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Cap.

3 Percolação de água no solo

3.1 Introdução

Muitas vezes o engenheiro se defronta com situações em que é necessário controlar o


movimento de água através do solo e, evidentemente, proporcionar uma protecção
contra os efeitos nocivos deste movimento.

Do ponto de vista prático, a água pode ser considerada incompressível e sem


nenhuma resistência ao cisalhamento, o que lhe permite, sob a acção de altas
pressões, penetrar em micro fissuras e poros, e exercer pressões elevadas que levam
enormes maciços ao colapso.

Um aspecto importante em qualquer projecto em que se tenha a presença de água é a


necessidade do reconhecimento do papel que os pequenos detalhes da natureza
desempenham. Assim, não basta apenas realizar verificações matemáticas, mas
também recorrer a julgamentos criteriosos dessas particularidades, pois que elas nem
sempre podem ser suficientemente quantificadas.

Como sabemos, o solo é um sistema complexo constituído de materiais sólidos,


líquidos e gasosos. A parte sólida é formada por partículas organizadas de tal forma
que entre elas se formem pequenos espaços vazios, denominados de poros, que
podem se encontrar preenchidos por água e, ou ar. “A forma como essas partículas se
agrupam entre si, determina a estrutura do solo”,

O solo funciona, portanto, como um meio poroso com capacidade de armazenar água
em seus poros. Dependendo da quantidade de água armazenada no solo, ele poderá
apresentar três níveis distintos que são:

Seco - Quando todos os poros do solo estiverem preenchidos apenas por ar;

Húmido -Quando existe água e ar no interior dos poros;

Saturado- quando todos os seus poros estiverem preenchidos apenas com água,
significando que ele não mais conseguirá reter água.

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Fig1 Variação das forças associadas a consistência com a variação da humidade dos solos

O objectivo básico deste capítulo é fornecer as informações necessárias para o


entendimento físico da presença da água nos solos e para a resolução de problemas
que envolvem percolação de água no solo.

3.2 Ocorrência de agua subterrânea

Segundo CHIOSSI (1989), o interior da Terra, composto de diferentes rochas,


funciona como um vasto reservatório subterrâneo para a acumulação e circulação das
águas que nele se infiltram. As rochas que formam o subsolo da Terra, raras vezes,
são totalmente sólidas e maciças. Elas contêm numerosos vazios (poros e fracturas)
denominados também de interstícios, que variam dentro de uma larga faixa de
dimensões e formas, dando origem aos aquíferos. Apesar desses interstícios poderem
atingir dimensões de uma caverna em algumas rochas, deve-se notar que a maioria
tem dimensões muito pequenas. São geralmente, interligados, permitindo o
deslocamento das águas infiltradas.

Parte da água que infiltrou através da superfície do solo será evapotranspiração para
atmosfera e outra parte será gradativamente armazenada no perfil de solo.
Dependendo da humidade inicial, da intensidade e duração dessa chuva, em um
determinado momento, a capacidade de armazenamento de água do solo poderá ser
esgotada, ou seja, ele ficará saturado. A partir desse momento, devido à acção da
gravidade, o excesso de água que infiltrar directamente será drenado para as
camadas mais profundas do solo, indo abastecer os reservatórios subterrâneos. Esse
movimento descendente da água no interior do solo, de cima para baixo, é chamado
de percolação.

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A parte da água que percolou, agora chamada de água subterrânea, poderá voltar à
superfície da terra, através das nascentes, formando-se às águas superficiais que
poderá evaporar, transformar-se em nuvens e, voltar à superfície através da
precipitação: fechando o ciclo hidrológico.

A água subterrânea é originada predominantemente da infiltração das águas das


chuvas, sendo este processo de infiltração de grande importância na recarga da água
no subsolo. A recarga depende do tipo de rocha, cobertura vegetal, topografia,
precipitação e da ocupação do solo. A utilização desta água é feita através de poços
caseiros e profundos, conforme a profundidade alcançada. O processo de formação do
lençol freático é mostrado na Figura 2

Figura 2 – Ciclo Hidrológico: Infiltração e formação de lençol freático

Problemas relativos às águas subterrâneas são encontrados em um grande número


de obras de Engenharia. A acção e a influência dessas águas têm causado numerosos
imprevistos e acidentes, sendo os casos mais comuns verificados em cortes de
estradas, escavações de valas e canais, fundações para barragens, pontes, edifícios,
etc. As obras que necessitam de escavações abaixo do lençol freático, como por
exemplo, a construção de edifícios, barragens, túneis, etc; pode ser executado um tipo
de drenagem ou rebaixamento do lençol freático. A água existente no subsolo pode ser
eliminada por vários os métodos.

