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(ORGANIZADORES)
TECENDO NARRATIVAS:
UNIDADE E EPISÓDIO NA LITERATURA GREGA ANTIGA
HUMANITAS
São Paulo, 2015
Coordenação Editorial
Mª. Helena G. Rodrigues – MTb n. 28.840
Projeto de Capa
Víctor Ivanon
Projeto Gráfico
Ricardo Duarte Marques
Revisão
Autores
Lucia Sano*
Universidade Federal de São Paulo
*
Agradeço os comentários e sugestões de Adriane Duarte, Breno Sebastiani,
Christian Werner, Cláudio Aquati e Jacyntho Brandão.
1
O nome ocorre em sete poemas de Teócrito (1, 5, 6, 7, 8, 9, 27) e em cinco das
Éclogas de Virgílio (2, 5, 7, 8, 9). Alusões frequentes à poesia de Filetas de Cós
também são prováveis, ainda que dificilmente identificáveis. Morgan (Longus:
Daphnis and Chloe, with an introduction, translation and notes, Oxford, Oxbow
Books, 2004) acredita que todas as semelhanças entre Longo e a poesia bucólica
latina que não possam ser traçadas a Teócrito devem ter origem comum na
poesia de Filetas. Hunter (A Study of Daphnis and Chloe, Cambridge: Cambridge
University Press, 1983) considera a possibilidade de Longo ter tido acesso à
poesia bucólica latina por meio de uma tradução para o grego ou no original.
2
“Longus: towards a history of bucolic and its function in the Roman empire”.
In: S. Swain (ed.), Oxford Readings in the Greek Novel, Oxford, Oxford University
Press, 1999, p.189-209.
3
“The Novel of Longus the Sophist and the pastoral tradition”, In: S. Swain (ed.),
(n.2), p. 201-42.
4
(n.1), p.64ss.
5
“ ῦθος οὐ λόγος: Longus’s Lesbian Pastorals”. In: J. Tatum (ed.), The Search for
the Ancient Novel, Baltimore and London: The Johns Hopkins University Press,
p.135-147.
322
6
Idem, ibid, p. 138.
7
Sobre o narrador como caçador, cf. Paschalis, “The Narrator as Hunter: Longus,
Virgil and Theocritus”. In: S. Harrison, M. Paschalis, S. Frangoulidis, Metaphor
and the Ancient Novel, Groningen: Groningen University Library/Barkhuis, 2005,
p. 50-67
323
8
Cf. Luciano, Sobre a Sala, 1.
324
9
Para uma análise sobre a discussão teórica do uso da digressão no período
imperial, cf. Heath, Unity in Greek Poetics, Oxford, Clarendon Press, 1989,
p.90ss.
10
Idem, ibid., p. 96.
11
A datação é incerta, mas há certo consenso de que o autor está trabalhando em
uma epítome de um tratado de retórica do século III d.C. Cf. Heath, “Notes
on Anonymus Seguerianus”, LICS, 2005, (discussion paper) e M. Patillon (ed.),
Anonyme de Séguier. Art du discours politique, Paris: Les Belles Lettres, 2005.
12
Anonymus Seguerianus, 61: Ἰστέον δὲ τοῦτο, ὡς τὴν παρέκβασιν τινες ταὐτὸν
εἶναι ὑπέλαβον τῇ παραδιηγήσει, διαφέρει δέ· ἡ μὲν γὰρ παραδιήγησις, ὣς φά-
σιν, ἐφάπτεται τινων τῶν παρὰ τὸ πρᾶγμα, ἡ δὲ παρέκβασις ἐκδρομή ἐστι λόγων
καθ` ὁμοίωσιν καὶ μίμησιν τῶν γεγονότων.
13
“The Education of Chloe: Hidden Injuries of Sex”. The Constraints of Desire, New
York/London: Routledge, 1990, p.101-126.
325
14
Cf. também Konstan (Sexual Symmetry: Love in the Ancient Novel and Related
Genres, Princeton: Princeton University Press, 1994, p.79-90), Goldhill (Foucault’s
Virginity: Ancient Erotic Fiction and the History of Sexuality, Cambridge: Cambridge
University Press, 1995, p.30-45) e Epstein (“The Education of Daphnis: Goats,
Gods, the Birds and the Bees”. Phoenix, vol.56, n.1/2, 2002, p.25-39).
