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MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA E A

EDUCAÇÃO: DESNATURALIZANDO E DESCONSTRUINDO


CONCEITOS

PEREIRA, Josilaine Antunes1 - UNIPLAC

Grupo de Trabalho: Diversidade e Inclusão


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Neste texto, trazemos algumas informações que apontam para a realização da reforma agrária
brasileira às avessas, mas não sem resistências identificadas em diferentes regiões do país e
refletimos acerca do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra no que diz respeito a
sua experiência de educação focada no desenvolvimento de sujeitos autônomos e
emancipados. Toma-se para análise os elementos constituintes desta Pedagogia referenciados
nos principais teóricos assumidos pelo Movimento e nossa observação nos assentamentos
existentes na Região da Serra Catarinense. Demonstramos que a associação do trabalho e
educação, a luta social e a mística política são valores fundantes na concepção de educação do
Movimento. Neste sentido a educação pensada na experiência histórica deste sujeito coletivo
não se restringe ao ambiente da escola, ao contrário, a educação escolar deve considerar o
contexto social, político, econômico e cultural no qual se encontra inserida. Trata-se de uma
escola, para além da escola. É impossível pensar a escola do MST, sem a percepção de seu
projeto em âmbito micro e macrossocial. Seu projeto político pedagógico extrapola os muros
da escola, rompe cercas do latifúndio, denuncia os princípios do neoliberalismo, questiona o
Estado burguês e propõe o projeto deste mundo possível para todos em dimensões
intercontinental. Contudo, à medida que o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
prioriza a educação, encontra pelos caminhos muitos desafios, o que não poderia ser diferente,
se considerar a história da educação em geral, e particularmente, a realidade histórica da
educação rural brasileira.

Palavras-Chave: Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. Educação. Escola.


Transformação Social.

1
Mestre em Educação pela UNIPLAC. Especialista em Movimentos Sociais, Organizações Populares e
Democracia Participativa pela UFMG. Professora da Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC. E-mail:
antunesjo@hotmail.com.
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Introdução

Discutiremos neste trabalho a experiência educativa do Movimento dos Trabalhadores


