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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL

BRUNO AUGUSTO PASIAN CATOLINO

O SISTEMA DE RESERVA DE COTAS PARA NEGROS NA UEMS: uma


proposta de adequação à Constituição Federal

PARANAÍBA
2009
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BRUNO AUGUSTO PASIAN CATOLINO

O SISTEMA DE RESERVA DE COTAS PARA NEGROS NA UEMS: uma


proposta de adequação à Constituição

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


à Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul – UEMS, Unidade Universitária de
Paranaíba, como exigência parcial para
bacharelado do curso de Direito.

Orientador: Profª. Me. Mário Lúcio Garcez


Calil

PARANAÍBA
2009
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BRUNO AUGUSTO PASIAN CATOLINO

O SISTEMA DE RESERVA DE COTAS PARA NEGROS NA UEMS: uma


proposta de adequação a Constituição Federal

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


e aprovado, como requisito parcial, para
obtenção do grau de bacharel em Direito pela
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul,
Unidade Universitária de Paranaíba.

BANCA EXAMINADORA

Orientador (a):

_____________________________________
Prof. Me. Mário Lúcio Garcez Calil -
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

_____________________________________
Prof. Me. Isael José Santana -
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

_____________________________________
Profª. Me. Ângela Aparecida da Cruz Duran -
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

Paranaíba,____/___/_______/
4

Aos meus pais Ailton e Sueli,


E à minha irmã Daniele,
Que me deram apoio logístico e emocional
Durante todos esses anos de academia
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos professores da Universidade do Mato Grosso do Sul que enriqueceram


meus conhecimentos jurídicos me fazendo ver o mundo de uma forma mais crítica, mais
especialmente àqueles professores aos que sempre buscam o conhecimento e não permanecem
estáticos, contribuindo, desta forma, para o crescimento e reconhecimento da Instituição
UEMS.
Agradeço aos meus velhos amigos da “República Utópica”: Fábio Vieira Scarpa,
Diego Villela e Thiago André Silva Gonçalves, pela amizade confiada e por compartilharem
todas as suas alegrias, tristezas, ambições e frustrações comigo. Absorvi um pouco de cada
um deles em minha formação humana e intelectual.
Agradeço aos amigos da “República do Xingú ao Figueirão”: Wesley Jorge da Silva,
Iago Santana e Edson Rodrigues Lima Júnior, pela paciência comigo quando da elaboração
deste trabalho, pelo notebook emprestado, e por serem exemplos de como se trabalhar em
equipe.
Agradeço aos amigos de classe que conquistei na Universidade, em especial aos do
“fundão”, sempre me ajudando nos estudos, e em tudo o que precisei.
Agradeço ao meu orientador pelas valiosas informações sobre meu trabalho, sempre
me direcionado em qual rumo tomar na produção deste trabalho, o qual hoje elenco no rol de
amigos.
Agradeço aos meus pais: Ailton Catolino dos Santos e Sueli Rosicler Pasian; e à
minha irmãzinha: Daniele Naila Pasian Catolino, por serem sempre um “porto seguro”.
Palavras não são capazes de expressar a minha eterna gratidão.
Agradeço ao Rock’n’Roll e a música em geral por existirem, por ser meio de alívio
das minhas frustrações e forma de expressão cultural, além de financiar grande parte dos meus
estudos quando de sua execução nos bares de Paranaíba.
6

A mais perigosa visão do mundo


É a das pessoas que jamais olharam o mundo.

(ALEXANDER VON HUMBOLDT)


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RESUMO

A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul por meio da Lei Estadual n° 2.605/03
reserva um porcentual de 20% das vagas gerais dos cursos oferecidos para negros. O presente
trabalho intenta analisar a polêmica questão da constitucionalidade ou não desta lei, cuja
apreciação encontra trâmite no Supremo Tribunal Federal, porém sem uma posição definida.
O objetivo do trabalho é contribuir para o aperfeiçoamento do sistema de cotas para negros na
UEMS, sopesando o disposto nas Resoluções n° 430/04 e 889/04 do CEPE/UEMS, e
apontando as deficiências legais no que tange a efetividade de uma igualdade material neste
sistema. Com a abordagem dos direitos fundamentais, inserem-se as ações afirmativas que
tem o condão de oferecer iguais oportunidades de acesso ao Ensino Público Superior a todos
os cidadãos. Neste sentido é permitido ao legislador e o Poder Público discriminar licitamente
os grupos sociais que são desfavorecidos – sejam por critérios históricos, sociais, políticos ou
econômicos. Diante de uma análise dos sistemas de cotas raciais nas Universidades públicas
brasileiras, estabelecem-se comparações com o modelo adotado pela UEMS.

Palavras-chave: Lei n° 2.605. Cotas. Negros. UEMS. Constitucionalidade.


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ABSTRACT
The State University of Mato Grosso do Sul through the State Law No. 2.605/03 reserve a
percentage of 20% of the general availability of courses offered to blacks. This work brings to
analyze the controversial question of the constitutionality of this law, the assessment is way
through the Supreme Court, but without a defined position. The objective of this study is to
contribute to improving the system of shares for blacks in the UEMS, balancing the
provisions of Resolution No. 430/04 and 889/04 of CEPE/UEMS, and pointing out the legal
deficiencies with respect to effectiveness of an equal material in this system. With the
approach of fundamental rights, are part of affirmative action that has the power to provide
equal access to public higher education to all citizens. In this sense it is permissible for the
legislature and the Government lawfully discriminate against social groups that are
disadvantaged - whether by historical criteria, social, political or economic. Faced with an
analysis of systems of racial shares in Brazilian public universities, comparisons are made
with the model adopted by the UEMS.

Keywords: Law No. 2605. Shares. Black. UEMS. Constitutionality.


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................................10
1 O PRINCÍPIO DA ISONOMIA........................................................................................11
1. 1 Conceito e Abrangência do Princípio............................................................................11
1.2 Histórico............................................................................................................................14
1.3 Igualdade na Lei (Sentido Material)..............................................................................16
1.4 Igualdade Perante a Lei (Sentido Formal)....................................................................18
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS.........................................................................................21
2.1 Conceito............................................................................................................................21
2.2 Titularidade dos Direitos Fundamentais.......................................................................23
2.3 A Igualdade como Direito Fundamental........................................................................24
3 AÇÕES AFIRMATIVAS...................................................................................................26
3.1 Conceito............................................................................................................................26
3.2 Histórico das Ações Afirmativas (Discriminação Racial)............................................28
3.3 Sistemas das Ações Afirmativas.....................................................................................30
3.4 O Regime de Cotas Para Negros nas Universidades: Quadro no Brasil....................32
4 POLÍTICA DE COTAS RACIAIS NA UEMS E CONSTITUCIONALIDADE
DIANTE DA ISONOMIA.....................................................................................................35
4.1 Análise das Políticas Raciais ..........................................................................................35
4.2 Critérios de Aferição Racial: Genótipo, Fenótipo ou Histórico..................................36
4.2.1 A Diversidade de Raças no Brasil..................................................................................39
4.3 A Lei Estadual N° 2.605, de 06 de Janeiro de 2003.......................................................40
4.4 Da Necessidade de Critérios Objetivos para o Sistema de Cotas Raciais na UEMS. 42
4.4.1 As Resoluções do CEPE/UEMS Nº 430/2004 e N° 889/2004.......................................44
4.5 Da (In)Constitucionalidade dos Critérios Adotados.....................................................46
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................52
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................53
10

INTRODUÇÃO

As ações afirmativas, no que toca ao ingresso dos cidadãos negros nas universidades
públicas, apresentam um debate de grande efervescência. Os negros, nesta toada, tem a sua
participação na vida social brasileira reduzida, conforme os dados estatísticos do IBGE
apontam. O contingente populacional negro não condiz com sua esperada participação nos
empregos melhor remunerados. A imagem do negro por diversas vezes é associada a um
grupo “servente” das etnias de cor branca, a exemplo dos séculos de imposta escravidão.
Visando a redução das desigualdades entre brancos e negros, inserem-se as ações
afirmativas, contribuindo para que o princípio constitucional da isonomia (art.5°, caput, da
Constituição Federal) conquiste a desejada materialidade e efetividade.
Há opiniões trazidas no trabalho que se posicionam pela inviabilidade de tais ações,
por não entenderem que os grupos de etnia negra possam ser discriminados positivamente, de
forma a viabilizar sua inserção nestas políticas públicas.
Existem, entretanto, opiniões contrárias a este entendimento, que pugnam pela
legitimidade dos negros para concorrerem a esta ação afirmativa. Tais entendimentos
entendem que o grupo de etnia negra pode e deve ser discriminados positivamente, para que
seja reduzida a sua marginalização.
Neste sentido, o trabalho é focado no sistema de reserva de cotas para cidadãos negros
na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Por meio da Lei Estadual n° 2.605/03, a
UEMS resguarda 20% de suas vagas gerais para aqueles que apresentem o fenótipo negro. Ou
seja, somente tem possibilidade de concorrer a tais vagas os cidadãos que apresentem a pele
de cor negra, e os traços físicos inerentes à etnia negra.
No primeiro capítulo, tem-se o estudo do princípio da igualdade, apresentado sua
conceituação, a evolução histórica do princípio, e a abordagem e diferenciação entre a
igualdade formal e material.
No segundo capítulo, disserta-se sobre os direitos fundamentais do homem, trazendo
os conceitos, a titularidade destes direitos, relacionando a igualdade como um direito
fundamental.
No terceiro capítulo, apresentam-se as ações afirmativas, seus conceitos estabelecidos,
o histórico destas ações afirmativas com enfoque na discriminação por raças, os sistemas
destas ações afirmativas, e por fim um quadro geral de como se apresenta a reserva de cotas
nas Universidades públicas para os negros.
11

No quarto capítulo faz-se a análise constitucional destas políticas de cotas raciais nas
Universidades públicas, sendo realizada uma análise a nível nacional destas políticas raciais,
os critérios para se aferir a qual cor pertence os grupos sociais, e um panorama sobre a
diversidade de “raças” no Brasil, conceito este ultrapassado na antropologia. Há o enfoque
apenas ao regime de cotas para negros na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul,
observando os dispostos legais na Lei Estadual n° 2.605/03 e nas Resoluções n° 430/2004 e
889/2004 editadas pelo CEPE/UEMS. Também são apontadas as necessidades de critérios
objetivos para a análise dos cidadãos que podem concorrer às vagas reservadas para negros e
a constitucionalidade, ou não, destes critérios adotados pela UEMS.
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1 O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

1.1 Conceito e Abrangência do Princípio

O princípio da isonomia, de previsão constitucional pelo artigo 5° (BRASIL, 1988,


n.p), abarca as condições da promoção da igualdade de direitos entre os cidadãos tutelados
pela Carta Constitucional. Logicamente, diante desta assertiva todos devem ser tratados de
forma idêntica pela lei. O princípio da igualdade (e sua desejada aplicabilidade) é o cerne do
próprio senso social de justiça, e sua exata compreensão deve-se deixar clara. Porém, tal
delineamento é trabalhoso, ainda mais no que diz respeito às políticas afirmativas raciais que
serão objeto de nosso estudo.
Pondera Celso Bastos que (1999, p.145) “a exata inteligência da sua significação
remanesce difícil”, e que (1999, p.149) “é o princípio da igualdade um dos de mais difícil
tratamento jurídico. Isto em razão do entrelaçamento existente no seu bojo de ingredientes de
direito e elementos metajurídicos”.
A almejada igualdade entre os cidadãos constitui na realidade, uma ficção jurídica,
visto que estes não são semelhantes no sentido biológico, social e econômico, nem nunca o
serão. O princípio busca justamente dar oportunidades materiais de igualação das diferenças
que surgem entre as pessoas.
Nesse sentido é essencial transcrever o artigo 5º, caput, da Constituição da Federal de
1988 (BRASIL, 1988, n.p.), in verbis:

[...] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]

O princípio da igualdade tem característica intrínseca de um superprincípio, estando


presente em diversos dispositivos da carta constitucional, tais como o inciso I do artigo 5º, o
inciso XXX do artigo 7º, o parágrafo 2º do artigo 12, o inciso II do artigo 19, o inciso II do
artigo 150, os parágrafos 1º, inciso II, e 2º do artigo 173, o parágrafo 5º do artigo 226 e o
parágrafo 6º do artigo 227. (BRASIL, 1988, n.p.)
A isonomia, como um superprincípio jurídico, tem o condão de criar e dar forma a
outros princípios constitucionais, vinculando sua interpretação, de forma que estes não podem
dispor de forma contrária à famigerada isonomia.
Observe-se que a aplicação do princípio da isonomia é omnidimensional, ou seja, deve
ser aplicada “o tanto quanto possível na totalidade do espaço e do tempo”. A isonomia
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também não deve ser ponderada, já que é fundamento dos outros princípios; e configura-se
como um valor jurídico, devendo ser, portanto, protegido quando de sua aplicação e
interpretação. (PINHEIRO, 2008, n.p)
Considera-se de fundamental importância a promoção da igualdade como objetivo do
Estado Brasileiro quando pugna o artigo 3°, IV, da Carta Constitucional que constitui objetivo
fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". (BRASIL,
1988, n.p)
A abordagem do princípio isonômico, frise-se, é de fundamental importância no
presente estudo, no que concerne às políticas afirmativas que o Estado Brasileiro promove
para que a igualdade seja efetivada, construindo verdadeiros atalhos a efetivação de uma
igualdade material.
Segundo Canotilho (1993, p. 173) “tais atalhos são denominados de princípios
constitucionais impositivos, impondo aos órgãos públicos e, principalmente ao legislador, a
realização de fins e a execução de tarefas”. O princípio da isonomia centra-se no que tange ao
princípio da correção das desigualdades na distribuição da riqueza, sendo que toda política
afirmativa, seja étnico, sexual, ou social, busca reduzir as visíveis desigualdades na sociedade
brasileira.
Estas políticas de igualação são promovidas em todas as esferas do Poder Estatal: seja
pelo Poder Executivo através das denominadas Políticas Públicas, pelo Poder Legislativo
através da edição de leis que objetivam a diminuição da desigualdade, e pelo Poder Judiciário,
que, em vários julgados, vêm proporcionando uma igualdade material aos cidadãos que são
desfavorecidos, tanto em razões econômicas, quanto ao aspecto social.
A procuradora da República Luiza Cristina Fonseca Frischeisen (2007, p.31), define o
princípio da igualdade como “o conjunto de bens e direitos aos quais todas as pessoas têm que
ter acesso em condições mínimas de igualdade”.
Analisa Luis Roberto Barroso (1999, p. 165), a respeito do princípio da isonomia que:

[...] é de praxe invocar-se a máxima aristotélica de que o princípio consiste em tratar


igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que eles se
desigualam. A beleza filosófica de tal asserto não contribui, contudo, para desvendar
o cerne da questão: saber quem são os iguais e os desiguais e definir em que
circunstâncias é constitucionalmente legítimo o tratamento desigual [...]

