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Com a cruz e sem a espada:


aspectos da relação comercial entre Portugal e o reino do Benim ao
longo dos séculos XV e XVI.

Talita Teixeira dos Santos


(Universidade Federal Fluminense)

Introdução

As reformas introduzidas pelo Obá1 Ewuare2 (1440-1473) transformaram o


caráter do reino da África Ocidental, localizado na atual Nigéria. Conquistando cidades
e aldeias vizinhas, subjugando outros povos, reinstalando sua população, construindo
fortificações em torno da cidade, nomeando homens para cargos militares e
administrativos, o rei buscava eliminar as rivalidades dos chefes locais a fim de
estabelecer um eficaz monopólio político. Dava-se, então, início ao desenvolvimento do
sistema militar no reino do Benim, que seria responsável por sua expansão territorial ao
longo da “era dos reis guerreiros” 3.
Como o conhecimento era passado oralmente de uma geração para a seguinte, as
fontes documentais são escassas e, dessa forma, os registros, os relatos de viagens, as
narrativas e as cartas dos visitantes europeus são valiosos na reconstrução de aspectos
específicos do passado da sociedade do Benim.
Para este estudo, a descrição da África Ocidental de Duarte Pacheco Pereira, na
obra Esmeraldo de situ Orbis, publicada por volta de 1507, e a avaliação da expansão
portuguesa, realizada pelo cronista João de Barros, em 1552, na obra Ásia, foram

1
Obá é equivalente a rei.
2
Recebeu o epíteto de “Grande do Benim” devido às reformas implementadas.
3
O espaço de tempo, compreendido entre 1440 e 1606, é definido como a “era dos reis guerreiros”, por se
tratar de um período no qual predominavam as guerras de conquista, onde os próprios Obás se
posicionavam a frente do exército. Para estas informações, ver: OSADOLOR, M. A. O. B. The military
system of Benin kingdom. 1440-1897. Nigeria. 2001, p.p.81-83
2
materiais de vital importância para análise das mudanças realizadas pelos Obás no reino
do Benim, ao longo dos séculos XV e XVI, período de foco deste trabalho. Por meio
dessas obras, percebemos que, no momento em que os primeiros europeus chegaram à
região, aproximadamente a partir de 1480, o Benim era um dos Estados mais
importantes da área florestal da África Ocidental e os impressionou fortemente com a
sua riqueza e a sua sofisticação.
Apesar dos portugueses possuírem a exclusividade do comércio no litoral
africano, os mesmos não conseguiram penetrar no interior do reino, ficando
dependentes dos chefes das aldeias, reis e mercadores africanos para obter as
mercadorias interioranas, como o ouro, o marfim, o âmbar e os escravos. Assim,
examinaremos como a política centralizadora do Obá fora essencial para que este
sustentasse o reino como Estado4 independente até a expansão colonial européia em
finais do século XIX5, tornando-o um exemplo da dependência dos europeus das
decisões dos fornecedores africanos para realização dos negócios comerciais. Neste
intento, recorreremos às cartas do padre português Duarte Pires (1516) e dos
missionários franciscanos (1539) - ambas endereçadas ao rei de Portugal - que se
destacam pelas informações acerca das práticas da guerra, da religião e da relação com
os portugueses.
Assim, analisaremos, inicialmente, as reformas empreendidas a partir da
segunda metade do século XV, juntamente com a história da organização militar no
reino, sua natureza e finalidade, bem como aspectos políticos, sociais e econômicos da
história do Benim, ao longo do seu período de reintegração, consolidação e expansão.
Em seguida, examinaremos as relações diplomáticas estabelecidas entre Portugal e o