Rurais sem Terra por meio de sua histórica organização sócio-política e sua concepção de
educação. Toma-se para análise os elementos constituintes desta Pedagogia referenciados nos
principais teóricos assumidos pelo Movimento e com base em nossa observação e
acompanhamento em algumas escolas nos assentamentos da região da serra catarinense.
O modo de produção do sistema do capital nas últimas três décadas tem novamente
demonstrado sua profunda contradição ao mergulhar em crises sucessivas e ao mesmo tempo
se reconstituir. Claro, seu maior suporte continua sendo o Estado, a maior instituição social e
jurídica inventada pelas classes proprietárias dos meios de produção. Neste contexto, um
fenômeno vem despertando a atenção da sociedade. Trata-se do crescimento quantitativo e
qualitativo, especialmente nas duas últimas décadas, de organizações da sociedade civil sem
fins lucrativos que atuam nas mais variadas áreas, atendendo demandas sociais e ocupando
espaços, onde nem o Estado e nem muitos agentes do setor privado se fazem presentes.
Estas organizações ao desencadearam ações coletivas e voltadas para o exercício da
cidadania, vem fortalecer a sociedade civil organizada. Demonstram criativamente novas
formas de participação, do exercício da política para além dos partidos. A experiência
educativa do MST se coloca como um espaço de educação em movimento na perspectiva de
uma educação emancipatória. Ela, em seus princípios pedagógicos, conteúdos e metodologias,
se propõem a romper com a lógica do sistema do capital que desumaniza o humano. Romper
com este modelo é de suma importância “[...] se quisermos contemplar a criação de uma
alternativa educacional significativamente diferente” (MÉSZÁROS, 2005, p. 12).
A Luta pela terra, a luta pela mudança da estrutura fundiária no Brasil, historicamente
tem raízes profundas. A questão fundiária brasileira foi marcada pela forte estrutura da
concentração fundiária. Esta situação tem persistindo ao longo do tempo, não sem resistência
e lutas pela reforma agrária por diferentes segmentos populares e em diferentes regiões do
país.
No período colonial até o final de 1800, foram os índios e negros que protagonizaram
essa luta. No final do século XIX e início do século XX, são exemplares os movimentos de
Canudos, do Contestado, o Cangaço, entre outras lutas. Entre 1950 e 1964, o movimento
camponês organizou-se enquanto classe, fazendo a luta pela terra de forma organizada.
Surgem as Ligas Camponesas, a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil.
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Esses movimentos foram esmagados pela Ditadura Militar após 1964, e seus principais líderes
foram assassinados, presos ou exilados. O surgimento do MST a partir da década de 1980 não
pode ser visto como algo novo na história do Brasil. Na verdade, representa a continuidade
das lutas camponesas em uma nova fase de nossa história.
O MST tem se revelado como um movimento de massa cujo objetivo é organizar os
trabalhadores rurais sem terra para a conquista da reforma agrária. É uma forma dos
trabalhadores de um município, região ou Estado articularem-se para conquistar a terra para
trabalhar. Para o movimento, sem terra são todos aqueles que não têm terra própria para
cultivar: meeiros, parceiros, pequenos arrendatários, filhos de pequenos proprietários;
