Você está na página 1de 352

2  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Imagem da capa: Cerimónia do içar das bandeiras de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Moçambique na
sede da Organização das Nações Unidas.

Da esquerda para a direita: Abílio Duarte, ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde; Gaston
Thorn, presidente da Assembleia-Geral; Kurt Waldheim, secretário-geral; Miguel Trovoada, primeiro mi-
nistro de São Tomé e Príncipe; e Joaquim Chissano, ministro dos Negócios Estrangeiros de Moçambique.

Fotógrafo: Teddy Chen. Cf. UN Photolibrary: ID=246986.


Aurora Almada e Santos

A Organização das Nações Unidas


e a Questão Colonial Portuguesa:
1960-1974

Instituto da Defesa Nacional


Lisboa – 2017
4  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Título
A Organização das Nações Unidas
e a Questão Colonial Portuguesa:1960-1974

AUTOR
Aurora Almada e Santos

© Instituto da Defesa Nacional, 2017

Proibida a reprodução, no todo ou em parte, por qualquer meio,


sem autorização do Editor

FOTO da capa: Teddy Chen


Paginação e impressão: Europress – Ind. Gráfica, Lda.

ISBN: 978-972-9393-39-6
Depósito legal: 424637/17
ÍNDICE

Agradecimentos........................................................................................... 7
Abreviaturas................................................................................................. 9
Prefácio...................................................................................................... 11
Introdução................................................................................................. 15

Capítulo I – Uma Questão Prioritária: 1961-1962................................. 21


Tanto pela Letra como pelo Espírito...................................................... 22
A Magna Carta da Descolonização........................................................ 31
Uma Abstenção Equivale a Voto Contrário........................................... 39
Uma Situação Delicada ........................................................................ 45
The Most Ruthless Suppression of Human Rights................................ 51
Uma Influência Moderadora................................................................. 57
Toute la Charte, Mais Rien que la Charte............................................. 66
Charter or no Charter, Council or no Council...................................... 73
Impregnado de Realismo e de Moderação............................................. 78
Um Documento Político e não Simplesmente Informativo.................... 84
De Todos o Mais Moderado.................................................................. 93

Capítulo II – Uma Recuperação Notável: 1962-1964........................... 103


Ecos de Compreensão Até Há Pouco Inconcebíveis............................. 104
Em Boa Posição Política...................................................................... 115
O Espectáculo dos Dias Memoráveis................................................... 122
Uma “Vitória para Portugal”............................................................... 129
Uma Decisão “Processual e Inofensiva”............................................... 139
Em Termos Muito Suaves.................................................................... 150

Capítulo III – Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967.... 157


A Frustração Africana.......................................................................... 158
Uma Base Legal para a Rebelião.......................................................... 165
Um Espírito de Maior Intolerância e Extremismo............................... 176
A Mais Enérgica Condenação.............................................................. 186

Capítulo IV – A Via do Realismo: 1968-1970....................................... 201


Menos Extremista na sua Redacção..................................................... 202
6  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Não Tanto a Firmeza do Tom.............................................................. 212


Não Tendo Sido uma Vitória............................................................... 225

Capítulo V – Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974.............. 245


Na Qualidade que Convinha............................................................... 246
A Título Individual............................................................................. 260
O Único e Autêntico Representante.................................................... 267
Com as Partes Interessadas.................................................................. 280
Ocupação Ilegal por Forças Militares Portuguesas................................ 291
Tal como Existe nas suas Fronteiras Europeias..................................... 299

Conclusão................................................................................................ 317

Fontes...................................................................................................... 323

Bibliografia.............................................................................................. 325
Agradecimentos

O presente livro resulta de uma tese de doutoramento defendida na Universi-


dade Nova de Lisboa e cuja conclusão foi devedora do contributo de todos
quantos acompanharam o processo de pesquisa e redação. Um reconhecimen-
to especial é devido ao falecido Professor José Medeiros Ferreira por me ter
sugerido o tema, ao meu orientador Pedro Aires Oliveira, bem como aos
membros do júri que validaram o trabalho. Aos que me facilitaram o acesso às
fontes e à bibliografia nas mais diversas instituições agradeço o profissionalis-
mo e o cuidado com que satisfizeram os meus pedidos e esclareceram as
minhas dúvidas. Pela importância que tiveram para alargar os meus horizon-
tes, os comentários daqueles que em conferências ou em conversas informais
apreciaram as primeiras tentativas de desenvolvimento do tema merecem
igualmente um agradecimento pelo estímulo e encorajamento que me conce-
deram. Por me terem apoiado nos mais diversos momentos, a minha gratidão
é extensível aos meus familiares, em particular à minha mãe, Maria Alice Viei-
ra Almada, e à minha irmã, Artemiza Almada e Santos, que foram uma fonte
de estímulo incansável.
Ao Major-General Vítor Rodrigues Viana, diretor do Instituto da Defesa
Nacional, manifesto o meu apreço por ter concordado com a integração do
livro na Coleção Atena. Gostaria de igual modo de deixar uma palavra ao
Tenente-Coronel Alexandre Carriço e à Dra. Cristina Cardoso, do Núcleo de
Edições do Instituto da Defesa Nacional, pelo empenho demonstrado na con-
cretização da publicação.
8  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974
Abreviaturas

ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados


ACOA – American Committee on Africa
AG – Assembleia-Geral
AIEA – Agência Internacional de Energia Atómica
ALIAZO – Aliança dos Emigrantes do Zombo
ANE – Atores não Estatais
BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
CAUNC – Comité de Acção para a Unidade Nacional de Cabinda
CEA – Comissão Económica para a África
CEE – Comunidade Económica Europeia
CLSTP – Comité para a Libertação de São Tomé e Príncipe
CONCP – Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portu-
guesas
CPA – Conselho do Povo Angolano
CS – Conselho de Segurança
CUNA – Comité de Unidade Nacional Angolana
ECOSOC – Conselho Económico e Social
EUA – Estados Unidos da América
FLING – Frente de Luta para a Independência da Guiné dita Portuguesa
FLN – Frente de Libertação Nacional
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNA – Frente Nacional Angolana
FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola
FNLG – Frente Nacional para a Libertação da Guiné
FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique
FUA – Frente de Unidade Angolana
GRAE – Governo Revolucionário Angolano no Exílio
LGTA – Liga Geral dos Trabalhadores Angolanos
MDIA – Movimento para a Defesa dos Interesses de Angola
MLEC – Movimento para a Libertação do Enclave de Cabinda
MLGC – Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde
MNA – Movimento dos Não Alinhados
MNA* – Movimento Nacional Angolano
10  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

MNE – Ministério dos Negócios Estrangeiros


MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola
MU – Ministério do Ultramar
NATO – Northern Atlantic Treaty Organization
NGWIZAKO – Ngwizani a Kongo
NU – Nações Unidas
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONG – Organizações não Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
OUA – Organização de Unidade Africana
PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde
PDA – Partido Democrático de Angola
RDA – República Democrática Alemã
RFA – República Federal da Alemanha
SDN – Sociedade das Nações
SG – Secretário-Geral
TANU – Tanganyika African National Union
UDENAMO – União Democrática Nacional de Moçambique
UGEAN – União Geral dos Estudantes da África Negra sob Dominação Por-
tuguesa
UNEA – União Nacional dos Estudantes Angolanos
UNGP – União dos Naturais da Guiné Portuguesa
UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola
UPA – União das Populações de Angola
UPLG – União Popular para a Libertação da Guiné Portuguesa
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

Fontes de Arquivo:
AHD – Arquivo Histórico-Diplomático
ANTT – Arquivo Nacional Torre do Tombo
GNP – Gabinete dos Negócios Políticos
Mç – Maço
POI – Política e Organismos Internacionais
UNARMS – United Nations Archives Record Management Section
Prefácio

O relacionamento entre o Portugal de Salazar e Caetano e as Nações Unidas, o


objeto da tese de doutoramento de Aurora Almada e Santos agora dada à es-
tampa, foi difícil, para não dizer mesmo tumultuoso. Excluído da Organização
na sua primeira década de existência (1945-55), Portugal viria a ser incluído no
chamado “package deal” (admissão de dezoito novos Estados) firmado entre
EUA e URSS em 1955, dois anos após a morte de Estaline. Desdenhosamente,
Salazar terá então comentado que o país entrara “nos trocos miúdos”.
Mas esse comentário não significava um menosprezo pela relevância da parti-
cipação portuguesa na ONU. Bem pelo contrário. Embora a desconfiança de
Salazar relativamente ao tipo de diplomacia aberta e multilateral que se prati-
cava numa instituição como as Nações Unidas fosse arraigada, remontando
ao período de entre-guerras e à experiência da Sociedade das Nações (SDN)
(o “parlamentarismo genebrino”), ambos estavam cientes dos custos políticos
e simbólicos inerentes a uma exclusão portuguesa. Por um lado, isso sugeria
um estatuto internacional anómalo; por outro, recordava uma proximidade às
potências derrotadas na Segunda Guerra e aos que se alinharam mais aberta-
mente com elas, como a Espanha franquista, que permaneciam uma espécie
de párias internacionais.
Sucede, porém, que o ingresso português na ONU não poderia ter ocorrido
num momento mais perigoso para uma potência colonial com as caracterís-
ticas do “Estado Novo”. O anúncio da sua admissão teve lugar poucos
meses depois da cimeira de Bandung, ao passo que a primeira Assembleia-
-Geral (AG) em que uma delegação portuguesa tomou parte, em finais de
1956, seria marcada pela crise do Suez, um episódio humilhante para britâni-
cos e franceses. Esses dois acontecimentos assinalaram uma viragem de fundo
nas atitudes face ao imperialismo europeu. Em pouco mais de cinco anos,
Grã-Bretanha, França e Bélgica foram forçadas a adaptar-se às pressões com-
binadas do nacionalismo anticolonial, das duas superpotências e das opiniões
públicas (sobretudo a internacional). A sua opção pela descolonização, reativa
e improvisada, exprimia o desejo de preservarem alguma medida de influência
tanto nas suas antigas colónias como em arenas internacionais (na ONU, mas
também nas organizações surgidas em contextos imperiais, como a Com-
monwealth e, a breve trecho, a Francofonia).
Sintomático desta postura mais apaziguadora face aos críticos do colonialismo
foi a predisposição das potências democráticas para colaborarem com o Secre-
tário-Geral da ONU na transmissão de informações sobre os seus territórios
“não-autónomos” em finais dos anos 50, um ponto em que Portugal se man-
12  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

teve irredutível e, a partir de 1959, praticamente isolado. Mas mudanças ainda


mais ominosas estariam reservadas para 1960 – o “ano da África” – quando a
AG faz aprovar um conjunto de declarações que selaram a deslegitimação po-
lítica e normativa do colonialismo. No ano seguinte, o ambiente hostil em que
a diplomacia salazarista operava adensar-se-ia significativamente quando até
aliados de peso, como os EUA, decidiram alinhar com estados do agora maio-
ritário bloco anticolonial na condenação à reação portuguesa aos aconteci-
mentos em Angola.
É a partir daqui que a obra de Aurora Almada e Santos se debruça, comple-
mentando a sua inovadora tese de mestrado sobre a atuação dos movimentos
de libertação da África dita portuguesa na ONU (Santos, 2009a). A sua abor-
dagem dá-nos um contraponto importante à narrativa da “epopeia diplomáti-
ca” de Franco Nogueira e dos representantes portugueses em Nova Iorque,
esgrimindo os seus argumentos jurídicos contra os “radicais” e “demagógicos”
diplomatas-ativistas do bloco afro-asiático.
É um trabalho que recolhe alguma inspiração da mais recente vaga de estudos
que tem procurado complexificar aspetos do impacto da ONU, e da sua ante-
cessora, nas relações internacionais do século XX. Mark Mazower, por exem-
plo, pôs em evidência o paradoxo da ONU ter sido originalmente concebida
como continuadora da SDN, enquanto fórum destinado a validar e reforçar a
dominação colonial das grandes potências europeias, para depois acabar por
funcionar como o pivô da sua liquidação, num curtíssimo lapso temporal. O
historiador britânico argumenta que essa metamorfose se deveu muito a dois
aspetos interligados. Por um lado, o fracasso da SDN em lidar com um dos
legados mais complexos da Grande Guerra – a proteção dos direitos das mi-
norias num contexto de dissolução dos impérios multinacionais e de ascensão
de estados nacionais unitários e homogeneizadores. Por outro lado, a noção de
que face à impotência evidenciada pelo direito internacional, no sentido
de arbitrar disputas em contextos de pluralismo etnocultural, o melhor seria
pactuar com soluções que favorecessem distribuições mais “compactas” de
agrupamentos nacionais, mesmo com prejuízo do status quo imperial (e aqui
não deixa de ser irónico que, mau grado o descrédito das suas ideologias, os
métodos nazis de engenharia populacional tenham vingado em várias partes do
mundo após 1945)1.
Esta reorientação num sentido favorável às aspirações nacionalistas ganhou
viabilidade, em larga medida, pelo carácter político e dinâmico da ONU, que

1
  Veja-se Mark Mazower, 2009. No Enchanted Palace. The End of Empire and the Ideological
Origins of the United Nations. Princeton NJ: Princeton University Press, capítulo 6 e Afterword,
e do mesmo autor, Governing the World. The History of an Idea. London: Penguin Books, 2013,
maxime pp. 254-272.
Prefácio | 13

depressa se ajustou às realidades geradas pela crise dos impérios e se constituiu


ela própria numa fonte produtora de um novo “direito da descolonização”.
Simplesmente, e nesse aspeto a obra de Aurora Almada e Santos é muito elu-
cidativa, a configuração oligárquica da ONU – com o poder de veto adjudica-
do aos membros permanentes do Conselho de Segurança – estabeleceu limites
claros ao élan anticolonial da AG.
Apesar de claramente favorecerem uma estratégia de retirada imperial com
contornos “neocoloniais”, as grandes potências ocidentais, num contexto de
Guerra Fria, não estavam prontas para prescindir da sua aliança estratégica
com Portugal. E isto foi o suficiente para reduzir à impotência muita da fúria
verbal que entre 1961 e 1974 visou o regime colonialista português nas ins-
tâncias onusianas.
Numa visão de conjunto excecionalmente bem documentada, Aurora Almada
e Santos oferece-nos uma síntese desapaixonada desses debates. Mas resumir-
-se-á o seu trabalho à crónica de um processo inconsequente? Não exatamente.
Sob vários aspetos, as dinâmicas políticas no continente africano entre 1961 e
1974 – e a diplomacia competente dos movimentos de libertação – contribuí-
ram decisivamente para fixar os contornos da transferência de poderes nos do-
mínios coloniais portugueses. A falta de confiança nas fórmulas testadas em
anteriores etapas das descolonizações africanas (em parte baseadas em modelos
constitucionais ocidentais) facilitou a emergência de regimes de partido único,
comprometidos com agendas sociais revolucionárias. Por essa altura, este era
cada vez mais o padrão prevalecente no chamado Terceiro Mundo – ditaduras
“desenvolvimentistas” com forte respaldo militar. Um alinhamento mais preco-
ce de Portugal com a “norma da descolonização” – para usarmos a expressão
invocada por Bruno C. Reis (2013: 251-276) – teria, porventura, logrado con-
ter muita da violência e sofrimento humano que acompanhou esse processo.
O facto de poucos anos volvidos sobre a sua descolonização Portugal ter con-
seguido o pleno dos apoios das suas antigas colónias a uma bem-sucedida
candidatura ao Conselho de Segurança da ONU (1979-80) não deixaria, pois,
de ter o seu quê de surpreendente – e esse será porventura um dos temas que
novas pesquisas neste domínio da história das relações internacionais, supor-
tadas pelo tipo de rigor e isenção evidenciados por Aurora Almada e Santos,
nos ajudarão a compreender melhor.

Pedro Aires Oliveira


Instituto de História Contemporânea, FCSH-NOVA
14  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974
Introdução

A dissolução dos impérios coloniais europeus na segunda metade do século


XX tem sido objeto de diferentes interpretações, em que algumas explicações
insistem na importância das forças estruturais para a independência dos terri-
tórios dependentes (Philpott, 2011: 154). Sem colocar de parte a influência
desses fatores, outras abordagens têm no entanto sugerido que o desenvolvi-
mento de algumas ideias foi determinante para o desaparecimento do colonia-
lismo (Jackson, 1993: 114). Existindo uma grande controvérsia quanto ao
conceito e diferentes classificações, por ideias entende-se o conjunto de cren-
ças concebidas por indivíduos, governos ou organizações, que ajudam, ao de-
terminarem as atitudes e ações, a explicar resultados políticos (Goldstein e
Kehoane, 1993; Emmerij, Jolly e Weiss, 2009). Algumas interpretações pre-
tendem que as ideias normativas ou principled beliefs, que especificam os cri-
térios para se distinguir o certo e o errado, o justo e o injusto, foram respon-
sáveis por uma transformação em que o colonialismo enquanto instituição se
tornou controverso (Goldstein e Kehoane, 1993: 9)1. Passando a ser objeto de
críticas generalizadas, segundo esse entendimento a dominação colonial, no
decorrer de um processo de mudança normativa, perdeu a justificação moral,
o que resultou na sua substituição pela ideia de autodeterminação.
Com um considerável poder explicativo, a abordagem baseada no poder das
ideias enquanto fator relevante para a descolonização resulta das análises idea-
cionais que, desde a década de 1980, têm conquistado uma importância cres-
cente nos debates académicos (Béland e Cox, 2011: 5). Decorrente dessas
análises, instituições intergovernamentais como a Organização das Nações
Unidas têm vindo a ser consideradas como criadoras e promotoras de ideias e
conceitos que influenciam o discurso público internacional (Emmerij, Jolly e
Weiss, 2009; Emmerij, Jolly e Weiss, 2005). Sendo as Nações Unidas perce-
cionadas como um espaço para a circulação de ideias, é reconhecido o seu
envolvimento no processo de estabelecimento de leis, normas, regulamentos,
políticas e instituições, que definem, constituem e medeiam as relações entre
cidadãos, sociedades, mercados e estados na arena internacional (Weiss e
Thakur, 2010: 6). À Organização é atribuída um ideational role, preten-

1
  Goldstein e Kehoane definem três tipos de crenças: as opiniões mundiais, as principled beliefs
e as causal effects. Outros estudos, como o de Hendrik Spruyt (2000: 67), propõem uma
classificação que distingue três categorias de normas: as que delineiam regras morais, as que
fazem parte de prescrições consideradas como dados adquiridos e as que servem propósitos
utilitários.
16  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

dendo-se que constitui um fórum para: i) o debate de ideias; ii) a criação de


ideias; iii) a legitimação internacional de ideias; iv) a promoção de ideias
enquanto políticas; v) a implementação ou experimentação de ideias a nível
nacional; vi) a produção de recursos para o prosseguimento de novas políticas;
vii) a monitorização do progresso; e viii) o desaparecimento de ideias conside-
radas inconvenientes ou excessivamente controversas (Emmerij, Jolly e Weiss,
2009: 35).
A trajetória das ideias nas Nações Unidas tem sido estudada enquanto proces-
so longo, pouco linear, que nada tem de estático ou imutável. As ideias são
apresentadas como podendo ser utilizadas para a promoção de interesses, num
processo que depende da sua institucionalização a nível nacional, regional ou
global, o que é uma forma de estabilização e perpetuação de uma determinada
ordem (Boas e Mcneill, 2004: 6). Uma das tendências da literatura sobre o
ideational role das Nações Unidas é a de pesquisar as origens e a evolução das
ideias desenvolvidas pela Organização, destacando-se o seu impacto no pensa-
mento e na ação internacional2. O objetivo consiste em analisar a progressão
de ideias sobre o desenvolvimento económico e social que foram criadas, rede-
finidas ou aplicadas pelas Nações Unidas. De forma a corresponder a preocu-
pações atuais procura-se responder a questões como o que aconteceu a deter-
minadas ideias, que fatores influenciaram o seu desenvolvimento ou qual o
impacto político que tiveram (Emmerij, Jolly e Weiss, 2001: 10-13). Outra
perspectiva coloca a ênfase na relação entre as ideias e o poder nas instituições
que fazem parte do sistema das Nações Unidas3. A intenção é a de questionar
como as ideias desencadearam novas políticas, transformando arranjos institu-
cionais, e o que as torna atrativas para as entidades internacionais (Boas e
Mcneill, 2004: 10).
Ainda que por vezes se tenha experimentado alguma dificuldade em sumariar
o impacto das ideias desenvolvidas ou promovidas pelas Nações Unidas, tem
havido a tendência para se estabelecer uma relação entre o estudo do ideational
role da Organização e o debate mais amplo sobre a determinação da eficácia
das suas ações. Resultando numa interpretação sobre o sucesso ou o falhanço
das ideias na história das Nações Unidas, enumeram-se os créditos e os débi-
tos, as contribuições intelectuais positivas e as propostas que não produziram

2
  Um dos esforços mais bem-sucedidos para o desenvolvimento desta perspectiva é o United
Nations Intellectual History Project, iniciado em 1999 pelo City University of New York, que
aborda os contributos da Organização para as áreas da economia e do desenvolvimento social,
abarcando temas como os direitos humanos, incluindo o direito à autodeterminação, a susten-
tabilidade ou as questões de género. Sobre o projeto vide <URL:http://www.unhistory.org/>.
3
  Esta abordagem foi desenvolvida no âmbito do projeto Creation, Adoption, Negation and
Distortion of Ideas in Development (CANDID), da Universidade de Oslo, Noruega.
Introdução | 17

resultados (Emmerij, Jolly e Weiss, 2009: 11-14). Na explicação do sucesso


das ideias criadas ou desenvolvidas pela Organização são enunciados fatores
como o consenso internacional e a legitimidade que adquirem, a aceitação e o
interesse profissional que suscitam, o apoio não-governamental que obtêm, o
suporte financeiro que conseguem alcançar e a extensão segundo a qual os
diversos componentes do sistema das Nações Unidas tomam a iniciativa e a
responsabilidade de as implementar (Emmerij, Jolly e Weiss, 2009: 45).
O papel ideational das Nações Unidas tem suscitado um renovado interesse
enquanto campo de pesquisa, atribuindo-se à Organização a iniciativa na pro-
moção de ideias como os direitos humanos, a igualdade de género, as relações
económicas internacionais justas, a sustentabilidade ambiental ou a alteração
na validade da manutenção da dominação colonial (Emmerij, Jolly e Weiss,
2009). A caracterização das Nações Unidas como espaço de mudanças norma-
tivas nos paradigmas que até ao final da II Guerra Mundial tinham funda-
mentado a dominação colonial, tem sido destacada pelos que abordam o seu
contributo para a consolidação de uma nova compreensão da ideia de autode-
terminação, que foi utilizada para legitimar o processo de expansão do sistema
de estados soberanos (Philpott, 2001; Jackson, 1993). Aceite sem grande con-
trovérsia, a perceção da Organização como uma das promotoras da autodeter-
minação encontra justificação no facto dos fóruns da diplomacia internacio-
nal estabelecidos no pós-guerra se terem tornado em espaços de confronto
entre as potências coloniais e os defensores das independências dos territórios
sob dominação estrangeira (Fedorowich e Thomas, 2000: 1). Produzindo
resultados distintos, pela existência de inúmeras variáveis associadas a cada
situação, desde o seu estabelecimento as Nações Unidas estiveram envolvidas
em tentativas para associar aos territórios colonizados a ideia de autodetermi-
nação.
Por ter constituído um dos exemplos paradigmáticos dos esforços da Organi-
zação para a implementação da ideia de autodeterminação, o envolvimento na
questão colonial portuguesa é o tema escolhido neste livro para se tentar com-
preender o papel das Nações Unidas na deslegitimação normativa da domina-
ção colonial. Em termos cronológicos, a aprovação em finais de 1960 da De-
claração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais,
que se traduziu numa alteração das disposições sobre a autodeterminação,
servirá como baliza inicial do estudo. Como o diferendo com o governo por-
tuguês se prolongou até 1974, entendemos finalizar a nossa análise com o 25
de Abril, quando a política colonial portuguesa foi revista de forma a corres-
ponder às solicitações da Organização. Decorrente da perspectiva empírica
adotada, o livro pretende questionar se as iniciativas das Nações Unidas quan-
to à política colonial portuguesa podem ser consideradas como demonstrati-
18  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

vas de que a ideia de autodeterminação que se pretendia inicialmente imple-


mentar acabou por sofrer um processo de transformação e que, de forma lenta
e pouco linear, o seu significado foi alargado. Por outras palavras, a nossa
hipótese procura verificar se os debates sobre o colonialismo português podem
ser entendidos como tendo contribuído para um movimento mais amplo de
consolidação da ascensão da ideia de autodeterminação.
Com a hipótese apresentada, o livro tem o propósito de preencher uma lacuna
na bibliografia existente, que não tem conseguido integrar o envolvimento da
Organização na questão colonial portuguesa na perspectiva do ideational role
das Nações Unidas. Somente exemplos pontuais se têm aproximado desse
objetivo, como é o caso de uma recente tentativa de compreensão dos efeitos
das decisões da Organização relativas às colónias portuguesas nos debates
sobre a mudança normativa quanto ao colonialismo (Reis, 2013). Insistindo
sobretudo nas ações de órgãos como a Assembleia Geral, o Conselho de
Segurança e o Comité de Descolonização, raramente abarcando o desempe-
nho das agências especializadas, os estudos têm privilegiado momentos espe-
cíficos, que quase nunca ultrapassam os finais da década de 1960 (Monteiro,
2012; Santos, 2009a; Barbier, 1974). A temática do confronto entre as Nações
Unidas e Portugal tem sido estudada de acordo com a análise do conteúdo dos
discursos, a evolução da política externa e colonial portuguesa ou os avanços e
retrocessos nas resoluções adotadas (Pereira, 2005; Magalhães, 1996; Martins,
1995; Silva, 1995; Beller, 1970). Uma atenção particular é atribuída à orien-
tação seguida pelos estados membros, como os Estados Unidos da América, o
Reino Unido, a França, a Espanha e, pontualmente, o Brasil e a Itália, nos
debates e nas votações sobre o colonialismo português (Rodrigues, 2006; Oli-
veira, 2007; Marcos, 2007; Tíscar Santiago, 2013; Dávila, 2010; Matos,
2010)4. Em alternativa, outros estudos que de alguma forma abarcam o tema
têm optado por examinar a atividade das organizações anticoloniais, procu-
rando demonstrar os esforços que desenvolveram nas Nações Unidas para iso-
lar o governo português e obter apoio internacional (Sousa, 2011; Silva, 1997;
Dhada, 1995).
Subjacente às leituras sobre o desempenho das Nações Unidas na contestação
da política colonial portuguesa existe a perceção de que as pressões da
Organização tiveram um carácter faseado, alternando entre a moderação e o
radicalismo (Silva, 1995). Entendendo-se que fora montado um cerco a Por-
tugal, as Nações Unidas são porém consideradas como tendo sido ineficazes
por não terem conseguido induzir uma mudança no comportamento do
governo português (Barbier, 1974). A Organização não escapa à avaliação de

4
  As referências citadas não são exaustivas. Para mais informação vide a bibliografia.
Introdução | 19

que terá sido impotente perante a recusa portuguesa em colaborar com os seus
órgãos, concluindo-se que no início da década de 1970 tinha esgotado todos
os meios de persuasão e que não existiam mecanismos para obrigar Portugal a
implementar a ideia de autodeterminação (Barbier, 1974: 387). A nota favo-
rável à atuação das Nações Unidas é reservada para o período pós-1974, com
a mudança de regime em Portugal, quando se defende que as suas ações foram
determinantes para o reconhecimento pelo governo português do direito à
autodeterminação (Ferreira, 2006: 118-122). Apresentando uma perspectiva
convencional, as abordagens existentes nem sempre têm vindo a demonstrar
que o caso português contribuiu para mudanças normativas nas atitudes e
práticas quanto à ideia de autodeterminação.
Pretendendo relativizar o entendimento de que as Nações Unidas não foram
eficazes, este livro pressupõe algumas escolhas metodológicas. As ferramentas
de análise derivadas da História Institucional, que enquadram as instituições
num determinado contexto, analisam as suas funções, estudam o seu funcio-
namento e identificam os seus atores, serão empregues para se perceber a na-
tureza e as ações da Organização. Os métodos da História Internacional, que
se caracterizam por uma pluralidade de práticas, serão igualmente utilizados
com o objetivo de, ultrapassando o paradigma nacional, se adotar uma pers-
pectiva multinível, que equacione as perceções dos diferentes intervenientes
na questão colonial portuguesa. Pelo seu potencial serão valorizados os contri-
butos da Global History, o que permitirá considerar os debates sobre o colonia-
lismo português como fazendo parte de um fenómeno transnacional: a mu-
dança normativa quanto ao colonialismo que resultou na independência dos
povos colonizados. Uma vez que podem ser utilizados para explicar a influên-
cia das crenças e dos valores nas ações dos estados, não se poderá deixar de
abarcar os critérios da História das Ideias, que permitirão compreender os
múltiplos significados que a autodeterminação assumiu nas Nações Unidas.
Sem que haja a intenção de circunscrever o objeto de estudo a um único cam-
po, entendemos que a melhor interpretação será a que resulte da conjugação
de diferentes metodologias. Uma pesquisa multiarquivo, baseada na recolha
de fontes primárias em instituições portuguesas e estrangeiras, complementará
os pressupostos metodológicos subjacentes ao livro. Na recolha das fontes
privilegiou-se não somente a versão pública, oficial, dos acontecimentos, mas
também as ações paralelas, que narram histórias mais complexas, designada-
mente as tentativas de influenciar o processo de decisão das Nações Unidas.
Na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (que desde 1957 faz parte
da rede de instituições depositárias das publicações das Nações Unidas), na
Biblioteca Dag Hammarskjöld, em Nova Iorque, na Biblioteca da Universida-
de da Colúmbia Britânica, no Canadá, e no Centro Regional de Informação
20  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

para a Europa Ocidental, na Suíça, foram recolhidos documentos oficiais da


Organização, compreendendo nomeadamente petições, atas de reuniões, rela-
tórios e resoluções.
No Arquivo das Nações Unidas foram consultados os fundos dos secretários-
-gerais U Thant e Kurt Waldheim, do Departamento de Tutela, do Departa-
mento dos Assuntos Políticos e Conselho de Segurança, do Gabinete de Ques-
tões Políticas Especiais e da Divisão do Conselho de Segurança e Comité
Político. Em Portugal, no Arquivo Histórico-Diplomático foram analisados os
processos pertencentes aos fundos Política e Organizações Internacionais,
Missão de Portugal nas Nações Unidas e Gabinete dos Negócios Políticos do
Ministério do Ultramar. No Arquivo Nacional Torre do Tombo, o Arquivo
António Oliveira Salazar e o Arquivo da PIDE/DGS mereceram uma especial
atenção. Do Arquivo Histórico Ultramarino foram recuperadas informações
relacionadas com o tema na restante documentação pertencente ao Fundo
Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar. Na Fundação
Mário Soares, a consulta de fontes teve por objeto o Espólio de Amílcar
Cabral, onde constam dados complementares aos recolhidos nas restantes ins-
tituições.
Capítulo I
Uma Questão Prioritária: 1960-1962

Tendo por ambição principal a manutenção da paz e da segurança internacio-


nais, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem estado, desde o seu esta-
belecimento, envolvida na criação e desenvolvimento de ideias, conferindo-
-lhes legitimidade, implementando-as e testando-as ao nível dos estados
(Emmerij, Jolly e Weiss, 2009: 35). Ainda que a afirmação esteja sujeita à
controvérsia, as ideias, enquanto produto de interações sociais, têm vindo a ser
consideradas como um dos principais motores da história (Emmerij, Jolly e
Weiss, 2009: 41). As ideias desenvolvem-se por processos de grupos, o que
dificulta a identificação de um único indivíduo ou de uma única entidade
responsável pela sua criação. Com frequência assumem uma forma mais defi-
nida em resultado de pesquisas, de debates ou de tentativas para as transfor-
mar em práticas políticas (Emmerij, Jolly e Weiss, 2009: 38). Sendo-lhes reco-
nhecida a capacidade para formatar indivíduos, estados e instituições,
levando-os a projetar novos objetivos, pretende-se que têm um maior impacto
quando se convertem em opiniões mundiais, tornando-se numa fonte de pres-
são para a mudança (Goldstein e Kehoane, 1993: 7). Consideradas por alguns
como uma forma de poder, com autonomia própria, entende-se que influen-
ciam a política ao alterarem o modo como as questões são percecionadas e a
linguagem usada para as descrever, quando enquadram as agendas, ao afeta-
rem o equilíbrio de forças para a ação ou a resistência à mudança e nas circuns-
tâncias em que se tornam parte das instituições que assumem a responsabili-
dade de as implementar (Emmerij, Jolly e Weiss, 2009: 42).
Em resultado do ideational role das Nações Unidas (NU), que lhe permite
desempenhar um papel na definição das agendas internacionais, designada-
mente a nível económico e social, as ideias são consideradas como o mais
importante legado da Organização (Emmerij, Jolly e Weiss, 2009: 39). Tendo
sido responsável pelo desaparecimento dos impérios europeus, permitindo
que os territórios colonizados se tornassem independentes, a autodetermina-
ção foi introduzida na Carta como “uma ideia genérica e indeterminada”
(Cassese, 1995: 341). Com a emergência de manifestações anticoloniais mais
consistentes, as NU, em conjunto com diferentes atores, promoveram a trans-
formação da ideia num direito (Lopes, 2003: 48). A autodeterminação tor-
nou-se num dos pilares da Organização, que, numa longa e intensa campa-
nha, foi responsável por iniciativas destinadas à sua implementação enquan-
to afirmação autorizada da obrigação das potências coloniais conduzirem as
22  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

colónias à independência o mais rapidamente possível (Luard, 1989b: 187). A


propósito da evolução dos territórios colonizados, as NU tiveram no entanto
de enfrentar, de 1960 em diante, desafios mais complexos, que originaram
diferentes conceções sobre a Organização, os seus poderes e a sua estrutura1.
Com uma lista cada vez mais extensa de questões inscritas na ordem do dia, as
sessões dos diferentes órgãos sobre os territórios colonizados experimentaram
uma complexificação, prolongando-se no tempo.
Uma vez que Portugal não estava em conformidade com as normas referentes
à autodeterminação, com o início da guerra em Angola as NU tomaram a
iniciativa de inscrever os acontecimentos na agenda, onde passaram a ser con-
siderados Uma Questão Prioritária (Santos, 2009a: 20). Uma intensa campa-
nha marcou o início de um período conturbado nas relações entre a Organi-
zação e o governo português, caracterizado por discussões aprofundadas,
reveladoras da importância atribuída ao tema. Os debates sobre a questão
colonial portuguesa, que foram por vezes ambíguos e complexos, sofreram
alterações com o tempo, incorporando mudanças significativas nas questões
abordadas (Beller, 1970). Tendo havido transformações nas preocupações e no
papel da Organização, os esforços das NU não foram lineares, permitindo que
houvesse avanços e recuos nas decisões adotadas. Nas primeiras sessões pós-
-1960, que foram as de maior atividade quanto à questão colonial portuguesa,
houve uma quase unanimidade na condenação ao governo português. Fase
crítica, no período até novembro de 1962, as iniciativas para a implementação
nos territórios portugueses das resoluções da Organização não resultaram
porém numa clara rutura com as preocupações anteriores ao momento da
consolidação, ocorrida na XV AG, na institucionalização da ideia de autode-
terminação.

Tanto pela Letra como pelo Espírito


As ideias estão em constante mutação, sendo reconsideradas e redefinidas à
medida que são debatidas e implementadas na prática, contribuindo para
mudanças institucionais (Béland e Cox, 2011: 5). Ideias como a da autodeter-
minação, com precedentes anteriores, foram com frequência adaptadas e mo-
dificadas de forma a se enquadrarem nas prioridades, programas de trabalho e
paradigmas existentes nas NU. Princípio disputável e maleável, a ideia de
autodeterminação esteve associada ao desenvolvimento do nacionalismo e do
liberalismo, tendo tido como momentos marcantes a declaração de indepen-

1
  Nations Unies – A/4390/Add. 1. Supplément n.º 1A. Introduction au Rapport Annuel du Secré-
taire General sur l’Activité de l’Organisation. 16 Juin 1959-15 Juin 1960. Nova Iorque: s.n.,
1960. p. 3-4.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  23

dência dos Estados Unidos da América (EUA) e a Revolução Francesa (Casse-


se, 1995: 11). Com uma linhagem herdeira de raízes históricas e ideológicas
plurais e contraditórias, a ideia de autodeterminação, atendendo ao tempo, ao
espaço e às várias circunstâncias em que foi empregue, assumiu diferentes for-
mas e diversos significados ou representou linhas ideológicas e práticas políti-
cas antagónicas (Cassese, 1995: 26). Na enunciação do princípio, o primeiro
proponente a nível internacional foi Lenine, que o invocou como base para os
acordos de paz no final da I Guerra Mundial (Manela, 2007: 37). O presiden-
te norte-americano, Woodrow Wilson, conferindo à ideia um significado di-
ferente, tornou-a num postulado político e num slogan retórico (Cassese,
1995: 19-23). Embora visasse unicamente o espaço europeu, o conceito
wilsoniano foi interpretado de forma vanguardista pelos nacionalistas antico-
loniais, que o utilizaram para justificar as suas reivindicações independentistas
(Manela, 2007: 8-9).
Tornando-se num dos mais célebres e disputados princípios do período entre
guerras e tendo estado presente na Carta do Atlântico (1941), foi em grande
parte por iniciativa da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) que
as referências à autodeterminação constaram da Carta das NU (Cassese, 1995:
38). Ainda que tivesse sido a primeira vez que o princípio de autodetermina-
ção encontrou tradução num tratado multilateral, o que representou um certo
amadurecimento, a sua formulação significou muito pouco. Fracamente defi-
nido – com poucas indicações quanto ao seu significado, o seu conteúdo, os
seus portadores e os meios adequados à sua implementação – a ideia de auto-
determinação integrada na Carta dificilmente podia significar, como mais tar-
de viria a acontecer, a obrigação das potências coloniais permitirem que as suas
colónias decidissem o seu próprio destino (Conforti e Focarelli, 2010: 370).
Numa formulação mais restritiva, a autodeterminação enunciada nos Artigos
1.º (§ 2.º) e 55.º destinava-se ao desenvolvimento de relações pacíficas e ami-
gáveis entre as nações. Entendida como a livre afirmação dos estados, sem
ingerência externa, os contornos da autodeterminação estabelecidos na Carta
não foram muito diferentes do princípio da não intervenção nos assuntos in-
ternos dos países (Conforti e Focarelli, 2010: 370). Associada à igualdade
de direitos entre os estados, a autodeterminação da Carta era primeiramente
estadual, integrando uma liberdade que pertencia aos governos e que somente
mais tarde estaria ao alcance dos povos (Lopes, 2003: 43).
Caracterizada pela ambiguidade, a ideia de autodeterminação presente na
Carta não constituía uma ameaça para os domínios coloniais, o que é consis-
tente com a afirmação de que as NU foram um produto da dimensão imperial
e que, pelo menos de início, as potências coloniais consideraram a Organiza-
ção como um mecanismo para a defesa do colonialismo (Mazower, 2009:
24  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

16-17). Em lugar de apoiar a descolonização, a Carta excluiu das disposições,


bastante conservadoras, sobre os territórios dependentes quaisquer referências
à ideia de autodeterminação. Praticamente legitimando o colonialismo, as po-
tências coloniais foram sujeitas a obrigações genéricas e modestas, que subli-
nharam o espírito de compromisso inicial das NU com a preservação dos
impérios coloniais2. Com uma orientação paternalista, a Carta estabeleceu
uma hierarquia de valores, em que a articulação desigual dos princípios tornou
a soberania dos estados (principalmente das potências coloniais) no elemento
central, que se sobrepôs às cláusulas sobre os territórios dependentes (Patil,
2007: 44). O documento adotou a mesma linguagem que permitira às potên-
cias coloniais justificar a sua dominação, estabelecendo uma distinção entre
países considerados avançados e aqueles que se entendia serem menos desen-
volvidos, em relação aos quais existiria uma missão sagrada de orientação para
o progressivo desenvolvimento político, económico, social e educacional
(Patil, 2007: 45).
Evitando a utilização dos termos colónias ou potências coloniais – substituí-
dos por “territórios não autónomos” e “membros das NU que assumiram ou
assumem responsabilidades pela administração de territórios” –, a Carta favo-
receu uma organização jurídica da dominação colonial, estabelecendo um tra-
tamento desigual para os povos dependentes (Lopes, 2003: 45). Numa lingua-
gem ambígua, desenvolvida nos Capítulos XI, XII e XIII, determinou regras
gerais de administração para os territórios não autónomos, que salvaguarda-
vam as preocupações das potências coloniais ao garantirem que as suas posses-
sões não cairiam sob a alçada da ONU, e disposições para a criação de um
sistema de tutela razoavelmente vago e destinado a determinadas categorias de
colónias (Martins, 1995: 70). Compromisso moral, que dependia da boa-fé
das potências coloniais, a Declaração Relativa aos Territórios não Autónomos
reportava-se à esmagadora maioria das possessões dependentes. Sem que tives-
se sido definido o que se entendia por “territórios não autónomos” ou fosse
avançada uma proposta ou lista que indicasse as possessões que poderiam ser
integradas nessa categoria, a Declaração não definiu objetivos concretos para

2
  Nas conferências que antecederam o estabelecimento da Organização, por oposição do Reino
Unido não foram claramente definidas as responsabilidades que as NU poderiam ter nas ques-
tões coloniais. Em São Francisco, a discussão sobre os territórios dependentes resultou num
desacordo entre os participantes. A grande dificuldade foi precisamente a de associar às dispo-
sições sobre os territórios dependentes a ideia de autodeterminação, por se temer que pudesse
servir de justificação à secessão. Para proteger os seus interesses, as potências coloniais resistiram
à introdução de provisões potencialmente radicais, consentindo somente algumas alterações,
ainda que substanciais, nas propostas iniciais sobre os territórios dependentes. Cf. Luard,
1989b: 58-62.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  25

os povos subjugados (Crawford, 2007: 606-607). Os dois artigos do Capítulo


XI limitaram-se a atribuir às potências coloniais o dever sagrado de assegurar
o bem-estar – mediante o respeito pela cultura, o progresso político, económi-
co, social e educacional, o tratamento equitativo, a proteção contra abusos e o
respeito pelas aspirações políticas – dos povos que administravam e que ainda
não se governassem complemente a si mesmos.
Nada foi dito sobre a possibilidade da independência dos territórios não autó-
nomos se tornar numa obrigação a cumprir pelas potências coloniais. O
desenvolvimento do autogoverno e de instituições políticas livres eram os
objetivos máximos aos quais os territórios não autónomos poderiam aspirar
nos termos da Carta. As potências coloniais ficaram sujeitas unicamente à
obrigatoriedade de transmitir regularmente ao secretário-geral (SG) dados
estatísticos e de natureza técnica, para fins informativos segundo o Art.º 73.º,
§ e), sobre as condições económicas, sociais e educacionais nos territórios que
administravam. Limitado pelas reservas impostas por razões de segurança e de
ordem constitucional, o cumprimento da obrigação de transmitir informa-
ções, que não contemplava questões de âmbito político, não foi objeto de
qualquer mecanismo de supervisão que pudesse assegurar a sua implementa-
ção. O poder das NU para a aplicação do Art.º 73.º e) era limitado, tanto mais
que o acordo de cavalheiros alcançado no momento da redação garantia que,
em princípio, o seu cumprimento não envolveria nenhum direito da Organi-
zação intervir naquilo que as potências coloniais defendiam serem questões de
jurisdição interna (Ziring, Riggs e Plano, 2005: 384).
Forma institucionalizada de administração colonial, o Regime Internacional
de Tutela seguia o modelo do sistema de mandato criado pela Sociedade das
Nações (SDN), retomando a relação desigual entre um território considerado
incapaz de se governar a si próprio e um Estado que assumia responsabilidades
pela sua administração (Hill e Keller, 2010). Em teoria, comportando a obri-
gação dos administradores governarem no interesse das populações locais, o
sistema de tutela foi previsto para os territórios que tinham estado sob o man-
dato da SDN, os capturados aos estados inimigos em consequência da II Guer-
ra Mundial e os que fossem voluntariamente submetidos ao regime pelas
potências coloniais3. Concebido com o propósito de conferir aos territórios
visados um estatuto mais vantajoso do que os dos territórios não autónomos,
o Regime Internacional de Tutela tinha como finalidade o desenvolvimento
progressivo dos territórios para o autogoverno e a independência. Envolvida

3
  Organização das Nações Unidas. Carta da Organização das Nações Unidas. Disponível em
<URL: http://www.un.org/spanish/Depts/dpi/portugues/charter/index.htm>, data de acesso
01/02/2013.
26  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

numa linguagem sobre a consolidação da paz e da segurança internacionais, o


desenvolvimento progressivo dos habitantes e o respeito pelos direitos huma-
nos e pelas liberdades fundamentais, a independência dos territórios sob tute-
la apresentava-se no entanto, na definição do Art.º 76.º, § b), como uma mera
hipótese e não uma imposição para as potências coloniais (Conforti e Foca-
relli, 2010: 364). A possibilidade da independência ficou condicionada à
aquisição pelos territórios tutelados de um nível de avanço e desenvolvimento
considerados adequados, o que era uma condição que deixava uma ampla
margem de manobra para as potências coloniais retardarem o reconhecimento
da condição de independente.
O controlo dos territórios permanecia, pelas disposições do Capítulo XII, fir-
memente nas mãos das metrópoles, que, não sendo obrigadas a sujeitar as
colónias ao regime, tinham ainda de consentir no estabelecimento das condi-
ções de tutela, prevendo-se a realização de acordos individuais entre a ONU e
as potências coloniais (Luard, 1989a: 61). Uma salvaguarda adicional permitia
que, em qualquer acordo de tutela, houvesse a possibilidade das potências
coloniais conseguirem o reconhecimento da existência, por razões de seguran-
ça, de zonas estratégicas, que podiam compreender uma parte ou a totalidade
do território4. Mesmo comportando algumas insuficiências, o sistema de tute-
la integrou contudo instrumentos de supervisão da ação das potências colo-
niais, operando uma reformulação do princípio da responsabilização interna-
cional e reforçando as garantias de monitorização que tinham estado presentes
nos mandatos da SDN (Hill e Keller, 2010: XII-XIII). As funções de supervi-
são e responsabilização da administração dos territórios foram atribuídas
à Assembleia-Geral (AG) e, no caso das zonas estratégicas, ao Conselho de
Segurança (CS), que teriam a assistência do Conselho de Tutela, cujas atribui-
ções, determinadas no Capítulo XIII numa linguagem vaga, eram essencial-
mente destinadas à compilação de informação (Patil, 2007: 44-45). Um
questionário sobre o desenvolvimento político, económico, social e educacio-
nal dos habitantes, elaborado pelo Conselho, serviria de base para a inquirição
às potências coloniais, que ficaram obrigadas a apresentar um relatório anual
à Organização (Crawford, 2002: 312). O exame dos relatórios das autoridades
administrantes, a receção e estudo de petições provenientes das populações e a
realização de visitas periódicas aos territórios tutelados constituíam os demais
instrumentos de supervisão das NU.
Ainda que seja largamente plausível a ideia de que os Capítulos XI, XII e XIII
representavam a legitimação dos interesses das grandes potências, as conse-
quências do objetivo de preparar o autogoverno para os territórios não autó-

4
 Idem.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  27

nomos e a independência para os sob tutela dificilmente poderiam ter sido


antecipadas no momento da redação da Carta (Ziring, Riggs e Plano, 2005:
381). Como tem vindo a ser reconhecido, as disposições da Carta, numa evo-
lução empírica das cláusulas sobre os territórios não autónomos e o sistema de
tutela, acabaram por dar força moral e política às aspirações dos povos coloni-
zados. Fazendo uso do poder de discutir e fazer recomendações sobre quais-
quer questões, as NU desenvolveram a prática de estabelecer uma ligação
entre os artigos da Carta onde o termo autodeterminação foi empregue e o
destino dos territórios dependentes. Numa cedência perante interpretações
evolutivas do documento, as NU transformaram-se num fórum anticolonial,
deixando pelo caminho a conceção original de instrumento para a defesa dos
impérios (Mazower, 2009: 25). A Organização tornou-se num espaço para a
emissão de apelos à moralidade e à consciência internacional, transmitindo o
desejo de abolição da dominação colonial (Conforti e Focarelli, 2010: 364).
Num processo sinuoso, pouco linear, feito de avanços e recuos, os seus poderes
de recomendação foram utilizados para transformar a ideia de autodetermina-
ção na base normativa da descolonização.
Uma prática pouco ameaçadora para as potências coloniais marcou porém as
primeiras decisões sobre os territórios dependentes, quando o alinhamento das
forças na Organização não estava ainda suficientemente definido e os debates
eram relativamente isentos do radicalismo que mais tarde surgiria (Luard,
1989a: 2-3). Instituição ambígua, em que a população não era independente e
nem tinha o estatuto de colónia, o sistema de tutela foi de início o “mecanismo
preferencial da descolonização” (Crawford, 2002: 94-95). A instituição de
tutela tornou-se no instrumento pelo qual a aplicação da ideia de autodetermi-
nação aos povos colonizados teve tradução na prática das NU (Knop, 2008:
327). A disputa constante entre a Organização, as potências administrantes e
os líderes locais sobre o significado da autodeterminação acabou por resultar na
afirmação de que a independência constituía um direito legal para os povos
tutelados (Knop, 2008: 329). A exigência da criação de condições para a evo-
lução dos territórios tutelados para a independência, que se considerava que
deveria ter lugar o mais rapidamente possível, foi adotada como fórmula para
vincular as potências administrantes a compromissos políticos.
Num processo que não esteve isento de tensões e contradições, o sistema de
tutela permitiu que em inícios da década de 1960 todos os territórios africanos
submetidos ao regime tivessem alcançado o autogoverno ou a independência
(Wilde, 2008: 154-155). Os restantes territórios tornaram-se independentes
nas décadas seguintes, culminando uma tendência resultante da difusão da
pretensão de que as populações dos territórios dependentes tinham de opinar
sobre a forma como eram governados (Knop, 2008: 330-331). Ainda que a
28  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

supervisão das NU tivesse favorecido uma maior articulação das demandas de


independência, o sistema de tutela acabou por se tornar anacrónico, esgotan-
do a sua função. O Conselho de Tutela, que pela sua composição paritária foi
controlado pelas potências coloniais, nunca se transformou no órgão central
de discussão da ideia de autodeterminação, dado que esteve impossibilitado de
exercer qualquer poder legal de coerção e por a esmagadora maioria dos terri-
tórios colonizados terem ficado fora do sistema (Ziring, Riggs e Plano, 2005:
383). Os debates mais importantes sobre a autodeterminação acabaram por
ser os que se reportavam aos territórios não autónomos, em que as tentativas
de supervisão internacional tornaram-se no veículo para a transformação da
AG no principal fórum de confrontação anticolonialista.
Sem que nenhuma disposição da Carta autorizasse a retirada dos territórios
não autónomos da esfera exclusiva das metrópoles, as NU desenvolveram uma
visão extensiva do Capítulo XI da Carta, alargando e colocando em operação
o direito à autodeterminação (Crawford, 2007: 603). A iniciativa ficou a car-
go da IV Comissão da AG, que evidenciou tanto as limitações como o poten-
cial das NU para a adoção de novas práticas, promovendo uma gradual recon-
figuração da problemática colonial (Ziring, Riggs e Plano, 2005: 385). As
decisões adotadas quanto aos territórios não autónomos tentaram a aproxima-
ção a um estatuto idêntico ao das populações sob tutela, para, com a associa-
ção ao estabelecido nos Capítulos XII e XIII, assegurar a independência como
solução final e a fiscalização do processo pelas NU (Martins, 1995: 76-77). As
discussões regulares sobre a aplicação da autodeterminação aos territórios não
autónomos, que estiveram presentes na agenda por um longo período, foram
justificadas com a obrigatoriedade do cumprimento da transmissão das infor-
mações prevista no Capítulo XI da Carta. Nunca aceite pelas potências colo-
niais, que pretendiam que os dados deviam ser fornecidos a título voluntário
e para fins meramente informativos, o estudo das informações resultou no
desenvolvimento de regras consuetudinárias, justificadas Tanto pela Letra como
pelo Espírito da Carta (Conforti e Focarelli, 2010: 365; Martins, 1995: 76).
Não obstante o Capítulo XI nada ter referido a esse respeito, determinou-se a
criação de um órgão – o Comité de Informações sobre os Territórios não
Autónomos, como ficou conhecido – para o exame das informações transmi-
tidas. Para ampliar as obrigações das potências coloniais, uma pressão crescen-
te foi exercida para que fossem entregues elementos sobre as condições políti-
cas nos territórios não autónomos, considerando-se que estavam em con-
formidade com o espírito do Art.º 73.º5. As tentativas das potências coloniais

5
  United Nations. Resolution 144 (II), 3 November 1947. Disponível em <URL:http://www.
un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  29

para contornar a vigilância das NU, com o argumento de que as coló-


nias tinham alcançado o autogoverno, levaram à afirmação de que apenas a
IV Comissão, por delegação da AG, ou o Tribunal Internacional de Justiça
podiam determinar as condições e o momento em que as informações deixa-
riam de ser transmitidas (Martins, 1995: 81)6. Embora fosse discutível, por-
que não tinha sentido se se atendesse unicamente à Carta, foi estabelecido o
direito das NU pedirem que fossem oficialmente informadas sobre as mudan-
ças no estatuto dos territórios não autónomos7. Não pretendendo permitir
a adoção de decisões unilaterais, a AG entendeu ser ainda competente para
exprimir uma opinião quanto aos princípios que deveriam guiar os estados
membros para se determinar se a população de um determinado território
tinha ou não alcançado o autogoverno8. A Assembleia exprimiu a preferência
para que o autogoverno dos territórios não autónomos fosse exercido primei-
ramente através da independência, embora a associação a um outro Estado,
numa base de absoluta igualdade e liberdade, ou a autonomia política também
fossem reconhecidas como fórmulas válidas9.
O crescente alargamento das iniciativas da AG quanto aos territórios não
autónomos poderá ser interpretado como significando que, mesmo antes da
chamada Era da Descolonização nas NU, quando a partir de 1955 os países
do Sul Global orientaram os debates para as questões coloniais, estava em
curso um processo de institucionalização da ideia de autodeterminação.
A consolidação da ideia e o crescente papel das NU na sua promoção foram
em parte resultantes do aumento da contestação dos nacionalistas anticolo-
niais, que refutaram a dominação colonial, da diminuição da tolerância em
relação às crenças racistas subjacentes ao colonialismo, com a afirmação da
igualdade entre as raças, ou do decréscimo do apoio público nos países euro-
peus à manutenção das colónias (Crawford, 2002: 292-293). As NU, por se-
rem uma entidade suscetível de ser modelada pelas oscilações nos valores
e normas internacionais, acabaram por adotar o entendimento de que, haven-
do o reconhecimento da igualdade entre as raças, a manutenção da domina-
ção colonial era infundada (Mazower, 2009: 195-196). Como a luta contra a
discriminação racial estava a tornar-se numa causa moral, desenvolvendo-
-se um ativismo internacional, rapidamente a questão da promoção da igual-

6
  United Nations. Resolution 222 (III), 3 November 1948. Disponível em <URL:http://www.
un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
7
 Idem.
8
  United Nations. Resolution 567 (IV), 18 January 1952. Disponível em <URL:http://www.
un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
9
  United Nations. Resolution 742 (VIII), 27 November 1953. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
30  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

dade ficou associada aos debates sobre a autodeterminação (Sapire e Saunders,


2013).
Sem se secundarizar outras explicações, poder-se-á no entanto considerar que
a importância que a autodeterminação obteve esteve estreitamente relacionada
com a institucionalização de uma outra ideia, a dos direitos humanos, no
desenvolvimento da qual as NU desempenharam igualmente um papel fun-
damental10. Mesmo que a literatura existente indique que num primeiro
momento não tivesse havido ligação doutrinal ou organizacional entre as duas
ideias, os direitos humanos acabaram por se transformar no mecanismo para
a promoção da autodeterminação (Moyn, 2012: 162). Tornando-se num con-
ceito hegemónico – com um significado e uma prática complexa e contestada
–, os direitos humanos emergiram como um vocabulário representativo de um
novo imaginário, fortalecendo o discurso que desafiava a dominação colonial
e favorecendo o reconhecimento do princípio de que cada povo podia decidir
o seu destino (Ludwing, 2011). A Declaração Universal dos Direitos Huma-
nos (1948) consagrou que todos os seres humanos nasciam livres e iguais em
dignidade e direitos, estabelecendo que não deveria ser efetuada nenhuma
distinção com base no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou
território ao qual os indivíduos pertenciam, quer fossem independentes, esti-
vessem sob tutela, tivessem a designação de não autónomos ou se encontras-
sem sob qualquer outra forma de soberania11.
Reconhecendo-se a todos o direito básico à liberdade, a ideia de autodetermi-
nação tornou-se numa das questões mais polémicas associadas aos direitos
humanos (Normand e Zaidi, 2008: 212). Com a fragmentação do sistema
internacional dos direitos humanos, não se tendo conseguido que a Declara-
ção Universal apresentasse uma abordagem integral, ficou prevista a elabora-
ção de convénios sobre direitos políticos e civis e sobre direitos económicos,
sociais e culturais, na preparação dos quais se levou muito tempo a discutir a
ideia de autodeterminação (Normand e Zaidi, 2008: 197-198). Foram susci-
tadas questões sobre se a autodeterminação constituía um princípio ou um
direito, se pertencia a indivíduos ou a grupos nacionais, se implicava tanto a
independência política quanto a económica ou se pressupunha a participação
democrática interna (Normand e Zaidi, 2008: 215). Com as tentativas para a
inserção da ideia nos convénios, a autodeterminação ganhou um sentido mais
preciso, aproximando-se da definição que significava a liberdade dos povos

10
  Nem todas as abordagens têm reconhecido de forma pacífica o estatuto do anticolonialismo
enquanto direitos humanos. Alguns defendem que o movimento anticolonial não foi na sua
essência um movimento de direitos humanos. Cf. Burke, 2010: 5.
11
  United Nations. Resolution 217 (III), 10 December 1948. Disponível em <URL:http://www.
un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  31

disporem de si mesmos. Em resultado da sua elasticidade, a autodetermina-


ção, que comportava muitos significados e evocava inúmeras conotações, foi
apresentada como um direito humano fundamental, ficando associada aos
conceitos de soberania e democracia (Burke, 2010: 39). A versão da autode-
terminação enquanto soberania pretendia que os direitos individuais eram
secundários, prevalecendo o imperativo da criação de estados independentes
(Burke, 2010: 39). Na perspectiva da democracia, a autodeterminação enten-
dia que os direitos individuais e a independência nacional estavam intima-
mente relacionados, resultando na criação de estados pós-coloniais democrá-
ticos (Burke, 2010: 39).
Decorrente da sua associação aos direitos humanos, a ideia de autodetermina-
ção começou progressivamente a ser empregue num contexto diferente do
previsto na Carta12. Numa exigência continuada para a sua aplicação, os esta-
dos membros passaram a ser convidados a informar sobre a extensão segundo
a qual o direito dos povos e nações à autodeterminação estava a ser exercido
nas suas colónias. Já não se visavam as relações pacíficas e amigáveis entre os
estados, mas que todos os que tinham responsabilidades pela administração de
territórios não autónomos, e também pelos que se encontrassem sob tutela,
promovessem a sua realização. Uma dimensão económica, subjacente ao reco-
nhecimento da soberania permanente sobre as riquezas e os recursos naturais,
apontava para uma ideia de autodeterminação que não se limitava a termos
estritamente políticos. Questões como a quem se aplicava ou se podia ser rei-
vindicada por grupos dentro dos estados continuaram porém sem resposta
institucional.