15
(n.,13), p.104.
16
Sobre o papel da música em Dáfnis e Cloé, cf. Maritz (“The Role of Music in
Daphnis and Chloe”, Groningen Colloquia on the Novel vol.4, 1991, p.57-67)
e Montiglio, “The (Cultural) Harmony of Nature: Music, Love, and Order in
Daphnis and Chloe”, TAPA, vol. 142, n. 1, 2012, p.133-156.
17
I.27.2: ἀλλὰ καθίσασα ὑπὸ πίτυν καὶ στεφανωσαμένη πίτυϊ ᾖδε Πᾶνα καὶ τὴν
Πίτυν, καὶ αἱ βόες τῇ φωνῇ παρέμενον. A única versão da história de Phátta que
conhecemos é esta de Longo.
326
um menino) e, com isso, ele conseguiu roubar oito de suas vacas. Triste
pela perda dos animais e pela derrota, ela pediu aos deuses para ser
transformada em pássaro e até hoje canta sobre sua tristeza, enquanto
procura as vacas que a deixaram.
No livro II (II.34), quando o casal já recebeu de Filetas a lição so-
bre o amor, após o resgate de Cloé da nau dos metimnenses, há festejos
que servem de ocasião para a narrativa do segundo mito embutido, a
história de Pã e Siringe. Ela é contada por Lâmon, pai adotivo de Dáfnis.
A siringe não era a princípio um instrumento, mas uma bela donzela
com música em sua voz. Ela era pastora de cabras e brincava com as
Ninfas. Pã tentou convencê-la a ceder ao seu desejo, mas ela o rejeitou
e ele decidiu tomá-la à força (ὁρμᾷ διώκειν ὁ Πὰν ἐς βίαν), mas Siringe
fugiu e escondeu-se no meio de caniços. Com raiva, Pã cortou-os e, sem
conseguir encontrar a moça e percebendo o que havia acontecido, criou
o instrumento, unindo com cera os caniços de tamanhos desiguais, pois
o amor deles havia sido desigual. Logo após ouvir essa história, Dáfnis e
Cloé a imitam por meio da dança (sem reproduzir a cena violenta) e, ao
final, o menino recebe como presente a siringe de Filetas.
O último mito embutido é narrado no livro (III.23), depois
que Dáfnis já havia recebido a lição de Licénion sobre como fazer sexo.
Ao ouvir um grupo de pescadores que remavam um barco em direção
à cidade, Cloé percebe pela primeira vez um eco. Desconcertada, ela
pergunta a Dáfnis se atrás do promontório havia outro navio com outros
marinheiros. Ele então lhe conta sobre Eco, filha mortal de uma ninfa,
que havia sido criada pelas Ninfas e aprendido com as musas a tocar a
siringe e o aulós. Quando chegou ao auge de sua juventude (παρθενίας εἰς
ἄνθος), ela recusava homens e deuses por amar sua virgindade (φίλουυσα
τὴν παρθενίαν). Por isso, foi desmembrada por pastores enlouquecidos
por Pã, que se ressentia da sua rejeição e da sua habilidade musical. Por
amor às Ninfas, Gaia escondeu todas as partes do seu corpo e os locais
onde elas se encontram agora emitem uma voz capaz de imitar tudo.
Os críticos tenderam a analisar os mitos na sua relação com o
enredo principal como histórias que no todo refletem ou contrastam com
327
o que estão vivendo Dáfnis e Cloé, mas nos parece que o texto sugere
ora uma, ora outra atitude, sem que elas sejam necessariamente exclu-
dentes.18 Está claro que eles têm uma função educativa na trama19 e a
violência que neles se faz presente parece substituir à maneira de Longo
aquela que os casais de outros romances enfrentam em suas aventuras
pelo Mediterrâneo. Trata-se de um aprendizado pela palavra, e não pela
experiência, o que reproduz o próprio modelo pedagógico do enredo como
enunciado no proêmio: afinal, o que teremos quando a história estiver
completa é mais um mito, o de Cloé. Não por acaso, no último e quarto
livro não há nenhuma narrativa embutida, como há nos três anteriores,
e o romance se encerra com a metamorfose esperada desde o início, a
de Cloé, que de παρθένος torna-se γυνή.20 E assim como Phátta, Siringe
e Eco se imortalizam depois da transformação, o mito de Cloé será o
“patrimônio agradável” e eterno criado por Longo.