expropriados pelos bancos, despejados das áreas ocupadas pelas barragens e cuja indenização
não lhes permite a aquisição de outra área de terra própria.
O MST desenvolve atividades em várias áreas, denominadas de setores como: frente
de massa (ocupações); produção, cooperação e meio ambiente; formação (estudo, trabalho
prático, convivência, valores); saúde; comunicação; finanças; direitos humanos; relações
internacionais; cultura; gênero e educação o objeto desta reflexão. Convém registrar que o
MST mantém a Escola Nacional Florestan Fernandes no Estado de São Paulo que atende
demandas de formação em nível nacional. Um dos setores que mais tem conquistado destaque
e dedicação por parte do Movimento é a educação, sendo este tema na sequência o objeto de
análise deste trabalho.
Nesta perspectiva constamos que ao longo da história da educação, surgiram diversas
teorias, pedagogias, tendências, concepções educacionais que orientaram e orientam as
práticas educativas dos professores.
Segundo Ferrari (2005, p. 06) “por traz do trabalho de cada professor, em qualquer
sala de aula do mundo, estão séculos de reflexões sobre o ofício de educar”. Neste sentido, no
decorrer da história da educação homens e mulheres se empenharam em pensar a educação é
por que educar sempre foi condição sine qua non para a sobrevivência da humanidade. Ou,
como diria Arendt (apud Gentili e Alencar 2003, p. 99) “o ato de educar resume-se em
humanizar o ser humano”, ou seja, o conhecimento se produz através da historicidade e se
manifesta com a linguagem e consequentemente no ato de educar.
A prioridade inicial do MST foi à conquista da terra, mas logo nos primeiros anos de
luta o Movimento compreendeu que somente a conquista da terra não era suficiente uma vez
que os trabalhadores agora na terra demandavam outros instrumentos para afirmação de seus
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direitos, dentre eles o conhecimentos para lidar com coisas práticas do dia-a-dia: algum
domínio sobre o sistema financeiro, organizar a produção e comercialização, entender de
contabilidade agrícola, conquistar as necessárias políticas agrícolas públicas, refletir sua
prática, compreender a conjuntura social, política e econômica entre outras exigências que a
sociedade demanda e que o exercício da cidadania individual e coletiva pressupõe. Sem estas
condições, a conquista da terra seria frustrada e logo estes trabalhadores voltariam à condição
de sem terra novamente. Foi então partindo das necessidades do movimento que a educação
tornou-se também prioridade, entrando para a pauta de suas lutas.
Desde as primeiras ocupações de terra o Movimento organizou suas demandas por
setores como: frente de massa (ocupações), a alimentação, a segurança, a negociação, etc. O
setor de educação teve início informalmente no Rio Grande do Sul e somente em 1987 no 1º
Encontro Nacional de Educação foi formalizado o “Setor Nacional de Educação do MST”.
Caldart (2004, p. 214) afirma que “[...] Sem estudo não vamos a lugar algum, foi a faixa
presente na ornamentação do Encontro Nacional do MST, 1987, Piracicaba, São Paulo”,
demonstrando o grau de consciência coletiva, da necessária presença da escola e da educação
nos acampamentos e assentamentos da época, passando então, a integrá-las na dinâmica do
movimento e no cotidiano das famílias sem-terra. Esse processo evoluiu rapidamente,
podendo ser visualizado em outra nota de Caldart:

