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Resumo
Neste texto, trazemos algumas informações que apontam para a realização da reforma agrária
brasileira às avessas, mas não sem resistências identificadas em diferentes regiões do país e
refletimos acerca do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra no que diz respeito a
sua experiência de educação focada no desenvolvimento de sujeitos autônomos e
emancipados. Toma-se para análise os elementos constituintes desta Pedagogia referenciados
nos principais teóricos assumidos pelo Movimento e nossa observação nos assentamentos
existentes na Região da Serra Catarinense. Demonstramos que a associação do trabalho e
educação, a luta social e a mística política são valores fundantes na concepção de educação do
Movimento. Neste sentido a educação pensada na experiência histórica deste sujeito coletivo
não se restringe ao ambiente da escola, ao contrário, a educação escolar deve considerar o
contexto social, político, econômico e cultural no qual se encontra inserida. Trata-se de uma
escola, para além da escola. É impossível pensar a escola do MST, sem a percepção de seu
projeto em âmbito micro e macrossocial. Seu projeto político pedagógico extrapola os muros
da escola, rompe cercas do latifúndio, denuncia os princípios do neoliberalismo, questiona o
Estado burguês e propõe o projeto deste mundo possível para todos em dimensões
intercontinental. Contudo, à medida que o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
prioriza a educação, encontra pelos caminhos muitos desafios, o que não poderia ser diferente,
se considerar a história da educação em geral, e particularmente, a realidade histórica da
educação rural brasileira.
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Mestre em Educação pela UNIPLAC. Especialista em Movimentos Sociais, Organizações Populares e
Democracia Participativa pela UFMG. Professora da Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC. E-mail:
antunesjo@hotmail.com.
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Introdução
Esses movimentos foram esmagados pela Ditadura Militar após 1964, e seus principais líderes
foram assassinados, presos ou exilados. O surgimento do MST a partir da década de 1980 não
pode ser visto como algo novo na história do Brasil. Na verdade, representa a continuidade
das lutas camponesas em uma nova fase de nossa história.
O MST tem se revelado como um movimento de massa cujo objetivo é organizar os
trabalhadores rurais sem terra para a conquista da reforma agrária. É uma forma dos
trabalhadores de um município, região ou Estado articularem-se para conquistar a terra para
trabalhar. Para o movimento, sem terra são todos aqueles que não têm terra própria para
cultivar: meeiros, parceiros, pequenos arrendatários, filhos de pequenos proprietários;
expropriados pelos bancos, despejados das áreas ocupadas pelas barragens e cuja indenização
não lhes permite a aquisição de outra área de terra própria.
O MST desenvolve atividades em várias áreas, denominadas de setores como: frente
de massa (ocupações); produção, cooperação e meio ambiente; formação (estudo, trabalho
prático, convivência, valores); saúde; comunicação; finanças; direitos humanos; relações
internacionais; cultura; gênero e educação o objeto desta reflexão. Convém registrar que o
MST mantém a Escola Nacional Florestan Fernandes no Estado de São Paulo que atende
demandas de formação em nível nacional. Um dos setores que mais tem conquistado destaque
e dedicação por parte do Movimento é a educação, sendo este tema na sequência o objeto de
análise deste trabalho.
Nesta perspectiva constamos que ao longo da história da educação, surgiram diversas
teorias, pedagogias, tendências, concepções educacionais que orientaram e orientam as
práticas educativas dos professores.
Segundo Ferrari (2005, p. 06) “por traz do trabalho de cada professor, em qualquer
sala de aula do mundo, estão séculos de reflexões sobre o ofício de educar”. Neste sentido, no
decorrer da história da educação homens e mulheres se empenharam em pensar a educação é
por que educar sempre foi condição sine qua non para a sobrevivência da humanidade. Ou,
como diria Arendt (apud Gentili e Alencar 2003, p. 99) “o ato de educar resume-se em
humanizar o ser humano”, ou seja, o conhecimento se produz através da historicidade e se
manifesta com a linguagem e consequentemente no ato de educar.
A prioridade inicial do MST foi à conquista da terra, mas logo nos primeiros anos de
luta o Movimento compreendeu que somente a conquista da terra não era suficiente uma vez
que os trabalhadores agora na terra demandavam outros instrumentos para afirmação de seus
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direitos, dentre eles o conhecimentos para lidar com coisas práticas do dia-a-dia: algum
domínio sobre o sistema financeiro, organizar a produção e comercialização, entender de
contabilidade agrícola, conquistar as necessárias políticas agrícolas públicas, refletir sua
prática, compreender a conjuntura social, política e econômica entre outras exigências que a
sociedade demanda e que o exercício da cidadania individual e coletiva pressupõe. Sem estas
condições, a conquista da terra seria frustrada e logo estes trabalhadores voltariam à condição
de sem terra novamente. Foi então partindo das necessidades do movimento que a educação
tornou-se também prioridade, entrando para a pauta de suas lutas.
Desde as primeiras ocupações de terra o Movimento organizou suas demandas por
setores como: frente de massa (ocupações), a alimentação, a segurança, a negociação, etc. O
setor de educação teve início informalmente no Rio Grande do Sul e somente em 1987 no 1º
Encontro Nacional de Educação foi formalizado o “Setor Nacional de Educação do MST”.