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3.3 Fenómenos de capilaridade

A posição do lençol freático no subsolo não é, entretanto, estável, mas bastante


variável, O que quer dizer que, em determinada região, a profundidade do lençol
freático varia segundo as estações do ano. Essa variação depende do clima da região,
e dessa maneira, nos períodos de estiagem, a posição do lençol freático sofre
normalmente um abaixamento, ao contrário do período das cheias, quando essa
posição se eleva.

A ocorrência de leitos impermeáveis (argila, por exemplo) ocasiona aprimoramento


localizado de certas porções de água, formando um lençol freático ou nível de água
suspenso, que não corresponde ao nível de água principal.

Em consequência da infiltração, a água precipitada sobre a superfície da terra


penetra no subsolo e através da acção da gravidade sofre um movimento descendente
até atingir uma zona onde os vazios, poros e fracturas se encontram totalmente
preenchidos de água. Esta zona é chamada zona saturada ou freática. Essa zona é
separada por uma linha conhecida como nível freático ou lençol freático, abaixo da
qual estará o solo na condição de submersão (se em condição de água livre), e acima
estará o solo saturado até uma determinada altura.

Nos solos, por capilaridade, a água se eleva por entre os interstícios de pequenas
dimensões deixados pelas partículas sólidas, além do nível do lençol freático. A altura
alcançada depende da natureza do solo.

A Figura 3, mostra-nos uma distribuição de humidade do solo e os diferentes níveis e


condições da água subterrânea em uma massa de solo. Verifica-se que o solo não se
apresenta saturado ao longo de toda a altura de ascensão capilar. Observa-se que o
fenómeno de capilaridade ocorre em maiores proporções em solos argilosos. A altura
capilar é calculada pela teoria do tubo capilar, que considera o solo um conjunto de
tubos capilares.

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Figura 3 – Distribuição de humidade no solo

3.4 Fluxo de água nos solos

A fundamentação teórica para resolução dos problemas de fluxo de água foi


desenvolvida por Forchheimer e difundida por Casagrande (1937).

O estudo de fluxo de água nos solos é de vital importância para o engenheiro, pois a
água ao se mover no interior de um maciço de solo exerce em suas partículas sólidas
forças que influenciam o estado de tensão do maciço. Os valores de pressão neutra e
com isso os valores de tensão efectiva em cada ponto do maciço são alterados em
decorrência de alterações de regime de fluxo. De uma forma geral, os conceitos de
fluxo de água nos solos são aplicados nos seguintes problemas:

 Estimativa da vazão de água (perda de água do reservatório da barragem),


através da zona de fluxo;

 Instalação de poços de bombeamento e rebaixamento do lençol freático;

 Problemas de colapso e expansão em solos não saturados;

 Dimensionamento de sistemas de drenagem;

 Dimensionamento de “liners” em sistemas de contenção de rejeitos;

 Previsão de recalques diferidos no tempo (adensamento de solos moles – baixa


permeabilidade);

 Análise da influência do fluxo de água sobre a estabilidade geral da massa de


solo (estabilidade de taludes);

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 Análise da possibilidade da água de infiltração produzir erosão, arraste de
material sólido no interior do maciço, “piping”, etc.

O estudo dos fenómenos de fluxo de água em solos se apoia em três pilares:

 conservação da energia (Bernoulli);

 permeabilidade dos solos (Lei de Darcy) e

 conservação da massa.

Alguns conceitos sobre os dois primeiros pontos são aqui abordados:

a) Conservação de energia

A água ocupa a maior parte ou a totalidade dos vazios do solo e quando submetidas a
diferenças de potenciais, ela se desloca no seu interior. A água pode actuar sobre
elementos de contenção, obras de terra, estruturas hidráulicas e pavimentos, gerando
condições desfavoráveis à segurança e à performance destes elementos.