Hilton,21 no artigo que analisa o tema da guerra no romance gre-
go, chega à conclusão de que Longo “rejeita implicitamente a guerra e a
violência” porque elas são intrusões no mundo idílico pastoral. A guerra
é uma força que perturba o equilíbrio da vida no campo: “a intervenção
dos poderes da natureza manifestados em Pã são necessários para restabelecer
18
Um exemplo da primeira atitude é a análise de Chalk (“Eros and the Lesbian
Pastorals of Longos”, JHS, vol.80, 1960, p.32-51), para quem os mitos ressaltam
aspectos que estão de acordo com o estágio do desenvolvimento sexual de Dáfnis
e Cloé no momento em que são contadas. Philippides (“The ‘digressive’ aitia
in Longus”. CW, 81, 1980, p.193-199), por sua vez, faz boa análise em que vê
contraste entre os mitos e a história dos protagonistas. Sobre os mitos, cf. tam-
bém Hunter (n.1, p.52ss), Macqueen (Myth, Rhetoric and Fiction: A Reading on
Longus’ Daphnis and Chloe. Lincoln: University of Nebraska Press, 1990, p.31ss),
Winkler (n.13), Goldhill (n.14, p.44ss), Cheyns (“Le dieu Pan et l’expression de la
violence in Daphnis et Chloé”, In: B. Pouderon, C. Hunziger, D. Kasprzyk (eds.),
2001, p.165-180) e Cueva (The Myths of Fiction: Studies in the Canonical Greek
Novels. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2004, p.44ss).
19
Cf. I.27.1 e III.22.4, em que isso é dito de forma explícita.
20
Macqueen (n.18) tem uma leitura diferente e considera como “mito de Cloé” não
todo o romance, mas apenas o que acontece no livro IV: seu rapto por Lâmpis, o
resgate e o casamento.
21
“War and Peace in the Ancient Greek Novel”, ACD, vol.48, 2005, p.69.
328
22
(n.2), p.201.
23
Une éducation grecque: rites de passage et construction des genres dans le roman grec
ancien, Paris: Éditions La Découverte, 2006.
24
Idem, ibid., p.165.
329
25
(n.18), p.54ss.
26
Cf. Trzaskoma, “A Novelist Writing ‘History’: Longus’ Thucydides Again”. Greek,
Roman and Byzantine Studies 45, 2005, p.75-90.
330
conflito bélico por causa das mentiras contadas pelos jovens metimnen-
ses. Nisso, o episódio de Longo também contrasta com os dos demais
romancistas – nada de revolta contra a tirania persa, como em Cáriton, ou
ainda uma disputa entre dois países pelo domínio de minas de esmeralda,
como em Heliodoro – e reafirma sua opção pela dimensão diminuta dos
eventos. Jovens da cidade, que tinham ido ao campo caçar e se divertir,
acabam por perder o seu barco porque um camponês que precisava de
uma corda encontrou ocasião propícia para roubar aquela que prendia a
embarcação à costa, que é então substituída por vime. Assustadas pelos
cães dos jovens, as cabras de Dáfnis fogem para a praia e alimentam-se
da planta que prendia a embarcação. Os jovens revoltam-se com a perda,
culpam Dáfnis pelo acontecido e acabam expulsos a pau e pedra.
Voltando feridos a Metimna, o narrador diz que eles não contam
nada do que de fato ocorreu (II.19, τῶν μὲν ἀληθῶν λέγοντες οὐδὲ ἕν) e
incitam o início de uma guerra. Sob o comando de Briaxis, eles pilham
o campo de Mitilene e levam Cloé como prisioneira, enquanto Dáfnis
se esconde dentro do tronco de uma árvore. Ele então cobra das Musas
a proteção que deviam a Cloé. Logo depois, elas aparecem em seu sonho
e contam-lhe que, apesar de ele nunca ter prestado as devidas honras
ao deus Pã, ele salvaria Cloé a pedido delas. Na sequência, Pã intervém
primeiro por meio do pânico que atinge a tripulação e, logo depois,
revela em sonho para Briaxis seu descontentamento com a atitude dos
metimnenses, ordenando que a pastora e seus animais sejam libertados.
