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Artigo Original Revista Biotecnologia & Ciência v.6, n.1, p. 83-90, 2017.

Estudo de variação diagnóstica e terapêutica para acidente vascular


cerebral isquêmico no serviço de urgência.
1
Adriana P. C. Saraiva; 2Jaqueline C. Pontes; 3Vanessa R. Silva; 4Andriolo RB; 5Gutierrez
EG; 6Gusmão CC; 7Moreira KECS; 8Andriolo BNG; 9Atallah NA
1
Drª em Ciências pela EERP/USP/Profa. Assistente DMCF/CCBS/UEPA apcsaraiva@yahoo.com;
2Graduada em Enfermagem (UEPA), Pós-graduanda em UTI pelo CEEN PUC-GO e Urgência e
emergência pelo CGESP; 3Graduada em Enfermagem (UEPA); 4Universidade do Estado do Pará;
5
Universidade Federal do Pará; 6Universidade Federal do Pará; 7Universidade do Estado do Pará;
8
Universidade do Estado do Pará; 9Universidade Federal de São Paulo”

RESUMO
Determinar se existe variação na conduta diagnóstica e terapêutica do AVCi entre os médicos
plantonistas do Hospital Regional de Conceição do Araguaia e entre estes e as evidências clínicas
mais recentes para diagnóstico e tratamento de AVCi frente a dois casos clínicos. A pesquisa é de
caráter descritivo e transversal. As evidências científicas foram oriundas de diretrizes nacionais e
internacionais localizadas através da busca nas bases de dados PUBMED, LILACS, EMBASE e
COCHRANE LIBRARY. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos
médicos plantonistas a pesquisa se desenvolveu por meio da aplicação de um questionário com dois
casos clínicos hipotéticos que foram distribuídos aos profissionais médicos do setor de urgência e
emergência. A variação na conduta diagnóstica e terapêutica foi identificada entre os profissionais e
houve discordância da conduta destes com as diretrizes. Não indicar condutas recomendadas, e
indicar condutas contraindicadas, pode representar risco á saúde e gastos desnecessários. A
educação continuada deve ser incentivada para que a prática clínica seja baseada nas evidências
científicas mais recentes.

Palavras chave: Acidente vascular cerebral isquêmico. Diagnóstico. Tratamento. Prática baseada em
evidências.

ABSTRACT
To determine the variation in the diagnostic and therapeutic management of CVA between the
physicians on call at the Hospital Regional de Conceição do Araguaia and between these and the
most recent clinical evidence for diagnosis and treatment of CVA in two clinical cases. The
research is descriptive and transversal. The scientific evidences came from national and
international guidelines located through the search in the databases PUBMED, LILACS, EMBASE
and COCHRANE LIBRARY. After the signing of the Informed Consent Term by the physicians on
call, the research was developed through the application of a questionnaire with two hypothetical
clinical cases that were distributed to medical professionals in the emergency and emergency sector.
The variation in the diagnostic and therapeutic conduct was identified among the professionals and
there was disagreement of the conduct of these with the guidelines. On the other hand, not
indicating recommended conducts, and indicating contraindicated conducts, can pose health risk
and unnecessary expenses. Thus, continuing education should be encouraged so that clinical
practice is based on the latest scientific evidence.

Keywords: Ischemic Vascular Accident. Diagnosis. Treatment. Evidence-based practice.

Universidade Estadual de Goiás – Campus Ceres


Recebido em: 24/08/2017
Aceito em: 11/10/2017 83
Artigo Original Revista Biotecnologia & Ciência v.6, n.1, p. 83-90, 2017.