Questão premente faz-se abordar o conceito de igualdade em todas as suas vertentes.


O preceito isonômico estampa-se como conseqüência e exigência primordial do regime
social-democrático, conciliando os postulados essenciais da democracia liberal em prol dos
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tutelados pelo Estado para que se promova a igualdade de condições para que haja a paridade
de direitos.
O mestre Sahid Maluf (1972, p. 283) divide a igualdade em quatro categorias:

a) Igualdade Jurídica, no sentido de afastar qualquer tratamento discriminatório,


motivos de raça, cor, religião, ideologia, posição social ou outros que possam afetar
a dignidade humana; b) Igualdade de sufrágio, que se traduz no valor unitário do
voto, seja do chefe de família ou do celibatário, do rico ou do pobre do patrão ou do
operário, do letrado ou do ignorante; c) Igualdade de oportunidade, isto é, idêntica
possibilidade a todos de acesso à cultura universitária, às funções públicas e às
conquistas da ciência; d) Igualdade econômica, consistente no estabelecimento de
um padrão mínimo de vida que corresponda com as necessidades normais do
homem, levando-se em conta os seus encargos de família.

O princípio da igualdade deve ser visto como priorado básico do senso comum de
Justiça, uma vez que está arraigado nos costumes das sociedades democráticas. Quando não
se faz presente a legalidade em prol da igualação dos indivíduos, ocorre uma disfunção social;
sendo que a lei dispõe sobre as formas discriminatórias de tratamento dos indivíduos. Moraes
(2006, p.32) melhor elucida a desigualdade legal no que tange ao princípio da igualdade:

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou


arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações
normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável
que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos
valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à
finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma
razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade
perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias
constitucionalmente protegidos.

São vedadas, por meio deste princípio, todas as formas de discriminação que
confrontam com o animus do legislador em proteger os cidadãos que dispõem de poucos
meios para ascender socialmente e economicamente.
Dessa forma acontece aos deficientes físicos, que tem garantido um determinado
número de vagas para o ingresso em concursos públicos; os de baixa condição financeira, que
tem a isenção nas inscrições dos exames vestibulares das universidades públicas; e agora, com
os cidadãos de cor negra. Assim, cada grupo, em determinada circunstância de desigualação,
tem de preencher os requisitos especificamente demandados para usufruírem das regalias
legais.
Nesse último item, destacam-se os negros que apesar de não serem uma “minoria”
étnica – pois sua composição perfaz grande percentual dos brasileiros – é a parcela menos
abastada economicamente, motivado tal fato por diversos fatores, tais de ordem histórica,
cultural e econômica.
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A conceituação do termo minoria é tormentosa, mas essencial para a delimitação da


política afirmativa em relação aos negros, sendo tratada adiante em nosso trabalho. Francesco
Capotorti define minoria desta forma:

[...] Um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado, em


posição não-dominante, cujos membros - sendo nacionais desse Estado - possuem
características étnicas, religiosas ou lingüísticas diferentes das do resto da população
e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um sentido de solidariedade, dirigido
à preservação de sua cultura, de suas tradições, religião ou língua [...] (apud
MONTEIRO, 2009, n.p).

Observa-se então, que os negros não são inferiores numericamente no Brasil, mas se
encontram em uma posição “não-dominante”.
Fábio Konder Comparato (apud MORAES, 2006, p.31) analisa que “as chamadas
liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada,
não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação
estatal”.
Todavia, o princípio da igualdade carece de efetividade, apesar de há muito tempo
buscado o fim igualitário na maioria das sociedades conhecidas. Conforme serão tratados nos
itens sobre a igualdade material e formal, a norma constitucional, por vezes, auxilia o desigual
para que, por meio desse auxílio, o mesmo seja impulsionado a ser efetivamente igual aos
outros. Ou seja, quando os casos desiguais são tratados de forma desigual, faz-se presente a
justiça e realiza-se o objetivo do princípio da isonomia.

1.2 Histórico

Segundo confirma o professor Elvis Oliveira (2009, n.p), o princípio da igualdade tem
suas raízes históricas na Grécia Antiga, sendo preocupação dos grandes filósofos como
Péricles, Eurípedes, Heródoto e Aristóteles. A escola helênica objetivou a denominação atual
de princípio da isonomia. Apesar dos postulados filosóficos dos gregos, a própria Grécia
Antiga não seguia a igualdade como princípio norteador (ao menos espelhada nos paradigmas
atuais), já que aceitava a escravidão e primava pela divisão da sociedade em castas, como a
exemplo ocorre com a Índia dos tempos modernos.
Sob a admissão da escravatura, Aristóteles a considerava como conseqüência das
desigualdades que existem entre os homens, sendo que alguns homens possuem a qualidade
de “guiar” outros homens, concluindo que seria vantajosa para ambos a reunião da força
material do escravo com a inteligência de seu Senhor. (ARISTÓTELES, 2002, p.09)
16

Na Idade Média, cuja característica era a grande influência católica, o princípio da


isonomia, agora de conteúdo humano e espiritual teve difundida divulgação pelas Encíclicas
do Vaticano. Entretanto, o que se pode apreender desse período é que a Europa medieval
sempre foi embebida de desigualdade social, tanto pela política inquisitória da Igreja que
castigava a plebe e vendia o perdão aos ricos, quanto pela própria divisão social das relações
feudais (CRUZ, 2005, p.04).
No século XVIII com advento da Revolução Francesa, e toda a doutrina humanista em
efervescência, assentaram as bases do postulado básico do princípio da isonomia. A
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 teve como premissa básica o ideal
de que “os homens nascem e se conservam livres e iguais direitos, e as distinções sociais só
podem ter por fundamento o proveito comum” (SILVA, 2002, p.205).
Celso Bastos (1999, p. 145) disserta sobre o período revolucionário francês e a queda
dos privilégios das classes mais abastadas:

Historicamente, sabemos que a proclamação fática deste princípio da igualdade de


todos perante a lei data da época da Revolução Francesa. Mas naquela ocasião
conhecia-se à perfeição o endereço do preceito. Tratava-se de abolir a sociedade
estamental então vigorante. O que se pretendia era fazer ruir um castelo de
privilégios erigido a partir da inserção do indivíduo numa dada classe social. Era
todo um sistema de valores sendo contestado quer quanto à sua legitimidade, quer
quanto à sua legalidade. Assim, quando se dizia que todos são iguais perante a lei,
não havia dúvidas de que a intenção era impedir que alguém se beneficiasse, por
exemplo, de um tratamento mais benévolo, sob o fundamento de ser ele um nobre,
como seria o caso de um integrante desta casta social que, tendo matado alguém,
pretendesse subtrair-se à prisão, invocando para tanto sua posição nobiliárquica.
Ora, a derrubada da sociedade estamental foi, de certa forma, absoluta, a tal ponto
que seria hoje inconcebível, diante dos princípios democráticos vigentes, que
alguém pretendesse, com seriedade, ser discriminado em função da sua ascendência.

No período imperial, houve a outorga da primeira Carta Constitucional brasileira em


1824, e pela influência dos ideais revolucionários franceses foi inserida a igualdade entre os
cidadãos como um objetivo do recém formado Estado Brasileiro independente. Com o
advento da República, o princípio é alargado nas Constituições seguintes de 1891, 1934, e em
1937 no Estado Novo getulista (SAMOGIN, 2009, p.03-10).
No século XX, no período após 2ª Guerra Mundial, ocorre uma mudança dos
paradigmas que norteavam os governos totalitários, a exemplo dos governos Alemanha e
Itália. No Brasil, a Constituição Federal de 1946 absorveu uma nova concepção de igualdade,
primando por uma efetividade material da igualdade na formulação dos Estados pós-guerra
(MARQUES, 2009, n.p).
Importante frisar a Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações
Unidas, em 1948, criando o ente máximo das relações de estabilidade entre as nações. Esta
17

Declaração, após as variantes propostas, formula o seguinte conceito sobre a igualdade em seu
artigo 1°: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotados de razão e consciência, e devem agir em razão uns aos outros com espírito de
fraternidade” (ONU, 1948, n.p).
Com o advento do Estado Democrático de Direito, e as garantias fundamentais que
foram asseguradas aos cidadãos por meio das históricas gerações de direitos, observa-se que a
igualdade não assegura a efetividade destes direitos a todos os cidadãos. A predisposição do
homem é a desigualdade em função de suas características e virtudes pessoais intrínsecas,
devendo sempre tratar os cidadãos de maneira igualitária – ao menos no texto legal.

1.3 Igualdade na Lei (sentido material)

A isonomia, para fins de estudos, pode ser classificada, de acordo com postulados
kelsenianos, em igualdade na lei e igualdade perante a lei. Em relação a esta “personalidade
dupla” deste princípio temos que a igualdade na lei diz respeito à ordem dirigida ao
legislador, ou seja, no momento em que cria a norma, este está obrigado a observar que a
isonomia deve cingir, factualmente, a todos.
A igualdade na lei, material, ou como aponta ilustre Celso Bastos (1999, p.147),
substancial, tem como objetivo a criação de condições mínimas de igualdade no campo da
promoção da redução das desigualdades sociais, econômicas e políticas.
A respeito da igualdade na lei disserta o ilustre jurista (1999, p.145):

A igualdade substancial postula o tratamento uniforme de todos os homens. Não se


trata, como se vê, de um tratamento igual perante o direito, mas de uma igualdade
real e efetiva perante os bens da vida. Essa igualdade, contudo, a despeito da carga
humanitária e idealista que traz consigo, até hoje nunca se realizou em qualquer
sociedade humana. São muitos os fatores que obstaculizam a sua implementação: a
natureza física do homem, ora débil, ora forte; a diversidade da estrutura psicológica
humana, ora voltada para a dominação, ora para a submissão, sem falar nas próprias
estruturas políticas e sociais, que na maior parte das vezes tendem a consolidar e até
mesmo a exacerbar essas distinções, em vez de atenuá-las. No campo político-
ideológico, a manifestação mais acendrada deste tipo de igualdade foi traduzida no
ideário comunista, que procura ainda tradução na realidade empírica, na vida das
chamadas democracias populares. Ainda aqui, entretanto, a procura da igualdade
material não foi de molde a eliminar as efetivas desigualdades existentes na vida das
sociedades sujeitas a tal regime.

O jusfilósofo Hans Kelsen prescreve que o sentido do princípio da isonomia está no


comprometimento de se fazer cumprir a igualdade na referida lei. Ainda, Kelsen ao raciocinar
sobre a igualdade na lei, estabelece:
18

[...] as leis não podem – sob pena de anulação por inconstitucionalidade – fundar
uma diferença de tratamento sobre certas distinções muito determinadas, tais como
as que respeitam à raça, à religião, à classe social ou à fortuna. (apud MELLO, 2006,
p. 16).

Assim, a igualdade na lei, é a igualdade material dentro da perspectiva dogmática, leva


a igualdade fática. Esta compreensão do direito à igualdade fática abre espaço para a
consideração dos demais princípios e regras constitucionais, bem como os limites da realidade
social em determinado momento histórico.
Observam Galuppo e Basile (2006, p.103) que o princípio isonômico apenas será
substancial se, concomitantemente, for material também. Os autores vislumbram:

[...] tratar diferentemente os negros, criando, por meio dos direitos fundamentais,
condições de inclusão social, significa tratá-los de modo juridicamente adequado, o
que é necessário para assegurar a legitimidade, pois, conforme afirmamos, a
legitimação do direito só pode se dar se houver uma igual possibilidade de
participação real nos discursos de formação da opinião e da vontade, o que exige,
muitas vezes, um tratamento diferenciado daqueles que são faticamente excluídos,
implementando-se uma igualdade produtora e produzida pelo Estado Democrático
de Direito [...]

Álvaro Ricardo de Souza Cruz (2005, p.141) observa com lisura que há a consolidação
desta perspectiva de tratamento aos cidadãos desiguais, ou que dispõem de menores chances
de ascender socialmente e economicamente, quando há um paradigma social destes direitos
que asseguram formas de igualação.
Sobre o princípio da igualdade em sua acepção material, Uadi Lammêgo Bulos
discorre brilhante exposição:

[...] Os homens nunca foram iguais e jamais o serão no plano terreno. A


desigualdade é própria da condição humana. Por possuíram origem diversa, posição
social peculiar, é impossível afirmar-se que o homem é totalmente idêntico ao
semelhante em direitos, obrigações, faculdades e ônus. Daí se buscar uma igualdade
proporcional, porque não se podem tratar igualmente situações provenientes de fatos
desiguais. O raciocínio que oriente a compreensão do princípio da isonomia tem
sentido objetivo: aquinhoar igualmente os iguais e desigualmente as situações
desiguais. Dessa maneira, atribui-se ao princípio sentido real e não nominal,
igualdade integral e não incidental ou particular, porquanto a igualdade consiste em
assegurar aos homens que estão equiparados os mesmos direitos, benefícios e
vantagens, ao lado dos deveres correspondentes. O mesmo ocorre em relação
àqueles que estiverem desequiparados, os quais deverão receber o tratamento que
lhes é devido à medida de suas desigualdades [...] (2007, p.120).

Desta forma, a isonomia abandona seu viés meramente formal para assumir uma
concepção inovadora, atingindo – como conseqüência – a máxima: “tratar desigualmente os
desiguais na medida de sua desigualdade”.
A determinação conceitual da igualdade material (igualdade na lei), e sua devida
compreensão são essenciais no que toca as ações afirmativas, pois almejam o aperfeiçoamento
19

do conteúdo jurídico do princípio da igualdade. Ao prescrever que todos são iguais perante a
lei, o constituinte dirigiu o princípio da igualdade não apenas ao legislador e aos cidadãos,
mas também ao aplicador do Direito. Razão esta que reside na diferenciação entre a igualdade
na lei e igualdade perante a lei.

1.4 Igualdade Perante a Lei (Sentido Formal)

Sob o prisma da igualdade perante a lei como diretiva dirigida ao aplicador da lei, faz-
se necessário apontar primeiramente o caráter auto-aplicável da mesma, visto que é obvio que
o aplicador da lei (julgador/magistrado) ao cumpri-lá, deve intentá-la com o máximo de
efetividade.
O princípio da igualdade material é trazido por meio de normas programáticas, sendo
que sua essência remonta ao período iluminista francês, no século XIX, permanecendo na
maioria dos ordenamentos jurídicos das democracias atuais. Nesse sentido, calha trazermos o
enunciado por José Afonso da Silva, senão vejamos:

Nossas Constituições, desde o Império, inscreveram o princípio da igualdade, como


igualdade perante a lei, enunciando que, na sua literalidade, se confunde com a mera
isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação tratam a todos igualmente,
sem levar em conta as distinções de grupos (2002, p. 213).