No início do livro III, sabendo do que havia acontecido no campo, os ho-
mens da cidade de Mitilene decidem enviar uma armada para responder
ao ataque de Metimna, sob o comando de Hípaso. Como em Metimna,
ao mesmo tempo, esclarece-se o real motivo pelo qual os jovens haviam
aparecido feridos depois de sua viagem ao campo, os metimnenses de-
cidem apresentar uma proposta de paz, aceita por Mitilene. E assim a
guerra se encerra, sem ter exatamente começado.
Parece-nos que Morgan,27 um dos poucos a considerar diversas
funções do episódio bélico, ao chamar a atenção para a aprendizagem
27
(n.1), p. 186.
331
religiosa do par amoroso como uma delas, toca no seu ponto essencial,
que é a atuação de Pã e o fato de que Dáfnis passa a lhe prestar as de-
vidas honras a partir desse momento. Não é por acaso que as Ninfas
enfatizam que Dáfnis nunca o havia honrado, ainda que o pastor tenha
demonstrado saber quem ele é anteriormente na narrativa (cf. I.16.3).
De fato, outros heróis romanescos passam por uma guerra, seja como
líder vitorioso, no caso de Quéreas, como prisioneiro, no de Teágenes,
ou como observador, no de Clitofonte, mas Dáfnis sequer presencia um
confronto; ele apenas observa uma pilhagem, escondido dentro de uma
árvore. Isso não precisa significar, porém, que a experiência é irrelevante
para o pastor, uma vez que a relação que se estabelece entre ele e o deus
Pã é recorrente e significativa no romance.
Trzaskoma,28 contudo, sugere que Longo insinua ao leitor, bem
no meio da narrativa, no início do terceiro livro, uma espécie de segundo
proêmio que confirmaria uma impressão criada inicialmente – por meio
da afirmação da utilidade da narrativa – de que o romance desenvolveria
o tema tucididiano da guerra.29 A interrupção do desenrolar dos eventos
entre Mitilene e Metimna refletiria, por um lado, a mudança de disposição
dos atenienses em punir a cidade de Mitilene pela rebelião e, por outro
lado, deixaria deliberadamente explícita a liberdade de Longo no que diz
respeito às convenções do gênero romanesco. Trzaskoma afirma que o
episódio é “praticamente irrelevante para o romance como um todo” por se
tratar de uma história de amor e que Longo só o introduz para “apontar
sua irrelevância”:30
28
(n.26).
29
Trata-se do trecho, bastante discutido do proêmio, em que Longo aludiria à obra
tucididiana sugerindo, como o historiador, uma utilidade para sua narrativa e
chamando-a de “ktéma terpnón” (prôemio, 3-4): καὶ ἀναζητησάμενος ἐξηγητὴν
τῆς εἰκόνος τέτταρας βίβλους ἐξεπονησάμην, ἀνάθημα μὲν Ἔρωτι καὶ ύμφαις
καὶ Πανί, κτῆμα δὲ τερπνὸν πᾶσιν ἀνθρώποις, ὃ καὶ νοσοῦντα ἰάσεται, καὶ
λυπούμενον παραμυθήσεται, τὸν ἐρασθέντα ἀναμνήσει, [4] τὸν οὐκ ἐρασθέντα
προπαιδεύσει.
30
(n.23), p. 85 e p.82.
332
333
que a chegada do inverno foi, para Dáfnis e Cloé, pior do que a guerra
(III.3.1). Ele deve, porém, ser visto em paralelo com os fatos de que
Dórcon, o primeiro agressor de Cloé, é afinal retratado com simpatia e
recebe dos dois amantes honras fúnebres (e um beijo da menina antes
de morrer) e que Lâmpis, o segundo agressor, aparece tocando flauta no
seu casamento. Nem por isso as ameaças de agressão sexual sofridas
por Cloé foram consideradas irrelevantes. Por outro lado, logo após o
episódio dos piratas, o narrador faz um comentário encerrando o livro
I que lembra o tom irônico da comparação entre a guerra e o inverno
(I.32.5):
O banho parecia ser mais temerário do que o mar; julgava que sua
vida ainda estava nas mãos dos piratas, tão jovem era, rústico e ainda
ignorante da pirataria do amor.
