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PG49577
Braga, 2023
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 2
1. A génese do Direito das Contraordenações: a influência alemã ........................................ 2
2. O atual Direito das Contraordenações ................................................................................. 3
2.1. Conceito ........................................................................................................................ 3
2.2. Autonomia face ao Direito Penal .................................................................................. 4
2.3. Repercussões de uma autonomia dogmática ................................................................. 5
3. O princípio da culpa nas contraordenações......................................................................... 6
3.1. A culpa como fundamento da coima, sanção típica contraordenacional ....................... 7
3.1.1. O dolo: linhas gerais .............................................................................................. 8
3.2. A culpa como limite da coima....................................................................................... 8
4. O erro sobre as proibições: breves notas ............................................................................. 9
CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 10
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 11
1
INTRODUÇÃO
O Direito das contraordenações é um ramo do Direito que, não obstante uma
crescente e indubitável relevância prática, se tem visto debatido quanto à sua autonomia
dogmática. Nesta senda, o princípio da culpa surge-nos simultaneamente como fator de
autonomização e como fator de aproximação – especificamente ao Direito penal, no qual
este é um princípio de caráter basilar.
1
CORREIA, Eduardo, Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social, in Boletim da Faculdade de
Direito, Vol. XLIX, Coimbra, 1973, p. 259, disponível em https://pt.scribd.com/doc/299357495/Eduardo-
Correia-Direito-Penal-e-Direito-de-Mera-Ordenacao-Social [13/03/2023].
2
CRESPO, Ana Marta, Surgimento e expansão da figura da contraordenação: breve enquadramento,
Leiria: Instituto Politécnico de Leiria – Escola Superior de Tecnologia e Gestão, 2012. pp. 406-426.
Comunicação apresentada no I Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais, 2009, p. 407,
disponível em https://iconline.ipleiria.pt/handle/10400.8/780 [14/03/2023].
3
A tese de FEUERBACH assentava sobretudo numa distinção qualitativa entre um ilícito criminal e um de
polícia, ambos sob tutela do Estado, a quem caberia a tutela de direitos inerentes ao conceito de crime –
consubstanciando razões de justiça –, mas também de condutas que, não cabendo nesse conceito em si
mesmas, ultrapassassem limites criados pelo Estado, consequentemente merecedores de prevenção – razão
2
pelo que, no século XX, novos pensamentos permitiram falar num Direito Penal
Administrativo. Esta iniciativa resultou, contudo, num fenómeno de hipertrofia do
Direito Criminal4, evidente que se tornava a exaustão da lei penal através da
criminalização de contravenções e reações de tutela de interesses de bem-estar social5.
de utilidade. Para mais desenvolvimentos, veja-se PEREIRA, Ana Marta Dias Crespo, Algumas
considerações sobre o princípio da culpa enquanto factor de autonomização do Direito das Contra-
ordenações (Dissertação de Mestrado não publicada), Escola de Direito da Universidade do Minho, Braga,
2015, pp. 2 e ss, disponível em http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/40892 [14/03/2023]
4
Como cunhado por CORREIA, Eduardo, cit., p. 257.
5
Idem, p. 260.
6
Idem, p. 266.
7
Não obstante as referências, no seio do nosso ordenamento jurídico, a esta modalidade de ilícito,
remontando ao séc. XVIII.
8
Idem, p. 257.
9
Note-se que este Decreto-Lei foi sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 10 de outubro,
pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro e, ainda,
pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro.
3
coima”, desde logo manifestando princípios de legalidade tipicidade10. O ilícito
contraordenacional vem ainda consagrado no artigos 32.º, n.º 10 da Constituição.
10
Para densificações a respeito da manifestação destes princípios, veja-se SANTOS, Manuel Simas e
SOUSA, Jorge Lopes de, Contra-ordenações. Anotações ao Regime Geral, 6ª edição, Lisboa, Áreas
Editora, 2011, pp. 48-50.
11
Idem, p. 53.
12
DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos da Doutrina Penal, pp. 144-152, Coimbra, Coimbra Editora,
2001, p. 145.
13
LUMBRALES, Nuno Botelho Moniz, Sobre o conceito material de contra-ordenação, Lisboa,
Universidade Católica Editora, 2006, p. 7.
14
Esta posição não é, contudo, inteiramente consensual na doutrina. A discussão da relação entre o Direito
contraordenacional ao Direito penal vem sempre de mão dada com uma outra, que aproxima o primeiro ao
ramo do Direito administrativo, com base nas finalidades de bem-estar social que o Direito administrativo
visa garantir e que conduzem o ilícito de mera ordenação social à jurisdição administrativa. Para detalhadas
considerações a esse respeito, veja-se, a título de exemplo, AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito
Administrativo – Vol. I, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2008, p. 189; OLIVEIRA, Mário Esteves de, Direito
Administrativo I, Lisboa, Almedina, 1980, pp. 78-82.