A Magna Carta da Descolonização


Com a tendência para os direitos humanos ganharem um destaque sem para-
lelo na ONU, passando a ser considerados como verdades evidentes, a ideia de
autodeterminação tornou mais vincada a exigência da transmissão de infor-
mações sobre os territórios não autónomos (Ludwing, 2011: 1). Essa exigên-
cia foi apresentada a Portugal após a admissão como Estado membro (em
finais de 1955), tendo o SG inquirido se administrava territórios sujeitos ao
cumprimento do Art.º 73.º e) da Carta13. Apresentada a todos os países que
tinham sido admitidos, o pedido de informações teve lugar num momento
em que as NU estavam em fase de transição, assistindo-se à multiplicação do
estudo das situações coloniais específicas, que até então não tinham merecido

12
  United Nations. Resolution 545 (VI), 5 February 1952. Disponível em <URL:http://www.
un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
13
  United Nations – Yearbook of the United Nations: 1956. s.l.: s.n., s.d. p. 290.
32  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

grande atenção (Martins, 1995: 88). As preocupações das NU passaram a ser


dominadas pelas questões coloniais, tornando-se evidente a intenção dos paí-
ses africanos e asiáticos – cuja admissão em número crescente determinara a
perda da maioria automática que os ocidentais detinham na AG – de utilizar
a Organização para modelar o debate sobre a descolonização (Alden, Morphet
e Vieira, 2010: 32-33). Com a inscrição na agenda de problemas resultantes
de conflitos coloniais, a ONU passou a demonstrar a tendência para um maior
radicalismo, suscitado nomeadamente pelas discussões sobre a guerra na Argé-
lia e as questões da Tunísia e Marrocos (Luard, 1989a: 3).
Em contradição com as circunstâncias do momento, em que as potências co-
loniais estavam sujeitas à condenação internacional, designadamente no segui-
mento da crise de Suez, Portugal entendeu comunicar ao SG que não possuía
territórios que pudessem ser considerados não autónomos e que não tinha
informações a transmitir (Louis, 2008: 292-293). A resposta portuguesa sig-
nificou a reafirmação da conceção unitária do país, tanto mais que anos antes,
atento às mudanças no discurso internacional, o Estado Novo adaptara o esta-
tuto das colónias, procurando retirá-las formalmente do âmbito das disposi-
ções da Carta com a revisão constitucional de 1951. De forma inédita, por
não haver precedentes, a AG submeteu à discussão as respostas, que foram
todas negativas, à inquirição do SG sobre os territórios não autónomos. O
debate teve como tema central a questão da competência da Assembleia para
interpretar a aplicação do Capítulo XI e determinar os territórios em relação
aos quais as informações deveriam ser transmitidas14. Uma acentuada diferen-
ça de opiniões opôs os que pretendiam que o órgão estava mandatado a deci-
dir se um Estado membro deveria remeter informações sobre os territórios sob
sua jurisdição e os que entendiam que somente as potências coloniais tinham
o direito de determinar as suas obrigações15.
As discussões foram conduzidas sobretudo com referência aos territórios por-
tugueses, embora as possessões espanholas também tivessem sido visadas. Sem
o radicalismo que mais tarde marcaria os debates sobre a questão colonial
portuguesa, não se exigiu a Portugal a aplicação da autodeterminação às suas
colónias, mas unicamente o reconhecimento da obrigatoriedade de transmitir
informações. A procura de soluções para resolver as divergências arrastou-se
por várias sessões, com Portugal, invocando a necessidade de uma maioria
qualificada de 2/3 para a aprovação das resoluções, a conseguir, com o apoio
de países ocidentais e latino-americanos, bloquear propostas para a criação de
um órgão para estudar a implementação do Capítulo XI (Nogueira, 1986:

14
 Ibidem.
15
  United Nations – Yearbook of the United Nations: 1957. s.l.: s.n., s.d. p. 294.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  33

481)16. Dada a previsão de que não se conseguiria continuar por mais tempo
a recorrer à regra dos 2/3, por iniciativa do Reino Unido, que pretendia que se
discutisse unicamente princípios gerais, enquanto mero exercício académico,
a AG aprovou (em 1959) o estabelecimento do designado Comité dos Seis
(Martins, 1995: 188). Argumentando que a composição do Comité – na qual
participariam, em paridade, potências coloniais e estados que não possuíam
coloniais – tinha sido decidida de forma irregular, Portugal rejeitou a colabo-
ração com o órgão, exprimindo reservas quanto aos resultados do seu estudo17.
Demonstrando um amplo consenso entre os seus membros, o Comité dos Seis
aprovou, de forma unânime, 12 princípios sobre a transmissão de informações
ao abrigo do Art.º 73.º. Com o entendimento de que as disposições do Capí-
tulo XI da Carta deviam ser examinadas à luz da mudança dos espíritos, os
princípios apresentados estabeleceram uma definição do conceito de territó-
rios não autónomos (Lopes, 2003: 55). Adotando um âmbito estritamente
colonial, o que afastou a possibilidade de alargamento a outras realidades, a
definição considerou como não autónomos todos os territórios que estivessem
geograficamente separados, fossem étnica ou culturalmente distintos do país
que os administrava e que, adicionalmente, pudessem encontrar-se numa
situação de subordinação administrativa, jurídica, económica ou histórica18.
Numa escolha livre e voluntária, as populações acederiam ao autogoverno
quando tivessem atingido a independência, nas situações de associação a um
Estado independente ou aquando da integração num outro país. Privilegian-
do-se claramente que os territórios não autónomos alcançassem o autogover-
no pela independência, exigências acrescidas foram impostas às soluções
decorrentes da associação e da integração num outro Estado (Lopes, 2003:
56). Em caso de associação ficou estabelecida a liberdade dos territórios modi-
ficarem o seu estatuto a qualquer momento, devendo o processo de integração
resultar de um estádio avançado de autogoverno e ser conduzido numa base
de absoluta igualdade.

16
  Segundo o Art.º 18.º, § 2.º-3.º, a maioria de 2/3 aplica-se a decisões relativas a recomenda-
ções sobre a manutenção da paz e da segurança; eleições para os conselhos de Segurança, Tutela
e Económico e Social; admissão, suspensão e expulsão de estados membros; assuntos de tutela
e de orçamento; e questões em que se decidisse por maioria simples que deveriam ser conside-
radas como importantes. Cf. Organização das Nações Unidas. Carta da Organização das Nações
Unidas. Disponível em <URL: http://www.un.org/spanish/Depts/dpi/portugues/charter/in-
dex.htm>, data de acesso 01/01/2013.
17
  Arquivo Histórico-Diplomático (AHD), Fundo Política e Organismos Internacionais (POI),
Maço (Mç.) 148, Processo XH-1, Anos de 1960-1961, Vol. XIII, Telegrama da Missão de Por-
tugal na ONU para o MNE, de 28 de Julho de 1960, p. 1-3.
18
  United Nations. Resolution 1541 (XV), 15 December 1960. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
34  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Para satisfazer algumas dúvidas quanto à eventualidade das escolhas poderem


ser condicionadas, o relatório foi emendado, acrescentando-se a possibilidade
das NU poderem participar nos processos de integração dos territórios não
autónomos num outro Estado, supervisionando a atuação das partes envolvi-
das19. Na forma de um projeto de resolução, as conclusões do Comité dos Seis
e a emenda foram, após a votação separada de alguns parágrafos, aprovadas
pela IV Comissão. Ao referir que o cumprimento do Art.º 73.º constituía
uma responsabilidade internacional, o projeto determinou a obrigatoriedade
das potências coloniais transmitirem informações sobre os territórios não
autónomos, que eram limitadas unicamente por motivos constitucionais e de
segurança20. Em resultado da aplicação de uma leitura dinâmica e evolutiva
da Carta, os princípios definidos produziram uma nova norma consuetudiná-
ria, que reconheceu na AG a competência para determinar quando tinha iní-
cio a transmissão de informações (Conforti e Focarelli, 2010: 365-366). Com
base no processo de evolução informal em curso desde a fundação das NU,
pretendeu-se que a Assembleia adquirisse mais uma responsabilidade, dado
que antes apenas podia decidir o momento da cessação da transmissão de
informações.
De forma a promover a aplicação dos princípios enunciados, a IV Comissão
entendeu iniciar o exame de um outro projeto de resolução, que tinha a parti-
cularidade de identificar as colónias portuguesas e espanholas como territórios
não autónomos21. Temendo a nova circunstância resultante da adoção do rela-
tório do Comité dos Seis e cedendo às pressões que sobre ela vinham sendo
exercidas, a Espanha tomou a decisão – anunciada em termos ambíguos, o
que levou algumas delegações a pedir esclarecimentos adicionais – de passar a
comunicar informações sobre as suas colónias (Campos, 2003: 99)22. A deter-
minação, adotada pela delegação nas NU sem consultar as autoridades em
Madrid e sem aviso prévio ao governo português, teve como efeito imediato o
isolamento de Portugal23. Sem que o governo português o tivesse conseguido
evitar – não obstante as diligências realizadas junto de países latino-america-
nos e da tentativa concertada com o Paquistão para enfraquecer a legitimidade

19
  United Nations – Yearbook of the United Nations: 1960. s.l.: s.n., s.d. p. 511-512.
20
  Esta cláusula terá sido influenciada pelo Reino Unido, que pretendia uma salvaguarda contra
a intromissão das NU na condução dos seus territórios coloniais para a independência. Cf.
Oliveira, 2007: 207.
21
  United Nations – Yearbook of the United Nations: 1960…p. 511-512.
22
  AHD, Fundo POI, Mç. 151, Processo XH-2, Anos de 1956, 1961-1963, Vol. XII, Telegra-
ma do MNE para a Missão de Portugal na ONU, de 16 de Novembro de 1960, p. 1.
23
  AHD, Fundo POI, Mç. 151, Processo XH-2, Anos de 1956, 1961-1963, Vol. XII, Carta da
Embaixada de Portugal em Madrid para o MNE, de 26 de Janeiro de 1961, p. 1.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  35

do documento –, o texto acabou por ser adotado pela Comissão (Santos,


2011b: 68)24.
Comprovando a importância atribuída pela XV AG à descolonização, o ple-
nário encarregou-se de um ponto da ordem do dia intitulado “Declaração
sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais”. A inscrição
da questão na agenda, aceite por unanimidade, fora marcada por polémicas
e incidentes, por alguns países terem pretendido que fosse remetida para a
I Comissão, encarregue de temas políticos e de segurança, onde haveria uma
menor projeção (Barbier, 1974: 37-38). Proposta pelo líder soviético, Nikita
Khrouchtchev, que desejava ultrapassar o isolamento da URSS nas NU procu-
rando o apoio dos países afro-asiáticos, a iniciativa demonstrou o carácter
controverso e fraturante da questão da descolonização (Barbier, 1974: 28).
Com a participação da maioria dos líderes mundiais, na discussão foram pro-
duzidas intervenções reveladoras de que, crescentemente, os norte-americanos
e os soviéticos estabeleciam uma ligação entre a independência do mundo
colonizado e a rivalidade bipolar, não obstante os esforços dos países afro-
-asiáticos para que a descolonização não fosse enquadrada no cenário da Guer-
ra Fria (Bradley, 2010: 474).
Com a questão a ser longamente debatida, tendo havido referências ao colo-
nialismo português, a URSS propôs a condenação do sistema colonial num
projeto de resolução que defendia o carácter vital da descolonização para o
mundo e o papel ativo que a ONU deveria desempenhar na sua concretiza-
ção25. Ao gerar desconfianças entre os afro-asiáticos, a proposta da URSS foi
entendida como uma campanha de propaganda para promover os interesses
do país. Pretendendo evitar que a situação ficasse sujeita à iniciativa das gran-
des potências, 43 países afro-asiáticos apresentaram um outro projeto de reso-
lução, o qual foi objeto de emendas das Honduras, Guatemala e da própria
URSS. Atendendo à insistência de vários países, que entenderam que o
momento se destinava a uma proclamação solene de princípios, as Honduras
e a Guatemala retiraram as suas emendas. A URSS manteve a decisão de sujei-
tar a votação o seu projeto de resolução e as emendas ao texto afro-asiático,
obtendo ambas as propostas pouca adesão. Sem que nenhum Estado membro

24
  AHD, Fundo POI, Mç. 148, Processo XH-1, Anos de 1960-1961, Vol. XIII, Telegrama da
Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 12 de Novembro de 1960, p. 1.
25
  O texto soviético propôs uma autodeterminação baseada na soberania estatal, não interferên-
cia e cooperação internacional. Tendo por objetivo exclusivamente o colonialismo europeu e a
independência nacional, o projeto de resolução ignorou a ligação entre a autodeterminação e os
direitos humanos. Aceitando a violência como forma de colocar termo ao colonialismo, atacou
as potências coloniais, citando os abusos e a exploração económica subjacentes ao sistema colo-
nial. Cf. Burke, 2010: 50-51.
36  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

tivesse votado contra, o projeto afro-asiático foi adotado por 89 votos favorá-
veis e as abstenções das principais potências coloniais, entre as quais Portugal,
tornando-se na resolução 1514 (XV), de 14 de dezembro.
Herdeira da tradição dos documentos sobre questões de natureza geral que a
AG adquirira a prática de adotar, a Declaração sobre a Concessão da Indepen-
dência aos Países e Povos Coloniais, conhecida como A Magna Carta da Des-
colonização, constituiu um capítulo adicional no processo normativo de trans-
formação do princípio de autodeterminação num direito (Lopes, 2003: 47;
Philpott, 2001: 155-156). O texto baseou-se largamente em elementos defi-
nidos na Conferência de Bandung (1955), demonstrando o impacto que a
ação coordenada dos países afro-asiáticos podia ter numa determinada questão
na ONU (Alden, Morphet e Vieira, 2010: 42-43). Uma das influências de
Bandung esteve precisamente representada na Declaração sobre a Concessão
da Independência aos Países e Povos Coloniais, que reproduziu algumas das
conclusões da Conferência, onde fora considerado que o direito dos povos e
nações à autodeterminação constituía o pré-requisito para o completo usufru-
to de todos os direitos humanos fundamentais (Burke, 2010: 5). Em conse-
quência dessa transposição, poder-se-á afirmar que a estruturação da ideia de
autodeterminação resultou da consolidação de uma tendência que vinha de
trás, não podendo ser considerada como algo novo, criado de raiz.
Tornando o compromisso da Carta com a autodeterminação num tema sujei-
to a uma ampla interpretação, a Declaração produziu um amadurecimento
das ideias anticoloniais, que entendiam a dominação colonial como, moral e
politicamente, insustentável (Philpott, 2001: 160-161). Minando os funda-
mentos do colonialismo, contribuiu para a alteração nas regras que regulavam
as relações internacionais, permitindo um novo entendimento sobre o que
constituía uma soberania legítima ou ilegítima. A adoção do texto tem vindo
a ser interpretada como a consumação de uma revolução nas ideias que con-
duziu, por sua vez, a uma revolução na soberania, legitimando a ascensão das
colónias à condição de Estado (Philpott, 2001: 153-154). Com o entendi-
mento de que a subjugação à dominação e à exploração estrangeira constituía
uma negação dos direitos fundamentais, contrariava a Carta e podia compro-
meter a paz e a cooperação internacionais, foi estabelecido que todos os povos
tinham direito à autodeterminação, no exercício do qual podiam determinar
livremente o seu estatuto político e perseguir o seu desenvolvimento económi-
co, social e cultural26. Não se circunscrevendo a limites estritamente políticos,
os aspetos económicos do direito à autodeterminação foram vincados com o

  United Nations. Resolution 1514 (XV), 14 December 1960. Disponível em <URL:http://


26

www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.


Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  37

reconhecimento da soberania permanente sobre os recursos nacionais, sendo


decidido que para fins considerados convenientes existia o poder das popula-
ções disporem livremente da riqueza natural dos seus territórios27.
Apresentada como tendo uma aplicação universal, a ideia de autodetermina-
ção presente na resolução 1514 (XV) tem sido todavia entendida como pos-
suindo um alcance limitado, circunscrevendo-se aos territórios sob dominação
de um governo estrangeiro (autodeterminação externa) (Conforti e Focarelli,
2010: 370). Legalmente, a ideia não permitia ou justificava as aspirações se-
cessionistas de regiões ou províncias de um Estado independente, mesmo que
houvessem diferenças étnicas no interior do país (autodeterminação interna)
(Conforti e Focarelli, 2010: 369). Exclusivamente anticolonial, a ideia de
autodeterminação presente na resolução foi identificada com o direito à inde-
pendência, numa clara preferência pela constituição de estados, em detrimen-
to de soluções como a associação e a integração em outras entidades (Lopes,
2003: 54). O exercício pacífico e livre do direito à independência foi previsto
para todos os territórios dependentes, anulando-se a distinção que a Carta
introduzira entre o acesso à condição de independente para os territórios sob
tutela e o autogoverno para os não autónomos. Numa rutura com o discurso
que defendia o paternalismo das potências coloniais sobre os povos dependen-
tes, foi decidido que a falta de preparação política, económica, social ou edu-
cativa não podia servir de pretexto para se retardar a independência. Preser-
vando a integridade dos territórios dependentes, com a condenação de
qualquer tentativa de rutura parcial ou total da unidade nacional e da integri-
dade territorial, da resolução 1514 (XV) resultou que a independência deve-
ria ser alcançada no quadro dos limites geográficos definidos pelas potências
coloniais, considerados como fronteiras internacionais. Ao ignorar a realidade
pré-colonial, a proteção da dimensão territorial produziu uma interpretação
restritiva do conceito de “povos colonizados”, que foram identificados com as
populações que aquando das independências estivessem sob jurisdição das
metrópoles.
No plano legal, a resolução 1514 (XV) produziu a revisão da maioria das dis-
posições da Carta sobre os territórios não autónomos, permitindo que fossem
substituídas por normas consuetudinárias, originadas pela prática das NU
(Conforti e Focarelli, 2010: 364). Num processo normativo, de rutura, as for-
mulações da Carta, que se referiam aos territórios não autónomos de forma
genérica, foram ultrapassadas pelo conteúdo do direito à autodeterminação
presente na resolução, que considerava a descolonização um dever jurídico
(Lopes, 2003: 49). Contestada por afirmações que negavam o seu significado,

27
 Idem.
38  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

a derrogação das disposições da Carta quanto aos territórios não autónomos


acabou por adquirir implicitamente um carácter vinculativo, ainda que as deci-
sões da AG não constituíssem obrigações jurídicas para os estados membros
(Conforti e Focarelli, 2010: 366). A força mandatória da resolução, contri-
buindo para a formação do direito internacional consuetudinário, resultou do
facto de ter sido considerada como expressão da opinião e da prática da comu-
nidade internacional, bem como do estatuto e autoridade que ganhou entre a
maioria dos membros da Organização (Conforti e Focarelli, 2010: 365-366).
Favorecendo a expansão do sistema de estados soberanos, a resolução 1514
(XV) destinava-se a ser considerada em conjunto com as conclusões do Comi-
té dos Seis sobre o entendimento a atribuir ao conceito de territórios não
autónomos. Com a aprovação definitiva no plenário, o projeto adotado pela
IV Comissão resultou na resolução 1541 (XV), de 15 de dezembro. Tornan-
do-se no diploma de execução da resolução 1514 (XV), os princípios enuncia-
dos pelo Comité dos Seis serviram para ampliar e interpretar a Declaração
sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais, reafirman-
do a dimensão anticolonial da ideia de autodeterminação (Lopes, 2003: 55).
Estabelecendo uma identificação entre territórios não autónomos e depen-
dências coloniais, consideradas como estando num processo dinâmico de evo-
lução e progressão em direção à autodeterminação, a resolução 1541 (XV)
atribuiu à Declaração os mecanismos para, de acordo com as circunstâncias,
determinar a aplicabilidade a casos específicos dos princípios enunciados
(Lopes, 2003: 55). Paradoxalmente, como fora elaborada antes, algumas das
suas disposições foram ultrapassadas pela resolução 1514 (XV), onde a ideia
de autodeterminação teve uma formulação mais completa (Lopes, 2003: 55).
Na falta de tentativas para conciliar os textos, as formulações da resolução
1541 (XV) suscitaram a dúvida sobre se poderiam ser interpretadas como um
desenvolvimento ou um retrocesso em relação à 1514 (XV) quando, ainda
que favorecendo a independência como solução ideal, permitiram outras vias
para resolver a situação dos territórios não autónomos (Lopes, 2003: 59).
Numa concretização imediata das disposições das resoluções 1514 (XV) e
1541 (XV), o plenário decidiu igualmente a aprovação do projeto da IV Co-
missão que continha a lista das colónias portuguesas em relação às quais se
exigia o cumprimento do Capítulo XI da Carta. Como entendia que o docu-
mento comportava uma discriminação para o país, Portugal pretendeu, com
diligências efetuadas pelas suas embaixadas, impedir a aprovação do projeto de
resolução28. Em demonstração do crescente isolamento do governo português,

  AHD, Fundo POI, Mç. 151, Processo XH-2, Anos de 1956, 1961-1963, Vol. XII, Telegra-
28

ma do MNE para a Missão de Portugal na ONU, de 24 de Novembro de 1960, p. 1.


Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  39

a Assembleia adotou o texto na íntegra, que tornou-se na resolução 1542


(XV), de 15 de dezembro29. Reconhecendo que as informações existentes
sobre as condições no interior das colónias portuguesas constituíam motivo de
preocupação, a resolução determinou que Cabo Verde, Guiné, São Tomé e
Príncipe e dependências, São João Baptista de Ajudá, Angola, incluindo o
enclave de Cabinda, Moçambique, Goa e o restante Estado Português da
Índia, Macau e dependências, bem como Timor e dependências, eram territó-
rios não autónomos. Com alguns exageros na enumeração das dependências,
a resolução – que em esboços iniciais incluíra a Madeira e os Açores – mereceu
que Portugal afirmasse as suas reservas, sem no entanto fazer a rejeição termi-
nante do documento por recear que, como a Assembleia estava ainda em cur-
so, pudesse ser apresentado um outro texto condenando o país30.
Representando a consolidação nas NU de uma maioria expressiva contra Por-
tugal, os desenvolvimentos da XV AG tornaram o ano de 1960 num momen-
to chave na discussão e tomada de decisões sobre a questão do colonialismo
(Luard, 1989a: 180). Ainda que os procedimentos da Organização tivessem
demonstrado algumas limitações, permitindo a rivalidade entre os EUA, a
URSS e os seus apoiantes, houve avanços significativos na ideia de autodeter-
minação. Os pronunciamentos públicos que desde a fundação as NU vinham
fazendo, com o alargamento das disposições do Capítulo XI da Carta, produ-
ziram a legitimação da norma do anticolonialismo, que converteu-se numa
prática. As pressões sobre as potências coloniais tornaram-se mais intensas,
tendo a Organização começado a transformar-se no principal fórum para a
manifestação da opinião pública internacional contra o colonialismo (Luard,
1989a: 102). Em particular, para os dirigentes portugueses, que sentiram que
tinha havido um agravamento da posição internacional do país, a nova situa-
ção foi interpretada como sinal de futuros momentos difíceis na Organização.

Uma Abstenção Equivale a Voto Contrário


Ao suscitar um grande entusiasmo no momento da sua adoção, a resolução
1514 (XV) rapidamente ganhou um estatuto e uma autoridade difíceis de
ignorar, tornando-se na linguagem utilizada para desafiar as relações de sobe-
rania subjacentes à dominação colonial (Luard, 1989b: 196). Os responsáveis
portugueses, receosos da vulnerabilidade do país, anteciparam, com a XV AG
ainda em preparação, que poderiam a qualquer momento encontrar-se numa

29
  United Nations. Resolution 1542 (XV), 15 December 1960. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
30
  AHD, Fundo POI, Mç. 148, Processo XH-1, Anos de 1960-1961, Vol. XIII, Telegrama da
Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 16 de Novembro de 1960, p. 1.
40  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

situação suscetível de provocar a convocação de uma sessão do CS31. Distúr-


bios graves nas colónias, mesmo que provocados do exterior, poderiam, como
pensavam, justificar a apresentação de uma queixa com o argumento de que
estariam em causa a paz e a segurança internacionais e o respeito pelos direitos
humanos32. Estando relacionadas, direta ou indiretamente, com a questão
colonial portuguesa uma sucessão de acontecimentos, como o assalto por
Henrique Galvão ao paquete Santa Maria, conduziu (em 1961) à fragilização
da imagem internacional do Estado Novo (Oliveira, 2007: 219). Considera-
dos como o início oficial da guerra colonial, os assaltos (de 4 de fevereiro) em
Luanda atraíram a atenção internacional para a questão colonial portuguesa
(Oliveira, 2007: 226). Entendida como um indício do “vento de mudança”
que estava a fazer-se sentir no continente africano, nos primeiros anos, devido
às dificuldades de coesão entre os intervenientes, a guerra em Angola esteve
praticamente circunscrita ao noroeste do território (Weigert, 2011: 21).
Evocando os direitos humanos, aos quais, como referido, a autodeterminação
fora associada, a Libéria (numa carta de 20 de fevereiro) entendeu solicitar
uma reunião de emergência do CS, onde as discussões assumem uma maior
projeção, para discutir a situação em Angola33. Sem atender à sugestão da
França, que com a experiência adquirida nos debates sobre a Argélia consi-
derou que não se devia contrariar a inscrição na agenda, o governo portu-
guês (a 7 de março) apresentou um protesto34. Com a ajuda do Brasil, Espa-
nha e França, que intercederam junto dos países latino-americanos mem-
bros do Conselho (Chile e Equador) e dos EUA – que adotando com John
Kennedy a autodeterminação como um dos elementos da sua política externa
tinham notificado o governo português que caso continuasse a mesma orien-
tação em matéria colonial retirar-lhe-iam o apoio –, Portugal tentou assegu-
rar que a proposta fosse submetida a votação, esperando reunir as cinco
abstenções necessárias para impedir a realização do debate35. Ao se decidir,
seguindo a posição norte-americana, continuar a prática de não inviabilizar os
pedidos de inscrição, foi aprovada, sem objeções, a discussão dos aconteci-

31
  AHD, Fundo POI, Mç. 148, Processo XH-1, Anos de 1960-1961, Vol. XIII, Telegrama da
Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 28 de Julho de 1960, p. 1-3.
32
 Ibidem.
33
  Nations Unies – A/4867. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité a l’Assemblée Gé-
nérale. 16 Juillet 1960-15 Juillet 1961. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 74.
34
  United Nations – Security Council Official Records. Sixteenth Year. Supplement for January,
February and March 1961. Nova Iorque: s.n., s.d. p. 227-228.
35
  Habitualmente as inscrições na agenda decorriam sem votação prévia, mas como o procedi-
mento não lhe convinha Portugal forçou o voto. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 163, Processo
XM-1, Ano de 1961, Vol. I, Telegrama do MNE para a Embaixada de Portugal em Londres, de
20 de Fevereiro de 1961, p. 1.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  41

mentos36. Sendo a agenda do CS definida por uma avaliação empírica das


vantagens que podem resultar da análise de um determinado problema, a de-
cisão resultou na internacionalização definitiva da questão colonial portugue-
sa, que passou a ser discutida sistematicamente pelas NU (Bosco, 2009: 103).
Num momento marcado pela crise do Congo, onde os distúrbios que se segui-
ram à independência obrigaram as NU a enviar uma força de manutenção da
paz, no debate no CS (realizado entre 10-15 de março) prevaleceram os aspe-
tos jurídicos e político-sociais da questão, com o tom dos intervenientes a ser
de apelo, mais do que de confrontação37. Com posições e motivações específi-
cas, as intervenções sobre a questão colonial portuguesa tiveram um carácter
persuasivo, destinado a justificar a posição de cada país perante o público na-
cional e internacional e a convencer os outros a seguirem a mesma orientação
(Patil, 2007: 35). Grupos distintos, que tendiam a utilizar argumentos simila-
res, a basearem as suas afirmações em apelos idênticos e a se apoiarem mutua-
mente, resultaram da identificação dos padrões retóricos dos discursos (Patil,
2007: 36-37). Para os países afro-asiáticos, que tinham nas preocupações com
a descolonização e o desenvolvimento económico a sua maior força de unida-
de, uma vez que estavam em causa os interesses de um povo africano, não
havia dúvidas quanto à existência de uma ameaça à paz e à harmonia interna-
cionais38. Representados na sessão pela Libéria, República Árabe Unida, Cei-
lão, Gana e Congo (Brazzaville), os afro-asiáticos, em demonstração das razões
que justificaram o debate, estabeleceram uma relação entre os distúrbios em
Angola e a política portuguesa que impedia a autodeterminação e a indepen-
dência das colónias39. Numa das raras ocasiões em que defenderam posições
semelhantes nas NU, os EUA e a URSS, ainda que com diferenças assinaláveis
quanto à intensidade da condenação do comportamento português, demons-
traram concordar com os afro-asiáticos, reconhecendo a necessidade de acele-
rar a evolução de Angola para a autodeterminação40.
Como interpretava as ações da maioria enquanto resultado de conceções erra-
das, Portugal encontrou no aspeto jurídico os argumentos para considerar

36
  Portugal atribuiu a aceitação da proposta às hesitações da China e do Equador, que não se
manifestaram contra a pretensão da Libéria. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 163, Processo XM-1,
Ano de 1961, Vol. I, Telegrama do MNE para a Embaixada de Portugal em Washington, de 13 de
Março de 1961, p. 1-2.
37
  AHD, Fundo POI, Mç. 163, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. II, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 21 de Abril de 1961, p. 1.
38
  Nations Unies – A/4867. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité a l’Assemblée Gé-
nérale… p. 76.
39
 Ibidem.
40
 Idem. p. 78.
42  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

ilegal o debate no CS, alegando os limites impostos pela Carta às competên-


cias do órgão (Reis, 2013: 275). Por entender que não estava em causa um
diferendo entre o país e um outro Estado, mas sim uma situação de manuten-
ção da ordem pública, invocou o § 7.º, do Art.º 2.º, da Carta, que proibia a
intervenção em assuntos que relevassem da jurisdição interna dos membros41.
Os distúrbios em Angola foram qualificados como obra de alguns “vadios” e
“homens de mão”, que não representando a população tinham sido armados
com armas de fabrico estrangeiro e que contavam entre os seus elementos com
indivíduos não angolanos42. Mesmo aconselhado pelo Reino Unido a não
empregar o argumento da ameaça estrangeira, Portugal, seguramente com a
intenção de conseguir o apoio ocidental, tentou apresentar os distúrbios em
Angola segundo a perspectiva do conflito leste-oeste, considerando que ti-
nham sido empregues métodos utilizados em outras regiões do mundo, onde
a agressão comunista internacional procurava perturbar a ordem e a paz dos
povos e das nações (Oliveira, 2007: 228). Negando a prática de qualquer for-
ma de colonialismo ou imperialismo, o representante português afirmou que
as forças de segurança tinham, com a ajuda da população, restabelecido a
tranquilidade e a ordem pública, demonstrando que as tentativas terroristas
tiveram resultados efémeros43.
Ainda que o início da guerra colonial tivesse deixado Portugal numa situação
fragilizada, o país, como alguns estudos têm demonstrado, estava longe de se
encontrar isolado (Rodrigues, 2000a: 189-224). Apesar da perda do apoio dos
EUA, Portugal assegurou, por via das suas relações bilaterais e da condição de
membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), alguma
colaboração dos seus aliados, de países alinhados com o bloco ocidental e de
latino-americanos (Silva, 1995: 23-28). Reconhecendo alguns deles que se
tinha tornado mais difícil e menos vantajoso para os seus interesses apoiar a
política colonial portuguesa, os países da NATO adotaram no CS uma abor-
dagem cautelosa, em que, sem defender a substância dos argumentos de Por-
tugal, negaram que a situação em Angola representasse uma ameaça à paz e à
segurança internacionais44. A França, referindo-se à aplicação do Art.º 34.º
invocado pela Libéria, foi o país que mais apoiou as teses portuguesas, em
cumprimento da política de Charles de Gaulle de autonomização da Europa
em relação às superpotências, para o que lhe interessava a estabilidade na
Península Ibérica (Marcos, 2007: 140). Tendo, a pedido dos EUA, informado

41
 Idem. p. 75.
42
 Ibidem.
43
 Idem. p. 76.
44
 Idem. p. 75.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  43

o governo português que considerava necessário a aceleração do ritmo de


desenvolvimento das colónias, o Reino Unido – ao qual a questão angolana
dificultava a conciliação de objetivos tão divergentes como a manutenção de
laços especiais com os norte-americanos, o desejo de evitar o efeito de contá-
gio nos seus territórios ou a preservação de uma imagem positiva junto dos
afro-asiáticos – tentou evitar criticar publicamente Portugal, negando que os
elementos conhecidos sobre o problema em Angola pudessem demonstrar,
com carácter definitivo, a existência de uma justificação para a intervenção do
CS (Oliveira, 2007: 231-232). Sem trazer novos argumentos, as intervenções
da Turquia, do Equador, da China (Nacionalista) e do Chile, que alinhavam
com o bloco ocidental, levantaram mais dúvidas quanto à competência do
Conselho para examinar a questão45.
Com a indicação de que não tinha sido utilizado nenhum elemento que não
tivesse precedente em decisões das NU, o Ceilão, a Libéria e a República
Árabe Unida apresentaram um projeto de resolução que pretendia que o CS
tomasse nota dos distúrbios e conflitos em Angola, que, caso tivessem con-
tinuidade, entendia-se que poderiam colocar em perigo a manutenção da
paz e da segurança internacionais46. Integrando a questão numa dimensão
mais ampla, foi proposto que se constatasse com inquietação a impaciência
crescente, no mundo inteiro, dos povos que aspiravam à autodeterminação
e à independência. Com alguma habilidade, os autores do projeto de resolu-
ção tentaram que o Conselho – que era o único órgão que podia adotar de-
cisões vinculativas – confirmasse as resoluções 1514 (XV), 1541 (XV) e
1542 (XV), o que teria como resultado conferir um efeito legitimador às
deliberações da XV AG. Em particular, foram reproduzidas as afirmações de
que a sujeição dos povos à subjugação, à dominação e à exploração estran-
geira constituía uma negação dos direitos fundamentais do homem, contra-
riando a Carta e comprometendo a causa da paz e da cooperação mundiais.
Pretendendo-se que deviam ser adotadas medidas imediatas para a transfe-
rência dos poderes sem quaisquer condições, ao governo português pediu-se
que aplicasse com urgência ações em Angola para dar seguimento à resolu-
ção 1514 (XV), tendo em atenção os direitos do homem e as liberdades
fundamentais47. Com o propósito, no seguimento do período de 1956-
-1960, de dotar as NU de informações sobre a situação no território foi
proposto ainda que o Conselho nomeasse um subcomité, destinado a exa-
minar as declarações a respeito de Angola, a receber novos depoimentos e

45
 Idem. p. 75-78.
46
 Idem. p. 77.
47
 Ibidem.
44  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

documentos, a realizar os inquéritos que julgasse necessários e a elaborar um


relatório o mais brevemente possível48.
Para evitar a aprovação do projeto de resolução, o governo português tentou,
de novo com a ajuda do Brasil e da França, que os latino-americanos e os
países da NATO, que considerava que deveriam conciliar as suas posições nas
NU, pelo menos se abstivessem49. Coincidindo com a votação do projeto, a
União das Populações de Angola (UPA) iniciou (a 15 de março) uma vaga de
ataques no norte do território angolano50. O isolamento de vastas regiões,
dada a presença de um dispositivo militar português reduzido, e as retaliações
da população branca, que improvisou a criação de milícias, contribuíram para
o aumento do número de vítimas e para uma vaga de refugiados no Congo
(Leopoldville) (Pélissier e Wheeler, 2009). As consequências da revolta em
Angola foram relatadas pelos meios de comunicação estrangeiros, deixando
Portugal numa posição fragilizada. Ainda assim, não houve um efeito imedia-
to na votação do projeto de resolução, que obteve cinco votos favoráveis (Cei-
lão, EUA, Libéria, República Árabe Unida e URSS), contando com seis
abstenções (Chile, China, Equador, França, Reino Unido e Turquia). Como
pretendido por Portugal, que considerava que Uma Abstenção Equivale a Voto
Contrário, foi possível neutralizar a iniciativa dos afro-asiáticos, impedindo-se
a adoção de uma decisão51.
A rejeição do projeto foi, no entanto, reveladora da ausência de uma posição
ativa de apoio ao governo português, uma vez que nenhum país correu o risco
de, com um voto negativo, ficar isolado. Os países que acederam às diligências
portuguesas estiveram longe de o fazer sem reservas, produzindo afirmações
em explicação do sentido de voto que retiraram parte do significado às absten-
ções52. Como tem vindo a ser demonstrado, a nova visibilidade que a situação
em Angola atribuiu à questão colonial portuguesa produziu divergências entre

48
 Ibidem.
49
  AHD, Fundo POI, Mç. 163, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. I, Aerograma do MNE para
a Missão de Portugal na ONU, de 8 de Março de 1961, p. 1.
50
  Alguns autores defendem que a ação da UPA fora planeada para coincidir com a votação no
CS, o que a ser verdade significava que o movimento adotara a mesma estratégia da Frente de
Libertação Nacional (FLN), que intensificava os combates aquando dos debates das NU sobre
Argélia. Existem contudo outras interpretações que contestam que o objetivo da UPA tivesse
sido o de condicionar a votação, atribuindo a simultaneidade dos eventos ao acaso. A este res-
peito vide Pélissier e Wheeler, 2009: 256.
51
  AHD, Fundo POI, Mç 163, Proc. XM-1, Ano de 1961, Vol. I, Telegrama da DELNATO
Paris para o MNE, de 25 de Fevereiro de 1961, p. 1.
52
 Nations Unies – A/4867. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité a l’Assemblée
Générale… p. 78.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  45

Portugal e alguns países, que sentiram dificuldades crescentes em definir uma


orientação clara nas NU. O exemplo mais paradigmático foi o dos EUA, que,
desencadearam uma séria crise nas relações entre os dois países votando de
forma hostil a Portugal, naquela que foi interpretada como a mais impressio-
nante demonstração da nova atitude da administração Kennedy em questões
coloniais (Rodrigues, 2002b: 84). Ao inverter a tendência seguida desde a
admissão de Portugal na ONU, o voto norte-americano, que foi inesperado
para países como o Chile, que pretendiam seguir a posição do ocidente, trou-
xe consequências que Portugal desejava evitar, por temer que servisse, por ar-
rastamento, para a perda de outros apoios53.
Se bem que tivesse falhado a tentativa de ratificar as decisões da XV AG e de
estabelecer um órgão para averiguar a situação angolana, o debate no Conse-
lho esteve longe de ter tido um alcance limitado. Com a convocação do órgão,
os países afro-asiáticos tentaram maximizar a questão, inserindo-a num âmbi-
to mais alargado, como uma possível ameaça à paz e à segurança internacio-
nais, o que em última instância poderia ter implicações com maiores conse-
quências como a adoção de sanções54. A discussão revelou que a transformação
do conceito de autodeterminação produzida na XV AG, ao reforçar o poder
de intervenção das NU na evolução dos territórios dependentes, permitiu um
novo enquadramento jurídico para a questão colonial portuguesa. Não
somente as afirmações dos países afro-asiáticos de que estavam firmemente
comprometidos com o princípio da autodeterminação, mas a tentativa para
que o projeto de resolução se reportasse diretamente às decisões da XV AG,
demonstraram a vontade de aplicar o novo instrumento legal da descoloniza-
ção. O direito à autodeterminação tornou-se com o debate sobre Angola, em-
bora Portugal tivesse conseguido resistir, no centro do discurso internacional
de contestação da política colonial portuguesa.

Uma Situação Delicada


A AG, segundo os Art.º 11.º e 12.º da Carta, pode assumir, quando o CS não
está em funções, a responsabilidade por questões com interesse para a manu-
tenção da paz e da segurança internacionais (Peterson, 1990: 19-20). Tendo a
Assembleia um poder de discussão virtualmente ilimitado, que transformou-
-se num meio para o estudo de temas com interesse para os afro-asiáticos, a
pretexto de que tinha havido um agravamento da situação, 39 países (a 20 de

53
  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 10 de Junho de 1961, p. 1-3.
54
 Nations Unies – A/4867. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité a l’Assemblée
Générale... p. 76.
46  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

março) entenderam convocar o órgão, que suspendera os trabalhos da primei-


ra parte da XV AG, para debater os acontecimentos em Angola55. Antes da
inscrição na ordem do dia, o representante português, Vasco Garin, apresen-
tou um protesto, alegando que a questão fora debatida no CS, onde conside-
rou que tinha sido decidido que não podia ser legitimamente objeto de análi-
se sem infração do § 7.º, do Art.º 2.º56. Com o representante português a
retirar-se de imediato da sala, após a repetição dos elementos centrais da argu-
mentação apresentada no CS, numa votação por apelo nominal, que para
Portugal destinou-se a embaraçar os países amigos, a AG decidiu (em 23 de
março) aprovar a recomendação da inscrição.
A questão levou semanas a ser debatida, por a crise resultante da tentativa
norte-americana de invasão de Cuba ter relegado a situação em Angola para o
final da sessão57. A propósito da reunião da AG, sentindo que estava em curso
um enfraquecimento da base de legitimação da dominação colonial portugue-
sa, inúmeros países tentaram, com recurso a démarches, convencer Portugal a
alterar a sua posição, revendo o relacionamento com a ONU (Schneidman,
2005; Oliveira, 2007). Convidado, pela resolução 1542 (XV), em conjunto
com Portugal a participar enquanto membro nos trabalhos do Comité de
Informações sobre os Territórios não Autónomos, o governo espanhol, com as
insistentes pressões norte-americanas, inglesas e latino-americanas, que alega-
vam a conveniência em não se adotar uma atitude puramente negativa, comu-
nicou aos responsáveis portugueses (a 20 de abril) que tinha tomado a decisão
de colaborar com o órgão58. Como se supunha, a influência exercida sobre a
Espanha destinava-se em parte a deixar Portugal isolado, o que originou Uma
Situação Delicada para o país59. Por considerar que as pressões não conduzi-
riam a mais do que sucessivos abandonos de princípios, sem resultados práti-
cos, à semelhança da França e da África do Sul nos debates sobre a Argélia e o
apartheid, Portugal entendeu não estar presente na Assembleia, uma vez que
rejeitava a legalidade da convocação do órgão60.
A discussão, que decorreu em três reuniões plenárias (a 20 de abril), revelou
um ambiente francamente mais hostil e desfavorável a Portugal, com as afir-

55
  Nations Unies – A/4800. Supplément n.º 1. Rapport Annuel du Secrétaire General sur l’Acti-
vité de l’Organisation. 16 Juin 1960-15 Juin 1961. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 87.
56
 Ibidem.
57
  AHD, Fundo POI, Mç. 163, Proc. XM-1, Ano de 1961, Vol. II, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 21 de Abril de 1961, p. 1.
58
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Proc. UA-4, Anos de 1956, 1961-1964, Vol. I, Telegrama do
MNE para a Missão de Portugal na ONU, de 20 (?) de Abril de 1961, p. 1-2.
59
 Ibidem.
60
 Ibidem.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  47

mações a serem sobretudo de ameaça e exigência. Do conteúdo da discussão


resultou que, apesar das divergências e da formação de subgrupos, os países
afro-asiáticos, os socialistas e os latino-americanos argumentaram contra Por-
tugal. Com os socialistas, em particular a União Soviética, a serem os defenso-
res de um maior radicalismo, a orientação do debate foi porém determinada
pelos afro-asiáticos, que foram unânimes na condenação da política colonial
portuguesa e no apelo à implementação imediata da resolução 1514 (XV)61.
Num aprofundamento da tendência iniciada no CS, os afro-asiáticos, no que
foram seguidos por outros países, entenderam referir-se não ao “direito à
autodeterminação” mas ao “direito à autodeterminação e à independência”62.
Com essa associação parece ter-se pretendido dissipar as ambiguidades, nome-
adamente as decorrentes da resolução 1541 (XV), estabelecendo-se que o exer-
cício da autodeterminação não poderia em absoluto assumir outra faceta que
não fosse a independência.
Considerada um perigo para a paz e a segurança em África e no mundo, a si-
tuação em Angola foi entendida como um desrespeito pela Carta e uma clara
violação dos direitos humanos63. Foram utilizadas expressões como “genocí-
dio”, “carnificina”, “matanças”, “repressão sistemática” ou “regime de terror”
para descrever os acontecimentos64. Os aspetos jurídicos e históricos dos
argumentos portugueses foram contestados com particular detalhe, ficando
demonstrado que geograficamente, historicamente, racialmente e em qual-
quer outro sentido Angola constituía um exemplo clássico de colonialismo.
Por terem sido referidos com grande insistência, a falta de liberdades e direi-
tos, as desigualdades, as injustiças e o trabalho forçado aos quais a população
angolana estaria sujeita foram apresentados como evidências do paradoxo do
sistema colonial português65. Como as NU ofereciam uma oportunidade sem
paralelo para desafiar Portugal a nível internacional, foram lidas mensagens de
grupos angolanos que exprimiram o desejo para que a implementação da
resolução 1514 (XV) se tornasse realidade, o que demonstrava que a ideia de
autodeterminação passara a fazer parte do vocabulário das organizações anti-

61
  Nations Unies – A/PV. 992. Assemblée Générale. Quinzième Session, 992e Séance Plénière.
Jeudi 20 Avril 1961, à 20h30. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 398.
62
  Nations Unies – A/PV. 991. Assemblée Générale. Quinzième Session, 991e Séance Plénière.
Jeudi 20 Avril 1961, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 386.
63
  Nations Unies – A/PV. 990. Assemblée Générale. Quinzième Session, 990e Séance Plénière.
Jeudi 20 Avril 1961, à 10h30. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 371.
64
 Idem. p. 364; Nations Unies – A/PV. 992. Assemblée Générale. Quinzième Session, 992e Séance
Plénière… p. 395 e 398.
65
  Nations Unies – A/PV. 990. Assemblée Générale. Quinzième Session, 990e Séance Plénière…
p. 372-373.
48  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

coloniais66. Para que a situação fosse colocada no seu verdadeiro enquadra-


mento, algumas delegações entenderam ainda chamar a atenção para as res-
tantes colónias portuguesas, pretendendo que as condições eram sensivel-
mente as mesmas em todos os territórios67.
Utilizando a prática (também empregue pelos EUA) de manipular as NU
contra os seus opositores, a URSS, fazendo o historial dos acontecimentos e
insistindo na aplicação da Declaração, introduziu, como de resto alguns afro-
-asiáticos o fizeram, elementos da Guerra Fria no debate, considerando os
membros da NATO como os principais responsáveis pelo conflito militar e
pela exploração económica portuguesa em Angola68. A declaração soviética,
além do contexto da rivalidade bipolar, deverá ser entendida à luz da crescente
inclinação das superpotências para uma política de maior intervenção no Sul
Global (Bradley, 2010: 477). Na expectativa de que os seus modelos económi-
cos servissem de orientação para os países descolonizados, a URSS e os EUA
estavam a aumentar a assistência económica e militar aos países do Sul Glo-
bal, num esforço para influenciar os novos estados (Bradley, 2010: 475-476).
Entendendo a URSS que a descolonização poderia criar um momento de
transição para o socialismo, os EUA demonstraram temer que os soviéticos
aproveitassem o colapso dos impérios coloniais europeus para, explorando as
condições de pobreza e instabilidade, subverter os novos estados (Latham,
2010: 259). Sem que as acusações da URSS tivessem merecido resposta, os
EUA mantiveram a posição assumida no CS quanto a Angola, aconselhando
Portugal a cooperar com as NU e apelando às partes para que renunciassem à
violência69.
Um projeto de resolução que reproduzia, em termos exatos, aquele que fora
rejeitado pelo CS foi apresentado por 36 países afro-asiáticos70. Uma ligeira
modificação no texto – que acabou por também ser apoiado pela Checoslová-
quia, China, EUA, Itália, Jugoslávia, Polónia, Ucrânia e URSS – permitiu
precisar a composição do órgão a criar, que pretendia-se que tivesse cinco

66
 Idem. p. 364-366.
67
  Nations Unies – A/PV. 992. Assemblée Générale. Quinzième Session, 992e Séance Plénière…
p. 395-396.
68
  Nations Unies – A/PV. 991. Assemblée Générale. Quinzième Session, 991e Séance Plénière…
p. 386.
69
  Nations Unies – A/PV. 992. Assemblée Générale. Quinzième Session, 992e Séance Plénière…
p. 399.
70
  Nations Unies – A/PV. 991. Assemblée Générale. Quinzième Session, 991e Séance Plénière…
p. 388; Nations Unies – A/PV. 992. Assemblée Générale. Quinzième Session, 992e Séance
Plénière… p. 398.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  49

membros, designados pelo presidente da AG71. Por acreditar que algo podia
ser feito para aumentar os votos contra e as abstenções, Portugal tentou que
fosse criado um ambiente desfavorável à investigação sobre os desenvolvimen-
tos em Angola72. Se bem que não houvessem ilusões quanto à possibilidade de
impedir a aprovação do texto, o objetivo definido por Portugal, que conti-
nuaria a ser seguido nos debates seguintes, foi o de evitar que as decisões fos-
sem adotadas por maiorias esmagadoras. As diligências realizadas em países
alinhados com o bloco ocidental, latino-americanos, Paquistão e Filipinas
confirmaram algumas simpatias, demonstrando em simultâneo as contradi-
ções e as divisões que a política colonial portuguesa suscitava. Declarações
públicas nas quais assumiram-se como defensores de uma orientação anticolo-
nialista, aliado a fatores complementares como os receios quanto às reações da
oposição interna e à influência detida pelos afro-asiáticos na Assembleia,
determinaram que nem sempre as solicitações portuguesas tivessem encontra-
do acolhimento favorável.
O Brasil, em particular, que estando sob o governo de Jânio Quadros tentara
romper com a política de apoio a Portugal, foi difícil de persuadir, mudando
de opinião várias vezes (Carvalho, 2014: 157)73. Por temerem ficar isolados no
apoio a Portugal, países como o Chile questionaram sobre a posição brasileira
e norte-americana, não escondendo que a orientação dos seus governos depen-
deria em parte dos grupos regionais aos quais pertenciam74. Preocupações de-
correntes da posse de territórios colonizados, da reação da opinião pública
interna, da pressão dos afro-asiáticos e, uma vez mais, do comportamento dos
EUA condicionaram o Reino Unido e a Bélgica75. Evitando argumentar publi-
camente em defesa da política colonial portuguesa, tendo reservado as inter-
venções para a explicação do sentido de voto, o que para Portugal deveu-se ao
desejo de não desagradar à maioria afro-asiática, os países que apoiaram a po-
lítica colonial portuguesa tentaram relativizar o alcance do projeto de resolu-

71
  Nations Unies – A/4800. Supplément n.º 1. Rapport Annuel du Secrétaire General… p. 87.
72
  AHD, Fundo POI, Mç. 163, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. II, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 24 de Março de 1961, p. 1-2.
73
  AHD, Fundo POI, Mç. 163, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. II, Telegrama do MNE para
a Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, de 17 de Abril de 1961, p. 1. Para mais informações
sobre o comportamento do Brasil quanto à questão colonial portuguesa vide Dávila, 2010.
74
  AHD, Fundo POI, Mç. 163, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. II, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Santiago do Chile para o MNE, de 8 de Abril de 1961, p. 1.
75
  AHD, Fundo POI, Mç. 163, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. II, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Londres para o MNE, de 22 de Março de 1961, p. 2; AHD, Fundo POI, Mç.
163, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. II, Telegrama da Embaixada de Portugal em Bruxelas
para o MNE, de 21 de Março de 1961, p. 1.
50  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

ção. O Brasil propôs substituir o texto por um pedido a Portugal para que
transmitisse informações sobre as colónias, solicitando o abandono da propos-
ta de criação de um órgão especial para investigar o conflito em Angola76. A
Itália, indicando que poderiam ser utilizadas outras expressões para exprimir
os sentimentos dos africanos quanto às aspirações pela autodeterminação e a
independência, salvaguardou as suas reservas sobre a criação de comissões de
inquérito pelas NU77.
Para diminuir a legitimidade do projeto de resolução, foram solicitados votos
separados sobre algumas disposições, o que segundo as regras formais poderia
permitir eliminar qualquer parágrafo do texto. As afirmações mais polémicas
– que pretendiam indicar o perigo para a manutenção da paz e da segurança
internacionais que eventualmente resultaria da continuação dos distúrbios e
conflitos em Angola, o reconhecimento da necessidade de se agir rapidamen-
te, eficazmente e em tempo oportuno, a criação do subcomité e a composição
do órgão – tiveram de ser aprovados em escrutínios separados78. Com 73 votos
favoráveis, 2 contra (Espanha e África do Sul) e 9 abstenções (Austrália, Bélgi-
ca, Brasil, França, Países Baixos, República Dominicana, Reino Unido, El Sal-
vador e Tailândia), o projeto foi adotado, tornando-se na resolução 1603
(XV), de 20 de abril. Ainda que esmagador, o resultado da votação deverá ser
interpretado, no que se refere a alguns países, mais como produto do ambien-
te de hostilidade criado pela maioria do que como um gesto contra Portugal.
A China, que votou favoravelmente, apresentou uma explicação que, ao con-
siderar que Portugal tinha uma política multirracial, retirou parte do signifi-
cado ao seu voto79. Únicos apoiantes declarados da política colonial portugue-
sa, os votos da Espanha, que encontrava-se crescentemente numa posição
dúbia em que, aceitando transmitir informações sobre as suas colónias, apoia-
va Portugal, e da África do Sul, que não tinha a preocupação de agradar à
maioria afro-asiática com a qual mantinha o diferendo sobre a questão do
apartheid, resultaram no isolamento de ambos os países. Os outros que enten-
deram demonstrar alguma solidariedade a Portugal acabaram por ter de se
refugiar na abstenção, sendo que, com a exceção do Reino Unido aquando da
explicação do voto, nenhum país argumentou a favor da ilegalidade do debate.