Da forma como a norma é redigida, o aplicador está constrito a cumprir. O Supremo


Tribunal Federal mantém o entendimento da dimensão da igualdade material embasado nos
paradigmas do Estado Social Democrático de Direito. Nesse entendimento, é valido
transcrever trecho do explicitado no seguinte acórdão proferido (BRASIL, 2009, n.p):

MANDADO DE INJUNÇÃO - PRETENDIDA MAJORAÇÃO DE


VENCIMENTOS DEVIDOS A SERVIDOR PÚBLICO (INCRA/MIRAD) -
ALTERAÇÃO DE LEI JA EXISTENTE - PRINCÍPIO DA ISONOMIA -
POSTULADO INSUSCETIVEL DE REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA
INOCORRENCIA DE SITUAÇÃO DE LACUNA TECNICA - A QUESTÃO DA
EXCLUSAO DE BENEFICIO COM OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA -
MANDADO DE INJUNÇÃO NÃO CONHECIDO. O princípio da isonomia, que se
reveste de auto-aplicabilidade, não e - enquanto postulado fundamental de nossa
ordem político-jurídica - suscetível de regulamentação ou de complementação
normativa. Esse princípio - cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as
manifestações do Poder Público - deve ser considerado, em sua precípua função de
obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto:
(a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei - que
opera numa fase de generalidade puramente abstrata - constitui exigência destinada
ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de
discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a
lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais
poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a
critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório.
20

Desta forma, a igualdade perante a lei é a forma com a qual os aplicadores da lei
(magistrados ou juristas de qualquer ordem) estão adstritos ao texto legal. O aplicador da lei
deve, então, se ater, logicamente, à interpretação devida no caso concreto.
Valendo-nos dos postulados da Teoria Pura do Direito, Kelsen defende que a
igualdade perante a lei não possuiria acepção típica alguma se as formas de diferenciação dos
diferentes indivíduos não vierem especificadas legalmente, promovendo, de fato, a igualdade
(MELLO, 2006, p.10).
Nesse ínterim, é justo transcrevermos o explanado (apud MELLO, 2006, p. 16):
Se a Constituição contém uma fórmula que proclama a igualdade dos indivíduos,
mas não precisa que espécies de distinções não devem ser feitas entre estes
indivíduos nas leis, tal igualdade constitucionalmente garantida, não mais poderá
significar outra coisa senão que igualdade perante a lei.

O princípio da igualdade é consagrado no Direito Constitucional Brasileiro, pela


Carta Magna de 1988 no art. 5°, caput, disposto como direito individual em que: “todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988, n.p). Igualmente,
faz-se a ressalva estabelecida por Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p.09) quando
garante que não apenas perante a norma posta se equiparam os cidadãos, mas ainda, à sua
edição (igualdade na lei) há de ser notado o tratamento equânime.
João Mangabeira (apud PINTO FERREIRA, 1983, p.771) entende que a igualdade em
seu sentido formal não é suficiente para determinar as contradições originárias do modo de
produção capitalista, sendo que somente a efetivação das iguais oportunidades é que virão a
atingir os objetivos concernentes à dignidade da pessoa humana. Para que haja iguais
oportunidades são necessárias iguais condições de ascensão social. Entre os cidadãos
desiguais, devem ser priorizadas iguais oportunidades e iguais condições devido à capacidade
pessoal de ação e direção.
A igualdade social não implica em um nivelamento entre os homens naturalmente
desiguais. O que o princípio isonômico deve estabelecer é a redução das desigualdades
criadas pelos privilégios econômicos. Observa-se que na estrutura social moderna, na qual o
trabalho é social, e, por conseguinte social a produção dos bens, entretanto o lucro é
individual e permanece restrito às camadas mais abastadas da sociedade.
Galuppo (2002, p.152), discorre sobre o princípio isonômico em sua concepção
aritmética:
[...] No direito moderno, que pressupõe uma política cujas decisões são tomadas
quantitativamente, e não qualitativamente, e que pressupõe uma sociedade que não
se estrutura hierarquicamente, mas isomorficamente, a igualdade tem que ser
concebida como igualdade aritmética, pois qualquer outra forma de igualdade
implicaria reconhecer maior ou menor importância às pessoas. A igualdade
21

aritmética, estendida pela universalização dos direitos a todos os homens, é um


conceito inclusivo de igualdade, que exige que o maior número possível de pessoas
(idealmente, a humanidade, mas, pelo menos, os cidadãos) seja incluído pela
proteção jurídica. Conseqüentemente, a igualdade tem que ser concebida como um
procedimento de inclusão formal e material nos discursos de justificação e aplicação
das normas, e o Direito só pode ser tido como legítimo se garantir essa igualdade
nos discursos que realiza [...]

O legislador constitucional recomenda ao aplicador da lei que a faça valer de fato, e


não meramente como norma programática. Uma vez que reconhecida a igualdade entre os
tutelados a maior garantia fundamental do Estado Moderno, ensejadora de todos os outros
direitos; sejam políticos, individuais ou sociais que advieram posteriormente. Portanto, deve-
se visualiza-lá, desta forma, efetivamente como magno princípio constitucional.
22

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 Conceito

O Estado Constitucional de Direito é regido pela sua submissão às leis gerais e


abstratas, e pela atual garantia do acesso à justiça, da liberdade, e da vinculação do legislador
aos direitos fundamentais. Em filiação a doutrina de José Joaquim Gomes Canotilho (1993,
p.62), o mesmo estabelece que a expressão “Estado Constitucional” refere-se às várias etapas
de determinados estados constitucionais modernos.
O autor, primeiramente, estabelece o chamado Estado de Legalidade Formal que é
assinalado pela vinculação do Estado através de leis gerais e abstratas, elaboradas em acordo
com determinados procedimentos. Os direitos fundamentais e a adstrição de sua defesa pelo
legislador são requisitos observados no Estado de Direito Material. O Estado de Justiça,
período atual no estágio das constituições promulgadas democraticamente, onde há um
controle judicial para a aplicação dos princípios materiais e formais do Estado Constitucional
de Direito, sendo estabelecidos os princípios de procedimento e processo para a solução dos
litígios (CANOTILHO, 1993, p.63).
José Afonso da Silva (2002, p.175) aponta para a problemática da definição de direitos
fundamentais, entendendo que o alargamento dos ditos direitos fundamentais do cidadão no
processo histórico dificulta a definição de um conceito sintético e preciso. Esta dificuldade é
aumentada devido à circunstância de se empregarem várias expressões para designá-los, tais
como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos
públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do
homem.
O doutrinador Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 89), estabelece ser

[...] pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia


da isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, não podem ser submetidos a
tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não podem ser toleradas a
escravidão, a discriminação racial, perseguições por motivo de religião, sexo, enfim,
toa e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal e
material [...]

A consagração das normas jurídicas que asseguram a efetividade dos direitos


fundamentais se dá no momento em que as mesmas são inseridas fora do bojo das
constituições meramente formais. Ao garantir a respeitabilidade aos direitos fundamentais, e a
elevação desse respeito à categoria de princípio, ocorre o nascimento de um status jurídico-
material aos cidadãos tutelados pelas garantias fundamentais.
23

O conceito de direito fundamental na Carta Magna de 1988 foi abrangido em sua


forma material, já que há referência expressa a uma qualificação dos direitos fundamentais,
motivada não apenas pelo fato de virem escritas na carta constitucional ou por constarem em
título próprio, mas também pelo conteúdo, sendo que os direitos fundamentais estão
espalhados não apenas no título respectivo, mas também diante todo o texto constitucional.
Tal entendimento é consolidado pelo STF na ADIn 939/07-DF (BRASIL,1993, p.68-
69), quando entendeu que os direitos fundamentais não constam somente no bojo do art.5°, e
incisos, sendo que as disposições fundamentais estão disseminadas em outros artigos da Carta
Constitucional.
Robert Alexy (2002, p.65) já previra justamente isso – ou seja, que os direitos
fundamentais não necessariamente encontram-se veiculados no título a que são referidos, uma
vez que os mesmos podem ser visualizados em outras seções da carta constitucional.
Nesta linha de consideração Canotilho (1993, p.561), afirma que a conceituação dos
direitos fundamentais alude a conteúdos e valores humanísticos, preservando os ditos valores
básicos (fundamentais), qualificando determinados direitos como fundamentais ou não.
Em uma conceituação formal, abraçamos o entendimento de Alexy (2002, p. 62),
quando entende que os direitos fundamentais advêm das normas postas na Carta
Constitucional.
O conceito de direitos fundamentais é de difícil delimitação, sendo que se a definição
se delimitasse a uma ou outra geração destes direitos, esta seria muito mais fácil. Outro
obstáculo diz respeito ao fato da Constituição Federal adotar uma diversidade de
terminologias para se referir aos direitos fundamentais.
Alexandre de Moraes delimita o conceito dos direitos e garantias fundamentais:

[...] O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por
finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o
arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e
desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos
humanos fundamentais (2006, p. 21)

A UNESCO (United Nations Educational, Scientific, and Cultural Organization),


braço institucional da Organização das Nações Unidas (ONU), considera desta forma os
direitos fundamentais:

[...] por um lado uma proteção de maneira institucionalizada dos direitos da pessoa
humana contra os excessos do poder cometidos pelos órgãos do Estado, e por outro,
regras para se estabelecerem condições humanas de vida e desenvolvimento da
personalidade humana (apud MORAES, 2006, p. 22) [...]
24

Diante de todas as conceituações postas sobre os direitos fundamentais, podemos


concluir que os mesmos garantem os direitos ditos indispensáveis para a manutenção da
dignidade dos cidadãos, e para o necessário desenvolvimento dos outros direitos; sempre
visualizando a igualdade e a liberdade da pessoa humana. Tais direitos não devem ser apenas
reconhecidos, mas também efetivados materialmente.

2.2 Titularidade dos Direitos Fundamentais

A positivação dos direitos fundamentais assentou sobre a pessoa humana o centro da


titularidade de direitos. Conforme Canotilho (1993, p.555) expõe, o princípio da
universalidade dos direitos fundamentais prega pela observação desses direitos a todas as
pessoas, já que são direitos humanos e não apenas direitos dos cidadãos nacionais. Ou seja,
todos aqueles que estiverem no território nacional, sejam brasileiros natos ou não, terão a
garantia de terem resguardados os seus direitos fundamentais.
Celso Bastos (1999, p.146) comenta tal disposição constitucional no que toca aos
destinatários dos direitos fundamentais:

[...] A nós sempre nos pareceu que o verdadeiro sentido da expressão brasileiros e
estrangeiros residentes no País é deixar certo que esta proteção dada aos direitos
individuais é inerente à ordem jurídica brasileira. Em outras palavras, é um rol de
direitos que consagra a limitação da atuação estatal em face de todos aqueles que
entrem em contato com esta mesma ordem jurídica. Já se foi o tempo em que o
direito para os nacionais era um e para os estrangeiros outro, mesmo em matéria
civil. Portanto, a proteção que é dada à vida, à liberdade, à segurança e à
propriedade é extensiva a todos aqueles que estejam sujeitos à ordem jurídica
brasileira. É impensável que uma pessoa qualquer possa ser ferida em um destes
bens jurídicos tutelados sem que as leis brasileiras lhe dêem a devida proteção.
Aliás, curiosamente, a cláusula sob comento vem embutida no próprio artigo que
assegura a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]

Estas garantias apenas trarão exceções nos casos em que a Constituição dispuser
expressamente de forma contrária, como no caso dos direitos políticos e nos direitos sociais
relativos ao trabalho.
Contudo, observa José Afonso da Silva (apud MENDES; COELHO; BRANCO, 1982,
p.165-167) que há normas infraconstitucionais que visam proteger posições subjetivas dos
estrangeiros, sem consideração ao fato dos mesmos não residirem no país.
Hoje, a doutrina é pacífica no sentido de que as pessoas jurídicas também têm a
titularidade dos direitos fundamentais. Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo
Branco asseveram que (2000, p.165):
25

[...] não haveria por que recusar às pessoas jurídicas as conseqüências do princípio
da igualdade, nem o direito de resposta, o direito de propriedade, o sigilo de
correspondência, a inviolabilidade de domicílio, as garantias do direito adquirido, do
fato jurídico perfeito e da coisa julgada. Há mesmo casos de direitos dirigidos
diretamente à própria pessoa jurídica, tal o direito de não interferência estatal no
funcionamento de associações (art.5º, XVIII) e o de não serem elas
compulsoriamente dissolvidas (art.5°, XIX).

Celso Bastos (1999, p.147) também corrobora o entendimento:

É de pequeno alcance, a nosso ver, a discussão em torno do ponto de saber se estes


direitos são deferidos às pessoas físicas, ou, também, às jurídicas. Mais uma vez,
aqui, quer-nos parecer que o Texto disse menos do que pretendia. A tomá-lo na sua
literalidade seria forçoso convir que ele só beneficiaria as pessoas físicas. Mas,
novamente, estaríamos diante de uma interpretação absurda. Em muitas hipóteses a
proteção última ao indivíduo só se dá por meio da proteção que se confere às
próprias pessoas jurídicas. O direito de propriedade é um exemplo disto. Se
expropriável uma pessoa jurídica, ela há de o ser mediante as mesmas garantias por
que o são as pessoas físicas.

Ressalvado o caráter de especificidade dos direitos fundamentais é lógico demonstrar


que alguns deles podem ser referidos unicamente a algumas categorias de pessoas. Desta
forma se faz por conceber que os titulares dos direitos fundamentais podem o ser apenas em
determinada fase da vida, a exemplo do serviço militar obrigatório aos 18 anos de idade como
perfaz o disposto no art.143 da Constituição Federativa do Brasil (BRASIL, 1988, n.p).
Conquanto, vale mencionarmos que Canotilho (1993, p.557) prega que no âmbito dos
direitos fundamentais, há direitos que não necessitam estritamente de um grau de
amadurecimento para serem praticados, pois encerrariam a sua titularidade atrelada às
exigências de idade, fixadas na legislação cível.