4
O conceito de Estado, aqui, é identificado com o apresentado no IV Seminário Internacional Africano,
ocorrido no Senegal em 1961, que o definiu como a organização política de uma sociedade, cujas
características básicas seriam: exercício de autoridade suprema; fronteiras e população claramente
definidas e busca de segurança para a sociedade. Este sistema estatal é fundado sobre as relações de
parentesco, mas também sobre uma base territorial. Além disso, todos os cargos políticos deveriam ser
coordenados hierarquicamente, sendo que, no processo de desenvolvimento interno, um dos grupos
impõe-se sobre os demais. Para estas informações, ver: VANSINA, J.; MAUNY,R. e THOMAS, L.V.
The Historian in Tropical Africa (Studies Presented and Discussed at the Fourth International African
Seminar at the University of Dakar, Senegal 1961). London: Oxford University Press, 1964. p.87.
5
Neste trabalho, só será analisado a política do reino ao longo do século XVI. As mudanças realizadas,
diante de novos contextos políticos, econômicos e sociais, para assegurar a independência do reino até o
avanço britânico no século XIX não farão parte desse estudo.
3
reino do Benim, ao longo do século XVI, com o intuito de atentar para os mecanismos
utilizados pelo Obá para garantir os seus interesses comerciais.
Desse modo, buscaremos observar que o reino do Benim manteve, durante os
dois primeiros séculos de contato, completa autonomia na relação com os europeus. Sua
peculiaridade, no entanto, não consiste somente na manutenção da soberania, mas na
cessação do comércio de escravos e na utilização de outros instrumentos como moeda
de troca, a religião, por exemplo.
É importante ressaltar que, mesmo recorrendo a obras produzidas no período
analisado, há divergências em relação à data de certos acontecimentos, como o período
exato de reinado de cada Obá, a chegada dos portugueses à região e a ocorrência das
embaixadas. Dessa forma, demos preferência a mencionar as datas coincidentes mais
citadas ou a década referente aos acontecimentos.

O advento do reino e a relação com Portugal

Um sistema militar pode ser definido como um conjunto de unidades ou


elementos interligados - organização do exército ou das forças armadas e sua estrutura
de comando, armamento e treinamento, fornecimento e transporte, logística, defesa e
segurança - inteiramente dependentes entre si para o sucesso do sistema militar. Para
entender a sua evolução é necessário analisar quais os elementos que atuam como
"forças motrizes" e qual o nível de adaptabilidade desse sistema. Uma vez evoluído,
alcança algumas características, como a institucionalização das unidades, o
desenvolvimento de novas funções e de tarefas mais diversificadas, a incorporação de
novas tecnologias e a utilização de serviços especializados, a fim de atingir eficácia
organizacional.6 O período compreendido entre a ascensão de Ewuare, como o Obá do

6
Para a caracterização do sistema militar, ver: OSADOLOR, M. A. O. B. Op. Cit. p.19. Para mais
informações acerca do sistema militar africano, ver: OGOT, B. A. War and Society in Africa. London:
Frank Cass, 1972 e SMITH, Robert S. Warfare and Diplomacy in Pre-Colonial West Africa. London:
Methuen and Co. Ltd. 1976
4
Benim, em 1440, e o reinado do Obá Ehengbuda, em 1606, denominado como a era dos
reis guerreiros, destacou-se pelo desenvolvimento do sistema militar do reino.7
Na fase anterior a 1440, o reino do Benim tinha se desintegrado em três
pequenos estados separados, após o colapso da dinastia Ogiso: Udo, a oeste; Ugu, a
sudeste, e o que foi deixado do antigo reino do Benin, na capital e aldeias circundantes.
As rivalidades existentes entre o Obá e os seus chefes locais desestabilizavam o reino e
afetavam as campanhas militares. Por isso, a partir de 1440, quando foi iniciado o
reinado do Obá Ewuare, foram realizadas mudanças na organização da estrutura do
Estado. Essas mudanças marcam a emergência da era dos reis guerreiros e o processo de
estabelecimento e desenvolvimento do sistema militar que conduziria o reino do Benim
às suas conquistas.8
Ao nível da administração central, as reformas políticas dos 1440, iniciadas pelo
Obá Ewuare, levaram ao surgimento de novas instituições do Estado – a Eghaevbo
n'Ore e a Eghaevbo n'Ogbe - que juntamente com as instituições da monarquia e da
Uzama, constituíram o centro das instituições políticas do Estado na segunda metade do
século XV. O Eghaevbo n'Ore era responsável pelos assuntos referentes à cidade e às
aldeias e o Eghaevbo n'Ogbe era responsável por questões referentes ao palácio. A
Uzama, criada no século XIII, funcionava como uma espécie de Conselho do rei.
Inicialmente, era formada por seis membros – os mais velhos dentre a parcela da
sociedade com mais prestígio – mas esse número foi aumentado para sete no reinado de
Ewuare. Ganharia a posição de sétimo membro do Conselho aquele que se destacasse
nas atividades militares. Por fim, o Obá, cuja posição era hereditária, passava a ser,
além de rei, supremo comandante militar do exército. No entanto, embora tivesse pleno
poder, ele devia consultar as outras instituições antes de tomar alguma decisão.
No que tange as reformas realizadas a nível militar, observa-se que todos os
chefes estariam subordinados ao controle do Obá e o poder político não entrava na
esfera do poder militar e vice-versa. A estrutura social do reino favorecia a separação
entre os civis e os militares, visto que, organizada no sistema de idade, através do qual