A equação 1 apresenta a proposta de Bernoulli para representar a energia total ou


carga total em um ponto do fluido, expressa em termos de energia/peso.

Que é o mesmo que dizer

Carga total = carga altimétrica + carga piezométrica + carga cinética

Onde:

htotal – energia total do fluido

z – diferença de cota entre o ponto considerado e o nível de referência (referencial


padrão)

u – valor da pressão neutra

v – velocidade de fluxo da partícula de água

g – valor da aceleração da gravidade

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Para a maioria dos problemas envolvendo fluxo de água nos solos, a parcela referente
à energia cinética pode ser desprezada. Logo a equação toma a seguinte forma:

A pressão neutra no ponto é a carga piezométrica, expressa em altura de coluna de


água.

Para que haja fluxo de água entre dois pontos é necessário que a energia total em
cada ponto seja diferente. A água fluirá sempre de um ponto de maior energia para o
ponto de menor energia total.

b) Lei de Darcy

Permeabilidade: é a propriedade que o solo tem de permitir o escoamento da água


através dele, sendo o grau de permeabilidade expresso numericamente pelo
“coeficiente de permeabilidade”.

Importância: O estudo da percolação de água no solo, ou seja, a permeabilidade, é


importante porque intervêm num grande número de problemas práticos, tais como
drenagem, rebaixamento do nível d’água, cálculo de vazões, análise de recalques,
estudo de estabilidade, etc.

Grau com que isto ocorre é Expressa por um coeficiente “k” maior ou menor.

A determinação do coeficiente de permeabilidade é feita tendo em vista a lei


experimental de Darcy (proposta em 1856 pelo engenheiro francês). Darcy realizou
um experimento com um arranjo similar ao mostrado na Figura 4 para estudar as
propriedades do fluxo de água através de uma camada de filtro de areia:

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Figura 4 – Esquema do experimento realizado por Darcy

Este experimento deu origem a uma lei que correlaciona a taxa de perda de energia
da água (gradiente hidráulico) no solo com a sua velocidade de escoamento (Lei de
Darcy).

Os níveis de água h1 e h2 são mantidos constantes e o fluxo de água ocorre no


sentido descendente através do corpo-de-prova. Medindo o valor da taxa de fluxo
que passa através da amostra (vazão de água) q, para vários comprimentos de
amostra (L) e de diferença de potencial (Δh), Darcy descobriu que a vazão “q” era
proporcional à razão Δh/L (ou gradiente hidráulico da água, i).

A vazão (q) dividida pela área transversal do corpo-de-prova (A) indica a velocidade
com que a água percola pelo solo. O valor da velocidade de fluxo da água no solo
(v) é dado por:

Esta velocidade é conhecida como velocidade de descarga (v), sendo, portanto


diferente da velocidade real da água nos vazios do solo. Aplicando-se as noções
desenvolvidas em índices físicos pode-se admitir que a relação entre a área
transversal de vazios e a área transversal total seja dada pela porosidade (n). Desse
modo, a velocidade de percolação real da água no solo é:

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Chama-se de velocidade de percolação (vp), a velocidade com que a água escoa nos vazios
do solo. Considera-se a área efetiva de escoamento ou área de vazios (Av).

Nota: A existência do gradiente hidráulico fará com que haja percolação.

Validade da Lei de Darcy

A lei de Darcy é válida para um escoamento “laminar”, tal como é possível e deve
ser considerado o escoamento na maioria dos solos naturais.

Um escoamento se define como laminar quando as trajectórias das partículas da


água não se cortam; em caso contrário, denomina-se turbulento.

3.5 Coeficiente de permeabilidade

O valor de k é comumente expresso como um produto de um número por uma


potência negativa de 10. Exemplo: k = 1,3 x 10 -8 cm/seg, valor este, característico
de solos considerados como impermeáveis para todos os problemas práticos.

Na Figura 5 apresentamos, segundo A. Casagrande e R. E. Fadum, os intervalos de


variação de k para os diferentes tipos de solos e na Tabela 1, segundo Casagrande.

