaturas de cor. É só
conferir na embalagem.
A luz artificial segue princípios de montagem (como
visto anteriormente), partindo do princípio das três luzes.
Mas tenha o princípio de que a luz sempre deve ser
construída de acordo com o tema filmado, o que pode gerar
uma variação ilimitada para os planos de iluminação. O
melhor método a se seguir é pensar em como a luz pode
contribuir para a sua imagem naquele momento.
Com o total poder de controlar a luz, as filmagens
sofrem menos problemas para a execução. Tudo está à mão.
Pouca coisa pode interferir ruidosamente quando se trata
de luz.

REC – uma iniciação à filmagem


76

Vistas as diferentes tonalidades dadas pela


qualidade de luz, cabe recorrer sempre ao white balance da
filmadora. É ele quem vai tornar qualquer uma das duas
luzes esbranquiçada para a gravação. Como dito antes, basta
apontar a câmera para uma superfície branca no ambiente,
iluminada pela luz em questão, e apertar o botão para
balancear. Independente da temperatura de cor, ela ficará
branca para a câmera. E as cores das coisas ficarão como
pensamos que são.
Mas prestemos atenção. Em muitos casos, os
ambientes de filmagem contam com a presença das duas
qualidades de luz (filmagem num quarto, de dia, com a
janela aberta e um refletor ligado). O resultado na imagem é
a presença de uma ou duas cores. E isso pode ser ruim.
Assim, se torna fundamental buscar estratégias de
homogeneização do tipo de luz contido num ambiente.
Vejamos algumas possibilidades.
Com um número suficiente de refletores, o ideal é
bloquear as entradas de luz solar no ambiente e iluminar o
objeto apenas com luz artificial. Fechar as portas e janelas.
Do contrário, abra todas as entradas de luz natural e utilize-
a. Use rebatedores para as compensações e trabalhe com
apenas um tipo de luz. No caso de lâmpadas daylight, não
há problema algum em compensar artificialmente.
Se essa possibilidade não existe, entenda que a
câmera tentará equilibrar as luzes (mas não chegará a um
resultado homogêneo absoluto) quando o white balance
está no automático. De acordo com o trabalho que se
realiza, essa é uma solução.
Ainda pode-se solucionar através de filtros para a
lente e gelatinas para os refletores, a fim de transformar a
coloração da luz. Gelatinas azuladas nos refletores
tungstênio modificam a qualidade da luz, a temperatura de
cor. Como também com gelatinas amareladas, inseridas nas
janelas, por exemplo, dá-se uma unidade tungstênio à luz

REC – uma iniciação à filmagem


77

natural. Ou filtros azulados e amarelados para a lente da


câmera compensarão de acordo com sua necessidade
também.
A iluminação mista do ambiente deve ser controlada
com primor. Pois, facilmente, uma janela azulada batendo
num rosto iluminado com luz amarelada, de dia, pode soar
como um ruído imagético ou ineficácia do cameraman.
Depende da proposta. À noite já melhora.
A finalidade é dar boa atenção à luz por ser o
princípio da constituição de uma boa imagem. Artificial ou
natural, a ideia é criar um plano realista e nítido para que
pareça a própria vida que esteja à nossa frente, na tela.

A ARTE DE ILUMINAR

A luz é uma arte na filmagem. Tem uma função


dramática demarcada. É quase um ator contracenando na
narrativa. Assim como no teatro, o iluminador faz parte de
toda dramaturgia, recortando ações, destacando atos,
marcando lugares no palco, criando atmosferas. Contribui
com o sentido do que será visto.
Pensar na estética das imagens pela luz é inventar
um campo visual harmonioso, bonito de ser visto, no qual a
forma obtém coerência com o conteúdo do que será
mostrado. A finalidade é de contar algo com mais comoção
para o espectador, mexendo com os sentimentos das
pessoas, construindo beleza e impacto nas imagens, a fim de
melhorar a assimilação do que se vê.
Dito antes, em alguns momentos, cabe agora
repensar melhor como a forma de iluminar é determinante
para se retratar, através da câmera, certos conteúdos.
Assim, de muito já se experimentou na trajetória do
audiovisual e é preciso tomar conhecimento de algumas
experiências bem sucedidas.

REC – uma iniciação à filmagem


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Na Alemanha dos anos 1920, o cinema


expressionista ganhou destaque pelo seu trabalho
dramático com sombras e reflexos. Seus filmes incluem
temas psicológicos, relacionados a sonhos, delírios, medos e
angústias. O sombreamento nas imagens foi uma maneira
de mostrar ao público esses aspectos introspectivos dos
personagens. Em preto e branco, entre o claro e o escuro,
ou até tonalidades mais tensas, intensificou-se o contraste
como expressão maior da fotografia.
Lembre-se de ambientes noturnos, em filmes de
suspense ou terror, em que apenas a sombra do vilão é vista
pelo mocinho e pelos espectadores. Isto causa curiosidade e
medo para o público.
Algumas vezes a silhueta de alguém também é
usada como uma maneira de preservar a identidade do
personagem ou entrevistado, como nas entrevistas
televisivas de assuntos delicados. Esta é uma estética da luz
também muito recorrente.
Veja, ainda, comerciais que trazem temas
comoventes, como uma campanha contra a violência.
Normalmente, os atores são postos em ambientes sombrios,
com apenas a metade do rosto iluminada.