76
  Nations Unies – A/PV. 992. Assemblée Générale. Quinzième Session, 992e Séance Plénière…
p. 415.
77
 Idem. p. 407-408. O comportamento da Itália quanto à questão colonial portuguesa encon-
tra-se detalhado em Matos, 2010.
78
  Nations Unies – A/PV. 992. Assemblée Générale. Quinzième Session, 992e Séance Plénière...
p. 415-416.
79
 Idem. p. 412.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  51

Vinculativa unicamente quanto às disposições relativas a questões de natureza


interna, decorrentes da atividade institucional das NU, a resolução 1603 (XV)
resultou numa prática que tornou-se bastante comum e que traduziu-se na
confirmação sucessiva pela AG das disposições da Declaração sobre a Conces-
são da Independência aos Países e Povos Coloniais. Como expressão da auto-
ridade adquirida pelos documentos das NU, a resolução 1514 (XV), em con-
junto com a 1541 (XV) e a 1542 (XV), foi colocada num nível de superio-
ridade hierárquica em relação às demais deliberações das NU (Escarameia,
1993: 95). Na procura de legitimidade, a resolução 1603 (XV) fez apelo à
autoridade das decisões da XV AG, entendidas como contendo princípios
orientadores dos quais podiam ser retiradas soluções (Escarameia, 1993: 97).
Mecanismo para o reforço das ideias e para apoiar as afirmações, a contínua
repetição do reconhecimento do direito à autodeterminação e à independên-
cia destinava-se a produzir um sentido de legitimidade (Escarameia, 1993:
95). Com a discussão na AG e a aprovação da resolução 1603 (XV) ficou
definitivamente estabelecido que a Declaração muito dificilmente poderia ser
ignorada, tornando-se num documento continuamente citado enquanto evi-
dência contra o atraso português em aplicar a autodeterminação e a indepen-
dência às suas colónias.

The Most Ruthless Suppression of Human Rights


Com a promoção da autodeterminação enquanto compromisso com os direi-
tos humanos, crescentemente a dominação colonial foi considerada uma ame-
aça à paz mundial. Sem aguardar que o órgão estabelecido pela resolução 1603
(XV), que ficaria conhecido como Subcomité de Angola, desempenhasse o seu
mandato, um conjunto de países afro-asiáticos, com o apoio da Jugoslávia,
solicitou (a 26 de março) que o CS se reunisse novamente. No pedido alegou-
-se que estava em curso The Most Ruthless Suppression of Human Rights, com a
continuação da repressão armada das populações e a recusa em se conceder a
autodeterminação, o que representava uma séria ameaça à paz e à segurança
internacionais80. Sem surpresas e, sobretudo, sem elementos novos, Portugal
apresentou um protesto formal, pedindo que fosse autorizado a tomar a pala-
vra no debate sobre a inscrição na ordem do dia81. A seu pedido, o represen-
tante espanhol, Jaime de Piniès, intercedeu junto do embaixador do Chile,
que detinha a presidência do Conselho, para tentar contrariar a inscrição82.

80
  Nations Unies – A/4867. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité a l’Assemblée Gé-
nérale… p. 83.
81
  Ibidem.
82
  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Proc. XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Carta da Embaixada de
Espanha para o MNE, de 27 de Maio de 1961, p. 1-2.
52  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Todos os países consultados – EUA, França e Reino Unido – consideraram


todavia ser impossível evitar a reunião, aconselhando Portugal a tentar adiar a
sessão com o argumento de que se devia aguardar pela apresentação dos resul-
tados do trabalho do Subcomité de Angola83.
As sugestões para que Portugal realizasse um gesto de aproximação ao órgão
foram consideradas por Lisboa como comportando mais riscos do que vanta-
gens, embora pudessem impedir a adoção de resoluções desfavoráveis84. Sem
poder contrariar a situação, por temer que o reconhecimento da legalidade do
Subcomité significasse a admissão de um princípio que as NU poderiam esten-
der às restantes colónias, Portugal foi confrontado com a decisão (de 6 de ju-
nho) de inscrever a questão na agenda85. O país foi convidado, sem direito a
voto e em conjunto com o Congo (Brazzaville), Congo (Leopoldville), Etiópia,
Gana, Índia, Mali, Marrocos e Nigéria, a participar no debate. Realizado (entre
6-9 de junho) quando a presidência chinesa do Conselho era bastante conve-
niente aos interesses portugueses, a discussão demonstrou que os argumentos
contra Portugal tinham perdido a moderação. Logo de início foi apresentado
um projeto de resolução afro-asiático, que os apoiantes entenderam que conti-
nha um mínimo de premissas que deviam obter a unanimidade86. Por reconhe-
cer, deplorando profundamente, a existência de massacres massivos e de medi-
das de repressão severas em Angola, o texto alargou as acusações contra Portugal.
Mesmo que o país não tivesse sido diretamente responsabilizado pelo iniciar
dos acontecimentos, as reações que os factos suscitaram no continente africano
e em outras regiões do mundo foram notadas com grave preocupação87.
Em caso de continuação do conflito, os autores do texto propuseram que o
Conselho mostrasse a convicção de que a situação em Angola constituía uma
causa atual e virtual de fricção e uma ameaça à paz e à segurança internacio-
nais. As resoluções 1514 (XV) e 1542 (XV) foram citadas, pretendendo-se
relembrar a condição de Angola enquanto território não autónomo e que ti-
nham de ser adotadas medidas imediatas para a transferência do poder para as
populações88. Na tentativa de conseguir que o Conselho legitimasse as deci-

83
  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Proc. XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 29 de Maio de 1961, p. 1.
84
  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Proc. XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 27 de Maio de 1961, p. 1-2.
85
  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Proc. XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Telegrama do MNE para a
Missão de Portugal na ONU, de 31 de Maio de 1961, p. 1-2.
86
 Nations Unies – A/4867. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité a l’Assemblée
Générale… p. 86
87
 Idem. p. 83.
88
 Ibidem.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  53

sões da AG, com o texto procurou-se fazer a reafirmação da resolução 1603


(XV), solicitando-se a Portugal para agir em conformidade. Numa das dispo-
sições mais importantes, sugeriu-se que as autoridades portuguesas fossem
convidadas a cessar imediatamente as medidas de repressão e a conceder todas
as facilidades ao Subcomité de Angola que lhe permitissem cumprir o seu
mandato89. A tarefa atribuída ao Subcomité foi considerada urgente, devendo
ser desempenhada sem demoras, propondo-se que, além de reportar as suas
conclusões à AG, tivesse a tarefa adicional de informar o CS sobre as suas
inquirições.
O debate resultou num grande criticismo ao colonialismo português, tendo
sido evidentes as ameaças que os afro-asiáticos e a URSS produziram. Muitas
afirmações destacaram a contínua degradação da situação em Angola (e em
Cabinda), com os oradores a referirem com insistência a recusa portuguesa em
conformar-se com as resoluções das NU, o aceleramento da repressão militar
e a prática de execuções em massa, prisões arbitrárias e bombardeamentos de
aldeias90. Estimativas quanto ao número de mortos, desaparecidos e refugia-
dos acompanharam a acusação de que a situação era uma ameaça à paz e à
segurança internacionais, justificando ações eficazes contra o governo portu-
guês91. Como o levantamento em Angola constituía para os afro-asiáticos um
esforço justo e louvável, aos aliados de Portugal, como os membros da NATO,
sem os quais entendia-se que seria impossível ao país sustentar a guerra, atri-
buiu-se a responsabilidade de o persuadir a abandonar a sua política e de cessar
a ajuda que lhe concediam92. Do Conselho foi exigido, em cumprimento de
um dever moral, que apoiasse os movimentos de libertação e conseguisse que
Portugal desistisse de imediato da guerra colonial, adotando medidas, incluin-
do sanções, para a aplicação da Declaração93.
Com protestos por não ter sido ouvido no momento da inscrição da questão
na ordem do dia, o representante português repetiu, na sua substância, a
maioria dos argumentos avançados anteriormente. Para ajudarem na prepara-
ção do debate, Vasco Garin solicitara a presença em Nova Iorque de represen-
tantes do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e do Ministério do
Ultramar (MU)94. Fazendo-se acompanhar de informações sobre Angola,
alguns representantes foram escolhidos pela sua condição de africanos, o que

89
 Idem. p. 84.
90
 Idem. p. 85-86.
91
 Idem. p. 86.
92
 Ibidem.
93
 Idem. p. 84.
94
  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Proc. XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 24 de Maio de 1961, p. 2.
54  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

resultara de uma nova orientação na defesa da política colonial portuguesa


decorrente da nomeação (em 4 de maio) de Alberto Franco Nogueira para o
MNE e de Adriano Moreira para o MU 95. Continuando-se a empregar uma
argumentação essencialmente jurídica, a insistência na negação da legalidade
do debate foi justificada com o facto do órgão ter anteriormente examinado a
questão e por se ter desrespeitado a decisão da AG, uma vez que não se aguar-
dara que o Subcomité de Angola apresentasse o seu relatório96. Portugal con-
tinuou a atribuir a movimentos de inspiração estrangeira a responsabilidade
pelos acontecimentos, considerando que tinham sido encorajados pelos deba-
tes da ONU97. Todas as críticas sobre a prática da repressão foram rejeitadas,
insistindo-se, embora sem sucesso, no carácter defensivo das ações das forças
de segurança98. As variações na argumentação portuguesa foram introduzidas
por indicações de que o desenvolvimento do território prosseguia, devendo ser
acelerado, que a população estava a participar em número crescente na vida
política e na administração local e que quando a paz fosse restabelecida conti-
nuar-se-ia a aplicar um programa de reformas99.
Com uma nítida ambivalência, as restantes delegações, que foram comparati-
vamente menos interventivas, produziram declarações que, aparentemente
contraditórias ou inconsistentes, destinavam-se a agradar à maioria afro-asiá-
tica e, em simultâneo, demonstrar compreensão pela política colonial portu-
guesa. O Reino Unido e a França, mesmo reconhecendo a impossibilidade de
apoiar publicamente uma política diferente da que tinham adotado para as
suas colónias e estando submetidos a pressões afro-asiáticas, entenderam,
mantendo as objeções quanto à legitimidade do CS para analisar a situação,
que devia-se deixar a Portugal a hipótese de resolver a questão segundo os seus
métodos100. Talvez por não terem encontrado a colaboração do Reino Unido
e da França, que aquando das conversações tripartidas de Londres (4-5 de
maio) não demonstraram a intenção de exercer uma pressão contínua sobre
Portugal, os EUA, que estavam divididos entre posições divergentes quanto à
política colonial portuguesa, foram mais cautelosos nas suas afirmações (Oli-
veira, 2007). Sem deixar de criticar a orientação portuguesa, encontraram
indícios positivos nas declarações que anunciavam a intenção de introduzir

95
 Ibidem.
96
  Nations Unies – A/4867. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité a l’Assemblée Géné-
rale… p. 84.
97
 Ibidem.
98
 Idem. p. 88.
99
 Idem. p. 85.
100
 Idem. p. 86-87.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  55

reformas nas colónias101. O Equador e o Chile – que desde o início sabia-se


que acompanhariam a orientação dos EUA –, mais a Turquia e a China, que
foi o país que mais incarnou a ambiguidade, tiveram o cuidado de também
lamentar a situação, insistindo no entanto que os contornos dos acontecimen-
tos somente seriam esclarecidos com a apresentação do relatório do Subcomi-
té e que o exercício do direito à autodeterminação pelo povo angolano deveria
ter lugar após um período de preparação, com a adoção de reformas102.
Como parecia seguro que o projeto de resolução seria aprovado, a diplomacia
portuguesa desdobrou-se em contactos, com a ajuda da Espanha, para garantir
votos contra o texto103. Os países abordados, que foram as potências ocidentais,
os latino-americanos e a Turquia, não deixaram de indicar que se tornava cada
vez mais difícil justificar, a nível interno, o apoio ao governo português. Rece-
osos de serem os únicos a abster-se, alguns, como o Chile, afirmaram condicio-
nar as suas decisões à orientação das outras delegações104. Por considerarem a
redação do texto excessiva, os EUA, que tinham definido como objetivo mode-
rar ou bloquear propostas demasiado extremistas, tentaram atenuar a lingua-
gem empregue (Rodrigues, 2006: 75). Como as delegações latino-americanas
não aceitaram a sugestão para se apresentar uma nova proposta e os afro-asiáti-
cos recusaram a eliminação das passagens referentes à repressão, os EUA servi-
ram-se da intermediação da delegação chilena para apresentar emendas105. O
Chile propôs a substituição da expressão “e uma ameaça à paz e à segurança
internacionais” por “e ameaçava comprometer a manutenção da paz e da segu-
rança internacionais”, bem como a introdução de um parágrafo, onde se mani-
festava a esperança que o problema angolano tivesse uma solução pacífica de
acordo com a Carta das NU106. Considerando tais emendas como injustifica-
das, por enfraquecerem um texto originalmente fraco, a URSS avançou com
uma proposta para que se condenasse a guerra colonial em curso em Angola107.
As emendas chilenas, que os EUA e o Reino Unido apoiaram publicamente,
foram adotadas com as abstenções da França e da URSS, não contando com
nenhum voto negativo. A proposta da URSS foi rejeitada, tendo o projeto

101
 Idem. p. 88.
102
 Idem. p. 87-88.
103
  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Proc. XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Nota da Embaixada de
Espanha para o MNE, de 15 de Junho de 1961, p. 1.
104
  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Proc. XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Santiago do Chile para o MNE, de 9 de Junho de 1961, p. 1.
105
  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 10 de Junho de 1961, p. 1-3.
106
  Nations Unies – A/4867. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité a l’Assemblée
Générale… p. 88.
107
 Ibidem.
56  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

afro-asiático, com as alterações do Chile, sido adotado com 9 votos favoráveis


e 2 abstenções (França e Reino Unido), tornando-se na resolução 163 (1961),
de 9 de junho. Sem que a França tivesse considerado oportuno apresentar uma
explicação sobre o seu voto, o Reino Unido justificou-se com o facto de con-
siderar inaceitável a referência à resolução 1514 (XV), o que demonstrava que
a solidariedade com Portugal não foi o único fator decisivo na orientação do
país, mas que o estatuto britânico de potência colonial o impedia de se asso-
ciar a um texto que previa a transferência imediata dos poderes para os povos
colonizados (Oliveira, 2007: 242). Por terem sido os únicos a incorrer no
desagrado dos países afro-asiáticos, o voto isolado da França e do Reino Unido
traduziu a degradação do ambiente para Portugal nas NU. O debate na AG
evidenciara a enfâse que os afro-asiáticos colocavam no problema angolano, o
que permite explicar em parte a diferença na votação num tão curto espaço de
tempo, entre a primeira e a segunda sessão do CS. O efeito de arrastamento
que Portugal receava que a posição dos EUA poderia exercer sobre outros
países parece também não ter sido alheio ao resultado do escrutínio, condicio-
nando o comportamento dos latino-americanos, de alguns membros da
NATO e, seguramente, da China. Não se pode igualmente ignorar a natureza
do projeto de resolução, que por intervenção dos EUA, fora consideravelmen-
te destituído dos aspetos mais radicais, o que permitiu o voto favorável das
delegações com objeções em considerar a situação em Angola como uma
ameaça à paz e à segurança internacionais.
Aprovada pelo órgão máximo das NU, a decisão sobre Angola teve a particu-
laridade de ratificar as resoluções 1514 (XV) e 1542 (XV), estabelecendo um
vínculo entre o direito à autodeterminação e à independência e a necessidade
da sua aplicação às colónias portuguesas. Ainda assim, existiram sinais contra-
ditórios, uma vez que ficou estabelecido que a solução para o problema ango-
lano deveria ter por base a Carta, que, como sabido, estava ultrapassada no
referente às questões coloniais. Analisada a situação em Angola como uma
questão de direitos humanos, o debate no Conselho resultou na reafirmação
da resolução 1603 (XV), apelando-se a Portugal para que agisse de acordo
com o solicitado pela maioria dos estados membros. Não menos relevante foi
o reforço do mandato do órgão encarregue de estudar a situação em Angola,
que passou também a operar sob a autoridade do CS, o que teve por efeito
conferir uma maior legitimidade às suas atividades. Sem dúvida desfavorável,
o resultado da deliberação do Conselho levou Vasco Garin a propor que Por-
tugal implementasse urgentemente as reformas anunciadas para as colónias108.

  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Telegrama da Missão
108

de Portugal na ONU para o MNE, de 10 de Junho de 1961, p. 1-3.


Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  57

Correspondendo em parte ao apelo, o governo português apresentou (a 28 de


agosto) um plano de reformas, que, sem definir objetivos relacionados com a
autodeterminação, não permitiu restaurar, como esperado, a confiança inter-
nacional na política colonial portuguesa (Oliveira, 2007: 258-259). Quase
que se resumindo a uma manobra de fachada, o reformismo do governo por-
tuguês, como acontecera com a revisão constitucional de 1951, resultou de
uma tentativa de adaptação ao processo de deslegitimação da dominação
colonial favorecido pela ascensão da ideia de autodeterminação.

Uma Influência Moderadora


Determinada pela resolução 1603 (XV) da AG, que foi confirmada pelo CS, a
recolha de informações sobre a situação angolana revelou-se um processo com-
plexo, condicionado pelas motivações pessoais dos membros do Subcomité de
Angola (ou Subcomité dos Cinco), pelas ações do governo português e pelas
pressões dos estados. Foram nomeados (a 22 de maio) a Bolívia, o Daomé
(atual Benim), a Federação da Malásia, a Finlândia e o Sudão como membros
do Subcomité, ficando excluído o Brasil que recusou o convite para integrar o
órgão109. Decorrente da nomeação, os escolhidos para fazerem parte do Subco-
mité foram Carlos Salamanca (Bolívia), com a função de presidente, Louis
Ignacio-Pinto (Daomé), Dato’ Nik Ahmed Kamil (Federação da Malásia),
Ralph Enckell (Finlândia), eleito como vice-presidente, e Omar Abdel Hamid
Adeel (Sudão), encarregue de ser o relator. O brasileiro Dantas Brito, funcioná-
rio das NU, tornou-se, por nomeação do SG, no secretário do Subcomité. Sem
que Portugal tivesse considerado oportuno fazer diligências para assegurar a
escolha de países amigos, a composição do órgão não lhe era desfavorável, por
algumas delegações se terem oposto a que incluísse unicamente africanos110.
Uma assinalável cordialidade em relação ao governo português foi manifestada
pelos membros do Subcomité, inclusivamente pelo Daomé e o Sudão, que in-
dicaram recear a situação que pudesse resultar da atividade do órgão111.
Com uma natureza não permanente, estabelecido para realizar um inquérito
destinado ao esclarecimento dos factos, o Subcomité entendeu organizar a sua
atividade em três fases, prevendo o desenvolvimento de bons ofícios, a recolha

109
  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 18 de Maio de 1961, p. 1.
110
  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Carta da Embaixada
de Espanha para o MNE, de 27 de Maio de 1961, p. 2.
111
  AHD, Fundo POI, Mç. 166, Processo XM-1, Ano de 1961, Telegrama da Missão de Portugal
na ONU para o MNE, de 24 de Junho de 1961, p. 1; AHD, Fundo POI, Mç. 166, Processo
XM-1, Ano de 1961, Telegrama da Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 14 de Junho de
1961, p. 1.
58  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

de informações (com a deslocação ao Congo para contactos com refugiados


angolanos) e a análise jurídica112. Reconhecendo-se que os objetivos definidos
somente poderiam ser atingidos com a plena cooperação do governo portu-
guês, foram desenvolvidos esforços, por vias oficiais e oficiosas, para assegurar
a colaboração de Portugal. Como se receava uma eventual recusa portuguesa,
Carlos Salamanca foi autorizado a pedir os bons ofícios do Brasil, Espanha,
EUA, Itália, Noruega e Reino Unido para convencer Portugal a encontrar
uma fórmula de aproximação ao Subcomité113. Ao propor um exame conjun-
to das modalidades de cooperação, Salamanca solicitou autorização para uma
viagem a Angola – onde a guerra entrara numa nova fase com a chegada de
reforços que reconquistaram os postos ocupados pela UPA – e que o governo
português transmitisse informações (Pélissier e Wheeler, 2009: 266). Indican-
do que não era possível aceder aos pedidos, Portugal, com a justificação de que
tinha a intenção de evitar que fossem utilizados dados duvidosos, convidou
contudo Salamanca a visitar Lisboa, a título pessoal114.
A colaboração oferecida por Portugal ao Subcomité assumiu um carácter
informal, com a conivência de Salamanca, que afirmou pretender exercer
Uma Influência Moderadora, para impedir resultados desfavoráveis ou hos-
tis115. As relações oficiosas entre Salamanca e os representantes portugueses
estiveram longe de ser acidentais ou pontuais, antes assumindo uma regula-
ridade assinalável, o que permitiu a Portugal ter informações sobre o anda-
mento dos trabalhos e meios para tentar influenciar as decisões116. A hipóte-
se da visita a Lisboa fora avançada pelo próprio Salamanca, que, igualmente
numa iniciativa pessoal, abordou o delegado espanhol, Jaime de Piniès, pro-
pondo que atuasse como intermediário e lhe fornecesse elementos sobre
Angola obtidos junto de Portugal117. Em privado, Salamanca afirmou não

112
  AHD, Fundo POI, Mç. 149, Processo XH-1, Ano de 1961, Vol. XV, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 1 de Junho de 1961, p. 1.
113
 Ibidem.
114
  Nations Unies – A/4978. Supplément n.º 16. Rapport du Sous-Comité Charge d’Étudier la
Situation en Angola. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 9.
115
  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Aerograma da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 23 de Maio de 1961, p. 1.
116
  Se bem que o carácter de Salamanca tivesse merecido reparos, Portugal reconheceu a sua
sinceridade e a utilidade em servir-se da Espanha para apresentar oficiosamente esclarecimentos
que, por não aceitar a competência do Subcomité, considerava que não deveriam ser objeto de
correspondência escrita. Cf. Idem. p. 1-2.
117
  AHD, Fundo POI, Mç. 164, Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 27 de Maio de 1961, p. 1; AHD, Fundo POI, Mç. 164,
Processo XM-1, Ano de 1961, Vol. III, Aerograma da Missão de Portugal na ONU para o MNE,
de 23 de Maio de 1961, p. 1-2.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  59

esperar que fosse permitida a deslocação ao território, mas que Portugal


transmitisse informações, com os possíveis detalhes, sobre as reformas pro-
jetadas para as colónias118. Contrariando as pressões da União Indiana e da
URSS, que não desejavam a viagem, Salamanca conseguiu que o Subcomité
aceitasse a sua deslocação a Portugal, que oficialmente foi apresentada como
destinada à obtenção da autorização para a visita a Angola e à recolha de
informações119.
As reuniões realizadas em Lisboa (entre 16-22 de junho), com António de
Oliveira Salazar, Franco Nogueira e Adriano Moreira, foram uma oportu-
nidade para que Portugal reafirmasse não pretender discutir a situação jurí-
dica e constitucional dos seus territórios120. Os representantes portugueses
tornaram a vincar que os acontecimentos no norte de Angola resultaram da
intervenção estrangeira, lançando a suspeita que a força de manutenção da
paz das NU no Congo favorecia as atividades das organizações anticolo-
niais121. Uma vez mais foi comunicada a determinação de defender a perma-
nência em Angola, resolvendo-se o problema através da via policial, para
evitar as consequências que a perda do território poderiam ter para a paz e
a segurança internacionais122. Como considerava não ter nada a esconder,
Portugal demonstrou a intenção de transmitir informações a Salamanca,
indicando porém que não deveriam ser entendidas nos termos do Art.º
73.º. Portugal apresentou elementos sobre ensino, saúde pública, habitação,
economia, infraestruturas, mão de obra, administração e as ocorrências no
norte do território, sendo que mais tarde Vasco Garin, que não deixou de

118
  AHD, Fundo POI, Mç. 149, Processo XH-1, Ano de 1961, Vol. XV, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 1 de Junho de 1961, p. 1.
119
  United Nations Archives Record Management Section (UNARMS), Archives of Secretary-
-General U Thant, Symbol DAG-4/4.2, Archive Group: Political and Security Council Affairs,
Subgroup: Security Council and Political Committee Division, Series: Files of the Sub-
-Committee on the Situation in Angola, Memorandum for the Guidance of the Chairman, 12
July 1961, p. 1.
120
  Para fortalecer a posição de Salamanca, Vasco Garin sugeriu que fosse acompanhado por
Louis Ignacio-Pinto, do Daomé, que, embora africano, era considerado um “verdadeiro amigo”
de Portugal. Ainda que Ignacio-Pinto tivesse manifestado a sua disponibilidade, Salamanca
viajou para Lisboa na companhia de Dantas Brito, também considerado pró-português, e de A.
Salamanca, seu secretário particular. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 166, Processo XM-1, Ano de
1961, Telegrama da Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 28 de Junho de 1961, p. 1-2.
121
  AHD, Fundo Gabinete dos Negócios Políticos (GNP) do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/
RRI/0700/00630, Processo GG-7-5, ONU, Apontamento da Conversa entre Carlos Salamanca e
o Ministro do Ultramar Realizada a 19 de Julho de 1961, Elaborado por A. Ribeiro da Cunha a 27
de Julho de 1961, p. 2.
122
 Ibidem.
60  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

tentar condicionar o Subcomité, entregou os decretos sobre as reformas


aprovadas123.
Mesmo tendo-se verificado a rejeição do pedido para a deslocação a Angola,
os encontros em Lisboa foram avaliados por Salamanca como tendo decorrido
num tom afável, no melhor espírito de cordialidade e compreensão, permitin-
do o reconhecimento formal das suas funções enquanto presidente do Subco-
mité124. Demonstrando concordar com os argumentos portugueses, no regres-
so a Nova Iorque Salamanca foi submetido a pressões dos afro-asiáticos e dos
soviéticos, que pretendiam a elaboração de um relatório desfavorável a Portu-
gal125. Uma vez que a URSS lhe tinha sugerido a adoção de sanções económi-
cas, pediu a Portugal que conseguisse que o Brasil, Espanha, EUA, França e
Reino Unido diligenciassem para que o Subcomité agisse em sentido contrá-
rio126. Por temer que a apresentação do relatório pudesse servir de pretexto
para um novo debate, os EUA, cuja atitude Salamanca interpretou como des-
tinada a dar tempo a Portugal para restabelecer a situação no norte de Angola,
aconselhou a que não se apressasse a redação do documento127. Estando a de-
senvolver, em conjunto com os espanhóis e os franceses, uma ação de mode-
ração junto dos afro-asiáticos, os norte-americanos conseguiram convencer o
Congo (Leopoldville), que de início não respondera aos pedidos do Subcomi-
té, a autorizar uma visita ao país para se entrevistar refugiados angolanos128.
Num procedimento de recolha de informações de forma direta, três membros
do Subcomité – o finlandês Enckell, o representante do Daomé, Ignacio-
-Pinto, e o sudanês Adeel – deslocaram-se (entre 9-18 de agosto) ao Congo
(Leopoldville) 129. Os membros do Subcomité tinham a intenção de inquirir

123
  Para complementar as informações, álbuns fotográficos – intitulados “Fomento”, “Urbani-
zação”, “Ensino e Assistência” e em “Oito Séculos de Nacionalidade, Quatro de Lusitanidade
em Angola” – foram alguns dias depois entregues a Salamanca.
124
  Nations Unies – A/4978. Supplément n.º 16. Rapport du Sous-Comité Charge d’Étudier la
Situation en Angola… p. 9.
125
  AHD, Fundo POI, Mç. 166, Processo XM-1, Ano de 1961, Telegrama do MNE para a
Missão de Portugal na ONU, de 27 de Julho de 1961, p. 1.
126
 Ibidem.
127
  Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), AOS/CD-8-3-1, Alberto M. Franco Noguei-
ra, Carta de Franco Nogueira, Enviada de Nova Iorque, a António de Oliveira Salazar, em Outubro
de 1961, p. 560v-561v.
128
  AHD, Fundo POI, Mç. 166, Processo XM-1, Ano de 1961, Carta de Carlos Salamanca para
Franco Nogueira, de 9 de Agosto de 1961, p. 1.
129
  Salamanca indicou a Portugal que não apoiara a ideia da viagem ao Congo (Leopoldville),
mas que os restantes membros do Subcomité deixaram-se influenciar pelos EUA. Por entender
que talvez houvesse a oportunidade de reunir elementos comprovativos da participação estran-
geira nos acontecimentos em Angola, considerou porém que a deslocação poderia ter vantagens
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  61

sobre a situação em Angola e as motivações do conflito, evitando questões


sensíveis como o apoio congolês às organizações anticolonialistas130. Foram
recolhidos os testemunhos de 14 refugiados, realizando-se visitas a alguns
feridos, entre os quais uma criança vítima de queimaduras131. Ao se optar por
uma abordagem confidencial, as entrevistas foram realizadas à porta fechada,
existindo poucos registos sobre as personalidades ouvidas e a informação reco-
lhida. Instruída a não evitar contactos ocasionais com os membros do Subco-
mité, a Embaixada Portuguesa em Leopoldville, com a ajuda de G. Streijffert,
da Delegação Congolesa da Liga das Sociedades da Cruz Vermelha, interferiu
no processo de inquirição132. Tendo informado que a esmagadora maioria das
fugas fora motivada pelo pânico, Streijffert encarregou o seu adjunto, Schmi-
dt, de nacionalidade suíça, de acompanhar os membros do Subcomité e de
controlar, tanto quanto possível, os interrogatórios133. Schmidt ordenou que
fossem selecionados para as entrevistas somente indivíduos considerados
representativos, como chefes tradicionais, enfermeiros, professores, comer-
ciantes e artesãos134.
Sem que estivesse previsto nos termos de referência do Subcomité, pois não
houve qualquer autorização explícita para a audição de peticionários, foram
igualmente recolhidos depoimentos de agrupamentos políticos angolanos. O
Subcomité adotou como procedimento a liberdade de audição, não permitin-
do qualquer discriminação ou obstáculo. Sendo unicamente exigido que hou-
vesse um pedido formal, as audições foram reveladoras da fragmentação dos
agrupamentos políticos e da complexidade das suas agendas. As afirmações da

para Portugal. Embora de forma hesitante, sugeriu que os membros do Subcomité fossem
autorizados a visitar Angola após a estadia no Congo (Leopoldville), para comprovarem as suas
averiguações. Salamanca não acompanhou os restantes membros do Subcomité na viagem com
o pretexto de que tinha de ficar em Nova Iorque para iniciar a preparação do relatório. Cf.
AHD, Fundo POI, Mç. 166, Processo XM-1, Ano de 1961, Carta do Diretor-Geral do MNE,
A. Ressano Garcia, ao Diretor do GNP do MU, de 1 de Agosto de 1961, p. 1.
130
 AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/00630, Processo
GG-7-5, ONU, Informação da Embaixada de Portugal em Leopoldville, de 28 de Agosto de 1961,
p. 2-6.
131
 Idem. p. 3.
132
 Idem. p. 2.
133
 Ibidem.
134
 No seu relatório, que foi mostrado aos representantes portugueses em Leopoldville,
Schmidt indicou que houve pouca eficácia no método utilizado pelo Subcomité de Angola para
o interrogatório das testemunhas e que foram obtidas respostas evasivas, que estavam longe da
verdade. Schmidt concluiu que tinha sido comprovado que o problema dos refugiados angola-
nos fora causado em grande parte pela ação das organizações políticas, em particular da UPA,
considerada a mais extremista. Cf. Idem. p. 2-3.
62  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

UPA, do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e da Aliança


dos Emigrantes do Zombo (ALIAZO), que era um agrupamento de base tri-
bal, apresentaram referências ao desejo de efetivação da autodeterminação135.
Com objetivos mais limitados, o grupo denominado Oposição Democrática
Portuguesa defendeu a autonomia imediata de Angola e o Movimento para a
Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC) reivindicou o estabelecimento de
um Estado democrático no território que afirmava representar136. Ainda que
evidenciando perspectivas divergentes, a audição dos peticionários não deixou
de contribuir para tornar menos credíveis as afirmações portuguesas quanto à
política colonial.
Na ausência de mecanismos para assegurar a exatidão dos depoimentos, Por-
tugal, que seguiu de perto as deslocações dos membros do Subcomité, conse-
guiu, à semelhança do ocorrido com a recolha de testemunhos dos refugiados,
influenciar as audições. Para transmitir a ideia de fragmentação entre as orga-
nizações políticas angolanas e evitar que a situação em Angola fosse entendida
em termos raciais, representantes da Ngwizani a Kongo (NGWIZAKO) e do
Movimento para a Defesa dos Interesses de Angola (MDIA) foram instruídos
pela Embaixada Portuguesa em Leopoldville a apresentarem-se como peticio-
nários137. A NGWIZAKO, defensora da restauração do Reino do Congo e da
fidelidade à soberania portuguesa, e o MDIA, que resultara de uma cissão da
UPA, mantinham contactos regulares com as autoridades portuguesas, em
particular com a Embaixada em Leopoldville e o MU, que lhes concediam
financiamento (Brinkman, 2003: 201; Pélissier, 1979: 135). Ao Subcomité
indicaram condenar a violência, opondo-se à UPA e favorecendo a indepen-
dência por meios pacíficos. Acrescentaram ainda que tinham abordado o
governo português para a realização de negociações e que conseguiam deslo-
car-se livremente em território angolano138. Mesmo pretendendo explorar
todas as fontes de informações disponíveis, os membros do Subcomité atri-
buíram pouca importância às afirmações da NGWIZAKO e do MDIA, que
foram objeto de reservas139.

135
  Nations Unies – A/4978. Supplément n.º 16. Rapport du Sous-Comité Charge d’Étudier la
Situation en Angola… p. 122-124.
136
 Idem. p. 124.
137
 AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/00630, Processo
GG-7-5, ONU, Informação da Embaixada de Portugal em Leopoldville, de 28 de Agosto de 1961,
p. 6.
138
  Nations Unies – A/4978. Supplément n.º 16. Rapport du Sous-Comité Charge d’Étudier la
Situation en Angola… p. 124-125.
139
 AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/00630, Processo
GG-7-5, ONU, Informação da Embaixada de Portugal em Leopoldville, de 28 de Agosto de 1961,
p. 6.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  63

Sendo poucos os detalhes existentes sobre alguns dos entrevistados, em Nova


Iorque foram compilados mais elementos provenientes do governo português,
de agências especializadas, de Organizações não Governamentais (ONG) e de
testemunhas com conhecimento direto dos factos140. Traduzindo a crescente
influência que os Atores não Estatais (ANE) estavam a adquirir nas NU, onde
procuravam incentivar mudanças normativas, foram recolhidos depoimentos
de membros de missões religiosas angolanas, designadamente Batistas, e de
organizações protestantes, como o American Committee on Africa (ACOA).
Com um papel militante na contestação da política colonial portuguesa, o que
resultou numa dimensão transnacional com a atuação dos defensores da inde-
pendência das colónias em diversas regiões do globo, não estando limitados
pelas fronteiras nacionais, as organizações religiosas procederam à entrega de
documentos escritos141. Por recomendação de Garin, que fez o pedido oficio-
samente a Salamanca, o general Frank Howley, antigo comandante das forças
norte-americanas em Berlim que passara seis meses em Angola, apresentou
um depoimento que, colocando a ênfase na intervenção que o comunismo
teria tido nos acontecimentos, não produziu o efeito desejado por Portugal142.
Robert Young, jornalista e realizador, juntamente com Charles Durkens, do
documentário Angola, a Journey to War, foi convidado a fornecer os dados
obtidos aquando da estadia no território, tendo o seu depoimento sido consi-
derado como a única fonte direta sobre as ações militares143.
Aprovado por unanimidade (em 20 de novembro, após Portugal ter declarado
que as operações militares no terreno estavam concluídas), o relatório do Sub-
comité singularizou-se pela ambiguidade144. Em resultado das inúmeras cir-

140
  Nations Unies – A/4978. Supplément n.º 16. Rapport du Sous-Comité Charge d’Étudier la
Situation en Angola… p. 8.
141
  Existe a informação segundo a qual foi ouvido o reverendo Malcolm McVeigh, missionário
metodista que esteve em Angola. Cf. UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, Sym-
bol DAG-4/4.2, Archive Group: Political and Security Council Affairs, Subgroup: Security
Council and Political Committee Division, Series: Files of the Sub-Committee on the Situation
in Angola, Box: 2, Attitudes of African States, Preliminary Notes on Comments on Portugal,
Carta de Dantas de Brito, Secretário do Subcomité de Angola, para Lee Malania, do Gabinete do
SG, de 26 de Janeiro de 1962, p. 3.
142
  AHD, Fundo POI, Mç. 166, Processo XM-1, Ano de 1961, Telegrama da Missão de Portugal
na ONU para o MNE, de 5 de Outubro de 1961, p. 1.
143
 Ibidem.
144
  Salamanca lamentou que não tivessem sido apresentadas provas concretas do envolvimento
externo em Angola, que pudessem ter permitido a realização de uma investigação. Como con-
siderava o problema dos refugiados como o mais grave e o que mais embaraçava Portugal, reco-
mendou que se conseguisse o repatriamento o quanto antes. Se a resolução que resultasse da
apresentação do relatório do Subcomité fosse demasiado radical, aconselhou Portugal a convi-
64  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

cunstâncias que exerceram a sua influência, designadamente a ação de Sala-


manca e de Portugal ou a pressão dos países afro-asiáticos, socialistas e
ocidentais, o documento não apontava para um sentido único145. Na redação
do texto foram tidas em consideração a versão oficial dos acontecimentos
transmitida por Portugal e os testemunhos recolhidos, tendo havido a inten-
ção de evitar que as conclusões se apoiassem de forma incondicional nas afir-
mações de uma das partes. Em algumas passagens, o relatório quase que limi-
tou-se a expor as diferentes perspectivas, sem retirar conclusões. O Subcomité
abdicou deliberadamente – ao analisar as causas do conflito e as medidas
empreendidas – de formular um julgamento sobre as responsabilidades pelo
início da violência. Sem fazer afirmações categóricas, o relatório evidenciou a
preferência pela utilização de um estilo descritivo, com recurso a expressões
ambíguas146.
No documento foi notório a existência de afirmações favoráveis a Portugal,
mencionando-se com alguma insistência a pretensa missão histórica do país e
a necessidade de se salvaguardar os interesses e as realidades portuguesas em
África147. O relatório defendeu uma evolução gradual para Angola, através de
reformas económicas, sociais e outras, o que estava em contradição com a re-
solução 1514 (XV), onde fora estabelecido que a falta de preparação não po-
deria ser considerada como pretexto para adiar a efetivação da autodetermi-
nação. No texto estavam presentes expressões como “rebeldes”, “rebelião”,
“sociedades tribais”, “territórios de tribos” ou “lealismo tribal”, consideradas
por algumas delegações como tipicamente coloniais148. Mesmo reconhecendo
a grande inquietação que os acontecimentos tinham suscitado, o Subcomité
em nenhum momento indicou que comprometiam a paz e a segurança inter-
nacionais. Foi unicamente dito, tendo havido o cuidado em não visar Portugal

dá-lo, juntamente com o outro membro que não fora ao Congo (Leopoldville), a visitar Ango-
la. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 166, Processo XM-1, Ano de 1961, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 13 de Setembro de 1961, p. 1.
145
  Como Salamanca prometera oportunamente entregar-lhe um esquema do relatório, Garin
entendeu que Portugal deveria renovar os pedidos aos países aliados para que exercessem uma
ação moderadora. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 166, Processo XM-1, Ano de 1961, Telegrama
da Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 22 de Agosto de 1961, p. 1.
146
  O documento foi estruturado em quatro partes, abarcando as condições gerais em que o
Subcomité desempenhou o seu mandato, a situação em Angola, uma breve introdução históri-
ca destinada a enquadrar a questão e os aspetos internacionais do conflito, em particular as suas
repercussões nas relações entre os países e na paz e segurança.
147
  Nations Unies – A/4978. Supplément n.º 16. Rapport du Sous-Comité Charge d’Étudier la
Situation en Angola… p. 51.
148
  Nations Unies – A/PV. 1098. Assemblée Générale. Seizième Session. 1098e Séance Plénière.
Vendredi 26 Janvier 1962, à 10h30. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1403.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  65

explicitamente, que a persistência do conflito parecia ter aumentado a fricção


internacional e que havia o risco de sérios incidentes149.
Como Salamanca previamente informara, o Subcomité renunciou à apresen-
tação de recomendações que pudessem resultar em obrigações para Portu-
gal150. O que mais se aproximou de algo que pudesse ser considerado como
recomendações foram as afirmações quanto à urgência de se terminar o con-
flito armado e de se iniciarem negociações pacíficas com os agrupamentos
políticos angolanos. De forma pontual, quando referidas as reformas intro-
duzidas por Portugal, determinou-se a necessidade de se analisar as conse-
quências das medidas e de se fazer a revisão ou revogação de legislação espe-
cífica e de práticas administrativas. A adoção de decisões para satisfazer as
queixas das populações, com a coordenação do desenvolvimento político,
económico e social do território, foram sugestões timidamente avançadas,
prevendo-se a elaboração de planos visando a preparação para a autonomia e
a autodeterminação151.
Não obstante o cuidado empregue na redação, do relatório constavam afirma-
ções penalizadoras para Portugal, reconhecendo-se a existência de uma políti-
ca de supressão do conflito pela força. A versão portuguesa dos acontecimen-
tos, que insistia na intervenção de terceiros, foi desmentida com a indicação
de que os distúrbios tinham sido organizados localmente e que as populações
sofreram severas represálias152. Ao reconhecer a existência de opiniões diver-
gentes, o Subcomité admitiu que os atos talvez tivessem sido inspirados pela
tomada de consciência do movimento nacionalista. As causas do conflito
foram entendidas como resultantes de uma agitação crescente da população
africana e do acumular de um profundo descontentamento, levantando-se a
hipótese de que a independência de países vizinhos como o Congo (Leo-
poldville) pudesse ter tido alguma influência153. Com limitações formais
decorrentes de terem sido integrados dados não verificados e da informação
utilizada em alguns casos não ultrapassar o ano de 1959, foram analisados o
estatuto constitucional e legal do território, as políticas e práticas gerais, a
situação da mão de obra, o ensino, as condições sanitárias, os problemas fun-
diários e as condições económicas, referindo-se implicitamente, numa das

149
  Nations Unies – A/4978. Supplément n.º 16. Rapport du Sous-Comité Charge d’Étudier la
Situation en Angola… p. 49.
150
  AHD, Fundo POI, Mç. 166, Processo XM-1, Ano de 1961, Telegrama da Missão de Portu-
gal na ONU para o MNE, de 5 de Outubro de 1961, p. 1.
151
  Nations Unies – A/4978. Supplément n.º 16. Rapport du Sous-Comité Charge d’Étudier la
Situation en Angola… p. 52.
152
 Idem. p. 12.
153
 Idem. p. 16.
66  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

passagens mais duras para o governo português, que a população tinha medo
de exercer os seus direitos e que se notavam poucos progressos nas condições
de vida154. Ainda que tivesse sido dito que Portugal parecia ter reconhecido a
legitimidade de algumas queixas, as reformas portuguesas foram qualificadas
como limitadas. Com a reprodução das reivindicações dos agrupamentos
políticos, o Subcomité referiu que tinha havido um crescimento das aspirações
nacionalistas, admitindo que parecia existir um amplo desejo de expressão
política em Angola155.
Mesmo não possibilitando uma leitura linear, o relatório foi mais um episódio
na condenação internacional da política colonial portuguesa. Tendo o Subco-
mité tido por objetivo determinar os factos para fornecer uma base de ação à
AG e ao CS, o documento resultou na afirmação da existência de um conflito
armado em Angola, que estaria a transformar-se numa guerra de guerrilha156.
Como Portugal violara o dever de cooperação com o órgão (estabelecido no
Art.º 2.º, § 5.º, que determina que os estados membros devem dar assistência
às NU em qualquer ação desencadeada de acordo com a Carta), a atividade do
Subcomité de Angola colocou em evidência algumas das fragilidades da Orga-
nização, reveladas designadamente na forma como o governo português con-
seguiu condicionar o processo de inquirição. Ainda assim, não somente o
relatório, mas toda a atividade do Subcomité de Angola, foram determinantes
pelos precedentes que criaram para a prática da Organização quanto às coló-
nias portuguesas. Os procedimentos adotados, com a recolha de informações
de forma direta, a deslocação ao continente africano e a audição de peticioná-
rios, rapidamente passaram a fazer parte dos termos de referência de outros
órgãos estabelecidos para o estudo da política colonial portuguesa.

Toute la Charte, Mais Rien que la Charte


Com a discussão sobre Angola, a maioria dos estados membros pretendia
que a transformação do conceito de autodeterminação produzida na XV
AG, ao reforçar o poder de intervenção das NU sobre os territórios depen-
dentes, permitisse um novo enquadramento jurídico para a questão colonial
portuguesa. A preocupação inicial com a situação angolana desencadeou,
por arrastamento, o estudo pela XVI AG do não cumprimento por Portugal
da transmissão de informações de natureza técnica e estatística determinada
pelo Capítulo XI da Carta e pela resolução 1542 (XV). Proposto pela União
Indiana, o item foi remetido para a IV Comissão, onde o debate (realizado

154
 Idem. p. 44.
155
 Idem. p. 1.
156
 Idem. p. 36.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  67

de 1-14 de novembro) rapidamente ultrapassou o âmbito da transmissão de


informações157. Na sua esmagadora maioria, os intervenientes entenderam
examinar a autodeterminação das colónias portuguesas, seguindo os princí-
pios da Declaração158.
A sessão foi a mais extensa e emotiva até então realizada sobre a política colo-
nial portuguesa, com as delegações mais militantes, como a União Indiana ou
o Senegal, a produzirem inúmeras intervenções. Quanto aos argumentos
empregues, os afro-asiáticos, os socialistas e alguns latino-americanos entende-
ram não se envolver nos aspetos jurídicos, uma vez que com a Declaração
consideravam que ficaram esclarecidos um conjunto de pressupostos159. Tendo
o Daomé anunciado a integração do enclave de São João Baptista de Ajudá,
solicitando a sua retirada da lista dos territórios não autónomos presente na
resolução 1542 (XV), a questão motivou pouca atenção160. Houve a tendência
para se fazer a associação entre os acontecimentos em Angola, que praticamen-
te foram objeto de um novo debate, e a situação nas restantes colónias. As
pretensões portuguesas sobre o estatuto dos territórios e a constituição de uma
comunidade multirracial, voltaram a ser contestadas, desvalorizando-se as
reformas introduzidas161. Solicitando a aplicação de sanções ou a expulsão de
Portugal da Organização, a maioria alertou para o risco de generalização da
rebelião armada nas colónias portuguesas, pretendendo que a situação coloca-
va em perigo a paz e a segurança internacionais162.