INTRODUÇÃO Esclarecido (TCE), constituindo 100% da


Os transtornos vasculares cerebrais amostra.
são os principais responsáveis por sequelas e O questionário utilizado para a coleta
óbitos de milhões de pessoas no Brasil e no de dados foi elaborado por Moreira (2003),
mundo. Em uma perspectiva nacional, as modificado por Gusmão e Gutierrez (2015) e
doenças crônicas não transmissíveis incluindo adaptado pelas pesquisadoras, o qual
os Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) contemplava dois casos clínicos típicos de
atingem 70% da população, considerado um AVCi, cujo objetivo foi obter respostas
grande problema de saúde pública. Os AVCs médicas baseada nas melhores evidências
são classificados em isquêmico e científicas. O questionário continha perguntas
hemorrágico, sendo o primeiro o mais sobre informações pessoais, informações dos
frequente. Em 2011 foi gasto pelo Sistema casos clínicos típicos de AVCi e dados
Único de Saúde (SUS) 200 milhões de reais referente ao hospital. Abaixo as seguintes
com internação por AVC, um custo bastante histórias clínicas:
elevado (IBGE, 2014; MALCHER et al., História clínica (A): Paciente de 63
2008; BRASIL, 2012). anos foi trazido ao hospital por familiares que
Embora o AVC seja considerado um relatavam queda súbita ao solo sem perda da
problema epidemiológico em saúde, o que consciência, associada a dificuldade da fala e
torna no Brasil este mais preocupante é que o marcha. Tinha história compatível com
atendimento e tratamento ainda permanecem amaurose fugaz, mas nunca procurou o
comprometidos. Entre as possíveis ações médico por isso. O paciente é ex-tabagista,
médicas que repercutem no aumento da normotenso e sem nenhuma outra história
mortalidade, das sequelas e recidivas, estão o anterior relevante. No exame admissional, 2
uso inespecífico de medicamentos, solicitação horas após o ictus, observava-se pressão
de exames desnecessários, a não adesão dos arterial (PA): 162x104mmHg, pulso: 90bpm
médicos a ações de educação continuada bem regular, exame de carótidas e tórax sem
como á condutas recomendadas por anormalidades, disartria, hemiparesia
evidências científicas (ALMEIDA, 2012). completa desproporcionada a esquerda com
Ressalva-se que para direcionar os predomínio braquial e nível de consciência
profissionais de saúde quanto ao manejo preservado.
específicos dos casos de AVC foram História clínica (B): Paciente de 47
elaboradas diretrizes e protocolos clínicos anos foi encontrado por familiares no quarto
conjuntamente por diversos países buscando pela manhã com dificuldade de fala e marcha
aprimorar a abordagem terapêutica e quando foi levado imediatamente ao hospital.
diagnóstica. Mediante a isso, as condutas No caminho apresentou quadro convulsivo
frente ao AVC devem ser continuamente generalizado com duração aproximada de 10
avaliadas e investigadas para identificar segundos. Tinha antecedentes de hipertensão
condutas errôneas (MOREIRA, 2003). arterial e tabagismo sem outra história
anterior relevante. No exame admissional
MATERIAL E MÉTODOS observava-se pressão arterial:
Estudo descritivo transversal, 222x128mmHg, pulso:100bpm irregular,
realizado no município de Conceição do afasia de expressão e hemiparesia completa
Araguaia, estado do Pará, sob a proporcionada a direita.
responsabilidade da Instituição de ensino O questionário, a autorização
superior (IES) Universidade do Estado do hospitalar e o TCLE foram apresentados aos
Pará, o estudo foi iniciado mediante a médicos pelas acadêmicas responsáveis pela
autorização da direção do Hospital Regional pesquisa, à abordagem aconteceu de forma
de Conceição do Araguaia (HRCA) e individualizada, estes assinados pelos dez
aprovação do projeto pelo comitê de ética em médicos plantonistas do serviço de urgência.
pesquisa (CEP). Amostra foi composta por Em relação ao tempo de preenchimento, não
esses dez médicos pronto-socorristas, foi estipulado limite. Após o preenchimento
pertencentes ao HRCA, que concordaram com os questionários foram agrupados para a
os termos da pesquisa e assinaram após leitura análise dos dados.
o Termo de Consentimento Livre e
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Recebido em: 24/08/2017
Aceito em: 11/10/2017 83
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As melhores evidências foram O eletrocardiograma foi solicitado por