REC – uma iniciação à filmagem


79

Estética expressionista

A dramaticidade da luz também pode ser vista e


estudada nas artes plásticas. Desde muito tempo, os
pintores perceberam que a luz modela os objetos na
imagem e contribui para dizer algo a mais em seus quadros.
Grandes fotógrafos fazem uso da luz com primazia. A
literatura e a música descrevem cenas capazes de fazer a
gente pensar em luz, em imagem, em como seria filmado
aquilo. Eis uma atividade constante para a criatividade.
A partir de nossas experiências visuais, ficamos
atentos para as formas de iluminar as coisas. Seguem
algumas dicas então.
Filmagens de ator interpretando textos, poemas,
letras de música, ficam interessantes quando contrastados
luz e sombra no rosto dele, vinda da lateral ou de baixo para
cima, depende da intensidade do que ele diz. Obras infantis
já demandam outro visual.
Ambientes com fogueiras ou velas fazem
predominar a tonalidade amarelada das luzes, pois parecem
ser mais naturais à cena. Farol de veículos também. Mesmo
assim, é sempre bom ter uma compensação pela
insuficiência de certas fontes.
Cenas noturnas iluminadas por lanternas nas mãos
dos personagens ou abajur em ambientes internos causam
movimentos ou recortes interessantes para a imagem. Aliás,
qualquer objeto luminoso que seja natural do ambiente
filmado será bem aceito como a justificativa da luz: abajur,
lanterna, lareira, janela, vela, candeeiro etc.
Ainda falando em ambientes noturnos, o uso de
objetos reflexivos é positivo para a filmagem. E não interfere
na cena. Por exemplo, imagens de rua. Perceba que, à noite,
as ruas estão quase sempre molhadas nos filmes. Ou
personagens negros. Algumas produções passam um tipo de

REC – uma iniciação à filmagem


80

óleo na pele dos atores para valorizar o reflexo neles, visto


que o preto não reflete luz.
Dica para noite, ainda. Se ilumina de trás pra frente.
Contraluz forte e compensação suave no rosto dos
personagens. Isso dá uma sensação de escuro.
Outra questão que se torna importante quando se
fala em estética e iluminação é saber como podemos lidar
com as cores da luz.
Como vimos, a luz branca é formada pela junção das
três luzes primárias: vermelho, verde e azul. Dentre elas, a
combinação do vermelho com o verde resulta na cor
amarelo; já o azul com o vermelho dá magenta; enquanto o
azul junto com o verde é ciano. São as cores compostas ou
secundárias da luz.
Com o white balance você pode não se preocupar
apenas com o reconhecimento do branco pela câmera, mas
também acentuar algumas das cores intencionalmente,
desde que tenha noção de como funciona o sistema de
cores.

Estrela de cores

REC – uma iniciação à filmagem


81

Primeiro passo. Confira esse gráfico na internet –


procure por “cores da luz” – e pegue lápis de cor para colorir
e melhorar sua referência visual aqui.
Pela estrela de cores, podemos trabalhar por
oposição. Explico: se você balancear o branco numa
superfície azulada, por compensação a câmera acentuará a
cor amarelo, a qual está no lado oposto no gráfico. Se a
superfície for vermelha, a textura da imagem será ciano. Se
for amarela, ao contrário, a imagem na câmera ficará
azulada. Experimente!
Ciente disso, a imagem de determinados conteúdos
pode ser marcada por cores na tela.
Temáticas mais quentes, como comerciais
ambientados na praia, por exemplo, são filmados com uma
coloração amarelada na imagem, feita intencionalmente
através do equilíbrio de cor, luz ou filtro. Em ambientes
fechados, conturbados, o amarelo ou o vermelho muitas
vezes pode acrescentar uma sensação de mal-estar para o
espectador. Trata-se de cores quentes.
Em um caso de vídeo institucional, por exemplo,
onde a cor adotada pela empresa é o azul, vale balancear o
branco para azular um pouco a imagem. Para temáticas frias
e ambientes empresariais estáveis, o azul aparenta, em
certos casos, uma tonalidade de equilíbrio e harmonia na
tela.
A noite, por exemplo, é meio fria. Muitos filmes
azulam os ambientes noturnos e frios. Com a imagem
esverdeada ou ciano, batendo o branco no magenta ou no
vermelho, você pode simular um ambiente noturno na tela,
como visto em filmes de terror ou reality shows.
Para filmar alimentos é preciso tomar partido da
sensação de calor ou frio da comida. As cores dos objetos
também podem insinuar a temperatura de cor ideal. O
importante é não abusar disto ou fazer disto um defeito.

REC – uma iniciação à filmagem


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Por fim, a imagem em preto e branco também é um


recurso que se relaciona esteticamente com as soluções do
filme. Muito usado em temática do tipo “transformação” do
sem cor para a cor, isto é, alguém que era triste e encontrou
a felicidade; alguém que era pobre e ficou rico; alguma
instituição que transformou a sociedade. Enfim, filmes que
começam em preto e branco, numa fase do personagem, e
ficam coloridos na outra.
Assim, diversos são os exemplos e processos a
serem criados pelo cameraman na construção de uma
concepção estética para a cena que será filmada. Assim
sendo, duas lições precisam ser apreendidas aqui: 1) não
existe limite. Trata-se de um processo criativo constante.
Aproveite tudo que possa contribuir com a iluminação na
sua imagem; 2) assista aos filmes estando atento às soluções
do diretor de fotografia. É importante aumentar o
repertório a partir do que se assiste. Por fim, experimente
iluminar algo sempre que possível, principalmente quando
se necessita de uma solução para gravar algo jamais visto
por você. Fiat lux.

ATIVIDADES

1) Pegue uma lanterna e ilumine o mesmo objeto a


partir das seis posições que a luz incide sobre as
coisas. Filme-o e veja as imagens.
2) Perceba a luz ambiente da sua casa e posicione o
objeto a ser filmado com a luz existente. Ilumine-o
com mais de um ponto de luz para trabalhar a
sombra.

REC – uma iniciação à filmagem


83

3) Prepare a câmera para gravar, equilibrando o


branco de acordo com a luz que você tem
disponível.
4) Como você iluminaria e filmaria uma casa funerária?
Tente fazer uma imagem.