Caldart (2004, p. 214) afirma que “[...] Sem estudo não vamos a lugar algum, foi a faixa
presente na ornamentação do Encontro Nacional do MST, 1987, Piracicaba, São Paulo”,
demonstrando o grau de consciência coletiva, da necessária presença da escola e da educação
nos acampamentos e assentamentos da época, passando então, a integrá-las na dinâmica do
movimento e no cotidiano das famílias sem-terra. Esse processo evoluiu rapidamente,
podendo ser visualizado em outra nota de Caldart:
conceito de coletivo permeia o processo de educar, cujo ato educativo tem como base
fundamental uma visão de mundo, o conjunto da sociedade, o bem estar de todos e não apenas
de si mesmo. Uma das questões enfrentadas pelo Movimento em sua concepção de educação
tem sido a dualidade da educação/trabalho.
Contrapondo-se a esta realidade, o MST tem como princípio fundamental vincular a
escola ao mundo do trabalho e se desafiar a educar para o trabalho e pelo trabalho. Emir Sader
diz que: “Ao pensar a educação na perspectiva da luta emancipatória, não poderia senão
restabelecer os vínculos – tão esquecidos – entre educação e trabalho, como que afirmando:
digam-me onde está o trabalho, em um tipo de sociedade e eu te direi onde está a educação.”
apud Meszáros (2005, p. 17)
O fato é que nossa observação e acompanhamento de algumas escolas do MST na
serra catarinense demonstram mesmo com suas contradições a construção de uma identidade
própria. É uma escola do campo, pública que na sua gestão a comunidade participa; é
vinculada a um movimento de luta social pela Reforma Agrária e tem como princípios
orientadores a Pedagogia do Movimento. Um dos objetivos da escola do MST é formar seres
humanos que têm consciência dos direitos humanos, de sua dignidade. E, para materializar
estes objetivos é preciso levar em conta os tempos educativos como afirma Arroyo (2004).
Para o MST a escola deve instrumentalizar seus educandos a aprender a ler, falar, calcular,
duvidar, dialogar, sentir, fazer isto articulado com o projeto histórico do MST, que é um
projeto de sociedade e de humanidade. Trata-se de uma escola, para além da escola. É
impossível pensar a escola do MST, sem a percepção de seu projeto em âmbito micro e
macrossocial. Seu projeto político pedagógico extrapola os muros da escola, rompe cercas do
latifúndio, denuncia os princípios do neoliberalismo, questiona o estado burguês e propõe o
projeto deste mundo possível para todos em dimensões intercontinental.
No que se refere à estrutura orgânica da escola, o MST entende que é o jeito de
organizar a gestão da escola e na escola em vista de garantir os princípios pedagógicos da
gestão democrática, da auto-organização dos estudantes, dos coletivos pedagógicos das
educadoras e da participação da comunidade, como MST, do cotidiano da vida escolar.
(CADERNO DE EDUCAÇÃO NO. 9, 1999, P. 12).
Sendo assim, os principais sujeitos desta estrutura são: os educandos (que são crianças,
adolescentes e ou jovens do campo e do MST); as educadoras (para ser educadora é preciso
ser apaixonada pela educação, conhecer e se sensibilizar com a realidade do campo, lutadora
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É importante reenfatizar que o tema gerador não se encontra nos homens isolados da
realidade, nem tampouco na realidade separada dos homens. Só pode ser
compreendido nas relações homens-mundo. Investigar o tema gerador é investigar,
repetimos, o pensar dos homens referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a
realidade, que é sua práxis. (FREIRE, 1987, p. 98)
educativos importantes para o MST são tempo aula, tempo trabalho, tempo oficina, tempo
esporte/lazer, tempo estudo, tempo mutirão e tempo coletivo pedagógico.
O importante neste processo é que cada escola produza uma forma de avaliação que
possa contribuir com a leitura do processo educativo como um todo. Enfim, é importante
salientar que todo o processo educativo do movimento é planejado coletivamente, com os
educadores, pais, educandos, bem como, tem como princípio básico os valores que ajudam a
formar a pessoa humana.
Para o MST a valorização do trabalho como um elemento pedagógico, é visto como
um fator necessário para o desenvolvimento integral do ser humano. Neste sentido, a escola
propicia que os educandos desenvolvam atividades de horta, jardinagem, viveiros,
marcenaria, artesanato, entre outros. E desta forma permitindo que se faça a ligação entre
prática e teoria. No entanto é consenso entre os educadores do movimento que esta relação
trabalho/educação só será alterada se houver mudanças profundas no currículo,
principalmente no que diz respeito ao novo paradigma assentado no conceito de educação do
campo.
Outro aspecto extremamente relevante que se faz presente em sua concepção de
educação é a mística que envolve o Movimento, pode-se falar em duas dimensões presentes
na mística do MST, a política que se revela na bandeira e o hino e a cruz que mostra a
dimensão religiosa.
Nas lutas sociais existem momentos de repressão que parecem ser o fim de tudo.
Mas, aos poucos, como se uma energia misteriosa tocasse cada um, lentamente as
coisas vão se colocando novamente e a luta recomeça com maior força. Essa energia
que nos anima a seguir em frente é que chamamos de “mistério” ou de “mística‟.
Sempre que algo se move em direção a um ser humano para torná-lo mais humano
aí está se manifestando a mística. (MORISSAWA, 2001, p. 209)
REFERÊNCIAS
CALDART, R. S. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 3o. Ed. São Paulo: Expressão
Popular, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17o. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
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MORISSAWA, M. A história da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular,
2001.