definidas inicialmente por diretrizes clínicas 10% e 80% para os casos A e B, o
internacionais e nacionais e ainda por revisões eletroencefalograma (EEG) por 40% para o
sistemáticas da Cochrane Library. Para caso B. O percentual de pedidos para o exame
identificação dos estudos, foi construída uma de doopler de carótidas foi de 20% e 10%
estratégia de busca com termos oficiais e para os casos A e B. Para o exame de raios-X,
sinônimos de acidente vascular cerebral e os respectivamente 40% e 50% para os casos A e
filtros de cada desenho de estudo de acordo B. A angiografia apresentou proporção de
com as evidências de nível I. 40% e 60% para os casos A e B. Dos médicos
entrevistados 80% e 70% para os casos A e B
RESULTADOS solicitaram no mínimo um exame não
Da amostra estudada, 60% tinha uma indicado para o manejo inicial.
média de 50, 8 anos de idade, 24,9 anos de Nesta pesquisa, os exames de análises
formação, 80% do sexo masculino e 50% não clínicas solicitados foram classificados em
possuíam especialização. Um dado bastante “recomendados”, “sugeridos” e “não
relevante para esta pesquisa foi o hospital não indicados”. Os exames laboratoriais
possuiu médico neurologista. O tempo de recomendados para casos de AVCi na
atuação como pronto-socorrista representado emergência são o hemograma completo,
por 60% da amostra foi acima de 10 anos, glicose, creatinina, ureia, ionograma,
onde 50% referiu atender de 5 a 10 casos e coagulograma, e enzimas cardíacas. São
40% acima de 20 casos de AVC por ano. estabelecidos como exigência, devem estar
Os exames diagnósticos solicitados disponíveis e realizados o mais breve possível
pelos médicos foram divididos em três grupos (OLIVEIRA-FILHO et al., 2012; GOYAL et
de acordo com as recomendações das al., 2015). Alguns participantes ao
melhores evidências disponíveis na literatura responderem este item citaram apenas 1 e/ou
(OLIVEIRA-FILHO et al., 2012): (1) Exames 2 exames clínicos e outros não preencheram.
Recomendados como a Tomografia De igual modo as opções terapêuticas
Computadorizada (TC), laboratoriais e foram classificadas neste estudo em
eletrocardiograma, (2) Exames Sugeridos a “recomendados”, “discutíveis” e
radiografia de tórax, doppler de carótidas e o “contraindicados”. A terapêutica
eletroencefalograma (para o caso B) e (3) recomendada para o caso A são: uso de
Exames Não indicados como a punção trombolíticos, hidratação lenta e diária com
lombar, eletroencefalograma (para o caso A), solução salina a 0,9% (isotônicas) com um
angiografia cerebral e ecocardiograma volume de 100mL/hora em 24 horas,
transesofágico. equivalente a mais de 2 litros e menos que 2,5
A TC deve ser realizada dentro de 25 litros, já para o caso B, o uso de anti-
minutos após a chegada do paciente ao hipertensivo, antiplaquetário (AAS)
hospital, é um exame de rápida execução. Sua (BRASIL, 2012; SCHEFFER, et al., 2015;
interpretação deve ocorrer no período de 3 CARRERA et al., 2015; GOYAL et al., 2015;
horas para não comprometer o tempo de MARTINS et al., 2012).
inicio da terapia trombolítica, que deve O trombolítico rt-PA (Alteplase) é
ocorrer até 4,5 horas após o início dos indicado para o tratamento específico na fase
sintomas (OLIVEIRA-FILHO et al., 2012; aguda do AVCi, com dosagem 0,9mg/Kg até
GOYAL et al., 2015). um total máximo de 90mg, sendo 10% da
O questionário apresentava o resultado dose endovenosa em 1 minuto e o restante em
da tomografia computadorizada nos dois bomba de infusão por 1 hora (BRASIL,
casos clínicos, servindo de base aos 2010). No que se refere ao uso de
participantes para que respondessem à trombolítico, 60% e 30% utilizaram
conduta terapêutica. Assim a TC foi solicitada respectivamente ao caso A e B e com
conforme recomendado pelas diretrizes por dosagem correta de 10% para ambos.
100% e 80% dos médicos respectivamente As evidências recomendam manter o
para os casos A e B, isso porque o paciente em condição euvolêmica, para tal, é
questionário considerava que estivessem com indicado o uso de soluções isotônicas
todos os serviços diagnósticos disponíveis. (solução fisiológica a 0,9%), menos em caso