REC – uma iniciação à filmagem


84

IV

FILMANDO PARA UMA NARRATIVA

T oda filmagem é uma narrativa. Por menor e mais


mal feita que seja, ela sempre conta algo para
alguém. Uma foto ou uma pintura é uma narrativa.
Difícil mesmo é dizer nada a alguém quando se produz
objetos simbólicos.
Desta feita, o nosso trabalho de filmagem
representa um processo informacional, onde há sempre um
emissor que produz uma mensagem para ser interpretada
por um receptor.
Há muito se pensou que o simples fato de colocar
uma câmera para filmar algo era um processo mecânico, no
qual não se percebia a intervenção de alguém sobre a
máquina. Totalmente diferente do pincel do artista plástico
que o manuseava como uma extensão da sua emoção,
marcando sua subjetividade, sua arte.
Mas não demorou muito para se considerar a
câmera noutro ponto de vista. Clássicos do cinema
mostraram que qualquer mudança na posição da câmera
pode modificar o resultado das gravações. As imagens
podem significar coisas diferentes de acordo com a forma de
filmar.
Desde então, é válido considerar a câmera como um
instrumento parcial, com o qual o cinegrafista tem condição
de empregar gestos sutis, capazes de contribuir com o que
se quer mostrar. Cada plano, ângulo ou movimento de
câmera escolhido e usado expressa sentidos sobre o que

REC – uma iniciação à filmagem


85

está sendo filmado. E o espectador, de modo consciente ou


inconsciente, absorverá isso.
Percebe-se, a partir daqui, que nada será gratuito
quando se filma. Haverá imagem que sairá do controle e
significará algo que jamais passou pela cabeça de quem a
gravou. Só pela liberdade interpretativa de quem a vê.
Filmar para as narrativas requer minuciosa atenção.
Exige conhecimento do roteiro por parte do cameraman
para melhor traduzi-lo em imagens. Ideal para a
sistematização de seu plano de trabalho, prezando pelo que
será dito ou visto. Enfim, todo cuidado é muito pouco
quando for pousar a câmera num local para realizar uma
filmagem.

PLANOS E ANGULAÇÕES

Ao se preparar para filmar, você sabe exatamente


onde e como posicionar a câmera? E, ainda, por que usá-la
desta maneira? Inicialmente, é preciso estar ciente de que, a
cada posicionamento da filmadora, suas imagens poderão
estar suscitando significados diferentes. Enfim, o que se
quer dizer com a câmera? E como fazer isso?
Através dos planos e ângulos, encontramos por
onde começa um trabalho de conscientização sobre o
posicionamento da câmera para a narrativa. Vamos por
partes.
Os planos representam uma espécie de “gramática
das imagens”, como dizem. Convencionou-se definir alguns
planos como uma maneira de criar uma lógica sintática
imagética para a composição de uma narrativa audiovisual.
São funcionais, também, para se estabeler uma
comunicação sobre o que se quer em termos de imagem.
Essa convenção é elaborada em relação ao corpo
humano na tela. De acordo com a medida do corpo na tela,
os planos desenvolvem uma função dramática para a

REC – uma iniciação à filmagem


86

narrativa. Em alguns casos, essas predeterminações de


sentido podem ser subvertidas. Assim, vejamos, de maneira
geral, os planos.
Classificam-se os seguintes planos da gramática
visual: Plano Geral (PG), Plano Conjunto (PC), Plano
Americano (PA), Plano médio (PM), Primeiro Plano (PP),
Close up e o Plano Detalhe (PD). Tais planos seguem uma
escala de aproximação da câmera em relação ao corpo
humano na cena.
O PG enquadra o maior espaço visível em relação ao
personagem, descrevendo o ambiente em que ele se
encontra. Por exemplo, um plano geral da praia onde o
personagem está velejando. Normalmente, trata-se de um
plano descritivo para o receptor, para situá-lo em espaço e
tempo na narrativa. Em casos específicos, o PG é capaz de
expressar imensidão ou solidão, como numa imagem do
personagem sozinho numa ilha.

Imagem descritiva para contextualização narrativa

O PC apresenta o grupo de pessoas presente num


determinado lugar, dando a possibilidade de vê-los com
mais detalhes. Três pessoas conversando na frente de uma

REC – uma iniciação à filmagem


87

casa, vistas dos pés à cabeça, formando um conjunto de


pessoas. Ele já apresenta para o espectador os personagens
da narrativa.
No PA, o sujeito aparece dos joelhos para cima. Sem
tanta ambientação. É típico dos filmes americanos de
faroeste, onde os personagens precisavam mostrar a arma
na cintura sendo sacada no duelo.

Medidas por aproximação

O PM já corta pela cintura, como no caso dos


apresentadores de telejornais, na tevê. Seguindo a ordem
das coisas, o PP é o plano do tórax para cima; um pouco
abaixo dos ombros, talvez. Ótimo para entrevistas,
principalmente, em pé. O close up já passa a mostrar só o
rosto do apresentador na tela. Pode ser, também, um close
up das mãos do sujeito. E o PD, ainda nesse percurso de
aproximação, se atém aos detalhes como, por exemplo, o
olho esquerdo de alguém.

REC – uma iniciação à filmagem


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Planos mais fechados

Para além dos planos referenciados, temos ainda


mais duas convenções universais sobre a sintaxe das
filmagens. Talvez até pudessem ser referenciadas como
movimento de câmera, porém não há problema de serem
citados neste momento. A primeira se trata do Plano
Sequência (PS), enquanto a segunda convenção é a Câmera
Subjetiva.
Cena longa. O homem sai do seu quarto no
apartamento, passa pela porta da entrada sem fechá-la,
desce a escada em direção ao estacionamento, entra no
carro, liga-o e sai. A câmera o acompanha de forma
contínua, sem cortes, cobrindo toda a ação. Isso é um PS. Ele
perpassa vários planos com a câmera em movimento. Em
sua maioria, são planos longos e muito ensaiados para
serem executados. Não tem corte. Quando bem realizado,
soa com muito glamour no resultado das imagens para o
espectador.
A subjetividade corresponde ao universo interior das
pessoas. Para tanto, ao contrário da objetividade
preponderante da câmera nos filmes, a câmera subjetiva
representa o olhar dos personagens em ação. O que está