157
  United Nations – A/4998. 1 December 1961. Non-Compliance of the Government of Portugal
with Chapter XI of the Charter of the United Nations, and Resolution 1542 (XV) of the General
Assembly. Report of the Fourth Committee. s.l: s.n., s.d. p. 1.
158
 O representante da Guiné, no início da sessão, entendeu submeter informações
suplementares sobre Angola sob a forma de fotografias, que pediu que fossem expostas para
consulta na sala de reuniões. Como a Comissão adotou a proposta guineense, Portugal também
solicitou o direito a apresentar fotografias, o que foi aceite. Cf. Idem. p. 1-2.
159
 Nations Unies – A/C.4/SR 1193. Quatrième Commission, 1193e Séance. Mercredi 1er
Novembre 1961, à 15h40. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 237.
160
  Em resposta às observações do Daomé, Portugal questionou as motivações para a ocupação
da fortaleza, procurando saber se foram respeitadas as resoluções 1514 (XV) e 1541 (XV). Se a
população de São João Batista de Ajudá exprimira o desejo de se associar livremente ao Daomé
e se tinham sido seguidos os critérios para a integração de um território não autónomo
num Estado independente foram as questões suscitadas pelo representante português. Cf. Idem.
p. 236.
161
  Nations Unies – A/C.4/SR 1203. Quatrième Commission, 1203e Séance. Jeudi 9 Novembre
1961, à 15h40. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 295.
162
  Outros países, como o Níger, entenderam que Portugal não deveria ser expulso da Organi-
zação, pois isso significaria dar-lhe liberdade de ação para agir com impunidade. Cf. Nations
Unies – A/C.4/SR 1197. Quatrième Commission, 1197e Séance. Lundi 6 Novembre 1961, à 11
heures. Nova Iorque: s.n. 1961. p. 256.
68  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Embora reconhecendo em privado que não estava interessado em convencer


os afro-asiáticos da validade da sua política colonial, Portugal decidiu partici-
par no debate, assumindo uma posição de reserva (Oliveira, 2007: 259). A
representação de Portugal ficou a cargo de Bonifácio de Miranda, professor
universitário de origem goesa, que acabaria por ser integrado permanente-
mente na Missão Portuguesa163. Resultando a sua presença numa tentativa de
comprovar as alegações quanto ao carácter multirracial da sociedade portu-
guesa, Bonifácio de Miranda envolveu-se num confronto verbal com a União
Indiana, que indicou não excluir o uso da força para solucionar a disputa sobre
o Estado Português da Índia164. No essencial, como notado por algumas dele-
gações, que consideraram as declarações portuguesas como dececionantes ou
provocadoras, os argumentos pouco mudaram quando comparados com os
apresentados quanto a Angola165. Adotando a fórmula Toute la Charte, Mais
Rien que la Charte, Portugal argumentou uma vez mais em termos jurídicos,
estabelecendo uma distinção entre as disposições da Carta e a interpretação da
maioria sobre o Art.º 73.º166. Sentindo-se vítima de “insultos”, “calúnias” e
“mentiras”, a delegação portuguesa não teve a preocupação de analisar as
acusações que lhe foram dirigidas, considerando-as como distorções delibera-
das dos factos167.
Ao suscitar divergências entre os países, a questão colonial portuguesa repro-
duziu algumas das clivagens internacionais. Os EUA, a França e o Reino Uni-
do foram convidados pelos afro-asiáticos a esclarecer a posição sobre o colo-
nialismo português, para que o seu silêncio não fosse interpretado como

163
  AHD, Fundo POI, Mç. 118, Processo XA-20, Ano de 1961, Vol. I, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 9 de Dezembro de 1961, p. 1-2.
164
  Nations Unies – A/C.4/SR 1207. Quatrième Commission, 1207e Séance. Lundi 13 Novembre
1961, à 15h25. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 319.
165
  Nations Unies – A/C.4/SR 1195. Quatrième Commission, 1195e Séance. Jeudi 2 Novembre
1961, à 15h35. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 243.
166
  Esta fórmula fora elaborada pela Bélgica para ser aplicada à questão do Congo. Cf. Nations
Unies – A/C.4/SR 1049. Quatrième Commission, 1049e Séance. Lundi 14 Novembre 1960, à 11
heures. Nova Iorque: s.n., 1960. p. 307.
167
  Ainda que reconhecendo que o documento devia ser considerado como um instrumento
vivo, os representantes portugueses avançaram que as interpretações não podiam colocar em
causa a eficácia e o prestígio da Organização ou a posição legítima dos estados membros.
Entendendo que, desde a XI sessão, tinha-se tentado dar uma nova interpretação à Carta para
aplicar obrigações discriminatórias, Portugal acusou a maioria de agir de forma ilegal. Os repre-
sentantes portugueses insistiram que o Art.º 73.º devia ser interpretado numa base jurídica e
não segundo as conclusões do Comité dos Seis, que a maioria não podia impor obrigações que
não fossem livremente aceites e que o país não se considerava vinculado pela resolução 1542
(XV). Cf. Nations Unies – A/C.4/SR 1193. Quatrième Commission, 1193e Séance… p. 234.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  69

cumplicidade168. Com a construção do murro de Berlim e a retoma dos testes


nucleares, que tinham sido suspensos devido a um acordo informal com os
EUA, a URSS, num momento de aumento da tensão na Guerra Fria, interpre-
tou a determinação portuguesa em contrariar a resolução 1514 (XV) como
uma consequência do apoio da NATO169. Defensores de um Estado palesti-
niano independente e unificado, os países árabes, que consideravam a ação de
Israel na Palestina como uma questão colonial, acusaram o governo israelita de
fornecer armamento a Portugal através da República Federal da Alemanha
(RFA)170. Como os problemas coloniais ajudavam a determinar a posição dos
afro-asiáticos perante outros temas nas NU, os aliados de Portugal, em geral,
evitaram qualquer protagonismo, não participando no debate. Assumindo
uma postura mais favorável ao governo português, que começara a encontrar
alguma compreensão no Departamento de Estado, os EUA foram, em con-
junto com a Itália, dos poucos a intervir, defendendo as reformas portuguesas
e o comportamento da NATO171.
Com a demonstração pela maioria da tendência para alargar o debate, o pro-
jeto de resolução revelou-se relativamente duro, reportando-se às disposições
da Declaração, consideradas como totalmente aplicáveis às colónias portugue-
sas172. Indicando que havia uma contínua deterioração da situação nos territó-
rios, o texto propôs que a AG condenasse o não cumprimento por Portugal do
Capítulo XI da Carta e da resolução 1542 (XV)173. Com a intenção de contor-
nar a intransigência portuguesa, pretendeu-se o estabelecimento de um comi-
té especial, composto por sete membros, para examinar a informação disponí-
vel sobre os territórios e preparar um relatório para a Assembleia ou qualquer
outro órgão que fosse encarregue da implementação da resolução 1514 (XV).
Como medida excecional, o comité deveria ser autorizado a receber petições e
a ouvir peticionários, propondo-se que se solicitasse ao SG a preparação de
documentos introdutórios sobre as condições nas colónias portuguesas174. Por

168
  Nations Unies – A/C.4/SR 1200. Quatrième Commission, 1200e Séance. Mardi 7 Novembre
1961, à 15h40. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 276.
169
  Nations Unies – A/C.4/SR 1199. Quatrième Commission, 1199e Séance. Mardi 7 Novembre
1961, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 268-269.
170
  Nations Unies – A/C.4/SR 1200. Quatrième Commission, 1200e Séance… p. 276-277.
171
  Nations Unies – A/C.4/SR 1201. Quatrième Commission, 1201e Séance. Mercredi 8 Novembre
1961, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 281.
172
  Nations Unies – A/C.4/SR 1207. Quatrième Commission, 1207e Séance. Lundi 13 Novembre
1961, à 15h25. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 318.
173
  United Nations – A/4998. 1 December 1961. Non-Compliance of the Government of Portu-
gal… p. 7.
174
  Ibidem.
70  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

influência da situação em Angola, no projeto de resolução foram integradas


questões com pouca ou nenhuma ligação com a obrigatoriedade de transmis-
são de informações, prevendo-se que se recomendasse aos estados que manti-
nham relações com Portugal para aplicarem os seus bons ofícios e recusarem
qualquer apoio e assistência que pudessem ser usados na repressão ou subjuga-
ção dos povos das colónias portuguesas. Por entender que o texto não traduzia
de forma nítida a opinião de que a situação constituía uma ameaça à paz, a
União Soviética apresentou uma emenda, aceite pelos autores do projeto, que
acentuava o carácter de urgência da tarefa atribuída ao comité a criar175.
Numa atitude rígida e sem atender às inúmeras solicitações para fornecer
informações como forma de atenuar as pressões, Portugal encontrou muitas
reticências nas diligências efetuadas junto de países alinhados com o ocidente
e de latino-americanos para impedir que o texto fosse aprovado por uma vo-
tação esmagadora. A África do Sul, a Espanha e a França, mantendo a orien-
tação que vinham assumindo, indicaram não faltar com o seu voto a Portu-
gal176. Os restantes países alegaram as pressões afro-asiáticas ou, como o Brasil,
a dificuldade em conciliar o apoio ao governo português e a fidelidade ao
anticolonialismo177. Na sua maioria tendo uma política pouco consistente em
relação à questão colonial portuguesa nas NU, a África do Sul, Austrália, Bra-
sil, Canadá, China, Espanha, França, Itália, Nova Zelândia, Reino Unido e
Uruguai apoiaram Portugal exprimindo reservas ao projeto de resolução178.
Destinadas a estabelecer uma determinada interpretação sobre o documento,
as reservas foram seguidas por propostas de emendas e pedidos de voto por
divisão, apresentados designadamente pelos EUA. Para atenuar o texto e per-
mitir salvaguardar a posição de algumas delegações que tinham a intenção de

175
 Idem. p. 3.
176
  AHD, Fundo POI, Mç. 140, Processo XH-Geral, Ano de 1961, Telegrama da Embaixada
de Madrid para o MNE, de 10 de Novembro de 1961, p. 1.
177
  Sobre a posição dos países quanto a Portugal vide AHD, Fundo POI, Mç. 140, Processo
XH-Geral, Ano de 1961, Telegrama da Embaixada de Bruxelas para o MNE, de 20 de Novembro
de 1961, p. 1-2.
178
  Dúvidas sobre a competência da AG para prescrever as obrigações contidas no texto, obje-
ções a que se condenasse a conduta portuguesa, apelos para que a audição de peticionários fosse
considerada um caso especial e não um precedente, pedidos para que algumas disposições não
fossem entendidas como pretendendo embargos ou sanções de carácter geral e indicações de
que o comité a criar teria de se limitar a analisar a não observação da resolução 1542 (XV) foram
complementadas com afirmações de que a situação nos territórios portugueses não se tinha
deteriorado, que outros países também desrespeitavam as decisões das NU e que alguns pará-
grafos do projeto de resolução não tinham qualquer relação com a questão. Cf. Nations Unies
– A/C.4/SR 1207. Quatrième Commission, 1207e Séance. Lundi 13 Novembre 1961, à 15h25.
Nova Iorque: s.n., 1961. p. 315-323.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  71

votar a favor, propôs-se a substituição da palavra “condena” por “deplora” e a


votação separada das disposições que pretendiam a condenação do governo
português pelo não cumprimento das suas obrigações, solicitavam aos estados
membros que negassem qualquer apoio e assistência que pudessem ser empre-
gues contra as populações e autorizavam o comité a receber petições e a ouvir
peticionários179.
Por os países afro-asiáticos terem resistido às tentativas para diminuir o alcan-
ce do texto foram rejeitados os pedidos de substituição de palavras e de votos
por divisão180. A votação demonstrou uma redução significativa dos apoios a
Portugal, continuando a África do Sul e a Espanha a serem os únicos defenso-
res declarados da posição portuguesa. As abstenções, que vinham sendo usadas
para demonstrar solidariedade a Portugal, foram mínimas, limitando-se à
Bolívia e à França, e, pela primeira vez, dois dos mais importantes apoiantes
do governo português, o Brasil e o Reino Unido, votaram contra a política
colonial portuguesa. Tendo sido apresentadas como justificação a decisão bri-
tânica de votar em função da substância dos documentos e o facto do delegado
brasileiro ter desobedecido às instruções recebidas, em ambos os casos a orien-
tação assumida poderá em grande medida ser explicada pelo radicalismo do
debate, que não permitiu mais do que manifestações isoladas de apoio a Por-
tugal181. Ainda assim, ao explicarem o seu voto, os EUA e o Reino Unido
entenderam voltar a marcar as distâncias quanto a algumas disposições do
projeto de resolução, reafirmando as reservas anteriormente apresentadas.
A decisão da IV Comissão, mesmo reportando-se à Carta, tornou-se num
exemplo paradigmático da forma como a transmissão de informações ao abri-
go do Art.º 73.º passou a ser considerada em função da aplicação da resolução
1514 (XV). Algumas disposições do projeto de resolução, como a audição de
peticionários, significaram o recurso a um procedimento não contemplado
na Carta para os territórios não autónomos. Resultante da interpretação, que
vinha-se afirmando sucessivamente nas NU, de que existia um direito de pe-
tição como meio de salvaguarda dos direitos humanos, a prática encontrou
justificação na aproximação operada pela resolução 1514 (XV) entre o estatu-
to dos territórios não autónomos e o dos sob tutela, para os quais recorde-se
estavam previstas as audições de peticionários (Normand e Zaidi, 2008: 157-
-159). As decisões da IV Comissão foram assim mais um desenvolvimento nas
tentativas, referidas anteriormente, para aplicar aos territórios não autónomos

179
 Idem. p. 323.
180
 Idem. p. 317.
181
  AHD, Fundo POI, Mç. 140, Processo XH-Geral, Ano de 1961, Aerograma da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 14 Novembro de 1961, p. 1.
72  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

os mesmos mecanismos de supervisão definidos para o sistema de tutela (Udo-


gu, 2011: 99-100).
Tendo sido uma das propostas mais contestadas do projeto de resolução, a
possibilidade de audição de peticionários teve, por o Senegal ter proposto que
fosse concedida uma audiência a naturais da Guiné (Bissau), desenvolvimentos
imediatos182. Naquela que foi a primeira apresentação nas NU de peticionários
das colónias portuguesas, a audição demonstrou que a luta contra o colonialis-
mo português não se restringia a ações internas, tendo igualmente uma verten-
te internacional. Com a decisão adotada pela Comissão estabeleceu-se um pre-
cedente para que agrupamentos políticos utilizassem as audições, juntamente
com a apresentação de petições, relatórios, testemunhos ou filmes, para uma
ofensiva diplomática destinada a influenciar a opinião pública internacional
para que pressionasse Portugal (Connelly, 2003: 119-141). Produzindo uma
declaração contendo afirmações que tornaram-se na marca identitária da parti-
cipação de organizações das colónias portuguesas nas NU, os representantes do
Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde (MLGC), uma coligação de
pequenas formações políticas com sede no Senegal, demonstraram ser conhe-
cedores da resolução 1514 (XV). Apresentando-se como uma força revolucio-
nária que tinha por objetivo a libertação total da Guiné (Bissau) e das ilhas de
Cabo Verde, o MLGC defendeu que Portugal fosse convidado a reconhecer o
direito à autodeterminação e a conceder a independência às colónias183.
Ficando a criação do órgão para analisar as informações sobre as colónias portu-
guesas dependente da aprovação definitiva no plenário, um amplo consenso

182
  Para evitar as audições, Portugal fez diligências em vários países, designadamente nos EUA,
pedindo que pressionassem a Libéria, que detinha a presidência da Comissão, para que aconse-
lhasse o Senegal a desistir da sua intenção. Objeto de votação, a proposta senegalesa foi aprova-
da com os votos contra de Portugal, França, África do Sul, Espanha e Reino Unido e a absten-
ção da Bélgica. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 140, Processo XH-Geral, Ano de 1961, Carta de
João Hall Themido ao Diretor do GNP do MU, de 24 de Outubro de 1961, p. 1-2.
183
  Numa parte substancial, a intervenção foi dedicada ao desmentido das teses portuguesas
sobre o estatuto constitucional das colónias, o papel civilizador e emancipador em África e os
progressos da assimilação. Considerando o colonialismo português como aquele que se revestia
do aspeto mais totalitário e draconiano, o MLGC alertou para a falta de direitos políticos, o
aumento crescente da repressão, a discriminação racial, o analfabetismo, a prática de trabalho
forçado e as deficientes condições sanitárias, concluindo que as reformas adotadas visavam
manter a dominação colonial. Com a indicação de que enviara ao governo português um pedi-
do de reformas sociais e políticas que conduzissem à independência, o movimento apelou às
NU para que ajudasse a poupar as populações da Guiné (Bissau) e de Cabo Verde à mesma re-
pressão que estava a ocorrer em Angola, obrigando Portugal a negociar. Cf. Nations Unies –
A/C.4/SR 1209. Quatrième Commission, 1209e Séance. Mardi 14 Novembre 1961, à 15h30.
Nova Iorque: s.n., 1961. p. 331-333.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  73

permitiu a adoção pela AG da resolução 1654 (XVI), de 27 de novembro, que,


reafirmando solenemente os objetivos e princípios enunciados na Declaração
sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais, estabeleceu
um comité especial, que tornar-se-ia no mais importante órgão das NU a
ocupar-se de forma sistemática das questões coloniais (Barbier, 1974: 97-98).
Destinando-se a ter um carácter temporário, o Comité de Descolonização,
como ficaria conhecido, apresentou inicialmente contornos vagos, o que para
alguns visava atribuir-lhe flexibilidade e gerar consensos (Barbier, 1974: 149).
O seu mandato pretendia que estudasse a implementação da Declaração, for-
mulasse sugestões e recomendações quanto aos progressos realizados e à forma
como era aplicada e fizesse um relatório para a XVII AG. O órgão foi autorizado
a empregar todos os meios disponíveis no quadro dos procedimentos existentes,
podendo reunir-se fora da sede das NU184. Modificações significativas, introdu-
zidas por decisões tomadas pela Assembleia e pelo próprio órgão, resultaram na
definição em termos mais precisos e num alargamento do seu mandato, que
com o tempo sofreu alterações. No início das suas atividades determinou que as
colónias portuguesas, juntamente com a Rodésia do Sul e o Sudoeste Africano,
seriam questões prioritárias (Barbier, 1974: 343). Com uma composição onde
predominavam os afro-asiáticos, do Comité de Descolonização emergiriam as
decisões mais radicais contra Portugal, baseadas nas disposições da Declaração.

Charter or no Charter, Council or no Council


Com o debate sobre o incumprimento por Portugal do Capítulo XI e da reso-
lução 1514 (XV) ficou implícito que a transmissão de informações segundo o
Art.º 73.º tinha, numa interpretação favorecida pela associação à Declaração,
como finalidade a independência dos territórios coloniais. A abordagem que
insistia no fornecimento por Portugal de informações de natureza técnica e
estatística acabou no entanto por ser momentaneamente secundarizada por
acontecimentos resultantes do agravamento da contestação à política colonial
portuguesa terem favorecido o debate sobre a legitimidade do uso da força
como forma de implementação da autodeterminação. A União Indiana, que
ao tornar-se independente (1947) reclamara os territórios sob administração
estrangeira no subcontinente indiano e que tomara de assalto os enclaves de
Dadrá e Nagar-Aveli (1954), avançou (na noite de 17 de dezembro) sobre
Goa, Damão e Diu (Stocker, 2005). Ainda que a fase que antecedera os acon-
tecimentos tivesse demonstrado a incapacidade das NU, designadamente do
SG, para atuarem como mediadoras, Portugal solicitou a convocação do CS,

  United Nations. Resolution 1654 (XVI), 27 November 1961. Disponível em <URL:http://


184

www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2008.


74  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

numa iniciativa apoiada pelos EUA que deram garantias de que não permiti-
riam que a questão servisse de pretexto para a renovação da discussão sobre o
colonialismo português185. Tendo a URSS e o Ceilão forçado a votação sobre
a inscrição da questão, a discussão, que (realizada a 18 de dezembro) esteve no
centro das atenções mundiais por algum tempo, foi de certa forma uma mera
formalidade, uma vez que como a União Indiana conseguira rapidamente
o controlo militar no terreno as hipóteses de influenciar os acontecimentos
foram mínimas (Bègue, 2007a: 1139).
Tendo adotado como estratégia retirar à União Indiana todas as opções, exce-
to o uso da força, Portugal estava convencido que, em caso de invasão de Goa,
Damão e Diu, um mínimo de resistência permitiria acionar a aliança luso-
-britânica e a comunidade internacional (Ferreira, 2006: 103). Declarando
que a União Indiana cometera um ato de agressão premeditado, violando a
Carta e os seus direitos soberanos, solicitou ao Conselho a adoção de medidas
para o cessar-fogo imediato e a retirada das forças invasoras186. Para a ação da
União Indiana tinham sido determinantes a condenação pelas NU da situação
em Angola, a incapacidade portuguesa em organizar uma defesa eficaz, as pres-
sões internas, o desejo de recuperar, com uma demonstração contra o colonia-
lismo, a liderança do bloco afro-asiático e a certeza de que não haveria reações
declaradamente hostis das potências ocidentais (Oliveira, 2007: 264-265). Em
justificação da invasão, o representante indiano reportou-se à resolução 1514
(XV), naquela que foi a primeira ocasião em que a Declaração sobre a Conces-
são da Independência aos Países e Povos Coloniais foi explicitamente invocada
por um Estado membro (Barbier, 1974: 85). A União Indiana entendia não
poder ser acusada de agressão contra um território que lhe pertencia, preten-
dendo que o CS pedisse a evacuação por Portugal dos territórios de Goa,
Damão e Diu e efetivasse as resoluções sobre a concessão da independência.
Numa afirmação da irreversibilidade da situação, indicou que Charter or no
Charter, Council or no Council a integração do Estado Português da Índia pros-
seguiria, o que era um indicador de que não receava represálias187.

185
  O governo português demonstrou de início algumas dúvidas sobre se a convocação do CS
poderia colocar o país numa situação suscetível de resultarem novas críticas à sua política colo-
nial. A sugestão para a apresentação da queixa partira dos EUA e do Reino Unido, tendo Por-
tugal desconfiado das reais intenções de ambos os países. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 118,
Processo XA-20, Ano de 1961, Vol. I, Telegrama de António de Oliveira Salazar para a Missão de
Portugal na ONU, de 19 de Dezembro de 1961, p. 1.
186
  Nations Unies – A/5202. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité a l’Assemblée
Générale. 16 Juillet 1961-15 Juillet 1962. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 49.
187
  Nations Unies – A/PV. 1815. Assemblée Générale. Vingt-Quatrième Session. 1815e Séance
Plénière. Jeudi 20 Novembre 1969, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 19.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  75

Sem pretenderem prolongar o debate, que desejavam que caísse rapidamente


no esquecimento, os membros do CS envolveram-se numa controvérsia sobre
se o desrespeito das disposições da Carta quanto à não-agressão poderia ser
justificável num contexto de dominação colonial (Oliveira, 2007: 273). Como
prometido, os países ocidentais não mencionaram o colonialismo português,
evitando orientar a discussão para o problema de fundo. Numa demonstração
da complexidade da questão, os EUA, a França e o Reino Unido tentaram um
difícil equilíbrio entre o desejo de deplorar o uso da força e a salvaguarda das
relações com a Índia, que era o maior país não comunista da Ásia (Oliveira,
2007: 272-273). Os restantes membros do Conselho que seguiam a orienta-
ção do ocidente também revelaram – mesmo se o Chile e o Equador tivessem
referido explicitamente o direito à autodeterminação das populações de Goa,
Damão e Diu – a desaprovação e a inquietação pelo uso da força, aconselhan-
do o fim das ações militares188. Com uma outra leitura dos acontecimentos, o
Ceilão, a Libéria e a República Árabe Unida, em representação do grupo
afro-asiático que com algumas exceções tinha em conjunto com os socialis-
tas apoiado a ação indiana, indicaram que estava-se perante uma questão
colonial, e que o problema essencial era a política portuguesa, que desrespei-
tava as decisões das NU189. Como entendiam que ocorrera uma libertação
e não uma agressão, afirmaram não haver lugar a um apelo ao cessar-fogo.
Propondo que se debatesse a recusa portuguesa em aplicar a Declaração, a
URSS, que enviara um dos seus representantes à União Indiana na véspera da
invasão, encontrou na questão de Goa uma nova oportunidade para associar
os EUA e as demais potências ocidentais ao colonialismo português (Bègue,
2007a: 1166).
As diferenças de perspectiva resultaram na apresentação pelos afro-asiáticos de
um projeto de resolução, no qual se considerou os enclaves portugueses como
uma ameaça à paz e à segurança internacionais e um obstáculo à realização da
unidade da União Indiana190. Com justificação nas resoluções 1514 (XV) e
1542 (XV), foi proposto que a queixa formulada por Portugal fosse rejeitada,
convidando-se o governo português a renunciar à ação hostil e a cooperar com
a Índia para a liquidação das possessões coloniais no subcontinente indiano191.
Tendo em atenção outros aspetos, que não somente o direito à autodetermi-
nação, os EUA, a França, o Reino Unido e a Turquia, introduziram também

188
  Nations Unies – A/5202. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité a l’Assemblée…
p. 51.
189
 Idem. p. 50-51.
190
 Idem. p. 53.
191
 Ibidem.
76  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

um projeto, que a Índia rejeitou, embora não fosse extremista192. Servindo-se


das disposições da Carta que apelavam a soluções pacíficas e à contenção no
emprego da força, propuseram que a ação indiana fosse simplesmente deplo-
rada, não se pretendendo a condenação. Por relembrar que os objetivos das
NU eram o desenvolvimento de relações amigáveis entre as nações, baseadas
no respeito pelo princípio da igualdade dos povos e do direito a disporem de
si mesmos – interpretado no sentido do Art.º 1.º, § 2.º, da Carta e não de
acordo com a resolução 1514 (XV) –, o projeto entendeu que o CS devia sa-
tisfazer as pretensões portuguesas, solicitando o fim das hostilidades, convi-
dando o governo indiano a reconduzir as suas forças para as posições anterio-
res à invasão, pedindo às partes para adotarem medidas para uma solução
permanente através de meios pacíficos e rogando ao SG que fornecesse toda a
assistência necessária193.
Muito em virtude da complexa interação entre a Guerra Fria e a descoloniza-
ção, que a discussão sobre a questão colonial portuguesa vinha ajudando a
acentuar nas NU, no momento da votação as fraturas estiveram em evidência.
O projeto afro-asiático – como o Chile, a China e o Equador encontravam-se
entre o conjunto de países visados na intensa campanha diplomática portu-
guesa – foi rejeitado194. Obtendo um número de votos suficiente, o outro
projeto poderia ter sido adotado caso não tivesse havido o veto soviético
(Luard, 1989b: 324). Previsível, por a URSS pretender demonstrar o com-
promisso com a causa anticolonial e o apoio político à União Indiana, o veto
condenou o CS à inação195. Sem que se tivesse chegado a uma conclusão, a
paralisação do Conselho salientou as fragilidades de algumas das disposições
que regulavam as relações entre os estados (Bègue, 2007a: 1154). A utiliza-
ção da força foi na prática sancionada, com a absorção de Goa, Damão e
Diu, que se tornaram territórios governados pelo governo indiano. Ainda
que a resolução 1514 (XV) não o tivesse autorizado, o uso da força para eli-
minar o colonialismo foi considerado como não constituindo uma agressão,
devendo ser poupado à condenação internacional. Da inação do Conselho
resultou uma interpretação da ideia de autodeterminação que insistia na
transferência do poder, revelando, como já foi reconhecido, que o desejo de
liquidar a colonização europeia se tinha tornado mais forte do que o princí-

192
 Idem. p. 52.
193
 Ibidem.
194
 Idem. p. 53.
195
  Numa reunião da NATO, realizada a 18 de dezembro, Portugal fora alertado para a possi-
bilidade do veto soviético bloquear a decisão. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 118, Processo XA-20,
Ano de 1961, Vol. I, Telegrama do MNE para a Missão de Portugal na ONU, de 18 de Dezembro
de 1961, p. 1.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  77

pio da proibição do uso da força nas relações internacionais (Escarameia,


1993: 92, nota 16).
Os aliados de Portugal, que para Salazar tinham traído e abandonado o país
quando não corresponderam aos pedidos de apoios diplomáticos e militares
para conter a União Indiana, ainda chegaram a considerar a hipótese de sub-
meter o seu projeto de resolução à AG (Bègue, 2007a: 1171). A ideia foi
abandonada por as discussões sobre a aplicação por Portugal do Capítulo XI e
da resolução 1542 (XV), finalizadas pela Assembleia no dia da rendição por-
tuguesa, terem demonstrado que qualquer tentativa estaria condenada ao fra-
casso. Ao se examinar o projeto de resolução que propunha a criação de um
órgão para analisar as informações sobre as colónias portuguesas, os EUA
comunicaram a Portugal que também tinham desistido do pedido de votação
por divisão, por julgarem que não haveria votos suficientes196. Tendo optado
pela apresentação de emendas, os norte-americanos procuraram impedir a uti-
lização da palavra “condena” e, como desejavam esclarecer a questão da utili-
zação de armamento da NATO, propuseram a substituição do parágrafo que
solicitava aos estados que negassem ao governo português qualquer assistência
por um outro que pedia que procurassem obter garantias de que os apoios
concedidos para a defesa mútua na área do Atlântico Norte não seriam desvia-
dos para outros propósitos197. Diligências portuguesas na Bélgica, Chile, Fran-
ça e Peru solicitaram votos para as emendas dos EUA, que tinham a esperança
de que pelo menos a segunda proposta fosse aceite198. Sem consentir alterações
ao texto, o plenário, com uma votação idêntica à da IV Comissão, aprovou a
resolução 1699 (XVI), de 19 de dezembro, que estabeleceu o Comité Especial
para os Territórios sob Administração Portuguesa.
Numa breve discussão, alguns países, na mesma ocasião da eleição dos mem-
bros do Comité Especial, demonstraram satisfação pela integração de Goa,
Damão e Diu na União Indiana. A Polónia propôs que a AG tomasse nota, o
que acabou por não se verificar, do facto desses territórios terem sido liberta-
dos pela ação indiana199. Entendida pelos dirigentes do Estado Novo como
um episódio memorável de patriotismo, a perda de Goa, Damão e Diu moti-
vou que se considerasse a possibilidade de Portugal abandonar a ONU. Num
discurso de Salazar (a 3 de janeiro de 1962) admitiu-se a hipótese de uma

196
  AHD, Fundo POI, Mç. 140, Processo XH-Geral, Ano de 1961, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 15 de Dezembro de 1961, p. 1.
197
 Ibidem.
198
  AHD, Fundo POI, Mç. 140, Processo XH-Geral, Ano de 1961, Telegrama da Embaixada
de Paris para o MNE, de 9 de Dezembro de 1961, p. 1.
199
 Nations Unies – A/C.4/SR 1256. Quatrième Commission, 1256e Séance. Mercredi 20
Décembre 1961, à 11h30. Nova Iorque: s.n., 1961. p. 640.
78  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

reorientação da política externa portuguesa, que passaria pela redução da de-


pendência em relação às alianças tradicionais (EUA, Reino Unido e NATO),
pelo reforço dos laços com o Brasil e pela reavaliação da participação nas NU
(Tíscar Santiago, 2013: 102). No seguimento do discurso, uma sugestão da
Assembleia Nacional também defendeu a revisão da política externa, demons-
trando a necessidade de adaptação sentida. Alguns setores da sociedade
portuguesa exigiram uma mudança radical, que orientasse o país em direção
às colónias e a uma posição neutralista (Bègue, 2007a: 1172). Num documen-
to não assinado (datado de 12 de janeiro e dirigido a Salazar) recomendou-se
o cultivo de relações bilaterais com os afro-asiáticos e uma política de boa vi-
zinhança em África, onde poderiam ainda ser exploradas as rivalidades entre
estados200. Na tentativa de diminuir a agressividade nas NU, algumas das
sugestões acabaram por ser, timidamente ou de forma mais decidida, objeto
de tentativas de implementação (Bègue, 2007a: 110).

Impregnado de Realismo e de Moderação


No seguimento da resolução 1603 (XV), que mandatara o Subcomité de
Angola a reportar as suas conclusões o mais rapidamente possível, a XVI AG
inscreveu na agenda um item sobre o relatório apresentado pelo órgão. O de-
bate teve lugar em reuniões plenárias (entre 15 a 30 de janeiro de 1962), num
ambiente de profunda desconfiança quanto à atuação e à utilidade das NU
na vida internacional201. Crescentes críticas de chefes de Estado, de meios de
comunicação e da opinião pública em países como os EUA e o Reino Unido
indicaram que existia um perigo de “excessos de anticolonialismo”. As preocu-
pações quanto às manifestações de sentimentos antiocidentais resultaram em
pressões sobre os afro-asiáticos para que moderassem as deliberações sobre as
questões coloniais. Os EUA, em particular, exprimiram o receio que, após o
apoio à União Indiana, se continuasse a encorajar o uso da força, o que pensa-
vam que poderia conduzir à destruição da Organização202. Mesmo que tivesse
havido incitamentos soviéticos a ações radicais, o bloco afro-asiático deu sinais
de que adotaria uma atitude mais cautelosa em relação a Angola203.
Não se perspectivando uma solução para Angola, onde as atividades da UPA
e do MPLA, que entretanto também iniciara ações militares, estavam a pro-

200
 ANTT, AOS/CO/NE-30B-5, Notas sobre a Política Externa Portuguesa, p. 25-28.
201
  AHD, Fundo Missão Permanente de Portugal nas Nações Unidas: 1980, Mç. 66, Carta da
Embaixada de Portugal em Londres (?) para o MNE, de 17 de Janeiro de 1962, p. 1.
202
  AHD, Fundo POI, Mç. 165, Processo XM-1, Ano de 1962, Vol. V, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 20 de Janeiro de 1962, p. 1.
203
 Ibidem.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  79

gredir lentamente, Portugal apresentou-se no plenário com uma estratégia di-


ferente da das sessões anteriores204. Tendo optado por pedir a palavra no início
da discussão, fez uma longa declaração, com a descrição dos acontecimentos
no norte de Angola, a refutação do relatório do Subcomité, a explicação das
reformas promulgadas e a reafirmação da posição quanto à falta de competên-
cia da Assembleia para abordar a questão205. O relatório sobre Angola foi con-
siderado como tendencioso, produzindo um resultado determinado à partida.
Retirando-se da sala após a intervenção, a delegação portuguesa apresentou
mais observações por escrito206. Um grupo de trabalho, constituído no Gabi-
nete dos Negócios Políticos do MU e composto por cinco elementos, fora
encarregue de analisar e contestar o relatório. Num veemente ataque à legali-
dade da investigação e à validade das conclusões do Subcomité de Angola,
Portugal, em alguns momentos deturpando o documento, rejeitou sobretudo
as fontes de informação utilizadas, indicando que tinham sido ignorados
dados que podiam comprovar a sua versão dos factos207. Insistindo-se que
a situação em Angola era uma questão artificial, foi indicado que cerca de
75 000 refugiados que tinham fugido para o Congo (Leopoldville) estavam de
regresso às suas povoações, o que confirmava a normalização das condições de
vida no território208.
De forma explícita, a quase totalidade dos participantes na discussão validou,
não obstante os seus alinhamentos políticos, o trabalho do Subcomité. Mes-
mo as delegações que não elogiaram o relatório se apoiaram nas suas conclu-

204
  Numa breve introdução ao debate, Salamanca apresentou o relatório do Subcomité, expli-
cando as condições em que o seu mandato fora desempenhado. De forma ambígua, indicou
que tentara deslocar-se a Angola, mas que Portugal recusara, compensando a sua atitude com o
fornecimento de algumas informações de ordem geral. Cf. Nations Unies – A/PV. 1088. Assem-
blée Générale. Seizième Session. 1088e Séance Plénière. Lundi 15 Janvier 1962, à 15 heures. Nova
Iorque: s.n., 1962. p. 1277.
205
 Idem. p. 1278-1286.
206
  Numa carta de 17 de janeiro, Garin transmitiu um documento intitulado Alguns Comentá-
rios da Delegação Portuguesa à XVI AG das NU sobre o Relatório do Subcomité de Angola e a 27
de janeiro enviou os Comentários pela Delegação Portuguesa ao Debate da AG sobre a “Situação
de Angola”. Ao analisar os comentários, o Subcomité concordou que Salamanca fizesse no ple-
nário uma breve declaração, explicitando que a metodologia do Subcomité se baseara na com-
paração de fontes diversas, sem que tivesse havido a preferência por informações de uma deter-
minada proveniência. Cf. UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, Symbol
DAG-4/4.2, Archive Group: Political and Security Council Affairs, Subgroup: Security Coun-
cil and Political Committee Division, Series: Files of the Sub-Committee on the Situation in
Angola, Box: 2, The Situation in Angola: Debate in the General Assembly during its 16th Session,
p. 5.
207
 Ibidem.
208
 Ibidem.
80  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

sões, que foram entendidas como dificilmente contestáveis. Ainda assim, fo-
ram dirigidas críticas a determinados detalhes, considerados como contendo
lacunas de forma e de fundo. Alguns membros, particularmente a Guiné, cri-
ticaram a inclusão da informação transmitida por Portugal e as referências às
reformas, avaliadas como um gesto gratuito, que desmentia a política de igual-
dade, fraternidade e fusão de raças proclamada pelas autoridades portugue-
sas209. A análise do documento serviu de pretexto para a reafirmação da posi-
ção quanto a Angola (e às colónias portuguesas em geral), refutando-se que a
situação estivesse normalizada e afirmando-se que existia uma guerra que
constituía uma ameaça à paz e à segurança internacionais210. Com a crescente
tendência para se enquadrar o problema angolano num âmbito mais alargado,
os membros da NATO voltaram a ser responsabilizados pela cumplicidade
com Portugal e pela exploração económica do território. A maioria das dele-
gações pediu com insistência a adoção de medidas, incluindo sanções, para
impedir que o governo português continuasse a violar as decisões das NU211.
Forçados a definir a sua posição, algumas delegações tentaram minimizar o
carácter desfavorável do relatório para Portugal, realçando os aspetos da polí-
tica colonial portuguesa que consideravam positivos. Num difícil equilíbrio
entre o apoio a Portugal e a tentativa de evitar alienar os afro-asiáticos, os
países alinhados com o ocidente aceitaram a validade da aplicação da autode-
terminação às colónias portuguesas, atenuando contudo as suas afirmações
com indicações de que o seu exercício não deveria ser imediato e nem ter ne-
cessariamente como resultado a independência212. Somente a Espanha, a pedi-
do de Lisboa, e a África do Sul apoiaram abertamente Portugal, negando a
existência em Angola de uma ameaça à paz e à segurança internacionais213. O
Brasil – numa declaração considerada pelo adido militar português no Rio de
Janeiro como motivada pelos interesses do país em África, pelas aspirações a
uma política de liderança relativamente aos africanos e por preocupações elei-

209
  Nations Unies – A/PV. 1089. Assemblée Générale. Seizième Session. 1089e Séance Plénière.
Mardi 16 Janvier 1962, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1296.
210
  Nations Unies – A/PV. 1096. Assemblée Générale. Seizième Session. 1096e Séance Plénière.
Jeudi 25 Janvier 1962, à 10h30. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1375.
211
  Nations Unies – A/PV. 1089. Assemblée Générale. Seizième Session. 1089e Séance… p. 1289.
212
  Entre os exemplos que podem ser apontados temos o da Austrália. Cf. Nations Unies – A/
PV. 1091. Assemblée Générale. Seizième Session. 1091e Séance Plénière. Jeudi 18 Janvier 1962, à
15 heures. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1320-1323.
213
  Nations Unies – A/PV. 1094. Assemblée Générale. Seizième Session. 1094e Séance Plénière.
Mardi 23 Janvier 1962, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1354-1357; Nations Unies – A/
PV. 1102. Assemblée Générale. Seizième Session. 1102e Séance Plénière. Mardi 30 Janvier 1962, à
15 heures. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1450.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  81

torais – lançou um apelo, seguido pela Austrália, a Portugal para que permitis-
se a independência de Angola214. Os EUA, como de resto o Reino Unido e a
China, insistiram no carácter positivo das reformas portuguesas, aconselhan-
do soluções pacíficas e que não fossem exercidas pressões demasiado radicais
sobre Portugal215. A França, que reservou a sua intervenção para o final, mani-
festou o entendimento de que a situação em Angola era uma questão interna,
sem deixar de afirmar que o desejo de acabar com o sofrimento da população
era compreensível216.
Uma nítida divisão de opiniões entre a maioria, opondo aqueles que deseja-
vam uma solução rápida e radical do problema e os que defendiam a modera-
ção, marcou o debate. A controvérsia resultou na apresentação de dois proje-
tos de resolução, assentes na afirmação de ideias opostas. Considerando que
não bastava a adoção de princípios gerais para a liquidação do colonialismo e
que chegara o momento de aprovar medidas precisas e decisivas, a Polónia e a
Bulgária propuseram um projeto assente em quatro eixos fundamentais. O
texto reafirmava solenemente o direito sagrado do povo angolano à autodeter-
minação e à independência, solicitando ao Comité de Descolonização que
atribuísse absoluta prioridade à questão, enviando representantes a Angola e
apresentando um relatório à XVII AG217. Numa medida radical, avançou-se
que Portugal fosse condenado pela guerra colonial e convidado a colocar ter-
mo a todas as medidas repressivas e a libertar de imediato os prisioneiros polí-
ticos. A todos os estados, numa disposição considerada precisa e justificada,
pretendeu-se recomendar que recusassem ao governo português qualquer
apoio e assistência, nomeadamente sob a forma de armas, de material de guer-
ra e de exportações de natureza militar. Até que as decisões das NU fossem
implementadas, o projeto de resolução propôs a adoção de sanções contra
Portugal, em aplicação das disposições da Carta que definiam ações para as
situações em que a paz estivesse comprometida218.
Com a intenção de evitar o extremismo, os países afro-asiáticos afastaram-se
das considerações entendidas como podendo agravar, mais do que aliviar, a
situação. Não querendo que motivações relacionadas com a Guerra Fria fos-
sem determinantes, introduziram um projeto de resolução, que seria revisto,
com a inserção de algumas modificações. Apresentado como Impregnado de

214
  Nations Unies – A/PV. 1088. Assemblée Générale. Seizième Session. 1088e Séance… p. 1287.
215
  Nations Unies – A/PV. 1097. Assemblée Générale. Seizième Session. 1097e Séance Plénière.
Jeudi 25 Janvier 1962, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1388.
216
  Nations Unies – A/PV. 1102. Assemblée Générale. Seizième Session. 1102e Séance… p. 1453.
217
  Nations Unies – A/PV. 1089. Assemblée Générale. Seizième Session. 1089e Séance… p. 1293.
218
 Ibidem.
82  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Realismo e de Moderação, o texto propunha que se demonstrasse satisfação pelo


trabalho realizado pelo Subcomité de Angola e se chamasse a atenção do go-
verno português para a implementação das observações, constatações e con-
clusões do seu relatório219. Com a reafirmação do direito do povo angolano à
autodeterminação e à independência, os autores do projeto de resolução en-
tenderam recomendar à Assembleia que reprovasse vivamente as medidas de
repressão e as ações armadas, bem como a negação dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais em Angola. Num conjunto de apelos, dirigidos sob a
forma de convites ao governo português, pretendeu-se reclamar o fim imedia-
to das medidas de repressão, a libertação dos presos políticos e a implementa-
ção de vastas reformas, em particular com a criação de instituições livremente
eleitas e representativas para as quais os poderes deveriam ser transferidos220.
Para que continuasse a desempenhar o seu mandato, o Subcomité de Angola
deveria ser mantido em funções, prevendo o projeto de resolução que adicio-
nalmente estudasse os meios para assegurar a execução da decisão que fosse
adotada pela AG e reportasse por intermédio do Comité de Descolonização.
Num sinal da importância assumida por este último órgão, o documento
avançou que o Comité de Descolonização fosse encarregue de examinar a si-
tuação em Angola com urgência, de forma que o povo angolano pudesse rapi-
damente aceder à independência221. Por se reconhecer o papel que determina-
dos países poderiam desempenhar na solução do problema, aos estados
membros propôs-se solicitar que usassem a sua influência para que o governo
português implementasse a decisão da Assembleia e que, juntamente com as
agências especializadas, negassem todo o apoio e assistência que pudessem ser
empregues na repressão da população angolana. Como houvera a intenção de
evitar medidas penalizadoras, recomendou-se que se pedisse a Portugal que
apresentasse na sessão seguinte da AG um relatório sobre as medidas adotadas
em aplicação da resolução. Dado o historial de intransigência portuguesa, fi-
cou porém estabelecido que se solicitasse ao CS para acompanhar a situação
em Angola222.
Algumas pressões foram exercidas sobre os afro-asiáticos, designadamente pe-
los ocidentais, para se conseguir um texto suficientemente moderado que per-
mitisse o voto favorável. O Brasil, os EUA, a França e o Reino Unido, com
o conhecimento de Portugal, formularam objeções, considerando que a AG
devia abster-se de propor medidas, como a libertação de presos políticos, que

219
  Nations Unies – A/5201. Supplément n.º 1. Rapport Annuel du Secrétaire General sur l’Acti-
vité de l’Organisation. 16 Juin 1961-15 Juin 1962. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 53.
220
 Idem. p. 53-54.
221
 Idem. p. 54.
222
 Ibidem.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  83

no momento não poderiam ser aceites pelo governo português223. Contestan-


do-se a linguagem empregue, as referências a “medidas de repressão” foram
consideradas demasiado categóricas e empregues injustificadamente. Outros
parágrafos foram entendidos como não tendo reconhecido os atos de violência
cometidos pelos que lutavam contra Portugal ou como tendo sido redigidos
em termos demasiado genéricos224. A pedido de Salamanca – que sabia que
fora acordado entre os norte-americanos e os britânicos que o Subcomité de
Angola deveria continuar em funções, mas que não queria ficar na dependên-
cia do Comité de Descolonização – foi sugerido pelos EUA a supressão da
alínea que pretendia que as conclusões fossem reportadas através desse ór-
gão225. Como afirmaram que não se devia condicionar as escolhas da popula-
ção angolana, os norte-americanos consideraram a omissão da palavra “auto-
determinação” como grave, propondo a sua introdução antes de “indepen-
dência”226. Declarando que o objetivo final era a criação de um Estado
independente, várias delegações opuseram-se às propostas norte-americanas,
que, por não terem sido aceites pelos autores do projeto de resolução, foram
objeto de pedidos de votação separada.
Como as poucas intenções de voto formuladas anteciparam, a proposta socia-
lista, que quase não mereceu atenção, foi rejeitada. Portugal tentou que os
EUA, o Reino Unido, a França e o Brasil, com o argumento de que o projeto
era inaceitável, votassem contra o texto afro-asiático227. Sem desistir dos esfor-
ços moderadores, os EUA envolveram-se numa discussão sobre a votação sepa-
rada do parágrafo que pretendia que o povo angolano acedesse rapidamente à
independência228. Afirmando que tinham conseguido um equilíbrio frágil, os
afro-asiáticos solicitaram aos EUA que não insistissem no pedido229. Indiferen-
tes aos apelos, os norte-americanos forçaram a votação separada, o que permi-
tiu a rejeição dos parágrafos que continham referências à independência e ao
papel de intermediário do Comité de Descolonização230. Com as modificações
introduzidas, que fragilizaram o texto, o projeto de resolução acabou por ser

223
  Nations Unies – A/PV. 1099. Assemblée Générale. Seizième Session. 1099e Séance Plénière.
Vendredi 26 Janvier 1962, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1419.
224
  Nations Unies – A/PV. 1102. Assemblée Générale. Seizième Session. 1102e Séance… p. 1453.
225
  AHD, Fundo POI, Mç. 165, Processo XM-1, Ano de 1962, Vol. V, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 30 de Janeiro de 1962, p. 1.
226
  Nations Unies – A/PV. 1102. Assemblée Générale. Seizième Session. 1102e Séance… p. 1458.
227
  AHD, Fundo POI, Mç. 165, Processo XM-1, Ano de 1962, Vol. V, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 23 de Janeiro de 1962, p. 2.
228
  Nations Unies – A/PV. 1102. Assemblée Générale. Seizième Session. 1102e Séance... p. 1454-
-1461.
229
 Idem. p. 1459.
230
 Idem. p. 1462.
84  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

adotado por quase unanimidade, contando unicamente com os votos contra da


África do Sul e da Espanha, mais a abstenção da França. A atitude intransigen-
te do governo português impediu demonstrações de solidariedade, resultando
a aprovação da resolução num isolamento virtual do país, deixando poucas
dúvidas de que poderia no futuro ser confrontado com ataques mais veemen-
tes231. Tornando-se na resolução 1742 (XVI), de 30 de janeiro, o texto afro-
-asiático poderá ser interpretado como resultante de um compromisso sobre
questões de princípio, não obstante as considerações particulares de determina-
dos países. Não tendo os afro-asiáticos conseguido fazer vingar a sua interpre-
tação, a resolução integrou uma conceção maximalista da ideia de autodetermi-
nação suficientemente ampla para permitir diferentes entendimentos.

