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Confira a entrevista.
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partes do mundo.
O escravo digital
Essa flexibilização e desregulamentação do trabalho levou a uma
terceirização, que em muitos casos é generalizada, como no nosso caso, onde a
terceirização já acontece, desde o projeto aprovado pela contrarrevolução
de Temer, nas atividades-meios e nas atividades-fim. Também se criou no
Brasil uma praga que já se esparrama globalmente, que é o trabalho
intermitente. O trabalho intermitente é aquele em que os trabalhadores e as
trabalhadoras são chamados ou podem ser chamados para realizar um
trabalho. Se trabalham, recebem pela hora trabalhada, se não trabalham, não
recebem, criando a figura do que chamo no meu livro “O privilégio da
servidão. Novo proletariado de serviços na era digital” de um
escravo digital. O celular é imprescindível para esse tipo de atividade, porque
o trabalhador é chamado para um restaurante de fast food, para um
atendimento médico, para uma limpeza em uma casa, para um trabalho de
jardinagem, para ser motorista ou o que quer que seja. O fato é que ele recebe
pelo tempo que trabalha. Em geral, o trabalho intermitente burla a
legislação protetora do trabalho. Mesmo quando se diz — no caso brasileiro —
que ele contempla os direitos do trabalho, de fato é um falseamento, porque
é possível rebaixar a hora de pagamento, embutir dentro dela 13º, férias e tudo
o que puder ser embutido, mas no fundo está se pagando um salário péssimo e
o(a) trabalhador(a) fica à disposição.
Éi di já h I l did j di i i
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13/10/2020 O proletário digital na era da reestruturação permanente do capital. Entrevista especial com Ricardo Antunes - Instituto Humanitas Unisinos…
É importante dizer que já houve na Inglaterra medidas judiciais que
obrigaram as empresas a pagar direito do trabalho, porque esse tipo de
trabalho é uma burla do direito trabalhista inglês. Esse modelo já se
esparramou pelo mundo e há contrato de “zero hora” no Brasil e em tantas
outras partes, ou seja, tem uma massa de trabalhadores e trabalhadoras — é
muito importante enfatizar a divisão sociossexual do trabalho — que
estão disponíveis para serem chamados. Isto é sonho dourado do capital,
porque ele usa a classe trabalhadora quando precisa.
Há, ainda, um exemplo mundial muito importante que é o Uber, que não para
de crescer no Brasil: são centenas de milhares de trabalhadores trabalhando
como Uber. Já não se pode mais calcular quantos são porque todo
desempregado que tem um carro, seja ele médico, veterinário, engenheiro ou
advogado, filia-se ao Uber para poder ganhar algo que lhe permita sobreviver.
Como funciona o Uber? A empresa diz que ela faz a relação entre o motorista e o
consumidor e, portanto, não contrata o trabalhador, mas isso não é verdade,
porque a cada trabalho feito por um Uber, homem ou mulher motorista, de 20%
a 25% da corrida (e hoje já é mais que isso) já são imediatamente recolhidos pelo
aplicativo. E esse(a) trabalhador(a) dono do carro tem que manter o carro,
pagar seguro do carro, ou seja, todos os custos são desse(a) trabalhador(a).
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Ricardo Antunes — Sua questão é muito importante. São duas coisas e vou
sintetizar para não ir muito longe. Primeiro, a ideia e a ideologia do
“empreendedorismo” são poderosas, porque muitos trabalhadores não querem
ser assalariados e muitos sonham com a ideia de ter seu próprio negócio. Essa é
uma ideia poderosa. Trata-se da ideia de ser um pequeno patrão, o patrão de si
próprio, mas muitas vezes a pessoa se torna um proletário de si próprio —
abordo isso no livro também —, explora seu próprio trabalho e o trabalho dos
seus familiares.
É preciso que se faça muita pesquisa sobre isto: quantos empreendedores que
tentam ganhar a vida com pequenos negócios são bem-sucedidos e quantos
se quebram pelo meio do caminho? Conheço vários que gastaram o Fundo de
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É claro — para responder ao último ponto da sua pergunta — que nos níveis que
dispõem de capital cultural os salários são altos. Por exemplo,
apresentadores de grandes jornais da grande mídia são, em geral, PJ: seus
salários são altos, eles não têm direitos, mas têm um sistema de saúde, investem
no sistema financeiro e criam os mecanismos para viver. Isto é, o PJ, quando
olhamos para o topo dos assalariados, é uma realidade, mas quando
olhamos a base dos assalariados, a realidade é outra. Mas, como venho
dizendo há muito tempo, os gestores se especializam em talhar na carne dos
debaixo, vão cortando, mas chega uma hora em que o talhe e o corte chegam aos
gestores, e hoje existe uma dificuldade muito grande de muitos gestores em
encontrar empregos. Eles estão desempregados porque o enxugamento no
organograma empresarial reduziu também o número de gestores.
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Indústria 4.0
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Desemprego
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Quem diz que a revolução 4.0 vai afetar todo mundo de modo igual, está
fazendo uma fala puramente ideológica, porque as profissões que vão perder
emprego são aquelas dos assalariados, onde a manualidade do trabalho será
substituída por uma “coisa internética”. Esse “novo organograma”, em que tudo
o que puder ser digitalizado será digitalizado, vai criar emprego para os de
cima, em número reduzido, e aumentar o desemprego para os de baixo. É por
isso que, na última parte do meu livro, pergunto se há luz no final do túnel.