REC – uma iniciação à filmagem


89

sendo mostrado é porque o personagem está vendo. Um


personagem com miopia, por exemplo, vê as coisas fora de
foco sem os óculos. Neste caso, quando a câmera simular o
que ele está vendo, ela pode usar o recurso do foco. É um
tipo de ação da filmadora que chega a representar o estado
psicológico, emocional e íntimo dos personagens.
Em relação à planificação como um todo, há uma
variação de acordo com as explicações e as convenções
criadas para isto. Por exemplo, se o objeto de filmagem
agora for uma flor. A imagem dela é um plano conjunto do
objeto ou um detalhe da planta?
Alguns livros apresentarão outras convenções,
provavelmente. O importante aqui é o uso de tais códigos
para a comunicação dentro do campo da filmagem. Um
meio de fazer o diretor ser compreendido pelo cinegrafista e
toda a equipe.
Ainda há de levar em conta a relação cultural de tais
planificações e sua usualidade. Trata-se de regras de sintaxe
de cada grupo social. Basta ver filmes orientais para notar a
diferença em relação às convenções citadas. Enfim, como
todas as regras, elas servem para serem rompidas. Quer
dizer: deve ser feito desde que haja muita criatividade para
subverter essas convenções, com base artística e atitude
experimental, mostrando algo interessante e novo.
Já a angulação ou ângulo da câmera refere-se à
altura da câmera em relação ao objeto filmado, personagem
ou cenário. Assim como a convenção gramatical dos planos,
a angulação também ajuda a construir a carga dramática da
imagem em relação à cena.
Basicamente, podemos identificar quatro tipos de
angulação possíveis. São eles: ângulo normal, ângulo baixo,
ângulo alto e o ângulo inclinado.
O ângulo normal se dá quando a câmera está
posicionada na altura da visão do personagem filmado.
Permanecem, em média, entre 1.50 e 1.80 metros de altura

REC – uma iniciação à filmagem


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acima do chão, ou seja, posiciona-se a câmera na altura dos


olhos de uma pessoa em pé. Se ele estiver sentado ou se for
uma criança, siga a regra: ponha a câmera na altura do olhar
dela. Esse posicionamento dá uma ideia mais estável de
realismo imagético, uma normalidade em relação ao
personagem, como se a câmera estivesse abstraída da
filmagem. Tudo fica brando.
Com a câmera mais baixa do que um metro de
altura se dá o ângulo baixo. Caso o objeto de cena seja
elevado, como, por exemplo, em cima de uma plataforma
ou escada, também temos um ângulo baixo. Enfim, é a
relação que a câmera estabelece com o objeto filmado que
determina a angulação. Essa posição é denominada de
contra plongée. A câmera baixa transparece uma ideia de
grandeza, poder, imensidão para o objeto filmado. Aumenta
a importância do personagem, fazendo-o superior.
Do contrário, com a câmera acima da altura dos
olhos de um personagem em cena, ou mesmo abaixando o
objeto filmado, temos um ângulo alto. Este posicionamento
auxilia na composição, pois ele demonstra uma ideia de
maior espaço na imagem, principalmente nas filmagens em
ambientes pequenos. As câmeras de segurança, por
exemplo, ficam sempre no alto em seus ambientes, para
uma visualização mais abrangente. É o chamado plongée
(mergulho, em francês). Facilita a composição de PG e o
segundo plano da imagem ganha novas perspectivas. Enfim,
como produto final, preenche melhor a tela. Em relação ao
objeto de cena, a câmera superior exprime o sentimento de
inferioridade, fraqueza, derrota, sofrimento, nos
personagens. Diminui a importância do sujeito filmado.

REC – uma iniciação à filmagem


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Os quatro ângulos

Como toda regra tem exceção, aqui não precisa ser


tão diferente. No caso da imagem de uma multidão, de
criação de animais, de cidades, vista de cima para baixo, por
exemplo, a câmera alta apresenta outra conotação: como a
imensidão, a grandeza ou a força. Como também a câmera
baixa combinada com uma lente grande angular pode
distorcer o personagem, dando-lhe ar de loucura.
Para fotografar uma criança, por exemplo, já que
naturalmente as olhamos de cima para baixo, pela nossa
altura, leve a máquina à altura dos olhos dela, num ângulo
normal. No resultado você notará a diferença pela posição
da câmera. Vale à pena praticar.
Por fim, o ângulo inclinado trata da colocação da
câmera de forma oblíqua. Este posicionamento torto pode
ser combinado com os outros ângulos. Por exemplo, uma
câmera baixa e oblíqua. Sua finalidade dramática é
expressar o desequilíbrio psicológico dos personagens ou a
instabilidade dos ambientes. Expressa, ainda, uma condição
mais ativa em relação ao objeto de cena. E, ainda, pode criar
enquadramentos inovadores pelo reposicionamento
geométrico das coisas.

REC – uma iniciação à filmagem


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Assim, a angulação da câmera tem um papel tão


importante quanto os planos na composição das imagens.
Ambos são capazes de influenciar nos sentidos das
narrativas em jogo, fortalecendo a dramaticidade das cenas.
Resumindo: trata-se de reconhecer a capacidade de “fazer a
câmera falar”. Além de ajudar a saber onde posicionar a
câmera a cada filmagem.

MOVIMENTOS DE CÂMERA

A filmadora pode ser um agente da ação. Ela


também atua. Após as primeiras experiências de filmagem,
no final do século XIX, não durou muito para se descobrir
que não apenas os personagens se movimentavam diante
da câmera, mas que a câmera também podia se movimentar
na cena.
Portanto, há várias maneiras pelas quais a câmera se
movimenta. Sendo assim, classificamos aqui os movimentos
em dois níveis: físico e óptico.
Em resumo, os físicos referem-se aos que movem a
câmera durante a filmagem. Os ópticos são os movimentos
gerados, com a câmera parada, através dos recursos da
filmadora. Assim, os movimentos físicos básicos são a
Panorâmica (PAN), o Dolly e o Travelling. Já os ópticos são
realizados através do zoom, do foco e da iris (visto no
capítulo II). Vejamos.
A panorâmica é o movimento de câmera cujo
equipamento permanece fixo num pedestal imóvel. Nesse
caso, apenas a câmera se movimenta afixada sobre um
mesmo eixo. O movimento panorâmico pode ser realizado
de dois modos (horizontal e vertical) e em quatro direções
(direita, esquerda, para cima e para baixo).
Normalmente, a PAN se refere aos movimentos
horizontais que a câmera é capaz de fazer, ou seja, para a
direita e para a esquerda sem sair do eixo. Por exemplo, a

REC – uma iniciação à filmagem


93

câmera, em PC, mostrando uma casa de uma vila, se dirige


para a direita, percorrendo outras casas. Ou numa praia,
onde a imagem mostra o litoral de uma ponta a outra.
O movimento panorâmico de cima para baixo ou de
baixo para cima pode ser denominado de tilt ou PAN
vertical. A câmera continua no mesmo eixo, agora se
movendo verticalmente. Por exemplo, para descrever uma
pessoa começando pelos pés e indo até o rosto necessita de
uma PAN vertical de baixo para cima.
O movimento dolly já se refere ao movimento total
da câmera, com o pedestal se movendo, em direção ao
personagem focalizado na cena ou o afastamento dele,
saindo do seu eixo. A expressão é dada ao acessório com
rodas que é posto no tripé da câmera. Para tais comandos,
utiliza-se as expressões dolly-in para a aproximação da
câmera, e dolly-out no caso de se distanciar do personagem
focalizado. Um tipo de travelling.
Ao se movimentar por completo, para cima e para
baixo, dá-se também o título de dolly, nesse caso é vertical.
O equipamento vai por completo ao movimento.
Normalmente, esse movimento pode ser mais bem
executado com uma grua.

