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A entrada em vigor da lei brasileira de

mediação

Felipe Moraes

Lei entra em vigor após decorridos cento e oitenta dias de sua publicação
oficial.

Em vias de encerrar o ano de 2015, é possível afirmar que o Ano Novo


começará com um inovador arcabouço jurídico que disciplinará a prática da
mediação no Brasil.

Acaba de entrar em vigor a Lei Brasileira de Mediação, 13.140, de 26 de junho


de 2015. O artigo 47 do referido dispositivo prevê que a "(...) Lei entra em vigor
após decorridos cento e oitenta dias de sua publicação oficial." Tendo em vista
que a publicação ocorreu em 29 de junho de 2015, acaba de entrar em vigor
esse importante diploma legal.

É certo que a lei disciplina importantes aspectos relacionados à pratica da


mediação no país, especialmente consolidando um ambiente ainda mais
propício para o desenvolvimento desse importante instituto.

Em síntese, a Lei de Mediação disciplinou: i) o procedimento de mediação


prevendo expressamente alguns dos consagrados princípios norteadores do
instituto; ii) a prática da mediação judicial; iii) a prática da mediação
extrajudicial; e iv) finalmente e não menos importante, a possibilidade de
utilização da mediação em conflitos envolvendo a administração pública.

A mediação é um método de solução de conflitos que conta com a atuação de


um terceiro (Mediador), independente e imparcial, o qual possui atuação
orientada a viabilizar e aperfeiçoar a comunicação entre as partes. Por meio
dessa atuação do mediador, é possível que as partes resolvam
consensualmente a controvérsia.

Seguramente esse mecanismo possui enorme espaço para utilização,


considerando o número de processos que chegam diuturnamente aos Tribunais
brasileiros. Mesmo em relação às controvérsias de média e de alta
complexidade, que atualmente são resolvidas por arbitragem, o espaço para
utilização é muito representativo, considerando que a mediação é mais rápida
do que a arbitragem e que pode ser resolvida menor dispêndio de custas.

A título de exemplo, uma mediação extrajudicial institucional (administrada por


uma Câmara) entre duas empresas, em que a matéria envolvida alcance cifras
milionárias, pode ser resolvida por aproximadamente R$ 10.000,00 (dez mil
reais) para cada parte, consideradas as custas da Câmara e os honorários do
mediador. O valor estimado é consideravelmente inferior ao que se pratica na
maior parte das arbitragens1. I – Os princípios norteadores da mediação

A previsão expressa de princípios amplamente consagrados pela doutrina e


prática da mediação no Brasil, sem sombra de dúvidas foi uma importante
disciplina trazida pela referida lei, quer pelo caráter pedagógico, ou pela
concepção de regras expressas que contribuirão para a utilização do instituto.

Dentre os princípios que deverão orientar a mediação, estão o da


imparcialidade do mediador; o da isonomia entre as partes; o da autonomia de
vontade das partes; o da confidencialidade; e o da boa-fé.

Ao disciplinar os referidos princípios, a lei, orientada pela boa-fé e pela


autonomia da vontade das partes, prevê, em seu art. 2o, § 1o que: "Na hipótese
de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão
comparecer à primeira reunião de mediação". Espera-se que essa disposição
contribua para a mudança cultural relacionada à forma de resolução de conflitos
no Brasil. Almeja-se que as partes desenvolvam a salutar prática de utilização
prévia da mediação antes de iniciar uma arbitragem ou um processo judicial.

Outro importante princípio previsto expressamente pela lei é o da


confidencialidade. É fundamental que se implemente mecanismos que
assegurem às partes que elas possam revelar ao Mediador, de maneira mais
ampla possível, a sua percepção sobre o real conflito em questão. Isso somente
ocorrerá se as partes tiverem segurança de que o que eventualmente for dito ao
mediador não será prejudicial em caso de futuro processo judicial ou arbitral.
O art. 7o afasta parte dessa preocupação ao disciplinar que o mediador não
poderá atuar como árbitro ou como testemunha em processos arbitrais ou
judiciais relacionados à conflitos em que tenha atuado como mediador. Essa
previsão legal confere maior segurança e efetividade ao procedimento de
mediação.

