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Caderno Temático V
Educação, Escolas e Movimentos Sociais do/no Campo
RESUMO
A pesquisa sobre a proposta educacional do MST apontou que em meio às contradições da
atualidade a Pedagogia do MST deixa clara a sua vinculação a um novo projeto de sociedade, e que
essa proposta de educação está sendo construída no seio da luta de classes com a participação de
homens, mulheres, crianças, jovens trabalhadores e trabalhadoras do campo, sujeitos construtores
da própria história e que estão construindo uma nova página na luta de classes do Brasil. Já as
políticas públicas para educação do campo, puderam ser analisadas de dois pontos de vista
diferentes: o dos Movimentos sociais, que vê nessas conquistas estratégia para garantir inicialmente
acesso à educação, mas fundamentalmente para a Universalização de uma educação de classe na
perspectiva da emancipação humana.
Palavras- chave: Educação do MST. Educação do Campo. Reforma Agrária.
ABSTRACT
Research on the educational proposal MST pointed out that amid the contradictions of modern
pedagogy MST makes clear its connection to a new project of society, and that this education
proposal is being built within the class struggle involving men, women, children, young workers
and workers in the field, subject of the story itself and builders who are building a new page in the
class struggle in Brazil. Since public policies for rural education, could be analyzed from two
different points of view: that of social movements, who sees these achievements strategy to ensure
access to education initially, but fundamentally for Universal one class education from the
perspective of emancipation human.
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O texto é parte da Monografia da autora (SILVA, 2012) para a conclusão do curso Especialização em Educação do
Campo, UFRB/CFP - 2012
2
Graduada em Pedagogia da Terra – UNEB/PRONERA. Especialista em Educação do Campo e Desenvolvimento
Territorial do Semiárido Brasileiro CFP/UFRB.
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David Romão Teixeira Professor Assistente Centro de Formação de Professores Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia-UFRB
A proposta educacional do MST e a construção da Educação do Campo 14
_ SILVA e TEIXEIRA
A preocupação com a educação no Movimento Sem Terra está presente desde a origem do
próprio MST, desde as primeiras ocupações já se lutava por escolas para os filhos e filhas das
famílias acampadas. A princípio a discussão se concentrava em garantir escola para as crianças,
mas, a partir do próprio desenvolvimento do MST, das relações criadas pela condição real das
famílias, oriundas das lutas, dos enfrentamentos, dos violentos despejos, da perseguição por
pistoleiros, polícia etc., garantir escola não só se tornou um desafio como definir que tipo de
educação teria as crianças sem terra se tornou centro dos debates, isso porque as contradições
vividas por essas famílias se refletiam na escola (e não podia ser diferente), os professores que ali
estavam em grande parte não eram oriundos da luta e isso contribuía muito para que os mesmos
tratassem as ações dos e das sem terra como ato de vandalismo. Por conta disso, o movimento
identificou a necessidade de formar educadores e educadoras da Reforma Agrária, que
compreendessem e fizessem parte da luta, foi então que deu início aos cursos de formação de
educadores e educadoras do MST, com cursos de Magistério, Pedagogia, Letras, tendo os Encontros
de Educadores e Educadoras como passos decisivos para iniciar a construção da Proposta Educativa
do MST. É notório já nos primeiros registros sobre a luta pela educação no MST o desejo de ter
uma escola diferente
Uma das primeiras discussões do MST acerca da Escola foi que tipo de escola era necessário
para as crianças acampadas e assentadas. De uma coisa já se tinha ciência: o modelo educacional
hegemônico não atendia aos propósitos de educação do movimento muito menos à proposta de
sociedade que defendia e defende. “Como a educação e a formação estão sempre em relação com a
sociedade e/ou o projeto de sociedade em que se inserem, para o MST, educar é fundamentalmente
formar para transformar a sociedade”. (DALMAGRO, 2011, p. 45).
Num primeiro momento a preocupação entre o grupo que discute a educação, é não destoar o
processo educativo da luta, para esse grupo, o objetivo da escola é “ser um instrumento de
continuidade da luta através das crianças” (MST, 2005). O movimento então se empenhou em
construir uma proposta de educação própria, com elementos que contrapõe os objetivos da atual
escola, que visa “fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em
expansão do sistema capitalista”. (SÁDER, 2005).