Nas Normas Gerais do MST, documento de setembro de 1989, o estudo aparece


como o sexto princípio organizativo (junto com direção coletiva, divisão de
tarefas...) tendo a seguinte descrição: Estudo: estimular e dedicar-se aos estudos de
todos os aspectos que dizem respeito às nossas atividades no movimento. Quem não
sabe é como quem não vê. E que não sabe não pode dirigir”. (CALDART, 2004, p.
215)

Na medida em que o movimento prioriza a educação encontra muitos desafios, o que


não poderia ser diferente, considerando a história da educação geral, e particularmente, a
realidade histórica da educação rural brasileira. Esses desafios são inúmeros e de grande
complexidade: erradicar o analfabetismo nos acampamentos e assentamentos; lutar para que
toda a criança e adolescente estejam na escola; capacitar e habilitar professores do próprio
MST ou externos ao movimento; pensar, repensar e elaborar constantemente a proposta
educativa do MST; elaborar seus instrumentos didáticos; participar das esferas públicas de
reivindicação, controle e aplicação da política pública de educação do campo; enfim, buscar o
desenvolvimento de políticas públicas de educação adequadas ao campo sob a
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responsabilidade do Estado. O exemplo mais recente é a política pública da Educação do


Campo.
O setor de educação do MST também tem como bandeiras permanentes: o direito à
educação básica e construção de escolas nos assentamentos, entre outras, que levem em conta
sua realidade sociocultural; as escolas devem ser públicas e de qualidade. É nesta perspectiva
que o setor vem se consolidando como uma proposta alternativa de uma educação voltada
para a transformação do status quo e não somente mera transmissora dos conhecimentos
acumulados. Compreende-se a educação para além da escola, estando presente também no
conjunto das práticas sociais. Estar na organização do assentamento, ou numa mesa de
negociação com governos, ou ainda discutindo política agrícola, é um aprendizado, é estar
inserido em um ambiente educativo. A escola é um espaço da produção do conhecimento com
características próprias.
“O Movimento é a nossa grande escola”, dizem os sem terra. Se Pedagogia no
entendimento do MST quer dizer “o jeito de conduzir a formação do ser humano”, isto
pressupõe que para o movimento a formação humana integral é imprescindível. O MST tem
em sua concepção educativa o objetivo de construir um novo paradigma de educação e
consequentemente um projeto de sociedade onde a vida humana seja o princípio, meio e fim.
E isto não quer dizer que o MST inventou uma nova concepção educativa ou uma nova
pedagogia, o que ocorreu que ao tentar construir uma educação com a cara do MST, acabaram
por criar um novo jeito de lidar com as várias concepções pedagógicas construídas ao longo
da história da educação.
Em vez de adotar uma tendência pedagógica o Movimento propiciou que algumas
correntes que vem ao encontro com as concepções ideológicas do MST, num momento ou em
outro, fossem mais ou menos enfatizadas, respeitando a realidade educativa do Movimento.
É assim que o MST põe em movimento as suas Pedagogias: a) Pedagogia da Luta
Social; b) Pedagogia da Organização Coletiva; c) Pedagogia da Terra; d) Pedagogia do
Trabalho e da Produção; e) Pedagogia da Cultura; f) Pedagogia da Escolha; g) Pedagogia da
História; h) Pedagogia da Alternância.
Os Sem Terra começam a recriar suas raízes no tempo de acampamento, começam a
sentirem-se companheiros e companheiras de lutas, de sujeitos coletivos e passam a ter
orgulho e a dizerem: “Somos Sem Terra, somos do MST”. Neste sentido as escolas do MST
se organizam por meio do que eles denominam de uma cooperativa de aprendizagens, onde o
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conceito de coletivo permeia o processo de educar, cujo ato educativo tem como base
fundamental uma visão de mundo, o conjunto da sociedade, o bem estar de todos e não apenas
de si mesmo. Uma das questões enfrentadas pelo Movimento em sua concepção de educação
tem sido a dualidade da educação/trabalho.
Contrapondo-se a esta realidade, o MST tem como princípio fundamental vincular a
escola ao mundo do trabalho e se desafiar a educar para o trabalho e pelo trabalho. Emir Sader
diz que: “Ao pensar a educação na perspectiva da luta emancipatória, não poderia senão
restabelecer os vínculos – tão esquecidos – entre educação e trabalho, como que afirmando:
digam-me onde está o trabalho, em um tipo de sociedade e eu te direi onde está a educação.”
apud Meszáros (2005, p. 17)
O fato é que nossa observação e acompanhamento de algumas escolas do MST na
serra catarinense demonstram mesmo com suas contradições a construção de uma identidade
própria. É uma escola do campo, pública que na sua gestão a comunidade participa; é
vinculada a um movimento de luta social pela Reforma Agrária e tem como princípios
orientadores a Pedagogia do Movimento. Um dos objetivos da escola do MST é formar seres
humanos que têm consciência dos direitos humanos, de sua dignidade. E, para materializar
estes objetivos é preciso levar em conta os tempos educativos como afirma Arroyo (2004).
Para o MST a escola deve instrumentalizar seus educandos a aprender a ler, falar, calcular,
duvidar, dialogar, sentir, fazer isto articulado com o projeto histórico do MST, que é um
projeto de sociedade e de humanidade. Trata-se de uma escola, para além da escola. É
impossível pensar a escola do MST, sem a percepção de seu projeto em âmbito micro e
macrossocial. Seu projeto político pedagógico extrapola os muros da escola, rompe cercas do
latifúndio, denuncia os princípios do neoliberalismo, questiona o estado burguês e propõe o
projeto deste mundo possível para todos em dimensões intercontinental.
No que se refere à estrutura orgânica da escola, o MST entende que é o jeito de
organizar a gestão da escola e na escola em vista de garantir os princípios pedagógicos da
gestão democrática, da auto-organização dos estudantes, dos coletivos pedagógicos das
educadoras e da participação da comunidade, como MST, do cotidiano da vida escolar.
(CADERNO DE EDUCAÇÃO NO. 9, 1999, P. 12).
Sendo assim, os principais sujeitos desta estrutura são: os educandos (que são crianças,
adolescentes e ou jovens do campo e do MST); as educadoras (para ser educadora é preciso
ser apaixonada pela educação, conhecer e se sensibilizar com a realidade do campo, lutadora
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do povo e amiga, aliada ou militante do MST); a comunidade assentada ou acampada e as


