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PROCEDIMENTO CIRÚRGICO PARA ARRITMIA CHAGÁSICA CONGÊNITA EM

CRIANÇAS: REVISÃO SISTEMÁTICA DE LITERATURA

SOUSA, L. M. A. de
Estudante de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande, campus de Cajazeiras-
PB.

INTRODUÇÃO
A patologia chagásica ou Doenças de Chagas é uma condição com grande prevalência
e elevado grau de mortalidade e até morbilidade em países pobres do mundo. Por
acometimento direto do tecido cardíaco é um problema médico-social alarmante e com
manifestações funcionais diversas na clínica médica (SILVA, 2008).
Sobre a fisiopatologia chagásica no tecido miocárdico são importantes as lesões
inflamatórias que acometem as fibras musculares atriais e dos ventrículos (DIAS, 1985) e
tecido nervoso condutor do impulso elétrico (RASO, 1985) Essas alterações cursa com
Disfunção do Ventrículo Direito, que possui relativa inadequadação a tratamento
farmacológico e possui elevado aumento de risco de morte de até cinco vezes mais em relação
a pacientes normais (NUNES, 2007).
Sabe-se que a patologia chagásica possui diferentes formas de transmissão, tanto
horizontal quanto vertical, sendo a transmissão congênita uma das pouco estudadas e
consideradas na prática clínica (MATTOS, 2011). A transmissão transplacentária é bastante
relevante e consiste numa forma subdiagnosticada para a patologia chagásica em crianças
(FIGUEIRÔ FILHO et al, 2007).
De acordo com o Consenso Brasileiro para Doença de Chagas, o paciente que
apresenta repercussão hemodinâmica, como síncope, apresenta risco para morte súbita e o
tratamento consiste, quando a forma não medicamentosa for resolutiva, de desfibrilador
implantável (DIAS, 2016).
Para tanto, a presente revisão sistemática de literatura tem por objetivo analisar o
perfil de tratamento de cardiomiopatia chagásica em crianças que adquiriram a patologia da
Doença de Chagas de forma congênita, tendo a Ablação Percutânea por Radiofrequência
(ARF) como alternativa no tratamento clínico.
METODOLOGIA
O presente artigo de revisão sistemática de literatura buscou publicações datadas desde
1980 até ano atual, em bases de dados nacionais e internacionais, dentre elas, LILACS,
PubMed, Scielo e The Lancet. Valendo-se de descritores em português e inglês a seguir:
Doença de Chagas; Cadiomiopatia Chagásica; Congenital Abnormalities dentro do âmbito da
Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular nas mesmas bases de dados de pesquisa em saúde
referida. Os critérios de inclusão foram artigos que contemplassem os descritores, analisando
o resumo simples dos mesmos. Os critérios de exclusão forma artigos sem bases de ensaios
clínicos e randomizados, que apresentaram dados inconclusivos quanto à melhora do paciente
pós terapia discutida e os quais não detinham comentários sobre a discussão abordada no
presente artigo. Não houve conflito de interesses para realização da presente revisão de
literatura.