7
Sobre a cronologia dos Obás do Benim, ver: TALBOT, P. Amaury. The People of Southern Nigéria.
Londres: Oxford University Press, 1926, v.I, cap. IV; EGHAREVBA, Jacob. A short History of Benin.
Ibadan: Ibadan University Press, 1960. p.75-6.
8
Sobre o Benim antes do século XVI, ver: SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança: a áfrica antes
dos portugueses. RJ: Nova Fronteira, 1996, p.p.529-47.
5
todos os homens foram divididos por idade, separavam os indivíduos cuja posição era
militar dos que exerciam papel político, com exceção dos cargos de Iyase e do Ezomo9,
que além de comandantes do exército, exerciam função política. Dessa forma, a
hierarquia do exército estava organizada da seguinte forma: em primeiro lugar, o Obá
que recrutava e mobilizava os demais regimentos; em segundo lugar, o Iyase, condição
não hereditária, era o general comandante do exército e cabeça do Eghaevbo n`Ore,
responsável pela administração da campanha militar. No final do século XVI, durante o
reinado do Obá Ehengbuda, devido a um conflito entre o Iyase e o Obá, foi instituído
que o Iyase não estava mais autorizado a morar perto do palácio, nem retornar à cidade
do Benim após uma campanha militar como uma tentativa de controlar qualquer abuso
devido ao sucesso na batalha. O Ezomo, posição não hereditária, era o comandante de
guerra, responsável pela direção da maioria das campanhas militares e, por fim, o
Edogun, função hereditária, tinha como dever declarar publicamente a guerra e a
cessação das hostilidades.
A organização militar e o empreendimento das campanhas, no entanto, não
podem ser pensados separadamente da estrutura econômico-social do reino, pois a
comunidade local era a base do processo socioeconômico. Após a agricultura, a
produção de óleo de palma foi, sem dúvida, o produto mais importante do reino.
Consequentemente, a unidade básica para a produção era a aldeia, local onde a
identidade familiar, unidade básica da cooperação econômica e da solidariedade social,
foi formada. Ademais, essas aldeias deveriam pagar tributo tanto ao chefe fundador
quanto ao Obá e, portanto, necessitavam de grandes unidades familiares para fornecer
uma efetiva força de trabalho, o que pode ajudar a compreender as práticas da poligamia
e da escravidão. Os escravos seriam utilizados como força de trabalho na economia
doméstica, mas também em guerras de conquistas ou de expansão e para sacrifícios
humanos. Isto explica a razão pela qual a instituição da escravatura teve seu próprio
lugar na estrutura do Estado.
Com as principais reformas empreendidas, o exército do Benim, liderado pelo
Obá, encetou campanhas militares que se estenderam praticamente em todas as
direções. Após o reinado de Ewuare, e do seu filho, Olua, que reinou por cinco anos,