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de perda volêmica, e é preciso manter cautela Diferente de estudos já realizados que


quanto ao volume. Hipervolemia e apresentava um público médico com pouca
hipovolemia tendem a agravar o estado de experiência profissional para atuar em
isquemia cerebral e/ou promover lesões renais prontos-socorros, esta pesquisa revelou que os
e cardíacas (SCHEFFER et al., 2015; médicos entrevistados possuíam grande
CARRERA et al., 2015; MARTINS et al., experiência profissional quanto às urgências
2012). A solicitação foi feita por 30% dos ao AVC pelo tempo de atuação como pronto-
médicos nos dois casos. socorrista e o número de casos atendidos por
O uso de anti-hipertensivos e Ácido ano, no entanto desconheciam de novas
Acetil Salicílico (AAS) foi de 80% para o atualizações relacionadas às condutas do
caso A, a terapia com anticonvulsivante foi de mesmo. Diante dos resultados de tempo de
40%/70% para casos A/B. A heparina foi formação e idade, estudos revelam que
indicada 10% e 40% para os casos A e B, conforme os médicos envelhecem, eles
80% e 70% para os casos A e B solicitaram dedicam menos tempo a cursos de formação,
anti-hipertensivos não indicados, por 40% e atualização e aperfeiçoamento (GUSMÃO et
30% para os casos A e B de corticosteroides e al., 2015; SCHEFFER et al., 2015).
60% de vasodilatadores cerebrais para ambos. Isso expressa à importância da
Quanto à necessidade de TC antes do uso do educação médica continuada, visto que o
AAS 60% e 50% para os casos A e B serviço de urgência é a porta de entrada do
solicitaram. Com relação à janela terapêutica paciente, e um atendimento adequado é
em horas, 50% relatou utilizar após o horário primordial para um bom prognóstico. É
indicado pelas diretrizes. De todos os importante neste serviço o profissional ter
participantes 40% relatou ter participando competência clínica, devido à rapidez
como ouvinte/organizador de ações necessária na prestação do atendimento, deste
educativas e 20% relataram conhecer modo seus conhecimentos precisam ser
protocolos nacionais para os cuidados ao atualizados e novos conhecimentos devem ser
AVC. incorporados à sua prática (JAUCH et al.,
2013).
DISCUSSÃO O fato de o hospital não possuir TC
Correspondente ao sexo, 80% foi determina na não diagnose diferenciada entre
masculino, análogo a estudos já realizados, os casos de AVC e em consequência a não
porém uma realidade que vêm mudando no utilização da terapia trombolítica, implicando
cenário atual do Brasil com o aumento do em uma conduta profissional baseada somente
ingresso de médicas. De todos os médicos do na clínica e em exames laboratoriais.
Brasil 41% não possuem título de O eletrocardiograma é indicado para o
especialidade. Essa carência de profissionais diagnóstico diferencial do AVC em relação a
especializados no Brasil é uma realidade no outras patologias com sinais semelhantes,
HRCA, tendo 50% dos entrevistados sem principalmente quando o paciente apresentar
especialização e/ou residência, mesmo convulsão e arritmias cardíacas (GOYAL et
aqueles com mais de 10 anos de formação, e al., 2015).
apenas um participante possuía especialidade A utilização do EEG no inicio da
na área de atuação (GUSMÃO et al., 2015; avaliação ao AVCi ainda é discutida em
SCHEFFER et al., 2015; CARRERA et al., muitos estudos, mas possui valor no
2015). diagnóstico de outras condições como a
Destaca-se a ausência de Neurologista epilepsia (OLIVEIRA-FILHO et al., 2012;
no hospital, um profissional essencial para a COMMITTEE et al., 2008). Foi colocado
avaliação e tratamento específico ao paciente neste estudo como exame sugerido apenas
com AVCi. Nesse âmbito uma alternativa para o caso B, com intuito de avaliar a
para minimizar o impacto e suprir essa atividade cerebral, haja vista o citado quadro
ausência é o uso da telemedicina, por convulsivo desse caso.
proporcionar com maior rapidez a avaliação Entretanto, o EEG foi solicitado por
(BRASIL, 2012; JAUCH et al., 2013; 40% dos médicos neste caso. Ainda que não
OLIVEIRA-FILHO et al., 2012). seja formalmente recomendado pelos
consensos e diretrizes, optou-se colocá-lo