As escolas se configuram enquanto espaço de poder, por isso é espaço de disputa, ocupar esse
espaço, tem sido um dos objetivos do movimento em geral que considera a escola e a educação
É preciso, no entanto, fazer um esforço para compreender o que leva um Movimento de Luta
pela Terra ter a educação em sua pauta de luta e de organicidade, e nessa mesma lógica
compreender o porquê do MST defender outro modelo de escola e de Educação como alerta
Dalmagro
Não é possível entender a escola no MST sem entender o próprio MST, ou seja, a
natureza, os objetivos, a historia desse movimento social. O MST não se faz etéreo
no tempo e no espaço, ele próprio é determinado/possibilitado pela materialidade
de nossa época. A escola igualmente é uma construção histórica. Nosso objetivo é
refletir acerca de qual escola tem sido necessária à luta dos Sem Terra e, nesta
medida [...] identificar se e como o MST tem apontado a construção de uma escola
superior à atual. (DALMAGRO, 2011, p.45)
A organização de que fazemos parte está cada vez maior e mais complexa. A luta
dos trabalhadores cresce em necessidade e força [...]. A educação precisa assumir
as tarefas que lhe cabem neste processo de fortalecimento da nossa organicidade,
de clareza do projeto político dos trabalhadores e de construção prática e cotidiana
da sociedade da justiça social e da dignidade humana [...] (MST, 2005, p.159-160).
Dessa forma, a educação proposta pelo Movimento está ligada a um projeto político e uma
visão de mundo que tem como objetivo romper com a atual lógica da sociedade capitalista podemos
constatar essa afirmativa com o que diz os princípios filosóficos da educação do MST, onde a
educação é considerada “uma das dimensões da formação, entendida tanto no sentido amplo da
formação humana, como no sentido mais restrita de formação de quadros”, essa educação tem a
transformação social como horizonte “um processo pedagógico que se assume como político”, uma
educação de classe que “não esconde o seu compromisso em desenvolver a consciência
revolucionária tanto nos educandos como nos educadores (MST, 2005).
Um elemento constitui-se como um grande dilema e um entrave nessa tentativa de construir e
implementar uma proposta diferente de educação: as escolas reivindicadas pelo MST e
conquistadas são controladas pelo Estado, estas possuem um currículo e proposta pedagógica
pensada sob a lógica da atual sociedade, como reflete Freitas,
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Dentre as influencias mais diretas destaca-se o Educador Paulo Freire, com seu método de Educação Popular
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Dentre as experiências destaca-se a experiência Russa na revolução de 1917, em especial as escolas Comuna
(PISTRAK) e ainda as experiências do Educador Anton Makarenko.
como finalidade construir algo novo. Isso pôde ser observado nas produções (cadernos, boletins) da
Educação do MST, que em sua elaboração destaca a importância da relação da produção do saber
com a produção da vida. De acordo com Araujo (2007) essas produções começaram a ser
sistematizadas no início dos anos 90, elaborando a fundamentação teórico-coletiva da proposta
político-pedagógica para as escolas de ensino fundamental.
Ao apropriarmos dos primeiros textos sobre a educação elaborados pelo MST, o que podemos
observar é que já existe desde aí a preocupação com a relação entre a educação com o processo
produtivo, nesse texto, o Coletivo diz que a base da escola alternativa para os Assentamentos está
na relação entre a escola e a produção, e essa preocupação não foi algo que veio de fora, foi fruto da
participação dos pais, da comunidade, nas discussões sobre a educação. A ligação da escola com as
discussões sobre a produção no assentamento impulsionaram o debate sobre a importância do
trabalho na formação das crianças sem terra, e mais que isso, o trabalho que se discutia era o
trabalho coletivo, por meio das cooperativas agrícolas que estavam sendo implementadas nos
assentamentos, fruto do debate do MST sobre a Cooperação Agrícola.
A proposta de escola que se pretendia construir nessa época é segundo Caldart (1990) “uma
autêntica revolução educacional”, pois segundo a autora já de início propõe uma educação
diferente, e o que é mais importante, constrói uma escola com vínculo orgânico com o Movimento e
com o campo, algo inédito na educação brasileira. A autora acrescenta ainda que se trata da revisão
das formas tradicionais de fazer, de pensar e de dizer a educação do povo , “demonstrando na
prática quem pode e deve ser o sujeito das mudanças fundamentais para a nossa educação”
(CALDART, 1990).
