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ANA CECÍLIA DOS SANTOS

COMPOSIÇÃO MUSICAL: ESTUDOS DIRIGIDOS PARA


AUDIOVISUAL

Universidade Federal de Mato Grosso -UFMT


Instituto de Linguagens -IL
Cuiabá
2008
ANA CECÍLIA DOS SANTOS

COMPOSIÇÃO MUSICAL: ESTUDOS DIRIGIDOS PARA


AUDIOVISUAL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em


Estudos de Linguagem do Instituto de Linguagens da
Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.

Área de concentração: Estudos Literários e Culturais. Linha de


pesquisa: Música - educação, estética e amálgamas sonoros.

Orientador: Profª Dr. Roberto Pinto Victorio.

Universidade Federal de Mato Grosso -UFMT


Instituto de Linguagens -IL
Cuiabá
2008
FICHA CATALOGRÁFICA

S237c Santos, Ana Cecília dos


Composição musical: estudos dirigidos para audio-
visual / Ana Cecília dos Santos. – 2008.
146p. : il.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de


Mato Grosso, Instituto de Linguagem, Pós-graduação
em Estudos de Linguagem, Área de Concentração:
Estudos Literários e Culturais, Linha de Pesquisa:
Música – Educação, Estética e Amálgamas Sonoros,
2008.
“Orientação: Prof. Dr. Roberto Pinto Victorio”.

CDU – 781.5:778.534.45

Índice para Catálogo Sistemático

1. Música – Composição
2. Música – Composição – Audiovisual
3. Filmes – Trilha sonora
4. Trilha musical – Audiovisual
5. Música – Audiovisual – Tendências
6. Filmes – Musica – Gêneros
BANCA EXAMINADORA

_________________________________
Prof. Dr. Roberto Pinto Victorio – Orientador
Universidade Federal do Mato Grosso

__________________________________
Profª. Drª. Cássia Virgínia Coelho de Souza
Universidade Federal do Mato Grosso

__________________________________
Profª. Dr. Sílvio Ferraz
Universidade Estadual de Campinas

__________________________________
Profª. Drª. Teresinha Rodrigues Prada Soares
Universidade Federal de Mato Grosso

04/ abril / 2008


Ao documentarista Aroldo Máximo

a quem devo o tema

e grande parte das minhas reflexões.


AGRADECIMENTOS

A Deus que, fora do pensamento diacrônico e humano, pôde planejar e reunir


pessoas tão importantes para a minha vida, como:

Meu orientador Dr. Roberto Victorio - que com paciência esteve ao meu lado durante
todo o percurso da construção deste objeto, em especial pelas aulas de composição;

Os professores da banca - Dr. Sílvio Ferraz, Dra Teresinha Prada, por contribuírem
de forma grandiosa nas minhas reflexões; e em especial a Dra Cássia Virgínia, pelas
aulas na disciplina Estética da Música e todos os momentos de reflexão;

Os entrevistados - por disporem das suas experiências profissionais e pessoais; a


fim de auxiliar a construção desta temática, que de forma geral ainda encontra-se
muito carente de pesquisas. E em especial ao professor Dr. Ney Carrasco, por
disponibilizar seus estudos, considerados de relevância ímpar para a temática no
país;

Os professores do MeEL, em especial a Alice Sabóia, Franceli Mello, Juan Mederos


e Ludimila Brandão, por contribuírem para a construção deste objeto em suas
disciplinas;

Os colegas Ândria, Celso, Fernando, Gibran, Marly, Noêmia, Paulo, Vera e em


especial a querida dupla Eva e Ismar – pela amizade, as horas de estudo,
construção e discussões inúmeras;

A coordenadora do MeEL professora Dra Maria Rosa e Genessy, secretário do curso


- por sua atenção administrativa e amiga.

Ticiano (editor das partituras) e André (editor de vídeo e tradutor) - muitíssimo


obrigada;

A Minha mãe, meu filho, familiares e amigos (em especial Luciene e Munique), que
pacientemente me ampararam nas horas difíceis.

O pastor Rubens Ciro de Souza, por suas orações.

A todos, que de uma maneira ou de outra, auxiliaram-me na realização desta


pesquisa. Meus sinceros agradecimentos.
A pesquisa é a forma mais resistente e, por
vezes, a mais louca, da utopia.

Pierre Boulez
Resumo

SANTOS, A. C. Composição musical: estudos dirigidos para audiovisual.

O contexto audiovisual a que se refere o trabalho é a produção de filmes,


curtas e documentários. A música original para este contexto é tratada com a
contextualização de entrevistas com diretores e compositores atuantes na área, bem
como bibliográficas específicas. Neste ambiente a música desenvolve-se dentro de
características funcionais servindo à narrativa audiovisual, ao mesmo tempo em que
relaciona e hibridiza com as demais linguagens utilizadas no meio. A narrativa
audiovisual é entendida como o conceito de contraponto musical. Desta forma as
linguagens utilizadas articulam-se formando relações móveis e constantemente
novas. Em contraposição toma-se a música de concerto do século XX para
contextualizar o estudo específico da manipulação dos elementos sonoros como
elementos puros, tal qual o signo puro abordado pelos estudos de C.S. Peirce. Este
estudo é desenvolvido através da contextualização da mudança sensorial e
paradigmática da exploração sonora obtida para o século XX; apontamentos sobre a
importância do estudo de tendências isoladas, para a compreensão específica do
material estudado; e a proximidade dos conceitos que ‘música’ e ‘comunicação’
desenvolvem no século referido, possibilitando a articulação entre os campos. Dois
estudos composicionais são construídos como praxe da manipulação de
sonoridades musicais isoladas e outras duas obras direcionadas como re-leitura
sonora do documentário “Em Trânsito” (RIVAS, 2006). Por fim, é gerado um estudo
comparativo entre a trilha original do referido documentário e os estudos
desenvolvidos para este trabalho. Em tese a música pertence a um campo
autônomo desenvolvido por suas próprias especificidades, mas direciona-se
diferentemente quando atuante em outro meio. Esta relação é claramente observada
no contexto audiovisual.

Palavras-chave: trilha musical; composição; audiovisual.


Abstract

SANTOS, A. C. Musical composition: directed studies for audiovisual.

The audiovisual context that relates the work is the production of films, short
films and documentary films. Original music for this context is dealt with the
contextualization interviews with directors and operating composers in the area, as
well as specific bibliography. In this environment the music is developed inside of
functional characteristics serving to the audiovisual narrative, at the same time where
it relates and hybridize with the others languages used. The audiovisual narrative is
understood as the concept of musical counterpoint. So, the used languages are
articulated, forming constantly mobile new relations. Against it with the music of
concert from XX century used to contextualize the specific study of the manipulation
of the sonorous elements as pure elements, such which the pure sign analyzed for
the studies of C.S. Peirce. This study it is developed through the contextualization of
the sensorial and paradigmatic change of the gotten sonorous exploration for XX
century; notes about the importance of the study of isolated trends, for the specific
understanding of the studied material; and the proximity of the concepts that `music '
and `communication ' develop in the cited century, making possible the joint between
the structures. Two compositional studies are constructed as custom of the
manipulation of isolated musical noises and others two directed compositions as
proposal of sonorous re-reading of the “Em Trânsito” (RIVAS, 2006) documentary
film. Finally, a comparative study is generated between the original track of the
documentary film and the studies developed for this work. In thesis music belongs to
an independent area developed by its proper specificities, but it is directed differently
when operating in another way. This relation is clearly observed in the audiovisual
context.

Keywords: sound track; composition; audiovisual.


SUMÁRIO
SUMÁRIO .................................................................................................................................. 9
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 11
PARTE I – MÚSICA E AUDIOVISUAL................................................................................ 18
1.0 COMPOSIÇÃO MUSICAL PARA AUDIOVISUAL: UMA ABORDAGEM
QUALITATIVA ....................................................................................................................... 19
1.1 Diretores ......................................................................................................................... 20
1.1.1 A importância dada à música nos trabalhos audiovisuais ....................................... 20
1.1.2 Sobre o termo: trilha sonora .................................................................................... 21
1.1.3 As composições originais ........................................................................................ 22
1.1.4 Imagem-som: pré-concepção................................................................................... 25
1.1.5 Construção de ambiências ....................................................................................... 26
1.1.6 Musicas, gêneros e enredos. .................................................................................... 28
1.1.8 Diretor, roteirista e compositor................................................................................ 32
1.2 Compositores .................................................................................................................. 32
1.2.1 Problemática sobre o tema ....................................................................................... 33
1.2.2 Dificuldades nos trabalhos com música original ..................................................... 34
1.2.3 Métodos de composição .......................................................................................... 35
1.2.4 O auxílio das técnicas composicionais .................................................................... 36
1.2.5 ‘música’ e ‘música para audiovisual’, existe? ......................................................... 37
1.2.6 Processo de composição sobre as imagens .............................................................. 39
1.2.7 As músicas de caráter sonoplástico ......................................................................... 40
1.2.8 Canções e músicas já existentes .............................................................................. 41
1.2.9 Sobre o processo de materialização das idéias musicais ......................................... 43
1.2.10 Apontamentos finais .............................................................................................. 44
1.3 Dados bibliográficos ....................................................................................................... 45
1.3.1 Recursos tecnológicos ............................................................................................. 45
1.3.2 Técnicas ................................................................................................................... 46
1.3.3 O diretor................................................................................................................... 47
1.3.4 Divulgação do produto nacional e dificuldades encontradas .................................. 48
1.3.5 Uma narrativa musical? ........................................................................................... 49
1.3.6 Criação de tendências .............................................................................................. 54
1.3.7 As composições antecedentes das imagens ............................................................. 54
1.3.8 As canções ............................................................................................................... 55
1.4 Um caso específico sobre as canções ............................................................................. 57
PARTE II – DAS IDÉIAS AO MATERIAL SONORO .......................................................... 62
2.0 COMPOSIÇÃO MUSICAL ............................................................................................... 63
2.1 A diversidade da música do século XX .......................................................................... 67
2.2 As tendências musicais do século................................................................................... 71
2.3 A mudança sensorial produzida pela notação: música e comunicação .......................... 73
3.0 DESCRIÇÃO DOS ESTUDOS COMPOSICIONAIS ...................................................... 77
3.1 Estudo N.1 ...................................................................................................................... 78
3.2 Estudo N.2 ...................................................................................................................... 83
3.3 Estudo N.3 ...................................................................................................................... 88
3.3 Estudo N.4 ...................................................................................................................... 93
PARTE III – O ESTUDO “EM TRÂNSITO” ......................................................................... 99
4.0 DOCUMENTÁRIO “EM TRÂNSITO” .......................................................................... 100
4.1 Trilha sonora original ................................................................................................... 101
4.1.1 Descrição da trilha ................................................................................................. 101
4.1.2 Enfoque sobre a trilha original .............................................................................. 103
4.2 Os estudos composicionais: direcionamentos no documentário “Em Trânsito” .......... 108
PARTE IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 114
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 115
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 118
GLOSSÁRIO .......................................................................................................................... 124
ANEXO 01 – PARTITURAS ................................................................................................ 129
ANEXO 02 – CD.................................................................................................................... 148
ANEXO 03 – DVD. ............................................................................................................... 149
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo levantar discussões sobre a produção musical,
mais especificamente sobre composição original para audiovisual. Delimito o campo,
uma vez que observo a ausência de estudos sobre o tema em nossa região (Cuiabá-
MT), contribuindo, desta forma, com um material científico de cunho bibliográfico,
com pesquisa de campo, estudos composicionais na área, bem como reflexões
advindas do processo de construção do objeto de estudo.
No decorrer de oito anos tive a oportunidade de participar de alguns projetos
audiovisuais desenvolvidos por diretores da região e patrocinados por leis de
incentivo a cultura do estado (MT), onde pude observar uma nítida carência de
investimentos, financeiro e profissional, na área da música para o audiovisual.
De forma majoritária, as produções audiovisuais desenvolvidas no estado tem
como principais incentivadores às leis de fomento à cultura, federais, estaduais e
municipais; ou grandes empresas privadas que, amparadas pelas mesmas leis,
incitam atividades culturais, ficando isentas de parte dos seus impostos tributados ao
Governo.
Os recursos direcionados a realização de trilha sonora, na maioria dos casos,
são mínimos ou mesmo inexistentes. Esta situação não é observada apenas em
Mato Grosso, mas em toda produção do nosso país: uma herança desde sua
gênese. Isso, supostamente, auxilia-me a pensar sobre respostas quanto ao
descarte de trilhas sonoras originais em detrimento de músicas e sonoridades
elaboradas para outros fins que não o da obra em questão.
Apreciar o corte orçamentário como causador de baixa qualidade nas
produções locais é uma perspectiva apocalíptica, mas totalmente considerável. Com
relação a essa questão, Tony Berckmans (2006) aponta que a falta de investimentos
na área, no período cinemanovista, contribuiu para a atuação dos próprios diretores
como produtores musicais e compositores das suas próprias trilhas.
Da mesma forma, sem o devido incentivo financeiro é quase um projeto
utópico desenvolver profissionais na área capazes de desempenhar linhas de
pesquisa e produção voltadas ao tema. O desenvolvimento de cursos, seminários,
festivais, grupos de pesquisa e formação, requer investimentos consideráveis.
Sobre a disponibilidade de orçamento para trilha sonora Julio Medáglia (2007)
fala que, este aspecto, é a última coisa a ser pensada na produção cinematográfica:
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gasta-se toda a verba na produção do filme e com o que resta procura adequar os
gastos para a produção musical. O compositor ainda aponta que se não fossem os
músicos brasileiros serem profissionais e conscientes dentro desta situação os
resultados podiam ser mais desastrosos.
Devo lembrar que, quanto a formação profissional, somente no ano de 2006
cursos de cinema (pós-graduação) aparecem em Cuiabá, na tentativa de formar
profissionais capacitados na área; cursos, que por sua vez, também buscam
delimitar a utilização das trilhas sonoras em ambiente audiovisual.
Quero considerar aqui a pesquisa (SANTOS,2005) em que investiguei a
utilização da música por acadêmicos dos cursos de graduação em comunicação
social de três universidades de Cuiabá – MT. O objetivo era investigar a necessidade
do estudo da música em ambiente acadêmico e averiguar como ocorria a
manipulação de materiais sonoros nas produções de jingles, spots, backgrounds e
trilhas. Amparada pelos parâmetros curriculares dos cursos e bibliografias afins,
observei as exigências da área sobre os aspectos musicais e, através das
entrevistas, pude comparar a formação dos alunos.
O resultado desta pesquisa mostra enfaticamente a formação bem
estruturada de suas produções dentro da manipulação dos materiais visual e textual,
entretanto, mostra a nítida carência de estudos mais aprofundados sobre a
manipulação de materiais sonoros (direção, produção e edição).
Ponderando esta situação, aponto ainda, através das observações no
decorrer do contato com o campo, que os profissionais (diretores e produtores)
envolvidos nas produções audiovisuais (filmes, curtas e documentários) do estado
são, em sua grande maioria, formados nos cursos de graduação em comunicação
social nas diversas habilidades; ou mesmo sem nenhuma formação, mas
apresentando em seu currículo atividades profissionais desenvolvidas na área.
Desta maneira, observo uma possível carência de profissionais da área do
audiovisual que tenham um conhecimento musical sistematizado, a fim de construir,
manipular e desenvolver, de forma crítica, os materiais sonoros utilizados em suas
produções.
Neste sentido, justifico meu interesse pelo tema “composição musical para
audiovisual” e indico as questões: Qual seria o tratamento da música em ambiente
audiovisual? De que forma os elementos musicais se relacionariam com as demais
formas de linguagem utilizadas no audiovisual? Pode haver uma divergência de
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sentido entre “música” e “música para audiovisual”? a relação da música em


ambiente audiovisual elegeria novas formas de significação? Como falar sobre
significados em música? Até que medida as técnicas composicionais auxiliam a
composição de trilhas sonoras?
Parto do princípio de que a música, como linguagem isenta de significados, é
pertencente a um campo perceptível aberto, onde as possibilidades de escutas são
diversas e variáveis. E isso dependerá intrinsecamente do nível de percepção do
ouvinte e seu contexto específico. Desta forma, como seria sua atuação em
ambiente integrado às linguagens visual e textual?
Tenho, inicialmente, por referencial teórico os trabalhos de Charles Sanders
Peirce (1977). Mais especificamente, o Signo, para o autor, é definido como um
cognoscível determinado por algo que não ele mesmo - o objeto - ao mesmo tempo
em que este determina o interpretante. Isso proporciona dizer que o signo acaba por
criar algo na mente do intérprete conduzido pelo próprio Signo e, relativamente, pelo
Objeto do signo. Essa criação estará subentendida dentro do universo deste
respectivo signo, o que me faz crer que seu meio também determinará o signo. E de
acordo com o mesmo autor a significação será corretamente empregada quando o
sentido e o termo for familiar, ou mais próximo das concepções ou relações
intelectuais entre conceitos e, mais ainda, se incidir na noção dos possíveis
resultados.
Langer (1987), por sua vez, adverte: “manifestadamente ela (arte) não
transmite proposições, como o fazem os símbolos literais” (LANGER, 1987 p.207); o
que significa dizer que, mesmo que atribuamos valor, as formas artísticas nunca
poderão dizer o que significam.
Para a autora, no caso mais específico da música sua função é não-
representativa em quaisquer das suas formas de elaboração “Ela exibe a forma pura
não como embelezamento, mas como sua própria essência” (LANGER, 1989 p.210).
Entretanto, Langer não descarta em nenhum momento a existência desta forma
perceptiva e será, possivelmente, neste sentido, que encontramos um paradoxo: na
medida em que a música é isenta de significados poderá abarcar qualquer atributo.
A partir disso, observamos historicamente correntes filosóficas que atribuem à
música tanto valores de estímulo, quanto de sintomas emotivos. Langer (1989) faz
uma abordagem histórica onde situa a crença de que a música possa despertar
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emoções, mas mostra também que o afeto dura apenas no período em que ocorrem
tais influencias.
O caráter auto-expressivo da música é explicado pela autora como “hábitos
verbais”, ou seja, os estímulos e suas respostas serão expressos conforme as
especificidades culturais de cada grupo social. E usar a música como forma de
expressar nossa subjetividade credita possibilidades, mas esperar que essa
expressão seja compreendida de forma literal seria impossível.
Sekeff (1998), por sua vez, leva-me a refletir sobre a essência e compreensão
dos espaços criados entre o objeto (música) e seu ouvinte. A autora afirma que,
juntamente com a música, é construído um ambiente próprio que poderá ser
preenchido pelo outro, ou por nós mesmos. Isso acontece devido ao caráter da
música de comunicar expressões não denotativas, de forma e sugerir espaços para
possíveis criações.

A música é um sistema de signos, promovendo comunicação e


expressão. Sistema sintático de semântica autônoma é linguagem
portadora de qualidades, linguagem icônica, que só fala dela mesma
e, por isso, com um alto poder de sugestão. (SEKEFF, 1998 p. 36)

A partir destes espaços criados e dentro do seu caráter simbólico, a música


atua com a construção de cadeias sígnicas criadas convencionalmente, o que
implica dizer que ela será agregada a valores construídos culturalmente. Neste
sentido, a exteriorização musical através dos signos – gráficos -, próprios da música,
não atribui valor simbólico ao discurso musical (constituição e estruturação musical).
A construção valorativa, propriamente dita, será responsável por esse processo.
Estes apontamentos, partindo do campo da semiótica dos signos, com Peirce
e Langer, e desaguando na percepção dos signos musicais, com Sekeff, fazem
parte da delimitação temática do que entendo sobre música como “não linguagem”,
desprovida de significações, mas que ao mesmo tempo indica-nos espaços
prováveis de escutas possíveis; espaços estes que podem apontar para ambientes
comunicáveis ou informativos.
Desta forma, não é meu objetivo adentrar profundamente no conceitualização
do objeto música, uma vez que, certamente, restringiria sua totalidade existencial.
Pretendo apenas indicar o caráter expressivo e comunicativo da música fixando
minha posição sobre a temática antes de desenvolver as problemáticas
subseqüentes.
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Para esclarecer o processo de re-significação da música em ambiente


específico, vale apontar, também, o processo de semi-informação, desenvolvido por
Adorno (1968). O Autor aborda questões sobre a padronização das sonoridades
musicais, o que proporcionará a cristalização do conceito de estética musical, mais
propriamente dita, sobre a sua poética.
Segundo Adorno (1968), no processo de semi-informação da música dentro
da Industria Cultural, certas produções musicais são lançadas no mercado e tornam-
se aclamadas por uma multidão de ouvintes, os quais, através de processos de
recepção, se identificam com o objeto. Imediatamente, os elementos musicais
utilizados na composição tornam-se componentes básicos de sucesso e - uma vez
que os próprios produtores fazem parte dos domínios da divulgação - estas mesmas
matrizes serão utilizadas como fórmulas de abertura para um mercado promissor.
Midiatizada, a sonoridade criada dentro desse processo torna-se um padrão
que, fora deste, não terá alcançado os objetivos mercadológicos de compra e venda.
Neste sentido, o campo comunicativo se fecha para a aceitação de novas formas e
pluralidades musicais. Conseqüentemente, esta situação acarretará a diminuição do
senso crítico, o estabelecimento de regras dentro do campo da criação musical do
mercado e a perpetuação de estereótipos, os quais servirão como parâmetro para
novas produções.
Mesmo que os processos comunicacionais do campo social tenham se
modificado e estejam distanciados de forma considerável entre Adorno e as atuais
teorias, observo que o processo de semi-informação, desenvolvido pelo autor,
encaixa possivelmente nas atuais circunstâncias de mercado e bens simbólicos.
Especifico ainda que, quando trato de “formas musicais estereotipadas”,
isento-me de qualquer depreciação valorativa, tratando o tema apenas como uma
manifestação resultante de processos particulares e próprios de um meio. Este será
o caso, quase que exclusivo, do fardo que as “canções” carregam dentro da sua
existência.
Delimitando mais especificamente o tema, o “audiovisual” tratado neste
trabalho refere-se a filmes, curtas e documentários. Esta escolha serve apenas
como recorte, sabendo da situação atual de que o campo ainda encontra-se aberto a
novas formas de audiovisual como: desenhos, mangas, jogos, multimídia,
hipermídia, teatro e outras manifestações que utilizam as linguagens verbal, visual e
sonora, além das respectivas formas de relação.
16

Isso não significa que não posso, ao longo do meu discurso, pautar
ambiências como a das telenovelas. Pois observo a indústria brasileira de
telenovelas como principal incentivadora e mantenedora de estereótipos sonoros,
além de forte responsável pelos moldes da produção musical do cinema brasileiro
(MÁXIMO, 2003; BERCHMANS, 2006).
Neste sentido, os apontamentos sobre telenovela também nos auxiliarão a
compreender que a música, mesmo como linguagem não denotativa, quando
apropriada dos significados presentes no seu contexto sócio-cultural poderão
informar mensagens próprias do seu meio.
Metodologicamente abordo o tema através de:
- Levantamento bibliográfico - baseando em autores como: Hindemith, Koellreutter,
Ferraz e Zampronha, sobre aspectos composicionais; Andrade, Griffiths, Boulez,
Barraud, Menezes e outros, sobre as manifestações musicais do século XX; e, mais
especificamente sobre a música em ambiente audiovisual, abordo autores como
Berchmans, Carrasco, Campolina e Máximo. Pesquisa de campo qualitativa como
aporte teórico - com diretores e compositores atuantes. Produção de Estudos
composicionais direcionados a sonoridades e técnicas específicas do século XX e
estudos composicionais direcionados para audiovisual. Análise comparativa de
composições musicais para o mesmo ambiente audiovisual. Resultados conclusivos
do processo de construção do objeto de estudo.
Esta monografia é desenvolvida em quatro partes: I) Música e audiovisual; II)
Das idéias ao material sonoro; III) Estudo “Em Trânsito”; e IV) Considerações finais.
A primeira parte é formada pelo capítulo I que busca contextualizar a música
em ambiente audiovisual, através de apontamentos específicos sobre a inserção
desta no meio, bem como os fatores determinantes que influenciam-nas.
Esse capítulo, além de apresentar dados bibliográficos, traz como aporte
teórico o conteúdo de 10 entrevistas realizadas, sendo 4 com diretores e 6 com
compositores de trilhas para audiovisual (filmes, curtas e documentários). As
entrevistas sãs utilizadas como recurso técnico na medida em que houve dificuldade
de encontrar bibliografias específicas sobre composição musical para audiovisual
(nacional).
A segunda parte é compreendida pelo capítulo II que explana sobre o campo
da composição musical, abordando os processos de materialização de idéias
musicais relacionados a escuta e a percepção musical como elementos importantes
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e determinantes; e contextualiza as principais características sonoras presentes na


música de concerto do século XX.
Justifico que a escolha sobre a música de concerto do século XX se fez na
medida em que esta desenvolve um papel importante no estudo: o de apontar a
música como desprovida de significados para além de suas próprias formas – a
música pura. Desta maneira, a observação de possíveis re-leituras do campo cultural
torna-se mais clara e objetiva.
Nesta parte ainda está presente o capítulo III, constituído pela descrição dos
estudos composicionais realizados como parte deste trabalho, os quais encontram-
se gravados em CD (áudio) anexo.
Foram compostos quatro estudos baseados em técnicas específicas
pertencentes à música do século XX. Dois destes estudos (N.1 e N.2) são tratados
de forma isolada - fora de qualquer contexto além do musical. Os outros dois
estudos (N.3 e N.4) são direcionados para o contexto visual específico do
documentário “Em Trânsito” (2007) do diretor Elton Rivas. Esta obra de audiovisual
foi escolhida como objeto de estudo, pois tive a oportunidade de compor duas
canções que pertencem a sua trilha sonora original, sendo o meu mais recente
trabalho na área.
A terceira parte é composta pelo capitulo IV que descreve a trilha sonora
original do documentário “Em Trânsito” - mais especificamente das canções
“Brasilidade” e “Trânsito de Idéias”, compostas por mim - e expõe o processo de
criação e inserção dos estudos N.3 e N.4 como propostas de uma nova leitura
sonora para a narrativa audiovisual.
A quarta parte apresenta as possíveis conclusões finais do estudo, além de
um glossário composto por palavras das diversas áreas abordadas neste estudo;
anexos, compostos por partituras; mídias gravadas em CD e DVD.
O CD de áudio contém os estudos composições descritos no capítulo III
(estudos N.1 a N.4) e o DVD, composto pelo Documentário “Em Trânsito” com trilha
sonora original, no formato 25 minutos; e sua segunda versão resultante da re-leitura
sonora baseada nos estudos N.3 e N.4, também em formato 25 minutos.
PARTE I – MÚSICA E AUDIOVISUAL
1.0 COMPOSIÇÃO MUSICAL PARA AUDIOVISUAL: UMA
ABORDAGEM QUALITATIVA

Neste capítulo utilizo-me de entrevistas de caráter qualitativo, entremeadas


por apontamentos bibliográficos e considerações pessoais através da minha visão
como pesquisadora.
Optei preferencialmente por entrevistados de localidades diversas, no sentido
de tirar de foco alguma possível contextualização regional, já que este enfoque
ultrapassaria o foco da pesquisa, acrescentando novas discussões a problemática.
Inicialmente tinha uma amostra de 12 diretores e 12 compositores, os quais
foram escolhidos pelo perfil de exigências dos trabalhos de música no audiovisual.
Metade dos compositores respondeu à solicitação e nenhum diretor respondeu ao
contato. Dentro deste contexto, recorri a uma nova lista de entrevistados (diretores)
dentro dos critérios estabelecidos pela pesquisa e que, possivelmente, teria um
melhor acesso, por pertencerem as proximidades da cidade de Cuiabá – MT.
Contudo, mesmo neste novo contexto, obtive apenas a participação de 04 diretores.
Desta forma, a amostra final de entrevistados foram 10, 6 compositores e 4
diretores.
Como critério para a seleção de entrevistados estabeleci que os mesmos
teriam trabalhos de abrangência nacional, ou mesmo internacional, e mais de dez
anos de atuação na área do audiovisual, o que possivelmente resultaria um maior
grau de experiência na área.
Os diretores entrevistados foram: Maurice Capovilla (2006), Aroldo Maciel
(2006), Shelton Shiffer (2006) e Joel Leão (2007). Enquanto que os compositores
foram: David Tygel (2007), Wagner Tiso (2007), João Nabucco (2007), Filipe Salles
(2007), Zeca Barros (2007) e Nana Vasconcelos (2007).
As entrevistas feitas com os diretores foram gravadas em vídeo e todas
cedidas com direito de divulgação de imagem e som. Seguindo um roteiro básico, os
diretores responderam de forma livre com o intuito de contextualizar a produção
musical para o audiovisual através de um enfoque pessoal específico.
Mesmo obtendo o direito de divulgação dos diretores optei, ao citá-los de
forma literal, por não apontar seus nomes, como forma de preservar sua identidade.
Da mesma forma procedo na citação dos compositores entrevistados.
20

Os compositores, por pertencerem a diversos estados brasileiros, cederam


suas entrevistas por meio digital através de um questionário contendo 10 perguntas.
Uma vez que as entrevistas decorreram de maneira diferente entre diretores e
compositores, abordo-as em sub-itens separados da seguinte maneira:
- Para o desenvolvimento textual das entrevistas com os diretores sobre a música
em ambiente audiovisual, observei a reincidência presente na fala dos entrevistados
e nas bibliografias pesquisadas, construindo enunciados específicos (por tópicos).
- Quanto às respostas dos compositores, cada enunciado é baseado em uma
respectiva pergunta aplicada no questionário, originando 10 itens, um para cada
questão.

