Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ALGUM PARAÍSO”
(Melanie Klein)
A alegoria da construção do Templo foi forjada por intelectuais dos anos 30 do século XVIII, sem
compromisso com verdades históricas, com a finalidade de criar os seus próprios personagens e dar
uma origem nobre e não apenas operativa à moderna Maçonaria. A narrativa dramatizada, inspirada
na descrição bíblica da obra de construção do Templo de Jerusalém, liderada pelo Rei Salomão,
evoca uma reflexão sobre o assassinato do Mestre Hiram por Companheiros que representam
inimigos internos e simbolizam três grandes males que afligem a humanidade: a ignorância, o
fanatismo e a ambição.
O aspecto iniciático da cerimónia de recepção dos novos membros foi aprimorado a partir de então,
com um roteiro adaptado de escritos sobre figuras religiosas de diferentes culturas e épocas, e
funciona como um estímulo para o desenvolvimento de várias ideias de cunho espiritual, de forma a
educar o homem para ser um agente de transformação da sociedade.
As pessoas são ensinadas a acreditar em narrativas desde a mais tenra idade. O homem primitivo
lançava mão da lenda para narrar os factos; para educar, utilizava-se da fábula. O exemplo dos
professores, nas séries iniciais de ensino, torna-se emblemático, ao adoptarem recursos didácticos
como alegorias, lendas, fábulas, mitos, fantasias poéticas e histórias criadas a partir da imaginação,
com o objectivo de sugerir um sentido moral e valores. O que não se pode é interpretá-los como se
fossem acontecimentos reais.
Ocorre que o ser humano é um contador de histórias e pensa o universo como uma narrativa
povoada de personagens bons e maus, conflitos, derrotas e vitórias, estereótipos, cada um
procurando ao seu modo o significado da existência e o sentido da vida, começando a encontrar
respostas quando desenvolve independência intelectual e emocional que permita fazer nova leitura,
questionar e verificar o mérito dessas narrativas ou mesmo desconstruí-las à luz da verdade.
A psicologia explica que a mente humana não é racional e calculista, e precisa de alegorias, fábulas
e ficções para organizar a sua acção. Por sua vez, os símbolos agem no sentido de provocar uma
introspecção, um estado de receptividade. A alegoria é simbólica e não se constitui um termo final,
mas por trás encontra-se uma realidade superior, que a inteligência humana percebe indirectamente,
como um começo, onde se inicia o divino (J. Boucher, A Simbólica Maçónica).
A maçonaria, ao utilizar o poder de alegorias para transmitir e organizar conceitos, faculta aos seus
adeptos a liberdade de interpretação como forma de não negar a própria liberdade de pensamento,
de investigação, sem nenhuma intenção de orientar ou de defender uma verdade específica.
Incentiva no iniciado o exercício da mente na busca do conhecimento, sem se deixar levar pelo
pensamento alheio.
Segundo Carl Jung, “até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir a sua vida e você vai
chamá-lo de destino”. Mas, a conscientização segue o ritmo individual e chega para cada um no seu
tempo, baseando-se em observações e evidências e não apenas na fé, de forma a não se confundir
verdade com crenças, no reflectir sobre a sociedade em que vive e compreender a história da
própria humanidade, onde a vida tem o sentido que damos a ela e que não há outra maneira de
entendê-la a não ser vivendo e crescendo conscientemente, na percepção de quem efectivamente
somos, enfrentando riscos e desafios, cada um com o seu conjunto de valores, ou uma ética.
Para este fim, a maçonaria apresenta aos escolhidos, homens livres e de bons costumes, uma série
de instrumentos relacionados à construção de um santuário, não vinculado a contexto religioso, mas
que se consubstancia no templo simbólico do Conhecimento, da Sabedoria, da Luz da Inteligência,
onde o iniciado deve sacrificar no altar da verdade todas as suas crenças e superstições, provando
que é o criador do seu carácter, o moldador da sua vida, o construtor do seu destino, vislumbrando
alcançar com muito trabalho e dedicação a independência e libertação que o conduzem à
fraternidade plena, sem descurar da simplicidade expressa nas palavras de Helena Blavatsky : “Sê
humilde se queres adquirir sabedoria; sê mais humilde ainda quando a tiveres adquirido”.
A cerimónia de iniciação maçónica, como um rito de passagem e sem nenhum valor sacramental,
funciona como a porta de entrada para esta nova proposta de vida, esboçando novos horizontes,
além de promover uma oxigenação ao recarregar a Loja de energia para a permanente renovação
dos quadros. Não é uma mera formalidade. Quando realizada de acordo com a ritualística, ou seja, o
rigor teatral, é um momento de êxtase, um choque emocional, face ao apelo sensorial envolvido,
promovendo mudanças na condição do indivíduo, e deixa marcas indeléveis ao despertar a
consciência do recipiendário para uma série de questionamentos e inquietações, expandindo-a, ao
sugerir caminhos que despertem o interesse pela pesquisa.
Tomando como referência a alegoria da Caverna, de Platão (427 – 347 a.C.), a iniciação enseja o
início da caminhada do mundo sensível – a Caverna – para o mundo das ideias, da luz, da
iluminação, onde se encontra a verdadeira essência das coisas, o verdadeiro conhecimento,
compreensível através da razão, do pensamento.