Movimentos de câmera

REC – uma iniciação à filmagem


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Já o passeio que a câmera dá pela cena, num


carrinho, pode ser denominado de travelling. Trata-se, em
suma, dos movimentos laterais (direita e esquerda) no qual
a câmera vai por completo, acompanhando a cena, fazendo
um passeio pela locação. Seria fácil de visualizar se
pensarmos numa fila de pessoas cuja câmera vai passando
por elas, mostra cada uma delas, da esquerda para a direita,
em PP.
O travelling é conhecido pelo “carrinho” da
maquinaria, usado nos sets de filmagem preso nos trilhos,
fazendo com que a câmera realize, de fato, uma “viagem”
pela cena. Enquanto na PAN a câmera permanece no seu
eixo, no travelling ela sai do seu eixo. Imagens feitas de
dentro do carro, de uma lancha ou de um helicóptero se
enquadram num tipo de travelling.
O zoom, por sua vez, é mais um efeito de
movimento. Trata-se do movimento da distância focal na
lente, o qual tem a capacidade de aproximar ou afastar o
campo visual da câmera. Seus comandos são determinados
por zoom in, no caso da aproximação, e zoom out, para o
distanciamento da imagem.
Apesar de ter função semelhante à dolly-in e out,
eles possuem efeitos dramáticos e visuais distintos. São até
combinados em alguns filmes de suspense. A diferença de
seus movimentos é um tanto perceptível quando
visualizados na tela da TV ou do cinema.
No caso dos outros movimentos ópticos, o foco ou a
iris, simulam, ainda, uma espécie de movimentação na cena.
A mudança de foco na imagem conduz a uma movimentação
visual na tela que faz o receptor perceber uma ação, assim
como a abertura da iris expressa um tipo de movimentação
da luz. Em cenas em que temos dois personagens – um
próximo à câmera e o outro distante –, uma mudança de
foco, do segundo para o primeiro, guia o olhar, dando
vivacidade à cena. Como também a imagem de uma janela

REC – uma iniciação à filmagem


95

aberta em que, através da iris, a luz vai ficando mais forte


até deixar a cena toda branca.
Outras denominações definem movimentos
específicos da câmera nas filmagens, como os casos do Pião
e do Chicote. O pião é quando a câmera faz um travelling
em curva fechada, circulando em até 360 graus o
personagem focalizado. Por exemplo, cenas de beijo em que
a câmera gira em torno da ação do casal. Já o chicote, trata-
se de uma PAN ou travelling veloz, onde a câmera sai de um
objeto para outro numa velocidade capaz de borrar a
imagem intermediária.
Ressalvo, ainda, que cada situação de filmagem
pode insinuar um movimento, com a câmera presa a um
balanço ou um ventilador de teto.
No geral, os movimentos de câmera devem possuir
uma razão dramática para serem usados. Por um lado, uma
filmagem sem movimentos de câmera pode soar como
apática, com aparência estática; por outro lado, muitos
movimentos sem funções narrativas chamam a atenção do
espectador para a técnica, põem o fazer em evidência,
soando às vezes como um ruído na tela ou como problema
criado pelo cameraman.
Qualquer movimento da câmera em cena,
principalmente com atores, devem ser sempre ensaiados,
pois a câmera não pode apontar para coisas sem nexo ou
soar como algo sem sincronia. Imagine que, num diálogo
sobre drogas, a câmera faz uma PAN e aponta para um
dicionário numa estante: não parece uma boa. O objeto,
naquele momento, não tem nada a ver com o que eles
discutem. O espectador passa a se perguntar sobre aquele
movimento. O que houve com o cinegrafista? Ele cochilou?
Enfim, não devem ser usados pelo simples charme de estar
lá, mas sim para contribuir com o que está lá.
Uma dica: os movimentos devem ter ritmo na tela.
Um tilt não pode alternar a velocidade durante seu
percurso. Soa ruim.

REC – uma iniciação à filmagem


96

Assim, movimentos têm uma força dramática dentro


das cenas, devem fazer parte da narrativa, podendo reforçar
as intenções de sentido do roteiro, fornecendo uma
dinâmica visual muito mais interessante para o espectador.

ESPAÇO E TEMPO PARA AS GRAVAÇÕES

As filmagens têm uma geografia própria. De fato,


através da câmera, se constrói certa espacialidade e
temporalidade na narrativa diferente do espaço e tempo
real da vida. E como fazer isso? Bem, é só compreender um
pouco da potencialidade do audiovisual. Entender,
especialmente, sobre o processo de edição e montagem
para saber como o cameraman trabalhará diante das
possibilidades geográficas.
De início, não me cabe (nem neste texto cabe) a
discussão sobre tempo e espaço na narrativa. Quero chamar
atenção, na verdade, para uma compreensão do processo
de filmagem, cujo intuito é facilitar o trabalho de captura.
Trocando em miúdos, as coisas não precisam
acontecer em tempo real para a câmera. E o espaço
construído na filmagem não precisa ser o mesmo que vemos
à nossa frente. Até porque é interessante projetar
mentalmente como o equipamento mostrará tais coisas
para o espectador, ciente de que ele precisa entender o que
as filmagens querem dizer.
Com a câmera nas mãos, podemos forjar a
realidade, a fim de oferecer uma perspectiva que demonstre
uma geografia própria da narrativa. Aliás, a câmera é um
instrumento de trucagens.
Nos primódios do cinema, Georges Méliès
descobriu, por acaso, que podia fazer truques visuais com a
imagem em movimento. Ele estava filmando um carro
quando, de repente, a câmera parou. Durante esse tempo, o

REC – uma iniciação à filmagem


97

carro saiu do lugar e outro carro parou diante da câmera.