1.1 Diretores

1.1.1 A importância dada à música nos trabalhos audiovisuais

De maneira geral os diretores responderam que a importância da trilha sonora


no cinema equipara seu valor ao papel das imagens dentro do audiovisual. Para um
dos entrevistados imagem e som juntam-se compondo um único objetivo, ao passo
que, quando não agem dentro de um alvo centralizador específico, esta junção não
‘funciona’ e ambos são prejudicados perdendo na maioria dos casos seu sentido:
“Então, o que se busca normalmente é encontrar a trilha sonora adequada ao tema
que as imagens estão compondo”. Desta forma, tratando-se de audiovisual, as
linguagens utilizadas para a sua elaboração deverão relacionar-se de formas
equivalentes, sem que isto seja, necessariamente, na mesma proporção e sem que
uma anule a presença da outra.
Esta relação será determinada segundo os interesses específicos das
situações propostas em cena. Neste caso, a equipe responsável pela produção,
juntamente com o diretor deve especificar os locais de atenção que darão ao visual
ou sonoro, ou sua melhor maneira de elaboração para que o público possa perceber
de forma consciente os objetivos propostos pelo contexto.
Para Berchmans (2006) a eleição do foco principal é de extrema
importância, uma vez que é um processo natural humano a seleção de centros de
21

atenção. Neste sentido e priorizando-se os objetivos do enredo, em certos casos,


existe a necessidade de apontar aspectos bases.
Um dos entrevistados, em 38 anos de experiência profissional, considera que
a música tem um papel fundamental nas produções audiovisuais sendo de sua
responsabilidade o caráter sensível de toda a produção.

A música é o super ego do audiovisual... a música é o elemento


principal de um documentário, ou de um longa metragem, ou de um
curta metragem...é essencial, sem a música você não atinge o
sentimento das pessoas. Tem que ter a música, porque a música
aproxima... do ápice final de um documentário ou de um audiovisual
e ... mostra a sensibilidade cenográfica.

De maneira geral os entrevistados atribuem à música uma importância


equivalente a todas as demais formas de linguagens utilizadas no audiovisual. E
variar sua importância nas produções fílmicas dependerá muito exclusivamente da
maneira com que o diretor imporá as especificidades expressivas, seja ela visual,
sonora ou outras.

1.1.2 Sobre o termo: trilha sonora

Ao iniciar a entrevista todos os diretores deram ênfase na conceitualização do


termo. E sobre este aspecto todos os entrevistados concordam que “Trilha sonora” é
todo o contexto sonoro desenvolvido no filme: diálogos, ruídos ambientais, efeitos
especiais específicos produzidos em estúdios, ‘como forma de realçar os elementos
ambientais’ e as composições musicais.
Em seguida está a fala de um dos entrevistados:

(...) porque... trilha sonora para mim é todo um contexto de


sonorização do filme. Que vem: o áudio, os ruídos, a música e ... os
aderentes musicais ... Adereços de som. Isso para mim é trilha
sonora, agora: se você me perguntar “musica tema” ai é outra coisa.
Ai em conjunto com o maestro que está compondo a música é feito a
música tema se necessário que a gente coloque de fundo e dá vários
ritmos ... Para essa música tema para a seqüência da ação do filme.

Berchmans (2006) confirma esta relação e explica que “trilha sonora” origina-
se do termo inglês soundtracks, o qual representaria todo o arcabouço sonoro da
produção fílmica: música, diálogos e efeitos. E o termo que representaria mais
22

especificamente a música do filme seria ‘score’, termo adaptado para a língua


portuguesa ‘música original’.

1.1.3 As composições originais

As composições originais foram conceituadas pelos entrevistados como


músicas originais desenvolvidas especificamente para a produção em questão, seja
ela de caráter instrumental, canção vocal, trilhas incidentais ou experimentais.
Para os diretores as composições originais são claramente entendidas como
parte da realização desenvolvida por um encarregado específico, sendo um músico
ou maestro. A idéia que se pretende desenvolver é elaborada através dos interesses
almejados pelo diretor, análise e compreensão do roteiro, bem como horas
dedicadas em assistir o ‘copião’.
Após as fases de gravação é elaborada uma versão audiovisual provisória
(copião), anterior ao projeto final, para revisão de imagens e elaboração de
finalizações, seja dentro dos aspectos sonoros, inserção de caracteres (textos e
gráficos) e outros. Especificamente para as composições musicais o copião auxiliará
em possíveis sincronias entre o andamento musical e as imagens ou mesmo ritmos
próprios que definem e estabelecem as cenas.
Em alguns casos esta versão já contém referências musicais prévias, ou seja,
músicas escolhidas que permanecem temporariamente a fim de mostrar a idéia
musical com material sonoro já existente.
De outra maneira, os entrevistados admitem que, não sendo músicos, apenas
‘bons ouvintes’, a escassez de vocábulos técnicos na área de música pode interferir
na compreensão do pretendido. Desta forma, segundo os diretores, as referências
musicais temporais auxiliam a comunicação com o compositor, que poderá,
possivelmente, utilizar aspectos rítmicos, timbrísticos e demais elementos musicais
como material para o seu processo compositivo.
Os diretores entrevistados apontam que, em algumas experiências vividas por
eles, aceitaram formas sonoras completamente diferentes da idealizada
previamente. Mas que na maioria das vezes a idéia musical é sempre discutida em
conjunto entre diretores, roteiristas e músicos.
23

Diferente da utilização do copião para a composição da trilha sonora, existem


casos, apontados pelos diretores, de composições musicais que precedem as
imagens e outras construídas durante o processo de filmagem.
Todas os diretores entrevistados relatam que cada situação é um caso muito
particular de funcionamento e que seu processo diferencia muito se analisado, o que
justifica mais a diante a abordagem focal que faço sobre a trilha sonora do
documentário “Em Trânsito” (RIVAS, 2007).
Mais especificamente sobre a composição experimental, o maestro Julio
Medáglia (MEDÁGLIA, 2007) acrescenta que o cinema permite mais composições
de caráter experimental do que a própria televisão. E que esta permissão em veículo
televisivo seria responsável pela marginalização das produções; a isso Medáglia
atribui à televisão o fato de pertencer mais a um caráter industrial que o cinema.
Certamente que não podemos generalizar e afirmar que o cinema é menos
industrial que a televisão, uma vez que o próprio cinema norte americano é um
grande exemplo deste acontecimento. Possivelmente, Medáglia refere-se ao cinema
nacional em relação às produções televisivas brasileiras. Assim, concordo que o
caráter mercadológico esta muito mais visível dentro dos produtos apresentados
pela televisão brasileira, se comparado ao cinema nacional. Mas ainda observo
como pesquisadora que, mesmo que timidamente, as novelas atuais (a partir de
2006) parecem investir mais em formas experimentais como recurso sonoro nas
suas trilhas incidentais.
Ainda sobre a música experimental nossos entrevistados apontam-na de uma
forma bem sucinta especificando que filmes, curtas e vídeos sempre proporcionam
mais espaços para criações experimentais e que os documentários, por terem um
aspecto mais ‘real’, devem estudar a utilização destas formas de uma maneira muito
mais cuidadosa.

Experimental sempre tem a sua participação, tem ... abertura para


colocar música experimental... mas como documentarista você corre
um sério perigo, porque o doc é a verdade é o que esta ai. Então por
isso eu prefiro colocar temas regionais, da terra mesmo do que fazer
uma experiência. Agora... desde que o compositor me convença de
que esse tipo de música vale a pena e que vai representar o que eu
quero tudo bem. Há sempre o diálogo. Eu não sou uma pessoa que
a minha idéia tem que prevalecer.. não! A gente tem que discutir.
Quem faz o audiovisual não faz sozinho. Você trabalha com muitas
cabeças. Se você fizer sozinho você nunca vai chegar a lugar
nenhum. Tudo que se faz e principalmente audiovisual tem que ser
24

em parceria. Tem que ter um monte de gente trabalhando junto com


você e discutir. Tem que trabalhar junto e chegar num conjunto. Você
não faz para você faz para o público. Tem que ter sensibilidade de
todos os jeitos.

A fala deste entrevistado foi colocada na integra, pois identifico vários


aspectos relevantes sobre a produção das trilhas sonoras originais para audiovisual,
as quais fazem parte do processo de construção deste objeto de estudo: o espaço
dado a trilha experimental com ponderações aos documentários; a construção de
ambiências sonoras equivalentes a construção de uma suposta identidade local
especificada pelo contexto da obra; a atuação do compositor dentro das posições
ideológicas do diretor, ao mesmo tempo em que são observados espaços
determinados para diálogo entre as partes; a produção em conjunto dos
profissionais de várias especificidades envolvidos no projeto; e a presença do
público como objetivo final, completando o processo de construção da obra.
Todos este fatores estão desenvolvidos ao longo da construção deste
trabalho e possivelmente posso afirmar que eles - além do que considero um dos
mais relevante que é a relação mercadológica entre o cinema e seu público - sempre
afirmarão os resultados das produções audiovisuais.
No caso especifico do público, o objetivo da obra busca-o de modo
determinado, sendo para as grandes massas ou grupos específicos. Neste sentido,
também, as trilhas serão administradas. Músicas mais populares ou experimentais
serão selecionadas conforme o encaminhamento pretendido.
Existem casos da utilização de diversas formas sonoras com o intuito de
mediar as correntes ou tendências musicais expressivas, supostamente porque
pretende sair de um padrão único de produção utilizando-se de mais recursos,
capazes de desenvolver uma pluralidade de idéias musicais e, de certa forma,
agradar aos diferentes gostos.
Neste sentido, a música para o audiovisual poderá acontecer de duas formas
distintas: dentro de um papel utilitário - atendendo aos anseios do seu público, bem
como expressando e afirmando os aspectos visuais; ou interagindo de forma
artística - com a criação de formas próprias de atuação, sejam novas ou re-
elaboradas.
Outro aspecto determinante sobre a produção de trilhas sonoras originais é o
orçamento, considerado por todos os diretores entrevistados. Devido a cortes
orçamentários ou aos baixos recursos monetários para as realizações audiovisuais,
25

os entrevistados indicam dificuldades, por vezes graves, em desenvolver seus


projetos.

Corta tudo! Corta tudo! (a trilha sonora? - pergunta da entrevistadora)


bom... você diminui a trilha sonora. Se você estava pedindo tantas
músicas, com gravações em studio, isso e aquilo, você vai cortando.
Aí você tem que fazer um acerto com o maestro, com o compositor,
e cortar, mas não extrair a música; não tirar aquilo que você tinha
idéia de colocar. Simplesmente diminui. Mas não tira. Não tem como
tirar.

Este “acerto” apontado pela fala do entrevistado é relatado por todos os


outros entrevistados que, em cada situação específica de corte desenvolve suas
trilhas. Dentro disso, é interessante apontar que um dos recursos mais procurados
pelos diretores é a produção de canções.
O custo de uma canção poderá variar conforme o compositor, os direitos
autorais e de divulgação, o arranjo, as horas em estúdio de gravação e o número de
músicos ou instrumentos utilizados. E em alguns casos o músico encarregado da
trilhagem desenvolve estas funções na tentativa de minimizar o custo das
produções.

1.1.4 Imagem-som: pré-concepção

Os entrevistados afirmaram que elaboram a idéia musical, na maioria das


vezes, juntamente com a construção das imagens, ou, em alguns casos,
precedentes a elas. Desta forma, alguns processos de elaboração de roteiro ou
edição de imagens tem músicas originais, ou referências musicais como alicerce do
trabalho audiovisual. Podemos observar esta relação claramente em um caso
específico de um dos entrevistados:

Eu por exemplo terminei um roteiro agora [...] e eu procurei uma


música regional para fazer fundo neste trabalho que eu vou fazer.
Então, já ... essa música eu ouço direto porque ela me ajuda a ...
fazer a história, entendeu?! A música geralmente ajuda muito a fazer
a história. E ... quando a gente não esta escrevendo eu ouço ,
ouvindo a música eu to pensando nela, então ela vai encaixar nessa
cena... o que ela pode me ajudar, entendeu?! Porque é aquela velha
história, quando termina a palavra entra a música. Então você
pensando na música, já sabendo qual é a música que você vai usar
...você... mesmo que você não tenha passado pro maestro, porque
ele pode te apresentar outra coisa melhor, mas dentro do que você já
26

pensou, porque se não vai destoar completamente... você escreveu


pensando naquilo, então tem que ter alguma coisa parecida.

Posso afirmar dentro das falas dos nossos entrevistados que a música tem
um caráter afetivo e imaginativo. Ela tem seu papel afetivo no sentido de aproximar o
ouvinte (diretor) do seu objeto de estudo; e imaginativo, na medida em que os
recursos sonoros são apropriados para a construção de imagens mentais e
figurativas. Durante esse processo e de forma paralela acontecerá a construção do
pensamento linear e, consecutivamente, literal, dando origem as estruturas verbais,
que neste caso é o roteiro.
Sobre o processo de construção sonora paralelo ao desenvolvimento do
projeto audiovisual, um auxílio empregado no trabalho com a música do audiovisual
é a utilização da planilha de gravação com indicação de imagens, texto e
som/música. Segundo o maestro Medáglia, a exemplo de Alfred Hitchcock, eram
utilizadas em suas planilhas de gravação três colunas cada qual definindo os locais
de texto, ação dramática e idéia musical, dando a intenção mais sólida da utilização
e interação entre os elementos do filme.
Medáglia aponta que, no Brasil, são raros os diretores que se preocupam em
detalhar as idéias musicais em cada cena especificamente, utilizando assim a
música com elemento autônomo e narrativo. Neste sentido, ao se trabalhar a música
como mais um dos elementos de narração o contexto fílmico brasileiro ganharia um
componente forte em suas produções.
Dentro da entrevista com os diretores nenhum deles apontou o uso desta
planilha específica como auxilio do processo de produção sonora no ambiente
audiovisual.

1.1.5 Construção de ambiências

Entre as fontes pesquisadas (bibliografias e entrevistas) é comum observar,


em sua grande parte, que os elementos sonoros utilizados nas trilhas seriam
responsáveis por elaborarem um ambiente próprio, objetivando o estímulo de
sensações capazes de interagir com o contexto visual.
Sobre este espaço específico Berchmans (2006) relata que a música
descritiva teve um papel importante na formação musical para cinema. Nas décadas
27

de 1930 e 1940 era comum a presença de composições e orquestrações grandiosas


inspiradas em compositores românticos do século XIX, principalmente em Wagner, o
qual contribuiu com o desenvolvimento do leitmotiv.
Segundo o mesmo autor, esta técnica de eleição de melodias principais – e
posso acrescentar também texturas - como princípios geradores, foi muito utilizada e
ainda é na atualidade, nos momentos em que se pretende descrever personagens e
cenas específicas.
Podemos observar esta utilização conforme os apontamentos a seguir de um
dos entrevistados. Para ele, o produtor musical deve considerar todos estes casos e,
a exemplo, construir uma sonoridade específica para os personagens e suas
características, ou cenas em que se encontram. Segue um fragmento de sua
resposta:

impacto, drama, alegria e tristeza... o sonoro estará retratando o


sentimento que se pretende expressar através das imagens. Como
no caso das novelas... os personagens ou casais principais... os
núcleos cômicos e os dramáticos, sempre terão uma sonoridade que
se remete a ele... Ritmos como o samba, geralmente... expressaram
o malandro... ou o ‘jeitinho’ brasileiro, até mesmo... a mulata
maravilhosa que caminha pela rua.... A gente acaba por se utilizar de
figuras já feitas dentro do campo social... elas serão mais
rapidamente identificadas, porque já são aceitas.

Conforme o diretor, a música será responsável, juntamente com os planos de


câmera, conduzir o público a uma expectativa sobre as próximas cenas, fazendo
com que este participe da trama, dirigindo-o a estados de subjetividade.
Em pesquisa anterior (SANTOS, 2005) afirmo que a utilização de elementos
sonoros na produção de videotapes e mídias integradas são importantes para a
construção do enredo, uma vez que sugerem e estabelecem imagens mentais para
seus ouvintes. Desta forma, a associação da imagem com o som em produções
audiovisuais teriam relação de complementação ou afirmação na construção das
mensagens - herança da música publicitária e da utilização do efeito mickeymousing.
Sogabe (2002) confirma essa relação de sugestão e aponta que tais
acontecimentos ocorreram na medida em que as novas mídias foram sendo
desenvolvidas. Tratando da hipermídia, afirma que as linguagens sonora, visual e
verbal estão tão integradas a ponto de ganhar “forma diferente de existência”
(SOGABE, 2005. p.25), tornando-se, dessa forma, híbridas.
Dentro desse novo contexto Sogabe (2002) diz que
28

as gerações que se formaram nas mídias específicas (...), nas quais


desenvolveram todo um pensamento especializado numa linguagem,
há um impacto maior do que para aqueles que se iniciaram direto na
hipermídia. (SOGABE, 2002. p. 25)

Contudo é difícil pensar em trabalhos que buscam interagir e hibridar - ou


mesmo qualquer forma de relacionamento ou co-existência de linguagens - se estas
não forem delimitadas e discutidas de forma específica quanto a sua existência e
atuação dentro de cada campo específico, servindo como referencial às novas
formas de existência.
Dentro desses indícios podemos possivelmente afirmar que, a utilização de
imagens sonoras pré-conceituadas, instituídas pelo campo cultural, nos ajudariam a
conduzir o ouvinte e focalizar os objetivos de cada produção; como o caso da
utilização de trilhas incidentais com acordes disssonantes induzindo-nos a uma
situação de tensão e informando-nos, previamente, os seguintes e possíveis
acontecimentos.

1.1.6 Musicas, gêneros e enredos.

De maneira geral os entrevistados indicaram a utilização de determinada


equivalência entre músicas – gêneros, sonoridades e outros – e enredos, ou
gêneros fílmicos.
Conforme um dos entrevistados a produção musical em audiovisual também
poderá variar conforme seu gênero - cinematográfico, televisivo, documental, entre
outros; segundo os formatos específicos de duração das produções - em curtas,
médias, longas, minisséries; sua trama - quantidades de histórias narradas; seus
personagens - principais ou conforme o enfoque dado em determinados momentos;
núcleos de personagens, entre outros.
Este pensamento musical é construído através de costumes culturais dos
quais Berchmans (2006) exemplifica-nos: nas décadas de 70 era natural a utilização
de gêneros jazzísticos em ambiente de enredos policiais. Como herança deste
período ele aponta algumas produções atuais como “Matrix” e “Tombie Raider”, os
quais utilizam-se da mesma forma Jazz, mas com nova roupagem baseada em
sonoridades sintetizadas, em samplers, rifs de música eletrônica e demais
elementos integrantes da cultura musical pós-segunda metade do século XX.
29

A eleição de formatos musicais também está presente na construção sonora


das trilhas de filmes. Berchmans (2006), a exemplo, aponta que as sonoridades
manipuladas no filme “O resgate do soldado Rayan” foram tomadas como referencial
por muitos filmes subseqüentes do gênero.
Uma herança muito clara dentro dos formatos instituídos pela industria de
filmes é o efeito mickeymousing, onde a trilha sonora passa a exercer uma função
mais sonoplástica que musical, onde seus elementos descrevem, como os sons
onomatopéicos as imagens visuais.
Para a maioria dos entrevistados, dentro da produção musical, é importante a
compreensão da construção do enredo fílmico, uma vez que este poderá apontar
formas de se trabalhar e de alicerçar a construção sonora no audiovisual. A
exemplo, de forma geral, ele relata que dentro dos filmes classificados como curta
existirá uma única história focada no seu decorrer; nas produções médias, a história
central terá certos obstáculos ou situações inusitadas que se amarram a ela sem
que haja um desfoque frente aos seus objetivos; os filmes de longa duração,
geralmente, se compõem de duas a três histórias que se convergem no fio central de
condução. Dentro do caso mais específico do gênero audiovisual televisivo novela
existirá um grande número de histórias determinadas pelo autor, que resultará num
número infinito de tramas que desenvolver-se-á de maneira diferente; com ápices
que se contrapõem e, não necessariamente, em conversão única, também conforme
o número de histórias e tramas.
Um dos entrevistados ainda especifica que os formatos de cada gênero
poderão, possivelmente, ser alicerces da construção musical para audiovisual, além
das necessidades específicas de cada situação. A exemplo, o diretor aponta que, se
comparada ao formato documentário, a trilha de um longa metragem de ficção seria
“muito mais complexa e rica”.

composta por elementos mais apurados ... por causa das


necessidades que o filme obtém de dramatização... Para os filmes de
ação os ruídos ambientais são mais ricos, são mais utilizados. Para
os filmes românticos as músicas tem um efeito maior.

Segundo este, dentro dos documentários este tratamento aconteceria de


maneira mais simples, objetivando o nível de realidade com que o documentário se
propõe; Em geral, é baseada em trilha de voz - entrevistas e depoimentos -, sons
produzidos pelo ruído ambiental e as músicas. Contudo essa relação também seria
30

dependente dos objetivos almejados para cada proposta de produção. “Depende. Há


filmes que dependem mais da música do que da trilha de voz... há filmes que são
basicamente independentes de som ambientes”.
Esta simplicidade relatada sobre as trilhas sonoras de documentários poderia,
possivelmente, ser justificada, por sua livre produção frente ao mercado. Os
documentários nem sempre são grandes produções destinadas à exibição nos
cinemas ou com qualquer relação direta de venda de produtos ou locação.
Entretanto, me oponho a este fazer sonoro mesmo que os valores do mercado
estejam presentes na produção de curtas e documentários, pois, mesmo estes,
necessitam de formas sonoras elaboradas dentro das suas necessidades.
Apesar de vermos que na atualidade cresce a divulgação de produções do
formato documental para cinema, como o caso de Fahrenheit (2004) e Marcha dos
Pingüins (2006), estes seriam apenas casos isolados, produções embaladas por
grandes investimentos publicitários.
No caso mais específico da Marcha dos Pingüins, este ganhou o Oscar de
melhor documentário, duas indicações pela Academia Britânica de filme e televisão
artística (BAFTA) e quatro indicações ao César, entre eles o de melhor trilha sonora
e melhor som. O que possivelmente posso concluir é que produções que conseguem
uma grande abrangência na área pública e indicações de divergentes academias
são desenvolvidas certamente tanto para o mercado consumidor quanto a públicos
mais seletos.
Volto a afirmar, desta forma, que o direcionamento de público será um dos
objetivos possíveis e determinantes da produção musical para audiovisual. Sua
constituição será direcionada pelos ambientes e gostos próprios dos grupos
específicos que se pretende alcançar. Mas de uma forma mais próxima a esta
produção, esta a visão do diretor, fator decisivo e determinante nas composições
musicais, como especifico mais adiante.

1.1.7 Possíveis elaborações identitárias

Dentro da pesquisa identifico ainda a atuação da música como possível


‘instituidora identitária’. Ela poderá desta forma, em sua medida, descrever e
identificar práticas culturais de grupos específicos, informando aspectos muito
31

pertinentes a estes, ao mesmo tempo em que perpetua e afirma re-leituras do


campo sócio-cultural.
Conforme um dos entrevistados, busca-se retratar através do sonoro,
elementos que apontem a cultura local, uma vez que seja trabalhado filmes ou
documentários regionais ou produções que fazem referência a alguma localidade
específica.

eu geralmente dou trabalho para os músicos porque partindo de um


material regional, você tem que ter regionalismo em tudo.
Principalmente na música que é a alma da cena que eu estou
fazendo. (para retratar esse regionalismo de que forma que o senhor
está fazendo? São estilos da terra...) estilos da terra (instrumentos...)
da terra, da terra, isto! É! ... Instrumentos, se possível instrumentos
regionais, ne´?! Como a viola de cocho entra muito nos meus
documentários. Os instrumentos regionais entram muito como a
harpa paraguaia; que a musica paraguaia influenciou toda a
musicalidade regional matogrossense, por isso muita coisa tem a
música paraguaia por causa disso.

Segundo Campolina (2006) dentro de um estudo sobre a produção


cinematográfica de Vera Cruz, a autora identifica os ideais do movimento
nacionalista nas produções cinematográficas da companhia, através de sonoridades
instituídas como tipicamente brasileiras. E conclui que, mesmo indicado, na época,
como produto de mercado semelhante aos moldes do cinema hollywoodiano, as
criações musicais do cinema nacional apontavam mais que isso: retratos da cultura
brasileira, através de composições baseadas no folclore popular, instrumentos
típicos brasileiros e outros elementos que indicavam as criações nacionais.
A pesquisadora identifica nomes como Radamés Gnattali, Guerra-Peixe e
Francisco Mignone, expoentes do movimento nacionalista musical brasileiro, como
criadores de composições das trilhas de Vera Cruz, atribuindo a eles o aparecimento
dessas características.
Segundo a autora, esta contribuição auxiliou na afirmação da cultura brasileira
da época, emergindo elementos da raiz da música brasileira, como manifestações
folclóricas, danças e sonoridades, e na manutenção destes mesmos simbolismos.
“Observamos caiapós, emboladas, festas folclóricas e ritmos brasileiros, sendo muito
bem representados em vários filmes” (CAMPOLINA, 2006, p.207).
A autora acrescenta que a problemática não esta na utilização do folclore
para a expressão do popular, mas da forma com que ele é tratado:
32

Vemos elementos folclóricos inseridos na imagética, porém esses


elementos algumas vezes estão distantes da realidade. Suspeita-se
da sua autenticidade por essas canções estarem ligadas a uma
imagem correta e cordial, porque a Companhia utilizou-se do estilo
clássico de filmagem. (CAMPOLINA, 2006, p. 208)

Essa indicação pode afirmar o processo de tradução do campo cultural,


indicando-nos possíveis tratamentos ideológicos por parte dos elaboradores do
projeto. Posso afirmar também que esta visão não é, em muitos casos, um processo
consciente, mas apenas uma re-leitura própria do indivíduo ou de grupos
específicos.
Por sua vez um dos entrevistados relata que a atuação da música é um fator
determinante dentro do cinema brasileiro. E que para ele a música identifica e
informa características únicas ao nosso cinema nacional, informando, através da
utilização de gêneros nacionais, como o samba e a bossa-nova, simbologias de um
possível ‘tipicamente brasileiro’. O gênero musical estaria, de certa forma e em sua
medida, fazendo o papel de representante da nação, indicando, dentro de
determinadas eleições sonoras, um possível caráter nacional.