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como um “exame sugerido”, por ser um tema acordar, deve-se considerar o ultimo horário
controverso no contexto da primeira avaliação que o paciente foi observado normal
de um paciente com AVCi, porque pode (MARTINS et al., 2012; BRASIL, 2010).
interferir no tempo da trombólise Deste modo, a não definição do tempo tornou
(OLIVEIRA-FILHO et al., 2012; GOYAL et a terapia trombolítica inviável e
al., 2015; MARTINS et al., 2012). contraindicada para o caso B. Estes resultados
O exame de Doopler de carótidas é um mostram que a maioria dos médicos
auxiliar no tratamento do AVC, por isso foi desconheciam a terapêutica com o uso do rt-
colocado como um “exame sugerido”. Ele PA para os casos de AVCi, ainda que a
tem a função de detectar oclusões de origem mesma exista há mais de 15 anos, seja
extracraniana e cardíacas, e é usado para aprovada pelo Ministério da Saúde e possua
monitorar os efeitos da terapia trombolítica comprovação internacional desde 1996
(OLIVEIRA-FILHO et al., 2012; GOYAL et (OLIVEIRA-FILHO et al., 2012; SBC, 2013).
al., 2015). O exame de Raio X, pode ser Mesmo sendo recomendado, nenhum
utilizado para auxiliar o manejo de AVC, mas médico realizou a reposição de fluidos
não é específico para o diagnóstico. adequadamente, e apenas 30% indicaram o
A angiografia cerebral é considerado uso de hidratação para os dois casos.
um exame não indicado inicialmente aos Em relação à utilização de anti-
casos de AVCi, porém foi solicitada pelos hipertensivo 80% indicou para o caso A, uma
médicos. A solicitação de exames conduta contraindicada pelas diretrizes. O
desnecessários contribui para o aumento dos paciente deste caso apresentava uma PA de
gastos, da mesma maneira que interfere na valor considerado comum para casos de
evolução e prognóstico do doente e AVCi, e de acordo com a literatura a
influenciam de maneira negativa na rapidez recomendação da diminuição da PA deve
do atendimento (OLIVEIRA-FILHO et al., ocorrer apenas em valores acima de 220
2012). mmHg para pressão arterial sistólica (PAS) e
Ainda em análise, apenas um médico maior que 120 mmHg para pressão arterial
respondeu ao questionário solicitando diastólica (PAD), e de maneira gradativa
exclusivamente os exames recomendados (OLIVEIRA-FILHO et al., 2012; GOYAL et
pelas melhores evidências na abordagem al., 2015; MARTINS et al., 2012; BRYER et
inicial para um caso. Nestas condições, al., 2010).
nenhum médico solicitou apenas os exames O uso de antiplaquetário também é
clínicos recomendados pela literatura, contraindicado para o primeiro caso, visto a
igualmente nenhum solicitou pelo menos indicação da terapia trombolítica, já o
todos os exames recomendados, em ambos os segundo caso havia indicação, sendo o AAS o
casos. recomendado, por diminuir o risco de
Destaca-se que a utilização do recorrência de AVCi e ainda reduzir a
trombolítico rt-PA nessa pesquisa possuiu morbimortalidade significativamente
indicação somente para o caso A, e este foi (OLIVEIRA-FILHO et al., 2012; MARTINS
prescrito com dosagem e via de administração et al., 2012; BRASIL, 2010). Mesmo
correta por apenas 10 % dos médicos. Houve possuindo contraindicação para o caso A,
prescrição de 10% para o caso B, apesar da 80% da amostra indicou seu uso.
história clínica mostrar ser contraindicado o Para dois casos clínicos foi indicada
seu uso porque apresentava um cliente com terapia com anticonvulsivantes pelos médicos,
elevação da PA e tempo de Ictus com 40% e 70% de solicitação para os casos
indeterminado (BOTELHO et al., 2016; A e B. Por mais que o caso B informasse
BRASIL, 2010). O tempo de ictus não foi quadro convulsivo generalizado essa conduta
definido, porque a família percebeu somente é inadequada, uma vez que o uso de
pela manhã as alterações no comportamento anticonvulsivante somente é recomendado em
do paciente. caso de convulsão recorrente, pois não
De acordo com o protocolo de existem estudos que comprovem benefício de
utilização do rt-PA o horário do inicio dos terapia profilática. Logo, Um fator que pode
sintomas deve ser precisamente estabelecido, ter contribuído para a utilização do
e caso os sintomas forem observados ao anticonvulsivante no caso B, foi à descrição