Mas que escola diferente é essa? Segundo o Coletivo Nacional de Educação6 do MST, a
diferença está nos objetivos da escola, que não podiam estar separados ou distantes da realidade do
assentamento, ajudando no avanço da luta. “A escola deve ser essencialmente prática, fornecendo
conhecimentos capazes de influenciar no trabalho e na organização da nova vida” (MST, 2005, p.
18).
Espaço de debates e deliberações acerca dos rumos e das estratégias da luta, o 6º Encontro
Nacional do MST, ocorrido em Piracicaba, SP no ano de 1991 aprovou as linhas políticas e as
orientações para a educação nas escolas do MST. As linhas políticas afirmavam entre outras
questões que era preciso desenvolver uma educação com base na realidade, nas experiências
acumuladas, e preparar crítica e criativamente para a participação nos processos de mudanças da
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O Coletivo Nacional de Educação do MST é formado por representantes (militantes) do movimento dos Estados nos
quais o MST está organizado.
Nesse contexto a sociedade capitalista e sua luta constante de se manter na hegemonia vêm
historicamente se valendo de vários mecanismos de controle da sociedade, dentre eles está a
educação que vem desenvolvendo duas funções simultaneamente: “fornecer os conhecimentos e o
pessoal necessário à maquina produtiva do capital e gerar e transmitir um quadro de valores que
legitima os interesses dominantes” (MÉSZÁROS, 2005,p. 35,grifo do autor). Num processo de
internalização dos valores da sociedade capitalista, como o individualismo, a competitividade,
inculcando nos trabalhadores naturalidade dos fatos, num processo de conformação com a miséria,
com a violência, com o desemprego, enquanto uma minoria se beneficia, uma grande massa
definha. É nesse sentido que Mészáros (2005) aponta a educação como fundamental para contribuir
para o processo de emancipação,
Mészáros chama a atenção também para a necessidade de conquista da emancipação humana,
se faz imprescindível universalizar o trabalho e a educação, o referido autor afirma que “não pode
haver uma solução efetiva para auto-alienação do trabalho sem que se promova,
conscienciosamente, a universalização do trabalho e da educação” (MÉSZÁROS, 2005, p. 67).
Além disso, o autor deixa claro a urgência de “lançar-se pelo caminho que nos conduz a uma ordem
social qualitativamente diferente” (Idem, p.76). Esta urgência se caracteriza pelo momento histórico
que estamos, nas palavras do autor,
A nossa época de crise estrutural global do capital é também uma época histórica
de transição de uma ordem social existente para outra, qualitativamente diferente.
Essas são as duas características fundamentais que definem o espaço histórico e
social dentro do qual os grandes desafios para romper a lógica do capital, e ao
mesmo tempo também para elaborar planos estratégicos para uma educação que vá
além do capital, devem se juntar. Portanto, a nossa tarefa educacional é,
simultaneamente, a tarefa de uma transformação social, ampla e emancipadora.
Nenhuma das duas pode ser posta à frente da outra. Elas são inseparáveis. A
transformação social emancipadora radical requerida é inconcebível sem uma
concreta e ativa contribuição da educação no seu sentido amplo (MÉSZÁROS,
2005, p. 76).
Os desafios estão postos, sem ter clareza da necessidade de superar a sociedade de classes não
se pode fazer grandes mudanças, trazer a centralidade do trabalho enquanto elemento fundante do
ser, e lutar em prol de uma nova realidade, superando a atual divisão social do trabalho, e rompendo
com a lógica da propriedade privada, são os grandes desafios histórico da humanidade.
Diante da importância do trabalho enquanto elemento fundante do ser social é que destacamos
o caráter formativo que o trabalho tem para o MST, ao mesmo tempo em que atentamos para os
limites e avanços do mesmo com relação ao entendimento dessa categoria no processo educativo do
movimento, chamando atenção para a necessidade de maior aprofundamento teórico para de fato
compreender a dimensão formativa do trabalho. Isso por que o MST limita a importância do
trabalho às atividades práticas demandadas pelos assentamentos e acampamentos, não há na maioria
das vezes uma proposta de superação da relação de trabalho ali existente, mais uma vez nos
reportamos às reflexões de Dalmagro (2011), para a autora há no conjunto dos documentos, o
acento no trabalho do campo e do assentamento e as necessidades imediatas de formação para o
trabalho demandadas pelo MST.