2.3 A Igualdade como Direito Fundamental

As garantias constitucionais fundamentais têm como objetivo básico preservar aqueles


direitos ditos indispensáveis ao desenvolvimento adequado do ser humano. Neste ponto, o
princípio da igualdade tem status de direito fundamental dada à devida proteção oferecida
pelo Estado de Direito aos cidadãos tutelados no sentido de dar oportunidades de igualação a
todos dadas as visíveis diferenças de ordem política, social, jurídica ou econômica entre os
indivíduos.
Nas relações privadas, em uma relação de igualdade fática, as partes ficam obrigadas a
respeitarem os direitos fundamentais. Em assertiva sobre a igualdade como direito
fundamental, Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Branco afiançam:
26

[...] No Brasil, os direitos fundamentais são protegidos nas relações entre


particulares por meios variados. Eles o são por via de intervenções legislativas –
basta notar a pletora de atos legislativos assegurando a formação livre da vontade
dos economicamente mais fracos e prevenindo a discriminação, no âmbito das
relações civis, em especial nas de consumo e nas de trabalho [...] (2007, p. 272)

Os direitos fundamentais, hoje, têm atingido um prestígio social tamanho que se


tornaram indispensáveis nas sociedades democráticas, representando uma garantia do acesso à
justiça. Várias batalhas sociais foram travadas e vidas foram perdidas para que homens e
mulheres atualmente contassem com este mínimo essencial de direitos resguardados pelas
Cartas Magnas dos Estados.
Conquanto o não aprofundamento na teoria do mínimo essencial neste trabalho, vale
ressaltar que o mínimo essencial simboliza o ponto central das garantias fundamentais, visto
que tais direitos vislumbram a defesa destas liberdades conquistadas pelos cidadãos de forma,
também, a contribuir para o desenvolvimento de toda a sociedade.
O direito à igualdade de condições de vida e as oportunidades oferecidas para se
atingir tais condições para ascensão social simbolizam a isonomia constitucional consagrada
no art.5º, caput, (BRASIL, 1988, n.p) do nosso diploma legal magno, sendo que a igualdade
entre os cidadãos – dentre os direitos de segunda dimensão – visam proporcionar os subsídios
materiais imprescindíveis à concretização destes direitos fundamentais.
A isonomia como direito fundamental, ícone das democracias modernas, significa que
o legislador e magistrado em nenhum momento podem levar em conta predicados individuais
para restringir os direitos de uma pessoa quando tal discrímen não justifique uma
diferenciação satisfatória. A abordada diferença pela razão étnica (discorrida no próximo
capítulo) significa o não-reconhecimento desta pessoa pelas suas individualidades. Este não-
reconhecimento de grupos humanos que são faticamente desiguais, e não pertencem a classe
dominante, não tem sido combatido veementemente pelo princípio isonômico.
27

3 AÇÕES AFIRMATIVAS

3.1 Conceito

O termo ação afirmativa surgiu nos Estados Unidos da América na década de 60, no
governo do então presidente John Fitzgerald Kennedy, que propunha medidas que visavam
acabar com a discriminação que os negros sofriam, para que estes pudessem concorrer de
forma igual com os brancos no mercado de trabalho (CRUZ, 2005, p.143).
O legislador constituinte deu prioridade de proteção aos grupos que diante de um
histórico de marginalização social, seja por quaisquer fatores, foram negadas iguais
oportunidades de participação política se comparados a outros grupos de pessoas que não
sofreram as mesmas espécies de restrições.
O Ministro Joaquim Barbosa (2001, p. 137) oferece a seguinte definição sobre as
ações afirmativas:

Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de


políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário,
concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem
nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no
passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a
bens fundamentais como a educação e emprego.

Luiza Cristina Fonseca Frischeisen (2007, p.59) conceitua ação afirmativa da seguinte
forma:

[...] Entendemos as ações afirmativas como um conjunto de ações públicas, que


pode ser diretamente implementadas pela legislação ou incentivado a partir de um
programa estabelecido e que visam o rompimento de desigualdades históricas ou
sociais no acesso ao efetivo exercício de direitos, bens e serviços considerados
essenciais para uma vida digna. Desigualdades que não conseguem ser rompidas
com os mecanismos tradicionais de inclusão social, como a expansão do mercado de
trabalho ou o acesso universal à saúde e á educação. É importante destacar que
iniciativas no âmbito das empresas privadas também podem ser classificadas como
ações afirmativas, por exemplo, uma instituição financeira que adote um programa
de responsabilidade social baseado na concessão de bolsas somente para meninas
em local no qual as mulheres tenham dificuldade no acesso à educação ou somente
para jovens afro-descendentes em um país no qual estes sejam sub-representados nas
universidades públicas em relação ao percentual que representam na população
como um todo [...]

Lima Junior (2001, p.139) delimita o conceito de ação afirmativa:

[...] A Ação Afirmativa tem a finalidade justamente de possibilitar, por meios mais
ágeis, a igualação formalmente pretendida pela Constituição. Tratar desigualmente
os desiguais, enquanto durar a desigualdade, é a fórmula para chegar a uma
igualação prática sem para isso ser preciso esperar séculos de desenvolvimento
social e cultural [...]
28

Na mesma linha de consideração, Paulo Lucena de Menezes (2001, p.27) traz o seu
conceito:

[...] Ação afirmativa, nos dias correntes, é um termo de amplo alcance que designa o
conjunto de estratégias, iniciativas ou políticas que visam favorecer grupos ou
segmentos sociais que se encontram em piores condições de competição em
qualquer sociedade em razão, na maior parte das vezes, da prática de discriminações
negativas, sejam elas presentes ou passadas. Colocando-se de outra forma, pode-se
asseverar que são medidas especiais que buscam eliminar os desequilíbrios
existentes entre determinadas categorias sociais até que eles sejam neutralizados, o
que se realiza por meio de providências efetivas em favor das categorias que se
encontram em posições desvantajosas [...]

Álvaro Ricardo Souza Cruz (2005, p.143) entende as ações afirmativas como sendo
“medidas públicas e privadas, coercitivas ou voluntárias, implementadas na
promoção/integração de indivíduos e grupos sociais tradicionalmente discriminados em
função de sua origem, raça, sexo, opção sexual, idade, religião, patogenia físico-psicológica,
etc”.
Silva (apud SANTOS; LOBATO, 2003, p.72) ressalta, em sua obra:

[...] As Ações Afirmativas e as cotas são apenas dois dos principais meios que
podem ser utilizados como instrumentos capazes de propiciar mobilidade social aos
afro-descendentes, a fim de integrá-los economicamente e socialmente aos demais
membros da sociedade inclusiva, sem olvidar outras formas fecundas de obter
justiça social. Porém, é importante enfatizar que essas propostas deverão vir
acompanhadas de outras medidas de cunho social, universalistas, tais como:
melhorias na qualidade de ensino público; políticas de redistribuição de renda;
aumentos e reajustes reais de salários e vencimentos; reforma tributária, reforma
agrária e etc [...]

Estes grupos socialmente marginalizados que não dispõem de meios suficientes para
ascender socialmente, vêm sendo incluídos socialmente com as ações afirmativas,
demonstrando que a isonomia vem deixando seu caráter formal de lado para efetivamente
oferecer um tratamento diversificado, consagrando, desta forma, a igualdade material.
Porém, há um alerta para que não confundamos os conceitos de ações afirmativas
como de o de cotas raciais:

[...] Atualmente no Brasil existe uma confusão entre o conceito de ações afirmativas
e de cotas raciais ou sociais. Ações afirmativas podem ser compreendidas como
ações públicas ou privadas, ou ainda, como programas que buscam prover
oportunidades ou outros benefícios para pessoas pertencentes a grupos específicos,
alvo de discriminação. Tais ações têm como objetivo garantir o acesso a recursos,
visando remediar uma situação de desigualdade considerada socialmente
indesejável. Para isso, instituem um tratamento preferencial que pode ter diferentes
perfis. A instituição de metas ou cotas é um dos recursos de correção ou
compensação aos mecanismos de discriminação. Nesse sentido, ações afirmativas no
ensino superior correspondem ao estabelecimento de dispositivos que promovam o
acesso e a manutenção, nas universidades, de estudantes pertencentes a grupos
sociais que historicamente têm sido objeto de discriminação. Tais ações têm se
29

desenvolvido por meio de diferentes instrumentos, organizados ou não pelo sistema


de cotas [...] (BRASIL, 2008, p.217).

O Estado conhecendo das desigualdades históricas, enraizadas na cultura e nos


costumes populares, que culminam na discriminação de certos grupos, deve desenvolver
formas de estímulo e políticas públicas, até mesmo emergenciais, para que venham a
minimizar os efeitos desta desigualdade.
As ações afirmativas, portanto, são vislumbradas como medidas especiais promovidas
pelo Poder Público que tem por intuito acelerar a efetivação da igualdade – como princípio
constitucional que é – entre os ditos grupos desiguais.

3.2 Histórico das Ações Afirmativas (Discriminação Racial)

Desde o século XVIII, quando da Independência dos Estados Norte-Americanos e da


Revolução Francesa, foram pregadas as bases para a luta contra qualquer forma de
discriminação racial, uma vez que observado o ideal democrático e a luta do homem por seus
direitos basilares. O lema “igualdade, fraternidade, e liberdade” da Revolução Francesa de
1789, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão propugnavam que todos os
homens eram iguais perante a lei (MORE, 2009, n.p).
Os negros vindos das colônias africanas no século XVI para trabalharem como
escravos a serviço de Portugal, fizeram com que houvessem diversas revoltas organizadas,
tais quais: a Revolta dos Malês, na Bahia e a República de Palmares, em Alagoas
(SIQUEIRA, 2009, n.p).
Com o fim da escravidão negra no papel, mas não de fato, os negros buscaram
eliminar todas as formas discriminação que sofriam. Para isso foi estabelecida, na década de
40, a Frente Negra de Combate ao Racismo (ALBERTI; PEREIRA, 2009, n.p).
No Brasil, no que tange ao período ditatorial militar, houve por parte do governo
militar uma violenta repressão contra qualquer movimento negro que se organizasse, já que à
época qualquer movimento organizado que reivindicasse algo ao governo era considerado um
lugar de políticas subversivas comunistas (DOMINGUES, 2009, n.p).
Conforme balizado no início do capítulo, as ações afirmativas tiveram início nos
Estados Unidos, quando promulgada a Carta dos Direitos Civis de 1964, devido às
manifestações pelos direitos civis dos americanos negros liderados por Martin Luter King. Os
ideais das lutas raciais nos EUA foram disseminados para todo o restante do mundo, de forma
sempre a buscar a igualdade das classes (SILVA apud CARDOSO, 2009, p.04).
30

No ano de 1968, a ONU sob a ratificação de 157 países – inclusive o Brasil que a
ratificou em 1969 por meio do Decreto-Lei n° 65.810 –, aprovou a Convenção para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Desde então a ONU vem se
esforçado no sentido de abolir qualquer forma de racismo, ou práticas xenófobas – tão
comuns nos países europeus (BRASIL, 1969, n.p).
Na década de 70, ainda na vigência da ditadura militar, o movimento negro que voltou
a se articular, cultural, política e ideologicamente para lutar não apenas contra o “preconceito
racial”, mas também contra qualquer forma de “discriminação racial”, impulsionando o
renascimento de uma imprensa negra. A divulgação destes ideais abriu caminho para nos anos
seguintes pudessem ser criados de Conselhos de Estado, ONGs, e acessorias especializadas
(DOMINGUES, 2009, n.p).
O retorno ao regime democrático em 1985, e a posterior promulgação da Carta
Constitucional em 1988, permitiram uma reestruturação econômica brasileira – seriamente
abalada pela política do crescimento a todo custo. Todavia, tal avanço não se fez acompanhar
nas áreas da educação e acesso ao mercado de trabalho, tendo mais uma vez o Poder Público
renegado a questão da desigualdade racial a segundo plano, e mantendo a margem do avanço
econômico e institucional os grupos menos favorecidos economicamente, que em sua maioria
são compostos pelos negros e pardos (LUZ, 2009, n.p).
O movimento negro percebeu deste ponto em diante que sua luta necessitava
ultrapassar as barreiras de combate aos crimes de racismo. As camadas mais organizadas do
movimento negro se mobilizaram em relação ao governo, exigindo a implementação de
políticas afirmativas em nosso país de forma a concretizar a fama internacional brasileira de
democracia racial (GONZALEZ, 2009, n.p).
Como demonstra GUIMARÃES (2003, p.252), a partir de 1996, no governo do
presidente Fernando Henrique Cardoso, foi organizado um seminário internacional sediado
em Brasília, que discutiu o racismo no Brasil e o papel das ações afirmativas, sendo
convidados pesquisadores brasileiros e norte-americanos, bem como várias lideranças negras
nacionais.
Tudo culminou com a participação brasileira, em 2001, na III Conferência Mundial
contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, realizada em
Durban na África do Sul. O Brasil participou desta conferência e assinou uma plataforma de
compromissos, e de adoção de políticas de redução das desigualdades perante uma audiência
global (GUIMARÃES, 2003, p.254-256).
31

Assim sendo, como resta demonstrado pelo histórico das ações afirmativas, houveram
várias lutas para que os grupos socialmente marginalizados pudessem de fato ser inseridos no
círculo social a que pertencem. No Brasil, esta luta ainda está em sua fase inicial, sendo que o
Poder Público começa a elaborar políticas de inserção destes grupos – as chamadas ações
afirmativas.

3.3 Sistemas das Ações Afirmativas

Os sistemas de ações afirmativas dizem respeito aos modos e métodos que o Estado
tem o dever constitucional de desenvolver, sob o prisma do princípio da isonomia, conforme o
exposto no art.3°, e incisos, da Constituição Federal, in verbis:

[...] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


I – construir uma sociedade livre, justa, e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação [...] (BRASIL, 1988, n.p)

As ações afirmativas, portanto, tem como alvo minimizar a discriminação de qualquer


grupo; sejam os indígenas, pessoas com qualquer tipo de deficiência mental ou física,
mulheres, negros, estrangeiros, homossexuais, idosos, etc. As formas de viabilização das
políticas afirmativas podem pela discriminação lícita, incentivada pelo Poder Público em
todas as suas esferas de atuação.
Cruz (2005, p. 133) discorre que a discriminação ilícita pode ser vista em todas as
sociedades modernas e o Estado tem o dever de eliminar. A teoria marxista atribui que a
origem comum da discriminação é o elemento econômico da sociedade. Não haveria
correlação em promover políticas públicas e privadas ligadas ao fator raça, por exemplo, já
que não seria o negro o discriminado, e sim a classe proletária em geral.
As teorias compensatórias surgiram como fundamento de validade para as ações
afirmativas, de forma que as discriminações realizadas no passado seriam convertidas em
indenizações aos descendentes destes grupos que sofreram discriminação. Na Conferência
Mundial da ONU sobre racismo na África do Sul em 2001, foi aprovada a tese de que os
países que lucraram com a escravidão deveriam indenizar os mais de 300 anos da escravidão
negra, da mesma forma em que a Alemanha pós-nazismo indenizou as vítimas do holocausto
(CRUZ, 2005, p. 135-138).
32