Então, o equipamento voltou a funcionar. Ao ver as imagens
reveladas, o cinegrafista se surpreendeu, pois havia a ilusão
de que um carro se transformava noutro repentinamente.
Como num toque de mágica.
Assim, por etapas, vamos entender melhor sobre o
que me ponho a falar através de exemplos. Primeiramente,
tempo e espaço. Depois, direção.
Filmagens são processos lentos. Algumas vezes, uma
única cena com vários planos leva até dias para ser
realizada. Principalmente quando começamos a primar pela
construção de imagens sedutoras e outros fatores mais.
Digamos, então, que o objetivo é filmar uma
conversa entre um amigo seu e um artista, numa sala
qualquer. A recomendação é não perder nada do que o
artista fale. Neste caso, você não vai parar de apontar a
câmera para o artista. Certo? Certo. Porque o tempo real
não permite que você fique pedindo que a cada pergunta
eles parem para você redirecionar a câmera.
A solução é simples. Após a filmagem, tendo o
artista ido embora, você pede para o seu amigo voltar ao
local onde estava sentado, então se faz o enquadramento
parecido com o do artista e ele faz as mesmas perguntas.
Dessa vez falando para ninguém. Pura encenação. Numa
ocasião posterior, de montagem, o editor encaixará as
perguntas entre as respostas, no local certo.

REC – uma iniciação à filmagem


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Entrevista com dois planos

Perceba que, desta maneira, o tempo real da ação


foi subvertido, de modo que apenas os profissionais da área
podem perceber a montagem, quando mal feita. Se o editor
primar pela continuidade da imagem e do som ao montar, a
ação se tornará imperceptível. Fora isso, ninguém notará ao
assistir às imagens e às falas articuladas corretamente.
Ainda sobre o mesmo exemplo, caso o seu amigo
não possa mais permanecer naquele local, as perguntas
podem ser feitas em outro lugar – de preferência
semelhante. O resultado também não denunciará a
transgressão do espaço real e do tempo. Para o espectador,
aquilo tudo aconteceu no mesmo lugar e no mesmo
instante.
A sucessão das imagens que são filmadas dá ao
receptor uma impressão linear, de um único universo frente
aos seus olhos. Sem fazê-lo facilmente pensar que aquelas
imagens foram produzidas em dias, locais e formas
diferentes.
Mais exemplos. Agora sua missão é filmar duas
apresentações consecutivas do mesmo grupo musical. Sexta

REC – uma iniciação à filmagem


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e sábado. No primeiro dia, você registra tudo que os


músicos fazem. No segundo, você arrisca outros ângulos e
investe em imagens da reação da plateia.
Ao articular um vídeo, misturando os dois dias, o
espectador que não teve conhecimento de tal sistemática
jamais desconfiará que o som e as imagens fossem feitos em
dois dias de show. A não ser que a banda esteja com outras
roupas.
E tem mais. Se você inserir antes das filmagens um
plano geral de qualquer casa de espetáculos, pelo menos os
que não conhecem o ambiente pensarão que se passa
naquele lugar.
Quantos seriados de tevê se passam em um
apartamento, casa ou qualquer outro ambiente fechado e
são feitos em estúdios? Coloca-se apenas a imagem
desejada antes para criar essa ilusão geográfica para o
espectador.
Aprenda agora a tirar uma porta de uma sala de aula
do lugar. Mudar a arquitetura. Veja bem, a sala é quadrada e
sua porta é do lado esquerdo do professor que olha para os
alunos. Os planos são os seguintes: 1) PC de um aluno na
frente da porta da sala; 2) um close up da mão girando a
maçaneta para abrir a porta; 3) em seguida um PM dele, de
dentro da sala, entrando e fechando a porta; e, por fim, 4)
um plano conjunto vindo dos alunos, já sentados nas
carteiras. A ação deles é olhar para a direita do professor,
como se estivessem olhando para o aluno que chegou
atrasado.

REC – uma iniciação à filmagem


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Criando espacialidade na filmagem

Resultado: a porta está do outro lado da sala, no


vídeo.
Algumas vezes nos deparamos com ambientes que
parecem não servir para filmagem, pelo nosso aval real.
Porém, olhando pelo ponto de vista da câmera, a ideia pode
se inverter.
O corredor de um hospital pode ser feito numa
escola. A porta de entrada de um escritório será a de
qualquer sala. O quarto de um apartamento e a cozinha de
outro, gravados em horários e dias diferentes, dá a
impressão, na filmagem, de que se trata do mesmo
ambiente. Filme pensando na edição.
Falando em edição, uma dica importante: uma
imagem sua pode corresponder a três imagens para o
editor. Num casamento, por exemplo, de frente à igreja,
faça um PC na porta por onda os convidados estão
entrando, dê um zoom out, parando num PG da cena. Faça o
PC e no PG com uma margem de dez segundos. Assim, você
oferece material suficiente para o editor fazer escolhas.
Melhor sobrar do que faltar.

REC – uma iniciação à filmagem


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Agora, a la Méliés. Fixe a câmera de frente para uma


cadeira. A câmera não pode sair do lugar. Filme a cadeira
vazia e pare. Depois, no mesmo plano, filme alguém já
sentado na cadeira. Stop. Em seguida, grave novamente a
cadeira desocupada. Assista ao resultado e entenda do que
a câmera é capaz.
Enfim, não ficarei dando mais exemplos para
explicar as possibilidades de subversão de espaço e tempo
possíveis com a câmera. Isso depende muito da sua
criatividade. O importante, também, é dar ciência para que
se faça um planejamento de filmagem mais interessante, em
que você possa começar o dia gravando a última cena do
vídeo, desde que acelere o processo de feitura. Não esqueça
que depois do seu trabalho haverá a edição das imagens e
dos sons.
Imagine a hipótese de filmar um vídeo sobre uma
empresa que não tem uma sede. O que fazer? Montar uma
geografia audiovisual? Onde? Quando? Como? Aí, ciente do
processo temporal e espacial, do fato da câmera mostrar as
coisas ao seu modo. Procure lugares, crie cenários. Enfim,
resolva esse problema.