Destacamos a importância de relacionar a educação com a produção da vida, compartilhamos
com o mesmo pensamento de Dalmagro (2011) quando a mesma afirma que a relação trabalho -
educação possibilita uma formação de fato humanizadora, unir saber e fazer é fundar uma educação
omnilateral, “desenvolvendo as múltiplas potencialidades humanas hoje sufocadas” (DALMAGRO,
2011). Sobre as limitações do Movimento Sem Terra com relação ao trabalho, a autora destaca:
De forma direta ou indireta a questão da terra é o que poderia ser chamado de espinha dorsal
da maioria dos problemas sociais brasileiro. De 1500 a 1930, o Brasil vivenciou o modelo
agroexportador, A relação com a terra nesse período era a de concessão de uso, dado pela coroa
aqueles que tivessem capital para investir e produzir o suficiente para exportação. Os colonizadores
perceberam a fertilidade das terras brasileiras e desenvolveram a prática da monocultura, para
abastecer o mercado europeu, chegando a exportar mais de 80% do que era produzido aqui (Stedile,
2011) utilizando da mão de obra escrava.
No período de 1910 – 1920, surge o Ruralismo Pedagógico, as ideias centrais dos defensores
dessa proposta era promover a fixação do homem no campo (ARAUJO, 2011). Nesse período os
pressupostos da chamada Escola Nova sob as influencias do filosofo americano John Dewey
defendidos pelos “pioneiros da educação7” influenciaram as discussões para um projeto de
educação rural no Brasil. O papel da escola, de acordo com essa proposta centra-se na formação de
indivíduos “adaptados” aos interesses do país. O ruralismo pedagógico, segundo Calazans (1993),
pregava a socialização do indivíduo para que pudesse viver de forma harmoniosa no meio social e
natural. Diante desse quadro é possível notar que não há nada de específico na educação para os
povos do campo, somente em 1934, na chamada Era Vargas, a educação para as populações rurais é
mencionada, e o objetivo era conter o movimento migratório e elevar a produtividade, (CNE/CEB,
2002, p. 9). Nas constituições de 1937 e 1946 e nas Leis de Diretrizes e Base da Educação 1961-
1971, fica claro o caráter utilitarista da produção agrícola dado à educação rural como pode ser
visto a seguir:
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Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho
E continua atendendo a interesses internacionais nos anos que seguem como explicar a
criação de uma comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais? Se
analisarmos o período histórico em que isso ocorreu 1945-1964 poderíamos relacionar essa
iniciativa com dois fatos: o primeiro está relacionado com a intenção de frear as ideias socialistas
que se tornavam cada vez mais eminentes na America Latina, e a segunda, é claro, à necessidade de
vendas de insumos químicos, as indústrias agrícolas precisavam não só de mão de obra barata, mas
pessoas que consumissem seus produtos.
Só a partir da década de 1930, é que a formação escolar para os povos do campo entram em
“evidência”, atrelada às modificações no mundo agrário no crescente desenvolvimento industrial e
do avanço capitalista que intensificou o processo migratório e a necessidade de mão de obra
qualificada para atender às demandas da industrialização e modernização urbana e rural.
Não podemos deixar de citar que em meio a esse avanço capitalista no campo, existiram
mobilizações dos trabalhadores, estes não ficaram inertes assistindo de camarote as desventuras que
lhes eram impostas, temos exemplos como as Ligas Camponesas, nas ULTABs, o Movimento de
Educação de Base (MEB) da CNBB, os Centros Populares de Cultura (CPC) da UNE e o
Movimento de Cultura Popular (MCP), coordenado por Paulo Freire, são experiências que
alavancaram o processo de resistência às imposições capitalistas, seja na luta pela terra ou no campo
da educação. Mesmo tendo sido perseguidas e reprimidas pela ditadura Militar (1964-1985),
posteriormente tiveram forte influência nos movimentos de construção da educação nos
movimentos sociais, como o MST e, posteriormente, na construção conceitual da educação do
campo.
E é com essa base histórica, de contradições, que surge a Educação do Campo, das
necessidades vivenciadas pela classe trabalhadora do campo organizada nos movimentos sociais do
campo que em suas trajetórias demarcam uma concepção de sociedade, desenvolvimento rural,
educação e campo, contrapondo a concepção hegemônica que vê o campo como atrasado, como um
simples produtor de mercadoria.