9
Ambos tinham posição no sistema militar do reino, mas também participavam do Conselho do rei.
6
instalou-se um período de três anos de interregno, o que iria acabar quando Ozolua se
tornasse Obá, em 1481 ou 1483, dando prosseguimento à campanha de expansão das
fronteiras, que visava inicialmente à reconquista das regiões Udo e Ugu, subjugadas em
definitivo, respectivamente, pelos Obás Ozolua e Esigie (1504-1550), seu sucessor.
Quando João Afonso de Aveiro chega à região, aproximadamente em 148610,
depara-se, para sua surpresa, com um território bem organizado, onde tudo girava em
torno do palácio e do seu monarca. O navegador português é acolhido pelo Obá Ozolua,
também conhecido como o Conquistador, pois desde que assumiu o reino, esteve em
guerra. Como prática habitual, o rei fora informado por seus embaixadores sobre os
forasteiros.11 Os contatos foram iniciados por meio da venda de escravos provenientes
dos cativos de guerra, dos condenados pela justiça e alguns que o Obá mandava
comprar dos povos vizinhos, ijós, urrobos, igalas, iorubas, ibos, entre outros. No seu
regresso a Portugal, Aveiro foi acompanhado por um embaixador, enviado pelo Obá,
provavelmente com instruções sobre a abertura do comércio direto entre os dois países.
Como João de Barros e Duarte Pacheco salientaram, o Obá ficou admirado com
as armas que os portugueses carregavam e observou o interesse dos mesmos na região,
com o intuito de realizar trocas.12 A política centralizada, os ministros principais e a
rede de informantes e mensageiros garantiam o poder do Obá. Dessa forma, o
desenvolvimento das relações diplomáticas com Portugal e a aparente exploração de sua
região não deve ser entendida como uma mera aceitação da presença portuguesa. É
importante perceber que, por se tratar de um reino expansionista, firmar uma relação
comercial com Portugal seria importante para o advento do próprio reino.
Se inicialmente o Obá Ozolua iria usar escravos como moeda de troca, o seu
sucessor, o Obá Esigie recorreria à religião. Por decreto papal, armas não poderiam ser
fornecidas a povos considerados pagãos e infiéis. Assim, o rei manda uma nova
10
Mesmo recorrendo a relatos dos viajantes e cronistas portugueses do século XV, encontramos
divergências em relação à data precisa. Respeitamos aqui a data citada pelos viajantes mencionados nesse
trabalho.
11
Os mensageiros do Obá tinham recomendações de lhe informar quando os navios europeus chegavam
e, em seguida, um grupo de dois ou três chefes ou os principais comerciantes deveriam dar as boas-
vindas, presenteando-lhes com comida e bebida. O comércio só começava no dia seguinte. Era uma
forma de estudar os forasteiros. Para estas informações: BLAKE, John W. Europeans in West África,
1450-1560. London, 1941, vol. I.
12
PEREIRA, Duarte Pacheco. Esmeraldo de Situ Orbis.Book 2. Lisboa: Academia Portuguesa da
História. 1954 e Barros, João & Couto, Diogo do. Da Ásia. Dos feitos que os portugueses fizeram no
descobrimento dos mares e terras do Oriente. Lisboa: Régia Oficina tipográfica, Lisboa: 1777- 1788.
7
embaixada a Portugal, autorizando a difusão do catolicismo no reino, bem como
solicitando o envio de missionários. No seu retorno, o embaixador, que figura nos
documentos portugueses como Pedro Barroso, regressa ao reino com cartas de D.
Manuel para Duarte Pires, português que ali se encontrava.
Duarte Pires estava em Benim acompanhado de João Sobrinho (colono da ilha do
Príncipe) e de Gregório Lourenço (africano). Os três gozavam de grande prestígio na
corte do Obá e o acompanhavam nas guerras que este sustentava com os povos
vizinhos. Por ele, através da sua resposta à carta de D. Manuel, sabemos que os
missionários que foram para o Benim, em 1514, foram recebidos com grande
contentamento e também acompanhavam os deslocamentos do rei durante aquelas
guerras:

É verdade ser eu amigo do rei de Benim, pois o rei de Benim é amigo de


todos quantos lhe dizem bem de Vossa Majestade. Comemos com o filho. Quando
chegaram os padres o rei de Benim ficou muito satisfeito. Os padres
acompanharam o rei à guerra e demoraram-se um ano inteiro. O rei nada podia
fazer antes de terminada a guerra, pois para o Grande Mistério há necessidade de
paz. Depois da guerra ter acabado, no mês de agosto, o rei ordenou ao filho e a dois
dos maiores fidalgos que se fizessem cristãos, e edificou uma igreja em Benim.
Aprenderam a ler e aprenderam-no bem.13

Em 1515, o rei ordenou a construção de uma igreja em Benim, o seu filho foi
batizado, bem como os filhos dos maiores fidalgos do reino. Este provável acolhimento,
não obstante, pode estar relacionado ao interesse que o Obá tinha nos canhões e armas
portuguesas. Este interesse já havia sido observado na primeira embaixada enviada a
Portugal logo após os primeiros contatos entre João Aveiro e o Obá e novamente fora
demonstrado por Esigie, que mandou a Portugal uma nova embaixada. Como D.
Manuel escrevera que só mandaria as armas, caso o reino aderisse à fé de Cristo, o Obá
imediatamente teria se mostrado favorável a proposta. Tal idéia é reafirmada quando
observamos as cartas queixosas dos missionários franciscanos de 1539, destinadas a D.
João III, onde informavam que o rei de Benim havia sido batizado juntamente com os