Figura 5– Intervalos de variação de K para diversos solos

K Material Características

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Cm/seg m/dia do escoamento

10-2 1 a 100 864 a 86400 Pedregulho limpo Aquíferos bons

10-3 0,001 a 1 0.86 a 864 Areias limpas, misturas de areias


limpas, pedregulhos

10-7 10 -7
a 10 -3 8.64 x 10-5 a 0,86 Areias muito finas, siltes, misturas de Aquíferos pobres
areias, silte e argila, argilas
estratificadas

10-9 10 -9
a 10 -7 8.64 x 10 -7
a Argilas não alteradas Impermeáveis

8.64 x 10-5

Tabela 1 – Coeficientes de permeabilidade de solos típicos (Bas. Casagrande)

É interessante notar que os solos finos, embora possuam índices de vazios geralmente
superiores que alcançados pelos solos grossos, apresentam valores de coeficientes de
permeabilidade bastante inferiores a estes.

3.6 Factores que influem na permeabilidade

A permeabilidade é uma das propriedades do solo com maior faixa de variação de


valores e é função de diversos factores, dentre os quais podemos citar o índice de
vazios, temperatura, estrutura do solo, grau de saturação e estratificação do terreno.

1) Índice de vazios

A equação de Taylor correlaciona o coeficiente de permeabilidade com o índice de


vazios do solo. Quanto mais fofo o solo é mais permeável ele fica. Conhecido o k para
um certo tipo de solo, pode-se calcular o k para o outro solo pela proporcionalidade
da equação apresentada (mais utilizada para areias).

A influência do índice de vazios sobre a permeabilidade, em se trata de areias puras e


graduadas, pode ser expressa pela equação de A. Casagrande:

K= 1.4 .K e2
0.85 .

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Sendo K 0.85 = Coeficiente de permeabilidade quando e = 0.85

Maior índice de vazios (e) → Maior coeficiente de permeabilidade (k).

2) Temperatura

Quanto maior for a temperatura, menor a viscosidade da água e, portanto, mais


facilmente ela escoa pelos vazios do solo com correspondente aumento do coeficiente
de permeabilidade. Logo, k é inversamente proporcional à viscosidade da água.

Por isso, os valores de k são referidos à temperatura de 200C, o que se faz pela
seguinte relação:

Onde:

kT – o valor de k para a temperatura do ensaio;

η20 – é a viscosidade da água a temperatura de 200C;

ηT – é a viscosidade a temperatura do ensaio;

CV – relação entre as viscosidades.

Segundo Helmholtz, a viscosidade da água em função da temperatura é dada pela


fórmula empírica:

sendo T é a temperatura do ensaio em ºC.

A figura 6 mostra uma planilha de um ensaio, executado em um solo colectado à


1,50m de profundidade.

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Figura 6 – Exemplo de resultado de ensaio de permeabilidade (Solo argilo-arenoso)

Observe os resultados de k obtidos em 4 amostras diferentes a 25,4º de temperatura


e o valor médio (dos 4 ensaios) corrigido para 20º ( k20º ) igual a 1,24 x 10-3 cm/seg.

3) Estrutura do solo

A combinação de forças de atracção e repulsão entre as partículas resulta a


estruturas dos solos, que se refere à disposição das partículas na massa de solo e as
forças entre elas. A amostra com estrutura dispersa terá uma permeabilidade menor
que a floculada.

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4) Grau de saturação

O coeficiente de permeabilidade de um solo não saturado é menor do mesmo se


estivesse totalmente saturado. Essa diferença não pode, entretanto ser atribuída
exclusivamente ao menor índice de vazios disponíveis, pois as bolhas de ar existentes,
contidas pela tensão superficial da água, são um obstáculo para o fluxo. Entretanto,
essa diferença não é muito grande.

5) Estratificação do terreno

Em virtude da estratificação do solo, os valores de k são diferentes nas direcções


horizontal e vertical, como mostra a Figura 7 Chamando-se de k 1, k2, k3, ... os
coeficientes de permeabilidade das diferentes camadas e de e 1, e2, e3, ...
respectivamente as suas espessuras, deduzamos as fórmulas dos valores médios de k
nas direcções paralela e perpendicular aos planos de estratificação. A permeabilidade
média do maciço depende da direcção do fluxo em relação à orientação das camadas.