1.1.8 Diretor, roteirista e compositor

Todas os entrevistados bem como as bibliografias apontam enfaticamente a


importância de uma construção sonora e musical através da integração consensual
entre diretores, roteiristas e compositores, ou músicos encarregados, bem como
técnicos envolvidos no processo de montagem e edição, importância esta que
desenvolvo no processo de construção deste objeto.

1.2 Compositores

Enunciado pela frase “segundo sua experiência e seu olhar sobre o tema” os
compositores responderam um questionário específico contendo 10 perguntas
relacionadas a temática “composição musical para audiovisual”, abordando o
emprego de técnicas e métodos composicionais, bem como o processo individual de
criação musical para o referido ambiente. Acredito que esta forma de conduzir as
33

questões, bem como o contato por email direcionou-os, convidando à total liberdade
de resposta.
Mesmo observando uma construção de caráter muito subjetivo, e por vezes
ancorada em conceitos não definidos, as respostas, de uma maneira geral, foram
satisfatória no sentido de desenvolver reflexões sobre os tópicos pretendidos. Elas
são apresentadas no trabalho ora na forma de citação literal, segundo o enfoque
escolhido para responder os questionamentos; ora de maneira parcial ou no tipo de
citação indireta, devido a sua extensão literal.

1.2.1 Problemática sobre o tema

A questão número 01 apresenta-se da seguinte maneira: “De forma geral,


quando se fala em trilha sonora, qual a problemática que envolve o tema?”
Este tópico pretendia conhecer do entrevistado suas relevâncias e pontos
especificados por eles como importantes. Busca introduzir tanto entrevistado como
pesquisador ao tema de uma maneira geral e especificá-los nas questões seguintes.
Dos 06 entrevistados cinco responderam: “dar ao tema o caráter apropriado à
cena”; “da utilização da linguagem da música e dos sons para auxiliar na narrativa
cinematográfica”; “o fato que no audiovisual a música tem uma função dentro de
uma narrativa que define sua existência”; “tema que encaixe ao filme”; “uma música
que faça parte de um filme”. E um entrevistado, apenas, indicou a carência de
verbas, lei de percentual de venda de ingressos e questões sobre o direito autoral da
produção musical.
Para este entrevistado as questões 1 e 2 eram muito próximas. Desta forma o
mesmo respondeu-as em um único tópico sendo:

Apesar do Brasil ter uma extensa lista de composições


originais de trilhas sonoras, desde a época de Villa Lobos, ainda
estamos engatinhando no quesito produção musical.. Claro que
houve um grande salto qualitativo na produção cinematográfica ,
como um todo, e isto se refletiu na parte musical, mas ainda não
temos verba suficiente para que o trabalho seja feito dentro das
necessidades artísticas, paralelamente a um pagamento mais justo
para todos os envolvidos: compositor, músico, etc.
Outra questão séria, e que se arrasta há anos diz respeito a
uma lei internacional que existe em muitos países e que repassa
para o compositor um percentual dos ingressos vendidos. Isto é uma
responsabilidade do exibidor, que descaradamente no Brasil não
34

cumpre a lei , apesar deste valor já estar embutido no preço do


ingresso.
Outro ítem também, diz respeito ao direito autoral: há muita
dificuldade em se receber os valores calculados pelas editoras que
detem a administração da obra do compositor. A não ser quando se
trata de canções já existentes. Há sempre uma confusão entre os
valores pagos. Uma coisa é a composição, orquestração e gravação
original feita para aquele filme, outra coisa é o pagamento,
geralmente no período de entrega do trabalho, dos direitos autorais
referente aquela obra. As dificuldades são basicamente financeiras,
pois temos hoje no país, em toda a área musical uma excelente
tecnologia de ponta, com profissionais altamente qualificados.

Enquanto 05 compositores responderam sobre uma função descritiva da


música no contexto audiovisual, já muito abordado e questionado por bibliografia,
um deles apontou tópicos até então não observados pela bibliografia do audiovisual
brasileiro.
Optei em citar o entrevistado de forma literal, pois observo uma congruência
nos tópicos por ele descritos com o campo prático da minha atuação mais do que
registros sobre estes. Estas indicações aparecem apenas em livros com conteúdo
específico de entrevistas sobre a produção cinematográfica brasileira, como é o caso
do livro de Lúcia Nagib (NAGIB, 2002) sobre o cinema da retomada, que traz
entrevistas com diretores de cinema brasileiros e latino-americanos. Mesmo assim,
especificamente sobre trilhas sonoras nacionais e problemáticas adversas sobre a
produção musical, não obtive informação em nenhuma bibliografia até então
pesquisada.
Dos 05 entrevistados que concordam com a existência de uma narrativa
musical e que este seria o ponto chave de uma possível problemática, mais
freqüentemente apontaram: o domínio da técnica musical, composição, arranjo e
gravação ou mesmo este trabalho ser um problema assim como as demais
atividades no audiovisual.

1.2.2 Dificuldades nos trabalhos com música original

A questão de número 02 busca o apontamento do entrevistado referente ao


trabalho com músicas originais: “Quais as dificuldades encontradas no trabalho com
músicas originais? Se é que existe alguma (técnicas – tecnologias - relações inter-
pessoais, ou outras)”.
35

Um dos entrevistados, respondeu que a problemática sobre trilhas e as


dificuldades encontradas no trabalho com trilhas originais são decorrentes da
carência de verbas, leis e regulação de porcentagem de ingressos e re-passe das
verbas adquiridas sobre a venda da obra.
Os demais compositores responderam aspectos diferentes como: “estar
preparado para manipular (...) e oferecer uma dimensão sonora que reintere o
desenvolvimento dramático exposto”; “a relação diretor/compositor, tanto do diretor
que tenta mostrar ao músico sobre quê trata o seu filme (...) tanto da resposta
musical”; “a criação (de trilhas originais) depende da criatividade e seu objetivo é a
comunicação”; e “ajustar a música ao tempo do filme (...) a música tem que ser
alargada ou picotada para encaixar”.
Os apontamentos convergem, de uma maneira geral, na manipulação sonora
em detrimento do roteiro das imagens e as necessidades criativas como
imprescindíveis para a execução do projeto. Contudo, tanto os dados bibliográficos
quanto os entrevistados mostram estes itens de forma abrangente, indicando o
problema e as dificuldades, mas sem adentrar em aspectos que solucionem a
questão.
A última citação “a música tem que ser alargada ou picotada para encaixar”
aponta aspectos técnicos que influenciam a criação musical das trilhas originais e é
abordado em tópico mais adiante.

1.2.3 Métodos de composição

Neste tópico busco do compositor seu processo específico composicional


através da questão “Você utiliza algum método para compor?”.
As respostas foram muito diversificadas, na medida em que este aspecto é
inerente e exclusivo de cada profissional da área. Desta forma acho devidamente
correto citá-los de maneira integral, comentando a seguir.

- Componho, conforme já expliquei, para os personagens e cenas,


não tenho um método específico, isto depende da trilha, do estilo,
etc.
- Sim. Primeiramente a criação do que eu gosto de chamar de
ambiente sonoro apropriado. Pode ser uma melodia, uma seqüência
harmônica ou apenas uma pulsação rítmica. Após a criação este
material deve ser manipulado, utilizando técnicas de sincronismo e
36

de composição que permitam à música cumprir a sua função de


oferecer o contraponto desejado pelo diretor do filme.
- Acho que só há um método: ouvir o diretor e ver inúmeras vezes as
imagens, ler o roteiro, mergulhar na obra e rezar para que uma idéia
musical caia do céu, quando e onde não se sabe... E depois,
trabalhar feito um mouro para desenvolver as primeiras idéias e
adaptá-las à montagem das cenas. Esse é o método!
- Cada caso é um caso. Um samba pode ser criado só com uma
caixa de fósforo, uma peça de orquestra só com papel e lápis. Uma
canção pode vir de uma frase. Uma cena pode ser resolvida com o
som de um tubo de PVC.
- O meu método e ficar livre mentalmente, para entrar de corpo e
alma no projeto.
- Método para compor é a inspiração, Graças a Deus, não vivo de
música e não preciso ficar compondo para viver. Se eu precisasse, aí
talvez tivesse que desenvolver algum método. Quando se vive disso,
às vezes é preciso forçar, a inspiração nem sempre fica bom. Agora,
um argumento, uma história, uma imagem, geram inspiração.

De forma geral cada compositor observou o método como uma forma de


exteriorização musical muito própria e inter-ligada ao ambiente para que irá compor.
E isso é observado em falas como: “componho para personagens e cenas”, “cada
caso é um caso” e “entrar no projeto”.
Tópicos referentes à ‘inspiração’ também apareceram nas respostas como:
“rezar para que uma idéia musical caia do céu, quando e onde não se sabe” e
“Método para compor é a inspiração”. Mas mesmo assim estas respostas fazem
parte de todo um processo reflexivo sobre o processo composicional.
Observo, ao tratar os compositores de forma isolada que existe muito estudo
e dedicação ao projeto; bem como domínio de técnicas e estruturação musical, que
o compositor necessita antes mesmo da execução deste. A ‘inspiração’, desta forma,
seria um suposto ‘segundo alicerce’ em algum momento do processo; ou mesmo
uma maneira de iniciar um trabalho já de bases sólidas nas questões musicais.

1.2.4 O auxílio das técnicas composicionais

Este tópico refere-se a pergunta de número 04 que consistiu em saber do


compositor qual a relevância das técnicas composicionais para a produção de trilhas
sonoras, sendo: “Você acredita que as técnicas de composição auxiliam na
produção de trilhas sonoras?”
37

Apenas um entrevistado apontou os recursos técnicos como fundamentais


para a elaboração sonora: “Não há a menor dúvida (...) Agora, por vezes o
compositor guiado por sua intuição está utilizando técnicas de composição
inconsciente”.
De maneira geral as demais respostas indicaram que as técnicas
composicionais auxiliam na produção de trilha sonora. Contudo, também apontam
claramente que os compositores relevam aspectos precedentes à técnica
compositiva, como: i) os contextos específicos de produção da trilha: “Para cada
caso existem técnicas que se forem bem utilizadas só podem ajudar”; e “Bom,
depende da técnica, depende da composição”; ii) aspectos inerentes do compositor:
“Talento, sensibilidade e qualificação... empatia com o setor’’; “... as idéias básicas
estejam criadas, nada substitui a tradução musical de uma narrativa”; e “Pode até
existir técnicas, mais eu sou muito orgânico”.
Observo na fala dos entrevistados o pensamento de que a construção do
compositor esta formada dentro de uma rede de relações entre sensibilidade –
experiência musical e sonora – habilidades – técnicas. Podendo complementar que
esta relação acontece dentro de qualquer função que a música possa exprimir.
A vivência musical afetiva, no sentido de possibilidades afins, proporciona o
despertar sensível para um objeto determinado. Este resultado, por sua vez, está
muito ligado à experiência musical e sonora com que o compositor, antes de vir a sê-
lo, vivencia. Então, somente dentro ou após este processo as habilidades originam-
se como mecanismos estruturados e, neste contexto, a técnica poderá auxiliar. Caso
contrário a mecanicidade do ato torna-se muito evidente e o fazer musical, o qual é o
objetivo principal, pode não acontecer.

1.2.5 ‘música’ e ‘música para audiovisual’, existe?

Este tópico faz referência a pergunta de número 05, onde pretendia saber dos
entrevistados se deveria considerar a música de forma diferenciada caso esta
estivesse em ambiente audiovisual. A pergunta específica foi: “Você acredita que os
conceitos ‘música’ e ‘música para audiovisual’ atuam de forma divergente?”
01 entrevistado respondeu que os conceitos questionados diferenciavam-se
de forma óbvia, contudo ausentou-se em especificar sua opinião. Os demais
38

entrevistados (em número de 05) responderam de forma geral que ‘música é música’
independente de encontrar-se em outro lugar, ou ter funções diferentes para cada
lugar.
Devido as variáveis contidas nas respostas coloco-as na forma literal,
comentando a seguir.

- Música é música, claro que com suas diversas especificações. As


vezes uma belíssima música seja ela instrumental ou canção não se
adequa a uma imagem e as vezes grandes compositores não
compõe uma boa trilha. A música para a imagem pode ter vida
própria, mas precisa ser feita especificamente para aquele filme e
não deve nunca se sobrepor a imagem, personagem, etc.
Paradoxalmente ela pode ser a grande estrela da cena reforçando e
induzindo a intenção do diretor do filme.
- A grande diferença refere-se à função desta ou daquela música. A
música para cinema tem a sua criação e, principalmente, o seu
desenvolvimento alinhado ao desenvolvimento dramático. Já a
música pura tem a sua criação e desenvolvimento de certa forma
livres. Importante salientar um ponto. Enquanto a música é medida
em batidas por minuto, o filme é medido em fotogramas por
segundo. Portanto o elemento comum é o tempo, o que nos
permite sincronizar música e cena. É neste aspecto em particular
que vejo a grande distinção entre música e música para audiovisual,
como você se referiu, mas não sei se chamaria de divergente, no
sentido de opostas, pois há várias áreas em comum.
- Acredito na música como algo que traz o espírito, traz uma palheta
emocional que aprofunda as imagens, traz uma possibilidade de
refletir o estado emocional dos personagens para além das imagens,
essa é a única música possível. O resto é indústria fonográfica
vendendo grupos e canções, clips, etc.
- Música é música, mas o fato é que as vezes certas trilhas
dependem das cenas parar as quais elas foram feitas para fazer
sentido, não vejo isso como divergência mas como características
adicionais.
- De certa maneira apenas. Muitas vezes, quando se faz música para
audiovisual, o compositor não se preocupa tanto com a forma, já que
a música vai ser toda picotada na montagem, e tem a imagem
pontuando ( e vice-versa). Já na música pura, não tem uma imagem
acompanhando, então ela tem que se sustentar por si mesma, e aí a
forma faz muito mais diferença. A questão estética muda. Mas por
outro lado os pontos são muito convergentes também, já que
grandes músicas escritas para filmes podem ser ouvidas
separadamente (como Star Wars), ou grandes filmes podem se
utilizar de música já existente e ficar bom (como 2001).

Juntamente com a resposta sobre os conceitos de ‘música’ e ‘música para


audiovisual’ os compositores proporcionaram exemplos específicos sobre a
diferença entre a atuação da música ‘pura’ e a música no audiovisual.
39

Eles afirmam, desta forma, que a música tem sua utilização diferenciada no
audiovisual, sem propriamente transformar seu conceito existencial. Mas, também,
indicam que esta atuação não é, em grande parte, apenas funcional: o ‘paradoxo’
apontado por um dos entrevistados.
Outro ponto indicado foi a mudança da função musical em detrimento à
indústria da música. O investimento em cantores e grupos musicais, bem como os
modismos resultantes de leituras do campo cultural ou mesmo responsáveis por
influenciar o mercado em constante processo – seja de bens de consumo ou bens
simbólicos – é uma característica muito presente na nossa cultura atual, o que
trataremos mais adiante dentro do tópico especifico sobre ‘canções’.

1.2.6 Processo de composição sobre as imagens

A pergunta de número 06 pretendia investigar a metodologia utilizada pelos


compositores no processo de composição para imagens através da questão: “O que
busca fazer quando lhes são entregues imagens para compor uma trilha original?”
De maneira geral existe uma cadeia comum apontada por 03 entrevistados
que seria o estudo prévio do roteiro do projeto, desenvolvimento de imagens
musicais mentais e conversas com o diretor, para que a partir de então o processo
de composição fosse desenvolvido, a exemplo da fala de um dos entrevistados:
“Essa é a melhor forma de se compor uma trilha original: ver as imagens, seguir o
diretor, ler o roteiro e ser muito, muito humilde...”.
Contudo, o processo de criação mental de imagens musicais foi apontado em
locais diferentes. Dois entrevistados indicaram-no antes da conversa com o diretor,
ou mesmo antes da leitura do roteiro. Outros dois entrevistados responderam que
pensam no caráter musical somente após todo o estudo feito sobre a temática da
obra, com a leitura do roteiro e a conversa com o diretor. E mais outros 02
entrevistados apontaram apenas um aspecto de relevância, compreendido por mim
como processo criativo próprio de cada compositor, identificado nas falas: “Descobrir
seu ritmo”; e “Minha musica meu trabalho é muito visual (...) eu prefiro compor para
o tema”;
Desta forma quando estes compositores recebem imagens para compor
música sobre elas, levam em consideração toda a informação e comunicação
40

temática que a imagem transmite para que, a partir disto como referência, criem os
aspectos musicais.
Um dos entrevistados proporcionou-me a seguinte resposta:

Não sei se entendi a pergunta. Imagens de que tipo? Fotografias?


Trechos de filme? Pinturas? Tudo pode servir de motivo, é uma
questão de emoção. Entrar em consonância com uma imagem,
saber tirar o sentimento dela, te dá um parâmetro para fazer uma
música. Se houver uma indicação dramática é mais fácil.

Apesar de falarmos sobre música para audiovisual, acredito, realmente, que a


elaboração da questão deu uma amplitude generalizada para o tema. Contudo,
acabo percebendo neste compositor o processo reflexivo sobre as imagens e sua
relação com a música. Que a forma da sua natureza (imagem) proporcionará formas
perceptivas diferenciadas e, conseqüentemente, resultados musicais específicos.
Quando o entrevistado completa sua reflexão “Se houver uma indicação
dramática é mais fácil”, apesar de não aprofundar sobre as informações dramáticas
e o porquê destas serem mais facilmente trabalhadas com música, posso, afirmar
que este acontecimento devido a possibilidade das imagens dramáticas informarem
mais a respeito delas mesmas. Neste sentido, observando-se o contexto das
imagens a música comunicaria relações mais próximas ou reais a estas.

1.2.7 As músicas de caráter sonoplástico

Muito se questiona sobre a utilização das músicas descritivas e de técnicas


como mickeymousing, gerando por vezes polêmica em torno do tema. As críticas
baseiam-se em que estas formas musicais dariam à musica um caráter mais
funcional, subjugando-a a outros elementos que não a linguagem autônoma em que
ela atua.
Desta forma a questão 07 busca esclarecer sobre a utilização destes recursos
na produção de trilha sonora original. A questão apareceu da seguinte maneira:
“Sobre as músicas descritivas, ou as de herança da técnica mickeymousing, qual é
sua opinião na utilização destas em ambiente audiovisual?”.
De forma geral não observei preconceito nenhum na fala dos entrevistados.
41

01 entrevistado não respondeu a questão; 01 respondeu que “...essa não é a melhor


maneira da música ajudar a narrativa cinematográfica” e complementou a sua
posição:
a música tem que, como linguagem acoplada ao audiovisual, ajudar
a contar a história de que trata o filme, ou seja, auxiliar a narrativa
através da soma de emoções, sublinhar sentimentos, sublinhar ação,
estabelecer pontes de interligação entre imagens, entre espaço-
tempo.

Os demais entrevistados (04) responderam que dependendo da situação


estes recursos podem funcionar de forma satisfatória “se (...) ancorada em uma boa
trilha incidental” e “orquestrações complexas”; ou mesmo resultar em grandes
tragédias. “Podem funcionar muito bem ou podem ser desastrosas. Não é pela
técnica que se julga, mas pelo resultado”.
Neste sentido observo pela fala dos entrevistados que a utilização da música
descritiva e da técnica mickeymousing é apenas um dentre tantos recursos utilizados
para expressar e exteriorizar o material sonoro produzido para audiovisual. E que os
resultados serão variáveis de acordo com a utilização do material sonoro e não
simplesmente de um determinado emprego técnico. Mais uma vez identifico a
relevância em consideração aos objetivos centralizadores do projeto audiovisual:
eles proporcionam e indicam a forma com que este material sonoro será
desenvolvido.

1.2.8 Canções e músicas já existentes

Este tópico faz referência a pergunta de número 08 que busca saber dos
entrevistados duas situações distintas: A primeira sobre a utilização de canções
encomendadas que farão parte da trilha original; e a segunda questão é sobre as
músicas compostas para outros fins que acabam participando da trilha sonora. A
questão foi estruturada da seguinte maneira: “E as canções encomendadas? e as
músicas já existentes que não foram feitas para o filme, mas que, mesmo assim, são
aproveitadas por eles?”
Esta pergunta é uma extensão da questão número 07 (“Sobre as músicas
descritivas, ou as de herança da técnica mickeymousing, qual é sua opinião na
utilização destas em ambiente audiovisual?”). Este questionamento foi lançado uma
vez que o objeto de estudo do próximo capítulo será a trilha sonora do documentário
42

Em Trânsito (Rivas, 2006), o qual é composto essencialmente por canções


encomendadas e músicas já existentes, escolhidas pelo diretor para participar da
trilha sonora desta produção. Dentro disso, era importante saber o ponto de vista
dos entrevistados referente à utilização destas formas composicionais dentro do
ambiente audiovisual.
Um entrevistado não respondeu a questão e as respostas obtidas foram:

- Bem escolhidas funcionam como um plus, mas como disse sempre


dentro e quando são de um conceito musical estabelecido pelo autor
da trilha.
- Se utilizadas em exagero transformam o filme em uma coletânea de
videoclips, prejudicando a sua unidade e interferindo de maneira a
prejudicial no desenvolvimento dramático.
- Talvez enquanto elemento histórico, com ótimas exceções e todas,
sem dúvida, quando alguma coisa na canção possui narrativa
idêntica ao áudio-visual, na letra, em alguns acordes, em notas
musicais, etc.
- Como dizia Tom Jobim, música é sempre encomendada. E trilhas
sonoras que utilizam músicas já existentes são muito comuns e
podem ser muito eficientes. Se utilizam da memória afetiva que as
pessoas tem de uma música ou de um gênero musical.
- Canções encomendadas são como qualquer trilha sonora
encomendada, também são feitas sob medida e também
representam uma determinada idéia no filme, normalmente resumem
uma idéia central ou traduzem um estado de espírito do personagem.
Não é muito diferente do que uma novela faz atualmente com as
canções. É uma herança wagneriana. E, neste quesito, usar músicas
já existentes é válido da mesma maneira. Se houver uma música que
se encaixa perfeitamente no espírito de um filme, ou numa
determinada situação, seu uso pode ser tão eficiente quanto
qualquer trilha encomendada. Vide 2001. Mas claro, há o risco de
banalizar, redundar, etc.

As respostas desta pergunta se comparadas a questão anterior procedem da


mesma maneira. As canções encomendadas e as músicas já existentes, quando
bem utilizadas, podem auxiliar a narrativa audiovisual ou mesmo transformarem-se
em momentos deslocados do filme, a exemplo dos “videoclips” – caso este não seja
o objetivo da produção.
Em qualquer uma das escolhas, adequá-las às sonoridades musicais utilizada
no filme, como indicado na primeira citação, é realmente a forma mais interessante
de estruturá-las. Desta maneira, elas estarão integradas ao contexto sonoro-visual
que a produção desenvolve.
43

Outro aspecto interessante apontado por um dos entrevistados é: “Se utilizam


da memória afetiva que as pessoas tem de uma música ou de um gênero musical”.
Este recurso é muito utilizado e faz com que o espectador tenha uma afinidade
imediata com a obra. E, possivelmente, podemos afirmar que é uma maneira de
utilizar a música como informante de mensagens específicas. Mais um provável
indício da utilização da música como meio, servindo como campo de ação que
abrange significados compartilhados.

1.2.9 Sobre o processo de materialização das idéias musicais

A questão faz referencia mais uma vez à metodologia e técnica empregada


no processo de criação. Contudo, ela pretende especificar a utilização de formas de
grafia, sonoridades e instrumentos utilizados pelos compositores para exteriorizar a
idéia sonora e desenvolvê-la. A questão de número 09 é: “Dentro do seu processo
de criação como você utiliza a grafia musical, os sons acústicos, samplers entre
outras formas de materialização musical?”.
01 entrevistado respondeu de forma sucinta: “tudo é possível acústico
eletroacústico depende do projeto”; Os demais descreveram a utilização e o
processo por qual passa a produção musical.
Todos os entrevistados responderam que escrevem de alguma forma suas
composições. As vezes à mão ou utilizando-se de recursos tecnológicos, como
forma de registro e leitura. Mesmo assim, um dos entrevistados indicou a
importância das conversas entre compositor, ou o responsável pela trilha, com o
músico na hora da gravação proporcionando informações excedentes à partitura.
Gravações em MIDI são utilizadas como recursos para a produção e ajudam
o desenvolvimento da idéia musical em relação aos sincronismos utilizados nas
cenas. 02 entrevistados apontam esta relação:

- Eu escrevo o arranjo no Finale [programa para partituras], depois


gravo tudo com samplers que depois serão substitídos pelos
instrumentos acústicos e finalmente gravo a orquestra. Gravando os
samplers via MIDI eu posso ouvir o arranjo no tempo exato da cena e
fica fácil gravar a orquestras.
- Sim, escrevo música na pauta, com notas, geralmente no Sibelius,
ou às vezes à mão mesmo. O Sibelius ou outros programas de
escrita musical são úteis porque permitem que se ouça, ainda que de
44

uma maneira limitada, como vai soar o conjunto. Quando se escreve


música para conjunto, é difícil ter noção de todos os resultados. Ou
se ouve tão bem que o próprio compositor consegue reduzir ao
piano; ou é bem mais difícil, e daí é útil um programa assim.

Com relação a utilização das sonoridades no audiovisual 02 entrevistados


apontam mais especificamente:

- Os sons acústicos são fundamentais, mas dependendo do que trata


o filme, pode ser preferível usar sons sintetizados, sem escondê-los,
não é um sint [sintetizador] imitando um violino, é um som de
sintetizador e pronto e assim por diante (...) a prioridade a sons
acústicos ou sintetizados vem da necessidade e da “cara” do projeto.
- Utilizo toda a tecnologia a meu alcance na gravação e gosto de
música eletrônica que soa como tal e não quando tenta soar como
cópia da acústica.

As entrevistas mostram a importância fundamental de compreender diversas


e diferentes técnicas para que sejam utilizadas como recurso. Acredito, desta forma,
que o material sonoro resultante sempre será as experiências anteriores
proporcionadas pela vivência musical do compositor.
Os entrevistados ao serem questionados sobre as técnicas que utilizavam
priorizaram uma sensibilização sonora anterior a qualquer forma de exteriorização
(pergunta de número 04). Vejo neste ponto que se questionados sobre determinados
aspectos técnicos são profissionais reflexivos e conhecedores de dois campos muito
próximos e inter-relacionados que são a música e o audiovisual. Isso possivelmente
ajuda a concluir que, não apenas a sensibilidade musical auxilia na produção
musical para audiovisual, mas as ferramentas que lapidam este material - seja ela
defendida por correntes musicais ou ‘descobrimentos pessoais’ - ajudarão este
desenvolvimento.