A Educação do Campo nasce no contexto das lutas dos movimentos sociais do campo, fruto
da contradição da organização da sociedade, que para se manter, exclui e explora a classe
trabalhadora, o debate acerca da Educação do campo ganhou nesses últimos anos destaque no
cenário nacional, e merece de fato ser levado em conta se analisado do ponto de vista da sua
construção histórica e dos sujeitos que desencadearam esse processo. Em termos de datas e marco
“oficiais” a Educação do Campo nasce em julho de 1997, quando é realizado o Encontro Nacional
de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (I ENERA), é importante ressaltar que embora
tenha tido como protagonistas os povos do campo, em especial, do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), esse encontro contou com a parceria da Universidade de Brasília (UnB),
o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB). O
destaque para as parcerias está no fato de numa luta histórica organismos internacionais como
UNICEF e UNESCO, organismos estes a serviço dos interesses do capital, agora parceiros de uma
luta daqueles historicamente excluídos e marginalizados. Estes organismos internacionais estarão
presentes nos demais Encontros Seminários que discutirão a Educação do Campo que sob o
discurso de colaborar com os países pobres para o seu desenvolvimento impõe suas políticas por
meio de pacotes e metas que indicarão o nível de desenvolvimento para futuros investimentos neste
país (SILVA, 2010).
Essa observação não anula a importância dos últimos acontecimentos a respeito da Educação
do Campo no Brasil, mas, alerta para que enquanto classe analisemos o real interesse desses
organismos internacionais em ações como Educação do Campo.
Diante da importância desse encontro, os organizadores atentaram para a necessidade de dar
continuidade ao debate, agora para construir uma proposta de Educação voltada para os povos do
campo, atendendo suas especificidades, em 1998, foi realizada então a I Conferencia Nacional por
uma educação Básica do Campo, tendo como tarefa inicial compreender que tipo de educação está
sendo oferecida para os povos do campo tendo como desafio “perceber qual educação está sendo
oferecida ao meio rural e que concepção de educação está presente nessa oferta” (KOLLING;
NÉRI; MOLINA, 1999, p. 23). Nesse evento se consolida a “construção de uma proposta de
educação que levasse em consideração a realidade do campo e que buscasse lutar por educação
básica para o campo e colocar a sua importância para garantias de direitos básicos” (ALVES, 2012).
A aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo
(Parecer n. 36/2001 e Resolução n. 1/2002 do Conselho Nacional de Educação) permitiu novas
iniciativas governamentais e de instituições de ensino acerca do tema. Cursos como Licenciaturas e
pós-graduações em educação do Campo, programas de financiamentos dentre outros surgem nesse
cenário como algo inédito, e de fato é. Num país onde o campo passou e passa por um processo
histórico de negação e de exclusão, garantir no mínimo, acesso a escola para crianças, jovens e
adultos camponeses, não pode ser considerado algo irrelevante. Se somarmos aí o fato de que o que
hoje se configura enquanto lei, é fruto das lutas dos próprios camponeses e camponesas organizados
em Movimentos Sociais do Campo, a relevância se torna ainda maior.
De acordo com Alves (2012) a última conquista em termos de políticas públicas é o Programa
Nacional de Educação do Campo – PRONACAMPO, o objetivo é formar agricultores em
universidades e em cursos técnicos para que apliquem os conhecimentos adquiridos em ações que
elevam a produtividade nas pequenas propriedades e garantir a distribuição de renda. O programa
atenderá escolas rurais e quilombolas.
Pela primeira vez, na história, pode–se dizer que existe uma possibilidade de inserir no
cenário das políticas educacionais brasileiras, a questão da Educação do campo, num movimento
nascido da luta social, especificamente da luta social do e no campo.
O MST pautou desde o início a luta pelo acesso à escola, e construiu uma proposta de
Educação que tem como objetivo romper com a atual lógica educacional capitalista, no entanto,
esbarra nas contradições da realidade concreta – as escolas que conquistam são financiadas e
organizadas pelo Estado. Mesmo em meio a essas contradições, essa Pedagogia tem uma
importância histórica no processo de luta do movimento.