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de um episódio de convulsão relatado na consciência e pico hipertensivo do cliente do


história clínica do paciente. Todavia o caso B, o receio de iniciar terapia com
episódio ocorreu sem avaliação clínica, de antiplaquetários sem a TC para descartar um
forma isolada, sem acompanhamento do quadro de AVC hemorrágico pode ser a
médico e/ou equipe, sem confirmação, além justificativa médica para tal conduta
disso, o paciente não apresentava sinal para a (OLIVEIRA-FILHO et al., 2012; GOYAL et
suspeita de convulsão, sendo dispensável a al., 2015).
utilização de anticonvulsivante (OLIVEIRA- Em resposta ao uso de trombolíticos
FILHO et al., 2012; MARTINS et al., 2012; avaliando a janela terapêutica, 50% relataram
BRASIL, 2010; SHIONOHARA et al., 2011; utilizar para os dois casos acima do limite
POTTER et al., 2009). recomendado pelas diretrizes (BRASIL,
A heparina (anticoagulante) foi 2010).
indicada no questionário por 10% dos O uso associado de trombolítico,
médicos no caso A e 40% no caso B, contudo antiplaquetário ou anticoagulante diante dos
é contraindicada para ambos no início do casos foi de 40% sendo está prática
tratamento ao AVCi, devido a não redução contraindicada. Em pacientes indicados ao
significativa de recorrência, da taxa de tratamento trombolítico é necessária a
mortalidade e invalidez, e pode aumentar o solicitação do coagulograma, pois o
risco de desenvolver complicações tratamento pode ser interrompido dependendo
hemorrágicas intracranianas (OLIVEIRA- dos resultados deste, mas o início desta
FILHO et al., 2012). terapia não deve ser adiado para a espera
Os corticosteroides não são indicados, desses resultados (OLIVEIRA-FILHO et al.,
porque não existem evidências científicas de 2012; GOYAL et al., 2015; BRASIL, 2010).
seu uso na redução de óbitos e nenhuma Uma lacuna identificada foi à ausência de
melhora observada. Contudo, seu uso foi solicitação de coagulograma em associação
indicado por 40% e 30% de médicos para o com o uso do trombolítico, representado por
caso A e B (POTTER et al., 2009). 90% e 100% para os casos A e B.
Para ambos os casos, não era indicado Apesar de 40% relatar ter participado
o uso dos vasodilatadores cerebrais, já que como ouvinte ou organizador de alguma ação
não possuem comprovação da eficácia e educativa sobre acidente vascular cerebral
segurança diante do AVCi, principalmente na realizada pelo hospital, os resultados
fase aguda, no entanto 60% em ambos os caso mostraram que tais conhecimentos não são
prescreveram seu uso (OLIVEIRA-FILHO et empregados na prática cotidiana. Isso também
al., 2012). evidencia uma carência em ações de educação
Os medicamentos utilizados para uma em saúde entre o público estudado, e ainda
abordagem frente à hipertensão no AVCi se mais preocupante, quando observado que
divergem em muitos estudos, dentre eles apenas dois participantes conheciam a
recomenda-se o uso de labetolol, existência de protocolo específico para o
bloqueadores de canal de cálcio, bloqueadores atendimento ao AVCi.
dos receptores β, metoprolol, esmolol, Recomendam-se programas
lisinopril, nicardipina, nitroprussiato de sódio educacionais para aumentar a conscientização
e urapidil (OLIVEIRA-FILHO et al., 2012; do AVC entre os profissionais, bem como a
GOYAL et al., 2015; MARTINS et al., 2012; disponibilização de protocolos e/ou diretrizes
BRASIL, 2010; BRYER et al., 2010; dentro dos ambientes que atendem pacientes
SHINOHARA et al., 2011 ). Assim, 80%/ com AVC (MARTINS et al, 2012). Um fator
70% para os casos A e B dos médicos que pode estar relacionado com a variação
entrevistados utilizaram anti-hipertensivos diagnóstica apresentada é o desconhecimento
não recomendados. da existência de um protocolo
A utilização de antiplaquetários (AAS) institucionalizado no serviço de emergência
não necessita de TC de crânio prévia segundo e/ou uma diretriz/guidelines específica para o
estudos, porém 60% e 50% respectivamente atendimento ao AVC, pois 20% dos médicos
para os casos A e B dos médicos dessa eram cientes da existência de protocolos ou
pesquisa relataram a necessidade. Pelo estado diretrizes somente nacionais.
geral mais grave, rebaixamento do nível de

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A média de tempo da realização e recomendadas, e indicar condutas