Entretanto, as teorias compensatórias sofreram críticas, uma vez que qualquer


legislação sobre reparação indenizatória prescreve que esta deve recair apenas sobre aquele
agente que os praticou, e apenas este pode ser acionado judicialmente. Ainda, no caso da
Alemanha observa-se que o lapso temporal foi curto, já que houve o julgamento de
Nuremberg logo após a guerra em 1946, e ainda houve a reparação pela própria reinserção da
Alemanha no convívio com as demais nações do mundo. (CRUZ, 2005, p. 140).
No caso brasileiro, questiona Cruz (2005, p.142), como viabilizar esta indenização, se
não há meios de se identificar as raças? O autor faz uma comparação interessante quando diz
que nesses casos resta prejudicada tal justificativa indenizatória, pois seria o mesmo que
cobrar da Itália uma indenização pelos prejuízos cometidos contra as nações mediterrâneas
pela expansão do Império Romano.
Sempre que percebida uma desigualação entre as pessoas, o legislador deve procurar
efetivar meios de promover a igualdade material entre estes desiguais. Desta forma o fez o
legislador pátrio diversas vezes, tais quais temos como exemplos: Decreto-Lei 5.452/43 (art.
354 da CLT), que prevê o mínimo de dois terços de brasileiros empregados nas empresas
individuais ou coletivas; (art. 373 da CLT) que estabelece a adoção de políticas destinadas a
corrigir as distorções responsáveis pela desigualdade de direitos entre homens e mulheres; Lei
8.112/90 (art. 5°, § 2°), que prescreve cotas de até 20% para os portadores de deficiências no
serviço público civil da União; Lei 8.213/91 (art. 93), que fixa cotas para deficientes no setor
privado; Lei 8.666/93(art. 24, XX) que preceitua a inexigibilidade de licitação para a
contratação de associações filantrópicas de portadores de deficiências; Lei 9.504/97 (art.10, §
2°) que prevê cotas para mulheres nas candidaturas partidárias. (RIBEIRO; SOARES, 2009,
n.p)
Outro exemplo de ações afirmativas realizadas que dizem respeito à minimização das
desigualdades entre brancos e negros são os sistemas de bonificação para alunos egressos das
escolas públicas e/ou negros a exemplo do modelo da Universidade de São Paulo e os
cursinhos preparatórios para o vestibular destinados a jovens negros que operaram na década
de 80, e ainda operam até os dias atuais, tais quais o Educafro em São Paulo, e o Pré-
Vestibular para Negros e Carentes no Rio de Janeiro (MAGGIE apud GUIMARÃES, 2003
p.259).
A inclusão social dos negros significa também o acesso à cidadania, ao conhecimento
das obrigações civis e políticas que toda a sociedade deveria possuir, não apenas formalmente,
mas dentro de uma perspectiva real do cotidiano.
33

A política de cotas para os cidadãos de cor negra, quando assume o compromisso


social minimizar as desigualdades que advém, há tempos, de um extenso processo de
marginalização social, carece de buscar neste esforço um completo conjunto de políticas
públicas.
Delimitando desde já o tema de nosso estudo, nos focaremos no sistema de cotas
raciais para negros no exame vestibular da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul,
como forma de adequar o intuito real das ações afirmativas que visam efetivamente à inclusão
de todos, ampliando o acesso ao Ensino Público Superior no Mato Grosso do Sul, e por
conseqüência oportunizando através da formação profissional acesso a iguais oportunidades
de trabalho.

3.4 O Regime de Cotas Para Negros nas Universidades: Quadro no Brasil

As políticas de ação afirmativa no que tange a área educacional é atualmente um tema


de extrema polêmica na agenda pública em nosso país. Desde a adoção das cotas para negros
na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade de Brasília, muitos estudiosos
e os próprios cidadãos se posicionaram contra ou a favor do sistema de cotas (IRINEU, 2005,
p.50).
Podemos visualizar com isto que os meios utilizados para o ingresso dos cotistas no
ensino superior vão desde os critérios históricos de desigualdade, dado todo o sofrimento
causado a raça africana que veio ao Brasil como escravos, até o debate antropológico sob o
questionamento se hoje existem “raças” exatamente definidas no Brasil, dada a elevada
miscigenação física e cultural de nosso povo, o que justificaria a proteção aos grupos
marginalizados.
O sistema de cotas é a modalidade de ação afirmativa que tem demonstrado os
resultados mais expressivos na tentativa de inserir o negro no mercado de trabalho, e reduzir a
desigualdade em comparação às etnias de cor branca no Brasil.
Entretanto, Cruz (2005, p.141) discorre sobre a dificuldade de se implementar uma
eficaz política afirmativa:

[...] Admitir a discriminação, especialmente quando ela se faz de modo não


consciente, fundada em tradições socioculturais, não é coisa simples. Envolver a
maioria em favor de ações afirmativas geradoras, de custos socioeconômicos e
políticos, é uma tarefa espinhosa e que certamente envolve riscos de erros e
desacertos. Contudo, este risco somente é assumido quando admitimos sua
indispensabilidade na configuração de uma sociedade democrática. [...] Nesse
sentido, o principal risco é o do paternalismo do Estado Social. Dito de outro modo,
34

medidas afirmativas que se iniciam “apenas” para atender ao “politicamente


correto”, ou de cunho puramente eleitoreiro. Incluem-se aqui também medidas sem
qualquer planejamento, ou seja, que não tenham perspectiva da provisoriedade da
mesma [...]

As cotas raciais nas universidades públicas brasileiras operam em 48 universidades 1,


garantindo o acesso do grupo negro ao ensino superior público. É conveniente expor ainda
que a maioria das 27 instituições estaduais implementaram a política de cotas raciais seguindo
determinações criadas por leis estaduais. As federais, cujas experiências já atingem 21
instituições, o fizeram em decorrência de deliberações dos Conselhos Universitários
Superiores (BRASIL, 2008, p.215; 218).
Existem hoje no Brasil quatro tipos de modelos de ações afirmativas que envolvem os
jovens negros para ingressarem no ensino superior público. O primeiro diz respeito ao modelo
das cotas raciais simples, representado pela experiência desenvolvida na Universidade de
Brasília (UNB); o segundo remete às cotas raciais e sociais independentes, como ocorre na
Universidade Federal do Paraná (UFPR); o terceiro modelo refere-se à experiência de cotas
raciais e sociais coligadas como o faz a Universidade Federal da Bahia (UFBA); e o quarto
modelo, é o corrente na Universidade de Campinas (UNICAMP), elucidando o sistema de
bonificação (BRASIL, 2008, p.221).
No ano de 2004 a UnB inaugurou o sistema de reserva de cotas para alunos de cor
negra (20% das vagas são reservadas a alunos que se declararem negros no ato da inscrição do
exame vestibular), por meio de uma auto-declaração dos cidadãos que pleiteiem o ingresso na
Universidade por meio das cotas (BRASIL, 2008, p.221).
Porém, o sistema da UNB não se limitou apenas na adoção das cotas. Todavia,
trabalhou de modo a desenvolver nesse sistema um conjunto vasto de ações que atuassem em
variadas esfera desta instituição. Com este escopo, foi criada a Assessoria de Diversidade e

1
As 48 universidades que aderiram a políticas afirmativas de cotas são estas: Universidade Estadual de Maringá/PR, Escola
Superior de Ciência da Saúde do Distrito Federal, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Universidade Estadual
de Goiás, Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR, Universidade Estadual de Santa Cruz/BA, Faculdade de Tecnologia de
São Paulo, Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro, Universidade de Brasília, Universidade
Estadual de Londrina/PR, Universidade Estadual de Minas Gerais, Universidade Federal de São Carlos/SP, Universidade
Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal do ABC Paulista, Universidade Federal do
Espírito Santo, Universidade Federal do Maranhão, Universidade Federal do Pará, Universidade Federal do Paraná,
Universidade Federal do Piauí, Universidade Federal do Recôncavo Baiano, Universidade Estadual de Montes Claros/MG,
Universidade de Campinas, Universidade de Pernambuco, Universidade de São Paulo, Universidade Estadual da Bahia,
Universidade Estadual da Paraíba, Universidade Estadual da Zona Oeste/RJ, Universidade Estadual de Feira de Santana/BA,
Universidade Estadual do Amazonas, Universidade Estadual do Maranhão, Universidade Estadual do Mato Grosso,
Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Alagoas, Universidade Federal de
Juiz de Fora/MG, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal de Santa Maria/RS, Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal do Tocantins, Universidade Federal
Rural do Amazonas/PA e Universidade Federal Tecnológica do Paraná, Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul,
Universidade Estadual do Norte Fluminense, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Universidade Estadual do Rio Grande do Norte.
35

Apoio aos Cotistas, que tem por objetivo coordenar o Centro de Convivência Negra. Este
último tem a função de sediar encontros e práticas políticas de formação para estes estudantes
negros que ingressaram nesta universidade.
Segundo Maria Clareth Gonçalves Reis, o Programa Políticas da Cor na educação
brasileira da UERJ, na maioria das universidades a auto-declaração é utilizada como forma de
identificação dos candidatos a este sistema (LOPES; BRAGA, 2007, p.274).
No Congresso Nacional há o projeto de lei (n° 73/99) em trâmite que pretende a
obrigatoriedade das cotas para todas as instituições de ensino superior, sendo que conforme
exposto anteriormente, 48 universidades públicas brasileiras adotaram ações afirmativas,
inseridas as de cotas para negros, no ensino superior. Neste ínterim, é visível a tendência do
aumento do número destas universidades aderirem ao sistema de cotas (PACHECO; SILVA,
2007, p.48).
36

4 POLÍTICA DE COTAS RACIAIS NA UEMS E CONSTITUCIONALIDADE


DIANTE DA ISONOMIA

4.1 Análise das Políticas Raciais

Conforme exposto no primeiro capítulo deste trabalho, o princípio da igualdade


abrange tanto sua conceituação formal ou material, sendo que o formal colaciona uma
perspectiva de isonomia jurídica, e o material coteja aspectos fáticos, econômicos e sociais em
vista da capacidade de se efetivar estes aspectos.
A Constituição Federal de 1988 rechaça qualquer forma de racismo, sendo tal prática
um crime “inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão” conforme prescreve o
inciso XLII do art.5°.
Ross (2003, p. 319) expõe que “[...] a exigência formal de igualdade não exclui uma
diferenciação entre pessoas que se acham em circunstâncias distintas. O único requisito á que
a diferença deve atender ao fato de que à luz de certos critérios relevantes as pessoas que
pertencem a classes diferentes [...]”
Os dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
demonstram que os negros e pardos compreendem 47% da população do país, enquanto a
população de cor branca abarca 52% dos cidadãos do país. Entretanto, entre os estudantes que
tem acesso ao ensino superior, há uma visível diferença que se reflete em números: 14,1% dos
negros contra 46,4% dos brancos têm oportunidade de se graduar em nível superior
(CARDOSO, 2009, n.p).
Portanto, nada mais legítimo que o Estado use de meios de igualação para permitir aos
negros que ascendam socialmente de forma a se equiparar aos brancos. Nesse meio insere
legitimamente as ações afirmativas raciais, e mais especificamente, a política de garantia de
cotas no ensino superior.
A idéia de “democracia racial”, e do Brasil como um país multicultural e sem
preconceitos sempre se mostrou uma falácia, a exemplo dos negros, conforme dados
estatísticos, que sempre ocuparam os cargos de trabalho onde a remuneração é menor.
Ana Maria Lúcia Valente (1994, p.38) expõe a falácia da democracia racial no Brasil:
37

[...] O mito da democracia racial busca esconder os conflitos raciais existentes e


diminuir sua importância, passando uma idéia mais ‘bonitinha’ para a sociedade.
Também é propriedade desse mito o controle eficaz sobre a população negra, sem
que se exerça uma violência visível como acontece nos Estados Unidos e na África
do Sul. No Brasil, a violência é ‘invisível’[...]

Segundo os dados do IBGE, revela-se a existência de um desnivelamento social


gigantesco no Brasil, sendo que esta agressão social contra a raça negra, evidenciada na
desigualdade racial e no preconceito disfarçado, deve passar por um processo para que se
busque uma efetiva igualdade social e, sobretudo, racial.
Outrossim, há muitos anos há uma preocupação governamental em inserir o negro na
conjuntura social brasileira, utilizando para isso medidas políticas públicas que contrafaçam a
discrepância educacional, social e financeira vivenciada pelos afro-descendentes. Esta forma
de “discriminação positiva”, que abraça ideais e objetivos sinceros, libera um ambiente de
contemplação constitucional das ações afirmativas diante do princípio da igualdade.
A igualdade, elevada à categoria de princípio na Constituição Federal, não tem o poder
de fazer com que os cidadãos se sintam iguais, ou seja, a titularidade do direito ao
reconhecimento como semelhantes não depara manifesta coincidência na área fática da vida
cotidiana.
O clássico jurista Rui Barbosa disserta sobre a correta acepção do princípio da
igualdade:
[...] A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos
desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social,
proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O
mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a
iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade
real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação,
pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos,
como se todos se equivalessem [...](2003, p.19)

A própria constituição resolve o debate sobre o princípio da igualdade e as ações


afirmativas, quando em seus dispositivos legais resta evidente a vontade de promover uma
igualdade que vai aquém do mérito substancial, visto também que a igualdade formal revela-
se em uma necessidade de neutralidade processual. É justamente neste ponto que o Estado,
visando a isonomia material, atua de forma a buscar a concretização da igualdade positivada
nas cartas constitucionais.

4.2 Critérios de Aferição Racial: Genótipo, Fenótipo ou Histórico


38

Entre os critérios para se definir, de fato, quem é negro ou não, está o critério genético
(genótipo ou fenótipo) e o critério histórico. Tal questão nos remete a uma análise
antropológica para saber quais são os titulares legitimados a concorrer com os benefícios das
políticas afirmativas para os negros, dentre estas a política de reserva de cotas nas
universidades públicas. Na visão de Kabengele Munanga, professor-titular da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP não é fácil definir quem é negro no Brasil:

[...] a questão da identidade do negro é um processo doloroso. Os conceitos de negro


e de branco têm um fundamento etno-semântico, político e ideológico, mas não um
conteúdo biológico. Politicamente, os que atuam nos movimentos negros
organizados qualificam como negra qualquer pessoa que tenha essa aparência. É
uma qualificação política que se aproxima da definição norte-americana. Nos EUA
não existe pardo, mulato ou mestiço e qualquer descendente de negro pode
simplesmente se apresentar como negro. Portanto, por mais que tenha uma aparência
de branco, a pessoa pode se declarar como negro. No contexto atual, no Brasil a
questão é problemática, porque, quando se colocam em foco políticas de ações
afirmativas – cotas, por exemplo –, o conceito de negro torna-se complexo. Entra em
jogo também o conceito de afro-descendente, forjado pelos próprios negros na busca
da unidade com os mestiços. Com os estudos da genética, por meio da biologia
molecular, mostrando que muitos brasileiros aparentemente brancos trazem
marcadores genéticos africanos, cada um pode se dizer um afro-descendente. Trata-
se de uma decisão política [...] (MUNANGA, 2004, p.53)

Todavia, a opinião do renomado professor não é uníssona. Vale transcrevermos o


exposto por Guimarães (2003, p.263-264), que utilizando uma pesquisa realizada na USP
sobre a classificação de raça dos alunos, finaliza por apontar para uma bipolarização das
raças, sabendo as pessoas se autoclassificarem como pertencentes ao grupo negro ou branco:

[...] quando fizemos a pergunta: Usando as categorias do censo do IBGE, qual a sua
cor?, oferecendo como respostas possíveis as cinco alternativas censitárias (branco,
preto, pardo, amarelo e indígena), dos 14.794 alunos de graduação que responderam
ao censo, apenas 0,1% recusou-se a responder ou escolheu mais de uma opção.
Quando selecionamos uma amostra aleatória, independente do censo, composta por
1.509 alunos, o percentual de não-resposta se elevou para 1,7%. Ou seja: está claro
que a população brasileira, em particular a universitária, cultiva identidade de cor.
Serão essas identidades tão fluidas a ponto de impedir políticas de cor? Creio que
não. Mesmo os autores que ressaltam a ambigüidade do sistema de classificação
racial brasileiro, como Peter Fry, reconhecem que este se assenta sobre uma
polaridade básica entre branco e preto. Historicamente, é para esses pólos que
convergem as reivindicações políticas [...]