No ano de 2004, o MST fez 20 anos, e o Setor de Educação elaborou o Boletim da Educação
nº 09 – Educação no MST – Balanço dos 20 anos. Muitas reflexões foram feitas e sistematizadas
nessa obra, os avanços do movimento na educação, os entraves e limites, os desafios, dentre esses
desafios estava o de ampliar a luta por educação, envolvendo outras comunidades e movimentos
sociais do campo, e isso ocorre por dois motivos centrais, primeiro o MST parte do entendimento
que “os sem terra não são os únicos excluídos da escola, e ainda para conseguir escolas de educação
fundamental completa era preciso uma articulação maior com outras comunidades do campo,
porque isso representaria uma pressão maior” (MST, 2004. P. 18). É também nesse período que o
MST destaca a importância da luta pela educação no e do campo, e a importância das alianças bem
como a firmeza em garantirem-se enquanto sujeitos históricos da construção dessa proposta
O MST em 2004, já percebia pela experiência que acumulara no embate contra o Estado
Burguês que essa não seria uma tarefa fácil, e que mesmo reivindicando direitos, o Estado
articularia em torno dos seus interesses. Em meio às conquistas, forjadas pela luta, os movimentos
que defendem a Educação do Campo enquanto instrumento de formação e emancipação, contrapõe
o que o Estado tem colocado como propostas de educação, isso demonstra que da forma como está
concebida a Educação do Campo, do ponto de vista das garantias legais, em especial no âmbito das
políticas e programas e a forma como esses são conduzidos e por quem são conduzidos não só tem
sido alvo das críticas e indignação dos integrantes desses movimentos e entidades, como tem sido
pauta dos encontros e reuniões que debatem a Educação do Campo, como foi o caso do último
Fórum de Educação do Campo ocorrido em Brasília, de 15 a 17 de agosto desse ano de 2012, tendo
como documento final um manifesto, que dentre outras coisas denuncia as manobras do Estado para
manter sob sua tutela o controle.
Em estudos anteriores, atentamos para a importância de construir uma proposta de educação
da e para a classe trabalhadora, e nessa perspectiva, vemos as conquistas da Educação do Campo
como importantes e de certa forma cruciais para o quesito acesso, mas sabemos dos limites do que
hoje se configura enquanto política de governo para educação do campo, bem como as contradições
entre o que defendem os movimentos sociais e o que de fato ocorre.
A grande indagação diante desse avanço no campo das conquistas é como o debate
sobre Educação do Campo configurado hoje enquanto política de Estado pode
ajudar na conquista da emancipação dos povos do Campo? O Coletivo Nacional de
Educação do MST ao fazer o Balanço dos 20 anos da Educação no movimento já
se atentava para o fato de que é imprescindível relacionar a luta pela Educação do
campo aos processos de formação e transformação. É urgente e necessária a
construção um projeto de educação voltada para os interesses da classe
trabalhadora, uma educação que tenha como objetivo contrapor toda essa lógica da
destruição em nome desse falso desenvolvimento, que não se contenha com
pequenas reformas ou adaptações, mas que se proponha ir além, ajudando a
construir uma nova sociedade de homens e mulheres verdadeiramente livres
(SILVA, 2012, p.6).
O processo de transformação social exige sujeitos conscientes, que possam na prática agir de
forma coerente, para tanto precisam conhecer profundamente a realidade em que estão inseridos,
para poder transformá-la. Dominar as técnicas, deter os conhecimentos, é nesse processo de luta,
instrumento fundamental. Nesse sentido, os povos que se encontram engajados num processo de
luta, construindo novos valores estão um passo à frente, e a Educação do Campo, se utilizada para
além do que propõe as ações governamentais, evitando assim que seja definida por esses
organismos e não contribua para a classe trabalhadora para seu processo de emancipação, como
alerta Vendramini
A luta por uma educação do campo corre o risco de ficar atrelada ao âmbito do
Estado e das políticas públicas, perdendo a dimensão fundamental da educação
como estratégia de interiorização de valores contrapostos à lógica individualista,
liberal, competitiva, funcional que nos conforma e que cria um consenso
generalizado em torno do consumo. (VENDRAMINI, s/d, p. 5)
Não se pode perder de vista o fato de que a educação sozinha não fará a transformação social,
ela tem um papel fundamental nesse processo como reflete MÉSZÁROS (2005, p. 32) “A
transformação social emancipadora radical requerida é inconcebível sem uma concreta e ativa
contribuição da educação no seu sentido amplo”. E é nesse sentido que se faz necessário relacionar
educação e produção do viver, vendo o processo educativo como elemento de construção desse
novo jeito de viver e de produzir, novas relações entre homem e natureza e entre os seres humanos,
(SILVA, 2010) uma educação que ajude a desconstruir essa lógica do individualismo e da
competitividade impregnada em nós pelos valores dessa sociedade tão desumana.
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