Figura 7 – Direcção do fluxo nos terrenos estratificados

5.1) Permeabilidade paralela à Estratificação

Na direcção horizontal, todos os estratos têm o mesmo gradiente hidráulico


i. Portanto demonstra-se que:

5.2) Permeabilidade perpendicular à Estratificação

Na direcção vertical, sendo contínuo o escoamento, a velocidade v é constante.


Portanto demonstra-se que:

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Para camadas de mesma permeabilidade, k1 = k2 = ...= kn, obtém-se pela aplicação
dessas fórmulas: kh = kv.

Demonstra-se, ainda, que em todo depósito estratificado, teoricamente: k h > kv

3.7 Determinação do coeficiente de permeabilidade

A determinação de k pode ser feita: por meio de fórmulas que o relacionam com a
granulometria (por exemplo, a fórmula de Hazen), no laboratório utilizando-se os
“permeâmetros” (de nível constante ou de nível variável) e in loco pelo chamado
“ensaio de bombeamento” ou pelo ensaio de “tubo aberto”; para as argilas, a
permeabilidade se determina a partir do “ensaio de adensamento”.

Figura 8 Amostra indeformada retirada de um poço

3.7.1 Permeâmetro de nível constante

É utilizado para medir a permeabilidade dos solos granulares (solos com razoável
quantidade de areia e/ou pedregulho), os quais apresentam valores de
permeabilidade elevados.

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Este ensaio consta de dois reservatórios onde os níveis de água são mantidos
constantes, como mostra a Figura 9, Mantida a carga h, durante um certo tempo, a
água percolada é colhida e o seu volume é medido. Conhecidas a vazão e as
dimensões do corpo de prova (comprimento L e a área da seção transversal A),
calcula-se o valor da permeabilidade, k, através da equação:

Figura 9 – Permeâmetro de carga constante

Onde:

q – é a quantidade de água medida na proveta (cm3);

L – é o comprimento da amostra medido no sentido do fluxo (cm);

A – área da seção transversal da amostra (cm2);

h – diferença do nível entre o reservatório superior e o inferior (cm);

t – é o tempo medido entre o inicio e o fim do ensaio (s);

Procedimento: Mede-se o volume d'água que percola pela amostra (V) em


determinados intervalos de tempo (t).

3.7.2 Permeâmetro de nível constante

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O permeâmetro de nível variável é considerado mais vantajoso que o anterior, sendo
preferencialmente usado para solos finos, nos quais o volume de água que percola
através da amostra é pequeno. Quando o coeficiente de permeabilidade é muito baixo,
a determinação pelo permeâmetro de carga constante é pouco precisa.

Figura 10 – Permeâmetro de carga variável

Neste ensaio medem-se os valores h obtidos para diversos valores de tempo decorrido
desde o início do ensaio, como mostra a Figura 10. São anotados os valores da
temperatura quando da efectuação de cada medida. O coeficiente de permeabilidade
dos solos é então calculado fazendo-se uso da lei de Darcy:

E levando-se em conta que a vazão de água passando pelo solo é igual à vazão da
água que passa pela bureta, que pode ser expressa como:

Igualando-se as duas expressões de vazão tem-se:

Que integrada da condição inicial (h = hi, t = 0) à condição final (h = hf, t = tf):

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Conduz a:

Explicitando-se o valor de k:

Onde:

a – área interna do tubo de carga (cm2)

A – seção transversal da amostra (cm2)

L – altura do corpo de prova (cm)

h0 – distância inicial do nível da água para o reservatório inferior (cm)

h1 – distância para o tempo 1, do nível da água para o reservatório inferior (cm)

Δt – intervalo de tempo para o nível da água passar de h0 para h1 (cm)

Procedimento: faz-se leituras das alturas iniciais e finais da bureta e o intervalo de


tempo correspondente.

3.8 Lei de fluxo generalizada

A equação diferencial de fluxo é a base para o estudo de percolação bi ou


tridimensional. Tomando um ponto definido por suas coordenadas cartesianas (x,y,z),
considerando o fluxo através de um paralelepípedo elementar em torno deste ponto, e
assumindo a validade da lei de Darcy, solo homogêneo e solo e água incompressíveis,
é possível deduzir a equação tridimensional do fluxo em meios não-saturados:

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Onde:

kj – permeabilidade na direção j

h – carga hidráulica total

S – grau de saturação

e – índice de vazios

t – tempo

Em muitas aplicações em geotecnia, a equação pode ser simplificada para a situação


bidimensional, em meio saturado e com fluxo estacionário, obtendo-se:

Observando-se os termos e (índice de vazios) e S (grau de saturação), verifica-se que


podem ocorrer quatro tipos de fenómenos:

a) e e S são constantes ⇒ Fluxo estacionário ou permanente (não varia com o


tempo), s = 100%.