II – O procedimento de mediação

Em relação ao procedimento de mediação o legislador optou por disciplinar


conjuntamente parte do procedimento comum à qualquer tipo de mediação,
seja ela judicial ou extrajudicial.

Nesse sentido, definiu, por exemplo, que a mediação considera-se instituída na


data em que for marcada a primeira reunião de mediação. Sem dúvidas fixar um
critério para, formalmente, considerar como instituída contribuirá para melhor
organização prática do procedimento e para comprovar a submissão prévia ao
instituto. A lei disciplinou, ainda, que o prazo prescricional ficará suspenso
enquanto transcorrer o procedimento de mediação, no intuito de conferir maior
segurança jurídica aos que utilizarem o instituto.

O legislador disciplinou que mesmo diante da existência de processo judicial ou


arbitral em curso, as partes poderão submeter o conflito à mediação, hipótese
em que deverão requerer ao juiz ou ao árbitro a suspensão do processo por
prazo suficiente para resolução consensual. Nesse aspecto seria melhor
conferir mais flexibilidade às partes, permitindo, caso fosse do interesse de
todas, o prosseguimento de ambos (procedimento de mediação e processo
judicial ou arbitral), ainda que a hipótese seja exceção. Por outro lado, ao
disciplinar as medidas de urgência, definiu-se que a suspensão do processo
não obsta a concessão, pelo juiz ou pelo árbitro, das referidas medidas.

A prática do caucus, ou das reuniões privadas com cada uma das partes, foi
observada e autorizada expressamente pela lei, ao mencionar que no
desempenho de suas funções o mediador poderá se reunir com as partes, em
conjunto ou separadamente. Novamente o legislador acertou ao conferir
flexibilidade para que o mediador aplique essa relevante técnica quando
entender necessário.
Ainda em relação ao caucus, ao disciplinar o sigilo do procedimento, foi
conferida atenção específica às informações reveladas pelas partes durante as
reuniões privadas, ficando estabelecido que "Será confidencial a informação
prestada por uma parte em sessão privada, não podendo o mediador revelá-la
às demais, exceto se expressamente autorizado". Notadamente essa regra
confere segurança às partes e, consequentemente, efetividade à técnica do
caucus.

Via de regra o procedimento de mediação continuará sendo sigiloso, em


consonância com a prática nacional e internacional. Essa regra cria o ambiente
necessário para que a mediação possa transcorrer adequadamente e para que
as partes sintam-se confortáveis com o instituto. Contudo, o legislador previu
determinadas exceções ao sigilo que, em síntese, podem ser reunidas entre as
seguintes hipóteses: i) de opção das partes, mediante acordo, para que o
procedimento não transcorra em sigilo; ii) quando a divulgação for exigida por
lei; ou ainda iii) quando necessária para o cumprimento de acordo obtido pela
mediação.

III – A disciplina da mediação judicial

Contribuição oportuna e absolutamente relevante trazida pela lei foi a disciplina


da mediação judicial – e do respectivo procedimento –, entendida como aquela
que será realizada no curso dos processos judiciais ou em fase pré-processual
(judicial).

Em relação à mediação judicial, a lei inicialmente estabelece os critérios para a


atuação do mediador. Essencialmente o profissional a ser indicado deverá
atender aos seguintes requisitos: i) ser capaz (capacidade civil); ii) ser
graduado há pelo menos 2 (dois) anos em curso de ensino superior em
instituição reconhecida pelo Ministério da Educação; iii) ter obtido capacitação
reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados - ENFAM ou pelos tribunais, nos termos dos requisitos
estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Ministério da Justiça.

Aparentemente os critérios parecem ser adequados para definir o perfil


necessário para atuação do mediador nos procedimentos judiciais. Contudo,
registra-se que possivelmente alguns mediadores graduados em instituições de
ensino no exterior, mesmo que com larga experiência em mediações, terão
certa dificuldade em comprovar um dos requisitos caso a instituição de ensino
onde obteve a graduação não seja reconhecida pelo Governo brasileiro.

Ainda em relação aos critérios para atuação como mediador nos procedimentos
judiciais é importante ressaltar que os critérios são diferentes daqueles
previstos para atuação em mediações extrajudiciais. Nos procedimentos
extrajudiciais há uma flexibilidade maior para que as partes escolham o
profissional de sua confiança.