1.2.10 Apontamentos finais

O último questionamento feito aos compositores foi: “Existe mais algum


apontamento que gostaria de levantar sobre o tema?”. Esta frase foi acrescida como
última linha às questões enumeradas de 1 a 9. A intenção era deixar à critério do
entrevistado a elaboração de algum tópico excedente às questões anterior.
45

03 entrevistados não fizeram nenhum apontamento; 01 respondeu ser


suficiente; 01 respondeu que não existia mais nenhum apontamento sobre o tema,
pois o questionário havia abordado “as áreas mais importantes de maneira
competente”, refletindo a seguir sobre a sua atuação “espero ter contribuído”; e 01
entrevistado agradeceu a oportunidade de participar da pesquisa.
De maneira clara, observo que nenhum dos entrevistados acrescentou nada
além dos questionamentos abordados pela pesquisa. O que considero apenas uma
possível exaustão momentânea à temática.

1.3 Dados bibliográficos

1.3.1 Recursos tecnológicos

Quanto a utilização de recursos tecnológicos como o samplers no processo e


criação de trilhas, Berchmans (2006) aponta como sendo um auxílio aos
compositores. Uma vez que estes passam a projetar suas trilhas em computadores
será muito mais fácil que o diretor compreenda o produto final, sem a necessidade
de imaginá-lo.
O autor ainda indica que após a aprovação do diretor, através da matriz
sonora sampliada, é que a trilha sonora irá para sua gravação definitiva. Neste
processo ainda poderão acontecer várias mudanças e adaptações musicais
buscando seu melhor desenvolvimento aliado à imagem.
Possivelmente observo duas grandes questões: se por um lado esta técnica
auxilia a produção musical, por outro analiso este fator como um possível agente de
redução de escutas, uma vez que, em situações de contenção de gasto a produção
utiliza-se das versões em samplers como trilha definitiva.
A escuta musical, neste sentido, procede da ausência de juízo sobre suas
qualidades e fazeres sonoros. Uma coisa seria utilizar conscientemente as formas
expressivas dos sons sintéticos; outra utilizá-los em substituição dos sons acústicos.
Não coloco aqui uma questão de atribuição de valores entre sons ‘melhores’ ou
‘piores’, mas um questionamento reflexivo sobre os objetivos da produção sonora
em um determinado ambiente. O responsável por ela deverá compreender e optar
por escolhas conscientes.
46

Como exemplo dessa utilização os compositores entrevistados mostram


claramente suas posições sobre a utilização de sons acústicos e sintéticos.
Verdadeiramente, para eles, uma propriedade sonora nunca será a outra, mas elas
podem atuar perfeitamente em consonância sabendo sobre suas características
reais e utilizando-as como tais.

1.3.2 Técnicas

Com relação a técnicas empregadas no audiovisual, estas, possivelmente,


podem afetar o resultado de todo o processo composicional. Dentre todas
destacamos o processo de mixagem e a edição.
Sobre a mixagem, no momento em que a trilha sonora entra no estúdio de
gravação, já em fase de pós-produção, seus responsáveis, ou seja, responsáveis em
regular volumes e qualidades sonoras de trilhas em relação à sonoplastia e som
ambiente, bem como demais tratamentos referentes ao áudio, acabam, em alguns
casos, modificando o resultado final da composição musical. E com um breve
exemplo esclarecedor Berchmans (2006) descreve o ocorrido:

O compositor Mychael Danna conta que, na mixagem da música do


filme 8MM (1999), ‘certamente todos os interessantes elementos
marroquinos desapareceram porque os engenheiros da mixagem
acharam seu som muito estranho. Eles simplesmente disseram que
diabos é isso? Está interferindo com o som da chuva. Sua percussão
está distorcida, cara’. (BERCHMANS, 2006 p. 170)

Um processo semelhante e determinante de versões finais trágicas, também


poderá acontecer dentro da fase de edição do vídeo. Segundo Berchmans (2006) é
comum a observação de trilhas recortadas, ou mesmo retalhadas, com emendas em
lugares imprevisto, e músicas não especificamente compostas para aquele contexto,
mas que são inseridas no processo de edição.
Identifico também a utilização de “referências temporárias” na seguinte
citação:

Certos diretores já tem idéia precisa de que tipo de música eles


gostariam de ouvir em determinadas cenas e outros estarão
plenamente abertos para sugestão. E nessa montagem, muitas
vezes, o diretor e o editor (ou, em produções maiores, o diretor
musical) utilizam-se de referências temporárias para facilitar a
comunicação com o compositor. (BERCHMANS, 2006 p. 33)
47

As referências temporárias são músicas escolhidas pelo diretor, ou pelo


responsável, que possam retratar o ambiente final almejado. Contudo, questiono: a
composição resultante de referências musicais poderia gerar clichês? Até que ponto
o compositor teria liberdade para criar sob o julgo referencial? As referências
temporárias seriam um julgo?
Aponto neste contexto a imprescindível importância da compreensão do
pensamento musical, desde sua gênese passando pelo seu desenvolvimento até
chegar no trabalho final. Neste sentido, diretores, produtores, compositores e
técnicos, bem como os demais responsáveis pelo encargo, precisam compartilhar de
idéias que apontem para um mesmo pensamento, onde cada um, em sua medida,
contribua compreendendo as idéias individuais do processo e o todo coletivo
resultante.
Há de se pensar em formas criativas de construção sonora, as quais
ultrapassam os níveis de estereótipo, proporcionando ao receptor a música do filme
como um processo de percepção. O material sonoro, neste sentido, extrapola sua
atuação como mero veículo condutor de informações. Ele seria, por sua vez, um
campo de escutas possíveis, objeto a ser delimitado pela percepção e pelas
riquezas perceptivas da construção coletiva. Novas formas de se fazer e escutar
seriam parte integrante deste processo, abrindo o campo e conduzindo a trilha
sonora para locais de descobrimento.
Desta forma, não apenas as imagens e o roteiro estariam em patamares da
imprevisibilidade, como comumente os filmes são, mas a música indicaria em sua
medida para o campo auditivo, também, sua forma de existência em planos1
perceptíveis e únicos comparáveis ao valor artístico: seu sentido singular - resultante
do caráter de instabilidade e irreversibilidade - possivelmente atribuir-lhe-ia o caráter
de obra de arte.

1.3.3 O diretor

O principal gerenciador das sonoridades em ambiente audiovisual, conforme


Berchmans (2006), é o próprio diretor, ou um profissional designado por ele, ficando
a seu encargo e responsabilidade integral dos projetos desenvolvidos na área. E em

1
Podendo ser compreendido como ‘locais específicos’ ou ‘foco de percepção’, sem a atribuição de níveis
hierárquicos.
48

alguns casos, o autor ainda aponta que o compositor se torna um “secretário


musical”, apenas assessorando os pensamentos musicais do diretor.
O mesmo autor aponta que o papel do compositor, neste sentido, torna-se
penoso e árduo, requerendo inteligência, criatividade e paciência para a construção
do produto musical e, acima de tudo, sua estadia e manutenção no ambiente
profissional.
Medáglia (2007) é incisivo ao indicar que a palavra final é a do diretor em
qualquer das situações, e um bom diretor teria a consciência plena da utilização da
música em suas produções, o que facilitaria a atuação do compositor, auxiliando-o
em produções mais estruturalmente ricas. Contudo, na maioria dos casos, os
conhecimentos específicos do diretor sobre música são poucos, o que dificultará o
diálogo entre diretor e músico. Caso isso não aconteça, o músico poderá, em certa
medida, auxiliar a produção.
O autor aponta que existem, ainda, casos que são importantes a presença e
acompanhamento do roteirista, diretor e compositor atuando juntos. Isso facilitaria a
compreensão sobre aspectos globais e específicos da utilização da música para as
imagens.
Os diretores e compositores entrevistados também são enfáticos quando
falam sobre o assunto, afirmando realmente que, mesmo com diálogos ou aberturas
e acesso a novas criações sonoras, o diretor é sempre o representante final,
elegendo e atribuindo papéis às linguagens utilizadas na produção audiovisual.

1.3.4 Divulgação do produto nacional e dificuldades encontradas

Observo a ausência de materiais específicos sobre a produção de trilhas


sonoras do cinema nacional. Obtive muita dificuldade no processo de coletagem
bibliográfica, resumindo-se, por vezes, em artigos e entrevistas espalhadas pela
Internet.
A exemplo das teorias sobre cinema, coleta de som e processos históricos,
estes são materiais que geralmente encontramos sobre o cinema norte-americano; e
mesmo dentro destes aspectos muito falta falar sobre o cinema nacional.
Os aspectos musicais – composicionais - utilizados no cinema, de forma
freqüente, são dissolvido em linhas gerais dentro das obras existentes. Além da falta
49

de materiais que apontem as sonoridades das composições próprias do audiovisual


(CD, DVD e partituras).
Sobre este aspecto Medáglia (2007), enfaticamente, responde “Não acha nem
Villa-Lobos, você quer achar musica de cinema?!”. Este apontamento feito pelo
compositor indica as realidades da música no Brasil: não é apenas a música do
cinema que marca sua atual ausência, mas a própria música do nosso país, que
apesar de riquíssima ainda aparenta-se pouco conhecida.
O resultado desta situação direciona-nos a ausência de estudos mais
aprofundados sobre o assunto, ou mesmo a apontamentos críticos sobre este fazer.
Contudo, devo ressaltar que há pesquisas científicas realizadas por alunos de
graduação, mestres e doutores que levantam essa problemática, a exemplo de
Carrasco (1993), Eikmeier (2003) Neves (2004), Campolina (2006), além de muitos
outros, abordando os aspectos musicais dentro da narrativa cinematografia e toda
sua problemática. Além dos diversos cursos técnicos, graduações e doutorados
espalhados pelo país que, mesmo não específicos em ‘música para audiovisual’,
proporcionam o direcionamento para o campo, a exemplo do mestrado/doutorado
em Multimeios oferecido pela Universidade de Campinas.

1.3.5 Uma narrativa musical?

Julio Medáglia (2007) aponta que no Brasil ainda tem muito para ser feito nas
produções musicais para audiovisual. O maestro relata que, dentro da sua
experiência profissional, existe uma diversidade de diretores que, mesmo sendo
reconhecidos pelas idéias e produções bem elaboradas, não sabem como usar a
música dentro de uma narrativa que se imagina. Sobre o estudo específico da
música para o cinema o compositor expõe:

levantar estar bola, neste contexto, aqui, onde se projeta filme, onde
se põe a música no palco, onde se debate, onde se traz os autores,
os diretores e todo mundo se discutindo, eu acho que, realmente, é
uma forma de valorizar a trilha sonora de um filme e, ao mesmo
tempo, contribuir para que futuramente os novos diretores possam
ter uma consciência melhor de como usar o som com efetiva
narração, e não como uma glabolização daquilo que a imagem... que
o texto já mostra. (MEDÁGLIA, 2007)
50

O interessante é que da bibliografia pesquisada, e em grande parte dos


entrevistados, observo uma forma consensual de “conduzir a música de forma
narrativa” dentro das produções audiovisuais. Contudo, de que forma a música seria
“narrativa”? De que forma estaria estruturada a ponto de desenvolver uma narrativa
apropriada ao contexto visual?
A palavra “narrativa” nos aponta a duas situações: ‘narrativa’, no sentido literal
da palavra, como responsável sobre uma descrição específica, dentro de um
contexto semântico e sintático; ou como ‘narrativa’ dentro do seu próprio caráter
existencial: a música como linguagem autônoma e mantenedora de relações
próprias, liberta de julgo estruturalista decorrentes das expressões verbais utilizadas
para descrevê-la.
Este seria um fato crucial dentro dos estudos sobre a relação da música com
demais formas de linguagem existentes. Como abordar sobre o assunto através da
construção de vocábulos verbais sem este influenciar com palavras e suas cadeias
sígnicas?
Desta forma, a “narrativa musical” indicar-nos-á sempre o sentido dúbio, o
campo problemático de sua existência. Devemos lembrar sempre que a narrativa
musical desenvolver-se-á de maneira diferenciada, na medida que possui sua
semântica autônoma e de caráter não denotativo. Mas que acima de tudo, ela,
dentro do audiovisual, não pode ser vista como uma narrativa isolada. E sobre a
narrativa audiovisual, não deve se levar em conta? As linguagens empregadas no
audiovisual fazem parte de uma única narrativa, tendo seu princípio na narrativa
fílmica.
Segundo Carrasco (1993) esta discussão surgiu muito paralelamente com a
inserção do som no cinema mudo, na década de 30. Teorias, textos e críticas
começaram a surgir como forma de explicar a utilização das sonoridades, tanto
dentro da relação fílmica, quanto a música do filme frente a produção comercial.
Contudo, estas avaliações para a época eram muito recentes.
O autor aponta, ainda, que a prática de montagem proporcionou muitas
experiências que apontaram à junção das similaridades entre som e imagem
destacando aspectos de pulso e ritmo.
De forma geral estes princípios eram baseados no relacionamento dos
aspectos musicais com as imagens: crescendos musicais com imagens
aproximando; decrescendo com imagens retrocedendo; pulso musical e ritmos
51

correspondentes às velocidades de imagem (câmera rápida ou lenta) ou cortes de


edição, entre outros. Conforme Carrasco (1993) estas correlações proporcionaram
em décadas posteriores princípios estéticos para a música no cinema. E na
atualidade, mesmo sendo técnicas rudimentares são muito utilizadas.
Carrasco (1993) aponta que Eisenstein, ainda na década de 30, teria
oferecido ao tema relações muito importantes para o desenvolvimento de reflexões
sobre a música em ambiente fílmico. Contudo, muitos aspectos dessa problemática
não foram abordados e, durante os anos que o sucederam, ainda permanecem
desconhecidos.

Einsenstein possui os méritos de ter percebido que o cinema e a


música são correlatos, enquanto linguagens temporais e quanto aos
princípios de construção de seus discursos; a partir desse
desenvolvimento temporal, ele incorporou o conceito de ritmo na
articulação filmica [...] e acreditar nas possibilidades narrativas do
som e, especialmente, da música no cinema. [...] suas grandes falhas
foram [...] ter acreditado que houvesse um sistema de correlações
absolutas entre som e imagem [...] Em segundo lugar, Einsenstein foi
infeliz em sua opção pela supremacia do aspecto plástico, pictórico,
em detrimento da temporalidade, do ritmo, da articulação fílmica e da
progressão narrativa. (CARRASCO, 1993 p. 57)

Após este período muitas técnicas de emprego da música foram apontadas


pela bibliografia. “A maioria desses trabalhos apresenta uma síntese das funções
que a trilha musical pode exercer em relação à totalidade do filme” (CARRASCO,
1993 p.58). Contudo, Carrasco acrescenta que essas abordagens proporcionam
uma indicação de que a “música pode servir para...” sem que explique suas relações
dentro da narrativa fílmica. “É como se a música fosse algo que é colocado sobre o
filme, e não algo que faz parte dele” (CARRASCO, 1993 p. 59).
O autor ainda adverte: “Esse é um dos maiores riscos que se corre ao tentar
estudar a música do cinema, de repente, sem que se perceba, estamos falando
apenas de música e nos esquecemos do cinema” (CARRASCO, 1993 pp. 59-60).
Até o momento as estruturas, vocábulos técnicos e conceitos musicais já
estavam bem estruturados dentro da sua respectiva área. Contudo, o cinema
necessitava ainda de estudos que relacionassem a musica dentro do ambiente
fílmico, criando, desta forma, referências a esta nova estrutura.
52

Carrasco aponta que a partir dos conceitos levantados por Claudia Gorbman
é que a música do cinema passa a valer-se também de conceitos cinematográficos.
Segundo o autor este eixo transformador baseia-se em pensar a música como:
- Não diegética2. Desenvolvendo o caráter de invisibilidade da trilha sonora;
- Subordinada “aos veículos primários da narrativa” (CARRASCO, 1993 p.60);
- Possível agente de situações próprias e “enfatizar emoções específicas [...] mas
em primeiro lugar [...] um significador de emoções por si só” (CARRASCO, 1993 p.
61).
- Alusão à narrativa dentro de um sentido referencial “sugestões narrativas e
referenciais, indicando pontos de vista, promovendo demarcações formais e
estabelecendo ambientação e caráter” (CARRASCO, 1993 p.61); e conotativo - “a
música ‘interpreta’ e ‘ilustra’ eventos narrativos” (CARRASCO, 1993 P. 61);
- “Continuidade rítmica e formal – entre planos, em transições entre cenas,
preenchendo ‘lacunas’” (CARRASCO, 1993 p. 61);
- Auxiliando a unicidade formal e narrativa da obra.
Com esses apontamentos podem ser indicados uma gênese dos estudos
sobre o desenvolvimento das linguagens híbridas: o processo de relação e
cruzamentos entre as expressões e linguagens utilizadas no audiovisual; sua
atuação não pode especificar somente um dos campos atuantes; sua forma
especificada, agora, uma nova forma, indica uma nova ação e, conseqüentemente,
novas indicações, vocábulos e conceitos próprios.
Para compreender a relação da música com a articulação fílmica, ou mesmo
de uma narrativa musical presente na linguagem audiovisual, aproprio-me das
considerações de Ney Carrasco (1993) que parte da teoria dos gêneros como
princípio e apreensão da narrativa cinematográfica. A obra cinematográfica estaria,
conforme o autor, identificada dentro dos gêneros narrativo Épico e Dramático.
Na narrativa épica a figura do narrador aparece como voz neutra, buscando
contar os fatos a partir de um certo distanciamento do contexto abordado. “Esse
distanciamento faz com que o narrador se veja em uma condição de impotência no
que diz respeito à sua interferência no objeto da narração” (CARRASCO,1993 p. 68).

2
Não diegético: música que não pode ser identificada na ação. Em contraposição ao termo ‘diegético’ onde são
utilizadas referências da imagem para indicar de onde o som origina-se. A exemplo, uma música ouvida em meio
a uma cena utilizar um dos personagens para ligar o rádio ou mesmo carros de som passar pela cena, são
algumas formas de relacionamento entre som e objeto em ação.
53

Por sua vez, na narrativa dramática o narrador ausenta-se definitivamente do


contexto, deixando que as ações falem por si própria. “Assim pose-se dizer que o
texto dramático tem como objetivo final não a sua leitura, mas a representação, o
espaço teatral...” (CARRASCO, 1993 p.68).
Dentro disso Carrasco relaciona as narrativas literárias distinguindo suas
especificidades dentro do audiovisual:

Na obra literária, de uma forma ou de outra, a figura do narrador


confunde-se com a do autor da obra. No filme, por sua vez, a autoria
está como que diluída entre todos aqueles que participam
criativamente de sua composição. [...] Logo é possível afirmar que o
narrador no cinema é um narrador coletivo. Esse narrador coletivo
objetiva-se surge como uma resultante de todos os elementos
envolvidos na composição do filme. Em suma, o narrador do cinema
é, no plano do narrador, uma abstração. (CARRASCO, 1993 p.71)

Compreendo que, sendo todos os elementos presentes do filme uma


articulação narrativa entre gêneros e narradores, o conceito musical mais próximo
que podemos relacionar a esta situação é o de “Contraponto”. Esta observação é
feita especificamente por Carrasco (1993) baseando-se nos estudos de Eisenstein
sobre a convergência e similaridades da música com o filme (da década de 30). E
muito bem empregada para a compreensão do papel da música na ‘narrativa’
cinematográfica.
Carrasco trata o tema como articulação fílmica distanciando-se da palavra
narrativa e, conseqüentemente, de possíveis prescrições verbais que o termo possa
carregar. Compreendido desta maneira, posso afirmar que o narrador, neste sentido,
passa para a função de ‘sujeito articulado’.
Desta maneira, percebo que, com a idéia de contraponto e de um suposto
‘sujeito articulado’ o narrador ‘abstrato’ parece desenvolver-se mais dentro das
características próprias da flexibilidade. Os elementos presentes na produção
audiovisual – os vários sujeitos - passam a atuar de forma flexível – expondo-se ou
inibindo-se – segundo um fio condutor – a narrativa audiovisual.
As indicações do autor são pertinentes na medida em que entendo uma
possível mudança funcional da música dentro de ambientes externos a ela. Desta
forma, sua mudança signica no audiovisual é compreendida similarmente aos
processos de re-significação cultural. Neste sentido volto a afirmar que o estudo
sobre trilhas sonoras dentro do audiovisual não procede de forma desvinculada dos
54

demais acontecimentos. Eles são simultâneos e precisam relacionar-se de forma


simultânea.

1.3.6 Criação de tendências

Em pesquisa anterior (SANTOS, 2005) observo historicamente que o


desenvolvimento de tendências musicais utilizados na produção de jingles, spots e
trilhas acompanham muito claramente a industria cultural e o modismo da época. E,
dentro de um levantamento histórico, Berchmans (2006) também aponta esta
mesma característica na música para cinema.
A utilização dos aspectos elementares da música popular estará de forma
muito presente e contribuindo para todo o fazer sócio-cultural de uma época, mais
evidente no século XX. A presença de gêneros como o jazz, o reaggetime, o rock,
entre outros tantos estilos populares utilizados na produção de trilhas sonoras
originais, é um indicativo dos meios de comunicação como mediadores das
produções sonoras em audiovisual.
Sobre as sonoridades especificas do cinema, Berchmans (2006) relata que
houve uma época onde se pensou que a era das grandes produções orquestrais
haviam acabado, justamente porque as tendências massivas estavam tomando o
espaço de forma majoritária. Contudo, o autor aponta que o que houve, de fato, foi
apenas uma diversificação de produção, pois mais tarde observou-se que a
orquestra continuava atuando da mesma forma.
Segundo o autor, em determinadas épocas, nota-se mudanças e quebras de
paradigmas na música para cinema de maneira muito evidente. Como exemplo,
Berchmans (2006) aponta este fato na década de 20 e 30, onde as formas e
estruturas das trilhas são baseadas em compositores da música do século XX como
Stravinsky, Bartók, Schoenberg e Charles Ives. Assim como em determinados
momentos da história do cinema é clara a substituição do repertório acústico pelo
sintético, resultado de formas de gravação, reprodução e tendências sonoras eleitas
pela época.

1.3.7 As composições antecedentes das imagens


55

Ao trabalhar-se com as linguagens no audiovisual compreende-se claramente


sobre a importância do desenvolvimento destas para com seus objetivos finais, seja
direcionamento de público, práticas artísticas ou comerciais; E integrá-las de forma
consciente, ao passo que estas possam produzir os efeitos desejados é o maior
objetivo dos estudos sobre suas relações.
Mesmo que algumas fontes indiquem esta importância e que os elementos
utilizados no audiovisual devam partir uns dos outros com certa referencialidade
sincronizada, Ennio Morricone (2007) aponta que algumas vezes já compôs para
filmes antes mesmo de receber as imagens. Dentro destes casos, o compositor
relata que o diretor inspirou-se nas composições, a ponto de tê-la como referência
para a direção das imagens finais do filme, sentindo a música não como alusão ao
movimento, mas sensibilizando-o.
Para Morricone (2007) a música deve ter sua característica própria e uma
função precisa dentro do filme, servindo-o, mas sem perder as características
específicas da criação musical e as contribuições próprias de cada compositor. “A
música com uma fisionomia própria sempre olhando ao filme e tentando fazer aflorar
os sentidos mais profundos que o diretor quer expressar na tela” (MORRICONE,
2007).
Sobre a montagem, sincronia e cortes do filme Morricone afirma que o
compositor deverá evitar que sua composição saliente estes aspectos. A música
neste sentido auxilia estas passagens de forma a lapidá-las, retirando sua
sinuosidade.

O fluir da música vai circundar o filme e, de certa forma, apagar


aqueles cortes que são próprios do cinema, ou seja, da montagem ...
o compositor tem que observar o sincronismo, sem esquecer da
forma musical. Os sincros [sincronismos] deveriam se ver através da
música, ou seja, tentar fazer uma fusão tão grande entre imagem e
música que você vê a música. (MORRICONNE, 2007)

1.3.8 As canções

No Brasil do período cinemanovista, com a queda de recursos para a


produção audiovisual, é comum observarmos freqüentemente o aparecimento de
canções, as quais em sua maioria, são interpretadas por grandes nomes da música
nacional (BERCHMANS, 2006).
56

Esta prática é comumente utilizada mesmo nos dias atuais e levanta em seu
cerne vários aspectos que colaboram a sua perpetuação.
Posso dizer que possivelmente esta saída sana as necessidades
orçamentárias, na medida em que se produz com poucos recursos; mas, acima de
tudo, proporciona uma abertura para o mercado fonográfico e um local de prestígio
conseqüentemente criado para produção audiovisual, na mediada em que as
próprias canções agem como propaganda publicitária dos filmes.

Curiosamente, esse mal ataca normalmente aos estúdios que se


encontram em dificuldades financeiras, talvez porque a falta de
capital provoque uma ‘queda de resistência’ [...] mas, [...] para os
diretores ela se constitui em um grande antídoto para a crise
financeira, pois quando uma canção atinge o mercado, rompe o
limite da tela e ganha o espaço público do rádio, da televisão e do
disco, é possível que ela gere um lucro ainda maior do que o próprio
filme. (CARRASCO, 1993 p. 82)

Neste sentido, tanto o mercado fonográfico quanto o audiovisual compensam


sua evidência. Contudo, o maestro Júlio Medáglia (2007) também justifica o uso das
canções como recursos composicionais por nossa “latinidade”.
Os norte-americanos têm sua formação mais instrumental e o ensino de
música nas escolas regulares facilita esta prática cultural, enquanto que na América
Latina, em termos gerais, não existe esta prática, o que explicaria esta herança forte
das canções em nossas produções fílmicas e demais produções na área.
Aspectos como estes fazem lembrar sobre a importância da formação de
profissionais conscientizados sobre a atuação da música, seu papel e caráter junto
com o conteúdo visual e textual, investigando formas de atuação e desenvolvimento
de contextos; conhecendo não somente as técnicas musicais mais os locais culturais
que realizam-na e onde se inserirão.
A idéia é que a produção musical em audiovisual precisa estar tão integrada
aos demais elementos para que nenhuma linguagem exista de forma autônoma,
formando uma nova criação.
Neste sentido afirmo que esta relação resultará uma dualidade: atuando
separadamente visual do sonoro, sonoro do textual, e conseguinte, estas matrizes
agiriam de forma autônoma e singular. Contudo, dentro do processo de interação
destes elementos, afirmo que há um resultado híbrido capaz de apagar
singularidades e ao mesmo tempo evidenciá-las.
57

O autor Berchmans (2006) ainda aponta que a maior influência na produção


de trilhas sonoras dos filmes brasileiros são as novelas, onde se utilizam de um
formato musical herdado pelo cinema: as canções. Observando este característica
busquei desenvolver um exemplo de caso específico sobre o tema no sentido de
compreender e exemplificar esta relação música-mercado, bem como a utilização
desta técnica como recurso compositivo, uma vez que suas reincidências estarão
presentes na música para audiovisual.