Um Documento Político e não Simplesmente Informativo


Na resolução 1699 (XVI) fora determinado o estabelecimento de um comité
especial encarregue de examinar as informações disponíveis sobre as colónias
portuguesas. Mandatado a reportar à AG ou a qualquer outro órgão encarre-
gue da implementação da resolução 1514 (XV), o Comité Especial para os
Territórios sob Administração Portuguesa transmitiu o seu relatório ao Comi-
té de Descolonização, ficando implicitamente na sua dependência. Em com-
paração com o Subcomité de Angola, o órgão, também conhecido como Co-
mité dos Sete, tinha uma composição bastante desfavorável aos interesses
portugueses. Os afro-asiáticos, sem que nenhum país alinhado com o bloco
ocidental tivesse manifestado interesse em participar, estavam em maioria232.
Do Comité faziam parte a Bulgária, Ceilão, Colômbia, Chipre, Guatemala,
Guiné e Nigéria. Para a direção foram eleitos Zenon Rossides (Chipre), como
presidente, Achkar Marof (Guiné), como vice-presidente, e H. O. Wijegoona-
wardena (Ceilão), como relator.
Pretendendo efetuar um estudo sobre os territórios enumerados na resolução
1542 (XV), o Comité decidiu que São João Baptista de Ajudá, Goa, Damão e
Diu não recaiam no âmbito do seu mandato por terem deixado de estar sub-
metidos à administração portuguesa, o que resultou num reconhecimento de
facto da integração no Daomé e na União Indiana233. Realizando a maioria das

231
  ANTT, AOS/CO/NE-30B-7, EUA, Relato da Conversa entre Franco Nogueira e o Embaixa-
dor dos EUA, Charles Elbrick, Realizada em 13 de Fevereiro de 1962, p. 33-34.
232
 AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/00573, Processo
GG-7-7, ONU, Informação de Serviço da Missão de Portugal na ONU, Elaborada por António
Patrício a 5 de Abril de 1962, p. 1.
233
 AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/00573, Processo
GG-7-7, ONU, Informação de Serviço da Missão de Portugal na ONU, Elaborada por António
Patrício a 26 de Abril de 1962, p. 2.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  85

suas sessões à porta fechada (entre março-agosto), a principal preocupação do


Comité foi reunir as fontes de informação mais “atualizadas e autênticas” so-
bre as colónias portuguesas, privilegiando as de natureza política234. Docu-
mentos de enquadramento preparados pelo Secretariado foram distribuídos
pelos membros, propondo-se que para o contexto angolano fosse utilizado o
relatório do Subcomité de Angola, com o qual houve uma concertação de es-
forços para evitar a sobreposição de funções235. À semelhança do procedimen-
to adotado pelo Subcomité de Angola, foi determinado, como primeira medi-
da, o contacto com o governo português para solicitar a sua colaboração236.
No seguimento de uma troca de correspondência, Zenon Rossides, que teve
uma atuação em parte idêntica à de Salamanca, pediu, tal como o Subcomité
de Angola fizera, facilidades para visitar as colónias portuguesas.
Sem ter conseguido a colaboração portuguesa, o Comité decidiu de forma
unânime que as audições e as petições seriam a sua mais importante fonte de
informação237. Numa adaptação das práticas das NU, novos procedimentos
foram empregues em matéria de audições, designadamente com a aceitação do
anonimato dos peticionários238. Disponibilizando-se a ouvir todos, sem restri-

234
  United Nations – A/5160 and Add. 1 and 2. Report of the Special Committee on Territories
under Portuguese Administration. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 27-28.
235
 AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/00573, Processo
GG-7-7, ONU, Informação de Serviço da Missão de Portugal na ONU, Elaborada por António
Patrício a 5 de Abril de 1962, p. 1-2.
236
  A 13 de março, o Comité enviou uma carta a Franco Nogueira na qual chamou a atenção
para a eventualidade de serem pedidas facilidades para uma visita às colónias portuguesas.
Deixando em aberto a possibilidade de conceder a sua colaboração, o governo português enten-
deu porém condicionar a resposta definitiva ao esclarecimento de algumas questões. Franco
Nogueira pediu para ser informado se o Comité pretendia basear o seu trabalho na resolução
1542 (XV), que mencionava Goa, Damão, Diu e São João Baptista de Ajudá, e que lhe fosse
transmitido as provisões e regras que autorizavam a decisão de ouvir peticionários e a pretensão
de visitar as colónias. O governo português afirmou determinar a sua posição quando fosse
notificado da visita do Comité a Goa, Damão e Diu e das suas conclusões quanto à forma como
a resolução 1514 (XV) estava a ser implementada nesses territórios. Com dúvidas quanto à
sinceridade da proposta portuguesa, Rossides, em carta datada de 19 de abril, transmitiu o en-
tendimento do Comité de que qualquer aceitação por Portugal da possibilidade de visita a um
dos territórios deveria ser estendida às restantes colónias, que detinham o mesmo estatuto cons-
titucional que Goa, Damão e Diu no momento da adoção da resolução 1542 (XV). Cf. United
Nations – A/5160 and Add. 1 and 2. Report of the Special Committee on Territories… p. 3-4.
237
  Para se dar a conhecer aos que pretendiam ser ouvidos, o Comité aprovou uma declaração
sobre as suas atividades e objetivos, que teve uma ampla difusão através do Gabinete de Infor-
mação Pública das NU. Cf. Idem. p. 5
238
  Até então, ao que tudo indica, era prática fazer-se a identificação completa dos peticioná-
rios. Cf. AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/00573, Processo
86  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

ções, o Comité realizou as primeiras audições em Nova Iorque (entre 9-17 de


abril)239. Eduardo Mondlane, para não duplicar os dados então existentes,
centrou o seu depoimento principalmente no problema da mão de obra em
Moçambique e na política educativa do governo português240. Estudante
angolano que vivia no estrangeiro, Soma Valente forneceu informações sobre
o quotidiano das populações, que considerou que eram deliberadamente man-
tidas na ignorância total241. De forma anónima, um peticionário – que sabe-
mos ser Elíseo Figueiredo, estudando angolano em Nova Jérsia – abordou as
condições económicas e sociais em Angola, apresentando detalhes sobre a luta
pela independência e as aspirações das populações242. George Houser, do
ACOA, relatou as suas experiências no norte de Angola, por onde tinha viaja-
do, concluindo que a guerra continuava e que existiam áreas que deixaram de
estar sob controlo das autoridades portuguesas243.
Na sua substância, as declarações dos peticionários foram avaliadas como ten-
do confirmado a necessidade da realização de uma deslocação a África, o que
não estava previsto na resolução 1699 (XV), para obtenção de informações,

GG-7-7, ONU, Informação de Serviço da Missão de Portugal na ONU, Elaborada por António
Patrício a 26 de Abril de 1962, p. 4.
239
  Autorizado a fazer um depoimento, Henrique Galvão, a quem no ano anterior os EUA ti-
nham recusado o visto para se deslocar às NU, não conseguiu comparecer no Comité antes da
conclusão dos trabalhos. A aceitação da audição foi considerada por Portugal como uma nítida
intromissão na política interna portuguesa e uma manifesta contradição com a intenção de
recolher informações atualizadas, uma vez que Galvão não se deslocava às colónias há cerca de
20 anos. Cf. AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/00573, Pro-
cesso GG-7-7, ONU, Informação de Serviço da Missão de Portugal na ONU, Elaborada por An-
tónio Patrício a 5 de Abril de 1962, p. 2-3.
240
  United Nations – A/AC.108/SR. 8. 21 May 1962. Special Committee on Territories under
Portuguese Administration Established under General Assembly Resolution 1699 (XVI). Summary
Record of the Eighth Meeting Held at Headquarters, New York, on Monday, 9 April 1962, at 10.55
a.m. s.l.: s.n., s.d. p. 4.
241
  United Nations – A/AC.108/SR. 12. 15 May 1962. Special Committee on Territories under
Portuguese Administration Established under General Assembly Resolution 1699 (XVI). Summary
Record of the Twelfth Meeting Held at Headquarters, New York, on Wednesday, 11 April 1962, at
3.35 p.m. s.l.: s.n., s.d. p. 3.
242
  United Nations – A/AC.108/SR. 14. 15 May 1962. Special Committee on Territories under
Portuguese Administration Established under General Assembly Resolution 1699 (XVI). Summary
Record of the Fourteenth Meeting Held at Headquarters, New York, on Tuesday, 17 April 1962, at
11 a.m. s.l.: s.n., s.d. p. 3.
243
  United Nations – A/AC.108/SR. 15. 15 May 1962. Special Committee on Territories under
Portuguese Administration Established under General Assembly Resolution 1699 (XVI). Summary
Record of the Fifteenth Meeting Held at Headquarters, New York, on Tuesday, 17 April 1962, at
3.25 p.m. s.l.: s.n., s.d. p. 4
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  87

consideradas de particular importância, sobre os acontecimentos posteriores a


1960. Por unanimidade, o Comité decidiu visitar o Tanganica, Congo (Leo-
poldville), Gana, Guiné, Senegal, Marrocos, Nigéria e República Árabe Uni-
da. Como em alguns desses países, designadamente nos dois últimos, não
existiam peticionários, o critério que parece ter determinado a escolha foi a
existência de fronteiras com as colónias portuguesas e a posição de militância
contra Portugal244. Não foram incluídos o Congo (Brazzaville), que não deu
resposta favorável ao pedido de visita, e os territórios administrados pelo Rei-
no Unido, que informou que, dada a sua oposição à audição de peticionários,
não podia prestar assistência ao órgão245. Sem a participação de Rossides –
substituído nas funções de presidente por Achkar Marof –, o Comité visitou
os países pela ordem mencionada, organizando (de 8 de maio a 15 de junho)
30 reuniões, 27 das quais dedicadas a audições.
Os membros do Subcomité tentaram sobretudo determinar o efeito produzi-
do pelas reformas introduzidas por Portugal e as medidas que estavam a ser
implementadas para a satisfação das aspirações das populações246. Verificaram-
-se as mesmas dificuldades experimentadas pelo Subcomité de Angola quanto
à falta de critérios de seleção dos peticionários, reconhecendo-se a posteriori a
necessidade de se determinar a validade dos testemunhos antes de serem con-
cedidas audições247. Foram ouvidos representantes de organizações políticas,
sindicais, feministas e estudantis, grupos de refugiados, desertores do exército
português, individualidades e movimentos de países com afinidades com a
luta nas colónias portuguesas. Em geral, os depoimentos colocaram a ênfase
nas condições de vida, revelando a falta de oportunidades educativas, a inexis-
tência de direitos políticos, o carácter arbitrário da justiça, a prática de castigos
corporais ou o sistema de trabalhos forçados248. Tornando-se num tema recor-

244
  AHD, Fundo POI, Mç. 141, Processo XH-Geral, Ano de 1962, Vol. III, Informação de
Serviço sobre o Comité dos Sete, Elaborada por António Patrício a de 5 de Abril de 1962, p. 4.
245
  United Nations – A/5160 and Add. 1 and 2. Report of the Special Committee on Territories…
p. 6.
246
 Idem. p. 5.
247
  Em Dar es Salam, onde foram analisadas as condições em Moçambique, o governo do Tan-
ganica, dando especial atenção à visita, publicou na imprensa um anúncio convocando os pos-
síveis interessados em participar nas sessões. Elementos do partido no poder, o Tanganyika
African National Union (TANU), ajudaram na preparação dos depoimentos, organizando reu-
niões especiais onde os peticionários ensaiaram as suas intervenções. Cf. AHD, Fundo GNP do
MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/00572, ONU, Relatório Elaborado pelo Consulado
Geral de Portugal em Salisbúria, de [ant. 29 de Agosto de 1962], p. 1.
248
 United Nations – A/AC.108/SR. 40. Special Committee of Territories under Portuguese
Administration Established under General Assembly Resolution 1699 (XVI). Summary Records of
the Fortieth Meeting Held at the Arden Hall, Accra, on Friday, 1 June 1962. s.l.: s.n., s.d. p. 3.
88  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

rente, denunciado pela generalidade dos peticionários como um procedimen-


to quotidiano nas colónias portuguesas, as referências ao trabalho forçado
traduziram a vontade de aproveitamento do debate internacional que estava
em curso devido à queixa apresentada pelo Gana contra Portugal na Organi-
zação Internacional do Trabalho (OIT) por violação da convenção (de 1957)
sobre a questão (Monteiro, 2012).
Os peticionários reclamaram de forma unânime a independência, contestando
o estatuto político, jurídico, administrativo e constitucional dos territórios249.
Denunciando o reforço das tropas portuguesas, entendido como destinado a
perpetuar o regime colonial pela força, transmitiram ao Comité que o desenca-
dear da luta armada nas restantes colónias estava eminente250. Num universo
diverso de peticionários, ficou demonstrada a falta de unidade e as profundas
divisões que afetavam as organizações anticoloniais, designadamente as angola-
nas (Sousa, 2011: 253-254). Numa atitude que se pretendia de neutralidade e
objetividade, o Comité exigiu provas das afirmações produzidas, o que não
impediu que Portugal considerasse o processo de inquirição como “sinistra-
mente unilateral”251. Alguns membros do Comité, como a Guiné, não escon-
deram a simpatia em relação aos peticionários, enquanto os países latino-ame-
ricanos, com as questões sobre o impacto das organizações nas colónias e as
características que as distinguiam entre si, tiveram um comportamento que se
poderá considerar ambivalente ou inclusivamente pró-português252.
À semelhança do ocorrido com o Subcomité de Angola, as audições não foram
alheias a interferências portuguesas253. Para evidenciar as divergências entre as

249
 United Nations – A/AC.108/SR. 44. Special Committee of Territories under Portuguese
Administration Established under General Assembly Resolution 1699 (XVI). Summary Records of
the Forth-Fourth Meeting Held at the National Assembly Hall, Conakry, on Tuesday, 5 June 1962.
s.l.: s.n., s.d. p. 3.
250
  United Nations – A/AC.108/SR. 23. Special Committee of Territories under Portuguese Ad-
ministration Established under General Assembly Resolution 1699 (XVI). Summary Records of the
Twenty-Third Meeting Held in the Parliament Building, Dar es Salaam, on Monday, 14 May
1962. s.l.: s.n., s.d. p. 3.
251
  AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/00572, ONU, Relatório
Elaborado pelo Consulado Geral de Portugal em Salisbúria, de [ant. 29 de Agosto de 1962], p. 2.
252
  AHD, Fundo POI, Mç. 144, Processo XH-Geral, Ano de 1962, Vol. IV, Informação de
Serviço sobre a Viagem a África do Comité dos Sete, de 18 de Julho de 1962, p. 6.
253
  Numa mensagem enviada ao gabinete da Operação das Nações Unidas no Congo aquando
das sessões do Comité em Leopoldville, o encarregado de negócios português, Sequeira Freire,
indicou que uma pequena delegação poderia visitar Angola, com a condição dos representantes
da Guiné e da Bulgária não estarem presentes, uma vez que tinham provado ter ideias precon-
cebidas. Ainda que tivesse considerado a proposta inaceitável e um insulto, o Comité informou
que ficaria a aguardar um convite oficial, por escrito, antes de tomar a decisão. Tendo o encar-
regado de negócios prometido remeter o documento após consultar o governo português, o
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  89

organizações anticolonialistas, o MDIA e a NGWIZAKO voltaram a ser instru-


ídos a apresentar depoimentos favoráveis a Portugal, demonstrando hostilidade
à UPA, que entretanto juntamente com o Partido Democrático de Angola
(PDA) constituira a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e o Go-
verno Revolucionário Angolano no Exílio (GRAE)254. Outras declarações fo-
ram organizadas pelo cônsul português em Dakar, Luiz Gonzaga Ferreira, que
mantinha contactos com Barry Mamadou, SG da União Popular para a Liber-
tação da Guiné Portuguesa (UPLG), e com Diallo Ibraim (ou possivelmente
Ibraima Djaló, o “Corona”), da Frente Nacional para a Libertação da Guiné
(FNLG)255. Mesmo tendo produzido afirmações menos agradáveis, indicando
que somente os civilizados podiam beneficiar da assistência de um advogado em
casos de justiça, os representantes de ambos os agrupamentos demonstraram
admiração pela ação portuguesa, concedendo apoio à política seguida na Guiné
(Bissau) e manifestando o desejo que tivesse continuidade256.
Petições escritas, relatórios e declarações entregues por inúmeras entidades
completaram o restante processo de inquirição257. Estando bem documentada,
a intervenção portuguesa na redação de parte dos documentos foi efetuada
com recurso às organizações que financiava258. O Ntobako Angola, liderado
por Angelino Alberto e que se tinha proposto fazer propaganda contra argu-

convite escrito para a visita a Angola nunca foi enviado. Cf. United Nations – A/5160 and Add.
1 and 2. Report of the Special Committee on Territories… p. 4-5.
254
  AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/00572, ONU, Aponta-
mento do GNP do MU, Elaborado por Manuel Fernandes Costa a 10 de Julho de 1962, p. 14-15.
255
  AHD, Fundo POI, Mç. 223, Aerograma do Consulado de Portugal em Dakar para o MNE,
de Setembro de 1962, p. 7.
256
  AHD, Fundo POI, Mç. 144, Processo XH-Geral, Ano de 1962, Vol. V, Apontamento Ela-
borado pelo Cônsul de Portugal em Dakar sobre as Reuniões do Comité dos Sete Realizadas nessa
Cidade, de 19 de Junho de 1962, p. 3.
257
  Em Rabat, as intervenções ficaram marcadas por um incidente protagonizado pelo repre-
sentante da Colômbia, que reservou o direito de aceitar ou rejeitar – com a justificação de que
se inspiravam em ideais muito diferentes das verdadeiras aspirações dos povos das colónias
portuguesas – a declaração da União Geral dos Estudantes da África Negra sob Dominação
Portuguesa (UGEAN). Anteriormente, em Dakar, uma das declarações fora desvalorizada pela
Colômbia por o peticionário não ter conseguido apresentar provas de que soldados espanhóis,
usando uniformes portugueses, estavam a ser empregues na repressão aos movimentos antico-
loniais na Guiné (Bissau). Cf. United Nations – A/AC.108/SR. 52. Special Committee of Territo-
ries under Portuguese Administration Established under General Assembly Resolution 1699 (XVI).
Summary Records of the Fifth-Second Meeting Held at the National Assembly Building, Rabat, on
Friday, 15 June 1962. s.l.: s.n., s.d. p. 3.
258
  A Goan Association, com sede no Quénia, onde existia uma comunidade de goeses, enviou
uma carta ao SG, que não foi referida no relatório do Comité dos Sete, o que Portugal entendeu
que confirmava a parcialidade do órgão. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 144, Processo XH-Geral,
Ano de 1962, Vol. V, Carta de João Hall Themido para Vasco Garin, de 27 de Agosto de 1962, p. 1.
90  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

mentos antiportugueses, apresentou um texto no qual afirmava, sem reivindi-


car a independência, desejar colaborar com Portugal e denunciava a UPA e o
MPLA como extremistas e racistas, que recebiam auxílio de países africanos259.
Umaru Gano, um guineense de etnia Fula que aproveitara a presença do
Comité em Dakar para juntamente com o Consulado de Portugal criar a
União dos Naturais da Guiné Portuguesa (UNGP), defendeu num outro
documento, que não seria referido no relatório do órgão, a independência por
etapas e a formação de quadros como condição prévia para a autonomia260.
Considerando haver vantagem em praticar diligências junto dos países latino-
-americanos membros do Comité, o governo português tentou que se demar-
cassem do relatório261. Com a cumplicidade da Espanha, Portugal conseguiu
que a Colômbia e a Guatemala instruíssem os seus representantes a não subs-
creverem o texto, com o argumento de que se tratava de Um Documento Polí-
tico e não Simplesmente Informativo262. Não se limitando aos aspetos económi-
cos, sociais e educativos, como era de se esperar uma vez que o Comité dos
Sete fora criado no âmbito do Capítulo XI da Carta, o relatório (entregue a 24
de agosto) deverá ser compreendido no contexto da grande liberdade de ação
que a AG adquirira com a resolução 1514 (XV), que reforçara a predisposição
para o exame de informações de natureza política. O documento dificilmente
poderá ser considerado como ultrapassando os termos de referência do órgão
ou como uma interferência na jurisdição interna portuguesa, como pretendi-
do pela Colômbia263.
Num claro contraste com o relatório do Subcomité de Angola, ao do Comité
dos Sete ficaram associadas considerações nitidamente desfavoráveis à política
colonial portuguesa, numa linguagem afirmativa e direta, isenta de ambigui-
dades. Com as questões analisadas pelos dois órgãos a serem na sua substância
coincidentes, o relatório do Comité teve porém uma inclinação marcadamen-
te analítica e não tanto descritiva. Ao contrário de Salamanca, que evitara
apresentar recomendações, o relatório entendeu avançar soluções, algumas de

259
  AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/00572, ONU, Aponta-
mento do GNP do MU, Elaborado por Manuel Fernandes Costa a 10 de Julho de 1962, p. 15.
260
  AHD, Fundo POI, Mç. 144, Processo XH-Geral, Ano de 1962, Vol. V, Apontamento sobre
as Reuniões do Comité dos Sete em Dakar, Elaborado pelo Cônsul de Portugal a 19 de Junho de
1962, p. 5-19.
261
  AHD, Fundo POI, Mç. 144, Processo XH-Geral, Ano de 1962, Vol. IV, Carta de J. M.
Fragoso a Salvador Augusto de Sousa Sampayo Garrido, Embaixador de Portugal em Bogotá, de 5
de Julho de 1962, p. 2-3.
262
  ANTT, AOS/CD-2-5, Salvador de Sampaio Garrido, Instruções Enviadas pelo Ministério das
Relações Exteriores da Colômbia ao Representante do País na ONU a 8 de Agosto de 1962, p. 192.
263
 Ibidem.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  91

ordem genérica e outras mais específicas264. A tendência para se estabelecer


um equilíbrio, como a pretensão de imparcialidade do Subcomité de Angola
determinara, entre a versão portuguesa e os testemunhos recolhidos, esteve
completamente ausente do relatório do Comité dos Sete. O documento inte-
grou a informação recolhida dos peticionários, subscrevendo em larga medida
as suas opiniões. Deixando de fora as afirmações das organizações com liga-
ções a Portugal, a redação do texto poderá contudo ter sido condicionada pelo
governo português. Uma carta do MU ao Governador de Cabo Verde, em que
se considerava que a parte referente ao território fora elaborada com “excep-
cional honestidade”, indicou que cabo-verdianos residentes nos EUA fornece-
ram a documentação citada pelo Comité265. Do mesmo modo, o Ministério
informou que determinados parágrafos do relatório tinham sido elaborados
por um organismo português de propaganda266.
Para o estudo da situação nas colónias portuguesas, o relatório entendeu ana-
lisar o período até 31 de dezembro de 1960, abrangendo aspetos como o go-
verno, a organização administrativa e judiciária, os direitos civis e políticos, o
estatuto dos habitantes, a liberdade política, a educação, a saúde, o trabalho e
a economia267. A principal conclusão apontou para a existência de uma subju-
gação das colónias, dando-se relevo à dificuldade em conciliar as afirmações
portuguesas com os resultados práticos da sua ação268. Fazendo o exame das
condições de vida, incluindo em Timor e Macau, para o período de 1950-
-1960 o relatório ressaltou a existência de progressos ligeiros e de natureza li-
mitada, representando uma contribuição modesta para as necessidades exis-
tentes269. Quanto à realidade pós-1960, com recurso à informação prove-
niente de fontes diversas, foram analisadas as aspirações das populações, a re-
ação portuguesa, as medidas de repressão, as alterações na organização judicial
e administrativa, os desenvolvimentos entretanto ocorridos a nível económi-
co, social e educativo, bem como o efeito das reformas270. Que cada vez mais

264
  O relatório era composto por quatro partes, destinadas a apresentar a organização do traba-
lho do Comité, a revisão da situação nos territórios portugueses antes e depois de dezembro de
1960 e as observações, conclusões e recomendações do órgão.
265
 AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/12889, Processo
GG-7-7, ONU, Carta do GNP do MU para o Governador da Província de Cabo Verde, de 16 de
Janeiro de 1963, p. 1-2.
266
 Ibidem.
267
  United Nations – A/5160 and Add. 1 and 2. Report of the Special Committee on Territories…
p. 9-27.
268
 Idem. p. 16-17.
269
 Idem. p. 22.
270
 Idem. p. 27-44.
92  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

os africanos, em resultado do aumento da consciência nacionalista,


sentiam a necessidade de mudança e que Portugal respondera com o aumento
dos contingentes militares e o endurecimento das medidas de segurança foram
consideradas como evidências da degradação das relações entre o governo por-
tuguês e as colónias271. Notando que não havia interesse em desenvolver os
territórios, a não ser que isso beneficiasse Portugal, o relatório reconheceu que
houve pouca ou nenhuma alteração substancial no quotidiano das popula-
ções, não obstante as reformas empreendidas272.
Admitindo-se que a situação nas colónias portuguesas representava uma séria
preocupação para a comunidade internacional, as observações, conclusões e
recomendações do Comité tiveram um sentido único, procurando demons-
trar que as reformas não solucionaram os problemas. O fator tempo foi consi-
derado como a questão essencial na procura de uma solução pacífica, reconhe-
cendo-se que a intransigência portuguesa poderia obrigar os africanos – que se
pensava que ainda tinham esperanças na via negocial – a recorrer às armas273.
Na sua substância, as recomendações do Comité apresentaram o esboço de
um programa de descolonização, reunindo propostas anteriormente avança-
das nas discussões da AG274. O programa de descolonização pretendia que a
medida mais urgente era o reconhecimento por Portugal do direito dos povos
das suas colónias à independência. Sem que tivesse havido referências à auto-
determinação, o Comité entendeu que a independência tinha de ser imediata-
mente concedida de acordo com as aspirações das populações. De igual modo,
foi recomendado que o Estado português cessasse a ação armada em Angola,
abstendo-se de realizar medidas repressivas e retirando todas as forças militares
e de outro tipo que estivessem no território. O anúncio de uma amnistia
política incondicional e a criação de condições para o livre funcionamento de
partidos políticos foram apresentadas como condições para se preparar o
caminho para negociações, que teriam de ser iniciadas imediatamente, para a

271
 Idem. p. 30.
272
  Idem. p. 40.
273
 Idem. p. 47.
274
  Aquando do debate sobre o relatório do Subcomité de Angola, a Guiné propusera a adoção
das seguintes medidas: 1) a cessação imediata das ações de repressão; 2) a libertação de todos os
presos políticos; 3) o regresso, sem ameaças de sanções, dos nacionalistas que se encontravam
no exílio; 4) a recusa, da parte dos aliados da NATO, de conceder a Portugal qualquer ajuda ou
assistência suscetíveis de serem utilizadas contra o povo angolano; 5) um embargo total sobre o
envio de armas e munições para Angola; 6) a retirada das tropas portuguesas encarregues de
intensificar a repressão; 7) e uma amnistia geral e incondicional para todos os factos ligados aos
acontecimentos políticos que tiveram lugar no território. Cf. Nations Unies – A/PV. 1098.
Assemblée Générale. Seizième Session. 1098e Séance Plénière. Vendredi 26 Janvier 1962, à 10h30.
Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1407.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  93

transferência do poder para instituições livremente eleitas e representativas das


populações275.
As demais considerações serviram de fundamentação para o enquadramento
da questão colonial portuguesa no âmbito do Capítulo VII da Carta, a apre-
sentação de um conjunto de medidas a serem implementadas, a solicitação
da aplicação de decisões que se assemelhavam a sanções e o reforço da com-
petência das NU quanto à questão. A recusa portuguesa em cumprir as suas
obrigações, a atividade militar em Angola e a repressão nas outras colónias
foram qualificadas como representando inequivocamente uma séria ameaça
à paz e à segurança internacionais276. Recomendações urgentes para a melho-
ria das condições de vida nos territórios, ao nível da preparação de quadros,
do ensino, da saúde e da participação no desenvolvimento económico, foram
avançadas com o entendimento de que somente poderiam ser alcançadas
pelas próprias populações num contexto de autogoverno e com o apoio bila-
teral e multilateral, designadamente das agências especializadas277. Ao se con-
siderar como provado que equipamento militar e de outro tipo, fornecido
nomeadamente pela NATO, estava a ser extensivamente usado, o Comité
recomendou a adoção de medidas imediatas para o fim da assistência e o
embargo à venda e ao fornecimento de armas a Portugal278. Avaliando como
necessário que se mantivesse sob vigilância os desenvolvimentos nos territó-
rios portugueses, foi proposto o estabelecimento de uma entidade dedicada
ao estudo da situação, que deveria ter liberdade para reportar quando neces-
sário à AG ou a qualquer órgão encarregue da implementação da resolução
1514 (XV)279. Ações apropriadas para assegurar o cumprimento das disposi-
ções da Carta, das resoluções adotadas e das recomendações do relatório
foram consideradas como devendo resultar do exame desenvolvido pelo
Comité, que, mesmo condicionado pelas limitações induzidas por Portugal,
colocou o país numa posição embaraçosa.

De Todos o Mais Moderado


Em resultado da constituição de órgãos e da multiplicação de resoluções
como forma de pressão sobre Portugal, em meados de 1962 tornou-se evi-
dente uma certa sobreposição de funções. Simultaneamente à redação do re-
latório do Comité Especial para os Territórios sob Administração Portuguesa,

275
  United Nations – A/5160 and Add. 1 and 2. Report of the Special Committee on Territories...
p. 48.
276
 Ibidem.
277
 Idem. p. 46.
278
 Idem. p. 48.
279
 Ibidem.
94  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

o Comité de Descolonização empreendeu as suas primeiras iniciativas. Com


um campo de ação vasto, o Comité, para não atuar de forma abstrata como
pretendido por algumas delegações, reportou-se a casos específicos, nomea-
damente às colónias africanas280. Na sua ordem de trabalhos ficou previsto
o exame conjunto da situação em Moçambique e nas restantes colónias por-
tuguesas, sendo que Angola deveria ser objeto de um estudo separado.
Em consequência da falta de tempo, somente Moçambique e Angola foram
porém examinados, ficando decidido que nas sessões seguintes se atribuiria
prioridade aos outros territórios281. No desempenho do seu mandato, o
Comité de Descolonização operou não como um órgão técnico, que se limi-
tou a recolher informações, mas como uma entidade para a tomada de deci-
sões destinadas a serem implementadas (Barbier, 1974: 18). Na ausência da
cooperação portuguesa, que recusou qualquer diálogo por não reconhecer a
legitimidade do órgão, o Comité realizou reuniões em África, recolhendo
testemunhos de peticionários. Foi aprovado um projeto de resolução sobre
Moçambique (em agosto) e um outro quase idêntico relativamente a Angola
(em setembro), que reconheceram o direito inalienável à autodeterminação e
à independência de ambos os territórios282.
Quase em simultâneo, no espaço de alguns meses, a situação angolana, estan-
do a guerrilha circunscrita a determinadas regiões ainda que se tentasse dar-lhe
um carácter mais amplo, foi debatida no Comité Especial para os Territórios
sob Administração Portuguesa, no Comité de Descolonização, no Subcomité
de Angola e no Comité de Informações para os Territórios não Autónomos
(Pélissier e Wheeler, 2009: 283). A preocupação com a necessidade de coorde-
nação de tarefas, para evitar duplicações de trabalho, determinou a clarificação
das funções dos vários órgãos. O Subcomité de Angola entendeu assumir o
estudo dos desenvolvimentos ocorridos no período entre 13 de novembro de
1961 e 8 de novembro de 1962, centrando a sua atenção nos aspetos políticos

280
  Nations Unies – A/5238. Rapport du Comité Spécial Chargé d’Étudier la Situation en ce qui
Concerne l’Application de la Déclaration sur l’Octroi de l’Indépendance aux Pays et aux Peuples
Coloniaux (Pour la Période du 20 Février au 19 Septembre 1962). Canadá: s.n., 1963. p. 7-8.
281
  A URSS solicitou que a questão de Angola fosse a primeira a ser debatida no Comité de
Descolonização, o que acabou por não se verificar. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 165, Processo
XM-1, Ano de 1962, Vol. VI, Cópia de Carta de Jaime de Piniés, Representante da Espanha na
ONU, para o Ministro dos Assuntos Exteriores da Espanha, de 2 de Março de 1962, p. 1.
282
  Os projetos de resolução do Comité de Descolonização não foram analisados pela IV Co-
missão e pelo plenário por ter sido decidido que as decisões seriam adotadas no âmbito do es-
tudo dos relatórios do Comité dos Sete. Cf. Nations Unies – A/PV. 1167. Assemblée Générale.
Dix-Septième Session. 1167e Séance Plénière. Mercredi 7 Novembre 1962, à 15 heures. Nova Ior-
que: s.n., 1962. p. 768.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  95

e de segurança283. O órgão determinou preocupar-se sobretudo com os distúr-


bios e conflitos posteriores aos factos relatados no primeiro relatório, as novas
medidas repressivas e ações armadas contra as populações, a situação dos refu-
giados, a questão dos prisioneiros políticos, a implementação das reformas
anunciadas pelo governo português (nomeadamente o eventual estabeleci-
mento de instituições livremente eleitas), as implicações para a paz e a segu-
rança internacionais e a possibilidade de uma solução pacífica284. Em ligação
com os seus termos de referência, o Subcomité decidiu também examinar as
formas e os meios – bons ofícios, contactos formais e informais e outras abor-
dagens diplomáticas – para assegurar que Portugal implementasse a resolução
1742 (XV)285.
Na organização do trabalho foi decidido proceder em primeira instância à re-
colha de informações, incluindo as de natureza oficial e de outras fontes por-
tuguesas286. Com recurso a contactos formais e informais, foram renovados os
esforços para a obtenção da cooperação do governo português, entendida
como essencial para se alcançar os objetivos da ONU. Os estados membros
considerados como estando em condições de influenciar Portugal – Brasil,
Espanha, EUA e Reino Unido – parecem ter sido abordados para desenvolve-
rem os seus bons ofícios287. Apesar dos esforços em particular dos EUA e da
Espanha, que indicaram ser do interesse de Portugal colaborar com o órgão, as
iniciativas informais com recurso a outros países não assumiram porém a mes-
ma importância de outrora288. O papel de intermediário que o governo espa-
nhol desempenhara, bem documentado aquando da elaboração do primeiro
relatório, não parece ter tido continuidade. A influência que Carlos Salaman-
ca exercera, que o tornara no mais importante defensor da posição portuguesa
no órgão, não voltou igualmente a verificar-se. Ao que tudo indica, Salamanca

283
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, Symbol DAG-4/4.2, Archive Group:
Political and Security Council Affairs, Subgroup: Security Council and Political Committee
Division, Series: Files of the Sub-Committee on the Situation in Angola, Box: 2, Co-ordination
of Work of the Sub-Committee and Special Committee, Carta de Ralph Enckell, Presidente em
Exercício do Subcomité de Angola, para Zenon Rossides, Presidente do Comité Especial para os Ter-
ritórios sob Administração Portuguesa, de 1 de Maio de 1962, p. 1.
284
 Ibidem.
285
 Idem. p. 1-2.
286
  United Nations – A/5286. 14 November 1962. Report of the Sub-Committee on the Situation
in Angola. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 6.
287
  AHD, Fundo POI, Mç. 165, Processo XM-1, Ano de 1962, Vol. VI, Cópia de Carta de
Jaime de Piniés, Representante da Espanha na ONU, para o Ministro dos Assuntos Exteriores da
Espanha, de 2 de Março de 1962, p. 2.
288
  ANTT, AOS/CO/NE-30-7, EUA, Relato da Conversa entre Franco Nogueira e Dean Rusk, no
Palácio das Necessidades, em 27 de Junho de 1962, p. 162.
96  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

ficara ressentido com os comentários de Portugal, tendo as suas relações com


os representantes portugueses sido estritamente institucionais, afastando-se do
carácter pessoal assumido meses antes.
Um maior rigor parece ter determinado as atividades do Subcomité (empreen-
didas entre fevereiro e novembro de 1962), ficando decidido a realização de
inquéritos sobre as afirmações portuguesas suscetíveis de verificação sem uma
deslocação a Angola. Ao representante da Cruz Vermelha Congolesa e ao Alto
Comissário das NU para os Refugiados (ACNUR) foram solicitados dados
quanto ao número de refugiados angolanos no Congo (Leopoldville) e, em
particular, sobre os que teriam regressado a Angola289. Entendendo que não
devia permitir que a falta de cooperação portuguesa constituísse um obstácu-
lo, o Subcomité decidiu continuar a prática anterior de recolher informações
de outras fontes. Em Nova Iorque, foram ouvidos depoimentos de indivíduos
originários de Angola, de pessoas que viveram ou tinham estado recentemente
no território e de outras que contactaram com a população angolana290. Infor-
mações adicionais foram recolhidas em petições escritas de agrupamentos
angolanos e de ONG, determinando-se, para a obtenção de elementos atuali-
zados sobre aspetos políticos e militares, uma nova deslocação ao Congo
(Leopoldville). Nas sessões em África, o Subcomité (de 18-25 de agosto) en-
trou em contacto com refugiados nas áreas de Matadi e Thysville, junto da
fronteira com Angola. O processo de inquirição foi conduzido de forma anó-
nima, com a proteção da identidade das testemunhas, para se evitar eventuais
represálias291. As testemunhas ouvidas foram duas pessoas que visitaram o nor-
te de Angola no início do ano, vítimas de ataques do exército português, um
jornalista estrangeiro, sobreviventes que escaparam a perseguições, refugiados
que chegaram ao Congo (Leopoldville) nos meses anteriores, membros da
etnia Bailundo e um indivíduo que vivera no sul do território.
As condições das audições não parecem ter sido muito diferentes das reali-
zadas anteriormente pelo Subcomité, ficando comprovadas as interferên-
cias portuguesas para condicionar o processo. Os agrupamentos políticos
inquiridos foram mais numerosos do que os ouvidos na primeira viagem ao
Congo (Leopoldville), registando-se uma maior diversidade de pretensões.
Ainda que o objetivo da independência tivesse sido defendido por todos, as
organizações continuaram a divergir, dando a conhecer as suas diferenças
políticas e as suas disputas. As discordâncias entre a FNLA e o MPLA foram
as mais valorizadas pelo Subcomité, que assinalou que, não obstante os apelos

289
  United Nations – A/5286. 14 November 1962. Report of the Sub-Committee… p. 16.
290
 Idem. p. 6.
291
 Idem. p. 12.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  97

à formação de uma frente unida, as duas organizações continuavam sem con-


seguir conjugar esforços292. Outras organizações, resultantes de transforma-
ções e de ruturas, acrescentaram ao processo de inquirição uma dificuldade
adicional, tornando quase impossível determinar a extensão do apoio que
teriam. O Movimento Nacional Angolano (MNA*), anteriormente com a
designação de Frente Nacional Angolana (FNA), afirmou favorecer a criação
de uma coligação para a independência imediata, que poderia contar com a
participação dos partidos políticos que desejassem promover a união293. Esta-
belecida em Benguela, por angolanos de origem europeia, a Frente de Unida-
de Angolana (FUA) indicou estar a trabalhar para congregar os que defen-
diam a independência294.
Em resultado dos inúmeros fatores que exerciam a sua influência em Angola,
alguns agrupamentos apresentaram-se novamente em defesa de objetivos
políticos regionais. O MLEC informou ter uma abordagem pacífica, no
âmbito de uma política de não-violência, para a independência de Cabinda295.
Resultante de uma cissão no MLEC, o Comité de Acção para a Unidade Na-
cional de Cabinda (CAUNC) propôs a realização de um referendo, sob a su-
pervisão da ONU, para se determinar a opinião da população sobre uma
eventual integração do enclave na República do Congo (Leopoldville)296. Mo-
vimentos com ligações a Portugal fizeram notar novamente a sua presença, em
defesa da independência gradual e da restauração do Reino do Congo. As
afirmações do MDIA, da NGWIZAKO e de Angelino Alberto, do Ntobako
Angola, que uma vez mais foram objeto de desconfianças, acabaram por ser
contraproducentes. O Subcomité entendeu as suas declarações como permi-
tindo comprovar a inexistência de reformas políticas em Angola, a prática de
prisões arbitrárias e a oposição das populações às demonstrações de lealdade
ao governo português297.
Aprovado por unanimidade (em 8 de novembro), o relatório do Subcomité
revelou um relativo endurecimento quando comparado com o documento
anterior. Entre o primeiro e o segundo relatório existiram diferenças assinalá-
veis, resultantes do abandono da linguagem ambígua. Foi privilegiado, como
o Comité Especial para os Territórios sob Administração Portuguesa fizera,
uma narrativa que não tinha por objetivo o equilíbrio entre as várias opiniões.

292
 Idem. p. 23.
293
 Ibidem.
294
 Ibidem.
295
 Ibidem.
296
 Ibidem.
297
 Idem. p. 21.
98  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

No novo relatório era mais difícil reconhecer, embora não tivessem desapare-
cido completamente, as afirmações favoráveis a Portugal, tendo sido rejeitada
a ideia da necessidade de uma evolução progressiva para Angola. Algumas
das críticas apresentadas ao primeiro relatório foram tidas em consideração,
notando-se a ausência de expressões suscetíveis de representar um juízo de
valor em relação aos envolvidos em ações militares contra Portugal.
As razões que explicam a alteração operada no Subcomité não parecem ter
sido alheias às críticas e acusações de falta de imparcialidade apresentadas
por Portugal, que alienaram o apoio de Salamanca. A ausência de coopera-
ção do governo português, que anteriormente, ainda que de forma limitada,
fornecera informações, impediu também a possibilidade de outro resultado
que não fosse a condenação da sua política. Com a continuação da guerra e
do problema dos refugiados, que não podiam ser ignorados, o Subcomité
muito dificilmente conseguiria justificar uma nova ambiguidade. Num con-
texto em que desempenhou o seu mandato em simultâneo com o Comité
Especial para os Territórios sob Administração Portuguesa e o Comité de
Descolonização, que pela composição que tinham era previsível que produ-
zissem relatórios e resoluções desfavoráveis a Portugal, o Subcomité com
toda a probabilidade terá tentado evitar o isolamento, o que resultou num
maior radicalismo. A hipótese dos afro-asiáticos e dos soviéticos, que outrora
tinham insistido na elaboração de um texto radical, terem renovado as pres-
sões não pode igualmente ser afastada, pela importância que poderão ter tido
para a criação de uma predisposição para a condenação de Portugal. O cui-
dado em satisfazer as opiniões públicas internas e o posicionamento dos
membros do Subcomité quanto à rivalidade bipolar, por serem fatores deter-
minantes na orientação seguida nas NU, devem ter seguramente continuado
a fazer sentir a sua influência.
O relatório constatou que uma guerra, em toda a definição do termo, conti-
nuava em Angola, variando de intensidade durante o período analisado298.
O Subcomité reconheceu uma nova e substancial fuga de refugiados para o
Congo (Leopoldville), que teria sido provocada pela ofensiva portuguesa para
reconquistar o norte do território299. Com base numa estimativa das organiza-
ções que ajudavam as populações, revelou que não fora possível comprovar
a veracidade do número de refugiados apontado por Portugal como tendo
regressado às suas povoações. Foram encontrados indícios de “uma trágica
perda de vidas humanas” e de represálias contra as populações, afirmando-se
que estavam a ser vítimas de ataques indiscriminados, sobretudo com meios

298
 Idem. p. 15.
299
 Idem. p. 14.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  99

aéreos300. Procurando-se analisar as tentativas do exército para a recuperação


dos fugitivos, indicou-se que a atuação portuguesa não tinha correspondência
com o argumento de que as populações mantinham a lealdade a Portugal301.
Havendo a consciência de que não se podia ignorar a existência de detidos por
ofensas políticas, foi admitida a hipótese de terem ocorrido execuções extraju-
diciais de participantes em ações armadas e de suspeitos, sem acusações for-
mais. Quanto às reformas anunciadas por Portugal foi dito que não satisfa-
ziam as reivindicações políticas dos angolanos, que estavam a demonstrar uma
crescente insatisfação pelo atraso na aplicação dos princípios da autodetermi-
nação e da independência302.
Mesmo tendo havido um endurecimento em relação a Portugal, o relatório do
Subcomité de Angola não deixou de ser De Todos o Mais Moderado303. Como
resulta da confrontação com os do Comité Especial para os Territórios sob
Administração Portuguesa e do Comité de Descolonização, as conclusões do
Subcomité de Angola foram mais prudentes, podendo em alguns aspetos ser
consideradas um retrocesso. O Subcomité interpretou o contínuo desrespeito
por Portugal das resoluções das NU como um simples agravamento do perigo
e não uma ameaça à paz e à segurança internacionais304. O eventual estabele-
cimento de um Estado angolano independente não foi considerado de forma
inequívoca, como defendido pelo Comité dos Sete, enquanto única solução
para o diferendo. Os apelos a Portugal foram meramente no sentido do reco-
nhecimento do direito à autodeterminação, sem quaisquer referências à inde-
pendência305. Como anteriormente, o órgão voltou a abster-se de apresentar
recomendações, limitando-se a considerar que mais medidas, em conformida-
de com a Carta, deveriam ser adotadas para assegurar o cumprimento por
Portugal das decisões sobre Angola. As ações sugeridas retomaram – com uma
diferença fundamental, pois em vez do direito à independência defendeu-se a
aplicação do direito à autodeterminação – o essencial dos elementos que cons-
tavam do programa de descolonização do Comité dos Sete306. Sem que tivesse
ido tão longe quanto os restantes órgãos, o Subcomité de Angola não deixou
contudo de atribuir a Portugal a responsabilidade pela implementação de
uma solução pacífica, negando que o desejo de construção de uma sociedade

300
 Idem. p. 15.
301
 Idem. p. 18.
302
 Idem. p. 21.
303
  ANTT, AOS/CO/NE-30-7, EUA, Relato da Conversa entre Franco Nogueira e Dean Rusk, no
Palácio das Necessidades, em 27 de Junho de 1962, p. 162.
304
  United Nations – A/5286. 14 November 1962. Report of the Sub-Committee… p. 25.
305
 Idem. p. 27.
306
 Ibidem.
100  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

multirracial pudesse servir de justificação para se rejeitar o direito à autodeter-


minação307.

O surgimento ou o desaparecimento de ideias nas NU têm sido considerados


como resultantes de mudanças globais, que obrigam a um processo de cons-
tante adaptação, para responder a preocupações novas (Emmerij, Jolly e Weiss,
2009). O processo de institucionalização nas NU da ideia de autodetermina-
ção, que tinha uma existência anterior à criação da Organização, obedeceu a
determinadas etapas, decorrendo primeiramente da sua introdução na Carta.
Tendo determinado a ascensão da autodeterminação enquanto padrão legal de
comportamento, a formulação adotada foi porém genérica e indeterminada,
pretendendo pouco mais do que o desenvolvimento de relações pacíficas e
amigáveis entre os países e o respeito pela não interferência nos assuntos inter-
nos dos estados. Por as disposições da Carta terem sido progressivamente
objeto de uma interpretação evolutiva, a institucionalização da ideia de auto-
determinação ganhou novos contornos com a prática, tornando-se na base
normativa da descolonização. Num processo lento, que não esteve isento de
contradições, as NU começaram a colocar em operação um outro sentido da
ideia de autodeterminação, que, com a associação ao conceito de direitos
humanos, passou a significar a obrigatoriedade da libertação da dominação
colonial e a soberania sobre os recursos naturais de cada território. Um impul-
so decisivo para a institucionalização da ideia de autodeterminação resultou
das iniciativas da XV AG, com a adoção da Declaração sobre a Concessão da
Independência aos Países e Povos Coloniais. Por via do alargamento dos can-
didatos aos benefícios da autodeterminação e da diversificação das pretensões
às quais se aplicava, todos os povos dependentes passaram a estar intitulados
ao direito à independência.
Num momento em que decorrente das decisões da XV AG se estava a impri-
mir uma ampla carga emotiva aos debates sobre o colonialismo, as NU multi-
plicaram, entre 1961 e finais de 1962, as discussões e as iniciativas sobre a
questão colonial portuguesa. A atenção da Organização foi dividida entre a
situação em Angola, o conjunto das colónias portuguesas e o Estado Portu-
guês da Índia, tentando-se maximizar as discussões com a associação da ques-
tão a violações dos direitos humanos e a ruturas na paz e na segurança inter-
nacionais. A moderação verificada na primeira sessão sobre Angola, em que
Portugal conseguiu evitar a aprovação de uma resolução, rapidamente cedeu
lugar ao radicalismo, que tornou-se evidente sobretudo na análise da invasão

307
 Ibidem.
Uma Questão Prioritária: 1960-1962  |  101

de Goa, Damão e Diu. Aos debates sobre as colónias portuguesas esteve


subjacente uma variedade de posições, numa demonstração da polarização
que a questão suscitava, devendo as resoluções ser interpretadas no contexto
em que foram adotadas, ou seja, como resultantes de um processo em que a
orientação do voto das delegações esteve frequentemente em contradição com
as suas afirmações. A quase unanimidade na adoção das resoluções sobre as
colónias portuguesas foi determinada pelo ambiente de hostilidade a Portugal
e não tanto por uma real oposição à dominação colonial portuguesa. Justifica-
da por uma leitura moral do colonialismo como algo fundamentalmente erra-
do, a atividade das NU sobre a questão colonial portuguesa não deixou tam-
bém de ser reveladora do significado que a influência da Guerra Fria teve nas
motivações e no comportamento dos países.
Pelas iniciativas adotadas pensamos poder afirmar que o período de 1961 a
finais de 1962 foi um momento de transição quando comparado com os de-
bates anteriores sobre a questão colonial portuguesa. A rutura foi somente
parcial por as decisões terem sido largamente direcionadas para a obrigatorie-
dade do fornecimento por Portugal das informações previstas no Capítulo XI
da Carta. A preocupação principal continuou, como entre 1956-1960, a ser a
obtenção de dados de natureza técnica e estatística sobre as colónias portugue-
sas, ainda que o contexto fosse diferente por o cumprimento das obrigações
decorrentes do Art.º 73.º terem passado a estar sujeitas à finalidade da aplica-
ção da resolução 1514 (XV). O processo de recolha de informações não foi
linear, por as iniciativas portuguesas, a composição dos diferentes órgãos, os
interesses dos estados membros e as motivações individuais terem sido deter-
minantes para que houvessem avanços e recuos na análise dos dados obtidos.
Tendo havido numa primeira etapa uma assinalável ambiguidade do Subco-
mité de Angola, com o Comité dos Sete a recolha de informações resultou em
considerações nitidamente desfavoráveis à política colonial portuguesa. Em
conjunto com outras circunstâncias, as atividades do Comité dos Sete contri-
buíram para um posterior endurecimento do Subcomité de Angola, mesmo
que o seu relatório continuasse a ser, em comparação com o dos restantes ór-
gãos, mais moderado. Com justificação na mudança normativa operada pela
resolução 1514 (XV), a recolha de informações resultou na definição de novos
procedimentos, que foram paradigmáticos da evolução das NU pela prática,
permitindo que os movimentos anticolonialistas encontrassem na Organiza-
ção um espaço para a campanha diplomática contra Portugal.
Quanto ao significado a retirar da análise da questão colonial portuguesa nes-
ta fase para o debate mais amplo sobre a ideia de autodeterminação, as deci-
sões das NU tornaram evidente a tendência para a confirmação sucessiva da
Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais.
102  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Numa apropriação da linguagem da resolução 1514 (XV), a maioria conse-


guiu que o CS fizesse a ratificação da decisão da XV AG, atribuindo-lhe uma
maior legitimidade. Os debates sobre a questão colonial portuguesa, que por
vezes foram ambíguos e complexos, colocaram no entanto em confronto dife-
rentes conceções quanto ao sentido e ao alcance da ideia de autodeterminação.
A maioria defendeu uma interpretação minimalista, fazendo a associação da
autodeterminação à independência e à transferência dos poderes para repre-
sentantes livremente eleitos pelas populações. O objetivo da independência
tornou-se num imperativo, e, como os acontecimentos de São João Baptista
de Ajudá e de Goa, Damão e Diu acabaram por revelar, houve a tendência
para inclusivamente se favorecer o uso da força. Os países alinhados com o
bloco ocidental demonstraram ter uma interpretação maximalista da ideia de
autodeterminação, em que não somente pretendiam que não deveria conduzir
necessariamente à independência, como indicaram a preferência para que
houvesse um período de preparação. Tendo havido avanços e recuos em esta-
belecer que o exercício da autodeterminação deveria ter por finalidade a inde-
pendência, a intervenção das NU na questão colonial portuguesa poderá ser
entendida como reveladora de que a mudança normativa de deslegitimação do
colonialismo era um processo ainda em construção.
Capítulo II
Uma Recuperação Notável: 1962-1964

As NU são um espaço onde pode ocorrer o desenvolvimento de interpretações


por vezes irreconciliáveis sobre uma mesma ideia, o que resulta em diferentes
estratégias para alcançar o consenso e solucionar conflitos (Béland e Cox,
2011: 12). A ambiguidade ou a incoerência podem produzir uma revisão dis-
cursiva das ideias à medida que são debatidas pelos estados membros com o
objetivo de fazer com que as decisões sejam o reflexo de uma determinada
interpretação (Béland e Cox, 2011: 12-13). Com a descolonização a tornar-se
numa das mais importantes questões nas NU, a maioria demonstrou uma
preocupação crescente pelo atraso na implementação da resolução 1514 (XV),
pressionando para o desenvolvimento de esforços para procurar meios mais
rápidos e eficazes que conduzissem à autodeterminação1. Potências coloniais
como o Reino Unido ou a França, mesmo relutantes em permitir que a Orga-
nização condicionasse as suas decisões, acabaram por promover a independên-
cia das possessões que ainda detinham (Philpott, 2001: 161). Portugal, embo-
ra tivesse sido submetido a inúmeras pressões para que reconhecesse a
aplicabilidade da ideia de autodeterminação aos seus territórios, continuou a
afirmar que administrava províncias ultramarinas.
Mesmo tendo havido uma complexificação da situação, designadamente em
termos militares, entre finais de 1962 e 1964 houve um recuo no apoio às
decisões das NU sobre a questão colonial portuguesa, o que foi considerado
por alguns como Uma Recuperação Notável para Portugal2. Na periodização
apresentada para os debates realizados pela Organização, tendencialmente este
período é analisado em conjunto com o primeiro, sem se reconhecer a existên-
cia de circunstâncias novas. Tem-se ignorado o facto das iniciativas das NU
terem resultado na adoção de resoluções mais severas e que à análise da ques-
tão colonial portuguesa foram associadas novas preocupações, notando-se
igualmente a perda do interesse de alguns dos temas anteriormente visados
(Beller, 1970: 58). A duração dos debates foi menor e o número das delega-
ções participantes diminuiu, assistindo-se em contrapartida à multiplicação

1
  Nations Unies – A/5801/Add. 1. Supplément n.º 1A. Introduction au Rapport Annuel du Secré-
taire General sur l’Activité de l’Organisation. 16 Juin 1963-15 Juin 1964. Nova Iorque: s.n.,
1964. p. 9.
2
  ANTT, AOS/CO/NE-30B-8, Reino Unido, Apontamento da Conversa entre Franco Nogueira
e o Embaixador do Reino Unido, Realizada a 10 de Junho de 1962, p. 38.
104  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

das decisões. Ocorrendo novos episódios na contestação da política colonial


portuguesa, da substância dos debates pode-se concluir que houve um apro-
fundamento de algumas das contradições detetadas anteriormente nas tentati-
vas das NU para implementar a ideia de autodeterminação.