instâncias do MST.
Já o ambiente educativo, o MST entende que (idem, 1999, p. 22) “[...] é tudo o
acontece na vida da escola, dentro e fora dela, desde que tenha uma intencionalidade
educativa”. O ambiente educativo proposto pelo movimento vai além do cotidiano, está
imbricado aqui o compromisso das educadoras e dos educadores a não só mediar o
conhecimento produzido ao longo da história, mas também estar comprometido com um
projeto de sociedade onde perpassam os valores do cuidado com todos os seres vivos do
planeta. Neste sentido Mészáros chama a atenção para o compromisso de uma educação para
além do capital:

Educar não é mera transferência de conhecimentos, mas sim conscientização e


testemunho de vida. É construir, libertar o ser humano das cadeias do determinismo
neoliberal, reconhecendo que a história é um campo aberto de possibilidades. Esse é
o sentido de se falar de uma educação para além do capital: educar para além do
capital implica pensar uma sociedade para além do capital. (MÉSZÁROS, 2005, p.
13).

A partir do pensamento do autor podemos identificar a lógica do capital que


desumaniza o humano. É nesta perspectiva que se aborda na sequencia e de modo sucinto
quem é o educador do MST; como se dá o processo ensino-aprendizagem e a avaliação.
Como já foi refletido, para ser um educador e ou uma educadora do MST, é preciso ser um
apaixonado pela educação, conhecer a realidade do campo, ser um lutador do povo, aliado ou
militante do MST, bem como compreender a história do movimento que é político e
pedagógico ao mesmo tempo. Para o MST isto exige sensibilidade humana; abertura para se
reeducar nas relações; participar de um processo construído coletivamente; romper com a
lógica de transmissão de conteúdos, sobretudo desafiar-se a trabalhar os saberes e lidar
pedagogicamente com a luta, o trabalho, a vida como um todo. O MST entende por educador
todas as pessoas que se envolvem diretamente na ação educativa realizada pela escola. Ou
seja, as professoras e os professores; as funcionárias e os funcionários (merendeira, faxineiro,
secretário, etc); as voluntárias e os voluntários e os técnicos. Este conjunto constitui a
comunidade educativa escolar. Por isso o movimento aponta como fundamental que todas as
educadoras e os educadores precisam de formação diferenciada e permanente para que
possam compreender seu papel no processo educativo.
Esse ponto de vista implica na concepção do ser humano “como histórico e
inacabado” dizia Freire e consequentemente sempre pronto a aprender. O que se refere ao
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processo ensino-aprendizagem o Movimento tem a preocupação de uma educação voltada


para a formação integral do educando, isto compreende as questões em sala de aula, os grupos
de atividades extra-sala, o respeito aos tempos educativos e claro que não se pode olvidar a
mística, que é para o MST, a alma da identidade Sem Terra. Para o movimento o estudo é
mola mestra para a compreensão da realidade, como dizem seus membros: “quem não sabe, é
como quem não vê”. Além da valorização da forma de organizar o ambiente escolar diferente
da convencional, as disciplinas, ou as áreas do conhecimento ou saberes, são os instrumentos
por onde acontece a sistematização do conhecimento. Entretanto jamais são trabalhadas de
forma estanque. Para o MST o importante não é trabalhar muitas disciplinas e sim abordar os
temas que o movimento considera importante. Por exemplo: história do MST; significado dos
símbolos (bandeira, hino, etc.); projeto popular para o país, entre outros. Os temas também
são desdobrados em temas geradores, onde aqui o educando tem a oportunidade de exercitar o
real estudo que visa a transformação da realidade. Aqui também entra a questão da
valorização da cultura que é a chave para o processo de conscientização preconizado por
Paulo Freire:

É importante reenfatizar que o tema gerador não se encontra nos homens isolados da
realidade, nem tampouco na realidade separada dos homens. Só pode ser
compreendido nas relações homens-mundo. Investigar o tema gerador é investigar,
repetimos, o pensar dos homens referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a
realidade, que é sua práxis. (FREIRE, 1987, p. 98)

A educação desenvolvida no MST é uma educação onde o envolvimento do educando


na produção do conhecimento ultrapassa a sala de aula. A educação integral que o movimento
preconiza é uma educação que envolve todo o assentamento ou acampamento. Nos grupos de
atividades os educandos são desafiados a se auto-organizar. Conforme o Caderno de
Educação nº 9 (1999, p. 15) “[...] após se conhecerem e levantar critérios, se distribuem em
grupos de atividade, tendo cada um em torno de cinco participantes. É fundamental que todos
os educandos estejam em um dos grupos”.
A escola também prioriza atividades extra-classe como oficinas, seminários, visitas
educativas, jornadas pedagógicas, comemorações, estágios de vivência e outras atividades
propostas pelo MST. O respeito aos tempos educativos é organizado de acordo com o
processo educativo de cada escola, pois para o Movimento o importante é reforçar o princípio
de que a escola não é só um lugar de estudo. A escola é um lugar de formação humana e por
isso é imprescindível que as dimensões da vida sejam respeitadas. Portanto os tempos
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educativos importantes para o MST são tempo aula, tempo trabalho, tempo oficina, tempo
esporte/lazer, tempo estudo, tempo mutirão e tempo coletivo pedagógico.
O importante neste processo é que cada escola produza uma forma de avaliação que
possa contribuir com a leitura do processo educativo como um todo. Enfim, é importante
salientar que todo o processo educativo do movimento é planejado coletivamente, com os
educadores, pais, educandos, bem como, tem como princípio básico os valores que ajudam a
formar a pessoa humana.
Para o MST a valorização do trabalho como um elemento pedagógico, é visto como
um fator necessário para o desenvolvimento integral do ser humano. Neste sentido, a escola
propicia que os educandos desenvolvam atividades de horta, jardinagem, viveiros,
marcenaria, artesanato, entre outros. E desta forma permitindo que se faça a ligação entre
prática e teoria. No entanto é consenso entre os educadores do movimento que esta relação
trabalho/educação só será alterada se houver mudanças profundas no currículo,
principalmente no que diz respeito ao novo paradigma assentado no conceito de educação do
campo.
Outro aspecto extremamente relevante que se faz presente em sua concepção de
educação é a mística que envolve o Movimento, pode-se falar em duas dimensões presentes
na mística do MST, a política que se revela na bandeira e o hino e a cruz que mostra a
dimensão religiosa.