1.4 Um caso específico sobre as canções

Historicamente, a ampliação do campo de produções de músicas para


novelas data do ano de 1969, com a criação do selo Som livre, desenvolvido pelo
Sistema Globo de Gravações Audiovisuais. Contudo a criação de trilhas para
novelas registra-se em uma década antes.
Segundo Xavier (2006) a primeira trilha sonora criada para novela foi no ano
de 1959, para “Trágica Mentira” exibida pela Tv Tupi. Somente em 1965, é que
foram divulgadas as primeiras trilhas através de gravação em disco, contudo, se
tratando de difusão a Rede Globo de Televisão foi responsável pelo pioneirismo de
divulgação de temas compostos originalmente para novelas.
Conforme o autor, a partir do ano de 1976 as trilhas sonoras originais foram
substituídas por músicas escolhidas de forma casual. É nesta mesma época que
começam a distinção entre trilhas ‘nacionais’ e ‘internacionais’. Contudo as músicas
cantadas nos álbuns internacionais eram assinadas por cantores brasileiros, o que
auxiliou também na divulgação internacional destes mesmos intérpretes.
Xavier (2006) acrescenta que Roque Santeiro (1985) foi a primeira novela a
produzir o formato de 02 álbuns nacionais e que, a partir disso, as novelas de
caracteres regionais passam também a adquirir esta mesma especificidade.
Conforme Jimenez (2006), atualmente, o mercado de venda de cds de trilhas
tem passado por uma grande crise. Contudo, o anúncio da estréia de uma novela de
Manuel Carlos é indicação de melhorias para a área, pois além da grande audiência
alcançada pelas suas produções, estas obras trazem ao mercado a expectativa de
elevação dos números de tiragem de cópias vendidas.
58

O setor há tempos amarga uma crise. As vendas da trilha de Cabocla


(2004) não passaram da casa dos 85 mil discos. Senhora do Destino
(2005) foi um pouco melhor, com 300 mil discos vendidos, seguida
por América, que teve 4 discos diferentes lançados, alcançando a
marca das 627 mil unidades. Mas nada comparado com a trilha que
embalou Laços de Família (1999), que passou a casa do 1,5 milhão
de discos vendidos. O CD de Mulheres Apaixonadas (2003), última
novela de Maneco na Globo, chegou à marca de 1 milhão.
(JIMENEZ, 2006)

Será, neste sentido, dentro da afirmação de mercado, que nos referiremos


mais especificamente sobre as novelas de Manuel Carlos e também por
questionarmos sobre o curioso aspecto, centro de nossa discussão: O cotidiano
brasileiro da atualidade poderia ser expresso por uma sonoridade essencialmente
bossanovista? Porque este gênero musical se apresentaria predominantemente
durante uma década? Seria o nosso ‘retrato de brasilidade’? Somos tão brasileiros
quanto a bossanova?
Ao longo de uma década, Manuel Carlos apresentou à televisão brasileira
cinco novelas exibidas pela Rede Globo de televisão, sendo: História de Amor
(1995), Por Amor (1997), Laços de família (2000), Mulheres apaixonadas (2003) e
Páginas da vida (2006).
Como marca forte de sua carreira, o autor traz temas cotidianos, de
responsabilidade social e aspectos gerais, sempre retratando bairros e centros
urbanos, buscando referir-se “a vida como ela é”. Em entrevista, esclarece sobre o
porque da construção dos cenários e personagens trazerem consigo estas
características:

Procuro fazer uma ficção não delirante. Nunca gostei, por exemplo,
de ler ficção científica e realismo mágico, como nunca me entreguei,
nem quando criança, às histórias em quadrinhos. O que me ocupou
sempre foi uma ficção realista ou próxima disso. Escolho um grupo
de pessoas e começo a escrever sobre como elas vivem, o que
sonham, o que conseguem. Faço ficção, mas tenho compromisso
com o verossímil. (MANUEL CARLOS, 2006)

Mais especificamente sobre as músicas que soam priorizadas em seu


trabalho atual (Páginas da Vida) Manuel Carlos descreve:

Como sempre em minhas novelas, a música contemporânea será


privilegiada, com acento mais forte na bossa nova e no Rio de
Janeiro. Isso significa, mais do que qualquer outro artista, que
59

teremos muito Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Para abertura, por


exemplo, escolhi “Wave”, do Tom, executada por ele mesmo no
piano. Sem a letra, sem ninguém cantando. Apenas o Tom, o genial
Tom. Com isso vamos prestar uma homenagem a ele que, em
janeiro próximo, estaria fazendo 80 anos. (Manuel Carlos apud
GLOBO, 2006)

Apesar do autor propor o gênero bossa-nova nesta produção específica,


observo que ao longo de uma década Manuel Carlos relata suas histórias
embaladas pelas mesmas sonoridades e pelo mesmo estilo. As músicas que faço
referências são mais especificamente os temas de abertura de 1995 a 2006: (1995)
Lembra de mim, interpretada por Ivan Lins; (1997) Falando de amor (T. Jobim)
interpretado pelos grupos vocais Quarteto em Cy e MPB4; (2000) Corcovado
(T.Jobim) na voz de Astrud Gilberto; (2003) Pela Luz dos Olhos teus (T. Jobim)
cantada por Jobim e Miúcha; E (2006) Wave, em sua versão instrumental.
Suas principais características seriam o emprego de sonoridades leves, ritmo
marcado por sincopas e percussão, harmonias dissonantes e uma rica elaboração
instrumental estruturada, inicialmente pelo emprego do violão como motivo principal,
seguidamente, o piano.
As primeiras manifestações do movimento bossa-nova ocorreram na década
de 50 no Rio de Janeiro, onde compositores, instrumentistas e cantores
intelectualizados, amantes do jazz americano e da música erudita, tiveram
participação no surgimento deste gênero: unindo ritmo brasileiro à harmonia jazz.
Desta forma uma possível brasilidade se construía através do samba carioca
do morro, tomado como tipicamente brasileiro, e sua junção com o jazz americano,
já transformado em tradição requintada e elitista.
Alguns filmes da produção americana na década de 60 chegaram a empregar
em suas trilhas este gênero musical, influenciados pela beleza de sua sonoridade e
pela descoberta deste em terras ‘exóticas’. Desta forma, a bossa-nova teve grande
influência no cenário internacional e foi responsável pelo retrato brasileiro para os
demais paises durante várias décadas.
Manuel Carlos busca integrar a realidade em suas obras e dentro delas traz a
bossa-nova como eixo condutor. Deparo-me com sua novela (Páginas da Vida -
2006) e observo cenas em galerias de arte, onde se expõe obras de Portinari,
embaladas pela música Wave. Os núcleos e personagens refinados e de maior
poder aquisitivo são sempre lembrados pela bossa-nova. Posso certamente afirmar
60

que esta composição de imagem e som estaria conduzindo-nos a associação das


sonoridades aos lugares, pessoas e modos de vida relatados ali.
Possivelmente que, expressar o cotidiano das favelas juntamente com este
gênero (bossa-nova) seria demasiadamente deslocado, se estudarmos nossa
herança de afirmações de estereótipos. Sua realidade, neste sentido, expressar-se-
ia de uma maneira mais ‘apropriada’ por produções do mercado de consumo, pelo
produto nacional que desponta nas ruas: o funk, o hip-hop, ‘as cachorras’ e como
arte visual a grafitagem.
Este fato é decorrente de afirmações e situações semelhantes que acabam
por veicular formas estereotipadas de percepção e reprodução cultural. Neste
exercício afirma-se cada vez mais idéias e representações figurativas responsáveis
por inclusões e exclusões de conceitos. Contudo, considerando a música como
forma de materialização de idéias que exploram os elementos sonoros, esta deverá
se apresentar em sua construção através da exploração de suas propriedades,
timbrísticas, textuais e demais formas variadas de disposições, não seria capaz de
expressar nenhum sentimento. Ao contrário, ela será responsável somente pela
produção de sensações. Na seguinte citação observamos Santaella (2002)
especificar esta relação:

a música não representa nenhuma servidão de referencialidade nem


de usos pré-determinados, pois ela é feita de configurações em
estado puro, despojadas das misturas adventícias que são próprias
das linguagens que cumprem a função representativa...(a música) na
classificação dos signos de Pierce,é aquele tipo de signo que não
pode representar outra coisa senão puras formas. (SANTAELLA,
2002 p. 44)

O que ocorre de fato é que as idéias musicais materializadas ao produzirem


sensações serão estas as responsáveis por processos de padronização, por valores
estéticos e associações próprias do seu ambiente gerador e passam, com isso, a
expressar um valor representativo e significativo frente ao campo cultural.
Dentro das produções audiovisuais as trilhas sonoras serão associadas aos
demais elementos, imagem e texto. Neste caso ambos estariam ajudando na
atribuição de valores ao material sonoro. E a música estaria atuando como
linguagem neste contexto. Os temas musicais, desta forma, anunciariam cada
personagem, ou o núcleo da cena seguinte e seriam responsáveis também pela
61

propagação e continuísmo imaginativo, na medida que ao ouvi-la, fora do contexto


imagem e texto, mesmo assim associaríamos a estes.
Levo em consideração, também, que o visual seria mais difícil de ser
lembrado ou retratado de forma precisa, até mesmo as palavras. Entretanto, o
musical, mesmo dentro das oscilações fonéticas das frases, permanecerá
memorizado mais facilmente. Pois, as músicas utilizadas nas novelas, assim como
na indústria fonográfica, buscam gêneros, estilos e elementos musicais mais usuais;
fórmulas semi-acabadas que possibilitem a veiculação de informações e significados
que possibilitem o alcance de resultados objetivados.
Mesmo atuando de forma equivocada como informação construída por
estereótipos e funcionalizando sua existência, em determinados momentos do
campo cultural posso afirmar que ela aparecerá dentro desta configuração, podendo
ser visivelmente compreendida nos exemplos sobre o audiovisual: através da fala
dos entrevistados que buscam partir das informações já elaboradas do campo da
cultura para produzirem suas trilhas; através de Vera Cruz, onde os compositores
nacionalistas supostamente retratam um Brasil construído pelo folclore e em direção
a um futuro progressista; através das trilhas utilizadas por Manuel Carlos, que
produzem semi-informação e recebem retornos visíveis do mercado.
Desta forma a Música seria possivelmente um veículo responsável pela
construção e institucionalização identitária de um Brasil homogêneo, ou de
diferentes ‘Brasis’: variáveis determinadas pela elaboração de sons, ritmos e formas,
já instituídos ou os que ainda serão. O reflexo desta relação é identificado pelo
mercado que se apropria para produzir, reproduzir ou transmitir seus interesses,
gerando clichês modeladores, muitas vezes identificados como estética musical
mercadológica: um dos tantos produtos da industria cultural.
Saliento ainda que as produções escritas (livros e artigos) sobre o tema
enfocam técnicas utilizadas na produção e captação de sons ambientes, as quais
têm como seu maior referente o cinema norte americano. E, mais especificamente
sobre a utilização de trilhas sonoras no audiovisual brasileiro, volto a afirmar uma
nítida escassez bibliográfica: o que vemos com muita freqüência são alguns
resumos que pesquisas científicas ainda não publicadas em sua integra, além de
opiniões de profissionais em breves relatos de revistas e artigos publicados pela
Internet; o que faz com que a pesquisa sobre o referido tema ainda se encontre em
situação muito fragmentada.
PARTE II – DAS IDÉIAS AO MATERIAL SONORO
2.0 COMPOSIÇÃO MUSICAL

O compositor no processo de criação utiliza-se de conhecimentos técnicos


para a tradução dos pensamentos musicais ao plano material.
Mais especificamente em música, este processo, chamado por Hindemith
(1969) de transmutação, exige um alto grau de conhecimento técnico, uma vez que
este proporcionará elementos concretos e uma gama maior de possibilidades para
sua materialização. Contudo, mesmo conhecedor das diversas formas de
exteriorização, o processo de transmutação pode sofrer variações em sua
interiorização ou em sua exteriorização.
Em contraposição, determinantes possíveis aparecerão nesta relação. As
experiências, impressões e percepções anteriores aos eventos darão origem a
construção da percepção e do conhecimento musical, que, neste sentido, será
relativamente ligado ao ponto de vista do ouvinte/conhecedor.
De acordo, posso afirmar que o compositor, acima de tudo, deverá vivenciar
plenamente um processo auditivo que possibilite a construção crítica do pensamento
musical. Desta forma, Hindemith (1969) acrescenta que o suporte musical como
estruturas harmônicas, melódicas e estilísticas, proporcionam requisitos à montagem
da obra; e neste processo ou na execução, e ainda na escuta, o indivíduo deverá
buscar a “música como única certeza”, libertando-se de imposições que subjuguem
a música como meio, expressão sentimental, ou ainda termos relacionados à
comunicação. O processo de criação seria, segundo o autor, uma experiência
emocional associada aos sentidos.
A composição musical, desta forma, será estruturada conforme a
manipulação dos elementos musicais - seus motivos agrupados, repetidos,
intercalados, espelhados; o manuseio de sonoridades, ou a representação de
diversas formas timbrísticas - sem que nestes haja um significado além de suas
elaborações materiais.
Certamente que os processos de re-significação podem indicar a utilização da
música como estímulo ou ainda sintoma emotivo, acrescentando à ela elementos
externos; situação vivenciada pela audição feita por receptores e intérpretes
habituais3; as estruturas musicais, por acionarem primeiramente a percepção afetiva,

3
Indivíduos isentos das análises profundas sobre a sistematização musical.
64

remete-nos a lembrança e associações de afeto, sofrendo, assim, processo de re-


significação.
Mais especificamente sobre o processo de criação musical, este, é
desenvolvido por materiais e formas que o compositor inventa para exprimir-se. Por
sua vez, quando estas são trazidas para o campo social sofrem atribuições
valorativas de utilidade ou de significação artística.
Segundo Koellreutter (1984) este tipo de produção é chamada de “Arte
experimental” e não permite previsão de resultados, uma vez que, esta é a
materialização de idéias formuladas4. Para o autor ela apenas se apropria de um alto
grau de profissionalismo e especialização, com o objetivo de “criar novos meios” e
“informar algo novo”. Com isso, cada compositor terá sua forma de estruturação
musical, a qual será determinada por características peculiares da sua própria
poética.
Falar sobre composição musical requer, neste sentido, um pensamento
flexível similar a forma de se pensar as diversidades musicais presentes no século
XX, o que abordo no próximo item deste trabalho.
Sobre este assunto (composição musical), Ferraz (2005) faz uma analogia à
construção de uma casa, onde a matéria prima é o sonoro que se encarregará em
edificar um ambiente específico. E, acrescento a este pensamento que neste novo
contexto (o século XX), os intérpretes e ouvintes fazem parte imprescindível de todo
o processo juntamente com o compositor, tornando-se co-autores.
Conforme Ferraz (2005) falar sobre composição não se trata de construir um
manual específico sobre o tema, mas fazer apontamentos que possam delineá-la e
assim formar um campo sonoro sobre as discussões que envolvem o assunto. O
autor aponta que, na maioria dos casos, existe uma persistência de obras (estudos e
escritos) que desenvolvem discussão, mais sobre os simbolismos na música do que,
propriamente, as possíveis escutas advindas desta.
Partindo destes apontamentos possivelmente posso arrematar que se trata de
discutir casos sonoros específicos, a fim de compreender sua relação de existência
em seu contexto material (sonoro) e em seu contexto perceptivo; manter uma
relação aberta de análise e críticas constantes das obras e das suas eternas e
possíveis relações perceptivas. E, em hipótese nenhuma há de se pensar o campo

4
Processos mentais, nunca externalizados.
65

composicional como delineado e finalizado, pois as fronteiras desse processo


estarão dissolvidas pelos diversos discursos e abertas pelas suas possíveis
variações.
Dentro da própria musicalidade, inerente a todos que escutam, acontecem e
criam-se espaços de escuta, performance e composição. Compreender os diferentes
discursos existentes no campo não fará do ouvinte, assim como do compositor,
detentores da verdade sobre o ato de compor, mas flexibilizadores do campo.
O que seria, de fato, um indicativo promissor? É certo que me ausento em
desenvolver discussões que possam de alguma maneira esgotar este tema. Mas
busco empenhar-me, em minha medida, numa possível construção discursiva sobre
o tema, através de alguns possíveis recortes.
Ferraz (2005) aborda o campo das prováveis escutas, sempre tentando
integrar o ouvinte a realização da obra, como se a composição materializasse dentro
das possíveis escutas advindas dela. Nesta construção discursiva o autor traz a tona
os espaços criados no processo composicional, o que resulta em uma, ainda maior,
flexibilização temática.
Zampronha (2000), por sua vez, desenvolve o mesmo tema sobre os
aspectos perceptivos englobados dentro do processo composicional, contudo mais
especificamente sobre uma ótica histórica de mudanças paradigmáticas.
Para o autor, o velho paradigma “reconhecimento”, com o advento do século
XX, é convertido no ato de “perceber”. Enquanto as composições musicais dos
séculos anteriores alicerçavam-se em uma escuta conduzida, numa ‘forma pré-
dada’, baseada em estereótipos sonoros, onde a apreciação da composição estava
em identificar as formas musicais, tonalidades, modulações, motivos e temas já
estabelecidos - e segundo Zampronha (2000) seria esta a intenção do compositor -
nos meados do século XX esta forma de concepção musical passa a não mais valer,
encaminhando os processos composicionais e a audição para as formas
perceptivas.
Neste novo paradigma a obra “é a própria modelagem da percepção”
(ZAMPRONHA, 2000 p. 424) e seus processos rompem o estereótipo “ao trabalhar
sobre o perceber... a obra não se configura como algo dado, definido e estável... Ela
se torna, ... um trabalhar da percepção” (ZAMPRONHA, 2000 p. 241).
Segundo o autor, dentro desta visão – sobre a obra como percepção -
existem três propriedades desenvolvidas: instabilidade, irreversibilidade e co-
66

determinação. Neste sentido, as obras seriam, não mais o objeto dado, mas algo a
ser delineado: o ‘objeto possível’, criado dentro do processo de percepção – o
instável; haveria a qualidade de irreversibilidade na medida em que não permite que
o processo seja observado - a não ser que existam manuscritos descritivos sobre o
mesmo, no sentido de visualizar seu percurso e analisá-lo, ou apontamentos do
próprio compositor; o que proporcionaria o caráter de co-determinação, terceira
característica, onde obra e autor são, na mesma medida, o mesmo sujeito: onde um
sem o outro não existe.

Este processo é análogo à divisão de uma célula ... Quando uma


célula A se divide surgem outras duas: A1 e A2 e vice-versa. Antes
havia A. Agora não mais. Antes só havia A. Agora, A1 (e não mais A)
se reconhece a si mesma através de A2, e A2 através de A1. Assim
A1 e A2 se representam mutuamente, mais para isso A teve de
deixar de ser A. Mas ambas de alguma forma ainda são A, já que
uma carrega traço da outra. A se cria a si mesmo como A somente
no momento em que se divide e, de forma aparentemente paradoxal,
deixa de ser A e passa a ser A1 e A2, compositor e obra... obra e
compositor são signos um do outro, se remetem, se dão a conhecer
um através do outro, são co-determinantes. (ZAMPRONHA,2000 p.
248)

De acordo com Zampronha (2002) a escrita musical, dentro desta nova


existência do ‘perceber’, indicará estas mesmas características, uma vez que for
constituída por signos incompletos ou super-saturados. Os signos incompletos estão
nas obras que criam ‘instabilidade’ e ‘ambigüidade de interpretação’, na medida em
que suas informações não são determinadas “os signos podem dizer como fazer,
mas não o que fazer (...) de modo que o interprete irá construir o signo de modo
análogo ao processo perceptual (...) a partitura torna-se ela mesma um perceber”
(ZAMPRONHA, 2000 p. 243). Por sua vez, os signos super-saturados são aqueles
que apontam uma grande quantidade de informações exigindo das habilidades
técnicas do executante, o que será modulante de um intérprete para outro. Com
isso, estas duas formas de escrita proporcionam à obra o caráter de instabilidade e
por sua vez, irreversibilidade e co-determinação, pertinências do paradigma
perceptual.
Todavia, devo acrescentar para a visão do autor que entre compositor-escrita-
intérprete, seja dentro de qualquer manifestação sígnica, mesmo a mais fiel, sempre
haverá uma relação complexa: os signos são determinados por seu meio ou pela
afinidade com este. E as concepções musicais exteriorizadas por seu idealizador
67

nunca serão, realmente, as formas musicais idealizadas em seus processos mentais


- uma vez que a escrita até o momento não é capaz de descrevê-lo. Da mesma
forma o processo composicional. Todo e qualquer signo, neste sentido, para obter
seu significado real, deverá expressar-se dentro das mesmas possibilidades que o
geraram. No caso das idéias por idéias; no caso de processos apenas no processo.
Para Koellreutter (1984) a partir da segunda metade do século XX os
conceitos estéticos se diferenciaram; as habituais formas estéticas estariam
expandindo e re-elaborando-se dentro de uma nova visão, no contexto de caráter
global. As características, que por muito tempo, ainda podiam ser delimitadas pelas
fronteiras estariam rompendo seu espaço geográfico e interagindo com as demais
formas de identidade.
Neste sentido, a música deste século alcançou e se apropriou de
características advindas de novas culturas, a fim de sair das amarras
tradicionalmente impostas pelo sistema de tradição ocidental.
Observando a nova estrutura e forma musical, Koellreutter (1984) relata que
são fundamentadas pelo pensamento relativista e optam pelo pensar sem
racionalidade, que seria a fusão do pensamento tradicional ao pensamento
globalizante. Com isso, o autor aponta que estrutura e forma procedem de um
pensamento sem causa, associado a conceitos aparentemente distintos e sua
estruturação não possui simetria, nem período: sua elaboração, composta por
variações e transformações constantes resultaria numa multiplicidade de
elaborações sígnicas, resultando em um “processo integrador (sinérese)”
(KOELLREUTTER,1984 p.31).

2.1 A diversidade da música do século XX

A mudança para o século XX trouxe horizontes promissores, se tratando da


possibilidade de novas escutas e fazeres musicais. Não que em séculos anteriores a
música não tivesse se detido à novas invenções, mas foi a partir de meados de 1900
que eclodiram uma maior variedade de manifestações, a fim de desvendarem, sem
medida, o que ainda não fora explorado, ou mesmo esgotado.
68

Diferentes sonoridades e tendências, juntamente com o emprego de novas


técnicas, tomaram o espaço, até então, ocupado exclusivamente pela exploração do
sistema tonal diatônico. Certamente que outros aspectos, a exemplo das fórmulas
contrapontísticas, fazem parte por muito tempo dos materiais empregados nas
produções musicais. Contudo, segundo Barraud (2005), o sistema tonal manteve-se
de forma majoritária nos últimos três séculos que antecedem seu declínio.
Mudanças de conteúdo, o desenvolvimento da polirritmia, explorações
timbrísticas, o abandono do sistema tonal; bem como a anulação de formas musicais
pré-estabelecidas, com o rompimento de regras de estruturas, foram resultados,
dentre outros, das mais diversificadas tentativas em busca de um novo local.
Ambiente este que já se delimitava de forma simultânea a criação e consolidação do
sistema tonal: o mesmo cromatismo, que proporcionara ao sistema tonal
regularidades de atuação, sistematizado a partir de Bach, proporciona sua
desestabilização; a visão que, até então, voltava-se para uma estruturação tonal,
não podia, ainda, observar sua negação pelos demais aspectos que já pertenciam
ao campo.
O século XX foi apenas o mensageiro que anunciou uma ruptura de
convivências entre o tonal e o não tonal. Juntamente com este acontecimento, o
olhar instável de alguns se volta à procura de novas possibilidades.
A ‘verdade tonal’, ou nosso egocentrismo tonal, já não serviria para expressar
este novo campo descoberto e tão vasto de possibilidades: a harmonia tonal foi,
desta forma, anunciada no século XX como uma dentre tantas possibilidades e
admissões. (GRIFFITHIS, 1998 p.09).
Assim podemos entender que diversos fatores que há muitos anos eram
utilizados foram componentes importantes para a nova formação da música do
século XX.
De acordo com Griffiths (1998) alguns compositores, antes de se entregarem
às explorações do século, ainda defenderam o sistema tonal por um pouco mais de
tempo, não por serem contra o futuro visionário, mas por terem formações
solidificadas em correntes tradicionalistas.
Para o autor, sem um ambiente tonal definido, muitos compositores
encontraram um grave obstáculo para a produção de suas obras, o que
proporcionou uma constante busca por ancoradouros.
69

Alguns acabam, neste sentido, fixando território em contextos literários, outros


fundamentando-se em escolas pré-existentes, a exemplo do movimento neoclássico.

Eis uma realidade um aspecto insólito da música composta desde


1900: o fato de que tantos compositores tenham adotado uma
posição ‘conservadora’ trabalhando com materiais e métodos que
poderiam parecer exauridos ou superados pelos avanços de técnicas
e sensibilidades. É claro que sempre houve confrontos e rivalidades,
nas artes, entre ‘conservadores’ e ‘radicais’. A diferença na música
do século XX, está na abertura para tantas opções que não existe
uma corrente única de desenvolvimento, nem uma linguagem
comum como em épocas anteriores, mas todo um leque de meios e
objetivos em permanente expansão. (GRIFFTHS,1998, p.23)

Para Massin (1997) o aparecimento dessas diversificações, embora aparente


para alguns apenas como “preocupações intelectuais ressecantes” (MASSIN,1997
p.1125), seria o resultado da exteriorização do “eu” em busca de bálsamo que viesse
ao encontro dos “valores humanos mais autênticos, na crise trágica da civilização”
(MASSIN,1997 p.1125), o período pós-guerra. Neste sentido, a tradição é
questionada pelas recentes formas de pensamento: pelas “novas necessidades
(psicológicas ou espirituais, como quiserem)” (MASSIN,1997 p.1125).
Conseqüentemente, estes novos rumos proporcionaram novas e inúmeras
possibilidades de fazeres musicais, percepção e escuta, contribuindo no
deslocamento de paradigmas antigos em detrimento dos novos. Isso resulta não
apenas na variedade de expressões, mas também em uma rapidez de estruturação
de escolas no século XX, como nunca fora observado anteriormente na história.
Escolas com bases atonais, serialistas, politonais, aleatórias, impressionistas,
jazzísticas, com técnicas mistas, expressionistas, neoclássicas, microtonalidade,
música eletrônica e eletroacústica, serialismo integral, são apontadas como as
principais correntes existentes no período em estudo de autores como: Menezes
(1987), Boulez (1995), Massim (1997), Griffiths (1995; 1998) e Barraud (2005).
Contudo, vale ressaltar que os processos de seleção e classificação de
produções musicais de certa forma padronizam as relações estéticas específicas
das obras. Neste sentido, as delineações feitas por Nobre (1994) e Victorio (2005),
como veremos mais adiante, nos auxiliarão a compreender estes processos. E as
“tendências isoladas”, apontadas por Victorio (2005) exemplificarão de maneira mais
clara as realizações musicais deste século em questão.
70

Mais especificamente sobre os autores acima citados (MENEZES, 1987;


BOULEZ, 1995; MASSIM 1997; GRIFFITHS, 1995; 1998; e BARRAUD, 2005.),
ainda é possível identificar características pertinentes ao período, as quais podem
ser encontradas na produção dos mais diversos compositores da época.
As características melódicas, até então atingidas ao seu máximo através do
Leitmotiv desenvolvido por Wagner, ganham novas formas de disposição, agora
mais curtas, angulosas, fragmentadas, em sua maioria abrangendo saltos de
intervalos compostos, de predominância dissonante, ou ainda a ênfase em intervalos
cromáticos.
Em determinados momentos o que passa a prevalecer não são mais as
melodias, mas a espacialidade desenvolvida pela atuação dos timbres em busca das
imagens sonoras.
Os timbres, por sua vez, acabam por conquistar um espaço mais explorador.
As sonoridades habituais, por exemplo, das adquiridas na execução tradicional do
piano, passam a somar-se àquela de origem experimental, como as resultantes do
piano preparado, ou a simples utilização do seu tampo como material sonoro; há
presença de sons extremos e contrastantes; predominância de sons trabalhados a
partir da mecanização e princípios de distorção, re-produção e outros; exploração de
sonoridades individuais e coletivas, além de técnicas específicas como a melodia de
timbres desenvolvida por Schoenberg.
O ritmo é intenso, sincopado, com métrica variando-se constantemente, ou
por vezes livre - quase ausente - além da utilização de ostinatos. A polirritmia aqui
também é uma característica muito utilizada: muitas são as peças onde cada
instrumento executa ritmos completamente divergentes atuando de forma
simultânea.
A harmonia, por sua vez, embarca através de aglomerados (clusters), acordes
dissonantes, a utilização de extensões acordais. Em sua função harmônica já não
existe mais o centro tonal: ora aparece ausente, dentro das composições atonais;
ora aparece móvel, como no caso das composições politonais.
Estas mudanças foram direcionadas através dos apontamentos estabelecidos
já pelo romantismo tardio. Conforme Griffiths (1998), tentativas de abandono do
sistema tonal já estariam presentes em muitas obras do final do século XIX. E os
compositores do século XX impulsionar-se-iam por três nomes da música ocidental:
71

Debussy, Schoenberg e Stravinsky, consecutivamente em seus avanços - forma,


harmonia e ritmo.