4
Direito contraordenacional –, tendo inclusive o próprio artigo 32.º do R.G.C.O
consagrado a subsidiariedade do Direito penal na fixação do regime substantivo
contraordenacional, em caso omisso sobre tudo o que não for contrário ao regime geral15.
Por outro lado, se nos crimes o bem jurídico a proteger se contém na própria conduta
em si mesma, nas contraordenações, encontramo-lo fora dessa mesma conduta, ou seja,
na conexão da mesma com a lei que a proíbe17. Assim, reconheço que a absoluta
irrelevância da ilicitude contraordenacional começou já a ser ultrapassada, e bem,
conquanto existem contraordenações axiologicamente relevantes que, embora não exijam
a aplicação de uma pena, conforme aconteceria em sede do Direito penal, carecem de
uma sanção, a qual será contraordenacional. Fará sentido, portanto, reconhecer uma
autonomia entre o Direito contraordenacional e o penal e, simultaneamente, uma
aproximação entre as duas áreas.
Ainda nesta linha, veja-se o que diz o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
44/2018, Proc. n.º 1076/15 (LINO RODRIGUES RIBEIRO): “Da autonomia do ilícito
15
SANTOS, Manuel Simas, e SOUSA, Jorge Lopes de, cit., p. 287. Note-se ainda que esta mesma linha é
seguida relativamente â tramitação processual, porquanto o artigo 41.º, n.º 1 do R.G.C.O consagra uma
remissão, a título subsidiário e adaptado, para os preceitos do Código de Processo Penal. As normas do
processo criminal constituem-se assim como integradoras do processo contraordenacional, salvo haja lugar
ao seu afastamento pelo próprio R.G.C.O ou por legislação especial.
16
DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos…, p. 146.
17
Idem, pp. 146-147.
5
de mera ordenação social resulta uma autonomia dogmática do direito das
contraordenações, que se manifesta em matérias como a culpa, a sanção e o próprio
concurso de infrações (vide, neste sentido, Figueiredo Dias na ob. cit., pág. 150)”.
18
Sem prejuízo da possibilidade de que o mesmo facto constitua simultaneamente crime, conforme previsto
no artigo 20.º do R.G.C.O, ou de que venham a ser aplicadas sanções acessórias (cfr. artigo 21.º do
R.G.C.O).
19
Não obstante o legislador ter já chegado a tipificar contraordenações puníveis com outras sanções que
não a coima, como sucede em matérias de consumo de drogas (cfr. PEREIRA, Ana Marta Dias Crespo, cit.,
p. 61).
20
Nesta esteira, veja-se DIAS, Jorge de Figueiredo, cit., p. 152-153.
21
Destaquem-se, a título de exemplo, os artigos 1.º, 17.º e 18.º do R.G.C.O (em contraste com os artigos
41.º e 47.º do Código Penal) e a inexistência de prisão preventiva prevista no R.G.C.O.
22
Note-se que a versão originária deste artigo, no seu n.º 2, previu em tempos o sancionamento da conduta
contraordenacional independentemente da sua censurabilidade.
23
Não obstante, existem ainda normas setoriais que contemplam o sancionamento de contraordenações sem
um pressuposto de culpabilidade, como é o caso do artigo 551.º do Código do Trabalho e do artigo 226.º
do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social.
24
DIAS, Jorge de Figueiredo, O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, in
Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários – Volume I: Problemas Gerais, Instituto de
Direito Penal Económico e Europeu, FDUC, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, p. 29.
6
qual toda a sanção contra-ordenacional tem por base uma culpa concreta”25. Com efeito,
o núcleo do regime da culpa no seio do R.G.C.O encontra-se plasmado nos artigos 8.º a
11.º, 18.º e 21.º, sem prejuízo de outras normas virem a mencioná-la ao longo do
diploma26.
25
SANTOS, Manuel Simas, e SOUSA, Jorge Lopes de, cit., p. 50.
26
Por exemplo, os artigos 16.º, n.º 2, 26.º, alínea a) e 51.º do R.G.C.O.
27
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26/04/2007, Proc. n.º
01168/06 (JORGE LINO), disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7b27c217fdfa6c13802572dd0050e10e?
OpenDocument&ExpandSection=1, entre outros.
28
Sem prejuízo da aplicação de eventuais sanções acessórias.
29
SANTOS, Manuel Simas, e SOUSA, Jorge Lopes de, cit., p. 135. Os autores ressalvam ainda que estes
conceitos podem ser encontrados no artigo 14.º do Código Penal, aqui subsidiariamente aplicável por força
do artigo 32.º do R.G.C.O.
7
da responsabilidade, o indivíduo que vai suportar a sanção “não teve culpa na conduta
praticada pelo infrator (…). Há por isso uma evidente violação do princípio da culpa
sancionatório e da presunção de inocência”30.
30
AZEVEDO, Tiago Lopes de, Da subsidiariedade no Direito das Contra-ordenações: problemas, críticas
e sugestões práticas, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 143-145.