RESULTADOS
A busca por publicações datadas desde 1990 até a metade da segunda década do
século XXI em bases de dados já citadas pode selecionar artigos que abordassem os
descritores assinalados para a presente discussão, sendo realizada a leitura dos resumos
expandidos de trabalhos de revisão de literatura com estudo descritivo transversal, ensaios
clínicos e estudos randomizados nacionais e internacionais, com vista a prevalência absoluta
de casos confirmados de patologia chagásica em crianças que adquiriram a doença por via
transplacentária.
Os estudos foram analisados seguindo os critérios de inclusão pré-definidos, e com a
identificação de dados conclusivos nesses, foram repetidos fluxogramas brasileiros e criadas
tabelas com resultados da pesquisa e resultados numéricos dos presentes artigos selecionados.
Sendo assim, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a patologia
chagásica acomete mais de treze milhões de pessoas, sendo mais de noventa milhões com
elevado risco de contrair a doença sobre variadas formas, principalmente nos países da
América Latina (WHO, 2018)
A doença de Chagas é uma das principais condições problemáticas de saúde pública e
cursa como causa de Insuficiência Cardíaca secundária em áreas endêmicas, apresentando
assim escassa relevância na literatura e poucas aplicabilidades de tratamento para suas
complicações (BRAGA, 2005).
De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS), o estudo sobre
patologia chagásica congênita é mais eficaz e preditivo em crianças de 0 a 5 anos de idade,
avaliando dentre outros aspectos epidemiológicos, a região e gênero (OMS, 2018).
Um estudo realizado por Ostermayer para a o Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG) analisou crianças de 0 a cinco anos
incompletos, moradoras das diversas áreas rurais brasileiras entre 2001 e 2008. O espaço de
amostra foi composto de 150.646 crianças, com coleta de amostras de sangue, processamento
das amostras, registro e processamento dos dados. Em seu resultado, foi comprovados 20
casos de Doença de Chagas adquirida de forma congênita, com predomínio masculino, com
relativa presença entre 3 e 4 anos de idade (OSTERMAYER, 2011).
Um estudo realizado por Braga e colaboradores, identificou que o intervalo de tempo
entre a insuficiência cardíaca instalada e o reconhecimento do quadro clínico foi maior em
pacientes com miocardiopatia de Chagas, o que implica em um cuidado para avaliar
alterações no Eletrocardiograma (ECG) e o diagnóstico sorológico (BRAGA, 2006).
Em vista da dificuldade de se avaliar o exame de ECG em pacientes infantis e tomada
o aumento de casos de doenças congênitas se faz necessário entender as principais alterações
possível do eletrocardiograma que possam beneficiar um melhor prognóstico da criança.
Sendo assim, o Consenso Brasileiro de Doença de Chagas apresenta um algoritmo didático à
prática médica de alterações possíveis em um ECG convencional.

Figura 1. Algoritmo para avaliação do indivíduo com doença de Chagas a partir do


eletrocardiograma (ECG) convencional
Fonte: II Consenso Brasileiro em doença de Chagas, 2015. 

Sabe-se hoje, de acordo com publicação do Consenso Brasileiro para Doença de


Chagas que o diagnóstico de Chagas congênita segue um fluxograma básico, demonstrando a
necessidade de entendimento de áreas endêmicas como razão para diagnóstico diferencial de
cardiomiopatias na infância.

Figura 2. Fluxograma para abordagem da infecção por T. cruzi no binômio mãe/filho

Fonte: II Consenso Brasileiro em doença de Chagas, 2015. 