2.2 As tendências musicais do século

Mais especificamente sobre o estudo das tendências contemporâneas da


criação musical, Nobre (1994) observa, apesar de toda diversidade existente, duas
grandes vertentes estéticas, sobre as quais as demais linhas e compositores
contemporâneos definem-se ou fundem-se: A linha Germânica e a Linha Latina.
Na linha germânica o autor cita nomes como Wagner, Mahler e Schoenberg,
dos quais utilizaram-se da dissonância em direção ao atonalismo, e
conseqüentemente a organização do sistema dodecafônico. Contudo, dentro desta
corrente o autor observa que apenas o parâmetro altura foi reformulado e que os
demais elementos, principalmente a forma, ainda se arraigava na tradição tonal da
“forma” (na maioria dos casos na forma sonata).
“Há uma sensação constante, para nós, de que a revolução e inovação do
sistema dodecafônico-serial sempre esteve camuflado e mascarado, em função
desta submissão, à forma tradicional do conceito de tempo musical” (NOBRE,1994
p. 76).
Na tendência latina o autor aponta nomes como Mussogsky, Debussy,
Stravinsky e Varèse, nos quais observa a liberação do conceito de
“desenvolvimento” e “organização formal” (NOBRE, 1994 p. 76). Contudo, o autor
acrescenta que, mesmo utilizando o desprendimento destes elementos, acabam
empregando um sentido ainda tonal, mesmo que cambiante.

Curioso dualismo este, dualismo de ambigüidades e mascaradas


estéticas e técnicas, onde a linha germânica elimina o eixo tonal e
sua relações funcionais, mas respeita a forma mais especifica do
tonalismo, ou seja, a forma-sonata, com seu mecanismo básico e
próprio do tonalismo, o desenvolvimento; enquanto a linha latina
elimina o ‘desenvolvimento’ e a funcionalidade dos acordes, mas
recusa-se a abandonar definitivamente a própria tonalidade.
(NOBRE,1994 p. 77)

Saliento que a descrição das manifestações musicais do século XX feitas por


Nobre são extremamente generalistas e acabam dissipando os aspectos principais e
72

mais relevantes que deveríamos levar em consideração sobre toda a construção


sonora do século.
Mesmo Victório (2003), acrescenta, para além das linhas descritas por Nobre
(1994), a existência de duas outras, baseadas em compositores como Bela Bartók,
Charles Ives e Harry Partch. Para o autor, Bartók seria responsável pelo
desenvolvimento da linha étnica onde a influência do folclore de diversas culturas
tomaria a essência de suas composições. Mesmo considerando sua música mais
próxima de algum caráter tonal, modal, ou quaisquer apontamentos referentes, e
mesmo observando a existência de compositores que também trabalham com o
folclore, não podemos, de maneira alguma, incluir as obras de Bartók em correntes
como a latina ou a germânica apontadas por Nobre (1994), uma vez que o
compositor desenvolve características muito inerentes e de caráter único.
Ives e Partch, por sua vez, seriam responsáveis pelo desenvolvimento de
uma corrente específica, chamada por Victorio (2003), de tendências isoladas, a
qual seguiria seu sentido próprio de independência, não subjugando-se a
comparações e classificações usuais; por se utilizar de métodos, técnicas,
instrumentos musicais próprios e características pertinentes exclusivas e muito
individuais.
A definição de tendências isoladas, apontada por Victorio, provavelmente, se
expandida, sua significação dá conta da descrição de toda mostra musical presente
no século XX, pois aponta exclusivamente para características individuais e únicas
dentro de qualquer possibilidade desenvolvida.
Neste sentido, abordar e definir a música deste século através de escolas e
tendências generalizadas, certamente é uma maneira desapropriada de estudo, o
que possivelmente poderíamos sanar com estudos que focalizassem recortes
específicos e salientassem as particularidades de cada manifestação.
Dentro desse contexto observo que os vários autores estudados, mesmo
definindo diversas correntes ou tendências, identificam o período (século XX) como
transitório, incerto e flexível, ao ponto de concretizar ou mesmo diluir-se.
Desta forma, a maneira pela qual o material sonoro é elaborado e se faz
presente na música contemporânea ajuda-nos a compreender as formas que
diversas tendências são emersas, eleitas, perpetuadas ou não. Assim, também, o
conceito sobre estética e manifestações musicais, no século XX, torna-se muito mais
73

amplo e ajuda a compreender o fenômeno musical da atualidade como um processo


fluído e unificado.

2.3 A mudança sensorial produzida pela notação: música e


comunicação

Segundo Victorio (2003) na música do século XX podemos observar


nitidamente a ligação do fazer musical com a notação. A partir do momento em que
o timbre proporcionou uma nova perspectiva musical, a escrita deu um salto
considerável passando da posição exclusiva de “registradora de sons musicais” para
a possibilidade de registro de “ambiências sonoras” (VICTORIO, 2003 p.2).

A partir do momento em que o processo criativo se concentrou nas


inúmeras possibilidades timbrísticas, como intenção primeira, houve
um automático salto da escrita musical e da notação como um todo.
O desvinculo com as raízes da música ocidental tradicional ... e a
quebra abrupta com o ‘chão’ horizontal ... foram fatores decisivos na
abertura e vislumbre dos inúmeros afluentes. (VICTORIO, 2003 p.1)

O autor ainda aponta que este mesmo processo foi responsável pela
mudança perceptiva dos compositores, na medida em que o eixo da escrita passa
do plano audível para o visível; a música se aproxima do ritual enquanto forma de
decodificação dos códigos sonoros, ou seja, a escrita musical passa a utilizar-se de
valores sígnicos e simbólicos.

A utilização de materiais simbólicos no corpo interno do desenrolar


musical (propositalmente), faz com que o produto final (sígnico) do
discurso musical passe da esfera da leitura pura e simples, como
mera reprodução, para uma ampla atuação dos códigos da música,
como associações ligadas à imagem. (VICTORIO, 2003 p.2)

Desta forma a escrita passa a comunicar elementos musicais não fixados,


estando ligada à percepção ritualística, uma vez, que transmitirá apenas sua
essência musical. Esta nova visão evidencia a impossibilidade dos recursos
musicais tridimensionais na descrição do objeto musical.

A ‘não-notação’ não como irrealização, improdutividade ou postura


niilista perante a ação, mas com (des) pré-ocupação com a precisão
e com a onipotência diante da criação e co-criador, dentro das
limitadas condições do mundo. (VICTORIO, 2003 p.4)
74

O conceito de Comunicação, baseado em Stockinger (2004), auxilia-me a


tecer comentários sobre uma propriedade, implícita em Victorio (2003), mas também
mais explicita na música deste século: o caráter comunicativo do objeto sonoro.

Se a raiz da palavra comunicar aponta originalmente para o


significado de compartilhar algo, de estar ligado, de ter um comum,
tal se modifica, à medica que o conceito se estende à produção
artística... requer um olhar diferente do (...) tido como troca de
informação. (STOCKINGER, 2004, p. 4)

Conforme o autor, o século XX traz consigo esta mudança paradigmática,


passando de comunicação enquanto ‘transmissão de dados’ - informação entre
‘emissor’ e ‘receptor’ -, para uma ambiência “autopoiética”, pertencendo a “uma
lógica própria de funcionamento, independe das intenções de emissores e
receptores”. (STOCKINGER, 2004, p. 5)

O problema sociológico que este fato implica é o seguinte: se não há


troca de informação, mas ‘apenas’ autopoiese de sistemas psíquicos
em ambiente comunicativo incertos, o que significa então a
compreensão aparente que sentimos diante de uma obra de arte
(...)? (STOCKINGER, 2004, p. 5)

Dentro desta relação de ‘livre arbítrio’, apontada pelo autor, o espaço criado
entre a obra e seu observador torna-se um espaço mais concreto no sentido de
existente; mas “de referencia vazia e indeterminada” (STOCKINGER, 2004, p. 6)
onde poderá ser preenchido pela liberdade de criação de ambos os lados.

A comunicação viva emerge, portanto de instabilidades, de


flutuações permanentes às quais ela tem de resistir, se quiser ganhar
estabilidade. A estrutura emergente, por mais sólida e instável que
possa parecer, ‘guarda’, no entanto, a dupla contingência que se
encontra no seu início, ou seja, sempre há espaço para dúvidas e
interpretações. (STOCKINGER, 2004, p. 6)

O conceito de comunicação acaba, desta forma, por agregar o acaso e o


ruído, vendo a comunicação como fenômeno emergente, sem necessariamente
informar mensagens sólidas ou específicas. Nesse processo, é interessante apontar
que o comunicado dentro do campo cultural estará em constância e instabilidade
proporcionando complexidades estéticas. E para o autor o “descobrir, inventar, ou
fazer arte passa a ter sua raiz na mesma atividade, na interpretação”
(STOCKINGER, 2004 p. 12).
75

Observo desta forma que, enquanto Victorio (2003) trata o tema sobre a
esfera do ‘ritual’, Stockinger (2004) aponta este acontecimento como virtual,
imaginário, mas em ambos encontramos apontamentos de que neste espaço não
existem formas “completas, absolutas, finais” (STOCKINGER, 2004 p. 13). “Mesmo
que o corpo interno da significação não mude o seu corpo externo, seu contorno,
seu ambiente, suas formas de mediatização se transformam a cada instante”
(STOCKINGER, 2004 p. 13).
Para Victorio, possivelmente, o ambiente externo será a escrita musical que é
transformada a cada instante pelas inúmeras formas existentes e emergentes no
século, mas sua essência encontrar-se-á no espiritual. E o fazer musical funde-se
com a interpretação. Não será apenas o receptor e o ouvinte, mas o meio,
responsável pela eleição do essencial, assim como responsável em comunicar as
suas mais diferentes formas.

Virtual
Espiritual

Timbre ESPAÇO Acaso e ruído

(VICTORIO) MATÉRIA (STOKINGER)

Música Comunicação

Gráfico 1 – comparativo entre os autores Vitorio e Stokinger.

Entendo, assim, que o caminho tomado pela escrita da música erudita


contemporânea conduz-se ao encontro ao novo conceito de comunicação. E esta
compreensão do surgimento de espaços específicos, entre autor-obra-interprete-
ouvinte, proporciona uma aproximação aos aspectos comunicacionais da música;
assim como a Comunicação (que, não necessariamente precisa informar-nos algo)
direciona-se à música.
O desenvolvimento resultante desses processos partirá, em outra medida,
também, sobre o conceito literal de obra aberta, pois apontando os elementos
constituintes somos apenas direcionados à concepções e interpretações (MOTTA,
1997 p. 34).
A escrita no século XX proporcionará, além das relações de espaço tempo e
contextos comunicativos, observadas em Victorio (2003) e Stockinger (2004),
76

espaços codificados próprio das linguagens computacionais (SANTAELLA;


WINFRIED, 1997); já não se utiliza papel e caneta, mas softwares de computadores
e gravações bi-numéricas; não existe em sua materialidade, mas de forma virtual,
onde apenas com o auxilio de decodificadores ela poderá existir; o lugar onde o
material também se tornará virtual/espiritual.
Desta forma, a escrita musical, também indicada por Zampronha (2000) como
parte integrante do processo de composição musical, desenvolve-se em novas
formas.
A compreensão desse contexto abre um leque infinito de possibilidades de
materialização das idéias musicais. Dentro desta nova existência, a interação das
linguagens desenvolvidas no audiovisual deve proporcionar novas composições e
novas maneiras de percepção, o que para esse tipo de produção, proporcionará
novas possibilidades de manipulação sonora.
3.0 DESCRIÇÃO DOS ESTUDOS COMPOSICIONAIS

No presente tópico busco exercitar a exteriorização das idéias musicais


partindo de alguns dos recursos utilizados na música de concerto do século XX, o
que acredito ser um caminho para o fazer musical em ambiente audiovisual. Este
processo é medido mais especificamente na quarta parte desta monografia.
Uma vez que levanto todo um arcabouço teórico dentro de recortes
específicos, sinto a necessidade de passar pelo processo de materialização de
idéias sonoras construindo uma práxis, baseada também na citação de Ferraz:

Falar de composição musical, dos problemas que nos tomam


enquanto escrevemos uma música, em nada pode traduzir o
ato de compor, senão anexar-se a esta experiência como mais
uma linha. Não se trata apenas de dizer ‘a forma musical não
deve ser vista como uma fôrma’, mas de pensar a composição
musical não mais como uma questão com respostas, mas
como um campo problemático, que traz mais consigo suas
respostas, e cujas respostas só se obtém de uma maneira:
compondo, fazendo soar o tempo, fazendo soar a memória, os
afetos, os pequenos fetiches. (FERRAZ, 2005, p.32.)

Neste sentido, foram desenvolvidos paralelamente ao nosso estudo teórico


quatro estudos composicionais. A disposição instrumental foi escolhida de maneira
que propusesse diferentes graus de dificuldade, partindo da formação de solo à
quinteto instrumental.
Os estudos N.1, N.2 e N.3 foram construídos de forma isolada, sem
considerar uma possível inserção ou integração com o contexto audiovisual. Por sua
vez, o estudo N.4 teve seu desenvolvimento baseado no contexto do roteiro e das
imagens do documentário “Em Trânsito”, do diretor Elton Rivas.
Mesmo utilizando-me da composição N.4 como um estudo específico de trilha
sonora descrevo a estrutura de todos os estudos composicionais de forma
cronológica, afim de que este processo sirva para refletir sobre o fazer musical em
ambiente ‘puro’ e em ambiente audiovisual.
78

3.1 Estudo N.1

O estudo N.1, que desenvolve-se dentro da escrita convencional, é


caracterizado como atonal livre, contudo utiliza-se de uma série inicial de 12 sons, a
qual se desenvolve no decorrer da peça através de mudanças de tessitura,
alterações em semitons ou em deslocamento das notas das seqüências.
Após a fase de construção da série de 12 sons, onde busco evitar
características pertinentes ao sistema tonal, como intervalos de 3ª maiores e
menores, sétimas menores, além de trítonos e suas subseqüentes resoluções, gero
um primeiro compasso expositivo com a escala construída. A figura a seguir mostra
a série dodecafônica utilizada como matriz sonora do estudo N.1.

Figura 1 – compasso 1 - série geradora

No processo de construção sonora esta série determinará mais


especificamente o parâmetro altura em toda a composição. Contudo ela é utilizada
de forma diferenciada do processo composicional utilizado por Schoenberg.
Enquanto este usava a escala de forma que nenhuma nota fosse suprimida, alterada
ou invertida, dentro da sua seqüência real (ou seja, as formas integrais da escala
germinativa, sua forma retrograda, espelhada e espelhada inversa), utilizo apenas
de uma seqüência sonora de doze sons que, dentro do processo, aparece ora em
sua forma integral; ora com notas suprimidas, alteradas, repetições de mesma
altura, como exemplo comparativo entre o primeiro e segundo compassos (figura 2),
onde há ausência da nota dó sustenido em detrimento da repetição da nota dó no
compasso 2.
79

Figura 2 – compassos 1 e 2 – série e motes rítmicos mais utilizados no estudo.

No segundo compasso (figura 2) já aparecem indicações de motes rítmicos


que serão utilizados com maior freqüência no decorrer da peça e estes ajudam,
também, a estabelecer, já de início, o senso rítmico que percorrerá por toda a obra.
Neste sentido, os dois primeiros compassos (figura 1 e figura 2) indicarão a
vivacidade em que a peça estará inserida, a presença de ritmos atéticos, síncopes e
o anúncio da utilização de dinâmicas contrastantes.
Células rítmicas em contratempo são as figuras marcantes de todo o estudo,
o que sempre proporcionará a este uma sensação de expectativa para os
acontecimentos seguintes. Por sua vez, as quiálteras utilizadas no compasso 1 e 2
só aparecem em mais dois momentos; no compasso 5 e 20 (figuras 3), devido a
repetição integra da rítmicas do compasso 1 e 2 consecutivamente.

Figura 3 – compassos 5 e 20 – utilização da quiáltera.

Figuras rítmicas como mínima pontuada variando até fusas e suas respectivas
pausas; indicação de trechos rápidos, enérgicos e vibrantes em contraposição a um
breve interlúdio nos compassos 9 e 10. Apesar de desenvolver-se dentro de uma
métrica regular, as mudanças de intensidade e pulsos auxiliam na dinamicidade da
peça, sem que a mesma torne-se monótona.
O estudo apresenta dinâmicas contrastantes e abruptas entre fortíssimo e
pianíssimo, como exemplo dos compassos 22 e 23 (figura 4). Esta também é uma
característica muito forte e marcante que proporciona uma desestabilidade rítmica e
melódica para a peça.
80

Figura 4 – compasso 22-23 – dinâmicas contrastantes e abruptas

A peça apresenta pequenos ou médios trechos legattos e outros stcacattos


sempre os posicionando de forma que estejam em contraposição. Utiliza-se do pedal
em determinadas partes como forma de aglomerar harmônicos, obtidos através de
estruturas acordais (figura 5). Mesmo dentro desta característica, o estudo apenas
utiliza as possibilidades timbrísticas naturais do vibrafone.

Figura 5 – compassos 11 a 13 - utilização do pedal;


estruturas acordais em expansão e contração.

Os acordes utilizados encontram-se em aberturas que se relacionam. A


exemplo da figura acima, do primeiro acorde para o segundo existe uma expansão
tessitural, enquanto que do segundo acorde para o terceiro existe uma regressão.
Isso acontecerá também no compasso 7 (figura 6) dentro de uma nova relação.

Figura – 6 - compasso 7 –
estruturas acordais em expansão.

Neste momento específico a abertura dos acordes expande-se em contra


posição a dinâmica empregada. Na medida em que os dois primeiros acordes
mantêm-se expandindo dentro de uma mesma dinâmica, dando apenas a sensação
de que aumento tessitural, o terceiro acorde, mais extenso, é executado em PP e
81

remete-nos à regressão, mesmo que aconteça uma clara expansão na extensão das
notas.
Classificamos este estudo dentro de três partes, sendo: ‘A’ compreendido
pelos compassos 1 a 8; ‘B’ entre os compassos 9 a 20; e ‘C’ do compasso 21 ao 39.
A parte A expõe os motes principais que serão utilizados no decorrer da peça,
inclusive a intenção dos acordes em expansão, mais característicos em B. Contudo
é mais freqüente a utilização de algumas seqüências de motes em compassos
inteiros e suas respectivas repetições em demais locais.

Figura 7 – compassos 1 e 4 –
emprego da mesma rítmica.

Figura 8 – compassos 4 e 8 - repetição.

A aplicação de dinâmicas diferentes em uma segunda exposição (a exemplo


da figura acima) é muito freqüente e desenvolve o elemento “novo” dentro dos
aspectos já conhecidos.
A parte B, por sua vez, é composto por uma exposição integral da série e o
anúncio de mudanças, na medida em que o compasso 10, diferente dos já expostos,
tem seu início a nota fá (figura 9) e não mais a nota mi de início da escala geradora.

Figura 9 – compassos 9 e 10 – exposição da série


82

e nova elaboração com início em fá.

A partir do compasso 11 a seção B expõe temas de forma regular sendo:


estruturas acordais e frase em movimento descendente (figura 10); estruturas
acordais e frase em movimento ascendente (figura 11); e conclusão em dois
compassos ternários.

Figura 10 – compassos 11 a 14 – acordes e frase descendente

Figura 11 – compassos 15 a 18 – acordes e frase ascendente.

Neste sentido B tem características mais simétricas que A e C e é composto


por: dois compassos de início; Acordes – frase descendente (4 compassos); Acordes
– frase ascendente (4 compassos); e dois compassos finais.

Figura 12 – compassos 9 a 20 – Secção B e início de A’


83

Após este período o estudo volta aos temas contidos na parte A através de
novas reformulações. Enquanto em A os motes rítmicos são transformados em
frases, como já dito, em C, eles desenvolvem-se desde a mesma intenção das
frases expostas em A, a sua exposição sem associação a demais motes dando-nos
a sensação de fragmentação.

Figura 13 – compasso 24 e 25. Mote rítmico referencial


e suas repetição em dinâmicas diferentes e acentos deslocados.

Nos compassos que antecedem o seu término, o estudo faz referência às


estruturas acordais e suas relações expostas em B, além de contrapô-las a
pequenos motes.

Figura 14 – compassos 33 a 39 – desenvolvimento da idéia


dos acordes e motes contrapostos.

3.2 Estudo N.2

O estudo N.2 encontra-se dentro dos recursos da escrita tradicional e mantém


como limite de extensão tessitural 4 oitavas. É desenvolvido dentro das propriedades
naturais do piano e possui caráter atonal livre. Baseia-se, predominantemente, na
84

utilização de uma escala dodecafônica germinativa, a qual podemos observar


exposta no primeiro compasso (figura 1).

Figura 1 – compasso 1 – escala germinativa

A série de doze sons é utilizada de um forma mais integral, se comparada ao


estudo N.1, e apresentada partindo da sua nota inicial “Dó” nos dez primeiros
compassos. Após este período os compassos tendem a apresentar um pouco
menos ou mais que uma série completa, deslocando o ciclo serial do tempo tético
dos compassos.
Existem momentos onde notas diferentes da escala são acrescidas para
formarem relações harmônicas, porém as notas germinativas continuam na
seqüência sendo priorizadas como as mais graves (figura 2).

Figura 2 – compasso 9 – notas da série


permanecem no baixo.

As frases melódicas e rítmicas são longas e angulosas, e sua harmonia é


desenvolvida por acordes isolados e esporádicos, predominando intervalos
harmônicos de dois sons, ora entre as vozes; ora na mesma voz.
Apesar de ser produzido para instrumento harmônico seu desenvolvimento
rítmico é marcante e trabalha de forma dominante. As estruturas acordais aparecem
apenas de forma esporádica e isolada, o que possivelmente auxilia o seu caráter
mais homofônico.
Sua textura varia entre contrapontística e polifônica, desenvolvendo trechos
com pequenas frases de esboço fugatto (exemplo compassos 17 e 18) ou em
períodos maiores, a exemplo nos compassos 21 a 24.
85

Figura 3 - Compassos 18 e 19; 21 e 22; 23 a 24. Exemplo de breves trechos em fugatto.

A idéia de fugatto é desenvolvida, aqui, apenas por uma frase musical de


caráter rítmico que é re-escrita sem sincronia na segunda voz (a mais grave), uma
vez que as alturas relacionam-se de forma aleatória, dentro do seu caráter atonal.
Este estudo se apresenta em compasso quaternário simples (4/4), contudo é
predominante a utilização de síncopes e quiálteras, além de acentos deslocados,
que proporcionaram à peça um caráter rítmico instável.
Os motes rítmicos agem de duas formas: associados entre si, apresentando,
em determinados momentos, frases mais freqüentes; e de forma mais fragmentada,
apresentando-se, por vezes, em semicolcheia ou semicolcheias e suas respectivas
pausas. De forma geral as frases rítmicas são desenvolvidas e transformam-se no
percurso da peça através de 6 até 12 sons, a exemplo das figuras abaixo.

Figura 4 - Frase G1 (1 comp.); 3 fragmentos de G1; e fragmentos de G1 no compasso 5

A frase rítmica inicial (o primeiro exposto na figura a cima), apresenta-se no


primeiro compasso da peça, desenvolve e desmembra-se nos 12 primeiros
compassos. Ela é repetida de forma seguida nos dois primeiros tempos do
compasso, apresentando apenas variação no terceiro e quarto tempo.
86

Figura - 5 compassos 1 a 4. Variação dos 3º e 4º tempo da frase inicial.

Outra frase predominante (G2) aparece no compasso 13, através de um novo


motivo associado a dois já pertencentes a G1. Ela é trabalhada de forma intercalada
as idéias de fugatto contidas na peça até o compasso 28, quando é fragmentada.

Figura 6 - G2 ; 3 fragmentos de G2; e fragmentos de G2 nos compassos 29 e 30.

As dinâmicas utilizadas são contrastantes: característica que ocorre em toda


a peça apontando instabilidades sensoriais em relação aos motes, que a cada
momento pertencem a intensidades desenvolvidas de maneiras diferentes.
A estrutura da peça atua de forma orgânica se observarmos sua composição
a cada quatro compassos. Do compasso 1 a 4 temos o desenvolvimento do tema
inicial; entre 5 e 8 varia-se os motes já expostos, criando novas seqüências; e dos
compassos 9 a 12 acontecem uma re-exposição do tema de forma mais integral.
Desta forma a primeira parte (A) da peça é composta.
87

Compassos 1 a 4

Compassos 5 a 8

Compassos 9 a 12;

Figura 7 - Parte A.

A parte B inicia com quatro compassos (13 a 16) baseados no


desenvolvimento de G2; apresenta seu primeiro momento com uma repetição de
frases entre os compassos 17 e 20 e um segundo momento de motes maiores
também repetidos rítmicamente (nos compassos 21 a 24); re-expõe G2 intercalado
com G1 de maneira a formar uma nova frase (G3) e seu desenvolvimento dos
compassos 25 a 28, para seguidamente fragmentar-se em apenas dois compassos
(29 e 30).

Compassos 13 a 16
88

Compassos 17 a 20

Compassos 21 a 24

Figura 8 - Parte B.

Em um terceiro momento, o qual classifico de parte C, do compasso 31 ao


término da peça (44) todos os motes expostos anteriormente são trabalhados de
forma intercalada sem uma seqüência definida, apenas como exposição final do
material utilizado no estudo (na partitura em anexo).

3.3 Estudo N.3

O estudo N.3 foi desenvolvido dentro das possibilidades timbrísticas da


formação instrumental duo de violões e utiliza essencialmente os harmônicos
naturais de diversas notas e estruturas acordais específicas.
Cada nota é composta por seu som determinante e por demais sons que a
acompanham, chamados harmônicos. Estes sons são gerados de forma simultânea,
mas percebidos no processo de ressonância de forma consecutiva. Contudo,
conforme a maneira que são produzidos, eles apresentar-se-ão com maior ou menor
intensidade. Neste sentido, a escrita relativa proporciona ao estudo a especificação
da forma com a qual a nota será emitida; neste caso sempre com muita evidência
dentro da técnica específica do violão.

Figura 1 - Sinal gráfico enfatizando a produção


de harmônicos em um e dois sons.
89

Assim como os estudos N.1 e N.2, este estudo tem um caráter atonal livre e
utiliza-se predominantemente da escala hexatônica como base da sua construção.
A escala hexatônica é composta por seis sons distanciados igualmente por
tons inteiros. Assim como a escala dodecafônica, esta seqüência sonora faz com
que a polarização de uma nota principal seja dissolvida, não existindo, desta forma,
hierarquia entre notas. Este recurso foi primeiramente utilizado nas obras de
Debussy e é muito observado nos compositores do século XX como uma das
alternativas de contraposição ao sistema tonal.
Dentro do estudo N.3 a escala hexatônica desenvolverá a princípio sua
seguencia partindo de dó (dó, ré, mi, fá#, sol# e lá# ) como a seguir.