Em relação à remuneração dos mediadores judiciais a lei estabelece que será


fixada pelo Tribunal e custeada pelas partes. Por meio de artigo apartado, o
legislador estipulou que "aos necessitados será assegurada a gratuidade da
mediação". Talvez a redação nesse dispositivo pudesse ter sido mais clara,
porém, entende-se que a interpretação a ser feita é a de que nesses casos o
mediador será remunerado pelo Estado.

Outra peculiaridade da mediação judicial é que os mediadores não estarão


sujeitos à aceitação prévia pelas partes, como ocorre nos procedimentos
extrajudiciais, nos termos do art. 25.

Ainda em relação à mediação judicial, fixou-se o prazo de 60 (sessenta) dias,


contados da primeira sessão de mediação, para a conclusão do procedimento
(mediação judicial), facultado às partes, de comum acordo, solicitar
prorrogação.

Caso as partes resolvam a controvérsia por acordo, elas poderão requerer a


homologação por sentença, o que é recomendável.

IV – A disciplina da mediação extrajudicial

O legislador buscou disciplinar alguns aspectos relacionados à pratica da


mediação extrajudicial, tais como prazos, formas de comunicações e
determinados requisitos para sua utilização. Certamente o carácter pedagógico
da lei não pode ser desprezado, porém, especificidades como prazos
relacionados ao procedimento extrajudicial, aparentemente, não deveriam ter
sido objeto de disciplina legal. De toda forma, uma vez que a mediação
extrajudicial possui fundamento na autonomia da vontade das partes, deve-se
entender que tais especificidades poderão ser alteradas consensualmente.

A título de exemplo, o artigo 22 estabelece requisitos mínimos para previsão


contratual de mediação, e, no parágrafo primeiro, prevê que tais requisitos
podem ser supridos pela "indicação de regulamento, publicado por instituição
idônea prestadora de serviços de mediação, no qual constem critérios claros
para a escolha do mediador e realização da primeira reunião de mediação".
Aparentemente o legislador almejou resolver importante debate que existia em
relação aos efeitos de prazos contratuais fixados para tentativas de resolução
prévia dos conflitos por mediação. O art. 23, prevê que nesses casos "o árbitro
ou o juiz suspenderá o curso da arbitragem ou da ação pelo prazo previamente
acordado ou até o implemento dessa condição", desde que as partes

tenham assumido o compromisso de não iniciar procedimento arbitral ou judicial


durante determinado prazo ou até o implemento de eventuais condições.

Novamente as medidas de urgência figuraram como exceção à regra


mencionada, ao estabelecer que o conteúdo do referido dispositivo não se
aplica a essas medidas de urgência, que poderão ser solicitadas previamente
ao Poder Judiciário.

V – A possibilidade de utilização da mediação pela administração


pública

Seguramente a maior inovação disciplinada pela Lei de Mediação é a


possibilidade expressa de utilização pela Administração Pública direta e
indireta. Dada a relevância do tema, optou-se por subdividir as matérias
abordadas no presente artigo de forma que esse item será objeto de trabalho
específico a ser publicado em breve.

VI – Considerações finais
Começará a ser aplicado um novo sistema de solução de conflitos no Brasil,
introduzido por meio das alterações na Lei de Arbitragem (em vigor); pela
concepção do Novo Código de Processo Civil (ainda em período de vacatio
legis); e, especialmente, pela Lei de Mediação.

O referido diploma legal cumpre o importante papel pedagógico e almeja a


necessária mudança cultural na forma de resolução de conflitos no Brasil. Como
toda nova norma jurídica, será imprescindível compreende-la para que seja
corretamente aplicada pelos árbitros e juízes.

Certamente o início de vigência da Lei de Mediação, 13.140/15, contribuirá para


o desenvolvimento do instituto no Brasil. Espera-se, assim como ocorreu com a
arbitragem após a vigência da lei 9.307/96, que no futuro breve a mediação
desponte como o método mais adequado para a solução eficiente de
determinadas controvérsias.

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1 Valor estimado com base no Regulamento de Mediação e na Tabela de


Custas da CAMARB, disponíveis no site www.camarb.com.br.

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*Felipe Moraes é secretário geral da CAMARB – Câmara de Arbitragem


Empresarial – Brasil.

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