O EIXO DE FILMAGEM

As ações filmadas devem ter total coerência na tela.


Elas sempre acontecem seguindo alguma direção: da
esquerda para a direita, de cima para baixo etc. Filmando
uma sequência de imagens, a lógica é que todas as ações
devem ter continuidade narrativa para o espectador.
Em síntese, é fundamental não gerar desorientação
visual para o espectador que está vendo tal narrativa.
Mas como fazer para que as ações continuem no
mesmo sentido? Sobre isso, o caso é compreender o que se
denomina como eixo de 180 graus para as filmagens.

REC – uma iniciação à filmagem


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Lembremos antes disso. Como a geografia do vídeo


é particular em relação à do mundo, a ideia de “para onde
os objetos se movimentam na tela” também deve obedecer
a certas regras básicas de construção para a tela. Assim, a
ausência deste raciocínio pode trazer resultados ruidosos
para os espectadores.
Pensemos na seguinte ação: a entrada da noiva num
casamento. Na igreja, de onde estivermos sentados, a ação
se moverá para a mesma direção: de fora pra dentro da
igreja, em direção ao altar. Entretanto, para a câmera, se o
cinegrafista filmar do lado direito da noiva, a ação será vista
na tela da esquerda para a direita. Se ele passar para a
esquerda dela, para o lado oposto, a ação mudará de
direção na tela. O espectador pode achar que ela já está
saindo da igreja antes mesmo de chegar ao altar.
Repito: preocupe-se no que a câmera vê. Não com o
que você está vendo.



A mesma ação vista ao cruzar o eixo

Então, imagine a ação descrita vista de cima e


visualize uma linha imaginária que segue o percurso de
entrada da noiva, isto é, um traço pontilhado sobre o tapete
vermelho (se houver um). Agora saiba que, se você cruzar

REC – uma iniciação à filmagem


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essa linha com a câmera, a ação automaticamente mudará


de direção e perderá a continuidade na tela. A sequência
poderá dizer outra coisa para o espectador ou deixá-lo
confuso. Ela está indo ou voltando? Desistiu e voltou atrás?
Na teoria, a ideia de eixo de 180 graus trata-se de
uma linha imaginária, a qual deve ser criada pelo
cinegrafista em relação a qualquer ação que ele deva filmar.
É um eixo de orientação para o posicionamento da câmera.
Atravessar a linha ou mudar de eixo significa alterar a
direção da ação filmada.
Jogo de futebol. As câmeras estão de um lado do
estádio. Na tela, o time A está do lado direito do campo.
Consequentemente, o time B está no esquerdo.
A linha imaginária, neste caso, vai de uma trave à
outra, no meio do campo. Significa que qualquer câmera
que mude o eixo (atravesse a linha) mostrará os times em
posições contrárias. Mudará todo o curso da ação.
Se a câmera principal fosse para o outro lado do
estádio, por exemplo, os times apareceriam às avessas. E o
espectador fica sujeito ao ruído visual. Isso, às vezes,
acontece quando outra emissora está transmitindo o jogo.
Se iniciassem o segundo tempo mudando a posição
das câmeras para o outro lado do estádio (mudando de
eixo), pareceria, na tela, que ainda seria o primeiro tempo.
Geraria uma total desorientação para o torcedor em frente à
tevê.
O eixo de 180 graus é importante para trabalhar a
consciência do cameraman em relação à direção das ações
na tela. Ele deve prezar pela continuidade narrativa dos
direcionamentos em cena. Tem que manter o espectador
entendendo tudo.
Preste atenção em alguns filmes com cenas de
perseguição, cenas de longa caminhada, filmes de viagem,
cenas de ambientes onde a porta de entrada estava na
esquerda da tela.

REC – uma iniciação à filmagem


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Logo, os cinegrafistas mais ousados perguntam


imediatamente: mas se eu quiser cruzar o eixo? Ou afirmam:
“eu não quero seguir regras. Quero filmar!”. Confesso: acho
isso ótimo.
Como falei até então, o eixo serve para prezar pela
orientação do espectador na tela em relação à ação. Assim
sendo, existem algumas possibilidades de cruzar o eixo sem
desorientar ninguém.
Primeiramente, ao imaginar o eixo da ação, saiba
que qualquer tomada feita com a câmera sobre a linha
imaginária será neutra em relação ao que está acontecendo.
A noiva vista de costas ou de frente entrando na igreja, o
jogo visto filmado de trás das traves. São “tomadas
neutras”, digamos.
A partir de então, a imagem seguinte pode ser do
outro lado da linha. Ela garante o entendimento do
espectador em relação à mudança de eixo da câmera, ou
seja, dá total possibilidade de troca da direção da ação sem
desorientar o espectador diante da tela.
Um plano sequência que atravesse a linha
imaginária não trará descontinuidade de direção das ações,
quando bem pensado. Ele sai da esquerda, passa pelo ponto
de neutralidade e chega à direita.
Outro caso de mudança de eixo está em algumas
situações para serem filmadas, tais como: discussão em
mesa redonda, shows musicais, debates, salões de festa.
Ações problemáticas para se manter um eixo. Mas não se
preocupe. Elas são confusas por si só.
Normalmente, são ações que se justificam ao cruzar
do eixo. Porém, nem sempre ficam tão claras para o
espectador. Neste caso, o ideal é, antes de tudo, fazer uma
“tomada central” sobre a ação.
No caso de um show musical, a tomada central
corresponde ao plano geral do palco, visto de frente,
mostrando o público também, de preferência. Esta imagem

