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Classificação das fontes das obrigações.

As diversas classificações de fontes das obrigações.

A obrigação, tal como nos aparece definida no artigo 397, constitui um efeito jurídico.

Ora, qualquer efeito jurídico tem sempre na sua origem um facto que o desencadeia (o
denominado facto jurídico). Relativamente à obrigação, as categorias de factos jurídicos que
produzem a constituição

do vínculo obrigacional são denominadas na doutrina por fontes das obrigações.

Desde o Direito Romano que a classificação das fontes das obrigações tem ocupado os juristas.
A primeira classificação das fontes das obrigações consta das Institutas de GAIUS e limita-se a
distinguir entre as obrigações que nascem do contrato e as obrigações que nascem do delito.

No Digesto em texto igualmente atribuído a GAIUS, mas de duvidosa autenticidade, considera-


se esta classificação como não exclusiva, acrescentando-se ao contrato e ao delito as
obrigações que nascem de vários tipos de causa. Nas Institutas de JUSTINIANUS essa categoria
é por sua vez objeto de uma subdivisão, repartindo-se as variae causarum figurae consoante
estivessem mais próximas dos contratos ou dos delitos, o que gera uma tetrapartição das
fontes das obrigações entre contratos, quase-contratos, delitos e quase-delitos

Esta tetrapartição das fontes das obrigações vem a estar presente durante todo o Direito
intermédio, só se atenuando a sua importância a partir da pré-codificação francesa.

DOMAT abandona a classificação tradicional, substituindo-a por um critério baseado na


vontade, pelo que distingue entre as obrigações que nascem pela vontade mútua de duas ou
mais pessoas nas convenções, ou sem essa vontade mútua, distinguindo ainda neste último
caso consoante a obrigação nasça da vontade unilateral do obrigado, sem intervenção da
outra parte, ou mesmo sem a vontade de um e outro e por um puro efeito de ordem divina.'
Também POTHIER, embora adopte a classificação justinianeia, acrescentou-lhe como quinto
elemento as obrigações fundadas na lei e na equidade.

Esta evolução teve reflexos no Código Civil francês de 1804, uma vez que este Código, embora
se refira ainda formalmente aos delitos e quase-delitos, deixa de considerar essa relevante
essa distinção, unificando estas duas categorias através da designação responsabilité .Para
além disso, o Código diminuiu consideravelmente a importância do quase-contrato, já que,
apesar de o continuar a prever como categoria jurídica (artigo 1371), limitou a sua aplicação,
apenas referindo a gestão de negócios (artigo 1372) e o pagamento do indevido (artigo 1376).

A pandectística alemã seguiu igualmente esta tendência para a desvalorização das categorias
intermédias. SAVIGNY, na sua obra fundamental sobre o Direito das Obrigações, ocupa-se.
quanto a constituição das obrigações, principalmente dos contratos e secundariamente dos
delitos, referindo as variae causarum figurae apenas por exclusão de partes. Em seu
seguimento o Código Civil alemão de 1896, ainda que renuncie a estabelecer um critério
racional de ordenação das fontes das obrigações- e por isso eliminou igualmente a figura do
quase-contrato - atribui predominância aos contratos. única fonte das obrigações referida em
geral, sendo depois os diversos contratos incluídos num título relativo

às relações obrigatórias em especial, a par com as outras fontes das obrigações, cuja
importância relativa é assim fortemente desvalorizada no confronto com os contratos.

Modernamente, tem-se vindo a ensaiar uma classificação das fontes das obrigações que
distingue entre o negócio jurídico e a lei, ou seja, entre as obrigações que tem por base uma
Auto vinculação partes e

aquelas que têm por base antes uma hetero-vinculação. maioria da doutrina renuncia, porém,
a ensaiar um critério racional de sistematização das fontes das obrigações, preferindo seguir a
sistematização do Código

Civil.