Ecos de Compreensão Até Há Pouco Inconcebíveis


As discussões das NU quanto à questão colonial portuguesa produziram num
momento inicial um reforço das exigências da Carta quanto às responsabilida-
des de Portugal enquanto potência administrante. Ao governo português soli-
citou-se o cumprimento do Art.º 73.º, tendo sido instituídos órgãos destina-
dos à recolha de informações, privilegiando-se as de natureza política, como
gradualmente se tornara comum. As primeiras reuniões no período entre
finais de 1962 a 1964 tiveram ainda por preocupação a questão das infor-
mações, resultando na análise em sessões paralelas dos documentos elaborados
na fase anterior. Na distribuição dos temas que faziam parte da agenda da
XVII AG, o item relativo ao não cumprimento pelo governo português do
Capítulo XI da Carta e da resolução 1542 (XV) voltou, uma vez mais, a ser
atribuído à IV Comissão. Consistindo no estudo do relatório apresentado
pelo Comité Especial para os Territórios sob Administração Portuguesa, o de-
bate (realizado entre 21 de novembro e 19 de dezembro de 1962) partilhou as
atenções com a controvérsia em torno da crise dos mísseis de Cuba, que susci-
tou um grande interesse3.
A sessão teve um carácter agressivo e nem mesmo os contactos realizados pelos
EUA com vários países aconselhando a moderação conseguiram assegurar
uma atitude menos hostil4. Contrariamente ao que acontecera antes no estudo
do não cumprimento por Portugal do Capítulo XI da Carta e da resolução
1542 (XV), a situação em Angola, embora sempre presente nas intervenções,
não dominou a discussão. A questão colonial portuguesa foi analisada no seu
todo, com o entendimento de que a necessidade de informações se tornara
mais urgente em consequência dos recentes desenvolvimentos nas colónias. A
discussão, com a participação de mais de 60 delegações, teve lugar em simul-
tâneo com a apresentação de depoimentos de peticionários, o que resultou na
consolidação, iniciada na fase anterior, da autoridade dos órgãos das NU para
concederem audições5. Os pedidos dos peticionários foram aceites na sua

3
 AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0768/12922-001, Processo
GG-12-24, Carta da Direcção-Geral dos Negócios Políticos e da Administração Interna do MNE
para o GNP do MU, de 5 de Dezembro de 1962, p. 1.
4
 Idem. p. 2.
5
  Informações recolhidas pela Missão de Portugal indicaram porém a existência de divergências
entre as delegações africanas quanto aos peticionários que deveriam ser ouvidos. Ao que parece,
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  105

maioria de forma imediata, com dispensa dos procedimentos existentes que


previam a circulação das solicitações pelos estados membros antes da tomada
de decisão. Foram ouvidos oito agrupamentos políticos e um indivíduo a títu-
lo particular, ao passo que José Chicuarra Massinga, estudante moçambicano,
na impossibilidade de comparecer presencialmente apresentou uma petição
escrita, que foi distribuída pelas delegações6.
Além de alguns peticionários que o Comité dos Sete ouvira na deslocação a
África, agrupamentos recém-criados, que revelavam efetuar um grande inves-
timento na utilização de meios diplomáticos contra o colonialismo portu-
guês, entenderam também apresentar depoimentos. O processo de audição
permitiu-lhes explicar as ações desenvolvidas, reafirmar a determinação em
alcançar a independência, manifestar confiança nas NU, divulgar as decisões
que pretendiam que fossem adotadas e solicitar apoio moral e material para a
luta contra o colonialismo português. Tendo feito o historial do processo
de integração de Cabinda no domínio português e uma descrição detalhada
das condições de vida das populações, o MLEC pediu o estabelecimento de
um órgão para solucionar a disputa com Portugal7. A Frente de Libertação
de Moçambique (FRELIMO), que resultara da fusão de vários grupos, soli-
citou que fossem realizadas pressões para que o governo português concedes-
se a autodeterminação8. A FNLA, apresentando exemplos de pessoas que ti-
nham sido presas ou mortas por forças militares portuguesas, defendeu as
suas realizações, afirmando que os combates assumiam diariamente uma
maior amplitude e que as áreas libertadas estavam em processo de alargamen-
to9. Entendendo que a situação no território que dizia representar se manti-
nha inalterada desde a audição pelo Comité dos Sete em Accra, o Comité
para a Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP), criado por exilados são-
-tomenses, chamou a atenção para o facto do colonialismo português preju-

o Mali e a Guiné desejavam que fossem concedidas audições a todos os que se apresentassem
como peticionários, enquanto outras delegações pretendiam que somente os depoimentos de
pessoas reconhecidas como representando os interesses das populações eram válidos. Cf. AHD,
Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0768/12922-001, Processo GG-12-24,
Carta do GNP do MU para o Governador-Geral de Angola, de 15 de Dezembro de 1962, p. 1-2.
6
  Nations Unies – A/C.4/SR 1398. Quatrième Commission, 1398e Séance. Mardi 27 Novembre
1962, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 469.
7
  United Nations – A/5349. 13 December 1962. Non-Compliance of the Government of Portugal
with Chapter XI of the Charter of the United Nations and with General Assembly Resolution 1542
(XV): Report of the Special Committee on Territories Under Portuguese Administration. Report of
the Fourth Committee. s.l.: s.n., s.d.
8
  Nations Unies – A/C.4/SR 1394. Quatrième Commission, 1394e Séance. Jeudi 22 Novembre
1962, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 446.
9
  Nations Unies – A/C.4/SR 1398. Quatrième Commission, 1398e Séance… p. 470-471.
106  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

dicar as relações internacionais e retardar o progresso material e espiritual da


humanidade10.
Os estados membros, em particular os afro-asiáticos e os socialistas, suscita-
ram aos peticionários questões destinadas a realçar os aspetos negativos do
colonialismo português11. Novamente, os latino-americanos, como a Bolívia e
a Guatemala, e alguns ocidentais tentaram, por sua vez, evidenciar as contra-
dições dos depoimentos. Como se tornara hábito, numa demonstração da
criatividade da reação portuguesa às pressões das NU, alguns peticionários
foram mobilizados por Portugal para defenderem a não-violência12. Para evitar
desconfianças ficou estabelecido que os pedidos de audição seriam enviados a
partir de países vizinhos das colónias portuguesas e que os peticionários deslo-
car-se-iam diretamente a Nova Iorque, sem escala em Lisboa. Sendo uma
exceção por se encontrar a residir em Portugal, Angelino Alberto, do Ntobako
Angola, apresentou um depoimento redigido pelo MNE, que retomava as
suas anteriores afirmações e indicava ter a intenção de retificar os exageros e a
propaganda dos outros agrupamentos13. Escolhido por proposta do Consula-
do Português em Salisbury, Benedito Mapanje, antigo secretário da União
Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO), que se apresentou
como representante de um grupo multirracial, defendeu a evolução progressi-
va das colónias portuguesas, com o desenvolvimento de uma opinião pública
organizada capaz de exercer influência sobre as decisões governamentais14. O
MDIA continuou a insistir na preferência pelos métodos pacíficos, ainda que
– como ficara demonstrado nas audições perante o Comité dos Sete em Leo-
poldville – tivesse havido um endurecimento em relação a Portugal, o qual foi

10
  Nations Unies – A/C.4/SR 1404. Quatrième Commission, 1404e Séance. Vendredi 30 Novembre
1962, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 525-526.
11
  Possivelmente a República Árabe Unida terá colocado à disposição dos peticionários quatro
bilhetes de avião com destino a Nova Iorque. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 223, Aerograma do
Consulado de Portugal em Dakar para o MNE, de Setembro de 1962, p. 1.
12
  A Missão Portuguesa sugerira ao MNE que organizações goesas com sede em Nairobi e Lis-
boa fossem instruídas a enviar petições a solicitar audições, o que se presumia que seria recusa-
do, mas que poderia ter algum valor político. Contactado pelo Consulado de Portugal em
Dakar, a UNGP aceitou enviar um pedido de audição, sem que contudo chegasse a apresentar
qualquer depoimento, o que talvez se tivesse devido à dificuldade em encontrar um porta-voz.
Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 140, Processo XH-Geral, Anos de 1962-1963, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 14 de Novembro de 1962, p. 1; AHD, Fundo POI, Mç.
223, Aerograma do Consulado de Portugal em Dakar para o MNE, de Setembro de 1962, p. 1-8.
13
  Nations Unies – A/C.4/SR 1408. Quatrième Commission, 1408e Séance. Mardi 4 Décembre
1962, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 559.
14
  Nations Unies – A/C.4/SR 1416. Quatrième Commission, 1416e Séance. Lundi 10 Décembre
1962, à 15h50. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 609.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  107

acusado de prosseguir uma política de hesitação e de destruição, não cumprin-


do as promessas15. Com a exceção do apoio do Paquistão ao MDIA, as decla-
rações favoráveis a Portugal foram recebidas com uma declarada hostilidade,
sendo exigidos esclarecimentos que se entendeu que ficaram sem resposta ou
que tiveram uma explicação pouco pertinente16.
Com poucas variações na substância dos argumentos, as intervenções dos es-
tados membros, maioritariamente afro-asiáticos e socialistas, ficaram marca-
das pelo uso de expressões severas, destinadas a demonstrar o peso esmagador
da oposição a Portugal. Havendo um acordo generalizado quanto à forma e ao
conteúdo do relatório do Comité dos Sete, os temas mais recorrentes no deba-
te foram o carácter inaceitável dos argumentos portugueses, a violação dos
objetivos e princípios das NU, as múltiplas deficiências da política colonial
portuguesa, em particular do sistema de ensino, a insuficiência das reformas,
o envolvimento de empresas e interesses económicos estrangeiros na explora-
ção dos territórios ou a participação de soldados de outras nacionalidades em
ações contra as populações17. Foram repetidas com insistência as denúncias
quanto à repressão política e militar, que teriam produzido uma vaga de refu-
giados, à prática do trabalho forçado, ao racismo ou ao facto do governo por-
tuguês ter formado uma aliança com os regimes de minoria branca da África
do Sul e da Rodésia do Sul18. As acusações de que Portugal recebia assistência
militar e financeira tiveram como alvo os membros da NATO (sobretudo os
EUA e o Reino Unido), a Espanha e Israel, que foram chamados a dar expli-
cações e a renovar as garantias de que tinham informado o governo português
que o armamento que lhe forneciam não podia ser empregue nas colónias19.
Foi considerada como provada a existência de uma situação explosiva, que
constituía uma ameaça à paz e à segurança internacionais. Fazendo-se eco das
declarações das organizações anticoloniais foi solicitada a adoção de medidas
imediatas, incluindo sanções, que foram consideradas como o único contribu-
to realista para a solução do problema20.

15
  Nations Unies – A/C.4/SR 1400. Quatrième Commission, 1400e Séance. Mercredi 28 Novem-
bre 1962, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 489.
16
 Idem. p. 493.
17
  A título de exemplo veja-se as declarações do Congo (Brazzaville). Cf. Nations Unies –
A/C.4/SR 1397. Quatrième Commission, 1397e Séance. Lundi 26 Novembre 1962, à 15h15.
Nova Iorque: s.n., 1962. p. 465-466.
18
  Nations Unies – A/C.4/SR 1399. Quatrième Commission, 1399e Séance. Mardi 27 Novembre
1962, à 15h15. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 477.
19
  Nations Unies – A/C.4/SR 1401. Quatrième Commission, 1401e Séance. Mercredi 28 Novem-
bre 1962, à 15h20. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 498.
20
  Nations Unies – A/C.4/SR 1397. Quatrième Commission, 1397e Séance… p. 465.
108  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Tendo sido informado que a sua ausência dificultaria a defesa do ponto de


vista português pelas delegações amigas, Portugal acompanhou toda a discus-
são21. Em vez de insistir na crítica ao relatório, os EUA sugeriram que fossem
acentuadas as realizações portuguesas de forma a evitar criar inimigos ou pro-
vocar o agravamento do ambiente dos debates22. Decorrente da sugestão nor-
te-americana para que moderasse as suas intervenções, Portugal reconheceu
que não interessava ao país envolver-se em questões de fundo e que os seus
argumentos não teriam qualquer efeito prático no teor das resoluções23. A
postura adotada foi a de não intervir de imediato na discussão, a não ser para
reafirmar as reservas jurídicas, guardando-se as críticas para num segundo
momento se denunciar em termos genéricos a tendenciosidade do relatório do
Comité dos Sete24. Deste modo, apesar de um grupo de trabalho com a parti-
cipação de elementos do MU ter sido estabelecido no MNE para elaborar a
resposta portuguesa, a delegação em Nova Iorque entendeu sobretudo comen-
tar as acusações efetuadas no debate, prestando pouca atenção ao relatório25.
Um certo número de afirmações, designadamente as referentes às condições
sanitárias, laborais e educativas mereceram a comparação com outros territó-
rios africanos, retirando-se a conclusão de que nas colónias portuguesas exis-
tiam os padrões mais elevados em África26.
O projeto de resolução apresentado pelos países afro-asiáticos teve por objeti-
vo retomar as conclusões e recomendações do Comité dos Sete, acrescentando
novos elementos. Com disposições “mais analíticas, precisas e, no conjunto,
mais enérgicas” do que as decisões precedentes, o texto representou uma críti-
ca explícita à política colonial portuguesa (Silva, 1995: 15). As considerações
iniciais, que relembravam as resoluções 1514 (XV) e 1542 (XV), propuseram
que se deplorasse o contínuo desrespeito pelo governo português das legítimas
aspirações à autodeterminação e à independência dos povos que administra-
va27. Mostrando-se uma grave preocupação pela intensificação das medidas de

21
  ANTT, AOS/CO/NE-30B-13, NATO, Aerograma da Delegação Portuguesa ao Conselho da
NATO sobre a Reunião Realizada a 26 de Setembro de 1962, p. 69-70.
22
  AHD, Fundo POI, Mç. 165, Processo XM-1, Ano de 1962, Vol. VI, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 16 de Novembro de 1962, p. 1-2.
23
 Ibidem.
24
 Ibidem.
25
  AHD, Fundo POI, Mç. 144, Processo XH-Geral, Ano de 1962, Vol. V, Telegrama da Embai-
xada em Bogotá para o MNE, de 11 de Setembro de 1962, p. 1.
26
  Nations Unies – A/PV. 1183. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1183e Séance Plénière.
Mercredi 5 Décembre 1962, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1033-1041.
27
  United Nations – A/5349. 13 December 1962. Non-Compliance of the Government of Portugal
with Chapter XI… p. 10.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  109

repressão pretendeu-se que a AG tomasse nota que os militares portugueses


usaram e continuavam a empregar equipamento militar e de outro tipo obtido
dos seus aliados ou de outras fontes, reconhecendo-se as implicações do fac-
to28. Seguramente por influência das decisões do Comité de Descolonização,
pela primeira vez numa resolução da IV Comissão foi proposto que se indicas-
se que a situação nas colónias portuguesas constituía uma séria ameaça à paz e
à segurança internacionais29.
Com cláusulas mais extensas do que os documentos anteriores, no texto
defendeu-se a aprovação do relatório do Comité dos Sete e a condenação da
atitude do governo português por ser inconsistente com a Carta. O projeto
teve o propósito de, também pela primeira vez, se declarar o direito dos povos
das colónias portuguesas à autodeterminação e à independência, manifestan-
do o apoio sem reservas às reivindicações para a descolonização. Ao se convi-
dar o governo português a efetivar as recomendações do Comité dos Sete
pretendeu-se retomar na íntegra o programa de descolonização elaborado pelo
órgão30. Em antecipação ao destino dado ao Comité dos Sete, que acabaria
por ser dissolvido, entendeu-se que o Comité de Descolonização deveria ser
encarregue de dar prioridade ao exame da situação nas colónias portuguesas.
Quanto aos estados membros foi proposto novamente que fossem convidados
a usar a sua influência junto de Portugal e a absterem-se de lhe atribuir qual-
quer assistência, adotando medidas para evitar o fornecimento de armamento
que pudesse permitir a continuação da repressão das populações. Caso o go-
verno português recusasse aplicar a resolução, os autores avançaram que se
recomendasse que o CS adotasse as medidas apropriadas para assegurar o
cumprimento das obrigações decorrentes da condição de membro das NU31.
As disposições mais controversas do projeto de resolução foram as que consi-
deravam como provada a utilização por Portugal, para a repressão dos movi-
mentos nacionalistas, de equipamento militar fornecido por alguns dos seus
aliados. Pedidos de esclarecimentos e sugestões para a alteração de certas ex-
pressões, designadamente as que condenavam Portugal, foram efetuados por
países ocidentais, latino-americanos, o Paquistão, a China e o Japão. A Itália,
apoiada pelos EUA e pela França, apresentou emendas, pretendendo, numa
formulação ambígua, evitar que ficasse estabelecido de forma explícita que
existia o fornecimento de armamento a Portugal32. Em sentido oposto e para

28
 Ibidem.
29
 Ibidem.
30
 Idem. p. 11.
31
 Idem. p. 12.
32
 Idem. p. 3.
110  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

tornar o projeto num texto mais vigoroso, a Bulgária tentou que se afirmasse
que qualquer assistência a Portugal representava a cumplicidade na supressão
dos movimentos nacionalistas, devendo ser estabelecido um embargo à venda
e ao abastecimento de armas ao governo português33. Não tendo sido aceites
pelos patrocinadores do projeto de resolução, que afirmaram que o texto
deveria ser interpretado segundo o significado que lhe fora atribuído, as emen-
das não tiveram acolhimento34. Sem que ao que tudo indica Portugal tivesse
efetuado muitas diligências, os parágrafos mais controversos do projeto de
resolução, em particular o referente à existência de uma ameaça à paz e à segu-
rança internacionais, foram submetidos a votação separada a pedido da Suécia
e da Irlanda, acabando por ser aprovados35.
Inalterado, o projeto de resolução foi adotado (a 11 de dezembro) com 78
votos favoráveis, 7 contra e 12 abstenções. Os que votaram contra foram a
África do Sul, Bélgica, Espanha, EUA, França, Portugal e Reino Unido, regis-
tando-se as abstenções de países alinhados com o ocidente, em particular dos
restantes membros da NATO, da Austrália, Brasil e Nova Zelândia. A dimi-
nuição, quando comparada com a votação da XVI AG, da maioria que apoia-
va os projetos de resolução sobre a questão colonial portuguesa, o voto nega-
tivo das potências ocidentais e a atitude de reserva de alguns países terá sido o
resultado de Ecos de Compreensão Até Há Pouco Inconcebíveis que Portugal
vinha encontrando devido à discordância com o que se considerava serem os
“excessos da vertigem anticolonialista” (Beller, 1970: 85)36. As razões apresen-
tadas para o comportamento na votação foram a alegada ambiguidade na
redação dos apelos aos estados membros para que se abstivessem de continuar
a fornecer qualquer assistência que permitisse prosseguir a repressão das popu-
lações e para que adotassem medidas para evitar a venda e o fornecimento de
armas e de equipamento militar ao governo português37. Fatores adicionais, e
mais decisivos do que as questões de semântica, poderão contudo explicar a
modificação da orientação que vinha sendo seguida. Em particular, o voto
contra do Reino Unido, que apoiara as anteriores resoluções, derivou de con-
dicionantes como o posicionamento historicamente benevolente do país em

33
 Idem. p. 3-4.
34
  Nations Unies – A/C.4/SR 1418. Quatrième Commission, 1418e Séance. Mardi 11 Décembre
1962, à 15h15. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 629-630.
35
  Nations Unies – A/C.4/SR 1417. Quatrième Commission, 1417e Séance. Mardi 11 Décembre
1962, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 619-620.
36
  ANTT, AOS/CO/NE-30B-9, Brasil, Relato da Conversa entre Franco Nogueira e o Embaixa-
dor do Brasil, Negrão de Lima, Realizada em 28 de Agosto de 1962, p. 53.
37
  Nations Unies – A/C.4/SR 1419. Quatrième Commission, 1419e Séance. Mercredi 12 Décembre
1962, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 631.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  111

relação ao Estado Novo, o receio de que uma rápida descolonização pudesse


resultar num cenário idêntico ao do Congo (Leopoldville) ou o desejo de
contrariar a influência dos socialistas nos países do Sul Global (Oliveira, 2013:
187-193). A posição da França, que também passou a votar contra, foi sobre-
tudo o reflexo de uma orientação pessoal de de Gaulle (apesar da opinião
contrária de membros do seu governo), que considerava Portugal como um
parceiro relevante para a independência da política externa francesa no con-
texto da rivalidade bipolar (Marcos, 2007: 152-153).
Iniciativas portuguesas, que tiveram repercussões nos comportamentos nas
NU, parecem ter igualmente condicionado a votação. Utilizada por Portugal
como arma negocial, o processo de renovação da permanência norte-america-
na nos Açores foi arrastado de forma a se conseguir a mudança no voto dos
EUA. A atitude assumida na administração norte-americana pelos que defen-
diam que se pressionasse Portugal a aceitar a autodeterminação das colónias
foi abandonada para se garantir a renovação do acordo (que terminava em
finais de 1962) para a utilização da base das Lajes, que era essencial para a
defesa dos EUA (Rodrigues, 2002b). Como anteriormente se verificara, a
orientação do voto norte-americano teve um efeito de arrastamento em países
que alinhavam com o ocidente, designadamente na Noruega e na Dinamar-
ca38. A relativa recuperação de apoios por Portugal ter-se-á devido ainda à
utilização de uma outra arma negocial, desta vez junto do Brasil, por se enten-
der que da ação conjunta desse país e dos EUA dependeria a modificação da
posição de inúmeros estados membros39. Portugal propôs ao Brasil a constitui-
ção de uma Comunidade Luso-Brasileira, que permitisse facilidades económi-
cas para o país nas colónias portuguesas, em troca de contrapartidas políticas.
Considerando a proposta com grande interesse, a Embaixada Brasileira em
Lisboa avançou com a hipótese de, caso o dialogo para a constituição da
Comunidade fosse avante, o Brasil alterar a sua posição nas NU, passando,
como veio a ocorrer, a abster-se40.
Sem surpresas, a manifestação de apoio a Portugal em votos contra e em abs-
tenções, esteve dependente das circunstâncias do momento, como demonstra-
do pelo exame de um outro projeto de resolução apresentado pelos afro-asiá-
ticos. Iniciando a prática, que seria continuada nos anos seguintes de adotar

38
  AHD, Fundo POI, Mç. 167, Processo XM-Geral, Anos de 1960-1961, 1966, Vol. II, Tele-
grama da Embaixada de Portugal em Otava para o MNE, de 5 de Janeiro de 1963, p. 1.
39
  ANTT, AOS/CO/NE-30-7, EUA, Relato da Conversa entre Franco Nogueira e Dean Rusk, no
Palácio das Necessidades, Realizada a 27 de Junho de 1962, p. 157; ANTT, AOS/CO/NE-30B-9,
Brasil, Relato da Conversa entre Franco Nogueira e o Embaixador do Brasil, Negrão de Lima, Rea-
lizada a 22 de Agosto de 1962, p. 41-42.
40
 Ibidem.
112  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

decisões sobre aspetos específicos recorrentemente abordados, com o texto


procurou-se atender às afirmações dos estados membros e das organizações
anticoloniais sobre as deficiências do sistema de ensino nas colónias portugue-
sas. No projeto de resolução foi previsto, com vista à formação de quadros
para a administração dos países independentes, o estabelecimento de um pro-
grama especial para as colónias portuguesas, que incluísse o ensino técnico, a
educação para a liderança e a preparação de professores41. Semelhante ao esta-
belecido no ano anterior para o Sudoeste Africano, o programa destinava-se a
ser suportado pelos planos das NU para a cooperação técnica, pelas agências
especializadas e por bolsas de estudos concedidas pelos estados membros42.
Mesmo que temporariamente a residir em outros países, como no caso dos
refugiados, pretendia-se que todos os naturais das colónias portuguesas fossem
ilegíveis à participação no programa.
Certamente em resultado do carácter técnico da questão e por corresponder
aos desejos dos EUA, que vinham insistindo com Portugal para implemen-
tar programas de ensino, o projeto de resolução foi relativamente consen-
sual43. Algumas emendas foram introduzidas no texto para precisar os fun-
dos a disponibilizar para o programa, solicitar a cooperação portuguesa na
implementação da resolução e eliminar a afirmação sobre a “incapacidade e
a repugnância” de Portugal na formação de quadros africanos44. Tendo o
texto se tornado menos controverso, o projeto de resolução foi adotado uni-
camente com os votos contra de Portugal e da África do Sul, registando-se a
abstenção do Panamá. A relativa compreensão demonstrada na primeira
votação não impediu assim que os apoiantes de Portugal aprovassem um
texto que realçava o subdesenvolvimento das colónias portuguesas. A mes-
ma quase unanimidade resultou na aceitação de mais um projeto de resolu-
ção que, não suscitando nenhuma discussão, propôs a dissolução do Comité
Especial para os Territórios sob Administração Portuguesa45. Como assinala-

41
  United Nations – A/5349. 13 December 1962. Non-Compliance of the Government of Portugal
with Chapter XI… p. 14.
42
 Ibidem.
43
  ANTT, AOS/CO/NE-30B-7, EUA, Relato da Conversa entre Franco Nogueira e o Embaixa-
dor dos EUA, Charles Elbrick, Realizada a 13 de Fevereiro de 1962, p. 33-34.
44
  United Nations – A/5349. 13 December 1962. Non-Compliance of the Government of Portugal
with Chapter XI… p. 8.
45
  Com a justificação de que disposições similares tinham sido incluídas em resoluções ante-
riores da AG, a URSS apresentou uma emenda destinada a que se solicitasse ao SG o envio do
relatório do Comité dos Sete, juntamente com os documentos da IV Comissão sobre a ques-
tão, ao governo português, ao Conselho Económico e Social, à Comissão Económica para a
África, à Comissão Económica para a Ásia e o Extremo Oriente, bem como às agências espe-
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  113

do pelos autores, com o documento pretendeu-se eliminar o risco de dupli-


cação de funções e estabelecer de forma definitiva que a questão colonial
portuguesa deveria passar a ser analisada pelo Comité de Descolonização, no
quadro da resolução 1514 (XV)46.
A afirmação de que o diferendo sobre as colónias portuguesas decorria da
resolução 1514 (XV) voltou a ser repetida, de forma unânime, nas novas
audições realizadas no final da sessão, que ainda que mantendo os traços ante-
riores tiveram especificidades próprias. Mais do que na primeira volta das au-
dições, as declarações dos peticionários, pela insistência na afirmação de que
detinham a confiança das populações e que eram os seus representantes legíti-
mos, evidenciaram as lutas pela liderança do processo de contestação da domi-
nação colonial portuguesa47. As organizações anticoloniais repetiram muitos
dos pressupostos definidos nos projetos de resolução aprovados, consideran-
do-os como condições mínimas para eventuais negociações com o governo
português48. Tendo-se apresentado tardiamente, os intervenientes não desper-
diçaram a oportunidade para dirigir a Portugal um apelo para que respeitasse
os princípios da Carta e procurasse uma solução pacífica49. Com particular
impacto, por ter originado a reação da Espanha contra a afirmação de que
soldados espanhóis participavam na repressão das populações, o Partido Afri-
cano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) entendeu fazer
uma exposição sobre a situação nos dois territórios que procurava representar,
apresentando algumas propostas concretas para a liquidação do colonialismo
português50. O MPLA abordou as decisões tomadas na sua primeira conferên-
cia nacional, organizada em Leopoldville, indicando que insistia na salvaguar-
da da unidade nacional e da integridade do território angolano51. Numa inter-
venção curta, a Frente de Luta para a Independência da Guiné dita Por-
tuguesa (FLING), fundada por uma aliança de várias organizações e que se

cializadas, incluindo a OIT. Por nunca ter reconhecido o Comité dos Sete, Portugal anunciou
que não participaria na votação, que teve lugar a 12 de dezembro. Sem votos contra, mas com
a abstenção de 22 países, a emenda soviética foi aprovada e integrada no projeto de resolução.
Cf. Idem. p. 9.
46
  Nations Unies – A/C.4/SR 1419. Quatrième Commission, 1419e Séance… p. 634.
47
  Como exemplo temos as intervenções da FRELIMO e do PAIGC. Cf. Nations Unies –
A/C.4/SR 1394. Quatrième Commission, 1394e Séance… p. 446-451; Nations Unies – A/C.4/SR
1420. Quatrième Commission, 1420e Séance. Mercredi 12 Décembre 1962, à 15h20. Nova
Iorque: s.n., 1962. p. 637-638.
48
  Nations Unies – A/C.4/SR 1427. Quatrième Commission, 1427e Séance. Lundi 17 Décembre
1962, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 691-692.
49
  Nations Unies – A/C.4/SR 1420. Quatrième Commission, 1420e Séance… p. 638-639.
50
 Ibidem.
51
  Nations Unies – A/C.4/SR 1427. Quatrième Commission, 1427e Séance... p. 691-692.
114  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

tinha deslocado a Nova Iorque com o apoio do governo senegalês, afirmou a


confiança na assistência dos países africanos para a luta pela independência52.
Não tendo os projetos de resolução, conforme as regras de procedimento, sido
objeto de discussão no plenário, a decisão final da AG (tomada a 14 de dezem-
bro) confirmou a tendência das votações na IV Comissão. Praticamente com
os mesmos votos, registando-se contudo as abstenções da República Domini-
cana e da Islândia, o primeiro projeto foi adotado por 82 votos favoráveis,
incluindo o de Luxemburgo que reviu a sua posição, 7 contra e 13 abstenções,
tornando-se na resolução 1807 (XVII)53. O texto sobre o programa especial
de treino para os territórios sob administração portuguesa, que se transformou
na resolução 1808 (XVII), recolheu 92 votos a favor e 2 contra, permitindo
que, sem o consentimento de Portugal, se estendesse a cooperação técnica das
NU às suas colónias54. Por 100 votos e uma única abstenção, a proposta
de extinção do Comité dos Sete, que implicitamente reconheceu o risco de
duplicação de funções, teve também a aprovação do plenário na resolução
1908 (XVII)55.
Em resultado das decisões houve a propensão para que a questão colonial
portuguesa fosse entendida de forma extremista segundo a linguagem da Car-
ta, por se considerar que estava em causa a paz e a segurança internacionais.
Em particular, as resoluções 1807 (XVII) e 1809 (XVII) afirmaram que a luta
nas colónias portuguesas decorria da Declaração sobre a Concessão da Inde-
pendência aos Países e Povos Coloniais, determinando a perda da importância
da exigência do fornecimento por Portugal das informações solicitadas no
Art.º 73.º. As decisões, se bem que adotadas no âmbito do não cumprimento
pelo governo português do Capítulo XI e da resolução 1542 (XV), acabaram
por consolidar o poder de intervenção do Comité de Descolonização na ques-
tão colonial portuguesa. Para antecipar as alterações que se pretendia introdu-
zir no seu mandato, em que além das funções do Comité Especial para os
Territórios Administrados por Portugal passaria a comportar as do Comité
Especial para o Sudoeste Africano entretanto extinto, o órgão foi alargado,
passando a ser composto por 24 membros56. Decorrente das decisões do ple-
nário, a abordagem técnica e jurídica que prevalecera até então na análise da

52
  Nations Unies – A/C.4/SR 1431. Quatrième Commission, 1431e Séance. Mercredi 19 Décembre
1962, à 15h10. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 720.
53
  Nations Unies – A/PV. 1194. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1194e Séance Plénière.
Vendredi 14 Décembre 1962, à 20h30. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1229.
54
 Ibidem.
55
 Ibidem.
56
  United Nations. Resolution 1654 (XVI), 27 November 1961. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  115

questão colonial portuguesa foi substituída por um maior compromisso com


a vertente política da descolonização.

Em Boa Posição Política


A tendência para que o pedido de transmissão de informações fosse ultrapas-
sado teve uma confirmação adicional aquando da análise do relatório do Sub-
comité de Angola. Novamente, e pela última vez de forma isolada, o plenário
abordou (de 29 de novembro a 20 de dezembro) a situação em Angola, onde
a atividade militar da guerrilha vinha diminuindo (Pélissier e Wheeler, 2009:
287). O debate decorreu em paralelo ao estudo pela IV Comissão do relatório
do Comité Especial para os Territórios sob Administração Portuguesa. A dis-
cussão foi intercalada com a análise de um item sobre a descolonização, o que
Portugal considerava que tinha a vantagem de poder provocar alguma confu-
são entre os dois assuntos e uma menor atenção para o problema angolano. A
recondução da questão ao plenário ter-se-á devido à insistência de alguns
membros do Subcomité de Angola, que não quiseram que a discussão do seu
relatório fosse remetida à IV Comissão57. Foi entendido que, do ponto de
vista jurídico, a questão de Angola podia ser examinada segundo a necessidade
de implementação da resolução 1514 (XV) e enquanto eventual ameaça à paz
e à segurança internacionais58. Como muitas delegações que se referiram a
Angola na discussão sobre a descolonização não voltaram a intervir, o estudo
do relatório do Subcomité no plenário teve uma curta duração.
Na apresentação do relatório, Carlos Salamanca voltou a evidenciar a sua
ambiguidade, evitando referir a existência de uma ameaça à paz e à segurança
internacionais59. Numa breve chamada de atenção para as conclusões e as
medidas propostas pelo Subcomité, entendeu que a situação somente poderia
ser resolvida com a satisfação das aspirações do povo angolano60. As afirmações
do Subcomité foram comentadas pontualmente e de forma ligeira por Portu-
gal, cuja intervenção teve lugar logo de início, após a apresentação do relatório
por Salamanca. À semelhança do que estava a acontecer no exame do trabalho
do Comité dos Sete, Portugal acompanhou a discussão para facilitar o papel
das delegações que o queriam auxiliar e porque, como os EUA tinham mani-
festado a intenção de avançar com uma proposta para a nomeação de relatores

57
  AHD, Fundo POI, Mç. 165, Processo XM-1, Ano de 1962, Vol. VI, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 16 de Novembro de 1962, p. 1.
58
  Nations Unies – A/PV. 1170. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1170e Séance Plénière.
Mardi 20 Novembre 1962, à 10h30. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 810.
59
  Nations Unies – A/PV. 1180. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1180e Séance Plénière.
Jeudi 29 Novembre 1962, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 985.
60
 Ibidem.
116  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

internacionais para inquirir sobre a situação nas colónias, não pretendia deixar
a iniciativa nas mãos dos norte-americanos61. Como se verificara na IV Co-
missão, em que fora adotada uma atitude mais ponderada, grande parte da
intervenção portuguesa foi dedicada ao historial da questão, colocando-se em
evidência os esforços para o desenvolvimento de Angola, e a responder às crí-
ticas mais recorrentes62. Não se insistiu nas acusações de parcialidade e ilegali-
dade que o primeiro relatório fora objeto e não foram apresentadas as reservas
formais anteriormente expressas.
A hostilidade portuguesa foi reservada para as intervenções em direito de
resposta, que ainda assim foram bastante comedidas e consistiram em larga
medida na reafirmação das anteriores observações. O tom moderado de Por-
tugal não produziu um efeito apaziguador no debate, que teve de diferente
em relação ao que estava a decorrer na IV Comissão a menor insistência com
que foram abordadas as condições de vida ao nível do ensino, da saúde ou do
trabalho. Os países afro-asiáticos e os socialistas foram os únicos a proferir
intervenções, sendo de assinalar uma breve declaração britânica em exercício
do direito de resposta63. Com considerações que extravasaram o quadro da
questão colonial portuguesa, as delegações orientaram a discussão para a po-
tencial ameaça à paz e à segurança internacionais64. Ao contrário do anterior
relatório do Subcomité, o novo documento teve a concordância, quanto à
forma e ao conteúdo, dos intervenientes que o entenderam como comprova-
tivo de que nenhum progresso fora alcançado e que o drama angolano estava
a agravar-se65. De novo voltaram a ser empregues, em associação a Portugal,
expressões como “extermínio”, “genocídio”, “carnificina” e “repressão”, reser-
vando-se para as ações das organizações anticolonialistas angolanas outras
como “luta sagrada”66.
Que a situação não estava normalizada e que nada deixava antever a cessação
das hostilidades em Angola foram afirmações conjugadas com indicações de
que o número de refugiados não parava de aumentar em resultado da política

61
  AHD, Fundo POI, Mç. 165, Proc. XM-1, Ano de 1962, Vol. VI, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 16 de Novembro de 1962, p. 1-2.
62
 Nations Unies – A/PV. 1183. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1183e Séance
Plénière… p. 1033-1041.
63
  Nations Unies – A/PV. 1185. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1185e Séance Plénière.
Jeudi 6 Décembre 1962, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1082-1083.
64
 Idem. p. 1077.
65
  Nations Unies – A/PV. 1184. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1184e Séance Plénière.
Jeudi 6 Décembre 1962, à 10h30. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1059.
66
 Idem. p. 1061; Nations Unies – A/PV. 1188. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1188e
Séance Plénière. Vendredi 7 Décembre 1962, à 20h30. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1132.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  117

repressiva do exército português67. Duas questões, a do apoio diplomático,


económico, financeiro, militar e técnico que Portugal receberia dos aliados da
NATO e os argumentos jurídicos que empregava para refutar a competência
das NU para analisar a situação em Angola, mereceram um detalhe particu-
lar68. Com recurso à ironia, as reformas portuguesas foram avaliadas como
uma caricatura destinada a enganar a opinião pública internacional e a prosse-
guir a política de integração das colónias69. Foram lançados alertas para o
eventual aumento da violência que a solidariedade dos estados africanos, que
se disse que apoiavam incondicionalmente a independência de Angola, pode-
ria representar70. Por vezes interpretando o relatório do Subcomité num senti-
do radical, algumas delegações propuseram a expulsão de Portugal da ONU e
a adoção de sanções económicas e diplomáticas para remediar uma situação
considerada, pela esmagadora maioria dos intervenientes, como uma ameaça
à paz e à segurança internacionais71. A AG foi solicitada a assumir a sua res-
ponsabilidade política e moral, aplicando as disposições da Carta sobre a im-
posição de sanções72.
Tomando como referência as deliberações do Comité de Descolonização,
11 países afro-asiáticos, em conjunto com a Jugoslávia, apresentaram um
projeto de resolução com disposições bastante duras, pretendendo que a
Assembleia condenasse de forma resoluta o extermínio massivo da popu-
lação angolana e as outras medidas de repressão adotadas pelas autorida-
des portuguesas73. Ao se propor que se deplorasse o uso da força para fins
de repressão, os países da NATO foram implicitamente visados, reconhe-
cendo-se a utilização por Portugal de armamento fornecido por alguns esta-
dos membros. Para Angola, como para as restantes colónias portuguesas,
foi entendido que a AG afirmasse que a população estava privada dos direi-
tos e liberdades fundamentais, existindo uma prática generalizada de discri-
minação racial e uma economia baseada em larga extensão no trabalho for-

67
 Nations Unies – A/PV. 1185. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1185e Séance
Plénière… p. 1075.
68
 Nations Unies – A/PV. 1184. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1184e Séance
Plénière… p. 1053-1054.
69
 Idem. p. 1059.
70
 Idem. p. 1061.
71
  Nations Unies – A/PV. 1174. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1174e Séance Plénière.
Vendredi 23 Novembre 1962, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 874.
72
 Nations Unies – A/PV. 1184. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1184e Séance
Plénière… p. 1062.
73
  Nations Unies – A/5501. Supplément n.º 1. Rapport Annuel du Secrétaire General sur l’Acti-
vité de l’Organisation. 16 Juin 1962-15 Juin 1963. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 30.
118  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

çado74. Com a convicção de que a guerra e a recusa portuguesa em aplicar as


resoluções da ONU constituíam uma fonte de tensões e conflitos inter-
nacionais, recomendou-se que o problema angolano fosse considerado, con-
trariamente ao que as decisões anteriores determinaram, como uma grave
ameaça à paz e à segurança internacionais75.
O texto retomou algumas das disposições do projeto de resolução da IV Co-
missão sobre o conjunto das colónias portuguesas, o que esteve relacionado
com a utilização da repetição enquanto elemento legitimador das decisões.
Fazendo uma reafirmação solene do direito inalienável do povo angolano à
autodeterminação e à independência, propôs a condenação da guerra colonial
conduzida pelo governo português, aconselhando o seu fim imediato76. Com
o convite para que desistisse de empreender mais ações armadas e medidas de
repressão, ao governo português entendeu solicitar a libertação dos prisionei-
ros políticos, o levantamento da interdição para o estabelecimento de partidos
políticos, a adoção de medidas para assegurar a criação de instituições livre-
mente eleitas e a transferência do poder para a população angolana. A todos os
estados pretendeu apelar que usassem a sua influência para conseguir que Por-
tugal se conformasse com a resolução e lhe recusassem qualquer apoio ou
assistência, em particular o fornecimento de armas, que pudesse ser usado
para fins de repressão77. Relembrando que a recusa persistente em aplicar as
resoluções da AG era incompatível com a condição de membro das NU, reco-
mendou que se pedisse ao CS, caso Portugal negasse a aplicação da resolução,
a adoção de medidas apropriadas, incluindo sanções. Por as prescrições da
Carta sobre a aplicação de sanções nunca terem sido acionadas até àquele ins-
tante, as disposições do projeto revelaram ser bastante penalizadoras, decor-
rendo do entendimento de que Portugal tinha persistente e grosseiramente
violado as suas obrigações, incluindo o dever de negociar (Kolb, 2010: 48-49).
Tendo sido o primeiro país a explicar o seu voto, Portugal denunciou a “veia
ilegal, despropositada e sem relação com a realidade” do projeto de resolução,
que afirmou que interferia nos seus assuntos internos. A pretexto de que se
estava a solicitar um embargo de armas, que as sanções eram injustificadas ou
que o texto continha considerações “fora de propósito”, o Brasil, os EUA e o
Japão demonstraram apoio à política colonial portuguesa78. Em reuniões da

74
 Ibidem.
75
 Ibidem.
76
 Ibidem.
77
  Ibidem.
78
  Nations Unies – A/PV. 1196. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1196e Séance Plénière.
Mardi 18 Décembre 1962, à 10h30. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1247-1249.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  119

NATO sobre Angola (realizadas em setembro e outubro), Portugal solicitara


aos aliados que não tentassem moderar os projetos de resolução porque isso
em nada alteraria a gravidade das propostas79. À consideração dos membros da
NATO fora apresentada a possibilidade do recurso ao voto separado, que per-
mitiria apoiar o direito à autodeterminação e em simultâneo votar contra ou
abster-se quanto ao conjunto dos projetos de resolução80. O pedido português
teve o acolhimento desejado por a Itália ter solicitado a votação separada do
parágrafo que apelava à interrupção da assistência que possibilitava a Portugal
continuar a reprimir a população angolana81. Por ter havido quem se opusesse
à votação separada, a moção italiana foi submetida a votos, tendo sido rejeita-
da, o que permitiu a adoção do projeto na íntegra, tornando-se na resolução
1819 (XVII), de 18 de dezembro. O projeto obteve a aprovação com 57 votos
favoráveis, 14 contra e 18 abstenções, dando continuidade à orientação inicia-
da na discussão do relatório do Comité dos Sete, em que as principais potên-
cias ocidentais e alguns países que anteriormente se abstiveram passaram a
alinhar com o governo português, que ganhou novos votos sobretudo entre os
latino-americanos.
Decorrente das semelhanças entre as decisões adotadas, a resolução sobre An-
gola confirmou as tendências demonstradas aquando da primeira deliberação
sobre as colónias portuguesas. Em ambos os documentos foi evidente a perda
de relevância da abordagem técnica e jurídica assente na solicitação de infor-
mações, a preferência para que as iniciativas passassem a ser realizadas no âm-
bito da resolução 1514 (XV) e o reforço do poder de intervenção do Comité
de Descolonização na análise da questão colonial portuguesa. As resoluções
adotadas implicaram de certa forma uma rutura com o período anterior, resul-
tante da consciência de que as pressões políticas seriam mais eficazes do que a
abordagem técnica e jurídica. Demonstrando uma transformação, em que a
exigência fundamental passou a ser a autodeterminação das colónias portu-
guesas, as resoluções 1807 (XVII) e 1819 (XVII) não podem contudo deixar
de ser interpretadas como significando que a recolha de informações fora ins-
trumental para a maximização da questão colonial. Os dados obtidos justifi-
caram que a política colonial portuguesa fosse considerada uma ameaça à paz
e à segurança internacionais e para, devido à constante repetição, fazer-se vin-

79
  ANTT, AOS/CO/NE-30B-15, NATO, Apontamento Elaborado por José Manuel Fragoso da
II Reunião do Conselho da NATO sobre o Problema de Angola nas Nações Unidas, Realizada a 10
de Outubro de 1962, p. 93.
80
 Idem. p. 96.
81
 Nations Unies – A/PV. 1196. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1196e Séance
Plénière… p. 1247.
120  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

gar uma interpretação restritiva da ideia de autodeterminação82. Os países


afro-asiáticos conseguiram com a análise dos relatórios do Comité dos Sete e
do Subcomité de Angola afirmar explicitamente que as populações das coló-
nias portuguesas tinham direito à autodeterminação e à independência, atri-
buindo um apoio sem reservas às suas aspirações.
Tendo revisto a sua posição quanto à política colonial portuguesa, como fora
anunciado, os EUA apresentaram um outro projeto de resolução, que não se
reportava a quaisquer decisões das NU e nem se colocava sob a alçada do
Art.º 73.º ou da resolução 1514 (XV). Iniciativa cuidadosamente preparada,
o projeto de resolução resultara de conversações entre os EUA e o governo
português sobre a possibilidade da nomeação de um relator internacional (à
semelhança da fórmula utilizada pela SDN), que fosse encarregue de analisar
o problema das colónias portuguesas83. O relatório produzido pelo relator,
que se entendeu que provavelmente teria mais peso do que os documentos
dos órgãos estabelecidos pelas NU, destinava-se a dotar o governo português
de novos argumentos84. Portugal aceitara a proposta com a condição de que
o projeto de resolução fosse elaborado de forma genérica e que o mandato do
relator não implicasse a interpretação do Art.º 73.º, destinando-se simples-
mente a estabelecer os factos e a validade das acusações (Rodrigues, 2006:
88). Com a concordância dos EUA, a proposta fora apresentada aos mem-
bros da NATO, tendo tido bom acolhimento, e a latino-americanos e afro-
-asiáticos, que detinham os votos necessários à sua aprovação85. Na impossi-
bilidade dos afro-asiáticos aceitarem o texto, Portugal acabou por consentir
que se propusesse a nomeação de dois relatores, com a condição de que os
relatórios fossem assinados individualmente, e não em conjunto, e que o
Subcomité de Angola, cujo destino não fora decidido pela resolução 1819
(XVII), fosse extinto86.
Significativamente diferente da versão inicialmente acordada entre os EUA e
Portugal, o projeto de resolução, referindo a necessidade de obtenção de infor-
mações, propôs a nomeação de duas personalidades para recolher dados sobre

82
  United Nations. Resolution 1761 (XVII), 6 November 1962. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
83
  ANTT, AOS/CO/NE-30-7, EUA, Relato da Conversa entre Franco Nogueira e Dean Rusk, no
Palácio das Necessidades, Realizada a 7 de Junho de 1962, p. 162.
84
  ANTT, AOS/CO/NE-30-7, EUA, Relato da Conversa entre Franco Nogueira e Dean Rusk, no
Palácio das Necessidades, Realizada a 28 de Junho de 1962, p. 163-164.
85
  ANTT, AOS/CD-8-3-3, Alberto M. Franco Nogueira, Carta de Franco Nogueira, Enviada de
Nova Iorque, a António de Oliveira Salazar, de 20 de Outubro de 1962, p. 568v-569.
86
  ANTT, AOS/CO/NE-30-11, EUA, Relato da Conversa entre Franco Nogueira e Dean Rusk,
na Embaixada dos EUA em Paris, Realizada a 15 de Dezembro de 1962, p. 203.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  121

a situação política, económica e social em Angola e Moçambique87. Prevendo


deslocações aos dois territórios e a outros lugares, ao governo português enten-
deu que se devia solicitar que prestasse toda a assistência na execução do man-
dato dos relatores, que teriam de elaborar um relatório para a sessão seguinte
da AG. Para justificar a iniciativa, os EUA indicaram que seria uma oportuni-
dade para que, pela primeira vez, houvesse a deslocação oficial de representan-
tes das NU às colónias portuguesas, avisando que, para que a proposta alcan-
çasse o seu objetivo, não podia ser sujeita a alterações88. Reafirmando a sua
posição sobre o Art.º 73.º, Portugal anunciou concordar com a nomeação dos
relatores, indicando que lhes prestaria a plena cooperação89. Tendo consultado
a opinião de Holden Roberto, que se encontrava em Nova Iorque, os países
africanos informaram que, para que pudessem votar a favor, seria necessário
que se mencionasse as anteriores resoluções das NU e que fossem nomeados
três em vez de dois relatores, que teriam de ficar sujeitos à autoridade do
Comité de Descolonização (Rodrigues, 2006: 90).
Como as alterações pretendidas serviram de pretexto para Portugal rejeitar a
iniciativa, os africanos – que conforme combinado com a missão norte-ame-
ricana fizeram um elogio à conduta dos EUA – solicitaram que o projeto de
resolução não fosse submetido a votação90. Respondendo afirmativamente, os
EUA abandonaram a proposta que, dadas as decisões que vinham sendo ado-
tadas pelas NU, poderá ser considerada como ultrapassada, uma vez que
informações sobre as colónias portuguesas tinham sido reunidas pelo Subco-
mité de Angola e pelo Comité dos Sete, tendo as deliberações demonstrado
que a Assembleia não pretendia continuar a examinar a política colonial por-
tuguesa em função do Art.º 73.º. Mais do que a recolha de informações, o
gesto norte-americano destinava-se a capitalizar os benefícios que poderiam
resultar da posição de intermediário entre o governo português e os países
afro-asiáticos. Mesmo que a proposta não tivesse sido aprovada, hipótese que
de resto havia sido discutida, foi entendido que tanto Portugal como os EUA
ficaram Em Boa Posição Política91. Foi considerado que Portugal retirara da
experiência a vantagem de ter demonstrado disponibilidade para cooperar
com a Organização e que a responsabilidade pelo falhanço cabia aos afro-asiá-

87
 Nations Unies – A/PV. 1196. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1196e Séance
Plénière… p. 1249.
88
 Ibidem.
89
 Idem. p. 1250.
90
  Nations Unies – A/PV. 1201. Assemblée Générale. Dix-Septième Session. 1201e Séance Plénière.
Jeudi 20 Décembre 1962, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1962. p. 1298.
91
  ANTT, AOS/CD-8-3-3, Alberto M. Franco Nogueira, Carta de Franco Nogueira, Enviada de
Nova Iorque, a António de Oliveira Salazar, de 20 de Outubro de 1962, p. 568v-569.
122  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

ticos. Bastante entusiasmado com o desenrolar da XVII AG e com o compor-


tamento dos EUA e dos países ocidentais em geral, o governo português teve
um motivo adicional de satisfação pelo facto do Subcomité de Angola se ter
tornado inativo. Sem que tivesse havido uma extinção formal, o órgão não
voltou a reunir-se, passando o Comité de Descolonização a analisar a situação
em Angola em conjunto com as restantes colónias.