Figura 2 – exemplo da utilização da escala

As notas fá#, sol# e lá# derivam-se da escala hexatônica partindo do


referencial dó. Contudo esta utilização não é explícita já que aparecem, no primeiro
violão, as notas de lá e sol naturais.
De outra maneira, também, pode-se observar a manipulação da escala de
tons inteiros sobre demais notas, como o exemplo a seguir:

Figura 3 – Estruturas acordais compostas por


fundamental, 3ª maior e 4ª aumentada.

Neste exemplo a nota Ré executada no segundo violão soa simultaneamente


as notas fa# e sol#, ambas da escala de tons inteiros de Dó ou de Ré. Em seguida a
nota Mi é executada no primeiro violão em contraposição as notas Bb e Dó no
segundo; Bb; pertence tanto a escala de tons inteiros de Dó quanto a de Mi. As
90

relações seqüentes tratam-se de terças, sétimas e quintas diminutas,


proporcionando um caráter mais livre.
A peça em questão é desenvolvida dentro da escrita mista. Existem trechos
da obra que são definidos metricamente e trechos relativos, onde fica mais evidente
a atuação do interprete como co-autor, responsável pela definição final da
composição.
As partes conduzidas de forma livre (pela escrita relativa) caracterizam-se
pela utilização do timbre predominantemente derivado dos harmônicos naturais
explícitos, além de apresentar na sua escrita uma aparente textura mais homofônica.
Diferente dos demais estudos, que utilizam motes rítmicos, aqui o motivo
principal é a contraposição das possibilidades gráficas; de instabilidade e
estabilidade, de sons harmônicos explícitos e implícitos, texturas homofônicas e
polirritmias.
Os momentos metrificados trabalham de forma muito variada, utilizando
regularmente as mudanças de compasso, acentuações móveis e dinâmicas
contrastadas, o que proporciona uma desestabilização da regularidade métrica. (a
exemplo, da figura 4)

Figura 4 – mudança de compasso, acentuações móveis e dinâmicas contrastantes.


Recursos que proporcionam desestabilização.

Existem trechos mais explícitos onde propus uma articulação estreita e clara
entre o compositor e interprete, onde alturas são determinadas sem a indicação
rítmica, e vice-versa.
91

Figura 5 – sem indicações rítmicas.

Figura 6 – Sem indicações de altura.

O que não deixa de acontecer nas obras de escrita instável, mas neste
trecho, em específico, observo explicitamente o espaço de criação, deixado para o
compositor e o intérprete atuarem juntos: um determinando o que o outro não
determinará. Diferente de proporcionar ao intérprete locais isolados de improviso
busco criar espaço de co-autoria.
O estudo traz um caráter polirrítmico através da utilização de compassos
mistos, escrita tradicional e relativa desenvolvidas de forma simultânea.

Figura 7 – compassos mistos.

Figura 8 - Utilização de compassos metrificados e


não metrificados executados simultaneamente.

A utilização das dinâmicas é apontada como bruscas, na medida em que são


raras as descrições de gradações (crescentes e decrescentes), o que indico no
exemplo a seguir.
92

Figura 9 – compassos 13 a 19 – utilização de dinâmicas.

Mas percebo ainda que estas mudanças são, na maioria dos casos,
gradativas, passando de P - MP, MF – F, com poucas dinâmicas contrastes entre P
– F, ou extremos equivalentes, como observado no final da secção acima.
O uso de dinâmicas inversas, na re-exposição de determinados trechos,
proporciona novos elementos de interpretação e, conseguinte, de composição. Este
recurso contribui ao caráter de ineditismo na repetição temática, ou de partes
maiores.
Defino sua estrutura em duas seções, A – B, com ritornellos, considerando A
como as partes compostas pela escrita relativa e B pelas de escrita tradicional, mas
acima de tudo, porque estas são continuamente bem delineadas e se contrastam.

Figura 10 - parte A1.

Figura 11 – parte B2.

Há de se avaliar ainda que os retornos para A e B não se dão da mesma


forma, pois cada repetição de secção traz consigo características muito distintas
93

uma das outras, formando –se: A1 - B1 (figura 10 e 11); A2 - B2 - B2; A3 - B3; AB


com ritornello5.
A1 e B1 indicam a exposição das características que basicamente persistem
na peça, em suas respectivas secções. A1 apresenta predominância de harmônicos,
homofonia rítmica, dinâmica contrastadas, glissandos determinados e
indeterminados. Enquanto que B1 apresenta estrutura rítmica metrificada pela
presença de compassos, e figuras musicais que determinam as propriedades
sonoras rítmicas e alturas.
A1 é mais homofônica e mais determinada que A2, que apresenta partes de
co-autoria do interprete, além de conter variações rítmicas e dinâmicas; A3, por sua
vez, é composto por duas partes, uma de escrita saturada e outra contrapontística; e
A4 é homofônica, repetindo determinadas seqüências de altura já expostas nas
secções que a antecedem, além de apresentar breves trechos de improviso.
Possivelmente aponto as seis primeiras notas de A1 como um mote
integrante, contudo não será determinante. Ele aparecerá em outros momentos de
forma integra ou diluído na peça, mas apenas como mais um dos elementos
desenvolvidos na obra, sem, a princípio predominar hierarquização desta por
qualquer outro.
Por sua vez, a seção B1 indica regularidade métrica com acentos
deslocados, ligaduras e staccatos, mas será apenas em B2 que observaremos a
presença de mudanças de compasso e estruturas rítmicas contrapontísticas e
homofônicas; B3 seqüencialmente, além de conter compassos mistos apresentará
estruturas polirrítmicas e indeterminadas. Dividimo-lo em três partes: i) se apresenta
no compasso 6/8; ii) utiliza-se do compasso 7/8 na primeira voz e 5/8 na segunda; e
iii) que acrescenta a obra a utilização de compassos métricos (3/4) no primeira plano
e ausência de indicação de compasso nos demais planos, e após a exposição de
A4, esta idéia volta no que classificamos de AB por utilizar-se das idéias métricas e
não determinadas.

3.3 Estudo N.4

5
Por se tratar de trechos muito maiores que A1 e B1, indico a consulta nos anexos do estudo.
94

O estudo N.4 é desenvolvido para quinteto instrumental formado por violão,


piano, violoncelo, violino e percussão múltipla (vibrafone, tons e bongôs). Ele mescla
o emprego de técnicas mistas de composição baseadas na escrita relativa e na
tradicional.
A peça é definida por oito seções distintas construídas por tendências como:
modalismo, atonalismo, aleatorismo, pontilhismo, tonalismo e politonalismo. Além de
apresentar sua textura através de solos, duos, quartetos e quintetos.
A seção I, compreendida entre os compassos 01 e 9, desenvolve um solo de
vibrafone que seguidamente é acompanhado pelo violoncelo. Esta parte do estudo
baseia-se na melodia modal em ré dórico introduzida pelo vibrafone.

Figura 1 – solo inicial da vibrafone (comp.01 a 07): modalismo


.
De maneira geral a peça apresenta o atonalismo livre em sua amplidão,
contudo trabalha-o intercalando com características aleatórias, pontilhistas e dentro
de recursos tradicionais da escrita musical.
A seção II, compassos 10 à 16, apresenta um estrutura atonal livre, além de
desenvolver um caráter mais rítmico que harmônico, fato que percorre na maior
parte da peça.

Figura 02 – atonalismo livre

A seção III, compasso 17, desenvolve o aleatorismo como forma de


manipulação da atonalidade.
95

Figura 03 – trecho do compasso 17: aleatorismo.

Seção IV, entre os compassos 18 à 34, desenvolve, após os compassos


introdutórios, traços pontilhistas. Recurso que varia sua utilização entre todas as
vozes e momentos entre duas vozes.

Figura 04 – compasso: 28: pontilhismo entre as vozes.

Figura 05 – pontilhismo entre duas vozes

A seção V, compassos 35 à 37, traz novamente a exposição de


características atonais livres através da manipulação do aleatorismo. Por sua vez, a
secção VI, compreendida entre os compassos 38 à 44, desenvolve o atonalismo livre
através de recursos da escrita tradicional.
A seção VII (comp. 45 à 50) é dividida em duas partes sendo: a) 45 à 47; e b)
48 à 50. A parte A desenvolve um caráter carater politonal onde o violão transita em
uma harmonia funcional diferente da utilizada nos violinos e no violoncelo. O
encadeamento desenvolvido pela voz mostra uma nítida relação funcional dentro de
96

IIm/IV; V/IV - IIm/III – V/III; IIm – subV/I – VIm, Enquanto que as vozes do violino e
do violoncelo exploram uma quarta aumentada ascendente à tonalidade do violão. O
vibrafone, por sua vez, aglomera as notas utilizadas no compasso desenvolvendo-as
de forma mais harmônica.

Figura 06 – 45 à 47 – politonalidade na secção VII.

Seguidamente, a parte B constrói o mesmo encadeamento exposto em A,


contudo em tonalidade diferente, através apenas de um único instrumento (piano).

Figura 07 – trecho tonal na secção VII.

Como última seção (VIII) o compasso 51 apresenta uma nova proposta de


aleatorismo com término na re-exposição da seção II.
Apesar de serem utilizadas diversas técnicas a peça desenvolve um caráter
de unicidade macro-estrutural. Possivelmente essa atribuição deve-se ao fato de que
existe um desenvolvimento claro de características polirrítmicas que percorrem toda
a peça.
Comumente observa-se uma regularidade de mudanças de compasso,
utilização de compassos mistos entre as vozes, além da presença da escrita relativa
simultânea a métrica que a escrita tradicional apresenta.
97

Figura 08 – compassos 5 a 8: compassos mistos ente vozes.

Figura 09 – mudança constante de compasso.

Figura 10 – vozes métricas e não métricas


98

Dois recursos mais são utilizados intencionalmente para produzirem


deslocamento do acento rítmico: a ligadura de forma contraposta entre as vozes; e
dinâmicas fortes e fortíssimas no meio dos compassos e nos finais.

Figura 11 – comp. 42: ligaduras auxiliando deslocamentos

Figura 12 – comp. 49: dinâmica auxiliando deslocamentos rítmicos

Neste sentido, utilizando-me da escrita tradicional e dos seus recursos, existe


uma clara possibilidade de criar instabilidades e novas formas expressivas, mesmo
que este campo seja apontado por muitos como local de criação restrito.
O estudo, desta forma, possibilita uma gama variada de sonoridades a
disposição do ouvinte. Existe uma certa ausência de motes musicais com
importâncias supremas. Todas as idéias desenvolvem-se de forma sutil, re-
aparecendo na peça de maneira muito fragmentada, ao passo de diluir-se na fruição
desta. Neste sentido, o discurso rítmico, extremamente marcante, auxilia uma
unicidade macro-estrutural. Porém, não apenas ele, mas articulando-se com as
diferentes técnicas e sonoridades empregadas: uma unicidade retratada pela juntura
de diversidades.
PARTE III – O ESTUDO “EM TRÂNSITO”
4.0 DOCUMENTÁRIO “EM TRÂNSITO”

No presente capítulo discorro sobre a trilha sonora do documentário “Em


Trânsito”, do Diretor Elton Rivas (2007), mais especificamente sobre as composições
originais e o processo de re-construção musical audiovisual desenvolvida
especificamente para este trabalho.
Para tanto conto com as entrevistas do diretor Elton Rivas e do produtor
musical e assistente de direção Aroldo Maciel, responsáveis pela equipe de
produção do documentário; minhas considerações como pesquisadora e
compositora em parceria de duas das canções presentes na trilha; e os
apontamentos de Carrasco (1993) em “Música e Articulação fílmica6”.
O documentário “Em Trânsito” foi realizado com o auxilio da lei de fomento à
cultura do Estado de Mato Grosso; encaminhado na forma de projeto cultural, na
linha do audiovisual, tendo sua aprovação no ano de 2006 e lançamento no ano de
2007.
A referida obra trata da história da etnia indígena Manoki (Irantxe) que, em
meados de 1900 por estarem quase dizimados “cercados pelas frentes de
expansão, por povos inimigos e atingidos por doenças” (RIVAS, 2007), foram
levados para a última missão jesuíta Utiariti, em terras Parecis, juntamente com
outras etnias.
A interferência ajudou no prolongamento do povo Manoki, mas também
proporcionou transtornos relacionados a desestruturação social, nesta situação
partiram para outras terras. Atualmente, encontram-se em um local ainda impróprio
para a sobrevivência, mas tentando reaver a posse integral das terras de herança.
O gênero documentário enuncia-se desta maneira por elencar possíveis
elementos próprios do contexto documental. A maneira de conduzir uma narrativa
audiovisual baseada em fatos reais é sua característica essencial. Ele pode indicar
narradores abstratos ou concretos, mas suas ações, cenários figurinos e demais
elementos – como arquivos, depoimentos e reconstituições - fazem parte de um
caráter fidedigno.
Este contexto é apontado pelos entrevistados como menos apropriado para
se fazer experimentações musicais. De maneira geral, a pesquisa em questão

6
Titulo da obra do referido autor.
101

aponta para a construção de sonoridades reais, visto que este é o princípio gerador
da idéia documental.
Ouso, neste sentido, em apropriar-me de sonoridades musicais utilizadas na
música contemporânea de concerto para compor mais a diante uma re-leitura das
formas sonoras do documentário “Em Trânsito”.
Antecedendo esta etapa descrevo no tópico a seguir o processo de
construção da trilha sonora original.

4.1 Trilha sonora original

4.1.1 Descrição da trilha

Mesmo não sendo meu propósito abordar todas as músicas utilizadas na


trilha descrevo-as como forma de contextualização do ambiente sonoro musical não
diegético do documentário.
A trilha sonora do documentário em trânsito é composta basicamente por
quatro canções sendo duas pré-existentes e duas compostas especificamente para
o contexto.
A primeira canção executada na trilha é “jãli pasenamapinãtã maleta” (nós
cantamos bonito) gravada anteriormente em CD pelos Indios Manoki, aparece na
exposição inicial do documentário juntamente com caracteres que introduzem o
contexto da narrativa que será abordada. Mais adiante, após 17 minutos de
exposição a canção volta a aparecer.
Após o oitavo minuto de exposição a música Ameríndia de Gilton Mendes,
gravada por Verone em seu primeiro CD solo, aparece contextualizando o momento
em que se narra (verbal e imagens) a situação específica dos diversos povos que
integram à missão Uitiariti.
As demais canções foram desenvolvidas especialmente para o documentário.
“Brasilidade”, composta por mim e pelo assistente de direção Aroldo Maciel,
apresenta-se em duas inserções: uma aos 16 minutos e outra após os 24 minutos,
como conclusão do documentário; e “Trânsito de idéias”, composta também por
102

mim, mas em parceria com o diretor Elton Rivas. Sua inserção encontra-se no 23º
minuto de exposição.
Procurei o diretor para que contribuísse, através da sua visão, com alguns
apontamentos sobre a descrição de determinados elementos relativos ao processo
de construção da trilha. Encaminhei-lhe por email os tópicos, pois se encontrava em
viagem.
Os temas elaborados referem-se a tópicos que julgo influenciar as posições
tomadas pelo diretor no processo de escolha da trilha, bem como indagações sobre
esta escolha.
- Qual a função da trilha musical no seu ponto de vista?
Sobre o documentário “Em Trânsito”:
- Porquê a escolha da trilha utilizada?
- Responsável único pela escolha? Alguma parceria?
- Tinha orçamento destinado à trilha?
- Houve integração entre diretor / compositor / músico / ou responsável? De que
forma ocorreu?
- O Resultado do trabalho (entre as pessoas; entre as linguagens utilizadas;
musical).
- Uma nova proposta sonora caberia no documentário?
Dentro disso Rivas considera, assim como os demais diretores entrevistados,
que a trilha musical tem um caráter muito importante dentro do audiovisual, sendo
“parte fundamental na linguagem, na gramática da história que se quer contar”.
Mais especificamente sobre a trilha do documentário “Em Trânsito”, o diretor
relata que a idéia era proporcionar abertura à “talentos” e trabalhar com pessoas que
captassem a idéia germinativa da obra.
Rivas aponta ainda que a trilha precisava proporcionar um sentido de unidade
musical e auxílio à narrativa.

Também usamos a trilha sonora dos índios na produção e era


preciso que as outras músicas tivessem sintonia com as canções
indígenas, que soassem harmônicas, mesmo que isso não signifique
escolhas musicais parecidas com as canções ou com a rítmica dos
índios. Era mais no sentido de criar uma trilha que colaborasse com
a narrativa do video.
103

Ele indica, também que o trabalho audiovisual é uma criação coletiva e que o
diálogo entre os integrantes, mais especificamente com seu assistente de direção
contribuiu muito para o desenvolvimento do trabalho. “O Aroldo, que era o assistente
de direção também participou da criação da trilha. Então ficou mais fácil criar os
momentos ‘musicais’ de acordo com a nossa intenção narrativa”.
Aroldo Maciel, que trabalha com Rivas neste projeto, é produtor musical e
dedica-se, também, aos trabalhos audiovisuais na parte de produção e direção;
certamente seu aporte cooperou à construção musical da trilha original. Elton Rivas
ainda marca o auxílio dos demais profissionais responsáveis pela a produção
musical, os quais cederam todo o trabalho (direitos de divulgação, composições,
instrumentação e demais elementos da produção musical), pois não tinham recursos
para o desenvolvimento da trilha.
Considerando os resultados do trabalho o diretor afirma:

Acho que o resultado foi excelente. Foi uma obra dentro da obra. É
claro que não se pode separar a música da imagem. Elas se fundem
numa coisa só. Mas acredito que cumprimos nossa pretensão em
criar uma atmosfera musical que nos ajudasse a contar a história dos
Manoki, respeitando a narrativa do documentário e de forma criativa.

E complementa que a opção pela trilha foi feita, mas, quanto às


possibilidades, o documentário proporciona diversas escolhas musicais.

Acho que tínhamos a opção do rico universo da musicalidade


indígena, no caso a Manoki. Só aí poderíamos criar ou simplesmente
utilizar o material já existente dos índios de forma a gerar muitas
outras coisas. Mas nossa opção foi outra.

4.1.2 Enfoque sobre a trilha original

O processo de construção musical das músicas originais ancorou-se no


estudo do roteiro e em um possível texto literal resultante de palavras chaves.
Em “Brasilidade”, Aroldo Maciel proporcionou-me uma relação de palavras
que deveriam existir em seu contexto.
Como ainda não conhecia o roteiro, o diretor descreveu-o especificando,
também, o roteiro das imagens que faziam parte do documentário.
104

Dentro de uma breve lista de palavras estruturei um texto paralelo a algumas


idéias melódicas que, após algumas tentativas, concretizou-se na forma de duas
estrofes distintas. Quando as idéias musicais estruturaram-se em frases e seções
alguns elementos se sobressaíram ganhando maior ênfase e delineando a canção
na forma estrofe-refrão.
Durante o processo foi utilizado o recurso de gravação de voz. Desta maneira
as idéias musicais (melódicas e rítmicas) foram selecionadas e desenvolvidas.
Sua primeira versão seria no gênero popular de samba, contudo a
intervenção do produtor, através da sugestão de samplers de bateria em hip-hop
conduziu a musica a ‘acertos’ melo-rítmicos no canto e na prosódia textual.
Na produção da música “Trânsito de Idéias” tive o primeiro encontro com o
diretor Rivas, acompanhada também pelo produtor. Ele expôs-me a idéia de compor
uma música para que o vocalista da banda Rhox participasse.
O diretor apontou que a sociedade passava por constantes mudanças e sua
idéia era a de fazer um casamento entre o estilo da banda - dando uma idéia de
contemporaneidade - e refletindo os processos culturais dinâmicos da sociedade
atual.
Algumas palavras foram sugeridas pelo diretor, dando ênfase ao tema do
documentário. Na referida situação tive a oportunidade de conhecer o cantor que
interpretaria a canção, além de investigar mais sobre o perfil da banda, gêneros
musicais cantados e tessitura vocal desenvolvida pelo cantor.
Baseando-me no estilo da banda intérprete fui enfática em aderir um canto de
caráter falado no sentido de priorizar o texto da canção. Algumas melodias em vozes
femininas intercaladas das frases de caráter falado foram criadas para contrapor as
idéias musicais, contudo, na versão final elas foram eliminadas.
A música “Trânsito de idéias” também se apresenta em forma refrão-estrofe,
entretanto, dentro de uma estrutura mais simétrica que a apresentada por
“Brasilidade”.
As características musicais das duas canções estão muito associadas com a
estruturação do texto literal - ritmo silábico, verso, rima e demais elementos textuais.

Brasilidade (Ana Cecília/Aroldo Maciel)

Vivos guerreiros visitados por Cabral


Braços herdeiros de uma crença natural
105

Invasores do progresso trazem no barco a receita


Da vida com deuses de pau

Vivos guerreiros flagelados por Cabral


Braços herdeiros do tesouro nacional
Invadidos sem regresso trazem no peito a certeza
Da vida sem seu ancestral

Tv, sal, açúcar, diabete, hiper-tensão


Assim dizia um velho Irantxe
Das pragas que viriam junto com a evolução

09 velhos índios tocam, cantam, contam história


Em sua língua nativa
Lembram da terra nova
Da visita do ‘vizinho’
Canta! Toca! Conta Manoki!

Transito de Idéias (Ana Cecília/Elton Rivas)

Cabo à cabo meio à cabo no não ser


Entre a linha imaginária do viver
O que vivo, o que penso
Me remete a um transe da memória
No transitar das idéias da memória do poder

Do poder que já não há (em trânsito)


Do poder do querer ver (do ser que não pode ter)
Do poder que já não há (em trânsito)
Do poder do querer ter (do ser que não pode ver)

Vago à vácuo emoldurado na pressão


Porque quero, porque querem
O desejo natural do trânsito da memória
No transitar das idéias da memória do poder
(SANTOS; RIVAS. Trânsito de idéias, 2007)

As sonoridades obtidas são desenvolvidas dentro de uma perspectiva de


formato musical mercadológico. A escolha dos timbres e a composição instrumental
(arranjo) basearam-se na formação de quarteto instrumental composto por baixo,
bateria, guitarra ou violão e sons sintetizados.
A idéia estruturada para as canções destinava-se em aproximar o ouvinte
para a narrativa audiovisual através de sonoridades características do seu próprio
ambiente cultural.
Em uma das conversas que tivemos em equipe o diretor chegou a mencionar
que seu objetivo era o de informar sobre a situação dos Manoki através de uma
106

linguagem jovem e moderna; que a questão indígena não fosse vista de uma forma
pejorativa e estereotipada como muito se é exposto – índio vestido com penas de
Apache, desligados dos processos culturais exteriores ao seu povo; mas que esta
fosse uma nova leitura sustentada por uma música que ‘retratasse’ o “trânsito” dos
Manoki por pertencerem a duas culturas e ao mesmo tempo a nenhuma delas.
De acordo com o pensamento de Ney Carrasco (1993), previamente
desenvolvidos no tópico relativo à narrativa musical, “a música pode ser entendida
como uma das vozes do narrador, que pode manifestar-se como intervenção épica
ou como parte da ação dramática” (CARRASCO, 1993 p. 74).
No caso mais especifico das canções, o autor acrescenta que a sua
verdadeira função é de narrativa épica, contribuindo para a literal apresentação da
sinopse do filme.
Carrasco aponta que esta utilização, geralmente, acontece nos créditos
iniciais, mas no estudo de caso específico observo que as canções e suas inserções
concentram-se:

I- Aos 16 minutos de execução, como narração épica para que os Manokis


“toquem, cantem e contem sua história”.
Esta inserção se apresenta dentro do contexto em que os entrevistados são
questionados sobre a utilização da sua língua vernácula.
A narrativa audiovisual parece conduzir o expectador à possível perda da
identidade cultural Manoki através do desuso da prática lingüística.
A canção entra, então, com a seguinte frase “Canta! Toca! Conta, Manoki!”
apresentando uma narrativa textual como interlúdio da cena anterior às próximas
cenas. A música, neste contexto, caracteriza-se apenas como veículo de
informações verbais.

II - Aos 23 minutos: como narração lírica e épica, falando de si mesmo e


sujeitando-se como narrando para o ‘outro’; e como ação dramática: apropriando-se
da utilização de gêneros musicais padronizados de contextos para o contexto.
A referida inserção é de “Transito de Idéias” que, nos minutos finais do
documentário, narra em sua letra a situação de deslocamento do ‘eu’, frente ao seu
contexto sócio-cultural, e as possíveis dúvidas em relação a sua posição como
indivíduo histórico.
107

Esta situação poderia ser explicada apenas pela narrativa épica, caso não
estivesse no presente e na primeira pessoa da narrativa. O narrador possivelmente
contaria em suas palavras a situação Manoki. Contudo, o que acontece de fato é
uma extrapolação do narrador frente a situação em que se encontra, servindo de
‘narrador dúbio’, falando do outro e de si.
Desta forma, a narrativa da canção descrita exprimi-se sobre a sua própria
ação. “o que vivo, o que penso me remete...” é apenas um dos infinitos exemplo de
narrativa textual lírica desenvolvida pela canção “Trânsito de idéias”.
Este tipo de narrativa é chamada Lírica, Carrasco (1993) em seu estudo
descreve este gênero narrativo, mas utiliza-se apenas dos gêneros épicos e
dramáticos para explicar a música na articulação fílmica.
A situação apresentada pode fazer referência, tanto da voz do cantor (do
compositor) quanto a voz de um narrador Manoki. Contudo a probabilidade de
articulação entre os gêneros textuais será possível apenas se pensarmos sobre um
ótica “objetiva” e “subjetiva” do ser: o eu como narrador; e eu como outro; sendo o
mesmo eu.
Por sua vez, os elementos musicais são estabelecidos pelo gênero musical
que aparece juntamente com o texto da canção. A própria utilização de gêneros
musicais já desenvolvem um conceito de estruturação dentro de moldes específicos
sonoros; informa-nos uma relativa apropriação de sonoridades e estereótipos
musicais que informam uma possível ação.
A música “Trânsito de idéias” acaba construindo um contexto textual e sonoro
(simultâneos) através da possível existência das narrativas Lírica, Épica e
Dramática. E seus apontamentos (o contexto das imagens – homens no caminhão
em movimento; o ritmo dos créditos que passam na tela; a ação presente no
‘makingoff’; o desfecho conclusivo do enredo - em viagem ação dos índios) fazem
referência sempre a idéia de deslocamento que o título “Em Trânsito” informa.

III - Aos 24 minutos de exibição: afirmando o caráter narrativo épico da canção


(abordado por CARRASCO, 1993).
A canção “Brasilidade” aparece novamente em cena, já nos créditos finais,
para contar novamente a história de vida dos índios Manoki, através da sua letra.
Contudo, observo-a que seu aparecimento não proporciona um sentido de
redundância narrativa, mas um sentido épico que parece aconselhar o espectador
108

que continue lembrando da história. Que a narrativa desenvolvida no documentário


seja perpetuada e que a platéia possa mobilizar-se em função da temática
abordada.
Em suma posso afirmar que a trilha sonora original do documentário “Em
Trânsito”, cujo alicerce compõe-se de canções, utiliza nitidamente o conceito
abordado por Carrasco (1993) sobre a “função épica da canção”. É um elemento
forte para a afirmação direta e interferência de um narrador objetivo, disposto a
conduzir a narrativa audiovisual solidificando seu roteiro. Contudo, do ponto de vista
da música pura, os elementos musicais são utilizados muito limitadamente, dentro
de padrões estabelecidos por gêneros e sonoridades das produções
mercadológicas; servindo como veículo informativo, literário e estereotipado.
Volto a afirmar que me isento de valorações depreciativas. A música no
audiovisual não é utilizada de forma errônea, mas dentro de possibilidades muito
estreitas e restritas; ela não atua como signo puro, mas desempenha um papel como
veículo narrativo: dentro de uma narrativa necessária que a referida obra se propõe.