Se nessa equação for considerada isotropia na permeabilidade, isto é, kx = ky,


pode-se simplificar ainda mais:

b) e é variável e S é constante:

i. e decrescente – adensamento

ii. e crescente – expansão

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c) e é constante e S é variável:

i. S decrescente – drenagem

ii. S crescente.– embebimento

d) e e S são variáveis ⇒ problemas de compressão e expansão, além de drenagem


e embebimento.

Nota: Os casos (b), (c) e (d) são denominados fluxo transiente (quantidade de água
que percola varia com o tempo).

Normalmente o problema de fluxo é tratado no plano, considerando-se uma secção


típica do maciço situada entre dois planos verticais e paralelos, de espessura
unitária. Tal procedimento é justificado devido ao fato de que a dimensão
longitudinal é bastante maior que as dimensões de seção transversal. Portanto,
considerando:

 Fluxo é estacionário;

 Solo saturado;

 Não ocorre nem compressão, nem expansão durante o fluxo: ϑe/ ϑt =0

 Solo homogéneo;

 k igual nas duas direcções kx = ky;

 Validade da Lei de Darcy.

Temos a equação de Laplace

Como é do conhecimento geral, a anisotropia (direcção que se considera para a


medição de uma determinada propriedade) do solo é uma condição encontrada
frequentemente. Entretanto existe um artifício matemático que permite estudar o
fluxo através de um solo anisotrópico como se o mesmo estivesse ocorrendo em um
solo isotrópico.

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A solução geral que satisfizer a condição de contorno de um problema particular de
fluxo constituirá a solução da equação para este problema específico. É importante
observar que a permeabilidade do solo não interfere na equação de Laplace.

A solução geral da equação de Laplace é constituída por dois grupos de funções


as quais são representadas por duas famílias de curvas ortogonais entre si.

Em uma região de fluxo as duas famílias de curvas constitui o que se denomina rede
ou linhas de fluxo.

3.9 Rede de fluxo

A equação de Laplace tem como solução duas famílias de curvas que se interceptam
normalmente. A representação gráfica destas famílias constitui a chamada rede de
escoamento ou rede de fluxo (“flow net”).

A rede de fluxo é um procedimento gráfico que consiste, basicamente, em traçar na


região em que ocorre o fluxo, dois conjuntos de curvas conhecidas com linhas de
escoamento ou de fluxo, que são as trajectórias das partículas do líquido e por linhas
equipotenciais ou linhas de igual carga total.

O trecho compreendido entre duas linhas de fluxo consecutivas quaisquer é


denominado canal de fluxo e representa um acerta porção ΔQ da quantidade total Q
de água que se infiltra. Portanto, a vazão em cada canal de fluxo é constante e igual
para todos os canais.

A perda de carga Δh entre as linhas equipotenciais adjacentes denomina-se queda de


potencial.

No caso de solos isotrópicos e homogéneos, as linhas de fluxo e equipotenciais


formam figuras que são basicamente “quadrados”, em destaque na Figura 11. A
mesma vazão percola entre dois pares adjacentes de linhas de fluxo. A perda de carga
entre linhas equipotenciais sucessivas é a mesma.

O método mais comum na resolução de problemas de fluxo bidimensional consiste na


construção da REDE DE FLUXO, representação gráfica da solução da equação
diferencial.

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Figura 11 – Destaque do traçado de uma rede de fluxo

Métodos para traçar rede de fluxo

Os métodos para a determinação das redes de fluxos são:

 Soluções analíticas, resultantes da integração da equação diferencial do fluxo.


Somente aplicável em alguns casos simples, dada a complexidade do
tratamento matemático quando se compara com outros métodos.

 Solução gráfica é o mais rápido e prático de todos os métodos, como veremos


adiante.