O formalismo e a linguagem esotérica tem o objectivo apenas de proteger sob um véu os arcanos da
Ordem, pois o seu glamour está justamente na sua aura de segredos. O significado real da cerimónia
pertence exclusivamente ao iniciado e é resultado da vivência de cada momento e não pode ser
expresso em palavras. É consenso que se a essência da maçonaria fosse transparente para não
iniciados, a Ordem já teria desaparecido ou se transformado em mais um dos inúmeros clubes de
serviços existentes.
E isto é um desafio, pois no outro extremo estaria a manutenção do túmulo onde podemos nos
esconder de nós mesmos, representado pela caverna da mente, simbolizando a imersão nas sombras
da solidão, das paixões, da ignorância, dos vícios, das tristezas, da inércia, como uma fuga ou medo
de enfrentar a realidade e deixar-se levar pela correnteza, tipo “deixa a vida me levar…..”.
As várias iniciações ou viagens espirituais de aprimoramento a que são submetidos os maçons nos
Graus Simbólicos e Altos Graus contêm uma metáfora de metamorfose, destruição ou falecimento,
reconstrução ou ressurreição, transmitindo uma mensagem de ciclos e renovações contínuas, ou
seja, a sua Natureza interior renasce e se purifica. Com a morte simbólica do Candidato / Profano,
nasce o Aprendiz; com a morte deste, nasce o Companheiro, e este ao morrer dá lugar ao Mestre, e
assim se desdobram em várias alegorias representativas dessas passagens, demonstrando que o
Templo Espiritual, onde se rende preito à Virtude, à Filosofia e à Ciência é indestrutível e se apura
constantemente por meio de estudos e reflexões sobre a realidade.
Esta alusão constante sobre o tema da morte enseja a construção do novo a partir da superação.
Segundo Plutarco (46-120 d.C.): “morrer é ser iniciado”. O sentido da iniciação é a renovação, o
renascimento após a morte, pois através dela se retorna à Luz interior do seu ser, ao discernimento
proveniente do seu pensamento, como novo homem, transformado, livre por sua própria rectidão e
hábitos edificantes, que se desvinculou por completo do domínio das sombras do mal e da ilusão.
Em síntese, o que se procura é atingir um estado de consciência esclarecida pela Luz da Verdade,
do Conhecimento, vencendo as ilusões da ignorância.
A maçonaria sempre se apoiou em correntes filosóficas e culturais que possam contribuir para
formar o Homem como livre pensador e foi inspirar-se sobre a morte e ressurreição lá nas
encenações e performances dos Antigos Mistérios, originárias da Suméria, do Egipto e da Grécia,
nas iniciações Mitraicas, que fundamentavam lições morais e que não perdem a sua originalidade,
no sentido de valorização da vida. À época, erigir um templo significava fundar uma escola
esotérica. Para Platão, o objectivo dos Mistérios era restabelecer na alma a sua pureza primordial.
Como explica o Capítulo III, do Evangelho de São João, morrer para renascer, para “nascer outra
vez, de água e espírito”, pois “quem não nascer outra vez não pode ver o reino de Deus”.
No aspecto físico, o templo maçónico é um lugar fechado onde se realizam as reuniões de trabalho.
Esse local tem características e símbolos tomados da Bíblia e adaptados em vários graus, com o
objectivo de estimular a memória e de transmitir didacticamente uma lição ou moral, ao fazer
reflectir a filosofia desses elementos no terreno espiritual.
A Loja é a própria reunião em si mesma. Para J. M. Ragon, a palavra tem raízes em LOGA e
LOGOS, com o sentido de “um lugar onde certas coisas são discutidas”. Na prática, representa a
assembleia de maçons, orientados por uma pauta – a Ordem do Dia -, conforme planejamento
prévio, seguindo-se uma ritualística orientadora dos trabalhos. No contexto espiritual, o simbolismo
da obra que se deve edificar no coração e na mente é o Templo da Virtude, no sentido esotérico
representado pela moral, carácter e personalidade, com inspiração na narrativa bíblica contida em
1Cor 3,16. Em Actos 7,48 temos: …“o Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de
homens…”.
Assim, a falta do entendimento a respeito do verdadeiro sentido da iniciação maçónica tem
contribuído para uma série de conflitos e dissidências no âmbito de várias Lojas, com excepção das
nossas, é claro, em especial nas disputas por cargos e reconhecimentos, bem como na relação entre
os que já comandaram a Loja e as novas gerações, tudo aliado a problemas de gestão. Não são raros
os casos de obreiros que ainda não sabem o que estão fazendo na Ordem, e por consequência, não
estudam, não participam das discussões filosóficas, não debatem, enfim, não se envolvem. Quando
muito aportaram na maçonaria atraídos pelo seu capital social.
Para esses fica a sugestão de revisitar o “Norte” da Loja, onde começam os Aprendizes, rever
atentamente as instruções ministradas naquela “Coluna” e refazer a rota de caminhada, com força e
vigor. É um bom exercício, se é que o Templo Individual ainda tenha estrutura consistente que
suporte esse desafio da reiniciação, que deveria ser automática. Em caso de vacilo, é só lembrar a
resposta para a pergunta sobre o que foi fazer na Maçonaria.
“QUEM CONHECE OS OUTROS É SÁBIO; QUEM CONHECE A SI MESMO É
ILUMINADO”
(Lao-Tse, 570-490 a.C.)
Márcio dos Santos Gomes
Fonte: O ponto dentro do círculo