O Espetáculo dos Dias Memoráveis


Não obstante os resultados da XVII AG terem sido considerados satisfatórios,
os desenvolvimentos nas colónias, as movimentações dos afro-asiáticos e as
iniciativas dos órgãos das NU continuaram a justificar que a questão colonial
portuguesa fosse periodicamente objeto de análise. Adiada sucessivamente por
falta de condições, a luta armada na Guiné (Bissau) foi iniciada (em janeiro de
1963) pelo PAIGC, que entrou em ação no sul do território (Sousa, 2011:
343). Estudos recentes têm procurado demonstrar que o recurso à luta armada
teria resultado, entre outros fatores, de um certo ceticismo quanto às decisões
da ONU (Sousa, 2011: 311). Tendo recorrido à Organização para a contesta-
ção do colonialismo português, a possibilidade das resoluções contribuírem
para a independência da Guiné (Bissau) parece ter merecido a desconfiança do
movimento. Com o entendimento de que as iniciativas no campo internacio-
nal falharam e que existiam limitações objetivas à aplicação das decisões da
Organização, o PAIGC adotou a luta armada como meio para criar condições
internas que servissem para fundamentar as reivindicações no plano externo
(Sousa, 2011: 313).
Destinando-se a servir de pretexto para a internacionalização dos desenvolvi-
mentos ocorridos na Guiné (Bissau), o Senegal (a 10 de abril) apresentou um
pedido de convocação do CS para examinar a violação do espaço aéreo do país
por aviões portugueses, que tinham lançado granadas numa aldeia92. Apesar
do governo português ter rejeitado a acusação, a veracidade do incidente não
parece poder ser desmentida, como comprovado por informações do cônsul
francês em Dakar, que assinalou a existência de vestígios de rockets e de uma
criança ferida (Tíscar Santiago, 2013: 80-81; Marcos, 2007: 136-137)93. Com
uma redação moderada, a resolução adotada pelo Conselho (em 24 de abril)
lamentou as incursões das forças militares portuguesas, solicitando que fossem
adotadas medidas para evitar qualquer violação da soberania e da integridade

92
  Nations Unies – A/5501. Supplément n.º 1. Rapport Annuel du Secrétaire General… p. 32.
93
  Portugal tentou, por intermédio de países como Marrocos, que o Senegal retirasse o pedido
de convocação do CS. O governo português propôs no Conselho a criação de uma comissão de
investigação luso-senegalesa, o que não foi aceite pelo Senegal.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  123

territorial do Senegal. Mais do que o facto do projeto de resolução ter sido


adotado por unanimidade, a discussão da queixa teve significado pelo prece-
dente criado, em que a denúncia das operações militares portuguesas contra
países africanos com fronteiras com as suas colónias permitiu chamar a aten-
ção da comunidade internacional para a questão colonial.
Tendo absorvido novas competências, o Comité de Descolonização adotou
(também em abril) uma resolução sobre o conjunto das colónias portuguesas,
em que solicitou ao CS a aplicação de medidas coercivas (Santos, 2009a: 20).
Na convicção de que seria inevitável a realização de uma reunião para analisar
o pedido de sanções, Portugal, seguindo os conselhos que lhe pediam que
fizesse um gesto conciliador, propôs conversações sobre problemas comuns e
a negociação de pactos de não-agressão, como garantia de boa vizinhança, aos
países com fronteiras com as suas colónias. Sem que a proposta tivesse produ-
zido um efeito imediato, os países africanos decidiram (em maio), aquando da
fundação da Organização de Unidade Africana (OUA), apoiar moral, material
e financeiramente a independência dos territórios colonizados, decretando o
corte de relações diplomáticas com Portugal, a proibição de importações pro-
venientes do país e o encerramento de portos, aeroportos e espaços aéreos a
navios e aviões portugueses (Santos, 2009b: 37). Países como o Burkina Faso,
Egito, Etiópia, Mali, Senegal e Tunísia corresponderam ao apelo para a rutura
de relações diplomáticas, o que não impediu que outros continuassem a man-
ter contactos com Portugal.
Por entender que a pressão diplomática sobre Portugal, dado o seu limitado
peso internacional, seria suficiente para conduzir à independência das colónias,
a OUA desenvolveu iniciativas para isolar o país na ONU (Tíscar Santiago,
2013: 22). De forma concertada, os seus membros solicitaram (a 11 de junho)
a convocação de uma reunião do CS para examinar, conforme a resolução do
Comité de Descolonização, a situação nas colónias portuguesas94. Conseguin-
do assegurar que a questão fosse debatida em primeiro lugar, um comité de
redação da OUA foi encarregue da preparação de um relatório para ser apre-
sentado na sessão por representantes da Libéria, Madagáscar, Serra Leoa e
Tunísia95. Para coincidir com a reunião (realizada entre 22-31 de julho), o
PAIGC abriu uma nova frente de combate, a norte, destinada, entre outras

94
  O pedido foi reforçado por mensagens de Haile Selassie e de Kwame Nkrumah, que propu-
seram a adoção de deliberações que conduzissem à liquidação do domínio colonial português
em África.
95
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 15 de Julho de 1963, p. 1; AHD, Fundo POI, Mç. 207,
Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Embaixada de Portugal em Tananarive para o
MNE, de 26 de Julho de 1963, p. 1-2.
124  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

motivações, a chamar a atenção da opinião pública internacional (Sousa, 2011:


347)96. Em sessões que Franco Nogueira descreveu como O Espetáculo dos Dias
Memoráveis, a política colonial portuguesa foi amplamente contestada, mesmo
se a composição do Conselho fosse favorável a Portugal, contando entre os
membros não permanentes países como o Brasil, a Noruega e a Venezuela
(Marcos, 2007: 139). Os africanos introduziram no debate um radicalismo ao
qual as restantes delegações dificilmente conseguiram se opor abertamente.
Mesmo países como Filipinas, Madagáscar e Marrocos entenderam, sob pres-
são, condicionar as intervenções à orientação dos seus alinhamentos políticos,
embora em privado se mostrassem disponíveis para ajudar Portugal97.
Com o apoio da URSS, os países africanos fundamentaram a legitimidade da
convocação do CS com o contínuo desrespeito por Portugal das resoluções
adotadas pela Organização. A situação nas colónias portuguesas foi analisada
em temos genéricos, tendo havido alguma particularização dos acontecimen-
tos em Angola e na Guiné (Bissau). As intervenções ressaltaram as fragilidades
dos argumentos portugueses, apresentando acusações quanto à intensificação
da repressão armada, ao apoio da NATO, às deficientes condições de vida das
populações ou à exploração económica dos territórios98. Foram estabelecidos
paralelismos entre Portugal e a África do Sul, considerando-se que ambos os
países desrespeitavam a consciência universal99. Dada a sua política, as medi-
das repressivas adotadas e as ameaças aos países vizinhos das suas colónias, o
governo português foi responsabilizado pela possibilidade do aumento dos
conflitos em África. Para se fazer respeitar as decisões da Organização, ao Con-
selho foi exigido a adoção de sanções económicas e diplomáticas para contra-
riar a existente ameaça à paz e à segurança internacionais100. Empregando
expressões duras, os países africanos não deixaram contudo de testemunhar
algum espírito de compromisso, indicando que, caso Portugal declarasse acei-

96
  Alguns rumores deram conta que países africanos teriam exercido pressões sobre a Indonésia
para que desencadeasse uma invasão de Timor no momento da reunião. Cf. AHD, Fundo GNP
do MU, Processo H-5-11, Indonésia, Carta da Direcção-Geral dos Negócios Políticos e da Admi-
nistração Interna do MNE para o GNP do MU, de 15 de Julho de 1963, p. 1.
97
  A este respeito vide AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Carta
da Embaixada de Portugal em Manila para o MNE, de 28 de Julho de 1963, p. 1-3; AHD, Fundo
POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Embaixada de Portugal em
Tananarive para o MNE, de 26 de Julho de 1963, p. 1-2; AHD, Fundo POI, Mç. 83, Processo
WA-43, Ano de 1963, Vol. I, Telegrama da Embaixada de Portugal em Rabat para o MNE, de 12
de Abril de 1963, p. 1-2.
98
  Nations Unies – A/5802. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité. 16 Juillet 1963-15
Juillet 1964. Nova Iorque: s.n., 1964. p. 9-11.
99
 Idem. p. 10.
100
 Idem. p. 11.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  125

tar o princípio da autodeterminação, estariam disponíveis para recuar no


pedido de sanções101.
Provavelmente para evitar a alienação dos países considerados amigos, junto
dos quais estava a efetuar diligências, Portugal entendeu fazer uma interven-
ção moderada. O comportamento português – que já se verificara antes, uma
vez que à medida que se sentia mais apoiado Portugal parece ter optado por
uma posição menos radical – poderá igualmente ter tido por objetivo seduzir
os países africanos para as conversações propostas. Praticamente não houve
recurso à vitimização e o contra-ataque ficou limitado à indicação de que os
africanos tinham ajudado e encorajado a violência102. A intervenção do repre-
sentante português destinou-se sobretudo a passar em revista os elementos
essenciais da política colonial do país, insistindo-se nas reformas adotadas.
Portugal mobilizou os argumentos inúmeras vezes repetidos, com ênfase nos
que tentavam demonstrar que a Carta estava a ser sucessivamente violada pela
insistência em disposições interpretadas incorretamente103. De forma breve,
algumas acusações, em particular a de que não tinha colaborado com a Orga-
nização, mereceram resposta. Para demonstrar que Portugal estava disponível
para conversações e atribuir a responsabilidade por uma eventual recusa do
diálogo aos africanos, os representantes da Libéria, Madagáscar, Serra Leoa e
Tunísia foram convidados a deslocar-se imediatamente a Angola e a Moçam-
bique, para comprovarem no terreno as condições existentes nas colónias por-
tuguesas (Marcos, 2007: 143-144)104.
Demonstrando os apoios que Portugal tinha no Conselho, os que alinhavam
com o bloco ocidental tentaram estabelecer um difícil equilíbrio, mantendo a
posição favorável à autodeterminação, mas sem apoiar propostas para a expul-
são e a aplicação de sanções ou embargos de armas. Com a exceção do Brasil,
que participou na discussão logo de início, os restantes apoiantes de Portugal
reservaram as suas intervenções para o final da sessão. A França defendeu Por-
tugal categoricamente, ameaçando utilizar o veto, tendo o Reino Unido pro-
duzido uma declaração bastante favorável, enquanto a dos EUA foi considera-
da desastrosa (Rodrigues, 2006: 97)105. Os países alinhados com o ocidente

101
 Idem. p. 16.
102
 Idem. p. 11.
103
 Ibidem.
104
 Idem. p. 12.
105
  Os EUA, antes do debate, fizeram uma diligência em Lisboa, sugerindo a adoção de uma
posição semelhante à da Espanha ou a apresentação de uma declaração de reconhecimento do
direito à autodeterminação das populações africanas. O debate provocou uma tensão nas rela-
ções entre os dois países, por o comportamento norte-americano ter merecido alguns reparos
do governo português.
126  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

indicaram que o processo de independência das colónias portuguesas deveria


ser pacífico, cabendo a Portugal, enquanto potência administrante, decidir o
momento e os métodos para a implementação da autodeterminação106. Foi
reconhecido como facto inegável que a situação era grave, mas sem se conside-
rar que havia uma ameaça à paz e à segurança internacionais. Mesmo que a
não cooperação do governo português com a ONU fosse lamentada, foram
lançados apelos para que não se isolasse o país, pois ainda havia a possibilidade
de recorrer à persuasão107. Não se opondo à adoção de medidas pelo Conse-
lho, retomaram a ideia da nomeação de relatores internacionais, considerando
como positivo o convite, que entretanto fora rejeitado pelos africanos, para a
visita a Angola e a Moçambique108.
Com a intenção de evitar resoluções extremistas e satisfazer os países africanos
considerados moderados, os ocidentais desenvolveram esforços para reunir vo-
tos para influenciar a decisão do CS109. Embora continuassem a demonstrar
um comportamento revelador dos constrangimentos que afetavam a definição
de uma política em relação a Portugal, tiveram um papel determinante, con-
tribuindo para a dissuasão de propostas radicais. Tendo de Gaulle assumido a
definição da posição sobre a questão, a França reforçou a sua ação nos países
africanos de expressão francesa, recomendando moderação e prudência (Mar-
cos, 2007: 140-141). O Reino Unido, com a ajuda de outros países, terá ten-
tado apresentar um projeto de resolução que correspondesse às afirmações
portuguesas sobre o desejo de colaboração com os africanos110. Os EUA, aos
quais se atribuiu um papel decisivo, indicaram, por intervenção de Kennedy
que à semelhança de de Gaulle se envolveu pessoalmente, a decisão de não
apoiar resoluções radicais (Rodrigues, 2006: 96). Sem oferecer soluções, pois
não tomou a iniciativa de propor um projeto de resolução conjunto com a
Noruega como previsto a determinado momento, a delegação norte-america-
na conseguiu no entanto evitar referências a uma eventual expulsão de Portu-
gal no texto que os afro-asiáticos prepararam (Rodrigues, 2006: 98).
Não obstante ser bastante crítico, o projeto de resolução acabou por ser um
testemunho do ambiente favorável a Portugal existente no CS. Contrariamen-
te ao solicitado pelo Comité de Descolonização foram avançadas apenas me-
didas limitadas e não sanções. Havendo poucas disposições novas, o radicalis-

106
  Nations Unies – A/5802. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 13.
107
 Ibidem.
108
 Idem. p. 14.
109
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Londres para o MNE, de 29 de Julho de 1963, p. 1-2.
110
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Londres para o MNE, de 29 de Julho de 1963, p. 1-2.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  127

mo esteve presente na linguagem empregue, com recurso a expressões como


“condena”, “requer” ou “decide”111. Com o texto pretendeu-se que o Conselho
mostrasse a convicção de que a situação nas colónias portuguesas constituía
uma ameaça à paz e à segurança internacionais e confirmasse a resolução 1514
(XV). O conceito de territórios do ultramar, parte integrante do Portugal
metropolitano, foi rejeitado, sugerindo-se a condenação da atitude portu-
guesa, das violações repetidas da Carta e da recusa persistente em aplicar as
resoluções das NU112. Para conferir autoridade à decisão da AG, entendeu-se
que fosse exigido ao governo português a aplicação imediata do programa de
descolonização presente na resolução 1807 (XVII). Os apelos anteriormente
dirigidos aos estados membros foram apresentados com uma formulação dife-
rente, propondo-se que fosse solicitada a cessação da assistência que permitis-
se a Portugal continuar a repressão e a adoção de medidas que impedissem a
venda e o fornecimento de armas e equipamentos militares destinados a fins
repressivos113. Tendo como significado que a questão ficaria pendente, para ser
retomada mais tarde, antecipou-se que o SG fosse encarregue de assegurar a
aplicação da resolução, reportando ao CS o mais tardar a 30 de setembro.
Mesmo não tendo sido referido explicitamente, com o projeto de resolução
pretendeu-se deixar ao Conselho a hipótese de realizar consultas com o gover-
no português, diretamente ou através de terceiros114.
Com o intuito de limitar o alcance do texto e permitir votos favoráveis, foram
apresentadas emendas para a eliminação de algumas afirmações, a substituição
de palavras e a reformulação dos parágrafos mais controversos. A Venezuela
propôs que se eliminasse a afirmação de que a situação nas colónias portu-
guesas constituía uma ameaça à paz e à segurança internacionais115. Por
serem expressões negativas recomendou-se que as palavras “decide”, “conde-
na” e “coloca gravemente em perigo” fossem substituídas por “afirma”, “deplo-
ra” e “perturba gravemente”. Em vez de se solicitar a aplicação da resolução
1807 (XVII) pretendeu-se que o Conselho se limitasse a convidar o governo
português a colocar em prática as determinações do programa de descoloniza-
ção aprovado pela AG116. O pedido para a suspensão da assistência militar que
permitia ao país desenvolver ações de repressão foi objeto de uma nova reda-
ção, propondo-se a sua substituição por um apelo semelhante ao aprovado nas

111
  Nations Unies – A/5802. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 13.
112
 Ibidem.
113
 Ibidem.
114
 Ibidem.
115
 Idem. p. 16.
116
 Ibidem.
128  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

resoluções anteriores e que tanta controvérsia gerara, tendo inclusivamente


servido para justificar votos contra e abstenções. Numa questão de pormenor,
foi indicado ser preferível que o pedido ao SG para que concedesse “toda a
assistência necessária” fosse relativizado, prevendo-se que atribuísse a “assistên-
cia que estimasse necessária”117. Certamente na expectativa de que houvesse
algum desenvolvimento, designadamente a realização de conversações entre o
governo português e países africanos, aconselhou-se o alargamento do prazo
para o SG reportar ao Conselho, que deveria passar para finais de outubro.
Resultando numa descaracterização do texto, as emendas foram aceites pelos
afro-asiáticos, o que poderá ser explicado pelas mesmas pressões que tinham
conduzido a uma maior ponderação no momento da redação do projeto.
Com justificações segundo as quais as medidas propostas somente seriam con-
venientes numa situação de ameaça à paz ou que determinadas afirmações
poderiam impedir o acordo entre as partes, os EUA, a França e o Reino Unido
não apoiaram o projeto de resolução, abstendo-se (Marcos, 2007: 152)118. O
carácter artificial dos argumentos que serviram para fundamentar as absten-
ções tornou-se mais evidente nas declarações de voto, em que as três grandes
potências indicaram aprovar o essencial do projeto de resolução119. Em priva-
do, os ocidentais demonstraram temer sobretudo que o texto pudesse criar um
precedente perigoso e conduzir à instauração de sanções a um membro da
NATO, o que seria embaraçoso para a aliança (Oliveira, 2007: 311-312).
Determinado diretamente pela intervenção de Kennedy, o sentido do voto
norte-americano não produziu o mesmo efeito de arrastamento verificado
anteriormente, por o Brasil ter adotado uma atitude mais rígida, a Venezuela
ter pretendido manter a posição assumida no Comité de Descolonização e a
Noruega ter ficado satisfeita com as alterações introduzidas no documento120.
O projeto foi aprovado (em 31 de julho), tornando-se na resolução 180
(1963), que ficou muito distante do texto original, limitando-se a deplorar a
atitude do governo português, sem a condenar.
Tendo servido para reforçar as disposições da resolução 1807 (XVII), tornan-
do-as de aplicação obrigatória, a decisão aprovada teve uma grande repercus-
são na imprensa internacional e na opinião pública portuguesa. De significa-

117
 Ibidem.
118
 A abstenção provocou descontentamentos no governo francês, onde alguns setores não
compreendiam o apoio diplomático e militar do general de Gaulle à política colonial portugue-
sa. O representante francês nas NU, Roger Seydoux, exprimiu o seu desagrado pelo voto da
França, indicando que se tornava cada vez mais difícil opor-se a propostas que tinham interesse
ao mais alto nível para os africanos. Cf. Marcos, 2007.
119
  Nations Unies – A/5802. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 14.
120
 Idem. p. 16.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  129

tivo foi o facto de, em vez de relembrar a resolução 1514 (XV), como fora
efetuado em anteriores sessões, ter confirmado a Declaração. No mesmo sen-
tido, ao rejeitar o conceito português de territórios ultramarinos, na prática o
documento teve como significado a reafirmação das resoluções 1541 (XV) e
1542 (XV). Consideravelmente enfraquecido, o texto poderá no entanto ser
interpretado como um retrocesso nos esforços afro-asiáticos, tornando eviden-
te a existência de um desfasamento entre o radicalismo dos debates e a capaci-
dade para adotar decisões. Em sentido literal, a resolução 180 (1963) signifi-
cou que o órgão que pela Carta tinha competência para determinar a
existência de ameaças à paz e à segurança internacionais não subscreveu o en-
tendimento de que a situação nas colónias portuguesas recaía no âmbito do
Capítulo VII, que previa a adoção de medidas coercivas, e nem atendeu ao
pedido de sanções. Numa demonstração dos limites da pressão afro-asiática,
dado que os países ocidentais determinavam em grande medida a orientação
do órgão, o documento resultou na desautorização das conclusões e decisões
do Comité dos Sete, do Comité de Descolonização e da própria AG. Explica-
da pelo desequilíbrio inerente ao sistema das NU, a resolução 180 (1963)
evidenciou a diferença entre a atuação do CS, onde Portugal conseguiu mobi-
lizar o apoio dos membros permanentes que tinham o poder de veto, e a AG,
que foi sempre mais radical nas suas exigências, adotando medidas penaliza-
doras.

Uma “Vitória para Portugal”


Na sua capacidade de funcionário das NU e enquanto personalidade indepen-
dente, o SG com frequência complementa os esforços do CS – com o qual
mantém uma relação complexa – na solução de disputas (Malone, 2007: 119).
Decorrente da resolução 180 (1963), o SG U Thant ficara encarregue de redi-
gir um relatório sobre a aplicação pelo governo português da decisão do Con-
selho. Para que pudesse desempenhar o mandato, pediu (em 19 de agosto) que
Portugal lhe comunicasse as medidas adotadas para a implementação da reso-
lução121. Em resposta, o representante permanente de Portugal informou (a 29
de agosto) da disponibilidade do governo português para fornecer quaisquer
clarificações, convidando o SG a deslocar-se a Lisboa para conversações dire-
tas. Cuidadosamente preparado, o convite fora sugerido pelo embaixador nor-
te-americano em Lisboa, Charles Elbrick, tendo Franco Nogueira considerado
que não haveria inconveniente em conversar com o SG sobre as acusações de

121
  United Nations – S/5448. 31 October 1963. Report by the Secretary-General in Pursuance of
the Resolution Adopted by the Security Council at its 1049th Meeting on 31 July 1963 (S/5380). s.l.:
s.n., s.d. p. 2.
130  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

ameaça à paz e à segurança internacionais122. Por entender que o convite fora


“redigido tendenciosamente”, dado que tinha sido salvaguardada a posição
portuguesa quanto à competência das NU, U Thant comunicou (a 31 de agos-
to) que não podia abandonar a sede da Organização, mas que nomearia o
subsecretário para o Departamento de Tutela e Informação sobre os Territórios
não Autónomos, Godfrey Amachree, para o representar nas conversações123.
Escolhido por ser natural da Nigéria, país considerado moderado, e por ante-
riormente ter tido um encontro com Franco Nogueira que decorrera cordial-
mente, Amachree deslocou-se a Lisboa (de 9-11 de setembro) para conversa-
ções com Oliveira Salazar e representantes dos ministérios dos Negócios
Estrangeiros e do Ultramar124. Bem acolhida por alguns países, a deslocação a
Lisboa foi antecedida por uma cuidadosa preparação quanto à definição dos
seus objetivos. Amachree foi instruído a limitar-se ao âmbito da resolução 180
(1963), procurando determinar a opinião do governo português sobre as mo-
dalidades para a sua implementação, visando em particular o parágrafo que
convidava à aplicação do programa de descolonização125. O SG indicou não
lhe interessar, exceto na medida em que tivesse relação com a resolução ou
alguma influência na sua implementação, a discussão de questões como as
suscitadas na sessão do CS ou a validade das decisões dos órgãos das NU.
Dada a natureza sensível da sua missão, Amachree foi aconselhado a empregar
o maior cuidado e descrição, evitando declarações ou comentários à imprensa,
salvo quando autorizado pelo SG126.
As reuniões em Lisboa destinaram-se, no essencial e como desejado pelo SG,
à discussão da resolução 180 (1963), sem que contudo tivessem sido deixadas
de parte considerações quanto à posição do governo português e aos temas
referidos no debate no CS127. Franco Nogueira analisou a resolução parágrafo

122
  ANTT, AOS/CO/NE-30-14, EUA, Relato da Conversa entre Franco Nogueira e o Embaixa-
dor dos EUA, Realizada a 16 de Agosto de 1963, p. 257-258.
123
  AHD, Fundo POI, Mç. 86, Processo WE-Geral, 1963, Telegrama da Missão de Portugal na
ONU para o MNE, de 2 de Setembro de 1963, p. 1.
124
  AHD, Fundo POI, Mç. 200, Processo ZG-2, Anos de 1964-1967, Vol. I, Telegrama da
Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 29 de Agosto de 1963, p. 1.
125
 Idem. p. 1-2.
126
 Idem. p. 2.
127
  Do lado português, os participantes nas reuniões foram: Franco Nogueira; general Câmara
Pina, chefe de Estado-Maior do Exército; Alexandre Ribeiro da Cunha, inspetor superior do
MU; João Hall-Themido, diretor-geral adjunto dos Negócios Políticos do MNE; e assessores
do MNE e do Estado-Maior do Exército. Cf. AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/
GM/GNP/RRI/0903/12548, Processo GG-2-2, ONU, Apontamento da Conversa com o Repre-
sentante do SG das NU, Elaborado pela Direcção-Geral dos Negócios Políticos e da Administração
Interna do MNE, p. 1.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  131

a parágrafo, tendo tido o cuidado de não colocar em causa a competência do


SG para desempenhar o mandato que lhe fora atribuído128. Mais do que con-
testar as decisões das NU ou defender a política colonial portuguesa, funda-
mentalmente as reuniões serviram para se demostrar disponibilidade para dia-
logar, retomando-se a proposta para a realização de encontros com países
africanos. Em conversa privada, anterior às reuniões oficiais, Franco Nogueira
informou Amachree que Portugal continuava recetivo ao diálogo, desde que
não houvesse interferências de países não africanos129. Ao manifestar interesse
na assistência do SG, Portugal definiu nos restantes encontros, designadamen-
te no realizado com Salazar, as condições para as conversações, indicando que
deveriam ter lugar unicamente com países que tinham fronteiras com as suas
colónias, que a presença de estados como a Argélia e a República Árabe Unida,
conhecidos pelas posições radicais em questões coloniais, não seria admissível
e que, pelo contrário, Marrocos e Tunísia poderiam ser opções válidas130.
Tendo efetuado intervenções pontuais, uma vez que as reuniões foram con-
duzidas pelos representantes portugueses, Amachree revelou um comporta-
mento muito semelhante ao de Carlos Salamanca, o que lhe valeu acusações
de alinhamento com a política colonial portuguesa131. No memorando
apresentado ao SG indicou que o convite para a deslocação a Lisboa fora
genuíno e não uma manobra de propaganda132. Para Amachree, Portugal
encontrava-se entre a espada e a parede, mas por razões políticas não podia de
um momento para o outro alterar a orientação que vinha seguindo133. Ao
considerar que o governo português desejava dispor de tempo para imple-
mentar as reformas anunciadas, entendeu que a grande preocupação era asse-
gurar que, em caso de independência, a sua influência nas colónias não desa-

128
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-05, Country
Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Mission of Mr. Amachree to
Portugal, Second Meeting: 10 September 1963, 4 p.m., p. 8-10.
129
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-03, Country
Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Afro-Portuguese Conversations,
Memorando de Godfrey Amachree para o SG, de 17 de Setembro de 1963, p. 2.
130
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-05, Country
Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Mission of Mr. Amachree to
Portugal, Resumo da Reunião entre Godfrey Amachree e António de Oliveira Salazar, Realizada a
11 de Setembro de 1963, às 12h30, p. 1.
131
  AHD, Fundo POI, Mç. 86, Proc. WE-Geral, Ano de 1963, Carta da Embaixada de Portugal
em Paris para o MNE, de 18 de Março de 1966, p. 1.
132
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-03, Country
Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Afro-Portuguese Conversations,
Memorando de Godfrey Amachree para o SG, de 17 de Setembro de 1963, p. 3.
133
 Ibidem.
132  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

pareceria134. Nas suas sugestões, Amachree limitou-se a propor que o SG


viabilizasse a sugestão portuguesa para conversações com países africanos, que
deveriam ter como tema a questão da ameaça à paz e à segurança no continen-
te africano, o que seria uma fórmula suficientemente vaga para permitir que
ambas as partes abordassem problemas do seu interesse135. Amachree propôs
que a escolha dos países para participar nas discussões ficasse a cargo do SG,
que aconselhou a consultar o Grupo Africano para evitar acusações de não ter
solicitado a cooperação da OUA enquanto organização regional136. Desde que
os países participantes fossem cuidadosamente escolhidos, Amachree assina-
lou que Portugal não teria objeções em cooperar e afirmou acreditar que as
conversações poderiam produzir resultados (Martins, 1995: 312).
Algumas dúvidas, por se recear que as conversações fossem uma manobra di-
latória, parecem ter condicionado a aceitação pelos africanos da proposta de
Amachree. Embora anteriormente tivessem imposto como condição para
quaisquer conversações o reconhecimento por Portugal do direito à autodeter-
minação das suas colónias, os países africanos acabaram por concordar com a
iniciativa por ser patrocinada pelo SG e por entenderem que deviam ser explo-
rados o que alguns pensavam serem sinais de abertura do governo portu-
guês137. Mantendo um contacto estreito com a Missão Portuguesa, que infor-
mou do andamento dos preparativos realizados em nome do SG, Amachree
desenvolveu esforços para impedir, como desejado por Portugal, que a Argélia
e a República Árabe Unida fossem convidadas138. Por indicação do Grupo
Africano foram escolhidos os quatro países que tinham representado a OUA
na reunião do CS, os dois membros não permanentes do órgão, além da
Nigéria, do Tanganica e da Guiné139. Contando com a presença de países con-
siderados radicais em matéria de colonialismo, como o Gana e a Guiné, e não
se tendo limitado aos que tinham fronteiras com as colónias portuguesas, a
composição da representação africana não deixou de servir os interesses de

134
 Ibidem.
135
 Idem. p. 4.
136
 Ibidem.
137
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, Country Files of the Secreta-
ry-General U Thant, Portuguese Territories, Afro-Portuguese Conversations, Memorando de
Godfrey Amachree para o SG, de 17 de Setembro de 1963, p. 4.
138
 O aide-mémoire que Amachree entregou aos países africanos foi elaborado em termos mui-
to genéricos, para não causar embaraços a Portugal. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 86, Processo
WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 8 de Outu-
bro de 1963, p. 1.
139
  United Nations – S/5448. 31 October 1963. Report by the Secretary-General in Pursuance of
the Resolution… p. 4.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  133

Portugal. Para não comprometer as conversações, os países africanos adota-


ram um espírito de moderação, tendo havido uma significativa melhoria do
ambiente nas NU, o que permitiu que os representantes portugueses não
tivessem dificuldades no relacionamento com outras delegações140.
A hipótese da realização de conversações entre representantes portugueses e
africanos foi motivo de grande curiosidade na imprensa internacional e em
outros países, em particular nos EUA, na França e no Reino Unido (Martins,
1995: 313)141. Como aconselhado por Amachree, Portugal esteve representa-
do ao mais alto nível, por Franco Nogueira, para demonstrar a importância
atribuída às conversações (iniciadas a 17 de outubro), que foram privadas e
confidenciais142. Sem pretender discutir a política colonial portuguesa, Franco
Nogueira afirmou que as ações de Portugal não representavam uma ameaça à
paz e à segurança internacionais, que as condições existentes nos seus terri-
tórios não eram suscetíveis de crítica por parte dos países africanos e que
não existia um acordo sobre a definição do conceito de autodeterminação143.
Embora não de forma muito aprofundada, apresentou a interpretação por-
tuguesa da ideia, rejeitando a sua associação à independência. Foi indicado
a oposição a um conceito que conduzisse a resultados pré-determinados e
que ignorasse todos os atos que não estivessem de acordo com certas resolu-
ções ou critérios144. Por se entender que existia mais do que uma modalidade
de autodeterminação, para Portugal a ideia significava o consentimento da
população a uma certa estrutura política, tipo de Estado e organização admi-

140
  ANTT, AOS/CD-8-3-3, Alberto M. Franco Nogueira, Carta de Franco Nogueira, Enviada
de Nova Iorque, a António de Oliveira Salazar, de 19 de Outubro de 1963, p. 588.
141
  Antes das conversações, os EUA informaram Amachree que consideravam que o conceito
de autodeterminação não incluía somente a possibilidade de independência total e absoluta,
devendo ser equacionada a eventualidade das colónias portuguesas escolherem a associação a
Portugal.
142
  Conforme aos procedimentos adotados, que tinham sido sugeridos por Amachree, o SG
presidiu à abertura das reuniões, a 17 de outubro, pronunciando uma breve declaração. Com o
consentimento de todos, U Thant determinou que Franco Nogueira falaria em primeiro lugar,
fazendo uma exposição sobre a política portuguesa, após o que a reunião seria interrompida
para permitir que os países africanos pudessem analisar as considerações efetuadas por Portugal.
Cf. UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-03, Country
Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Afro-Portuguese Conversations,
Summary of Meeting between Portugal and Representatives of African States Held in the Secretary-
-General’s Office, 17 October 1963, First Meeting, p. 1.
143
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-03, Country
Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Afro-Portuguese Conversations,
Summary Meeting between Portugal and Representatives of the African States Held in the Secretary-
-General’s Office, 17 October 1963, Second Meeting, p. 1-9.
144
 Idem. p. 5-6.
134  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

nistrativa145. A autodeterminação não era abstrata, mas estava relacionada com


as condições prevalecentes nos territórios, resultando da participação das po-
pulações nas questões administrativas e na vida política a todos os níveis146.
Sendo sabido de antemão que a questão da autodeterminação seria debatida
intensamente, as considerações de Franco Nogueira mereceram uma reação
que pouco se assemelhou às intervenções que vinham sendo produzidas nos
debates. Sem formular acusações contra a política colonial portuguesa, repor-
tando-se apenas à Carta, e não às disposições da resolução 1514 (XV), os paí-
ses africanos questionaram se o governo português estava preparado para im-
plementar o princípio da autodeterminação e da independência147. Unica-
mente preocupados com o fim da dominação colonial, que entenderam estar
acima dos problemas do desenvolvimento económico e social, solicitaram es-
clarecimentos sobre o conceito português de autodeterminação148. As dúvidas
suscitadas destinaram-se a determinar se Portugal se propunha aplicar o seu
conceito a Angola e a Moçambique, havendo dificuldades unicamente nas
modalidades de implementação, e se quando empregava a palavra “população”
estava a referir-se aos “africanos”149. Os esclarecimentos prestados por Portugal
pouco acrescentaram ao que fora dito, o que tornou as suas afirmações numa
discussão sobre a interpretação da Carta, sem que tivesse havido qualquer
recuo no conceito de autodeterminação150.
Na procura de um entendimento, o SG reuniu-se separadamente com cada
uma das partes, apresentando um memorando que continha algumas questões
e a proposta para a realização de uma segunda fase nas conversações. Redigidas
por Amachree, as perguntas do SG foram uma tentativa para evitar a conti-
nuação do conflito nas NU e transferir as discussões para fora da jurisdição da
Organização. Elaboradas de forma aparentemente imparcial, as questões cor-
responderam ao que Franco Nogueira comunicara informalmente a Amachree
sobre a eventualidade de Portugal considerar outras modalidades para a efeti-
vação da sua interpretação da ideia de autodeterminação151. Para alegadamen-

145
 Idem. p. 6.
146
 Idem. p. 6-7.
147
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-03, Country
Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Afro-Portuguese Conversations,
Summary of Meeting between Portugal and Representatives of the African States, Held in the Secre-
tary-General’s Office, 18 October 1963, Third Meeting, p. 2.
148
 Idem. p. 3.
149
 Ibidem.
150
 Idem. p. 4-6.
151
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-03, Country
Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Afro-Portuguese Conversations,
Memorando de Godfrey Amachree para o SG, de 22 de Outubro de 1963, p. 1.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  135

te terminar com as dúvidas quanto ao conceito português solicitou-se que


Portugal indicasse se seria dada às populações de Angola, Moçambique e Gui-
né (Bissau) a oportunidade de decidir a forma de governo a implementar nos
seus territórios, se lhes seria permitido exprimir-se livremente sobre o assunto
e se as autoridades portuguesas estariam disponíveis para aceitar a oferta de
bons ofícios dos africanos para que a paz e a estabilidade fossem restauradas152.
Aos países africanos, o SG questionou se poderiam garantir um ambiente pa-
cífico enquanto decorressem as conversações, a retoma das relações diplomá-
ticas com Portugal e a suspensão das discussões na IV Comissão e na AG153.
Por se considerar que o objetivo principal deveria ser alcançar os fins propos-
tos pela OUA, em reação ao memorando do SG a delegação africana afirmou
que quaisquer compromissos deveriam ser estabelecidos segundo limites cui-
dadosamente definidos154. Ainda que demonstrassem estar preparados para
usar os seus bons ofícios e facilitar o contacto entre o governo português e as
organizações anticolonialistas, indicaram não poder, enquanto não houvessem
certezas de que as negociações seriam bem-sucedidas, garantir que Portugal
não seria incomodado ou que os laços diplomáticos seriam retomados155.
Quanto à suspensão dos debates, afirmaram que a hipótese poderia ser consi-
derada se num período razoável de tempo fossem tomadas iniciativas para
encontrar uma solução156. Se bem que entendesse que a argumentação africa-
na deixaria Portugal numa posição confortável se houvesse necessidade de a
revelar publicamente, a resposta portuguesa ao SG foi pensada para permitir a
continuação das conversações157. Com a indicação de que novas leis eleito-

152
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-03, Country
Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Afro-Portuguese Conversations,
Anexo ao Memorando de Godfrey Amachree para o SG, de 22 de Outubro de 1963, p. 1.
153
  Dando crédito ao que Portugal dissera sobre o reduzido número de seguidores dos grupos
anticolonialistas, Amachree avançou ainda com a sugestão, que ao que tudo indica não foi
adotada, para que o SG procurasse saber a reação dos países africanos a um eventual envio de
uma missão do Secretariado às colónias portugueses para determinar a representatividade dos
movimentos de libertação. Cf. UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005,
S-0884-0016-03, Country Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories,
Afro-Portuguese Conversations, Memorando de Godfrey Amachree para o SG, de 22 de Outubro
de 1963, p. 1-2.
154
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-03, Country
Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Afro-Portuguese Conversations,
Resposta dos Países Africanos, de 23 de Outubro de 1963, ao Aide-Mémoire do SG, p. 1.
155
 Idem. p. 3.
156
 Ibidem.
157
  ANTT, AOS/CO/NE-30B-34, Troca de Telegramas entre a Delegação Portuguesa na ONU
e António de Oliveira Salazar sobre Conversas Realizadas entre Portugal e Países Africanos,
136  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

rais, alargando consideravelmente o eleitorado, seriam publicadas brevemen-


te, Portugal afirmou, sem assumir um compromisso definitivo, que estava a
ser considerada a possibilidade de um plebiscito, a nível nacional, para permi-
tir às populações opinar sobre a política ultramarina158. Sem corresponder
à oferta de bons ofícios dos países africanos, acrescentou-se que seriam conti-
nuados os esforços para acelerar os programas de desenvolvimento, de forma
a aumentar a participação das populações na vida administrativa e política dos
territórios159.
Como as considerações portuguesas provocaram a discordância sobre a possi-
bilidade da continuação das conversações, o SG tentou obter garantias que
continuaria a haver o envolvimento africano, o que não foi conseguido160.
Para que houvesse um ponto de partida para futuros entendimentos, os países
africanos pediram que o governo português explicasse como faria a combina-
ção entre a sua definição de autodeterminação e a realização de um plebiscito
em Angola, Moçambique e Guiné (Bissau)161. As questões foram apresentadas
sobretudo pelos representantes do Gana e da Guiné, verificando-se que a Ser-
ra Leoa demonstrou um comportamento ambíguo, considerando que nessa
etapa da discussão não seria possível entrar em detalhes162. Afirmando que o
plebiscito teria lugar no quadro nacional, incluindo a metrópole, e que procu-
raria determinar num primeiro momento unicamente a concordância das
populações com a política seguida, Portugal deixou transparecer que os resul-
tados de uma eventual consulta às populações muito dificilmente poderiam
conduzir à independência pelo simples facto da hipótese não ser equaciona-
da163. Sem que as explicações fossem consideradas satisfatórias, ambas as par-

Telegrama nº 403-D, de 23 de Outubro de 1963, Enviado por Franco Nogueira, de Nova Iorque,
a António de Oliveira Salazar, p. 179-180.
158
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-03, Country
Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Afro-Portuguese Conversations,
Summary of Meeting between Portugal and Representatives of the African States, Held in the Secre-
tary-General’s Office, 28 October 1963, Sixth Meeting, p. 3.
159
 Ibidem.
160
  ANTT, AOS/CO/NE-30B-34, Troca de Telegramas entre a Delegação Portuguesa na ONU
e António de Oliveira Salazar sobre Conversas Realizadas entre Portugal e Países Africanos,
Telegrama nº 407-A, de 28 de Outubro de 1963, Enviado por Franco Nogueira, de Nova Iorque, a
António de Oliveira Salazar, p 192-193.
161
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-03, Country
Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Afro-Portuguese Conversations,
Summary of Private Meeting between the Foreign Minister of Portugal and Representatives of the
African States, 29 October 1963, p. 1-8.
162
 Idem. p. 11.
163
 Idem. p. 8-9.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  137

tes envolveram-se numa discussão inconclusiva, que terminou (a 29 de outu-


bro) com a reafirmação das respetivas posições sobre se as colónias eram ou
não parte integrante do território português.
Sem que nada de construtivo tivesse resultado das conversações, o relatório do
SG (apresentado a 31 de outubro) demonstrou que a situação fora condicio-
nada para à partida ser favorável ao governo português. O relatório foi, con-
trariamente à prática, redigido pelo próprio U Thant, o que lhe atribuiu uma
grande autoridade. O documento, como referido por Franco Nogueira, em
nada prejudicava ou diminuía a posição portuguesa, motivando comentários
de que teria constituído Uma “Vitória para Portugal”164. Tendo afirmado que
as conversações tinham sido dedicadas sobretudo à clarificação do conceito
português de autodeterminação, que foi reproduzido com detalhe, o relatório
não atribuiu o mesmo destaque ao ponto de vista africano. As conclusões do
SG foram no mínimo discutíveis, indicando que o governo português não se
opunha ao princípio da autodeterminação ou à sua aplicação nas colónias165.
Com a afirmação de que os contactos entre o governo português e os represen-
tantes africanos tinham sido um desenvolvimento encorajador entendeu-se
contudo que era prematuro ser-se otimista quanto aos resultados. Ainda que
se tivesse considerado que o governo português tinha determinado de forma
clara a sua posição, apontou-se que novas discussões poderiam ser acordadas
para abordar questões que continuavam por esclarecer166. O desejo que os
contactos tivessem seguimento esteve seguramente relacionado com a espe-
rança, expressa no final do relatório, de que o espírito de compreensão e de
moderação demonstrado continuasse a prevalecer167.
Objeto de críticas, o relatório, bem como o comportamento do SG e de Ama-
chree, foram contestados por países como a Argélia, Camarões, Guiné, Mali,
Tanganica e Tunísia, que entenderam que o Grupo Africano não fora suficien-
temente informado do andamento das conversações168. Os esforços do Gana,
Libéria, Marrocos, Nigéria e Serra Leoa terão contribuído para atenuar as crí-
ticas, mas (a 1 de novembro) os países africanos decidiram suspender os con-

164
  AHD, Fundo POI, Mç. 86, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 8 de Novembro de 1963, p. 2.
165
  United Nations – S/5448. 31 October 1963. Report by the Secretary-General in Pursuance of
the Resolution… p. 6-7.
166
 Idem. p. 7.
167
  Na IV parte do relatório do SG constavam as respostas solicitadas aos estados membros
sobre as medidas adotadas para suspender a atribuição de qualquer assistência que permitisse a
Portugal continuar a repressão nas colónias.
168
  AHD, Fundo POI, Mç. 86, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 8 de Novembro de 1963, p. 1-2.
138  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

tactos com o governo português, recusando o reatamento das conversações169.


Num comunicado (de 6 de novembro), o Grupo Africano lamentou que não
tivesse havido qualquer mudança nos princípios que guiavam a política colo-
nial portuguesa e afirmou que a possibilidade de futuras discussões ficaria a
cargo da OUA170. Portugal atribuiu o falhanço das conversações a divisões
entre os africanos, que submetidos a pressões, não teriam conseguido conciliar
as atitudes extremistas com a posição moderada (Silva, 1995: 21). Na realida-
de não parece ter havido um real interesse do governo português na conti-
nuação das conversações, uma vez que considerava que os benefícios que
poderiam resultar de novas discussões seriam sobretudo ganhar tempo e sus-
pender momentaneamente as pressões171. Com o rompimento dos contactos
pretendeu-se que, se os motivos fossem bem esclarecidos, o país não ficaria
numa situação mais difícil172.
Revelando ter um alcance limitado, as conversações terão servido sobretudo
para se corresponder às queixas de que Portugal não “conversa”, não “fala” e
não “dialoga”173. Algumas delegações, como a belga, interpretaram os contac-
tos com os africanos, de forma precipitada, como indício de uma ligeira mo-
dificação na intransigência portuguesa174. Na realidade, Portugal nunca teve a
pretensão de fazer concessões que sacrificassem o que considerava como prin-
cípios fundamentais e muito menos permitir discussões sobre a sua atuação
nas colónias. As motivações para as conversações parecem não se ter afastado
muito das que foram apontadas acima para justificar o convite aos represen-
tantes da OUA para visitarem Angola e Moçambique. De significativo para
Portugal foi o facto de ter conseguido assegurar que a iniciativa tivesse decor-
rido sob o patrocínio do SG, com países que tinham sido cuidadosamente
escolhidos e que tivesse ficado subordinada a um tema tão genérico quanto as
ameaças à paz e à segurança internacionais. Se a isso se acrescentar o relatório

169
 Ibidem.
170
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-03, Country
Files of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Afro-Portuguese Conversations,
Comunicado Entregue pelo Representante do Gabão, em Nome do Grupo Africano, de 6 de Novem-
bro de 1963, p. 1.
171
  ANTT, AOS/CO/NE-30B-34, Troca de Telegramas entre a Delegação Portuguesa na ONU
e António de Oliveira Salazar sobre Conversas Realizadas entre Portugal e Países Africanos,
Telegrama nº 403-D, de 23 de Outubro de 1963, Enviado por Franco Nogueira, de Nova Iorque, a
António de Oliveira Salazar, p. 179-180.
172
 Ibidem.
173
  ANTT, AOS/CD-8-3-3, Alberto M. Franco Nogueira, Carta de Franco Nogueira, Enviada
de Nova Iorque, a António de Oliveira Salazar, de Outubro de 1963, p. 593v-595.
174
  AHD, Fundo POI, Mç. 151, Processo XH-1.1, Anos de 1960, 1961, 1965, Telegrama da
Embaixada de Portugal em Bruxelas para o MNE, de 18 de Outubro de 1963, p. 1-2.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  139

do SG, que se esperava que criasse um ambiente favorável para o país nos
meios internacionais, pode-se considerar que Portugal conseguira tirar partido
de algumas das fragilidades do sistema das NU175.

Uma Decisão “Processual e Inofensiva”


Num contexto de détente e de cooperação entre os blocos, resultante do acor-
do de Moscovo (em agosto de 1963) sobre a proibição de testes nucleares, na
XVII AG a questão da descolonização continuou a ser um dos temas mais
marcantes (Costigliola, 2010: 124). Aquando do rompimento das conversa-
ções, os países africanos indicaram que os debates previstos sobre as colónias
portuguesas seguiriam o curso normal176. Determinou-se abordar o colonialis-
mo português não no âmbito do cumprimento do Capítulo XI da Carta, mas
no quadro do estudo do relatório do Comité de Descolonização. Com a ina-
tividade do Subcomité de Angola e a extinção do Comité dos Sete, o Comité
de Descolonização ficara encarregue de examinar a aplicação da resolução
1514 (XV) às colónias portuguesas, realizando sessões em África. Resultando
numa nova demonstração de que o fornecimento de informações perdera im-
portância face à exigência da aplicação imediata do direito à autodeterminação
e à independência, o relatório do Comité de Descolonização sobre os territó-
rios portugueses foi objeto de discussão (de 25 de outubro a 9 de dezembro)
na IV Comissão. Contrariamente às expectativas de Portugal, que confiava nas
possibilidades que o relatório do SG poderia proporcionar-lhe, houve um cli-
ma de grande hostilidade177. Ainda assim, ao que tudo indica, os países africa-
nos terão tentado evitar o que Portugal designava como decisões “não razoá-
veis e irrealistas”178.
O debate teve de significativo o facto de terem sido definidos novos procedi-
mentos sobre o direito de petição para os territórios colonizados. Tendo sido
suscitada a dúvida, provocada por um pedido de Henrique Galvão, que efe-
tuara diversas tentativas para se apresentar nas NU, de que os acordos de
extradição assinados pelos EUA poderiam impedir as audições, a Comissão

175
  ANTT, AOS/CO/NE-30B-34, Troca de Telegramas entre a Delegação Portuguesa na ONU
e António de Oliveira Salazar sobre Conversas Realizadas entre Portugal e Países Africanos,
Telegrama nº 409-A, de 1 de Novembro de 1963, Enviado por Franco Nogueira, de Nova Iorque, a
António de Oliveira Salazar, p. 197.
176
  AHD, Fundo POI, Mç. 86, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 6 de Novembro de 1963, p. 2.
177
  AHD, Fundo POI, Mç. 151, Processo XH-1.1, Anos de 1960, 1961, 1965, Telegrama da
Embaixada de Portugal em Bruxelas para o MNE, de 18 de Outubro de 1963, p. 1.
178
  AHD, Fundo POI, Mç. 184, Processo ZB-2, Ano de 1964, Vol. VIII, Relatório (Resumo da
XVIII Sessão da Assembleia-Geral da ONU) Elaborado por Vasco Garin, p. 8.
140  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

aprovou um consenso solicitando ao SG que assegurasse junto do governo


norte-americano a proteção dos peticionários (Nogueira, 1986: 544)179. Con-
firmado o princípio de que qualquer indivíduo poderia expor as suas opiniões,
os pedidos de audição obrigaram ainda a Comissão a atualizar a lista das coló-
nias portuguesas. Por terem sido recebidos pedidos que se suspeitava que po-
deriam abordar a questão do Estado Português da Índia, foi aprovada uma
proposta para que os peticionários somente pudessem ocupar-se das condições
nos territórios que constavam da listagem elaborada com base numa decisão
do Comité de Descolonização. Como não foram referidos Goa, Damão, Diu
e São João Baptista de Ajudá, considerou-se como consumada a integração
desses territórios, o que resultou numa revisão da resolução 1542 (XV)180.
A Comissão acabou por aceitar todos os pedidos de audição, sendo os depoi-
mentos considerados mais objetivos os dos peticionários angolanos e moçam-
bicanos, que tiveram a intenção de fornecer precisões em relação às informa-
ções transmitidas nos anos anteriores quanto às condições de vida nas colónias
e às medidas adotadas por Portugal181. As intervenções suscitaram questões a
determinadas delegações, sobretudo às africanas, enquanto outras parecem ter

179
  Ao se analisar o pedido de Galvão, os EUA assinalaram que o peticionário poderia, caso se
deslocasse à sede das NU, sofrer consequências em virtude do acordo de extradição entre os
governos norte-americano e português. Por se temer que Portugal pudesse apresentar uma ação
nos tribunais norte-americanos para conseguir a extradição, o serviço jurídico das NU foi cha-
mado a estudar, juntamente com a delegação norte-americana, não somente o caso específico
de Galvão, mas também se os acordos entre os EUA e qualquer país poderiam impedir a audi-
ção de peticionários. O Conselheiro Jurídico, C.A. Stavropoulos, que tinha uma opinião desfa-
vorável à audição, indicou que a questão fundamental era o estatuto legal dos indivíduos que
pretendiam apresentar-se como peticionários e que as NU não podiam dar a Galvão nenhuma
garantia contra perseguições judiciais durante a estadia nos EUA. O parecer de Stavropoulos foi
considerado por algumas delegações como mal fundamentado, juridicamente parcial e incorre-
to, pelo que se avançou com a hipótese de se remeter o estudo da questão para o Tribunal
Internacional de Justiça. Segundo Franco Nogueira foi acordado entre Portugal e os EUA, para
salvaguardar a obrigação norte-americana de não interferência no direito do acesso à sede das
NU, que o pedido português de extradição seria deliberadamente apresentado com atraso para
impedir que tivesse seguimento.
180
  Nations Unies – A/C.4/SR 1498. Quatrième Commission, 1498e Séance. Mardi 3 Décembre
1963, à 10h50. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 498.
181
  Presença assídua nas sessões dos órgãos sobre as colónias portuguesas, Amílcar Cabral, que
enviara um comunicado anunciando a chegada a Nova Iorque de uma delegação do PAIGC,
não conseguiu apresentar-se na IV Comissão. A sua comunicação foi distribuída como docu-
mento oficial e mais tarde o presidente da Comissão fez a leitura de um telegrama que enviara
ao SG e no qual apelava que fossem adotadas medidas para evitar o massacre da população civil
guineense. Cf. Nations Unies – A/C.4/SR 1483. Quatrième Commission, 1483e Séance. Lundi 18
Novembre 1963, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 367.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  141

demonstrado indiferença182. As audições evidenciaram a mudança de orienta-


ção de alguns agrupamentos e a evolução no sentido de uma maior complexi-
ficação, num contexto de dissidências frequentes183. Sem que tivesse havido
demonstrações de hostilidade entre os agrupamentos, como acontecera em
outras sessões, as intervenções sobre Angola apresentaram poucas referências
aos desenvolvimentos da luta armada. Em particular, o Ntobako Angola, que
em momentos anteriores tivera um comportamento pró-português, esteve re-
presentado por uma ala dissidente, que acusou Portugal de praticar uma polí-
tica bárbara e de ter encarcerado elementos do partido184. Mais pormenoriza-
dos, os depoimentos sobre Moçambique destinaram-se a contestar a forma
como Portugal justificava a sua política colonial, abordando-se com insistên-
cia os temas da integração económica e da discriminação da população africa-
na. Com grande interesse foi a intervenção de Eduardo Mondlane, em repre-
sentação da FRELIMO, por ter procurado desmentir que Portugal alguma vez
tivesse reconhecido o princípio da autodeterminação, alertando a Comissão
contra as conclusões do relatório do SG185.
Portugal, como rejeitava o direito de petição para os territórios colonizados,
não esteve presente nas sessões destinadas às audições, marcando presença uni-
camente na discussão geral. Com a publicação de uma nova lei orgânica, o
governo português estava envolvido num processo de reforço da unidade polí-
tica e da centralização administrativa das colónias (Silva, 1995: 16-17). A sin-
gularidade do caso português tornou-se porém mais difícil de justificar dado o
anúncio pela Espanha do início do processo que conduziria à independência
da Guiné Equatorial (Campos, 2003). Como se tornara hábito, na delegação
portuguesa foram integrados elementos africanos, maioritariamente cabo-ver-

182
  Nations Unies – A/C.4/SR 1476. Quatrième Commission, 1476e Séance. Mardi 12 Novembre
1963, à 10h45. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 314-315.
183
  Entre as novas organizações que se apresentaram na Comissão temos o Comité de Unidade
Nacional Angolana (CUNA), criado em 1962 por dissidentes de outros movimentos. A orga-
nização propôs que a IV Comissão, entre outras medidas, recomendasse a retirada das forças
portuguesas de Angola, a libertação dos presos políticos, a convocação de uma mesa redonda
para a negociação da independência e a formação de um governo transitório para preparar
eleições por sufrágio universal. A Liga Geral dos Trabalhadores Angolanos (LGTA), associada à
FNLA, enviou uma petição escrita transmitindo informações sobre a situação dos trabalhadores
nas colónias portuguesas.
184
  Nations Unies – A/C.4/SR 1457. Quatrième Commission, 1457e Séance. Vendredi 25 Octobre
1963, à 10h50. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 166-167.
185
  Eduardo Mondlane envolveu-se numa discussão com o representante dos EUA por ter afir-
mado que estava em curso um projeto de cooperação nuclear entre o país e a África do Sul. Cf.
Nations Unies – A/C.4/SR 1480. Quatrième Commission, 1480e Séance. Jeudi 14 Novembre
1963, à 10h50. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 341-342.
142  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

dianos e guineenses, considerados pelos países afro-asiáticos como marionetas,


sem liberdade de ação186. A intervenção portuguesa evidenciou a maior con-
fiança que vinha sendo demonstrada e que tinha tradução em declarações mo-
deradas e na tendência para evitar o envolvimento em disputas com outras
delegações. Poucas foram as referências às conversações realizadas com os paí-
ses africanos, reafirmando-se unicamente o desejo de manter relações amigá-
veis com todos os estados. Portugal não teve a intenção de responder a todas as
acusações, limitando-se a negar as afirmações sobre o desrespeito pela Carta e
pelas resoluções das NU, o regime de opressão e as ameaças de extermínio que
pesavam sobre as populações das suas colónias, a exploração económica dos
territórios e o perigo para a paz e a segurança internacionais que se dizia que a
sua presença em África representava187. De forma indireta, por ter optado por
uma abordagem velada, Portugal introduziu a questão de Goa no debate, afir-
mando que as decisões da Organização não tinham sido respeitadas188. O rela-
tório do Comité de Descolonização foi referido unicamente para se indicar que
existiam situações em que a ideia de autodeterminação fora ignorada. Em ter-
mos genéricos, fez-se a defesa das realizações portuguesas em áreas como a le-
gislação do trabalho, os serviços de saúde e higiene, o ensino e a descentraliza-
ção, apoiando-se na nova lei orgânica e no relatório de uma missão da
Organização Mundial de Saúde (OMS) que se deslocara às colónias189.
Com os países ocidentais a reservarem as suas intervenções para a explicação
de voto ou para questões procedimentais, os afro-asiáticos, os socialistas e os
latino-americanos continuaram a dominar a discussão, num momento em
que estavam envolvidos na formação do G77. Semelhante ao Movimento dos
não Alinhados (MNA), o G77 era mais amplo, abarcando quase exclusiva-
mente questões económicas. Os seus membros defendiam que os esforços dos
países em vias de desenvolvimento deveriam ser apoiados por uma ação inter-
nacional adequada, sendo desejável uma nova divisão mundial do trabalho,
com outros padrões de produção e de comércio (Alden, Morphet e Vieira,
2010: 54). Tendo o desenvolvimento se tornado juntamente com a descoloni-
zação na questão mais suscetível de beneficiar do apoio da maioria nas NU,
algumas notícias recolhidas pelo governo português indicaram no entanto a
existência de um descontentamento crescente no grupo, motivado por nas

186
  ANTT, AOS/CO/NE-21-40, ONU, Carta de Júlio Monteiro, da Missão de Portugal na
ONU, para Silva Cunha, Subsecretário de Estado da Administração, de 20 de Novembro de 1963,
p. 878.
187
  Nations Unies – A/C.4/SR 1490. Quatrième Commission, 1490e Séance. Jeudi 21 Novembre
1963, à 15h10. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 432.
188
 Idem. p. 434.
189
 Idem. p. 435.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  143

questões relacionadas com o colonialismo os países africanos se reunirem em


separado, elaborando comunicados e projetos de resolução que eram subme-
tidos às restantes delegações para aprovação sem discussão190. Se bem que a
solidariedade em matéria de descolonização tivesse prevalecido, os afro-asiáti-
cos, incluindo os africanos, demonstraram nas suas intervenções diferentes
graus de compromisso com a denúncia do colonialismo português. As delega-
ções do Congo (Brazzaville), Guiné e Tanganica não esconderam o extremis-
mo, tendo países como a Mauritânia pretendido manter uma orientação mo-
derada em relação a Portugal191.
As intervenções da maioria foram genéricas ou abarcaram, embora sem gran-
des detalhes, a situação em Angola – onde a FNLA fora reconhecida pela
OUA como o único movimento que combatia verdadeiramente pela indepen-
dência – e na Guiné (Bissau) (Sousa, 2011: 272-273). Quase transversal a
todas as intervenções foi a insistência na comparação com a África do Sul, na
tentativa de estabelecer uma associação entre a política portuguesa e a discri-
minação racial subjacente ao apartheid 192. As intervenções visaram sobretudo
demonstrar que o problema das colónias portuguesas tinha interesse para toda
a humanidade, fazendo parte de um projeto mais vasto destinado a manter a
dominação branca em África193. Questões como as condições de ensino, saúde
ou trabalho existentes nas colónias, continuaram a merecer algum destaque,
juntamente com as afirmações de que as reformas portuguesas, designa-
damente a nova lei orgânica, destinavam-se à manutenção do status quo194.
As conversações luso-africanas, consideradas pela maioria como uma manobra
dilatória, e o conceito português de autodeterminação, entendido como
inconcebível, foram objeto de grande atenção195. A intenção da maioria con-
sistiu em demonstrar que as afirmações portuguesas não trouxeram novidades
e que Portugal não alterava a sua política devido à má-fé, cegueira ou falta de
coragem dos seus dirigentes196. Países com fronteiras com as colónias portu-

190
  AHD, Fundo POI, Mç. 85, Processo WB-3, Anos de 1956-1964, Carta do MNE para o
GNP do MU, de 10 de Dezembro de 1963, p. 2.
191
  AHD, Fundo POI, Mç. 84, Processo WA-51, Anos de 1963-1964, Aerograma da Embaixa-
da de Portugal em Madrid para o MNE, de 14 de Novembro de 1963, p. 1.
192
  Nations Unies – A/C.4/SR 1484. Quatrième Commission, 1484e Séance. Lundi 18 Novembre
1963, à 15h10. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 370.
193
 Idem. p. 371.
194
 Nations Unies – A/C.4/SR 1488. Quatrième Commission, 1488e Séance. Mercredi 20
Novembre 1963, à 15h15. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 411.
195
  O relatório do SG foi colocado à disposição das delegações e o comunicado do Grupo Afri-
cano sobre o rompimento das conversações foi lido pelo representante da Tunísia.
196
  Nations Unies – A/C.4/SR 1476. Quatrième Commission, 1476e Séance… p. 309.
144  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

guesas, como o Congo (Leopoldville), afirmaram sentir-se ameaçados e que


estava em causa a paz e a segurança em África e no mundo197. Outros, como o
Tanganica, questionaram o porquê de não terem sido adotadas medidas deci-
sivas para colocar um fim imediato e definitivo ao colonialismo português198.
A explicação foi encontrada na sabotagem das decisões das NU por forças
poderosas como a NATO e na circunstância de Portugal ser um agente dos
interesses dos monopólios estrangeiros, que encontraram na subjugação das
colónias o meio para explorar as riquezas africanas199.
Com a intenção de não poupar as condenações e as advertências a Portugal e
aos seus aliados, a maioria apresentou um projeto de resolução habilmente
redigido. Alguns países africanos parecem ter hesitado quanto à submissão do
texto por temerem que a sua aprovação fosse suspensa para que o CS se pro-
nunciasse sobre as diligências efetuadas em aplicação da resolução 180
(1963)200. A dificuldade foi contornada com a elaboração de um documento
considerado como propondo Uma Decisão “Processual e Inofensiva”, que se li-
mitava a ratificar deliberações anteriores201. O projeto ignorou por completo
o relatório do SG apesar de ter sido formulado em torno da resolução 180
(1963), que foi relembrada juntamente com as restantes decisões aprovadas
até ao momento sobre os territórios portugueses. Apresentado como resultan-
te do entendimento de que não era necessário introduzir novas medidas, a
habilidade do projeto esteve no facto de propor que fossem recordados todos
os itens do programa de descolonização presente na resolução 180 (1963)202.
Ao notarem com profundo lamento e grande preocupação a continua recusa
portuguesa em aplicar as determinações das NU e mostrando a convicção de
que a implementação das resoluções seria o único meio para a solução pacífica,
os autores do texto entenderam que a AG deveria solicitar ao CS que adotasse
as medidas necessárias para dar efeito às suas próprias decisões, particularmen-
te à resolução 180 (1963). Para que a questão pudesse ser reavaliada a qual-
quer momento e ser retomada pela Assembleia, propôs-se a sua manutenção
na agenda da XVIII AG203.