Nas lutas sociais existem momentos de repressão que parecem ser o fim de tudo.
Mas, aos poucos, como se uma energia misteriosa tocasse cada um, lentamente as
coisas vão se colocando novamente e a luta recomeça com maior força. Essa energia
que nos anima a seguir em frente é que chamamos de “mistério” ou de “mística‟.
Sempre que algo se move em direção a um ser humano para torná-lo mais humano
aí está se manifestando a mística. (MORISSAWA, 2001, p. 209)

A escola tem a tarefa de resgatar o sentido de pertença. A mística é a forma de ir


concretizando, no aqui e agora, a utopia do MST, e se expressa através da poesia, do teatro, da
expressão corporal, das palavras de ordem, da música, do canto, dos símbolos, do cultivo à
memória, das ferramentas de trabalho: “Ela irriga, pela paixão, a razão, nos ajudando a ser
mais humanos, dispostos a desafiar coletivamente nossos limites; nos impulsiona a ir além do
esperado, alimenta os valores e nos faz sentir que somos parte de uma grande família: somos
Sem Terra” Caderno de Educação No. 9 (1999, p. 23).
Em síntese, o trabalho, a luta social e política e a mística se constituem em três
elementos pedagógicos na prática educativa do MST. Estas premissas são válidas para a
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educação escolar e o Movimento em si mesmo constitui em uma escola na vida de seus


membros. O princípio que orienta os processos sócio-pedagógicos na escola e para além dos
muros da escola do MST está explicitado na análise de Istzvan Mészáros (2005). Este autor se
refere a um verdadeiro metabolismo entre educação e trabalho que associados produzem a
educação de sujeitos emancipados e autônomos. Ao contrário de quando educação e trabalho
encontram-se dissociados produz-se a macabra divisão social do trabalho em manual e
intelectual e produz a distância entre governantes e governados, dominadores e subalterno.
Tudo isto se desfaz quando o trabalho engloba a educação e esta o trabalho. A mística
enquanto força subjetiva individual e coletiva de resistência frente aos desafios a serem
superados no cotidiano associada à luta – esta palavra mágica – que põe todos em marcha, em
movimento, produz a identidade e dá visibilidade social e política ao Movimento dos
Trabalhadores sem Terra. Em tempos de crise de projetos societários, de desencantamento
político e de dificuldades de construção de contra-hegemonia, persiste o movimento social
que conta com um ingrediente disparador de energias e de esperança: a mística e a luta
combinados. É sabido que o MST ganhou notoriedade em âmbito internacional. Em tempos
de globalização neoliberal, refluxo geral dos movimentos sociais, o MST joga um papel
preponderante no conjunto das organizações e movimentos sociais em âmbito de Brasil e
América Latina, não obstante o MST ter sofrido impactos negativos no seu poder de
mobilização e enfrentamento político gerado pelas políticas sociais dos últimos governos.

REFERÊNCIAS

ARROYO, M. G. Imagens Quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. 2o. ed.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

CADERNO de Educação. Como Fazemos a Escola de Educação Fundamental. Movimento


dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST Terra, Escola e Dignidade. No. 9, Rio Grande
do Sul: Setor de Educação, 1999.

CALDART, R. S. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 3o. Ed. São Paulo: Expressão
Popular, 2004.

FERRARI, M. Grandes Pensadores: a história do Pensamento Pedagógico no Ocidente.


Abril, 2005.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17o. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
20335

GENTILI, P.; ALENCAR, C. Educar na Esperança em Tempos de Desencanto. Petrópolis:


Vozes, 2003.

MÉSZÁROS, I. A Educação para Além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2005.

MORISSAWA, M. A história da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular,
2001.

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