O que é possível fazer, para irmos ao ponto da sua pergunta? É preciso fazer
uma pressão muito forte e buscar dados para revogar a legislação social que
foi destroçada de modo ilegítimo, por um governo ilegítimo, e sem discussão. É
preciso que os candidatos digam abertamente — e vários já estão dizendo — que
farão uma rediscussão e mesmo a revogação da legislação trabalhista. O
mesmo exemplo vale para a França, a Argentina, o Chile e todos aqueles
países que estão lutando contra esse processo.
IHU On-Line — O senhor já disse que Florestan [1] é uma das suas
inspirações na elaboração do seu livro. Por que Florestan
Fernandes é um teórico importante para pensar o Brasil hoje? Em
que aspectos ele lhe inspira nas suas reflexões sobre a situação do
trabalho e do trabalhador?
Não seríamos capazes de imaginar, há alguns anos, que alguém pudesse tratar
os imigrantes, os negros e as mulheres, abertamente, como Trump está
fazendo. Esse cenário mostra que Florestan merece ser revisitado pelas pistas
que dá. Fico feliz de poder dedicar meu livro a duas figuras emblemáticas: a
Florestan Fernandes, que é um autor que nos inspira; e a István
Mészáros [2], outro autor especial, um filósofo húngaro que viveu na
Inglaterra desde que saiu da Hungria, em meados dos anos 1950. Ele tem
contribuição decisiva para pensar o mundo contemporâneo e o sistema de
metabolismo social destrutivo do capital.
A última parte do meu livro pergunta se há luz no fim do túnel. Eu penso que
sim. Um dos primeiros desafios que temos de enfrentar é o plano dos
sindicatos e das lutas sociais. Ambos devem se alimentar um do outro.
Além disso, é preciso fazer o debate sobre o socialismo, pois essa ideia de que
o socialismo acabou é uma ficção. O capitalismo levou muitos séculos para se
constituir — pelo menos três séculos, se pensarmos do Renascimento até a
Revolução Industrial. Entre as experiências socialistas houve uma tentativa
espetacular, que foi a Comuna de Paris, no final do século XIX, e muitas
tentativas derrotadas, em sua grande maioria no século XX, começando pela
russa e terminando pela chinesa, para falar das mais importantes, e deixando de
lado as revoluções na África e América Latina para efeito dessa avaliação.
Mas o desafio é pensar um novo modo de vida em que o trabalho, a questão
ambiental, a igualdade de gênero entre homens e mulheres, a igualdade
substantiva — para usar uma expressão de Mészáros — racial, de gênero, de
classe são vitais. Essas questões a humanidade haverá de reconquistá-las.
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Gostaria de encerrar com um trecho do meu livro: "o mundo atual nos oferece
como horizonte imediato o privilégio da servidão. Seu combate e
impedimento efetivos, então, só serão possíveis se a humanidade conseguir
recuperar o desafio da emancipação". Isso é vital. Meu livro é muito crítico na
análise do mundo atual, mas não acredito que esse cenário seja irreversível,
porque a história tem vida, a história não tem um fim preestabelecido, a história
é a história da confrontação cotidiana. Nós estamos desafiados, no século XXI, a
pensar uma outra sociedade fora dos constrangimentos do sistema do capital.
Notas:
Leia mais
A ‘uberização’ e as encruzilhadas do mundo do trabalho. Revista IHU On-
Line, Nº. 503
"A organização capitalista do trabalho privilegia o poder ao lucro". Entrevista
com Thomas Coutrot
Revolução 4.0: Quem ficará com os ganhos de produtividade?
2017, o ano que não deveria ter existido. Entrevista com Ricardo Antunes
Temer é capaz de regredir lei trabalhista à época da escravidão, diz sociólogo
Livro detalha mudanças no mundo do trabalho contemporâneo
O trabalho que estrutura o capital desestrutura a sociedade. Entrevista
especial com Ricardo Antunes
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especial com Ricardo Antunes
“O governo Lula foi uma surpresa muito bem-sucedida para os grandes
capitais”. Entrevista especial com Ricardo Antunes
Empobrecimento e naturalização das desigualdades são as primeiras
consequências da Reforma Trabalhista. Entrevista especial com Barbara
Vallejos Vazquez
Reforma trabalhista: Menor autonomia do trabalhador sobre o tempo social,
maior concentração de renda e desigualdade social. Entrevista especial com
Ruy Braga
Carro vira moradia para trabalhadores do Vale do Silício
A eliminação dos custos associados ao direito e à proteção do trabalhador
constitui a espinha dorsal da reforma trabalhista. Entrevista especial com
Ludmila Abilio
“A AI vai nos superar e será o futuro". Entrevista com Jürgen Schmidhuber, o
pai da inteligência artificial
O mundo do trabalho em um contexto de uberização
Como a reforma trabalhista vai acelerar a "uberização" do mercado de
trabalho
É possível resistir à "uberização"?
A nova classe do setor de serviços e a uberização da força de trabalho
Uberização da economia e relações trabalhistas
Revolução 4.0 e a necessidade de reinvenção do mundo do trabalho na
América Latina
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Alvo da greve geral, terceirização responde pelo aumento de acidentes de
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Na era da terceirização, o predomínio do trabalho como 'labor', e não como
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60% dos jovens estão aprendendo profissões que a AI vai ocupar em menos de
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Transformações no mundo do trabalho e suas implicações nas periferias
urbanas. Entrevista especial com Gerardo Silva
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