334
31
Eros Sophistes – Ancient Novelists at Play, Chico: Scholars Press, 1982, p.47.
32
As únicas versões mais elaboradas do mito são posteriores a Longo, registradas
em Nonno (Dion.42.-258-60) e na obra bizantina Geoponika (11.10). Na primeira,
Pã é um amante rejeitado, mas a segunda envolve, como nos outros dois mitos
embutidos, a perseguição de uma personagem feminina e sua metamorfose:
335
Pítis era também amada por Bóreas que, preterido por Pã, matou-a, quando então
ela se transformou em árvore.
33
(n.13), p. 118ss.
34
(n.1), p. 173.
336
35
(n.18), p. 173.
36
(n.23), p. 164.
37
“Longus’ werewolves”, CPh, 1995, n. 90, p. 64.
337
38
Cheyns (n.18, p.175): “Ce texte met en évidence un aspect bien particulier de la
puissance de Pan, à savoir la panolepsie, qui est la possession soudaine et violente par
le dieu d’un individu, qui se trouve ainsi projeté hors du réel et peut même, devenu
complètement furieux, attaquer ses semblables et les déchirer comme une bête enragée”.
39
Cf. Philippides (n. 18), p. 197.
338
ἡ δὲ αὐτῷ κατέλεξε πάντα· τὸν τῶν αἰγῶν κιττόν, τὸν τῶν προβάτων
ὠρυγμόν, τὴν ἐπανθήσασαν τῇ κεφαλῇ πίτυν, τὸ ἐν τῇ γῇ πῦρ, τὸν ἐν τῇ
θαλάττῃ κτύπον, τὰ συρίγματα ἀμφότερα, τὸ πολεμικὸν καὶ τὸ εἰρηνικόν,
τὴν νύκτα τὴν φοβεράν, ὅπως αὐτῇ τὴν ὁδὸν ἀγνοούσῃ καθηγήσατο τῆς
ὁδοῦ μουσική.
Ela contou-lhe tudo: a hera nos bodes, o uivo das ovelhas, a pinha
que apareceu em sua cabeça, o fogo na terra e o barulho no mar, os
dois tipos de som de flauta, um marcial, outro pacífico, a noite de
terror, e como, quando ela não sabia o caminho, a música mostrou-
-lhe o caminho.
Ao ouvir esse relato, Dáfnis percebe que tudo fora obra de Pã,
como as Ninfas haviam-lhe anunciado e, por sua vez, ele próprio conta
a Cloé o que se passara com ele em terra durante o seu rapto. É apenas
40
Sobre a atuação militar de Pã por meio do pânico e da possessão, cf. Borgeaud
(The Cult of Pan in Ancient Greece, Chicago: The University of Chicago, 1988,
p.88ss). A ele foi atribuída a ideia de dispor o exército em alas e fileiras. A melhor
descrição de um ataque de pânico é feita por Pausânias (10.23.7-8) quando relata
aquele sofrido pelos gauleses após sua derrota em Delfos.
339
E logo que ela desembarcou, o eco da siringe foi ouvido de novo vindo
das pedras, não mais marcial e amedrontador, mas pastoral, como se
conduzisse os rebanhos ao pasto.
41
Polieno (1.2, autor macedônio do século II d.C.) relata a invenção de um
estratagema por Pã durante a campanha de Dionísio: o exército deveria gritar
o mais alto possível durante a noite, para que o som ecoasse e fizesse parecer
ao inimigo que seu tamanho era bem maior do que de fato era. Assustados, os
inimigos fugiram. “Para honrar esse estratagema de Pã, cantamos sobre a afeição
de Eco por Pã, e os terrores comuns e noturnos de um exército são nomeados em sua
homenagem” (τοῦ δὲ Πανὸς τὸ στραταγήμα τιμῶντες τὴν Ἠχὼ τῷ Πανὶ φί-
λην ᾄδομεν καὶ τοὺς κενοὺς καὶ τοὺς νυκτερίνους τῶν στρατευμάτων φόβους
Πανικὰ κληίζομεν).
340
42
Lalanne, (n.23, p.199), que faz uma boa análise da cena (idem, ibid., p. 198-204).
43
(n.14), p. 39.
341
342
343