4.2 Os estudos composicionais: direcionamentos no documentário


“Em Trânsito”

O estudo N.3 foi desenvolvido apenas como peça musical, isolada de


qualquer intenção de articulação entre imagens. Desta forma, não era a minha
intenção incluí-la como trilha (estudo) na nova versão sonora que construí para o
contexto audiovisual estudado. Contudo, dentro do processo de re-construção da
trilha, as sonoridades desenvolvidas pela peça -timbre, coloridos sonoros e aspectos
rítmicos -, remeteram-me a um ambiente possível como recurso sonoro.
Os trechos utilizados de forma fluida ajudam a amenizar os cortes e
transições mais bruscas de imagens, pois tomam para si um aspecto de
“estranheza” contextual, não fazendo parte da cultura Manoki, mas referenciando-a.
Como já havia trabalhado com a trilha anterior tinha uma afinidade bem
desenvolvida com a obra (roteiro, cenas, inserção de trilhas musicais, etc). O mais
difícil foi criar possibilidades sonoras baseadas em um novo estudo, já que a
lembrança sempre me remetia à primeira trilha.
109

Por sua vez, o estudo N.4 foi desenvolvido com partes diversas e distintas
com o intuito de proporcionar uma riqueza de material sonoro para o contexto das
imagens do documentário. Mesmo pensado para audiovisual, o desenvolvimento do
material sonoro deu-se através da escrita à mão da partitura, assim como os demais
estudos. Havia a possibilidade de criá-lo diretamente em ambiente computacional a
fim de desenvolvê-lo mais próximo às imagens. Minha escolha, desta forma, ficou
mais próxima a da escrita musical isolada, uma vez que criei de uma forma não
literal (imagens e relações musicais), mas desenvolvendo as idéias de forma
globalizante e em sentido macro.
A obra seria executada em um local apropriado munido de recursos técnicos
e humanos: ambiente acústico apropriado, aparelho de retro projeção em tela,
aparelhagem de coleta de áudio, regentes, músicos e técnicos de som. Contudo,
esta movimentação requer o envolvimento que diversos profissionais, orçamento
mais dispendioso e maior tempo para a execução do projeto - disposição externa as
minhas possibilidades individuais como pesquisadora.
Ao longo do processo, levando em consideração esta impossibilidade
imediata de concluir o experimento (gravação ao vivo); e tendo este trabalho o
objetivo maior de estudo sobre o tema trilha sonora, a idéia desenvolveu-se em duas
partes: I) ‘adequar’ a peça ao contexto audiovisual, através dos recursos
computacionais - assim, seria mais sólido a estruturação da obra, saindo de um
espaço das idéias e concretizando-se como audiovisual; e II) transcrever a nova
estrutura sonora e gravar em local apropriado ao vivo.
Desta forma, para este estudo desenvolvo apenas a etapa I. E como processo
metodológico pontuo o procedimento, incluindo a etapa II apenas como ciência do
processo total:

PARTE I - Etapas de definição da trilha

1) Inserção do MID no programa Sonar juntamente com o áudio do documentário;


2) Direcionamento de timbres e adequação em ambiente computacional (re-
direcionamento de oitavas, mixagem de instrumentos, e volume da trilha de acordo
com os diálogos);
3) Possíveis locais de inserção dos estudos;
4) Trechos musicais relacionados ao contexto;
5) Nova mixagem e novo volume;
110

6) Conversão dos instrumentos utilizados para o formato áudio;


7) Exportação do arquivo para o programa Adobe Premier (edição de
imagem/vídeo);
8) Renderização7 da obra;
9) re-transcrição dos trechos utilizados, novos andamentos e dinâmicas, definição
dos trechos aleatórios com marcas cronológicas de inserção estabelecida (tempo e
duração).

PARTE II – Execução do projeto

1) Gravação ao vivo;
2) Sincronização (áudio e vídeo);
3) Mixagem e masterização (em consideração com os diálogos);

Em gravação ao vivo, as possibilidades de repetição de trechos já


executados, com dinâmicas e pulsos diferentes, proporcionariam uma variedade
ainda maior de material sonoro. Neste sentido, a escolha dos trechos e dos locais de
inserção das trilhas teriam uma multiplicidade de escolhas. Entretanto, as trilhas (N.3
e N.4) foram exportadas em arquivo MID para o programa de edição de som e
imagem “Sonar”.
Utilizo-me, ainda, apenas das partes metrificadas dos Estudos e determino as
possibilidades de inserção de trechos de escrita relativa. Esta escolha foi realizada,
pois em ambiente computacional as partes relativas apropriam-se de métricas
diferentes se comparada com sua execução ao vivo. Desta forma, a idéia era
estabelecer sonoridades relativas ao contexto das imagens, deixando margem para
novas experiências caso ocorresse a gravação do áudio ao vivo (etapa II).
Como o gênero documentário, de conformidade com o já exposto, tem um
caráter de mais fidelidade aos acontecimentos reais que as outras produções
audiovisuais, foram utilizados apenas trechos das obras produzidas, de forma que
não se perdesse ao todo esta intenção. Talvez, se os estudos fossem desenvolvidos
diretamente por recursos computacionais haveria uma possibilidade de construir
uma trilha que acompanhasse o documentário de início ao fim, observando mais

7
Processo de transformação do formato *.cwp para *.avi.
111

literalmente o contexto da narrativa audiovisual. Contudo, poderia, também,


comprometer o gênero audiovisual tomando para si um local de importância muito
além da sua atuação nesse contexto especifico.
Os trechos escolhidos buscaram retratar um ambiente que remetesse aos
contextos de inserção e ao mesmo tempo propor possibilidades de idéias sonoras.
No processo de construção do Estudo N.4 fiz menção à diversos ambientes
musicais por identificar no documentário o trânsito cultural em que os Manokis
buscam sobreviver e reavivar suas experiências como nação.
O trecho modal, que dá início ao estudo, foi inserido na cena das crianças
Manoki para articular com conceitos culturais próprios da nossa cultura: O modal
como recurso de culturas “não ocidentalizadas”, o timbre de vibrafone que remete-
nos à “caixinha de música” usada para presentear crianças, também contribuindo
com a perpetuação da idéia de ingenuidade humana.
O trecho politonal do Estudo N.4 foi utilizado em momentos mais tensos da
narrativa verbal onde os índios contam o ataque de um possível “liquido de sarampo”
vindo do céu. Servindo com afirmação à narrativa, mas acima de tudo
proporcionando uma desestabilização do centro tonal e sugerindo uma versão
menos romântica para a história relatada pelos anciões Manokis.
Duas outras inserções (mais especificamente da secção II do Estudo N.4)
também acontecem no meio da narrativa audiovisual, quando mostra-se a paisagem
da última missão jesuíta “Utiariti” e a visita ao possível cemitério não demarcado.
Mesmo metrificado a referida parte proporciona uma fluidez na transição das
imagens e narrativa visual.
O Estudo N.3 por sua vez, proporcionou uma clareza tímbrica que junto com a
possibilidade atonal direcionaram-me a um ambiente externo “sem” referência
cultural, ou “universalmente” cultural. Ao mesmo tempo em que as imagens fazem
referência ao povo Manoki (o outro; o fora de mim) o estudo N.3 pertence a qualquer
lugar – o “atonal” utilizado em qualquer parte do mundo, mesmo à cultura Manoki.
Além do atonalismo ainda desenvolver uma idéia de “não pertencimento à”; sem um
centro a cultura tonal torna-se o outro.
Os trechos relativos da partitura poderiam apropriar-se perfeitamente dos
locais de inserção estipulados pela trilhas aqui descritas. Contudo, esse experimento
só poderia desenvolver-se no processo de execução das obras (ao vivo) juntamente
com as imagens. Estes resultados, por sua vez, seriam variáveis não podendo
112

descrever as possíveis relações, já que seria puramente a descrição de um novo


processo de composição musical. A regência, as imagens e a execução, como
determinantes composicionais, passariam a ser ‘agentes de possíveis escutas’.
Por outro lado também, a criação em ambiente computacional deu-se de
forma muito individual, através das minhas reflexões e idéias para se compor os
momentos de inserção de trilha. Caso houvesse a integração do grupo de trabalho
(diretor, compositor, regente, intérprete e imagens - sincronias rítmicas), os
resultados seriam verdadeiramente outros – mais próximos à criação coletiva.
Tratando-se de um estudo, minha intenção era a de retirar as trilhas originais
e refazer ambiências sonoras. Contudo, sendo este também um estudo sobre
audiovisual, a música “Trânsito de idéias” foi mantida.
Dentro do meu ponto de vista, a idéia de priorizar o contexto literário que a
obra proporciona, mesmo através de “clichês” musicais, causou um efeito de
“transição” entre as tendências utilizadas no documentário e um “outro”, o da cultura
popular – a compositora e o expectador – que podem vir a ser parte do contexto
apresentado. Seria um momento de aproximação do público com o documentário.
Uma forma de identificação direta expectador com a obra.
Outra forma seria utilizar o texto original dentro de novas formas sonoras. Isso
proporcionaria uma nova experiência para a escuta do expectador ao mesmo tempo
em que o texto lhe traria expressões verbalizadas. Mas esta possibilidade surgiu
apenas quando optei pela utilização do texto literário.
Observo claramente que o trabalho desenvolvido sobre o documentário partiu
de escolhas muito individuais que em muitos dos casos discutindo-se com toda a
equipe de produção seriam certamente julgadas.
A idéia de transformar ambientes sígnicos tão afastados - Manokis e música
de concerto – inicia sua problemática na origem da palavra, no termo. E esta relação
é complexa na medida em que acomodamos significados dentro de cada cadeia
sígnica de origem. Dentro desta visão, falar sobre dois objetos tão distantes,
verdadeiramente, requer novas relações que são estipuladas e afirmadas por
escolhas das quais, após todo um processo de interpolação, resultam em novas
formas.
No mesmo sentido posso afirmar que fundir elementos sonoros à imagens, ou
mesmo articulá-los, são possibilidades de tensão - nunca verdadeiras.
113

Pensando sobre o meu fazer, alguns momentos puderam demonstrar uma


certa consciência sobre o ato de compor em relação às imagens: captar as formas
sonoras visualmente; ‘climatizar’ uma ambiência ainda ‘não descoberta’. Contudo, a
composição musical em ambiente audiovisual, por se tratar de um local muito
subjetivo, no meu ponto de vista, ainda encontra-se norteada por especulações.
Possivelmente, considerando os dados obtidos pela pesquisa em geral, essa
situação parece estar muito fragmentada e diluída pelas distâncias e, por mais
paradoxo que seja, pela falta de comunicação sobre a temática na era das
tecnologias da informação.
Os estudos composicionais, por sua vez, permitiram, dentro da sua respectiva
área (música), ricos resultados sonoros; locais de escutas transformadoras; um
abastado ambiente composto por texturas, espaços, dimensões e ritmos. Desloca as
sensações de simetria, re-organizando sua atuação; e organiza o local da
desestabilidade métrica dentro de um novo e possível universo, que trabalhado
dentro de uma visão macro-orgânica, é formado por ‘irregularidades’ unificadoras.
Desta forma, estas sonoridades resultantes aliadas ao contexto audiovisual
(imagens, roteiro, narrativas...) defendem um novo fazer ancorado por possibilidades
de co-existência entre as formas expressivas; permitindo que significados pré-
fixados culturalmente sejam pensados e re-elaborados dentro de uma organização
própria.
PARTE IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS
CONCLUSÃO

Por isso a relatividade o que ‘é’ era, ou não, ou poderá vir a ser, ou
não, em detrimento da forma perceptiva do instante, este indomável.

A experiência de construir os objetos sonoros, presentes no terceiro capítulo,


foram, objetivamente, a manipulação destes como ‘exportação’ de processos e
idéias musicais - o que julgo importantíssimo para o processo de discussão da
temática. Mesmo com o auxilio de técnicas composicionais este processo aconteceu
dentro de uma construção perceptiva muito própria, partindo de um ouvinte (eu). O
mesmo processo é observado quando as imagens são integradas ao contexto.
Esta situação é claramente indicada no aporte teórico, nas entrevistas e na
bibliografia consultada. Apesar de parecerem como partes isoladas a monografia
apresenta o objeto musical através de um eixo condutor baseado na percepção, na
construção de idéias e sua exteriorização (flexível e modulante). E este processo é
observado também de forma muito individual em todos os capítulos apresentados: a
percepção, a construção de idéias, a exteriorização sob a visão dos entrevistados e
bibliografia para a música no contexto audiovisual. A percepção, a construção de
idéias, a exteriorização nos processos composicionais e na música do século XX.
Nos estudos composicionais; na construção do objeto sonoro-visual.
Neste sentido, aparece a situação em que objetos isolados e suas relações
constroem um terceiro objeto: a narrativa audiovisual, que por sua vez desenvolve-
se, também, dentro dos mesmos processos (percepção, construção, exteriorização)
- que devo dizer é um processo eterno e contínuo. Mas ela já não pertence mais às
mesmas referências que a formaram.
Mesmo que nossa memória remeta em alguns momentos para capítulos
específicos deste estudo (a exemplo das idéias desenvolvidas no parágrafo
anterior), é clara também sua relação presente na macroestrutura do objeto - não
mais musical, mas audiovisual.
O recorte musical escolhido para auxiliar o objeto de estudo, sendo de
referência pura, desenvolve complexidades para a construção de discursos verbais
sobre a sua existência.
De maneira isolada, a música em questão, é uma proposta rica, mas ainda
pouco compreendida pela nossa tradição de ouvido ocidental tonal, mesmo que
grandes exemplos de produções musicais contemporâneas tenham surgido entre
nós e outros ainda permaneçam. Ela desenvolve dentro de espaços diferenciados e
móveis criando atmosferas próprias que se deslocam. Mesmo sem um visível centro
de referência onde seus processos desenvolvem-se, ela constrói um “espiritual” que
comporta sua existência. A criação rítmica, a espacialidade e as sonoridades obtidas
pelas suas relações são constantes e fluidas, ao mesmo tempo em que, em
determinados momentos, parecem solidificar-se e dissolver-se.
Mesmo pertencendo a uma linguagem própria (a música) suas relações
sonoras quando articuladas som a som constroem novas indicações de existência.
Uma reunião de “seres espirituais”8; um invisível observado somente pelo ouvido
perceptível a este, num instante temporal individual e único, pois a percepção que se
tem de um determinado objeto constrói-se no muito sentir/presenciá-lo. O primeiro
momento junto deste nunca será (re) captado, assim como o último dará lugar para o
seu sucessor. Isto é próprio dos signos materializados no tempo.
Mesmo parecendo um perigo à pesquisa científica, os objetivos e os inúmeros
problemas indicados na introdução deste trabalho são alcançados. Contudo, devo
esclarecer que novas relações surgiram dentro deste processo. Este estudo
possibilitou-me diversas reflexões sobre o fazer musical, proporcionou escutas
diferentes e abriu caminhos para novas delineações. Entretanto, pensar na proposta
de re-elaboração de um determinado objeto, passar pelo processo de re-construção
e obter resultados diferentes, fez com que as experiências anteriores fossem
expandidas e re-organizadas. Da mesma maneira acredito que os resultados
sonoros deste estudo ‘concluíram’ (mesmo que para este momento) da mesma
forma.

8
Termo utilizado por Ilsa Nogueira no texto “uma aproximação audiovisual” (NOGUEIRA, 1979), onde se
refere à co-existência espiritual e autônoma das relações sonoras e também ao momento em que elementos
exteriores agregam-se a estes.
Aos questionamentos, de uma maneira geral, concluo que a música dentro do
audiovisual apresenta-se de uma nova maneira. Não mais ela, mas dependente das
suas possíveis articulações neste novo ambiente.
Desta forma esta temática e sua abordagem abarcam o sentido global dos
objetivos da pesquisa científica: delimitar um determinado objeto dentro das suas
possíveis percepções/ escutas/ visões, abrindo caminhos para novas possibilidades.
E, mesmo apresentando algumas respostas, esta sensação conclusiva é apenas
aparente, pois muito tem a ser dito.
O novo objeto que surge desta forma é “o estudo da linguagem híbrida”,
através da percepção sobre os seus diversos objetos e suas relações. O que
certamente nunca chegaríamos a respostas acabadas.
O que afirmo, então, é a existência de uma nova relação e de novos
significados, onde as técnicas (assim como em ambiente isolado) auxiliam apenas
na exteriorização das idéias musicais. E a percepção, o ato de perceber, sobre o
objeto - ‘música’ ou ‘música para audiovisual’ - vale mais neste contexto.
O que aponto a partir disso é a importância das inúmeras tentativas de
aproximação destes universos. Tomando as palavras de Carrasco, “A prática, a
análise de obras e a síntese teórica devem caminhar juntas”. E, mais ainda, a
necessidade de percebê-lo e internalizá-lo dentro dos seus diversos enfoques.
O estudo sobre hibridismo das linguagens aparece aqui apenas como tópico
mais próximo para o dado momento. Claramente a temática comporta para infinitas
discussões.
Desta forma, acredito que a disposição deste estudo auxiliou, dentro da sua
proposta, o processo de um devir dos estudos musicais em ambiente audiovisual.
Contudo, na atualidade esta problemática caminha, mesmo, a passos lentos,
necessitando maiores investimentos para a pesquisa na área. Não apenas
monetários, mas humanos; Não apenas dos pesquisadores que já se encontram
enlaçados pelo tema, mas de todos os participantes que vivem este local; que vivem
a existência desta nova “forma”.
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GLOSSÁRIO

Adobe Premiere – Programa de criação e edição de vídeo digital.

BAFTA – British Academy of Film and Television Arts. Premiação anual da academia
britânica de produção cinematográfica e televisiva. Equivalente ao Oscar (Norte-
americano).

Comunicar – Expressar formas, sejam elas verbais, sonoras, visuais, gestuais e


outras. Compartilhar.

Conotativo - que serve para indicar uma idéia secundária simultaneamente a idéia
principal.

Contraponto musical – (termo do século IX, derivado do latim punctus contra


punctus, isto é, nota contra nota). Relação dos elementos musicais verticais e
horizontais de maneira simultaneamente, contrastantes e independente. (ZAHAR,
1982).

César – Premiação anual da academia francesa de produção cinematográfica.


Equivalente ao Oscar.

Curtas – formato de produção audiovisual (filmes, vídeos, etc) com duração de até
24 minutos.

Denotativo - com o sentido e significado conceptual, fundamental e imutável de uma


palavra.

Diegética – relativo a diegese (narração; história; relatório; representação). Música


diegética diz-se sobre aquela que é apresentada no contexto audiovisual através
dos seus objetos geradores próprios. Exemplo: música gerada por um rádio, sirenes
por carros de polícia, sons de pássaros executados pelos próprios animais em cena.
125

Dodecafonismo – técnica de composição musical baseada na escala de doze sons


cromáticos. A partir da criação, do próprio compositor, de uma série inicial de doze
sons pode-se gerar sua inversão e a inversão retrógrada da série básica. Este seria
um material básico empregado no processo de composição musical. “A mais
conhecida aplicação musical do serialismo” (ZAHAR,1989).

Dinâmica – Grau de intensidade ou volume de som (com gradação entre fraco ao


forte).

Escrita Convencional – notação musical gráfica com parâmetros pré-estabelecidos.

Escrita Relativa - notação musical gráfica “de caráter indeterminado” (ZAHAR,1989).

Expressar – Exprimir-se. Fazer conhecer idéias, sentimentos ou demais formas


possíveis de exteriorização de idéias mentais, sem que seja propriamente através da
estruturação própria da linguagem verbal. A exemplo as formas musicais.

Extensão musical – distância compreendida entre a nota mais grave e a mais aguda
de um determinado instrumento ou peça musical.

Harmônicos naturais – Componentes de um som musical. Vibração sonora do todo e


das partes que acompanham o mesmo som. Quando uma onda fundamental é
executada as diversas frações do seu comprimento também são produzidas em
conjunto, embora muitas vezes inaudíveis.

Homofonia – trechos musicais que não tem independência.

Informar – comunicar através de diferentes formas de linguagem mensagens


específicas.

Ligadura – em notas de mesma altura: sinal gráfico utilizado para ligar uma nota a
outra resultando na sua soma sonora. Em notas de alturas diferentes este recurso é
utilizado para deixar o prolongamento sonoro o mais próximo possível da nota
subseqüente.
126

Linguagem - sistema de geração, organização e interpretação da informação através


de signos próprios do seu meio.

Leitmotiv – frase ou motivo musical condutor. Percorrendo toda a peça desenvolve-


se com os demais elementos da música articulando, contrapondo ou repetindo-se de
forma fragmentada ou íntegral.

Longas – formato de produção audiovisual (filmes, vídeos, etc) com duração superior
a 24 minutos.

MIDI - Musical Instrument Digital Interface - Interface Digital para Instrumentos


Musicais. Formato padronizado de linguagem computacional que possibilita a
digitalização (virtualização) da partitura musical, ou de sonoridades específicas.

Midiático - relativo aos mass media; que é transmitido ou divulgado pelos mass
media (meios de comunicação de massa, a exemplo da televisão).

Modo – “formas de escalas [seqüência, ou série de notas ascendentes ou


descendentes] usadas originalmente pelos gregos (com base na escala pitagórica) e
depois adaptada por músicos medievais” (ZAHAR,1989).

Oscar – Premiação anual da academia de cinema norte-americano para as


produções audiovisuais (filmes e documentários) e suas diversas categorias: melhor
filme, melhor roteiro, trilha sonora, direção, ator e atriz (principal e coadjuvante),
entre outras.

Ostinato – Frase musical melódica e rítmica curta que se repetem continuamente.

Polirritmia – Diz respeito a música que utiliza diferentes partes, baseadas em


diferentes ritmos, tocados simultaneamente.

Politonalidade – sistema de composição musical baseado na utilização simultânea


de mais de uma tonalidade.
127

Politonalismo – tendência composicional baseada na utilização da politonalidade.

Pontilhismo – “Técnica de composição que dá a impressão de a música consistir em


seguência de pontos de som, em vez de linhas melódicas” (ZAHAR, 1989)

Rifs – células rítmicas (motes) que se repetem continuamente, a exemplo do


desenvolvimento do ostinato.

Samplers - equipamento de armazenagem de sons em memória digital.

Score –– termo apropriado pela língua portuguesa como “Partitura musical”. Refere-
se a toda obra musical utilizada na produção de uma trilha sonora.

Serialismo – método de composição baseado na ordenação em série de alturas de


som e/ou demais elementos como: duração, timbre e dinâmica.

SONAR – programa de áudio e vídeo com ferramentas de gravação, criação, edição,


manipulação de samplers e sons sintetizados.

Staccato – Destacado. Sinal gráfico utilizado acima da nota musical para indicar sua
reprodução destacada e individual.

Hipermídia - reunião de várias mídias (imagens, sons, textos e vídeos) em suporte


computacional não linear.

Sintetizador – através de matrizes sampliadas (referente a sampler) o sintetizador


auxilia no processo de reprodução, sendo um recurso utilizado para mudar as ondas
sonoras e ajustá-las com novos timbres.

Soundtracks –– termo adaptado pela língua portuguesa como “Trilha sonora”.


Refere-se à toda construção sonora empregada no contexto fílmico (efeitos,
narrativas e trilhas musicais).
128

Tessitura – Altura média das notas de uma composição.

Textura – densidade das sonoridades empregadas em uma obra musical.

Tímbrico – referente à timbre.

Timbre – qualidade sonora determinada pelo número e intensidade dos harmônicos.


Para o ouvido humano podemos indicá-lo como a “voz” ou a “cor” de uma
determinada fonte sonora. A exemplo: o som do piano, que é diferente do som do
trompete; a voz masculina, que é diferente da voz feminina; etc.

Vera Cruz – Companhia cinematográfica criada em 1947 (São Bernardo do Campo,


SP). Responsável por inúmeras produções de cinema conhecidas nacional e
internacionalmente, a companhia contrapõe-se ao gênero Chanchadas, até então de
muita influência para a época, e promove novos fazeres ao cinema nacional até a
década de 70 quando entra em declínio, ocasionando seu término.
SANTOS, Ana Cecília. Composição musical: estudos dirigidos para audiovisual.

ANEXO 01 – PARTITURAS

Dissertação de mestrado em Estudos da Linguagem. Área de concentração:


Estudos literários e culturais. Linha: Música: educação, estética e amálgamas
sonoros.Universidade Federal de Mato Grosso, 2008.
Conteúdo: Estudos Composicionais (referente aos tópicos de 3.0).
Estudo N.1 (para vibrafone solo)
Estudo N.2 (para piano solo)
Estudo N.3 (para duo de violões)
Estudo N.4 (para piano, violão, violino, violoncelo e percussão múltipla).
130

ESTUDO N.1

Ana Cecília dos Santos


131

Estudo N.1 página 02


132

Estudo N.2

Ana Cecília dos Santos


133

Estudo N.2 página 02


134

Estudo N.2 página 03


135

Estudo N.2 página 04


136

ESTUDO N.03

Ana Cecília dos Santos


137

Estudo N.3 página 02


138

Estudo N.3 página 03


139

Estudo N.3 página 04


140

ESTUDO N.4
Ana Cecília dos Santos
141

Estudo N.4 página 02


142

Estudo N.4 página 03


143

Estudo N.4 página 04


144

Estudo N.4 página 05


145

Estudo N.4 página 06


146

Estudo N.4 página 07


147

Estudo N.4 página 08


SANTOS, Ana Cecília. Composição musical: estudos dirigidos para audiovisual.

ANEXO 02 – CD

Dissertação de mestrado em Estudos da Linguagem. Área de concentração:


Estudos literários e culturais. Linha: Música: educação, estética e amálgamas
sonoros.Universidade Federal de Mato Grosso, 2008.
Conteúdo: Estudos Composicionais (referente aos tópicos de 3.0).
Faixa 01 – Estudo N.1
Faixa 02 – Estudo N.2
Faixa 03 – Estudo N.3a – compasso 3 a 5
Faixa 04 - Estudo N.3b – compasso 13 a 19 com ritornello
Faixa 05 - Estudo N.3c – compassos 28 a 37
Faixa 06 - Estudo N.3d – compasso 40 a 44
Faixa 07 – Estudo N.4a – compasso 1 a 16
Faixa 08 – Estudo N.4b – compasso 18 a 34
Faixa 09 – Estudo N.4c – compasso 38 a 50 com ritornello.
SANTOS, Ana Cecília. Composição musical: estudos dirigidos para audiovisual.

ANEXO 03 – DVD.

Dissertação de mestrado em Estudos da Linguagem. Área de concentração:


Estudos literários e culturais. Linha: Música: educação, estética e amálgamas
sonoros.Universidade Federal de Mato Grosso, 2008.
Conteúdo: produção audiovisual (referente aos tópicos de 4.0).
Em Trânsito (Documentário). Direção Elton Rivas, 2007. Trilha sonora original.
Em Trânsito (Documentário). Direção Elton Rivas, 2007. Trilha sonora baseada nos
estudos composicionais N.3 e N.4.

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