A cardiomiopatia chagásica é causa grave de morte súbita em paciente com


Insuficiência Cardíaca descompensada (WHO, 2018). Um estudo realizado na Venezuela com
37 pacientes chagásicos cardiopatas faleceram de forma abrupta em 10 anos, sendo cerca de
56% desses pacientes apresentando insuficiência cardíaca.
Um outro estudo, envolvendo 1.220 pacientes portadores de IC com classes
funcionais III e IV da New York Heart Association (NYHA), apresentou 20% dos pacientes
com cardiopatia dilatada (37% da causa de IC nesses pacientes) devido doença de Chagas
(FREITAS, 2005).
Uma coorte com 204 pacientes com IC em um período de diagnóstico de 3 anos e 10
meses apresentou que a etiologia chagásica foi fator de pior prognóstico de morte
cardiovascular nos pacientes, somando aqueles com classificação de NYHA bem elevada
(RASSI, 2005).
Um estudo analisando 313 casos descritos no município de Bambuí - MG, cerca de
8,35 de óbitos se deu por cardiomiopatia chagásica como causa de IC, sendo desses casos,
75% correspondente a crianças menores de 5 anos de idade (Adaptado de ALMEIDA, 2004).
A inflamação do tecido miocárdico grave é mais freqüente em crianças de menor
idade, e o quadro clínico é clássico a uma Insuficiência Cardíaca em adultos, com dispnéia,
taquipneia, ritmo de pulso em galope, baixo débito cardíaco, hepatomegalia e edema
(Adaptado de ALMEIDA, 2004).
Em relação a fisiopatologia, é possível que a arritmogênese do paciente chagásico seja
em razões funcionais de mudanças rápida relativas ou absolutas das consolidadas alterações
nervosas simpáticas e parassimpáticas do coração (JUNQUEIRA, 1991).
Para tanto o tratamento estimado para arritmias decorrentes da cardiomiopatia
chagásica, tais como taquiarritmia ventricular ou fibrilação ventricular, se dá por alternativas
invasivas como técnicas de ablação do foco arrítmico por cateter ou cirurgia e,
principalmente, o implante do cardiodesfibrilador para pacientes mais graves (DIAS, 2016). A
terapia farmacológica com amiodarona é citada na literatura, contudo não é foco do presente
artigo.
A Ablação Percutânea com Radiofrequência (ARF) é uma alternativa terapêutica para
adultos com taquicardia paroxística supraventricular (TPSV), tendo relato na literatura, pela
primeira vez, em 1987 e se tornou uma alternativa ao tratamento clínico para tratar diversas
arritmias na população infantil desde seu primeiro relato em 1989 (DICK, 1991).
Foi analisado um estudo realizado com 125 crianças submetidas a correção de
cardiopatias congênitas no Instituto do Coração da Faculdade de Medicna da Universidade de
São Paulo (Incor FMUSP). A técnica utilzada foi a Ablação Percutânea com Radiofrequência,
sendo a amostra dividida em três grandes grupos (DE MELO, 2016).
Em razão da patologia chagásica congênita estar presente, de forma majoritária, em
crianças menores ou igual a 5 anos, foi considerado o segundo grande grupo do estudo, sendo
este composto por crianças de 0 a 5 anos, que por não apresentarem melhora clínica e adesão
a antiarrítmicos para tratamento de suas arritmias não congênitas, foram candidatas a
procedimento de ablação (DE MELO, 2016).
Como resultado desse estudo, Melo et al. confirmaram que, das crianças estudadas, 35
(27 % da amostra) apresentavam arritmias ventriculares e erros de condução nodal, sendo
submetidas a ARF, dois (9,5%) foram para correção de arritmias ventriculares e dois (9,5%)
para correção de Taquicardia por Reentrada Nodal (TRN) (DE MELO, 2016). Vale ressaltar
que tais cardiopatias arrítmicas são comuns na doença chagásica.
Com relação ao sucesso do procedimento, se obteve 42,9% após a primeira e 75% de
casos corrigidos após novas intervenções. Cinco pacientes (28,6%) foram submetidos a uma
segunda intervenção. Sobre reincidência de arritmias, apenas 17 crianças apresentaram
quadros específicos dos problemas que já detinham. (DE MELO, 2016).

CONCLUSÃO

Esta revisão sistemática de literatura tem por necessidade demonstrar aspectos


pertinentes a Insuficiência Cardíaca em crianças que apresentam casos de Doença de Chagas
congênita e uma abertura a plano terapêutico alternativo que melhore a sobrevida do público
pediátrico.
Fica clara a necessidade de novas pesquisas na área, com melhor delineamento do
público e da amostragem, uma atualização precisa dos últimos anos para a Doença de Chagas
e sorologia positiva em gestantes e também no perfil da clínica pediátrica.
Também é valido ressaltar a escassa literatura para a terapia de Ablação Percutânea
por Radiofrequência em crianças e avanços e melhorias da técnica com redução de
reincidência das cardiopatias infantis tratáveis por alterações da condução nodal no tecido
cardíaco.

REFERÊNCIAS

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