Determinação gráfica da rede de fluxo

Este método foi proposto pelo físico alemão Forchheimer. Consiste em traçar, a mão
livre, diversas linhas de escoamento e equipotenciais, respeitando-se as condições de
que elas se interceptem ortogonalmente e que formem figuras “quadradas”. Há que se
atender também às “condições limites”, isto é, às condições de carga e de fluxo que,
em cada caso, limitam a rede de percolação.

As redes montadas por figuras com a/L constante e, em particular, “quadradas”


(a/L =1) implicam no atendimento às condições que lhes são impostas, isto é, por
cada canal de fluxo passa a mesma quantidade (ΔQ) de água entre duas
equipotenciais consecutivas a mesma queda de potencial (Δh).

O método exige, naturalmente, experiência e prática de quem o utiliza. Geralmente, o


traçado baseia-se em outras redes semelhantes obtidas por outros métodos.

As Figuras 12 e 13 apresentam dois casos em que se apresenta o traçado das linhas


de fluxo e a utilização de filtros de protecção para o controle de fluxo de água que
ocorre.
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Na Figura 12 temos uma barragem de terra através da qual há um fluxo de água,
graças às diferenças de carga entre montante e jusante. Com intuito de proteger a
barragem do fenómeno de erosão interna (piping) e para permitir uma rápida
drenagem da água que percola através da barragem, constrói-se filtros, como, por
exemplo, o filtro horizontal esquematizado no desenho.

Figura 12 – Linhas de fluxo em uma barragem

Na Figura 13, a água percola através do solo arenoso da fundação do reservatório.


Pelo desenho, pode-se notar que próxima à face jusante das estacas-prancha, o fluxo
é vertical e ascendente, o que pode originar o fenómeno de areia movediça. Para
combater este problema, faz-se um filtro de material granular, permitindo assim a
livre drenagem das águas.

Figura 13 – Linhas de fluxo em uma cortina de estacas–prancha

Tomemos, para exemplificar, o aspecto das linhas equipotenciais e de fluxo, o caso


simples de uma cortina de estacas-prancha cravadas num terreno arenoso, onde se
indicam as condições limites, constituídas por duas linhas de fluxo e duas linhas
equipotenciais, como são mostradas na Figura 14.

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Figura 14 – Representação das condições limites

Para este caso, a rede de fluxo tem a configuração mostrada na Figura 15. Numerosas
linhas de fluxo e linhas equipotenciais poderiam ser traçadas, como as do exemplo;
em que se obtém Nd = 12 quedas de potencial e Nf = 5 canais de fluxo.

Figura 15 – Configuração da rede de fluxo em uma cortina de estacas–prancha

Nota: Ao nível da superfície, sob a coluna de água de altura h, temos a equipotencial


de carga h. A pressão (u), neste caso corresponde à carga nesta superfície e tem valor
igual a “h” como se verifica:

Uma coluna de água de altura h faz em uma área unitária 1 × 1 uma pressão “u”:

u (pressão) = Força(peso) /área

Peso = vol . γa = 1 x 1 x γa x h

Peso = γa x h

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Neste caso, observa-se que a água percola da esquerda para a direita em função da
diferença de carga total existente. Observa-se que as 11 linhas equipotenciais são
perpendiculares às 4 linhas de fluxo, formando elementos aproximadamente
quadrados. A rede é formada por 5 canais de fluxo (n f = 5) e por 12 quedas
equipotenciais (nq = 12).

Nota-se que os canais de fluxo possuem espessuras variáveis, pois a secção disponível
para passagem de água por baixo da estaca prancha é menor do que a secção pela
qual a água penetra no terreno. Logo, a velocidade será variável ao longo do canal de
fluxo. Quando o canal se estreita, sendo constante a vazão, a velocidade será maior,
gerando um gradiente hidráulico maior (Lei de Darcy). Consequentemente, sendo
constante a perda de potencial de uma linha equipotencial para outra, o espaçamento
entre as equipotenciais deve diminuir. Sendo assim, a relação entre as linhas de
fluxo e equipotenciais se mantém constante.

A partir do traçado da rede de fluxo pode-se calcular a vazão percolada. Assim:

Isolando um elemento da rede de fluxo, como aquele mostrado na Figura 16, o qual é
formado por linhas de fluxo distanciadas entre si por “b” no plano do desenho e de
uma unidade de comprimento no sentido normal do papel.