Da simples observação dos critérios para a admissão dos concorrentes as vagas para
negros, O critério direto para a admissão dos vestibulandos negros – em grande parte das
universidades públicas – no sistema de cotas, inclusive a UEMS, é o fenótipo racial do negro
(FERREIRA; ANDRADE, 2006, p.02). Ou seja, não importa se existe uma forte ascendência
negra na estrutura genética do concorrente à vaga reservada aos cotistas. O que importa
39

mesmo é se o candidato apresenta o biótipo clássico do negro: cabelos encaracolados, nariz


largo, lábios grossos, e pele escura.
Neste sistema, como o da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, imaginemos
a hipótese de um cidadão branco, que se declara negro na preleção dos candidatos
concorrentes aos 20% reservados aos negros no exame vestibular de nossa universidade. De
acordo com a característica de análise somente pelo fenótipo do candidato, tal como faz a
UEMS por meio das Resoluções CEPE/UEMS Nº 430 e N° 889, este teria sua inscrição nas
vagas para negros imediatamente cancelada (MATO GROSSO DO SUL, 2003, n.p).
A pró-reitora de Ensino da UEMS em 2004, Dr.ª Maria José Jesus Alves Cordeiro, que
concluiu sua tese de doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC – SP),
incluiu entre seus estudos o desempenho dos alunos que ingressaram na UEMS por meio da
reserva de cotas para negros. Em entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo, em sua
versão on-line, explicou que a decisão de usar foto 5x7 foi do movimento negro (CORRÊA,
2009, n.p).
Naércio Ferreira Fernandes de Souza, presidente do Conselho Estadual dos Direitos
dos Negros (CEDIN) em 2004, expõe que é favorável ao emprego das fotos para a seleção
dos candidatos que concorrem aos 20% das vagas para negros quando exemplifica, em
entrevista dada a Folha on-line: “[...]quando você vai a uma agência de emprego ou a uma
firma, eles pedem a foto. Por meio da foto, a pessoa é contratada. Se a pessoa é negra da pele
bem escura, não olham nem o currículo [...]” (CORRÊA, 2009, n.p).
O presidente do Conselho Estadual dos Direitos dos Negros ainda expõe:

[...] A nossa vantagem aqui (na UEMS) é que a lei foi direcionada. No mínimo, 20%
para negros, e não para afrodescendentes [...] [...] Garantimos [vagas] de fato às
pessoas que tinham o fenótipo, ao negro preto. [...] A sociedade discrimina o negro
pela sua cor. Não é pelo gene, não é pelo sangue, mas pelos seus traços físicos [...]
(CORRÊA, 2009, n.p).

O problema da seleção de candidatos por meio do fenótipo negro resultou em


inúmeras críticas e polêmicas no meio acadêmico e pela mídia, sendo clássico o caso
personificado pela UNB onde apenas um dos irmãos gêmeos idênticos teve reconhecida sua
“negritude”, sendo o outro irmão considerado “branco”. (ZAKABI; CAMARGO, 2007, p.78-
85)
O jornal Folha de São Paulo, em matéria intitulada “Tribunal Racial” na data de
02/05/2004, critica a acepção de raças, e o critério de autodeclaração:

[...] O sistema censitário brasileiro opera por meio da autodeclaração para distribuir
a população em grupos segundo a cor da pele. O recurso à autodeclaração decorre
40

do reconhecimento de que a espécie humana não se divide em raças. A identidade


"racial" reflete o racismo: é subjetiva e mutante. No Haiti, um ditado em "créole"
assevera que "nèg rich sé mulat, mulat póv sé nèg" (negro rico é mulato, mulato
pobre é negro) [...] (TRIBUNAL..., 2009, n.p).

É incompreensível que os critérios sociais, históricos e políticos são renegados a


segundo plano devido a este modelo de sistema de cotas na UEMS. Este tipo de modelo não
contribui na busca pela justiça social e por seu reequilíbrio na diminuição das desigualdades
entre brancos e negros. Do modo simplório como está redigida a lei n° 2.605, com apenas
quatro artigos e sem nenhuma especificidade, esta pode deixar brechas para negros de
camadas mais abastadas possam ingressar na UEMS por meio das cotas, a exemplo do que já
ocorreu na unidade de Dourados (Apelação Cível N. 2005.015719-1/0000-00), conforme
melhor abordaremos no capítulo seguinte.
Portanto, concluímos neste tópico pelo início das contradições do sistema de cotas da
UEMS. Temos uma justificativa histórica de violação dos direitos fundamentais dos negros,
por serem os mesmos escravos durante séculos, e pelo descaso do Poder Público, desde
quando da abolição da escravatura, para propiciar meios de ascensão e igualação social aos
negros, se comparados aos brancos. Entretanto, é utilizado apenas o fenótipo do negro para a
admissão dos cidadãos às vagas cotistas em contraposição à justificativa histórica para a
implementação da política de cotas raciais.

4.2.1 A Diversidade de Raças no Brasil

Desde o início da República sempre foi conhecida e difundida a diversidade de raças


no Brasil. Juntamente com tal idéia, o Brasil sempre era visto como modelo a ser seguido no
que toca a uma democracia racial, na qual todas as raças convivem socialmente em harmonia.
Em 1933, Gilberto Freyre escreveu a obra “Casagrande e Senzala”, demonstrando um Brasil
de raças mestiças, e devido a isso, admirável porque àquela época o mundo todo sofria com o
preconceito racial em vários países, a exemplo da busca pela raça pura ariana de Hitler
(PACHECO; SILVA, 2007, p.129-130).
Pacheco e Silva (2007, p.139) comentam sobre a obra de Gilberto Freyre:

[...] A mensagem de Freyre era que os negros e brancos, apesar de pequenos


contratempos, viviam em harmonia. No texto, o autor resgatava a contribuição do
negro para a formação da sociedade brasileira, contrariando a corrente que afirmava
que o povo brasileiro era degenerado por causa da mestiçagem. Ele pregava
exatamente o contrário: a mestiçagem gerou um país mais harmônico, porque
contava com a contribuição de muitos povos, mostrando a influência exercida por
todos na língua portuguesa, na alimentação, no cotidiano. Enfim, Casa Grande &
41

Senzala tornou-se a excepcional resposta, não somente para o Brasil, mas para o
mundo que vivenciava os conflitos étnico-raciais. Freyre apresentava um país em
que esse tipo de conflito estava praticamente ausente. No Brasil, imperava a
cordialidade do povo vivenciada numa democracia racial [...]

Porém, a visão de Freyre não estava correta: a democracia racial no Brasil não era real,
e mostrou-se utópica. Com estudos mais aprofundados, como o do pesquisador Florestan
Fernandes, apontou-se para uma desigualdade de oportunidades entre as “raças” (cores branca
e negra), e tendo como principal vilão o aspecto econômico. Nesse ínterim, Fernandes e
Bastide apontam:

[...] De um lado, ela (a cor) permitia distinguir os indivíduos, por meio de caracteres
exteriores, de acordo com sua posição na estrutura social. De outro, funcionava
como um núcleo de condensação e de ativação de uma série de forças sociais, que
mantinham a unidade e a estabilidade da ordem vigente. Pensamos, assim, que não
foi por acaso que a cor foi selecionada cultural e socialmente como marca racial [..].
Passou a indicar mais do que uma diferença física ou uma desigualdade social: a
supremacia das raças brancas, a inferioridade das raças negras e o direito natural dos
membros daquelas de violarem o seu próprio código ético, para explorar outros seres
humanos [...] (apud PACHECO; SILVA, 2007, p.131)

Justamente porque a ciência jurídica tem como função realizar a mediação entre a
política e a moral, entretanto, não se confundindo com ambas, observa-se que esta
problemática permite uma resposta da ciência jurídica.
Em que condições, então, o uso do conceito de raça pode ser juridicamente admitido?
É exatamente porque o direito realiza a mediação entre a moral e a política, mas não se
confunde com elas, que a questão admite uma resposta jurídica.
Jocélio Teles dos Santos, Professor do Departamento de Antropologia da Universidade
Federal da Bahia, disserta em artigo sobre os critérios raciais:

[...] Os dados reforçam o argumento de que os brasileiros sabem definir quem é


quem no espectro racial seja pelo sistema classificatório racial do IBGE ou por uma
auto-classificação. Deslocar o problema para a indagação de como definir quem no
Brasil é negro é escamotear a vontade política [...]
[...] Entretanto, quando se indicam possíveis ações para uma maior inserção de
negros nas universidades públicas, e em suas carreiras consideradas socialmente de
prestígio, o raciocínio simplista impera e demonstra argumentos rasteiros que se
reduzem a um maniqueísmo típico da Terra Brasilis: contra ou favor a utilização de
cotas? [...] (SANTOS, 2009, n.p).

Os formuladores das leis que reservam as cotas para negros nos exames vestibulares
no Brasil têm consciência da problemática de se definir quem é negro ou não no Brasil, tanto
é que não se propuseram a definir o branco ou o negro, a partir de critérios objetivos,
relegando tal definição para o cidadão candidato às vagas.

4.3 A Lei Estadual N° 2.605, de 06 de Janeiro de 2003


42

Conforme ocorre em todas as regiões do país, Mato Grosso do Sul apresenta um


cenário de desigualdade entre as raças no acesso à educação superior, se comparados os
brancos com os negros, como demonstram as inúmeras pesquisas realizadas pelos institutos
de pesquisa nacionais. No início desta década, os movimentos sociais organizados começaram
a pressionar o Poder Público para que este tomasse medidas executivas de forma a minimizar
tais indicadores entre as cores, inserindo as políticas afirmativas para os negros no processo
de igualação entre os cidadãos.
Sob a influência do movimento negro no Mato Grosso do Sul, houve a promulgação
da Lei Estadual n° 2.605/03, de autoria do deputado Pedro Kemp, quando houve, por
unanimidade, a aprovação desta lei na Assembléia Legislativa Estadual. Esta lei, juntamente
com a Lei n° 2.589/03 que reserva vagas para os indígenas, tem como objetivo resguardar
20% das vagas oferecidas na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul para os cidadãos
de cor negra (MATO GROSSO DO SUL, 2003, n.p).
Vale transcrevermos parte da justificativa do projeto de lei (2.605/03) sendo expostos
os motivos da reserva de cotas para os negros na UEMS:

Na Constituição Federal está expresso o princípio da igualdade de direitos, sendo


papel do Estado promover o bem-estar social sem preconceitos de origem, raça, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação. No entanto, por mais que na Lei
conste expresso o repúdio a qualquer tipo de discriminação, vimos na prática a não
superação do racismo. O Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos,
feito em parceria com Global Exchange, afirma que ‘a população negra brasileira é a
segunda maior do mundo após a Nigéria, e o Brasil foi o último país ocidental a
abolir a escravidão. A imensa desigualdade racial tem sua origem no processo de
colonização. [...] O quadro de desigualdade social entre negros e brancos está
relacionado tanto a fatores estruturais quanto à discriminação. Entre os fatores
estruturais, sem dúvida, o mais significativo é o componente educacional. Ao se
situarem nos grupos com menor acesso à educação formal, os negros também
ocupam postos de menor prestígio no mercado de trabalho. Nesse sentido, é preciso
que o Estado invista em políticas públicas afirmativas, invertendo a lógica da
estrutura de oportunidades, que está profundamente marcada por práticas violadoras
de direitos e de discriminações baseadas na raça [...] (MATO GROSSO DO SUL,
2003, n.p)

A lei n° 2.605/03 apresenta-se redigida desta maneira na sua íntegra:

Art. 1º A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul deverá reservar uma cota
mínima de 20% de suas vagas nos cursos de graduação destinada ao ingresso de
alunos negros.
Art. 2º O Poder Executivo, por meio da Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul, regulamentará a matéria no prazo de noventa dias a contar da publicação desta
Lei.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário. (MATO GROSSO DO SUL, 2003,
n.p)
43

O objetivo almejado, quando da elaboração da lei, foi realmente a busca pela redução
das desigualdades entre negros e brancos, entretanto, os critérios escolhidos no exame da
inscrição do concorrente cotista devem ser aperfeiçoados.

4.4 Da Necessidade de Critérios Objetivos para o Sistema de Cotas Raciais na UEMS

Observa-se que as cotas raciais foram criadas no Mato Grosso do Sul sendo
influenciadas pelos sistemas da UFBA e pela UERJ. Porém, em tais estados, a diferença é
gritante no que toca às disparidades sociais, sendo que os estudantes que ingressam nas
universidades públicas na Bahia e no Rio de Janeiro são em sua grande maioria advindos de
escolas particulares. Flávia Piovesan (2009, n.p) discorre sobre os argumentos que embasam a
necessidade das ações afirmativas para os negros no acesso ao Ensino Superior:

[...] O primeiro deles refere-se à própria exigência de uma educação voltada para
valores e para a promoção da diversidade étnico-racial. Se o objetivo maior do
processo educacional há de ser o pleno desenvolvimento da personalidade humana,
guiado pelo valor da cidadania, do respeito, da pluralidade e da tolerância, afirma-se
como absolutamente legítimo o interesse da Universidade em promover a
diversidade étnico-racial, o que traduziria o benefício de maior qualidade e riqueza
do ensino e da vivência acadêmica, contribuindo, ainda, para a eliminação de
preconceitos e estereótipos raciais.
O segundo argumento é de ordem político-social. Se se pretende uma sociedade
mais democrática, com a transformação de organizações, políticas e instituições, o
título universitário ainda remanesce como um passaporte para ascensão social e para
a democratização das esferas de poder, com o “empoderamento” dos grupos
historicamente excluídos. Para ampliar o número de afro-descendentes juízes(as),
advogados(as), procuradores(as), médicos(as), engenheiros(as), arquitetos(as),
dentre outros, o título universitário mostra-se essencial. Acentua-se, ainda, que os
afro-descendentes constituem menos de 2% dos estudantes nas Universidades
públicas brasileiras, embora sejam 45% da população brasileira, que é a segunda
maior população negra do mundo, com exceção da Nigéria. A pirâmide dos
estudantes universitários brasileiros aponta na sua base os negros(as) provenientes
das escolas públicas, seguidos dos brancos(as) das escolas públicas, por sua vez,
seguidos dos negros(as) de escolas privadas e tendo em seu ápice os brancos(as) de
escolas privadas. As ações afirmativas, enquanto medidas especiais e temporárias,
simbolizariam medidas compensatórias, destinadas a aliviar o peso de um passado
discriminatório, que faz do Brasil um dos últimos países a abolir a escravidão.
Significariam, ainda, uma alternativa para enfrentar a persistência da desigualdade
estrutural que corrói a realidade brasileira, por sucessivas décadas. Além disso,
permitiriam a concretização da justiça em sua dupla dimensão: redistribuição
(mediante a justiça social) e reconhecimento de identidades (mediante o direito à
visibilidade de grupos excluídos).
Por fim, há o argumento jurídico, pois a ordem constitucional, somada aos tratados
internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil (em especial
a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial),
acolhem não apenas o valor da igualdade formal, mas também da igualdade
material. Reconhecem que não basta proibir a discriminação, sendo necessário
também promover a igualdade, por meio de ações afirmativas. Além disso, a
Constituição Federal de 1988 estabelece o princípio do pluralismo no campo do
ensino e consagra, como objetivos fundamentais da República, a construção de uma
44

sociedade justa e solidária, com a redução das desigualdades sociais – o que vem a
conferir lastro jurídico aos demais argumentos já expostos [...]