13
Carta de Duarte Pires de 1516 a D. Manuel. Apud. BLAKE, John W. Op. cit. p.123-4.
8
seus irmãos pelos missionários anteriores (talvez os de 1514), mas regressara à idolatria,
ordenando sacrifícios humanos e perseguindo os nativos cristãos, entre eles Gregório
Lourenço (referido na carta de Duarte Pires de 1516). Assim, os franciscanos pediam ao
rei de Portugal que intercedesse por eles, por intermédio da ilha de São Tomé ou por
meio de alguma armada que mandasse ao rio do Benim por causa dos franceses que ali
iam, interessados no comércio da pimenta.14
Como resposta, D. João III proibiu a venda de material de guerra ao reino.
Consequentemente, o interesse do rei do Benim no comércio com os portugueses,
declinou. O Obá acentuou, então, o controle do mercado. Em 1516, foram estabelecidos
dois mercados de escravos distintos: os dos homens e os das mulheres. A aquisição de
escravos do sexo masculino tornou-se, para os portugueses, além de rara, onerosa. Com
essa medida, o Obá controlava também a evasão de mão-de-obra masculina para fora do
reino, pois esta era necessária à agricultura e ao exército. O controle da venda de
homens para o tráfico esteve em vigor até o final do século XVII e mesmo após o
embargo ter sido levantado, o comércio de escravos manteve-se na faixa de centenas de
escravos negociados ao ano. Um número, portanto, relativamente baixo quando
comparado aos diversos milhares que foram vendidos em partes do leste da atual
Nigéria e do delta do Níger.15
A partir da segunda metade do século XVI, a relação com Portugal deixa de ser
tão importante e necessária aos olhos do Obá, visto que holandeses, franceses e ingleses
iniciam alianças comerciais com o reino. A rivalidade entre eles, que competiam
ferozmente pelo marfim e pelo pano do Benim, ofereceu aos reis do período a
oportunidade para regulamentar o comportamento do comércio exterior com os
europeus, principalmente sobre alguns produtos como, o pano, pimenta e marfim.

Conclusão

14
Cartas dos missionários franciscanos de 1539 a D. João III. Apud. BRÁSIO, António. “Política do
espírito no Ultramar Português”, in: Portugal em África, 2ª série, ano VI, n. 31. 1949. p.20-9
15
Idem.
9
Ao explicar as razões para a maioria das guerras na África, Robert Smith
argumenta que "a causa fundamental da maioria das guerras no Oeste Africano (...) foi o
desejo das sociedades mais vigorosas para a expansão territorial e de exercício de uma
medida de controle físico sobre os seus vizinhos".16 Outros historiadores relacionam
essa expansão ao sentimento de destruição de outros estados e sociedades, bem como a
uma prática habitual realizada para entreter os Obás17. Neste estudo, verificamos que o
reino do Benim emerge, política e economicamente, após uma crise que conduzira à sua
fragmentação, buscando na expansão territorial um meio de reconquistar seus antigos
territórios. A conquista de povos vizinhos, portanto, é uma conseqüência do processo de
reintegração e consolidação do reino.
Os reis que ganham maior destaque no estudo da história do sistema militar do
Benim são o Obá Ewuare, o Grande, e o Obá Ozolua, o Conquistador. Ambos são
relatados por sua coragem, pela liderança, pelas idéias na organização do exército, que
consequentemente tiveram influência nas batalhas vencidas. Os demais, Esigie (1504-
1550), Orhogbua (1550-1578), e Ehengbuda (1578-1606), são considerados por manter
a tradição desses reis guerreiros, que transformaram o reino em um império, ao atingir o
rio Níger, a leste e o mar ao sul e ao alcançar a fronteira do Oyo, um dos seus principais
oponentes. Soma-se a essas conquistas, a construção de um campo de batalha na ilha de
Lagos e o domínio frente às áreas Yorubas, tanto a oeste quanto a sudoeste, até a
fronteira do que viria a se tornar o Daomé.
Como vimos, durante o reinado do Obá Ewuare foram criadas as quatro
principais instituições políticas do Estado: a instituição do Obá, o Uzama, o Eghaevbo
n'Ore e Eghaevbo n'Ogbe que constituíam o Conselho Estatal. Hierarquicamente, todos
os líderes militares e todos os funcionários do Estado estavam, a partir desta data,
subordinados ao Obá, que, por sua vez, neutralizava os focos de oposição mediante
criação de novos ofícios e títulos.
O poder militar do Benin foi o resultado da reestruturação da
ordem interna, através do desenvolvimento de uma estrutura política. Alan Ryder