Figura 16– Elemento individual da rede de fluxo

Segundo a Lei de Darcy, a vazão (q) no canal de fluxo será : q = K i A, sendo o


gradiente hidráulico (i) dado por: .

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A área no elemento é igual a: A = b.l. Portanto:

No traçado da rede de fluxo, como o elemento é um quadrado, tem-se: b = l, sendo


assim: q = K. Δh

A perda de carga entre duas equipotenciais consecutivas é constante, requisito para


que a vazão num determinado canal de fluxo também seja constante.

A carga total disponível (h) é dissipada através das linhas equipotenciais (nq), de
forma que entre duas equipotenciais consecutivas temos:

Realizando as devidas substituições, tem-se a vazão em cada canal de fluxo, dada


pela expressão abaixo:

A vazão total do sistema de percolação (Q), por unidade de comprimento, é dada pela
vazão do canal (q) vezes o número de canais de fluxo (n f). Portanto:

Onde:

h – perda de carga total

nq/nf – factor de forma, que depende da rede traçada

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Propriedades básicas de uma rede de fluxo

 As linhas de fluxo e as linhas equipotenciais são perpendiculares entre si, isto


é, sua intersecção ocorre a 90º;

 A vazão em cada canal de fluxo é constante e igual para todos os canais;

 As linhas de fluxo não se interceptam, pois não é possível ocorrerem duas


velocidades diferentes para a mesma partícula de água em escoamento;

 As linhas equipotenciais não se interceptam, pois não é possível se ter duas


cargas totais para um mesmo ponto;

 A perda de carga entre duas equipotenciais consecutivas quaisquer é constante.

A Figura 17 apresenta a solução gráfica para um outro exemplo semelhante ao


mostrado anteriormente.

Figura 17 – Rede de fluxo através de uma fundação permeável de uma cortina de estacas–
prancha

Exemplo

Para a cortina, com 100 m de comprimento representada na figura ao lado, calcular:

a) A quantidade de água que percola, por mês, através do maciço permeável,

b) A pressão neutra no ponto A.

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Resolução:

a)

Temos q= K.i.A

Resolvendo em função da rede de fluxo temos:

Gradiente i = Δh/L = (h/Nd) (1/L)

Vazão para 1 canal Δq = k (h/LNd) a 1 para 1m de cortina

Vazão total (unitário) q = k (h/Nd) (a/L) 1 Nf a/L = 1 (~quadrado)

q = k.h.1.(Nf/Nd) como anteriormente demostrado

q = 1,4x10-5 x 15 x 102 x 1 x (3/6) = 10,5x10-3cm3/seg

qtotal = 10,5x10-3 cm3/Seg x 104cm = 10,5 cm3/seg (considerado os 100m de cortina)

Em um mês tem-se: t = 30 x 24 x 60 x 60 = 2592x103Seg

Q = 10,5 x 2592 x 103 = 272,16x106cm3/mês

Q = 272m3/mês

b)

A pressão neutra no ponto A obtém-se da seguinte forma:

Δh = (h/Nd) = (15/6) = 2,5m (perda de carga em cada equipotencial)


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O número de quedas Δh até ao ponto A é de aproximadamente 3,5, logo a perda até
este ponto é de 3,5 x (15/6) = 8,75m e o nível de água no tubo piezométrico instalado
em A situa-se à 8,8m abaixo do nível de água a montante, ou seja a 6,25m do nível do
terreno em que está instalado.

Como demonstrado na proposta de Bernoulli para representar a energia total ou


carga total em um ponto do fluido, tem-se, expresso em termos de energia/peso:

carga total = carga altimétrica + carga piezométrica

logo a pressão no ponto é a carga, expressa em altura de coluna de água,


multiplicada pelo seu peso específico:

ua = γa. h

Considerando a soma das cargas, a pressão na água, em um ponto A, pode também


ser assim expressa: ua = pressão hidrostática + pressão hidrodinâmica

(altimétrica) (piezométrica)

A tensão correspondente no ponto A é, portanto, de:

(6,25 + 25) x γa

Ua= 31,2t/m2

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