Na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, os estudantes que vieram da escola


pública perfazem um percentual muito maior dos que vieram de escolas particulares. A
própria Reitora da UEMS em 2003, professora Leocádia Aglaé Petry Leme, em entrevista ao
Portal de Notícias on-line do deputado estadual Pedro Kemp (REGULAMENTAÇÃO...,
2009, n.p.) confirma esta informação:

[...] Temos unidades em 14 cidades do estado, e 71% dos estudantes da Uems


vieram da escola pública. Muito diferente das universidades federais e estaduais das
grandes cidades que verdadeiramente tem um perfil mais excludente no sentido de
que abrigam percentualmente mais estudantes vindos de escolas particulares e
pouquíssimos estudantes negros [...]

Pela análise das Resoluções n° 430 e 889 do CEPE/UEMS, as mesmas não prescrevem
que o candidato apresente, tanto no ato da inscrição quando na matrícula, a comprovação de
renda. Concluímos nesse aspecto que a simples presunção de pobreza pelo fato do candidato
ser advindo da Escola Pública é por demais simplista e ineficaz, não atingindo o real intuito
da lei que é oportunizar ao negro, hipossuficiente financeiramente, o ingresso na Universidade
Estadual do Mato Grosso do Sul. (MATO GROSSO DO SUL, 2004a, n.p).
De acordo com as justificativas históricas de desigualação entre brancos e negros, o
correto seria submeter tal pessoa a um exame de DNA para perquirir o grau de “negritude”
que esta pessoa tem. Mas, sabiamente, não o fizeram desta forma as Resoluções internas da
UEMS, uma vez que a grande maioria dos brasileiros tem ascendência negra em algum ponto
de sua árvore genealógica.
Citando novamente o antropólogo catedrático da Universidade de São Paulo
Kabengele Munanga, visamos que o problema das cotas tais como a da UEMS incorre na falta
de critérios lógicos para uma verdadeira redução das desigualdades entre brancos e negros. O
professor discorre em entrevista a revista “Estudos Avançados” sobre a reserva de cotas para
negros:

[...] Para mim, as cotas são uma medida transitória, para acelerar o processo. No
entanto, julgo que não somente os negros, mas também os brancos pobres têm o
direito às cotas. Se as cotas forem adotadas, devem ser cruzados critérios
econômicos com critérios étnicos. Porque meus filhos não precisam de cotas, assim
como outros negros da classe média [...] (MUNANGA, 2004, p.53)

O antropólogo da Universidade de Brasília, José Jorge de Carvalho (2005, p.244)


opina a respeito da comissão organizada nas universidades públicas para verificar se o
candidato pode ou não concorrer às cotas baseada somente em uma foto do candidato:
45

[...] Como Maio e Santos, sou contrário às fotos e minha razão por discordar delas
não é “científica”, mas política: as fotos despolitizam o posicionamento do sujeito
ao transferir a responsabilidade de assumir sua condição racial para a comissão. O
que espero da autodeclaração é que ela se generalize especularmente, de modo a
alcançar não somente os candidatos ao vestibular pelas cotas, mas também a nós,
acadêmicos brancos que nunca nos assumimos como tais. No momento em que
aceitarmos, sem subterfúgios, que o Museu Nacional, a Fiocruz, a UFRJ, a USP, a
Unicamp, a UFRGS, a UFMG, a UnB estão entre as instituições acadêmicas mais
segregadas racialmente do mundo (por excluírem quase inteiramente os
representantes do contingente dos negros, que somam 45% da população do nosso
país), talvez possamos refazer nosso olhar acostumado a naturalizar esse escândalo e
passemos a nos sentir menos neutros ao criticar critérios de identificação de negros
para, pela primeira vez em nosso país, beneficiá-los [...]

A questão não é a existência ou não das cotas. O fundamental é aumentar o


contingente negro no ensino superior de boa qualidade, seja público ou particular,
descobrindo os caminhos para que isso aconteça. Em outro argumento manifesto, no debate
das cotas raciais, inclusive presente nos círculo dos pensadores “formadores de opinião”, é o
da definição de quem é ou não negro. Se os movimentos negros dizem que basta somente
perguntar a polícia, as instituições de ensino superior público nem saberiam o que responder.

4.4.1 As Resoluções do CEPE/UEMS Nº 430/2004 e N° 889/2004

As resoluções do CEPE/UEMS nº 430 de 30 de julho de 2004, e a nº 889/2009 de 16


de março de 2009 foram editadas para regulamentar o disposto no art.2º da Lei n°2.605/03
que dispõe o “prazo de noventa dias a contar da publicação desta lei”. Os artigos 7º e 8° da
Resolução n° 889 do CEPE/UEMS dispõe sobre o procedimento para a inscrição dos
candidatos aos 20% das vagas para negros. Os artigos citados são apresentados desta forma:

Art. 7º Para efetivação da inscrição serão exigidos do candidato:


I - ficha de inscrição devidamente preenchida;
II - 1 (uma) fotografia 5x7cm (cinco por sete centímetros) frontal, datada do ano de
realização da inscrição;
III - fotocópia de documento oficial de identificação (frente e verso);
IV - fotocópia do cadastro de pessoa física (CPF)
V - comprovante original do pagamento da taxa de inscrição;
VI - requerimento para aproveitamento do ENEM e respectivo comprovante de
participação, quando for o caso, nos termos do art. 6º, deste Regulamento.

Art. 8º Ao candidato que optar por concorrer no regime de cotas de 20% (vinte por
cento) para negros, serão exigidos, além dos documentos estabelecidos no art. 7º,
deste Regulamento, os seguintes documentos:
I - fotocópia do histórico escolar do ensino médio ou atestado de matrícula
expedidos por escola da rede pública de ensino;
II - declaração da condição de aluno bolsista, fornecida por instituição privada de
ensino, quando for o caso. (MATO GROSSO DO SUL, 2009, n.p)
46

Do inciso II do art. 7º, podemos de imediato aferir a característica genotípica negra na


seleção dos candidatos. Nos incisos I e II do art. 8°, visualizamos que o candidato deve ter
cursado o Ensino Médio na Rede Pública de Ensino, ou que tenha recebido bolsa de estudos
em escola da rede particular (MATO GROSSO DO SUL, 2009, n.p).
Com a Resolução nº 889/2009 foi perdida a oportunidade de alterar significativamente
os critérios para análise dos candidatos às vagas reservadas aos negros, de forma a dar
objetividade para o ingresso dos negros na Universidade.
Na esfera da UEMS foi instituída pelo Reitor, a Comissão de Análise de Cotas de
Negros (CNN), com vistas a regulamentar a reserva de vagas pelo processo de cotas na
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, sendo composta atualmente, de acordo com a
art.9° da Resolução nº 889/209, “por professores, técnicos administrativos ou alunos da
UEMS, e por representantes do Movimento Negro”, senão vejamos:

Art. 9º O candidato inscrito no percentual de vagas para negros terá sua inscrição
avaliada por uma Comissão de Análise de Cotas de Negros (CCN), instituída pelo
Reitor e composta por professores, técnicos administrativos ou alunos da UEMS e
por representantes do Movimento Negro.

§ 1º O quantitativo de membros da CCN será definida pela PROE respeitada a


representatividade definida no caput deste artigo.

§ 2º Os critérios de avaliação serão definidos em conjunto pela COPESE, CCN e


PROE, por meio de Edital específico, publicado em Diário Oficial do MS. (MATO
GROSSO DO SUL, 2009, n.p)

Em alusão às ações afirmativas na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, a


Drª. Vera Lúcia Benedito expõe:

[...] no Brasil a pigmentocracia ou hierarquia da cor é uma realidade cotidiana


convencionada pelas práticas sociais, onde o indivíduo embranquece ou enegrece de
acordo com o seu status, classe social e realização educacional, e recebe tratamento
pessoal de acordo com estes atributos. As ações afirmativas, como políticas
públicas, estão mexendo com essa convenção. É interessante notar que nesse
processo inicial de consciência política alguns alunos identificam-se segundo classe
e não raça. Talvez seja uma questão de tempo, quando a politização dessa
consciência de classe passa a se expressar como consciência racial [...] (LOPES;
BRAGA, 2007, p. 129)

Observa-se, portanto, que entre os próprios acadêmicos que ingressaram na UEMS por
meio da reserva de cotas há esta distinção de classe e não de raça. Isso evidencia que em Mato
Grosso do Sul, a reserva de cotas raciais não supre efetivamente as desigualdades sociais entre
brancos e negros já que na própria universidade as diferenças refletem justamente um
disparate social-econômico e não racial.
47

4.5 Da (In)Constitucionalidade dos Critérios Adotados

Pelos argumentos fomentados ao longo deste trabalho, a Constituição ao elencar, em


seu bojo, dispositivos que primam pela promoção de uma igualdade que rompe com o mérito
formal, resolve a problemática da constitucionalidade ou não das ações afirmativas na reserva
de cotas para negros no exame vestibular da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro diante da análise da constitucionalidade da lei
que promove as cotas raciais na UERJ, aquele se pronunciou desta forma, em respeito as
condicionantes das formas lícitas de desigualação: (RIO DE JANEIRO, 2005, n.p)

APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. DENEGAÇÃO DO


WRIT. SISTEMA DE COTA MÍNIMA PARA POPULAÇÃO NEGRA E PARDA
E PARA ESTUDANTES ORIUNDOS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE
ENSINO. LEIS ESTADUAIS 3524/00 E 3708/01. EXEGESE DO TEXTO
CONSTITUCIONAL. A ação afirmativa é um dos instrumentos possibilitadores da
superação do problema do não cidadão, daquele que não participa política e
democraticamente como lhe é na letra da lei fundamental assegurado, porque não se
lhe reconhecem os meios efetivos para se igualar com os demais. Cidadania não
combina com desigualdades. República não combina com preconceito. Democracia
não combina com discriminação. Nesse cenário sócio-político e econômico, não
seria verdadeiramente democrática a leitura superficial e preconceituosa da
Constituição, nem seria verdadeiramente cidadão o leitor que lhe buscasse a alma,
apregoando o discurso fácil dos igualados superiormente em nossa história pelas
mãos calejadas dos discriminados. É preciso ter sempre presentes essas palavras. A
correção das desigualdades é possível. Por isso façamos o que está a nosso alcance,
o que está previsto na Constituição Federal, porque, na vida, não há espaço para o
arrependimento, para a acomodação, para o misoneísmo, que é a aversão, sem se
querer perceber a origem, a tudo que é novo. Mas mãos à obra, a partir da confiança
na índole dos brasileiros e nas instituições pátrias. O preceito do art. 5o, da CR/88,
não difere dos contidos nos incisos I, III e IV, do art. 206, da mesma Carta. Pensar-
se o inverso é prender-se a uma exegese de igualização dita estática, negativa, na
contramão com eficaz dinâmica, apontada pelo Constituinte de 1988, ao traçar os
objetivos fundamentais da República Brasileira. É bom que se diga que se 45% dos
170 milhões da população brasileira é composta de negros (5% de pretos e 40% de
pardos); que se 22 milhões de habitantes do Brasil vivem abaixo da linha apontada
como de pobreza e desses 70% são negros, a conclusão que decorre é de que, na
realidade, o legislador estadual levou em conta, quando da fixação de cotas, o
número de negros e pardos excluídos das universidades e a condição social da
parcela da sociedade que vive na pobreza, como posto pela Procuradoria do Estado
em sua manifestação. O único modo de deter e começar a reverter o processo
crônico de desvantagem dos negros no Brasil é privilegiá-la conscientemente,
sobretudo naqueles espaços em que essa ação compensatória tenha maior poder de
multiplicação. Eis porque a implementação de um sistema de cotas se torna
inevitável. Na medida em que não poderemos reverter inteiramente esta questão em
curto prazo, podemos pelo menos dar o primeiro passo, qual seja, incluir negros na
reduzida elite pensante do país. O descortinamento de tal quadro de responsabilidade
48

social, de postura afirmativa de caráter nitidamente emergencial, na busca de uma


igualdade escolar entre brancos e negros, esses parcela significativa de elementos
abaixo da linha considerada como de pobreza, não permite que se vislumbre
qualquer eiva de inconstitucionalidade nas leis 3.524/00 e 3708/01, inclusive no
campo do princípio da proporcionalidade, já que traduzem tão-somente o
cumprimento de objetivos fundamentais da República.