31
Esta afirmação impõe-se em sede contraordenacional não obstante o entendimento tradicional de que, no
ilícito de mera ordenação social, a culpa não radica na formulação de uma censura do tipo ético-social –
mas meramente numa imputação do facto à responsabilidade social do agente.
32
PEREIRA, Ana Marta Dias Crespo, Algumas considerações…, pp. 136-137.
33
ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da
Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade
Católica Editora, 2011, p. 62.
34
DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas básicos…, pp. 150-151. O autor ressalva que, no que concerne à culpa,
e tal como acontece na pena criminal, também na coima o pensamento da retribuição surge como
irrelevante, de modo que as finalidades da coima são apenas preventivas, desprendidas de finalidades
preventivas especiais ou de (re)socialização). Note-se ainda que esta não é uma posição absolutamente
consensual na doutrina – advogando pela irrelevância da culpa na sede contraordenacional e pela sua
incorreta colocação enquanto limite máximo de determinação da coima, encontramos doutrina como a de
ANTÓNIO LEONES DANTAS.
35
Emanada pela Assembleia da República ou por Decreto-Lei do Governo baseado em alteração legislativa,
cfr. SANTOS, Manuel Simas, e SOUSA, Jorge Lopes de, cit., p. 175.
8
faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do
agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação”36.
Porém, que esta não é uma regra absoluta. Basta observar o n.º 2 deste mesmo artigo
– referente aos casos em que o agente retirou benefício económico calculável superior ao
limite máximo da coima – para concluir pela possibilidade de determinação de um valor
máximo da coima acima do preceituado no artigo 17.º do R.G.C.O. Por outro lado, artigos
de regimes setoriais, como o artigo 26.º do Regime Geral das Infrações Tributárias e o
artigo 620.º do Código do Trabalho, adotam outros limites especiais, passiveis de exceder
o estipulado no regime geral37.
O mesmo pode ser dito dos próprios critérios de determinação concreta da coima
adotados pelos regimes setoriais, mais ou menos consonantes com os critérios gerais
adotados no artigo 18.º do R.G.C.O – enquanto artigos como o 27.º do Regime Geral das
Infrações Tributárias contempla em si mesmo a culpa do agente, esta já não consta da
formulação de outros, como o artigo 625.º do Código do Trabalho.
36
À semelhança daquilo que dispõem os artigos 41.º e 47.º do Código Penal, consta do artigo 17.º do
R.G.C.O uma moldura legal de determinação do montante da coima, primeira operação de determinação
da sanção. Quaisquer alterações às molduras constantes do R.G.C.O devem obedecer aos preceitos do artigo
165.º, n.º1, alínea d) da Constituição.
37
SANTOS, Manuel Simas, e SOUSA, Jorge Lopes de, cit., pp. 175-177.
38
A este respeito, veja-se DIAS, Figueiredo, O Movimento…, pp. 29 e 30.
39
Enquanto, por exemplo, o artigo 8.º do R.G.C.O refere “erro sobre os elementos do tipo”, o artigo 16.º
do Código Penal refere-se ao “erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime”.
9
contraordenacional – pegando na neutralidade do objeto do ilícito contraordenacional, o
R.G.C.O efetua um “tratamento logo ao nível do dolo do tipo de situações de erro em que
o Direito Penal trata, em regra, ao nível do dolo da culpa”40. Neste contexto, o
conhecimento da proibição legal é indispensável para que o agente possa aferir da
existência da ilicitude da sua conduta.
CONCLUSÃO
Ficou cunhado que a autonomização do Direito das contraordenações não assenta
numa irrelevância do princípio da culpa no ilícito de mera ordenação social. Pelo
contrário, essa conceção enfrenta um fenómeno de crescente ultrapassagem, conquanto
se começa a reconhecer que a culpa é pressuposto da sanção contraordenacional.
Reconhecido que está que a culpa integra o foro interno do agente, uma necessária
distinção está na apreensão da sua materialidade que, nas contraordenações, reside
nuclearmente no desrespeito pelo agente de proibições legais, e não na censura sobre
conduta em si mesma que enforma a culpa tradicionalmente penal.
40
ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário…, p. 63.
41
A este respeito, vejam-se as considerações mais extensas de PEREIRA, Ana Marta Dias Crespo, Algumas
considerações…, pp. 122 a 131.
10
REFERÊNCIAS
Bibliografia
DIAS, Jorge de Figueiredo, Temas Básicos da Doutrina Penal, pp. 144-152, Coimbra,
Coimbra Editora, 2001.
PEREIRA, Ana Marta Dias Crespo, Algumas considerações sobre o princípio da culpa
enquanto factor de autonomização do Direito das Contra-ordenações (Dissertação de
Mestrado não publicada), Escola de Direito da Universidade do Minho, Braga, 2015,
disponível em http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/40892 [14/03/2023].
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Jurisprudência
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/2018, Proc. n.º 1076/15 (LINO RODRIGUES
RIBEIRO), disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180044.html [23/03/2023].
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