REC – uma iniciação à filmagem


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garante a orientação sobre o acontecimento. Com ela você


pode filmar o baterista de um lado e de outro, a cantora
vista por trás. Em seguida, volta para a tomada central.
Essa sugestão é ideal para ser realizada com mais de
uma câmera. Contudo, na falta, faça, sempre que puder,
uma tomada central da ação. Se não houver condição, um
PG no começo do evento e outro no fim, por garantia, já
ajudarão bastante.
A mesa redonda, o debate e o salão de festa seguem
a mesma regra. Uma tomada central que mostre como tudo
está no ambiente que se dará a ação será bom.
Mais uma situação. Dentro de um carro. Você
precisa filmar o diálogo entre o motorista e o passageiro que
está ao lado. Perceba que quando você mostra o motorista,
o cenário estará se movendo da direita para a esquerda. Já
na imagem do passageiro o movimento é o contrário.
Isso não é uma ação perturbadora demais para o
espectador. Contudo, uma visualização do veículo de frente,
por fora, diminuirá o ruído. Normalmente, trabalha-se em
dois planos: um de frente e um visto do lado do passageiro.
Os dois planos registrando os dois sujeitos. Mas, se preferir,
busque outra solução.
Falando em carro, chamo atenção para as cenas de
perseguição dos filmes norte-americanos. É uma grande aula
de eixo.
Casos de cruzamento de eixo estão na exceção que
algumas ações peculiares apresentarão para você. Não
saberia citar alguma delas neste momento. Justamente por
serem exceções às regras. Inesperadas, de fato. Apenas
esteja preparado para resolver o caso nas filmagens.
O importante mesmo é ter consciência de como se
darão as ações na tela para o espectador. Pensar como a
câmera observa o mundo e narra as histórias para as
pessoas.

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ATIVIDADES

1) Imagine a ação de acordar e ir até o banheiro e


idealize que planos e angulações você usaria para
filmar. Anote num papel para rever depois e tente
filmar com alguém.

2) Faça uma filmagem usando todos os movimentos de


câmera em questão e a assista em seguida. Veja
onde você pode melhorar.

3) Seguindo o exemplo do texto, mude o local da porta


do seu quarto usando de quatro a seis planos.

4) Filme um diálogo permanecendo com a câmera no


mesmo eixo. Em seguida, cruze o eixo. No final,
assista às imagens para entender os efeitos de tal
ação na tela.

REC – uma iniciação à filmagem


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OBSERVAÇÕES FINAIS

B em, por fim, eu teria duas observações a respeito


do assunto disposto: 1) a captura de áudio e 2) a
estética visual.
Como filmar se trata de um registro audiovisual, o
som não se faz menos importante neste processo. Aliás,
existem profissionais especializados apenas em captura de
som direito. O que faz pensar que seria necessário mais um
capítulo neste livro para dar conta da discussão. Ou até
outro livro. Entretanto, não é o foco proposto aqui. Em
contrapartida, incomoda a ideia de deixar passar
despercebido esse assunto. Assim, seguem algumas dicas
sobre o registro sonoro através da câmera.
Em primeiro lugar, use sempre um headphone para
monitorar o som que será gravado na câmera. Através dele,
você confere a qualidade do som que chega até a filmadora
e identifica os ruídos indesejados existentes na locação que
se encontra.
Utilizando o microfone da própria filmadora, é
fundamental certificar os ruídos existentes nos ambientes
de filmagem. Por exemplo, para entrevistar uma pessoa em
sua sala de trabalho, o som do ar condicionado interfere. O
ideal é desligá-lo para gravar. Até porque o microfone não é
como nosso ouvido, que seleciona qual som deseja prestar
atenção. Para testar, ouça quais sons são predominantes no
ambiente em que você se encontra neste exato momento.
Para melhores resultados sonoros, o uso de
microfone extra (quando houver entrada na câmera) é
fundamental. Microfones direcionais dos tipos lapela e
shotgun são ótimos para a captura direta. O segundo, por

REC – uma iniciação à filmagem


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sua vez, demandará outra pessoa para manusear durante as


filmagens.
Por fim, é sempre importante capturar um minuto
do som ambiente para dar suporte ao processo de edição.
Parece incoerente, mas é fundamental gravar o silêncio dos
ambientes.
Algumas vezes um ruído indesejado acaba com todo
o trabalho. Imagine sair da sua casa para entrevistar uma
pessoa com a qual você tenta falar há meses. Então, justo na
hora mais importante do seu depoimento, uma moto passa
na rua fazendo um barulho terrível.
Não apenas pelo áudio, como também pela imagem,
tenha sempre cuidado de refazer as cenas até registrar o
resultado que você deseja, mesmo que isso demande mais
tempo do que o esperado.
Já sobre a estética visual, gostaria apenas de
reforçar o trabalho coerente que deve ser desenvolvido pelo
“cara da câmera”. Refiro-me à busca de harmonizar a forma
de filmar com o conteúdo a ser filmado. O que já foi dito, de
algumas maneiras, ao longo das páginas anteriores.
Certas temáticas devem ser tratadas com equilíbrio
para potencializar tanto o trabalho poético do criador,
quanto a compreensão do espectador.
Temas que envolvem a beleza, a apresentação de
uma empresa séria, a necessidade de venda de um produto,
ambientes fantásticos etc., demandam uma câmera estática,
fixada num tripé, com movimentos suaves e brandos, bem
iluminados, com enquadramentos harmoniosos.
Entretanto, assuntos mais ásperos, como doença,
morte, tráfico, personagens marginalizados, crime etc.,
sugerem uma atmosfera visual diferenciado. Uma imagem
mais “nervosa”, com câmera na mão, tremida, trechos fora
de foco, com enquadramentos mais toscos, contraposição
de luz; uma câmera mais orgânica; mais viva e mais suja, por
assim dizer.

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Harmonizar a forma com o conteúdo é como você


escrever uma mensagem natalina no formato de uma árvore
de Natal, utilizando as letras em verde e vermelho.
Vistas as referidas observações. Seguem as
considerações finais.
Compreendidos os procedimentos técnicos
expostos, pratique-os bastante. O trabalho do operador de
câmera consiste em atenção, criatividade, perfeccionismo e
prazer. Até porque filmar não tem fórmula certa. Cada dia,
cada situação, cada acontecimento é diferente para o
cameraman.
Existe um leque de experiências já vividas que
devem ser dialogadas e podem ser úteis para a feitura de
outras filmagens. Mas cada proposta é singular. Por isso,
não tenha medo de errar enquanto treina.
O princípio é relativo ao do surfista. Ele aprende a
nadar, a remar com a prancha, a ficar em pé na crista da
onda. Mas vive à procura da onda perfeita. Então, a partir de
agora, pegue a câmera e saia à procura da sua imagem
perfeita.

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