Conforme noticia o portal on-line do Supremo Tribunal Federal, (STF..., 2009) a


problemática constitucional da reserva de cotas nas universidades federais com a utilização de
critérios raciais chegou ao Supremo Tribunal Federal, sendo que o ministro Ricardo
Lewandowski convocou uma audiência pública para a data de 03 a 05 de março de 2010 para
debater esta questão.
Até o término deste trabalho, conforme noticiado no portal eletrônico do Supremo
Tribunal Federal, tramitam no STF a ADPF 186 (Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental) que questiona o sistema de reserva de cotas para negros adotado pela
Universidade de Brasília, e o RE 597285 (Recurso Extraordinário) discute a legitimidade
constitucional da reserva de vagas a estudantes do ensino público e estudantes negros
instituído na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Também foram colhidos pareceres
Procuradoria Geral da República (PGR) e da Advocacia Geral da União (AGU) que em
ambas as ações pugnaram pela constitucionalidade dos sistemas de reservas de vagas para
negros nas universidades públicas (STF..., 2009, n.p).
Também, no STF, temos as ADIns (Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade) n.
3330, 3314 e 3379, que intentam a declaração da inconstitucionalidade do regime de reserva
de cotas nas universidades quanto utilizados critérios raciais.
No despacho da convocação da audiência pública que ocorrerá em 2010 afirma o
Ministro Carlos Ayres Britto do STF:

[...] a questão constitucional apresenta relevância do ponto de vista jurídico, uma vez
que a interpretação a ser firmada por esta Corte poderá autorizar, ou não, o uso de
critérios raciais nos programas de admissão das universidades brasileiras. Evidencia-
se a repercussão social, porquanto a solução da controvérsia em análise poderá
ensejar relevante impacto sobre políticas públicas que objetivam, por meio de ações
afirmativas, a redução de desigualdades para o acesso ao ensino superior [...]
(STF..., 2009, n.p):

Conforme veiculado no site do STF em 02 de agosto de 2008, o Ministro Carlos Ayres


Britto pugnou pela legitimidade e constitucionalidade do sistema de cotas:

[...] Ayres Britto disse que é pelo combate eficaz a situações de desigualdade que se
concretiza a igualdade e que a lei pode ser utilizada como um instrumento de
reequilíbrio social, se não incidir em discriminação. Não se pode criticar uma lei por
fazer distinções. O próprio, o típico da lei é fazer distinções, diferenciações,
desigualações para contrabater renitentes desigualações. Ao citar a máxima de que a
49

verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os


desiguais, Ayres Britto lembrou que a lei beneficia estudantes com carência
patrimonial e de renda, uma faixa da população que tem sido alvo de ciclos
repetitivos de desigualdades. A desigualação em favor dos estudantes que cursaram
o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que hajam
sido contemplados com bolsa integral não ofende a Constituição pátria, porquanto se
trata de um discrímen que acompanha a toada de compensação de uma anterior e
factual inferioridade patrimonial e de renda, concluiu [...] (STF..., 2009, n.p):

Quando remetemos o assunto ao plano infraconstitucional, no que toca às ações


afirmativas no ensino superior, atualmente tramitam propostas nas casas legislativas para que
seja implementada a reserva de vagas para negros e alunos egressos de escolas públicas nas
universidades federais no Brasil. Temos também o PROUNI (Programa Universidade para
Todos) do governo federal que oferece bolsas que financiam os estudos para alunos de baixa
renda na rede privada do ensino superior, desde que tenham bom desempenho no ENEM
(Exame Nacional do Ensino Médio) e sejam egressos de escolas públicas (CARDOSO, 2009,
p.08).
O termo constitucional insculpido no artigo 5° da Carta Magna que proclama a
“igualdade de todos perante a lei”, diz exatamente um exame interpretativo da norma que nos
conduz a avaliar a imparcialidade processual no que tange a esta desejada promoção da
igualdade entre os cidadãos (BRASIL, 1988, n.p).
Conquanto, para que haja efetividade de qualquer ação afirmativa deve haver a
inserção de fatores de condição para que a discriminação lícita seja devidamente justificada, a
exemplo da condição social, política e econômica dos grupos envolvidos. Segundo o
entendimento do doutrinador Alexandre de Moraes (2007, p. 83), “os tratamentos normativos
diferenciadores são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de
uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado”.
Em pesquisa ao site do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, visualiza-se seis
ações que chegaram ao Tribunal de Justiça por meio de recursos interpostos contra decisões
de 1° grau, e que, sinteticamente, intentam questionar a constitucionalidade da política
afirmativa das cotas para negros, alegando basicamente que o sistema de cotas da UEMS
desrespeita o princípio da isonomia, insculpido no art.5°, caput, da Constituição Federal, e
também, o princípio meritocrático de acesso ao ensino superior insculpido no art.208, inciso
V da Constituição Federal. (BRASIL, 1988, n.p)
O princípio meritocrático para o acesso ao ensino superior concerne a capacidade
intelectual de cada pessoa, sendo que cabe somente a mesma os esforços necessários para sua
aprovação em exame vestibular e o posterior ingresso no ensino superior, dada a característica
de concurso público que o exame vestibular afere. A Constituição Federal apresenta,
50

inclusive, dispositivo normativo que enaltece o mérito dos cidadãos para o ingresso no ensino
superior. Nesse sentido é válido transcrevermos o art.208, inciso V da Carta Magna:

[...] Art.208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia
de:
V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um [...] (BRASIL, 1988, n.p)

O princípio meritocrático alegado nestas ações judiciais, concernente a esta


problemática, prima pelo merecimento dos candidatos de cor branca que não puderam
ingressar no ensino superior devido à reserva das cotas para os cidadãos de cor negra. Por
exemplo, imaginemos um Curso Superior oferecido na UEMS que possui o total de 40 vagas.
Com a reserva de cotas para negros e indígenas as vagas, restariam 28 vagas que tem o
método de ingresso comum não abrangido pela reserva de cotas.
Dentre as seis ações em trâmite no Tribunal de Justiça observamos a distribuição por
comarca destas, sendo quatro delas são de Paranaíba, uma de Dourados, e uma de Maracaju 2.
O Tribunal de Justiça Estadual, nestas ações, decidiu pela constitucionalidade do sistema de
cotas, e das leis n° 2.605/03 e 2.589/03, por entender justamente pela licitude das ações
afirmativas no caso da reserva de cotas na UEMS (MATO GROSSO DO SUL, 2009).
A única exceção posta, dentre estas ações, em que o Tribunal reconheceu alguma
ilegalidade, deu-se na Apelação Cível N. 2005.015719-1/0000-00 (Dourados). O mérito desta
intentava rechaçar a exigência de declaração da condição de aluna bolsista fornecida por
instituição da rede privada de ensino, a qual não tem previsão na lei n°2.605/03. Tal
disposição é presente somente na Resolução n° 430 do CEPE/UEMS.
Somente a Resolução nº 430 do CEPE/UEMS foi declarada ilegal, pois entendeu a
Turma julgadora do recurso que a Resolução ultrapassou o limite de sua atuação quando
“modificou” o alcance da lei. Observe que tal decisão ad quem não pugnou pela
inconstitucionalidade da Lei n° 2.605, mas sim, somente pela ilegalidade da resolução
430/2004 do CEPE/UEMS por reconhecer que a mesma “extrapolou os limites traçados pela
lei regulamentada, alterando seu conteúdo e alcance, ao exigir, além da condição racial de

2
As ações judiciais citadas que o TJ/MS apreciou o mérito do sistema de cotas raciais na UEMS são:
01 – Apelação Cível em Mandado de Segurança – Lei Especial – N.2009.003055-0/0000-00 – Paranaíba.
02 – Agravo em Ação Cominatória – N.2009.005947-1/0000-00 – Paranaíba.
03 - Apelação Cível em Ação Cominatória – N. 2008.035414-1/0000-00 – Paranaíba.
04 – Agravo Regimental em Apelação Cível – N. 2007.021853-6/0001-00 – Paranaíba.
05 - Apelação Cível em ação anulatória de ato administrativo c.c declaratória de validação de inscrição e
efetivação de matrícula em universidade – N.2005.015719-1/0000-00 – Dourados.
06 – Apelação Cível em Mandado de Segurança - N. 2005.010356-9/0000-00 – Maracaju.
51

negro, seja o candidato possuidor de baixa renda financeira” (MATO GROSSO DO SUL,
2009).
As normas da UEMS que concernem à regulamentação da forma como os cidadãos
negros podem ingressar na Universidade ultrapassou os limites do que um ato normativo pode
dispor legalmente. A função dos atos normativos é especificar o que foi generalizado pela lei.
Apenas a lei por determinar a criação de direitos. Pela omissão legal, no que tange a lei n°
2.605/03, as Resoluções do CEPE/UEMS não cumprem sua função.
Celso Antônio Bandeira de Melo (1993, p.332) dispõe que não deve haver delegação
legislativa para que um regulamento possa dispor o que a lei não fez. Se desta forma fosse, o
princípio da legalidade seria ofendido, pois os dispositivos constitucionais, por exemplo,
teriam suas condições de validade baseadas em disposições legais infraconstitucionais.
Esquecem-se os requerentes que pugnam pela inconstitucionalidade da lei n° 2.605/03
que a mesma Carta Constitucional prevê em seu bojo a discriminação lícita, para os negros
possam ter o acesso a educação superior no Mato Grosso do Sul.
A constituição traz ainda em seu art.206, inciso I, que deve ser observado o princípio
da igualdade de condições para o ensino, como podemos visualizar da transcrição do artigo:
[...] Art.206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola; [...] (BRASIL, 1988, n.p).
O que falta ser feito, diante do apreendido, é que o sistema da UEMS promova de fato
uma justiça social, fazendo com que os negros que realmente não tem condições sociais e
financeiras de ingressar em uma Universidade o tenham. Do modo como as normas estão
dispostas, e pelas resoluções nº 430 e 889 do CEPE/UEMS, o sistema de cotas para negros da
UEMS pode favorecer negros que não são pobres, já que não utiliza o critério renda para a
admissão destes alunos.
Somente com uma avaliação do biótipo “negro”, e da educação obrigatória em escolas
públicas, sendo estes dois critérios utilizados como epicentros que permitam identificar e
justificar licitamente a discriminação positiva realizada é evidente que a lei torna-se
inconstitucional, pois não faz a justiça social e não cumpre com os objetivos para que foi
promulgada pela Casa Legislativa Estadual3. A falta de uma análise da condição social e
econômica destes negros que ingressam na UEMS acaba por viciar uma iniciativa de política
pública afirmativa que em sua essência é condizente com o pluralismo jurídico desejado pelo

3
Neste sentido: Apelação Cível – Ordinário – N. 2005.015719-1/0000-00, 3ª Turma Cível do TJMS. Relator:
Des. Oswaldo Rodrigues de Melo.
52

legislador na ânsia de serem prevalentes os princípios fundamentais de um Estado


democrático.
Guimarães (2003, p.266) coloca questões mais importantes a serem discutidas do que
a análise jurídica a respeito da constitucionalidade ou não do regime de cotas para negros nas
universidades:

[...] É perfeitamente possível que o estabelecimento de uma cota que beneficie os


“negros”, por exemplo,acabe por limitar o acesso de “amarelos” à universidade.
Como evitar esses efeitos perversos? Em primeiro lugar, é preciso que fique bem
claro o objetivo das universidades públicas: elas se destinam apenas aos mais
competitivos e mais capazes? Elas se destinam apenas aos estudantes mais carentes?
Qual é o perfil que se deseja para o alunado dessas escolas? Como evitar uma
associação perversa entre competitividade e nível de renda? Entre competitividade e
identidade racial? [...]

Nesta perspectiva de alcance da norma jurídica, visando a realização de seus objetivos


de realizar uma material igualação dos grupos em desigualdade alertam Galuppo e Basile
(2006, p.101):
[...] Em uma sociedade pluralista democrática, o Direito deve cumprir
simultaneamente duas tarefas: deve realizar, na maior medida possível, o projeto de
vida da maioria e deve também preservar, de alguma forma, os projetos de vida
alternativos. Ademais, a auto-identidade que se atribui uma sociedade pluralista só é
inteiramente compreendida se o direito que a interpreta reconhece que essa
sociedade tem de querer, mesmo que paradoxalmente, realizar simultaneamente os
projetos de vida distintos, ainda que tais projetos alternativos requeiram, em
algumas situações, uma aplicação especial do direito, justificada pela produção de
mecanismos de inclusão, como no caso das políticas de ação afirmativa a igualdade
é um conceito aritmeticamente inclusivo, ou seja, sempre que o maior número de
cidadãos for incluído em discursos jurídicos, estaremos criando igualdade e não
desigualdade. Uma vez que isso depende da indicação de boas razões, só se pode
avaliar se políticas públicas afirmativas contribuem ou não para a realização da
igualdade caso a caso, não possuindo essa questão uma resposta abstrata, porque o
que deve ser avaliado é se tais políticas criam ou não desigualdades no caso
concreto, ou seja, se permitem maior ou menor inclusão social [...]

Portanto, no caso do regime cotista da UEMS, devemos observar o exposto acima no


que concerne a verificar se o critério de admissão destes cidadãos negros está correto, e se, de
fato, permite uma menor ou maior inclusão social. Da forma como atualmente estão dispostos
estes critérios, tudo nos leva a crer que o sistema pode ser aperfeiçoado de forma a realizar
uma eficaz justiça social, baseada nos idéias democráticos do Estado de Direito e nos
postulados de uma sociedade pluralista e de oportunidades iguais a todos.
53

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Visualizando o princípio da isonomia como um superprincípio, e dada sua capacidade


de moldar os outros princípios, é lógico conceber a idéia de que a isonomia material dever ser
sempre buscada, mesmo que se tenha de se conceder “privilégios” aos grupos marginalizados
socialmente. Este é o ideal que abrange das ações afirmativas. Ou seja, determinados grupos
que são reconhecidamente desiguais e, por isso inferiores a maioria, tem sua legitimidade para
concorrerem a estas políticas afirmativas.
Concluí-se que o tratamento diferenciado aos negros, em respeito aos direitos
fundamentais, é necessário para criar condições de inclusão social deste grupo. O Estado
Democrático de Direito permite este tratamento jurídico diferenciado, sendo adequado neste
caso, dado o fato deste grupo negro ser marginalizado socialmente.
O sistema de cotas da UEMS, apesar da preocupação legislativa em dar oportunidades
de igualação ao grupo étnico negro, aponta deficiências legais e aos critérios para o ingresso
destes cidadãos negros. A lei n° 2.605 não regulamenta a forma e os meios como os negros
podem preencher os requisitos para preencherem as vagas reservadas. Tal encargo foi
destinado ao CEPE da UEMS, que por meio de Resoluções internas dispôs além do que um
ato normativo deve disciplinar.
A Resolução, neste sentido, tem a função somente de explicar o que lei determina. A
lei n°2.605 deveria trazer ao menos postulados básicos de como os negros ingressariam neste
sistema de cotas. Quando esta tarefa é delegada à Resolução, esta deve ater-se a especificar o
que a lei determina. Como a lei é omissa, a exemplo dos simplórios quatro artigos que contam
na lei, cria-se um empecilho a normatização por meio de ato administrativo, tal qual foi feito
na UEMS por meio das Resoluções n° 430/2004 e N° 889/2004.
Apesar do sistema de cotas não suprir integralmente as desigualdades entre os
cidadãos de pele branca e os de pele negra, as ações afirmativas são políticas que obtém
resultados positivos na inserção dos grupos excluídos.
O que deve ser levado em consideração na análise de qual candidato deve ou não
concorrer às vagas reservadas da UEMS, é se o mesmo meio dispõe ou não, quando do
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momento da matrícula na Universidade, de condições financeiras de cursar uma Universidade,


seja Pública ou não. Para isto deseja-se uma eficaz análise da condição sócio-econômica do
candidato aprovado nas vagas reservadas da UEMS, pois a simples presunção da insuficiência
econômica deste candidato pela análise de sua formação escolar em Escola pública ou
particular por meio de bolsa de estudos é por demais simplista e desprovida de caráter
científico. Nem sempre o candidato que cursou o Ensino Básico em escola pública é pobre,
bem como nem sempre o candidato que cursou uma escola particular é rico.
A justificativa objetiva para a implementação do sistema de reserva de cotas nas
Universidades a grupos marginalizados socialmente, é que estes tenham modos de ascender
socialmente, sendo que com a formação superior, as chances deste cidadão conquistar uma
vaga no mercado de trabalho, e ser bem remunerado financeiramente, aumentam
vertiginosamente.
Desta forma, apontam-se as deficiências legais e estruturais do sistema de reserva de
cotas para os negros na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul.
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