Nenhuma destas classificações parece, porém, dever ser adoptada. Em relação a classificação
justinianeia, o desenvolvimento da responsabilidade civil veio fazer perder o sentido a
distinção entre delitos (ilícitos intencionais) e quase-delitos (ilícitos negligentes), uma vez que
a lei, além de ter tornado atípicos os delitos, a partir de uma clausula geral (artigo 483, número
1), atribui neste âmbito muito pouca relevância à pratica do facto com dolo ou negligência
(artigo 494), admitindo ainda casos de responsabilidade civil não baseadas na culpa (artigos
499 e seguintes). Para além disso, também a noção de quase-contrato perdeu relevo ao longo
do seculo 20, na medida que se foi reconhecendo o caracter altamente indefinido e enganador
desse conceito e a heterogeneidade das situações por ele abrangidas.

Por outro lado, relativamente a distinção entre a lei e negócio jurídico, tem que se reconhecer
a sua inadequação dogmática. As fontes das obrigações são-no porque produzem um efeito de
direito (a vinculação de alguém a realizar a outrem uma prestação) e esse efeito de direito
verifica-se sempre porque existe uma lei a determina-lo, verificados certos pressupostos. Não
há, assim, obrigações que não resultem da lei. Mas também não há obrigações que resultem
apenas da lei, uma vez que se exige sempre um pressuposto para a sua verificação, seja ele o
negócio Jurídico ou outro. Falar em obrigações que teriam por fonte apenas a lei envolveria,
por isso, circulo vicioso.

Posição adoptada.

As obrigações podem resultar de diversos fenómenos jurídicos, sendo, como se disse,


denominado fonte da obrigação o facto jurídico de onde emerge a relação obrigacional. A
dificuldade de elaboração de uma

classificação de fontes das obrigações resulta da heterogeneidade de situações abrangidas na


nossa disciplina, cuja unificação não tem por base uma proximidade entre os factos jurídicos,
mas antes uma semelhança de efeitos a constituição de um vinculo obrigacional.
O nosso Código não apresentou, por isso, qualquer sistematização cientifica das fontes das
obrigações, optando antes por efectuar uma sua mera enumeração nos artigos 405 e
seguintes., apresentando as seguintes:

Contratos (artigos 405 e seguintes)

Negócios unilaterais (artigos 457 e seguintes)

Gestão de negócios (artigos 464 e seguintes)

4) Enriquecimento sem causa (artigos 473 e seguintes)

5) Responsabilidade civil (artigos. 483 e seguintes)

Esta mera enumeração a que procede o nosso Código Civil não deve, porém, fazer obliterar a
circunstância de as diversas fontes não terem todas igual importância. Efectivamente é sabido
que as fontes das obrigações mais importantes são os contratos e a responsabilidade civil, que
são as formas estatisticamente mais comuns de surgimento de obrigações. Em relação as
outras, a lei portuguesa procurou restringir a aplicação de duas delas, os negócios unilaterais e
o enriquecimento sem causa, a situações excepcionais (artigos 457 e 474) e a gestão de
negócios refere uma situação especifica que é, como se sabe, de verificação rara (artigo 464 ).
Haverá, portanto, que procurar recolocar as fontes das obrigações de acordo com uma
orientação dogmática mais adequada, distinguindo em

primeiro lugar as fontes das obrigações que resultam das que não resultam da autonomia
privada.

Assim, entre as fontes das obrigações resultantes da autonomia privada situam-se em primeiro
lugar os contratos. Estes consistem em negócios jurídicos bilaterais, através dos quais as partes
por acordo, e no exercício da sua autonomia privada, estabelecem para si próprias comandos
juridicamente vinculantes, entre os quais se incluem as relações jurídicas obrigacionais (artigos
405 e seguintes.). Excepcionalmente, porém, as obrigações podem ainda resulta: de negócios
jurídicos unilaterais, onde apenas uma

das partes, no exercício da sua autonomia privada, estabelece para si uma auto-vinculação
através da constituição de uma relação jurídica obrigacional (artigo 457).