16
SMITH, Robert S. Op.Cit. p.44.
17
IKIME, Obáro. Niger Delta Rivalry. London: Longman Group Ltd. 1969. p.14. e OKPEWHO, Isidore
Once Upon A Kingdom: Myth, Hegemony, and Identity. Bloomington and Indianapolis: Indiana
University Press. 1998. p.13.
10
salienta que “na primeira visita dos europeus no final do século XV a estrutura já estava
completa e tão bem fundamentada que sobreviveu essencialmente inalterada por
anos”.18
É verdade que a estrutura política sobreviveu a muitas dificuldades, todavia não
sem mudanças. Era exatamente a natureza dinâmica do sistema político que permitia ao
reino responder aos momentos de instabilidade. Um fator que explica a sobrevivência
dos reis foi o uso de seu poder para manter a concorrência e dissensões entre os chefes
locais. Isto foi possível porque o Obá foi o principal pilar da organização política, bem
como o pivô do regime econômico do Estado. O Estado foi sustentado pela capacidade
de adaptação do sistema político através das reformas institucionais, logo, pela aptidão
do Obá em fazer frente aos desafios da concorrência através de um equilíbrio de poder,
posição e prestígio.
Neste sentido, fica claro que, devido a sua estrutura e organização, o reino do
Benim manteve-se independente do domínio europeu e garantiu autonomia na relação
comercial com os mesmos durante os dois primeiros séculos de contato. Sua política
diplomática favoreceu o engrandecimento do sistema militar, em detrimento dos povos
vizinhos, devido à aquisição de armas e canhões e, consequentemente, aumentou a
economia do reino – mais povos subjugados, mais mão-de-obra e mais tributo.
Ademais, o senhor do Benim manteve o controle das trocas com os estrangeiros como
mecanismo essencial para a manutenção do seu poder e, diante da pretensão lusitana, de
açambarcar o comércio de escravos, defendeu o monopólio das trocas e impôs as suas
regras. Quando se sentiu lesado, iniciou o comércio com outros interessados –
holandeses, franceses e ingleses – mantendo o florescimento do seu reino.
No entanto, se por um lado, as reformas realizadas no século XV significaram a
transformação do reino ao longo do século XVI, por outro, geraram crise a partir do
século XVII, momento no qual os chefes militares e administrativos sobrepuseram-se ao
rei, reduzindo-o a uma figura ritual desprovida de poder e provocando o despovoamento
do reino, o que, portanto, exigiria novas reformas. Isto, porém, já é assunto para um
próximo estudo.

18
RYDER, Alan. Benin and the Europeans. 1485-1897. London: Longman Group Limited, 1969. p.33
11

Bibliografia

* Fontes documentais:

Barros, João & Couto, Diogo do. Da Ásia. Dos feitos que os portugueses fizeram no
descobrimento dos mares e terras do Oriente. Lisboa: Régia Oficina tipográfica,
Lisboa: 1777- 1788
12

PEREIRA, Duarte Pacheco. Esmeraldo de Situ Orbis. Book 2. Lisboa: Academia


Portuguesa da História. 1954.

* Teses:

OSADOLOR, M. A. O. B. The military system of Benin kingdom. 1440-1897. Nigeria.


2001.

* Livros:

BLAKE, John W. Europeans in West África, 1450-1560. London: Hakluyt Society,


1941, vol. I.

BRÁSIO, António. Portugal em África, 2ª série, ano VI, n. 31. 1949.

EGHAREVBA, Jacob. A short History of Benin. Ibadan: Ibadan University Press, 1960.

IKIME, Obáro. Niger Delta Rivalry. London: Longman Group Ltd. 1969.

OGOT, B. A. War and Society in Africa. London: Frank Cass, 1972.

OKPEWHO, Isidore Once Upon A Kingdom: Myth, Hegemony, and Identity.


Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press. 1998.

RYDER, Alan. Benin and the Europeans. 1485-1897. London: Longman Group
Limited, 1969.

SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança: a áfrica antes dos portugueses. RJ:
Nova Fronteira, 1996.
13
SMITH, Robert S. Warfare and Diplomacy in Pre-Colonial West Africa. London:
Methuen and Co. Ltd. 1976.

TALBOT, P. Amaury. The People of Southern Nigéria. Londres: Oxford University


Press, 1926, v.I.

VANSINA, J.; MAUNY,R. e THOMAS, L.V. The Historian in Tropical Africa (Studies
Presented and Discussed at the Fourth International African Seminar at the University
of Dakar, Senegal 1961). London: Oxford University Press, 1964.

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