interpretação da TC mostrou-se inadequada contraindicadas, pode representar risco á
neste trabalho, de 8 a 72 horas, um valor saúde e gastos desnecessários. A educação
discrepante em comparação com a continuada deve ser incentivada para que a
recomendação das diretrizes que consideram prática clínica seja baseada nas evidências
o limite máximo de 45 minutos. Outros científicas mais recentes.
estudos semelhantes também demonstraram
uma discrepância menor. Essa demora na REFERÊNCIAS
realização da TC influencia na tomada de
decisão para o tratamento específico do AVC, ALMEIDA, S. R. M. Análise epidemiológica do Acidente
Vascular Cerebral no Brasil. Revista de Neurociências.
codificando apenas como AVC não Campinas-SP, v. 20, n. 4, 2p, 2012.
especificado (CID-10: I64). Este tempo para a
realização e interpretação da TC deu-se BOTELHO et. al. Epidemiologia do acidente vascular
cerebral no Brasil. Temas em Saúde. João Pessoa – PB, v. 16,
devido aos médicos afirmarem que o hospital n. 2, 2016. ISSN 2447-2131.
não possui tal serviço, sendo necessário o
referenciamento dos suspeitos de AVC. O BRASIL - Ministério da Saúde. Departamento de Assistência
Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Relação nacional de
problema de não realização da TC é uma medicamentos essenciais: Rename 2010. 7ed, Brasília, DF,
realidade em muitos hospitais brasileiros, 2010. 250 p. ISBN 978-85-334-1670-3.
mesmo nos que possuem tomógrafo
BRASIL - MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 664 de 12
(GUSMÃO et al, 2015; SCHEFFER et al., de abril de 2012. Diário Oficial [da] República Federativa do
2015; OLIVEIRA-FILHO et al., 2012; Brasil, Brasília, DF, 2012. ISSN 1677-7042.
GOYAL et al., 2015; BRASIL, 2010).
BRYER, A. et. al. Shouth African guideline for management
Após a análise dos questionários, foi of ischaemic stroke and transient ischaemic attack 2012: A
observada que não houve um estabelecimento guideline from the Shouth African stroke society (SASS) and
de condutas diagnósticas e terapêuticas 100% the SASS Writing Committee. S Afr Med J. v.100, n.11, Pt 2,
p. 74778, 2010.
adequadas para os casos clínicos propostos.
Uma realidade já evidenciada por outras CARRERA, R. M. et. al. Associação entre participação e
pesquisas, como expressa por Moreira (2003) cumprimento de um programa de educação médica