Fora do campo do exercício da autonomia privada, verificam-se igualmente fenómenos que


dão origem à constituição de obrigações, as quais nesse caso não resultam de negócios
jurídicos. São as denominadas

relações obrigacionais legais. Estas consistem em situações em que a lei atribui a


determinados pressupostos de facto o efeito jurídico da constituição de uma obrigação, a qual
surge por isso sem ter por base qualquer auto-vinculação das partes nesse sentido.

Entre estas situam-se as fontes da denominada obrigações de indemnização (artigos 562 e


seguintes) e que a doutrina costuma designar pelo nome genérico de responsabilidade civil.
Nestas cabe, em primeiro lugar, a responsabilidade delitual, onde alguém através de uma
conduta ilícita e culposa causa danos em bens juridicamente protegidos de outrem (artigos
483 e seguintes) e a responsabilidade obrigacional, quando alguém causa danos a outrem
através da violação do vinculo obrigacional (artigos 798 e seguintes), havendo também
situações intermédias, que não se deixam integrar em nenhuma destas categorias. Admite-se,
porém, ainda que a obrigação de indemnização possa também derivar, não de factos ilícitos e
culposos, mas antes de previsões de risco específicas, que a lei, por alguma razão de

justiça, decide fazer suportar por outrem, que não o próprio lesado. Falamos então de
responsabilidade pelo risco (artigos 499 e seguintes).Finalmente, a obrigação de indemnização
pode derivar de a lei atribuir, como contrapartida da autorização conferida a alguém para
sacrificar bens juridicamente protegidos de outrem uma indemnização pelo prejuízo sofrido.
Fala-se, então, de responsabilidade por factos lícitos ou pelo sacrifício ( artigos 81, número 2 e
339, número 2).

Para além das fontes Iegais da obrigação de indemnização, existem ainda relações
obrigacionais legais, como a gestão de negócios (artigos 464 e seguintes) e o enriquecimento
sem causa (artigos 473 e seguintes), havendo ainda quem tenha pretendido incluir neste
âmbito a controversa categoria das relações contratuais de facto.

No primeiro caso, a lei regula a situação específica de alguém (o gestor) ter decidido efetuar
determinada actividade por conta e no interesse de outrem (o dono do negócio), sem para tal
estar autorizado, através da imposição de obrigações específicas para aquele para assegurar a
adequada tutela dos interesses do dono do negócio, e a este último, para compensar o
primeiro das despesas e prejuízos que suportou.

No segundo caso, a lei acolhe como fonte de obrigações um princípio geral de direito de
proibição do enriquecimento injustiçado à custa de outrem, cuja restituição manda realizar
(artigo 473, número 1). Esta formulação é, porém, excessivamente genérica, havendo, por isso,
a necessidade de a concretizar em diversas situações típicas, como a realização de uma
prestação sem causa jurídica, a intervenção em bens ou direitos alheios, a realização de
despesas de que outrem tira proveito e casos excepcionais de desconsideração de um
património intermédio em caso de transmissão de bens para terceiro.

A nosso ver, a melhor forma de arrumar esta enumeração das fontes das obrigações é agrupa-
las de acordo com o princípio jurídico deste ramo do direito a que respeitam.

Teriamos então entao o seguinte esquema de sistematização das fontes das obrigações:

Fontes das obrigações baseadas no principio da autonomia privada

Contratos

Negocios unilaterais.
Fontes das obrigações baseadas no principio do ressarcimento de danos:

Responsabilidade por factos ilícitos

— Responsabilidade delitual

- Responsabilidade obrigacional

- A “terceira via" na responsabilidade civil

b) Responsabilidade pelo risco

c) Responsabilidade pelo sacrifício.

Fontes das obrigações baseadas no principio da proibição do enriquecimento injustificado.

Enriquecimento por prestação.

Enriquecimento por intervenção.

Enriquecimento pela realização de despesas de que outrem beneficia.

Enriquecimento por desconsideração de património.

Situações especificas de fontes de obrigações não baseadas em princípios gerais:

Gestão de negócios.

Relações contratuais de facto.

Outras situações de facto.

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