continuada e produção assistencial dos médicos: estudo
em apenas 1,2% de acertos, este afirma que transversal. Hospital Albert Einstein. São Paulo – SP, v. 13,
tal resultado possa ter como fatores da n. 1, p. 1-6, 2015.
provável justificativa: o comprometimento da
COMMITTEE E. S. O., COMMITTEE E. W. Guidelines for
qualidade na formação médica, educação management of is ischaemic stroke and tansient ischaemic
médica continuada de baixa qualidade ou attack 2008. Cerebrovascular Diseases, v. 25, n. 5, 2008.
inexistente, insuficiente infraestrutura e
GOYAL, N. et. al. Cost Burden of stroke mimics and
organização hospitalar e pré-hospitalar, transient ischemic attack after intravenous tissue plasminogen
negligência, entre outros. activador treatment. Journal of strok and cerebrovascular
diseases, 2015.
CONCLUSÃO GUSMÃO, C. C., GUTIERREZ, E. G. Estudo de variação
Com base nos resultados, pode-se concluir terapêutica para acidente vascular cerebral isquêmico nas
que as diretrizes mais atuais sobre condutas urgências de serviços de saúde em Belém – Estudo
transversal. Belém – PA, 2015.
diagnósticas e terapêuticas em AVCi estão
disponíveis em bases de dados online e IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
gratuitas, mas a maioria no idioma inglês, o ESTATÍSTICA – IBGE. Percepção do Estado de Saúde,
estilo de vida e Doenças Crônicas. Rio de Janeiro, RJ –
que pode dificultar o acesso à informação. Brasil, 2014. ISBN 978-85-240-4334-5.
A velocidade com que novas pesquisas
são realizadas, no Brasil e no mundo, impõe JAUCH, E. C. et. al. Guidelines for the early management of
patientes with acute ischemic stroke: A guideline for
frequentes atualizações de diretrizes clínicas, healthcare professionals from the american heart
o que pode contribuir para a desatualização association/America stroke association. Stroke, v. 44, n. 3, p.
dos profissionais, especialmente os que se 870-947, 2013.
formaram há mais tempo. MALCHER, S. A. O. et. al. Estudo clínico-epidemiológico
A variação na conduta diagnóstica e de pacientes com acidente vascular encefálico de um hospital
terapêutica foi identificada entre os público. Belém – PA, 2008.
profissionais e houve discordância da conduta
destes com as diretrizes. Não indicar condutas

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