197
  Nations Unies – A/C.4/SR 1484. Quatrième Commission, 1484e Séance… p. 370-371.
198
 Idem. p. 372.
199
  Nations Unies – A/C.4/SR 1483. Quatrième Commission, 1483e Séance… p. 365.
200
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 21 de Novembro de 1963, p. 1.
201
  AHD, Fundo POI, Mç. 184, Processo ZB-2, Ano de 1964, Vol. VIII, Relatório (Resumo da
XVIII Sessão da Assembleia-Geral da ONU) Elaborado por Vasco Garin, p. 8.
202
  Nations Unies – A/C.4/SR 1490. Quatrième Commission, 1490e Séance… p. 439.
203
  United Nations – A/5629. 29 November 1963. Report of the Special Committee on the Situa-
tion with Regard to the Implementation of the Declaration on the Granting of Independence to
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  145

Em razão da natureza do projeto ficou de fora o pedido para que o Comité de


Descolonização continuasse a examinar a situação nas colónias portuguesas.
Sendo uma forma atenuada de solicitar a adoção de sanções, o texto foi consi-
derado pela delegação portuguesa como mais uma ilegalidade por violar a
Carta, uma vez que a AG não podia fazer recomendações sobre questões abor-
dadas pelo CS, e por não ter tido em atenção o relatório do SG204. Com os
mesmos argumentos, Portugal tentou que países alinhados com o ocidente e
latino-americanos enviassem às suas missões instruções para que votassem
contra ou pelo menos se abstivessem205. Dificuldades, nomeadamente junto
de países como a Argentina e o Chile, determinaram que as diligências portu-
guesas em alguns casos produzissem poucos ou nenhuns resultados206. O Bra-
sil, que num primeiro momento indicara pretender votar a favor do projeto de
resolução, entendeu subordinar a sua orientação a vários fatores, como a vin-
culação histórica e afetiva a Portugal, a importância das colónias portuguesas
para a segurança nacional, as condições das independências dos países africa-
nos e o impulso que o governo português poderia conceder à expansão da
economia brasileira na Europa207. Outros países, como a Costa Rica, Dina-
marca, Noruega ou Reino Unido, afirmaram ter de corresponder à opinião
pública interna, à orientação dos seus grupos regionais, à posição anticolonia-
lista que tinham assumido, às inúmeras solicitações que lhes eram apresenta-
das, ao comportamento adotado na votação da resolução 180 (1963) e ao
sentido do voto norte-americano208. Na interpretação portuguesa, os países
considerados amigos, que se mostraram “bastante reticentes e fugidios”,
foram ainda condicionados pela política de atração dos estados africanos, pelo
desejo de agradar à URSS ou de satisfazer opiniões radicais, pela proximidade
de eleições internas e pela grande liberdade de ação concedida a algumas dele-
gações em Nova Iorque209.

Colonial Countries and Peoples: Territories Under Portuguese Administration. Report of the Fourth
Committee. s.l.: s.n., s.d. p. 7.
204
 Nations Unies – A/C.4/SR 1493. Quatrième Commission, 1493e Séance. Mercredi 27
Novembre 1963, à 15h15. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 455-456.
205
  As diligências foram efetuadas junto do Reino Unido, Peru, Argentina, Chile, Venezuela,
Dinamarca, Noruega, Itália, Canadá, Equador, Grécia, Turquia, Costa Rica, Brasil, Espanha,
França e EUA.
206
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 27 de Novembro de 1963, p. 1.
207
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Diário do Congresso Nacio-
nal, Secção II, de 16 de Maio de 1964, p. 1196.
208
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Copenhaga para o MNE, de 1 de Dezembro de 1963, p. 1-2.
209
 Idem. p. 3.
146  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Por considerar que estavam em causa princípios de extrema gravidade, a dele-


gação portuguesa pediu que o projeto de resolução fosse objeto de uma vota-
ção por apelo nominal210. Portugal, África do Sul e Espanha foram os únicos a
votar contra o texto, que contou com as abstenções do Brasil, El Salvador e de
países da NATO, exceto a Dinamarca e a Noruega que votaram a favor. Ao
que tudo indica, a atuação do México, que acordara com países como a Costa
Rica e a Venezuela a conduta a seguir, terá influenciado alguns latino-america-
nos, o que talvez possa explicar que, para não se comprometerem o Equador,
Nicarágua, Paraguai, Perú e República Dominicana, se tivessem ausentado no
momento da votação211. Se bem que todas as delegações afirmassem condenar
o colonialismo português, as explicações de voto voltaram a demonstrar algu-
ma subjetividade na interpretação do texto. As demonstrações de solidarieda-
de a Portugal estiveram presentes sobretudo nas considerações do Brasil, Fran-
ça e Reino Unido, que indicaram que os argumentos invocados no CS em
julho continuavam válidos212. Tendo os EUA produzido afirmações idênticas
às dos restantes aliados, subjacente à votação norte-americana esteve contudo
uma certa secundarização da questão colonial portuguesa na agenda da admi-
nistração Kennedy devido à intransigência de Portugal, ao aparecimento de
questões mais urgentes como o Vietname e a outras motivações (Schneidman,
2005: 98).
A justificação das abstenções com argumentos formais provocou praticamente
um novo debate por alguns afro-asiáticos terem atacado os membros da
NATO e apelado a que no plenário votassem a favor do projeto de resolu-
ção213. Uma outra discussão, mais processual, resultou de uma proposta para
que Holden Roberto fosse identificado no relatório a ser submetido ao plená-
rio como presidente do GRAE, o que resultou num reconhecimento tácito do
governo angolano no exílio214. Por se ter apresentado tardiamente, Henrique

210
  Nations Unies – A/C.4/SR 1493. Quatrième Commission, 1493e Séance… p. 457.
211
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 27 de Novembro de 1963, p. 1.
212
  Esses países argumentaram ainda que não era oportuno que a AG solicitasse ao Conselho a
implementação das suas próprias decisões, que lamentavelmente não tinham sido feitas referên-
cias ao relatório do SG e que a questão dos territórios portugueses estava mais de acordo com o
Capítulo VI da Carta do que com as disposições sobre ameaças e ruturas da paz. A Austrália e
a Nova Zelândia revelaram algumas reservas sobre as expressões utilizadas e quanto ao pedido
que fora formulado ao CS. Cf. Nations Unies – A/C.4/SR 1494. Quatrième Commission, 1494e
Séance. Vendredi 29 Novembre 1963, à 10h50. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 461-462.
213
  Nations Unies – A/C.4/SR 1495. Quatrième Commission, 1495e Séance. Vendredi 29 Novem-
bre 1963, à 15h15. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 468-469.
214
  Na análise do relatório que foi apresentado pela IV Comissão à AG, a Argélia pediu que, na
indicação dos peticionários que tinham sido ouvidos, Holden Roberto fosse identificado como
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  147

Galvão fez o seu depoimento, que teve uma grande cobertura mediática, no
final dos trabalhos da Comissão215. Apesar da grande expectativa que pudesse
fornecer informações novas, o depoimento de Galvão não foi muito feliz,
desagradando aos países africanos, uma vez que defendeu a política colonial
portuguesa216. Ainda que interpretando a autodeterminação como a liberdade
dos povos determinarem o seu destino, Galvão demonstrou não apoiar a inde-
pendência das colónias, indicando que os dirigentes dos movimentos de liber-
tação, aos quais acusou de praticar assassinatos, não tinham representativida-
de217. Quando se tornou evidente que pretendia orientar a sua intervenção
para a luta contra o Estado Novo, foi-lhe indicado que se limitasse a abordar
o problema colonial por a Comissão não pretender se ocupar da situação em
Portugal. As declarações de Galvão foram particularmente contestadas pela
Argélia, Congo (Brazzaville), Guiné e Tanganica, que entenderam que não
tinham ajudado a uma melhor compreensão da realidade nas colónias portu-
guesas218. Para Portugal, a intervenção teve um efeito positivo por se conside-
rar que Galvão dera a impressão de diminuição mental e física e ter demons-
trado que era motivado por um ódio pessoal a Salazar219.
Não menos importante para Portugal foram as intervenções de António da
Fonseca, Romeo da Silva, Leo de Sousa e Wolfgang Doss de Souza, pertencen-
tes ao The Goan Association, com sede no Quénia220. Tendo resultado de uma

presidente do GRAE. Portugal apresentou reservas quanto à proposta e solicitou que fosse su-
jeita a votação. Como o presidente da Comissão afirmou que o pedido argelino fora aprovado
antes do português, a delegação portuguesa contestou a decisão, o que obrigou a uma votação.
A Comissão foi chamada a pronunciar-se não sobre a forma como identificar Holden Roberto,
mas sobre se o pedido da Argélia fora aprovado. A votação foi, na opinião da delegação norte-
-americana, bastante constrangedora para os países amigos de Portugal, tendo também motiva-
do algum descontentamento entre os afro-asiáticos, por nem todos terem reconhecido o GRAE.
Com 86 favor, 1 contra (Portugal) e 1 abstenção (Espanha) foi determinado que a proposta
argelina fora aprovada. O protesto português acabou por não constar do relatório aprovado pela
Comissão. Cf. Idem. p. 471-472.
215
  AHD, Fundo POI, Mç. 85-A, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Vol. I, Carta da Legação
de Portugal em Lima para o MNE, de 12 de Dezembro de 1963, p. 2.
216
  AHD, Fundo POI, Mç. 85-A, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Vol. I, Carta da Embai-
xada de Portugal no Rio de Janeiro para o MNE, de 16 de Dezembro de 1963, p. 1.
217
  Nations Unies – A/C.4/SR 1507. Quatrième Commission, 1507e Séance. Lundi 9 Décembre
1963, à 15h15. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 568.
218
 Idem. p. 569-571.
219
  AHD, Fundo POI, Mç. 85-A, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Vol. I, Telegrama da Mis-
são de Portugal na ONU para o MNE, de 9 de Dezembro de 1963, p. 1.
220
  Leo de Sousa, ex-diretor da Faculdade de Ciências da Universidade de Karachi, vivia no
Paquistão; Wolfgang Does de Sousa, bacharel em Comércio, associado do Institute of Charte-
red Accountants, residia em Inglaterra; António da Fonseca, gestor de promoção de vendas
148  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

iniciativa portuguesa para relembrar a questão de Goa, Damão e Diu nas NU,
com os depoimentos pretendia-se que Portugal pudesse dispor de argumentos
para demonstrar a parcialidade da Organização, acusando-a de negligenciar a
situação nesses territórios221. Os peticionários orientaram as suas intervenções
para a aplicação da autodeterminação, que curiosamente foi interpretada
segundo o entendimento das NU e não de acordo com o conceito portu-
guês222. Considerando que a autodeterminação, enquanto possibilidade dos
povos escolherem livremente a sua forma de viver, era incompatível com a
anexação pela força, os peticionários produziram afirmações que foram uma
reprodução das do representante português, Bonifácio de Miranda, de quem
partira a ideia de se apresentarem na Comissão223. As intervenções dos peticio-
nários foram constantemente interrompidas, acabando por lhes ser retirada a
palavra224. Da experiência resultou a dúvida se a IV Comissão deveria conti-
nuar a aceitar todos os pedidos de audição, tendo alguns países considerado
que esse método comportava riscos225.
Para demonstrar a importância que a questão assumira, os problemas decor-
rentes da aplicação da resolução 1808 (XVII), que instituíra o programa espe-
cial de formação para os territórios administrados por Portugal, foram analisa-
dos pela Comissão como um item separado. No relatório sobre a questão, o
SG informara que 80 bolsas de estudos, destinadas sobretudo ao ensino supe-
rior, tinham sido atribuídas pelos estados membros, o que foi considerado um
resultado satisfatório226. Para corrigir as deficiências do programa, designada-
mente ao nível da formação profissional, a Comissão aprovou um projeto de
resolução destinado a alargar os meios de ensino para os habitantes das coló-
nias portuguesas. O texto, adotado com um único voto contra, o de Portugal,
solicitava aos estados membros que pretendiam oferecer bolsas de estudos que

internacionais, tinha o seu domicílio em Portugal; e Romeo da Silva, secretário do Goan Asso-
ciation, era residente no Quénia. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 118, Processo XA-20, Anos de
1956-1964, Vol. II, Circular NU-3 do MNE, de 25 de Janeiro de 1964, p. 1.
221
  A audição foi objeto de uma circular do MNE, onde se fez a transcrição integral da ata da
reunião. Cf. Ibidem.
222
  Tendo o pedido de audição sido enviado de Londres, ficou previsto que os peticionários
viajariam para Nova Iorque a partir de um país estrangeiro. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 118,
Processo XA-20, Anos de 1956-1964, Vol. II, Apontamento de Bonifácio de Miranda, de [post.
31 de Janeiro de 1963], p. 1-2.
223
  Nations Unies – A/C.4/SR 1508. Quatrième Commission, 1508e Séance. Mardi 10 Décembre
1963, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 577-578.
224
 Idem. p. 578.
225
 Ibidem.
226
  Nations Unies – A/5801. Supplément n.º 1. Rapport Annuel du Secrétaire General sur l’Activité
de l’Organisation. 16 Juin 1963-15 Juin 1964. Nova Iorque: s.n., 1964. p. 131.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  149

tivessem em atenção primeiramente as necessidades de educação secundária e


profissional, uma vez que na sua maioria os alunos não estavam em condições
de preencher os requisitos para frequentar o ensino superior227.
Ao explicar o seu voto no plenário quanto ao primeiro projeto de resolução,
Portugal adotou um tom afirmativo, voltando a referir a ilegalidade do texto,
as realizações da sociedade multirracial portuguesa e a sinceridade do seu dese-
jo de amizade com os países africanos228. Os apelos dos afro-asiáticos aos que
se abstiveram na Comissão provocaram alguma inquietação na Missão Portu-
guesa, determinando novas diligências para garantir que não haveria mudanças
de última hora229. Em particular, tentou-se que os nórdicos seguissem o exem-
plo dos restantes membros da NATO e que latino-americanos como a Argen-
tina e o Chile se abstivessem. Como os visados consideraram que seria muito
difícil modificar a postura assumida na Comissão, não houve muitas diferenças
a assinalar na votação, que transformou o projeto na resolução 1913 (XVIII),
de 3 de dezembro230. A África do Sul, certamente por não ter estado presente
no plenário, deixou de ser listada entre os que votaram contra e o El Salvador
não voltou a associar-se à abstenção do Brasil. As grandes potências ocidentais
mantiveram o apoio a Portugal, ainda que constantemente indicassem que não
sabiam se no futuro poderiam continuar a assumir a mesma posição231. De
forma relativamente pacífica, fez-se a aprovação do programa de formação para
as colónias portuguesas, integrado na resolução 1973 (XVIII), de 16 de dezem-
bro, que praticamente não registou qualquer oposição.
Tendo sido o primeiro documento resultante da análise da questão colonial
portuguesa em função da exigência da implementação da resolução 1514
(XV), a decisão da AG demonstrou algumas das contradições das NU. Ainda
que o CS se tivesse recusado a aplicar sanções a Portugal, o texto voltou a visar
a adoção dessas mesmas medidas. Tendo o SG sido encarregue de desenvolver
uma ação de bons ofícios, os esforços de U Thant foram completamente igno-
rados, o que confirmou o falhanço da iniciativa. A resolução 1913 (XVIII)
tornou-se num exemplo paradigmático dos contantes avanços e recuos, dita-

227
  United Nations – A/5673. 14 December 1963. Information from Non-Self-Governing Territo-
ries. Report of the Fourth Committee. s.l: s.n., s.d. p. 14.
228
 Nations Unies – A/PV. 1270. Assemblée Générale. Dix-Huitième Session. 1270e Séance
Plénière. Mardi 3 Décembre 1963, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1963. p. 1-4.
229
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 29 de Novembro de 1963, p. 1.
230
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Buenos Aires para o MNE, de 29 de Novembro de 1963, p. 1.
231
  ANTT, AOS/CD-8-3-3, Alberto M. Franco Nogueira, Carta de Franco Nogueira, Enviada
de Nova Iorque, a António de Oliveira Salazar, de Outubro de 1963, p. 590-593v.
150  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

dos por razões diversas, nas decisões sobre as colónias portuguesas. Retrospe-
tivamente, por não ter trazido novidades, poderá ser entendida no âmbito do
carácter repetitivo das decisões da Organização e como uma mera formalidade
destinada à preparação da convocação do CS, que os africanos pretendiam que
tivesse lugar independentemente da decisão que fosse aprovada no plenário232.

Em Termos Muito Suaves


O poder de decisão do CS tem sido frequentemente utilizado, mesmo não
estando o órgão na obrigação de adotar ações concretas, para a aprovação de
medidas para ratificar as resoluções da AG. Com a transmissão pelo SG do
relatório sobre as iniciativas realizadas em cumprimento da resolução 180
(1963), representantes de países africanos pediram que o Conselho se reunisse
para examinar novas possibilidades para a implementação das deliberações
sobre as colónias portuguesas233. Decorrente dos trabalhos da XVIII AG, o
presidente da Assembleia comunicou o texto da resolução 1913 (XVIII), que
também apelava ao órgão para dar efeito às suas decisões. Sob a presidência
dos EUA, que tentaram adiar a reunião, o Conselho foi convocado (a 6 de
dezembro) para estudar o relatório do SG234. Os países mandatados pela OUA
que tinham assistido à reunião anterior, foram autorizados, juntamente com
Portugal, a participar na discussão. Tendo havido rumores sobre a eventual
presença de Holden Roberto, o debate foi bastante moderado, embora todas
as partes tivessem mantido a substância das suas afirmações235.
A discussão abordou em particular a ideia de autodeterminação e as suas dife-
rentes interpretações. Os países africanos pretenderam essencialmente ultra-
passar a controvérsia quanto ao conceito e impor definitivamente o entendi-
mento aprovado pela AG na resolução 1514 (XV)236. Foi dito que a conceção
portuguesa não reconhecia às populações o direito a escolher livremente o seu
destino e que, por ser limitada, quase que negava o próprio princípio de auto-
determinação237. Ao entender-se que a versão portuguesa dificilmente poderia
ser conciliada com as medidas enunciadas na resolução 180 (1963), o Gana e

232
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 21 de Novembro de 1963, p. 2.
233
  Nations Unies – A/5802. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité... p. 18.
234
  AHD, AOS/CD-8-3-3, Alberto M. Franco Nogueira, Carta de Franco Nogueira, Enviada de
Nova Iorque, a António de Oliveira Salazar, de 19 Outubro de 1963, p. 582-582v.
235
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 6 de Dezembro de 1963, p. 1.
236
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Circular NU-2 do MNE,
de 16 de Janeiro de 1964, p. 2.
237
 Ibidem.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  151

a Libéria foram os que mais insistiram numa definição minimalista que fizesse
depender o exercício da autodeterminação da independência238. Como a ini-
ciativa do SG demonstrara, alguns países africanos adotaram no entanto um
comportamento ambíguo ou assumiram uma interpretação maximalista da
ideia. Madagáscar e a Tunísia não fizeram quaisquer referências ao conceito de
autodeterminação, limitando-se a considerações sobre o falhanço das conver-
sações ou à ameaça à paz e à segurança em África resultante da situação nas
colónias portuguesas239. Testemunhando as tensões existentes entre os africa-
nos, a Serra Leoa admitiu que a independência era apenas uma das opções da
autodeterminação, que poderia produzir outras soluções que não somente a
constituição de estados soberanos240. Por se declarar que nenhuma hipótese
estava excluída, a intervenção da Serra Leoa representou um certo recuo no
conceito africano de autodeterminação.
Adotando uma postura cautelosa, a representação portuguesa entendeu en-
quadrar as suas afirmações no contexto da declaração apresentada nas conver-
sações patrocinadas pelo SG241. Portugal continuou a tentar demonstrar que
não tinha uma posição rígida, indicando que os países africanos não se interes-
saram pela discussão das condições existentes nas suas colónias. Seguramente
para evitar a renovação da controvérsia, não foram efetuadas referências ao
conceito português de autodeterminação. Declarando defender os interesses
das populações, Portugal limitou-se a afirmar que a sua política tinha por base
a constituição de uma sociedade multirracial e que não existiam dúvidas quan-
to à legitimidade dos métodos empregues242. Para sublinhar uma vez mais a
disponibilidade em cooperar com as NU, Franco Nogueira, que rejeitou todas
as acusações, convidou oficialmente o SG a deslocar-se a Angola e a Moçam-
bique para averiguar a situação no terreno243.
O projeto de resolução apresentado pelos afro-asiáticos destinou-se a obter a
aprovação de todas as delegações e a convencer Portugal do carácter ultrapas-
sado da sua definição de autodeterminação. Do texto não constavam elemen-
tos, como a referência à ameaça à paz e à segurança internacionais, que pudes-
sem suscitar objeções. Sucessivas alterações, por iniciativa do Brasil e dos
EUA, reduziram o alcance do documento, atenuando a sua redação244. Os

238
  Nations Unies – A/5802. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 18-19.
239
 Idem. p. 18.
240
  Idem. p. 18-19.
241
  Nations Unies – A/5801. Supplément n.º 1. Rapport Annuel du Secrétaire General… p. 26.
242
  Nations Unies – A/5802. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 19.
243
 Idem. p. 19.
244
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Londres para o MNE, de 11 de Dezembro de 1963, p. 1.
152  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

EUA conseguiram, ao contrário do inicialmente pretendido pelos africanos,


que não fosse atribuído a Portugal a responsabilidade pela rutura das conver-
sações245. Bastante ponderado, o projeto de resolução foi considerado pelos
norte-americanos como uma “vitória dos africanos moderados sobre o grupo
extremista” e um encorajamento a novas conversações246. Na realidade, o texto
demonstrou sobretudo a reduzida margem de manobra dos países africanos
no CS, onde se encontravam em minoria e estavam condicionados pelo poder
de veto das potências ocidentais.
O projeto de resolução, ao tomar nota dos esforços desenvolvidos pelo SG para
estabelecer contactos entre Portugal e representantes de países africanos, preten-
deu que o CS lamentasse que as conversações não tivessem produzido os resul-
tados desejados247. Remetendo para a resolução 180 (1963), cujo não cumpri-
mento pelo governo português foi deplorado, os autores solicitaram que fosse
lançado um apelo à aplicação do parágrafo que pedia a cessação imediata da
assistência que permitia ao governo português continuar a repressão nas coló-
nias. Retomando a definição da resolução 1514 (XV), o projeto de resolução
propôs que o Conselho confirmasse a interpretação segundo a qual a autodeter-
minação tinha como significado o direito dos povos determinarem livremente
o seu estatuto político e perseguirem o seu desenvolvimento económico, social
e cultural248. Tendo por base as decisões da XV AG, avançou-se que o CS tam-
bém tomasse nota da resolução 1542 (XV), que considerava todas as colónias
portuguesas como territórios não autónomos. Retomando-se uma das medidas
propostas no programa de descolonização, procurou-se que se afirmasse que a
atribuição de uma amnistia aos que tinham sido presos ou exilados por defen-
derem a autodeterminação seria considerada como prova de boa-fé do governo
português249. Para que se pudesse voltar oportunamente a abordar a questão,
entendeu-se integrar no projeto de resolução uma disposição encarregando o
SG a prosseguir as suas iniciativas para a implementação das decisões do Con-
selho e a apresentar um relatório o mais tardar a 1 de junho de 1964250.
Com a indicação de que as NU tinham critérios pouco definidos, que não
permitiam determinar o significado que atribuíam à autodeterminação e à sua
aplicação, Portugal rejeitou o projeto de resolução251. Dadas as ligações entre

245
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Washington para o MNE, de 11 de Dezembro de 1963, p. 1.
246
 Ibidem.
247
  Nations Unies – A/5802. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 20.
248
 Ibidem.
249
 Ibidem.
250
 Ibidem.
251
 Idem. p. 20.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  153

o documento e a resolução 180 (1963), para evitar que os países aprovassem o


que tinham rejeitado anteriormente, o governo português determinou a reali-
zação de diligências para que a orientação seguida pelos estados membros na
última sessão do CS fosse mantida252. Em Londres e Paris, tentou não somen-
te garantir as abstenções, mas também que fossem efetuadas pressões sobre os
EUA para evitar que votassem a favor do projeto de resolução253. Apesar de
com a substituição de Kennedy por Lyndon Johnson em finais de 1963 Por-
tugal ter passado a beneficiar de maior compreensão, os EUA tomaram a de-
cisão de votar favoravelmente, explicando a sua posição com a moderação do
projeto de resolução e por o conceito de autodeterminação enunciado permi-
tir diversas opções, o que se aproximava do entendimento norte-americano254.
Relativamente a outros países, o sentido de voto do Brasil, Noruega e Reino
Unido foi determinado pela natureza do projeto de resolução, por terem con-
seguido introduzir algumas alterações no texto e pelo efeito de arrastamento
produzido pelo comportamento dos EUA255.
Continuando com o seu apoio a Portugal, apesar das divergências que a deci-
são estava a provocar nos círculos diplomáticos do país, a França, correndo o
risco de ficar isolada, argumentou não ser necessária a adoção de um docu-
mento formal para encorajar o recomeço das conversações e que o texto apre-
sentava alusões à resolução 180 (1963)256. Como prometera, o Reino Unido,
que continuava a encontrar mais vantagens em ajudar Portugal do que em
ceder às pressões dos membros da Commonwealth, solicitou a votação separa-
da do parágrafo que deplorava o não cumprimento da resolução 180 (1963)
(Oliveira, 2007: 314). Fazendo a ressalva de que Portugal demonstrara, ao
aceitar os contactos com os países africanos, abertura para uma solução pacífi-
ca e que as conversações deveriam ser retomadas, o Reino Unido, os EUA, a
França e o Brasil abstiveram-se na votação do parágrafo, que ainda assim foi
aprovado257. Sem alterações, o projeto, que se tornou na resolução 183 (1963),
de 11 de dezembro, foi adotado por quase unanimidade, registando-se unica-
mente a abstenção da França.

252
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 11 de Dezembro de 1963, p. 1.
253
 Ibidem.
254
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Washington para o MNE, de 11 de Dezembro de 1963, p. 1.
255
  AHD, Fundo POI, Mç. 207, Processo WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Londres para o MNE, de 11 de Dezembro de 1963, p. 1.
256
  Nations Unies – A/5802. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 20.
257
 Idem. p. 20-21.
154  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Mesmo que se possa entender que a resolução não apresentou praticamente


nenhuma novidade, tendo sido redigida numa linguagem mais contida do que
as decisões anteriores, o que levou Portugal a considerá-la uma condenação
Em Termos Muito Suaves, o documento estabeleceu uma relação direta entre a
conceção “onusiana” da ideia de autodeterminação e a política colonial portu-
guesa (Marcos, 2007: 145). Com a sua aprovação, os países africanos parecem
ter tentado afirmar que não seria mais permitido a Portugal discutir conceitos
e que teria de dar cumprimento ao que fora determinado pelas NU, iniciando
negociações diretas com as organizações anticoloniais. Tendo negado qualquer
outro sentido à autodeterminação que não fosse o estabelecido na Declaração
sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais, a resolução
183 (1963) não impediu porém que a ideia continuasse a ser disputável e
maleável. A decisão, como não referia a resolução 1541 (XV), parecia apon-
tar para uma interpretação da autodeterminação enquanto independência,
excluindo as hipóteses da associação ou da integração em outros estados. Uma
vez que a ideia de autodeterminação não tinha características de universalida-
de, admitindo significados diversos, a resolução 183 (1963) não esclareceu a
ambiguidade sobre se a resolução 1541 (XV) podia ser considerada um retro-
cesso ou um avanço em relação ao estabelecido na 1514 (XV).
Decorrente da resolução 183 (1963), o SG apresentou um relatório (a 29 de
maio de 1964), indicando não terem sido recebidas do governo português
quaisquer informações sobre a aplicação da decisão258. Tendo realizado consul-
tas para a retoma das conversações, U Thant não tinha nenhum resultado po-
sitivo a reportar, por os países africanos se terem recusado a novos contactos
com Portugal259. Com um mandato fortalecido, tendo entretanto absorvido as
funções do Comité de Informações sobre os Territórios não Autónomos, o
Comité de Descolonização adotou uma resolução (a 3 de junho), na qual, sem
reconhecer explicitamente o direito das colónias portuguesas à autodetermina-
ção e à independência, solicitou ao ACNUR e a outras agências especializadas
que estudassem a possibilidade de conceder ajuda aos refugiados deslocados
pelos conflitos militares (Santos, 2009a: 54). Dado o surgimento de uma con-
trovérsia sobre o Art.º 19.º da Carta, que previa que os estados membros que

258
  Numa carta aos autores do projeto de resolução, Holden Roberto terá indicado que o texto
parecia ter tido por objetivo satisfazer Portugal e os seus aliados, em vez de manifestar a solida-
riedade africana com a luta nas colónias portuguesas. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 207, Proces-
so WE-Geral, Ano de 1963, Telegrama da Embaixada de Portugal em Brazzaville para o MNE,
de 13 de Dezembro de 1963, p. 1.
259
  UNARMS, Archives of Secretary-General U Thant, AG-005, S-0884-0016-03, Country Files
of the Secretary-General U Thant, Portuguese Territories, Afro-Portuguese Conversations, Carta
de Tafeb Slim, Representante da Tunísia nas NU, para U Thant, de 29 de Abril de 1964, p. 1.
Uma Recuperação Notável: 1962-1964  |  155

estivessem atrasados no pagamento das contribuições fossem suspensos do di-


reito de voto, a XIX AG não analisou porém a questão colonial portuguesa por
não terem sido inscritos na agenda assuntos que pudessem suscitar controvér-
sia260. Tendo sido abordados somente itens em relação aos quais era possível
adotar decisões sem objeções, o relatório do Comité de Descolonização ficou a
aguardar a regularização das atividades da AG para ser objeto de consideração.

O desenvolvimento das ideias nas NU está sujeito a pressões contraditórias,


exercidas pelos estados membros e por outros atores, o que não deixou de fazer
sentir a sua influência na análise da questão colonial portuguesa entre finais de
1962 e 1964 (Emmerij, Jolly e Weiss, 2009). Num período de grande variação
nas decisões adotadas, a Organização demonstrou a intenção de afastar-se da
exigência do cumprimento das disposições da Carta sobre o fornecimento de
informações quanto aos territórios coloniais, insistindo na implementação da
resolução 1514 (XV). Em simultâneo à tendência para se atribuir o exame da
questão ao Comité de Descolonização, teve início a prática de estudar proble-
mas particulares relacionados com a situação nas colónias portuguesas, que
foram objeto de decisões específicas. As discussões iniciais tiveram um carácter
marcadamente agressivo, considerando-se que se estava perante uma ameaça à
paz e à segurança internacionais. Convocado o CS para a imposição de san-
ções a Portugal, os debates continuaram a decorrer num tom de agressividade,
sem que contudo a resolução adotada apresentasse mais do que propostas
limitadas. Tendo os afro-asiáticos moderado a sua posição para viabilizar uma
iniciativa patrocinada pelo SG, as conversações entre Portugal e os países afri-
canos não produziram resultados. Representando um retrocesso, a AG apro-
vou, no seguimento das conversações, uma decisão que somente solicitou de
forma indireta a adoção de sanções. Utilizando o CS para a ratificação das
opiniões da maioria, os afro-asiáticos apresentaram um texto que, retomando
a resolução 1514 (XV), esteve em vias de alcançar a unanimidade.
Registando-se um ambiente mais favorável a Portugal, os dados parecem
apontar para a existência de um aprofundamento de algumas das contradições
evidenciadas anteriormente no envolvimento das NU na questão colonial
portuguesa. O contexto da Guerra Fria, a atuação do governo português, mas
sobretudo a orientação dos países que detinham mais poder na Organização,
determinaram alguma incoerência, somente compreendida se se atender aos

260
  Nations Unies – A/6001/Add. 1. Supplément n.º 1A. Introduction au Rapport Annuel du
Secrétaire General sur l’Activité de l’Organisation. 16 Juin 1964-15 Juin 1965. Nova Iorque: s.n.,
1965. p. 1.
156  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

constrangimentos associados à definição de uma posição quanto à política


colonial portuguesa. Com a consolidação da legitimidade da AG para ouvir
peticionários, prevalecendo a interpretação que defendia que todos tinham
direito a ser ouvidos, a instrumentalização das audições revelou novas limita-
ções resultantes da ausência de critérios de seleção. Dispondo de liberdade de
ação, os funcionários do Secretariado, como acontecera com Carlos Salaman-
ca, demonstraram de forma mais flagrante a influência que o comportamento
individual, que nem sempre esteve de acordo com o sentido da maioria, tinha
na tomada de decisões. Havendo a continuação da tendência para a maximi-
zação da questão, tentando-se que fosse considerada como uma ameaça à paz
e à segurança internacionais, notou-se um maior afastamento entre o discurso
e a capacidade dos afro-asiáticos para adotar as medidas pretendidas. Decor-
rente desta situação, que de certa forma fora evidente no período anterior,
tornou-se mais notória a descoordenação entre os órgãos das NU, que aprova-
ram deliberações contraditórias, oscilando entre o radicalismo e a moderação.
Numa demonstração das fragilidades do sistema das NU, Portugal, tendo
anteriormente conseguido impedir a adoção de uma resolução, teve alguma
capacidade para restringir as pressões da maioria afro-asiática, assegurando
que as decisões adotadas não fossem demasiado penalizadoras.
Comprovando que a autodeterminação podia ser invocada por todas as partes,
o período de 1962-1964 foi aquele em que mais se debateu o significado da
ideia. Novamente, a maioria demonstrou subscrever uma interpretação mini-
malista da ideia de autodeterminação, que somente podia ser plenamente reali-
zada com a constituição de estados soberanos. Portugal optou por não negar a
aplicabilidade da ideia às suas colónias, tentando demonstrar que não se afasta-
va da norma e que a autodeterminação não era estranha à realidade dos seus
territórios. A insistência portuguesa num conceito bastante distorcido parece
ter tido alguma influência no surgimento de divisões entre os países africanos,
em que alguns defenderam a versão restrita da autodeterminação enquanto
independência e outros aceitaram a possibilidade de mais soluções. Represen-
tando uma tendência minoritária, a conceção alargada da ideia de autodetermi-
nação, também apoiada por países como os EUA, foi em grande parte desvalo-
rizada por não corresponder ao entendimento que a associação à descolonização
vinha tentando estabelecer. Para a consolidação da ideia de autodeterminação
na sua conceção restritiva teve importância a confirmação pelo CS da definição
presente na resolução 1514 (XV), o que foi um novo capítulo na legitimação do
conceito “onusiano”. Destinada a colocar fim às disputas, a confirmação da
ideia de autodeterminação enquanto liberdade dos povos disporem livremente
do seu destino não deixou porém de representar uma reafirmação das ambigui-
dades associadas ao conceito, que continuariam a existir.
Capítulo III
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967

O impacto das ideias promovidas pelas NU tem sido estudado como depen-
dendo de variáveis relacionadas com as áreas a que se reportam e com os
acontecimentos particulares que ao longo do tempo afetaram a Organização
(Emmerij, Jolly e Weiss, 2009: 203). O surgimento ou o desaparecimento de
ideias nas NU resultam de mudanças globais, que obrigam a um processo de
constante adaptação, para responder a preocupações novas. Entendida por
alguns como um preceito vinculativo, a ideia de autodeterminação tornou-se
num objetivo maior das NU. Os progressos realizados na sua implementação,
favorecidos em larga medida pelos esforços de países afro-asiáticos e socialis-
tas, transformaram a dominação colonial num anacronismo. Nada tendo per-
dido da sua gravidade, a situação nas colónias portuguesas, ao ficar demons-
trado após a XIX AG o desejo de retomar, de acordo com o regulamento
interno, os trabalhos da Organização, foi objeto de novas tentativas para
encontrar soluções. Em resultado do renovado interesse, a ausência de pro-
gressos na descolonização dos territórios portugueses foi considerada Uma
Fonte de Inquietações Particulares1. O sentimento de frustração e de insatisfa-
ção demonstrado pela maioria acentuou-se, favorecendo novas condenações
da política colonial portuguesa.
Sendo menor o tempo dedicado à análise da questão, tem-se entendido que
desde 1963 tinham sido esgotadas as iniciativas das NU, que passaram a resu-
mir-se à adoção de resoluções que solicitavam a independência imediata, ou
que Portugal não tinha muito a temer por as potências ocidentais não permi-
tirem a utilização de meios de pressão mais efetivos (Martins, 1995: 317; Oli-
veira, 2007: 14). Mesmo que possam ter alguma pertinência, tais afirmações
são somente parcialmente exatas, uma vez que nos anos de 1965-1967 o go-
verno português experimentou maiores dificuldades nas NU. Com tradução
num conjunto de decisões enérgicas, a ação internacional manifestou-se num
endurecimento da Organização e na multiplicação de iniciativas de diversa
ordem. Inúmeras queixas invocando incidentes fronteiriços foram apresenta-
das no CS e agências especializadas, como a OMS, suscitaram dúvidas quanto
à participação portuguesa nas suas sessões. As resoluções traduziram a intro-

1
  Nations Unies – A/6701/Add. 1. Supplément n.º 1A. Introduction au Rapport Annuel du Secré-
taire General sur l’Activité de l’Organisation. 16 Juin 1966-15 Juin 1967. Nova Iorque: s.n.,
1967. p. 17.
158  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

dução de novos temas nos debates e foram desenvolvidos mais esforços para
ajudar os povos das colónias portuguesas a alcançarem a autodeterminação e a
independência. Tendo sido adotadas medidas de grande alcance, com signifi-
cado para o desenvolvimento da ideia de autodeterminação, o radicalismo
da Organização poderá ser considerado como resultante de um processo de
estreitamento da associação entre a questão colonial portuguesa e outras preo-
cupações dominantes da agenda das NU.

A Frustração Africana
Ainda antes da normalização do funcionamento das NU, a situação nas coló-
nias portuguesas registou um agravamento com desenvolvimentos em Angola e
na Guiné (Bissau) e o surgimento de uma nova frente em Moçambique. Em
Angola, decorrente das independências da Zâmbia e do Tanganica, os movi-
mentos de libertação passaram a dispor de mais bases de apoio, iniciando o
MPLA preparativos para a criação de uma nova frente de combate (Afonso e
Gomes, 2000: 585). Tendo obtido o reconhecimento da OUA, que entendeu
privilegiar os movimentos envolvidos na luta armada, o PAIGC reclamou o
controlo sobre parte do território da Guiné (Bissau), afirmando estar a imple-
mentar as estruturas de um proto-governo (Sousa, 2011: 378). Com santuários
na República Unida da Tanzânia, a FRELIMO (a partir de 24 de setembro de
1964) passou a realizar ações armadas em Moçambique, provocando um con-
flito que mobilizou laços transfronteiriços, afetando países vizinhos (Bonate,
2013). O apoio da ONU à ideia de autodeterminação terá influenciado a pas-
sagem à ação armada, que foi, entre outras razões, uma tentativa para demons-
trar a eficácia e o empenho na luta pela independência (Reis, 2013: 262).
Sendo os incidentes o resultado do conflito na Guiné (Bissau), o CS foi convo-
cado (em maio de 1965) para discutir uma queixa por violações repetidas do
espaço aéreo e do território senegalês por militares portugueses. A decisão ado-
tada, presente na resolução 204 (1965), lamentou profundamente as incursões
em território senegalês, reafirmando a anterior decisão do Conselho sobre a
questão e solicitando novamente ao governo português para implementar me-
didas eficazes que evitassem novas ocorrências2. Invocando a resistência de Por-
tugal em aplicar as resoluções e a intensificação da repressão contra as popula-
ções, a OUA (em julho) pediu que o órgão se reunisse urgentemente para
examinar a situação nas colónias portuguesas3. Com o estabelecimento de uma

2
  Nations Unies – A/6001. Supplément n.º 1. Rapport Annuel du Secrétaire General sur l’Activité
de l’Organisation. 16 Juin 1964-15 Juin 1965. Nova Iorque: s.n., 1965. p. 38.
3
  Numa iniciativa conjunta, os mandatários da OUA (Libéria, Madagáscar, Serra Leoa e Tunísia)
voltaram a solicitar, a 15 de outubro, uma reunião para o exame das questões dos “territórios
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  159

representação permanente em Nova Iorque, a OUA estava a desenvolver esfor-


ços para estreitar as relações com as NU em questões de interesse mútuo4. Para
aumentar a pressão sobre Portugal, os países africanos conseguiram que fosse
introduzido na agenda um item relativo à cooperação entre as duas organiza-
ções5. Dificuldades em acordar a data da reunião sobre as colónias portuguesas
determinaram que se aguardasse pela realização de uma cimeira da OUA (em
setembro) para se obter uma maior projeção internacional, aproveitando-se o
facto da AG também estar na mesma altura em funcionamento6. Adiamentos
sucessivos provocaram no entanto a inscrição tardia da questão na ordem do dia
(a 4 de novembro), decorrendo as sessões com algumas interrupções por ter
sido concedida prioridade ao estudo do problema suscitado pela declaração
unilateral de independência pela minoria branca, em desrespeito pela majorita-
ry rule, na Rodésia do Sul (Dietrich, 2013: 236).
As afirmações dos representantes da OUA estiveram em destaque no debate
(realizado de 4-23 de novembro), com a Libéria, a Serra Leoa e a Tunísia a
serem bastante pormenorizadas nas acusações contra a política colonial portu-
guesa, ao passo que Madagáscar apresentou uma intervenção genérica, limi-
tando-se a reafirmar considerações anteriores. Com os contributos da Costa
do Marfim, Jordânia e Malásia, membros não permanentes do CS, e da URSS,
a discussão desenvolveu-se com recurso a expressões violentas, denunciando-
-se Portugal pelo não cumprimento das resoluções do Conselho7. Decorrente
da controvérsia do período anterior, argumentou-se a favor da aplicabilidade,
de acordo com a interpretação do conceito promovida pelas NU, do direito à
autodeterminação e à independência aos territórios portugueses. Com grande
insistência, tentou-se estabelecer a associação entre as colónias portuguesas, a
Rodésia e a África do Sul, chamando-se a atenção para a relações entre Portu-
gal e os regimes brancos minoritários da África Austral. Foram destacadas as
medidas que se entendia que tinham sido adotadas para o reforço da domina-
ção colonial portuguesa, a extensão e a intensificação das guerras coloniais ou

ocupados” por Portugal e da política do apartheid. Cf. Nations Unies – A/6302. Supplément n.º 2.
Rapport du Conseil de Sécurité. 16 Juillet 1965-15 Juillet 1966. Nova Iorque: s.n., 1967. p. 46.
4
  Após conversas com alguns representantes, António Patrício ficou convencido que a escolha
do momento para a convocação do Conselho fora da exclusiva responsabilidade dos quatro
países mandatados pela OUA, que teriam agido sem consultar o Grupo Africano. Cf. AHD,
Fundo POI, Mç. 162, Processo ZC-2, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama da Missão de Portugal na
ONU para o MNE, de 21 de Outubro de 1965, p. 1.
5
  AHD, Fundo da Missão Portuguesa na ONU: 1975, Mç. 11, AC-2, Pasta 67, Telegrama da
Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 27 de Setembro de 1965, p. 1.
6
  AHD, Fundo POI, Mç. 162, Processo ZC-2, Ano de 1965, Vol. II, Carta do Diretor-Geral do
MNE para o GNP do MU, de 30 de Junho de 1965, p. 1-2.
7
  Nations Unies – A/6302. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 47.
160  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

o apoio que estaria a ser recebido de países aliados e de interesses económicos


estrangeiros para a repressão aos movimentos de libertação8.
Portugal, que (desde finais de 1963) vinha adotando uma posição discreta nas
NU, apresentou um comportamento diferente em relação às anteriores ses-
sões. Vasco Garin foi substituído como representante permanente de Portugal
por António Patrício, funcionário de carreira do MNE, com o estatuto de
encarregado de negócios. Parecendo significar um menor investimento numa
presença ativa nas NU, com a saída de Garin Portugal passou a recorrer sobre-
tudo a ações de bastidores para reunir apoios e condicionar o processo de de-
cisão (Reis, 2013: 265). Em grande medida, a intervenção portuguesa no CS
destinou-se a responder às críticas sobre a ameaça à paz e à segurança interna-
cionais, colocando-se a responsabilidade nos países africanos9. A cautela e a
moderação demonstrada em outras ocasiões foram substituídas por alegações
de que Portugal era vítima de uma vasta rede de interesses estrangeiros que
ameaçava Angola e Moçambique. A preparação de voluntários para combate-
rem nas colónias portuguesas ou a criação de centros de treino e de bases mi-
litares em países vizinhos, que para Portugal constituíam a verdadeira ameaça
para a paz e a segurança internacionais, foram objeto de um pedido para que
o Conselho estudasse atentamente a situação10. Portugal propôs a designação
de um subcomité, composto por um representante português e outro de países
africanos, para determinar os responsáveis pela ameaça à paz e à segurança
internacionais e fazer um inquérito sobre as infiltrações nas fronteiras11.
Reforçada pela eleição da Holanda como membro não permanente, a presença
de aliados portugueses no CS foi sentida ativamente na discussão, contraria-
mente a outros momentos em que limitaram as intervenções à explicação do
voto. Sem que se possa colocar de parte outras explicações para a mudança de
comportamento, os países do bloco ocidental podem ter sido encorajados pelos
resultados do período anterior, em que fora possível impedir decisões radicais
contra Portugal. Os EUA fizeram uma intervenção considerada “sóbria”, que

8
  Tendo pedido autorização no decorrer do debate para fazer uma declaração dadas as acusações
portuguesas de que abrigava campos de treino e bases militares de movimentos de libertação, o
representante da República Unida da Tanzânia, numa intervenção que Portugal qualificou “de
pura demagogia, usando linguagem violentíssima”, referiu a existência de execuções coletivas,
incêndios de aldeias e trabalho forçado nas colónias portuguesas. Cf. AHD, Fundo POI, Mç.
162, Processo ZC-2, Ano de 1965, Vol. II, Carta do Diretor-Geral do MNE para o GNP do MU,
de 13 de Novembro de 1965, p. 2.
9
  Nations Unies – A/6302. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 48-49.
10
 Idem. p. 49.
11
  Portugal apresentou ao CS uma lista contendo a enumeração de 140 violações do espaço
aéreo da Guiné (Bissau), que teriam ocorrido nos primeiros seis meses do ano. Cf. Ibidem.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  161

foi o resultado da menor atenção dada à questão colonial portuguesa, da relati-


va contenção das atividades militares dos anticolonialistas, da pouca disponibi-
lidade da administração Johnson para se dedicar a problemas africanos, da pre-
ocupação com a guerra do Vietname ou do crescente desinteresse pelos assuntos
internacionais (Schneidman, 2005: 150). Tendo havido a substituição do
governo conservador pelo trabalhista (em finais de 1964), o que por momentos
suscitara a hipótese de uma revisão da política britânica, o Reino Unido, dadas
as facilidades estratégicas nos Açores e a relevância que Portugal poderia ter
num eventual conflito com a Rodésia, continuou a demonstrar a mesma difi-
culdade em criticar abertamente o Estado Novo (Oliveira, 2007: 322). A Ho-
landa, que tinha um historial de colaboração com as NU para a independência
das suas colónias, foi o país que mais argumentou em apoio à política colonial
portuguesa, enquanto o Uruguai, a China e a Bolívia tiveram intervenções
limitadas. Os países alinhados com o ocidente reproduziram os argumentos
portugueses, desmentindo as acusações sobre o fornecimento de armas ou a
assistência económica a Portugal, e apresentaram propostas (como a retoma das
conversações com as delegações africanas ou a mediação do SG) que as inicia-
tivas precedentes demonstraram estar esgotadas12.
Traduzindo a agressividade do debate, os países afro-asiáticos apresentaram um
projeto de resolução que, por conter algumas inovações, foi mais duro do que
os precedentes. Ao que tudo indica houve alguma dificuldade em conseguir um
acordo sobre o documento, tendo Madagáscar somente no último momento se
associado aos restantes patrocinadores13. Relembrando as anteriores resoluções
do Conselho, os autores procuraram que se notasse com profunda inquietação
a persistente recusa portuguesa em implementá-las, considerando-se que ti-
nham sido intensificadas as medidas de repressão e as operações militares con-
tra as populações africanas com o objetivo de impedir a realização da autode-
terminação e da independência14. Como desejavam que o Conselho mostrasse
a convicção de que a aplicação das decisões das NU era o único meio para a
solução pacífica propuseram que fosse relembrada a resolução 1514 (XV).
Num agravamento das disposições, entenderam que devia-se afirmar que a si-
tuação resultante da política portuguesa, tanto a respeito das populações africa-
nas das suas colónias como no referente aos países vizinhos, colocava em perigo
a paz e a segurança internacionais15. Provavelmente por em tentativas anteriores

12
  Nations Unies – A/6302. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 50.
13
  AHD, Fundo POI, Mç. 162, Processo ZC-2, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 11 de Novembro de 1965, p. 1.
14
  Nations Unies – A/6302. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 52.
15
 Ibidem.
162  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

não ter sido possível condenar o governo português, limitaram-se a recomendar


que se deplorasse a falha no cumprimento das resoluções das NU e no reconhe-
cimento do direito à autodeterminação e à independência. Ao pretenderem
fazer uma reafirmação da interpretação da ideia de autodeterminação presente
nas resoluções 1514 (XV) e 183 (1963), avançaram que o CS emitisse um
apelo a Portugal para a sua imediata implementação16.
Reproduzindo em grande medida as disposições da anterior decisão do CS, o
projeto teve a intenção de retomar o convite urgente para a aplicação do pro-
grama de descolonização presente na resolução 180 (1963) e para o cumpri-
mento do apelo à cessação do fornecimento da assistência que pudesse permi-
tir a continuação da repressão das populações17. Com a alteração da redação
de medidas semelhantes que constavam das resoluções anteriores, propôs-se
que se lançasse um apelo para se impedir a venda e a expedição de equipamen-
tos e materiais destinados ao fabrico e à manutenção de armas e de munições
em Portugal e nas colónias. Significando na prática um embargo militar ao
governo português, o pedido teve mais desenvolvimentos num outro parágra-
fo que terá sido incluído no projeto no último momento e contra a opinião da
Malásia, que entendeu que tornava o texto inaceitável para os restantes mem-
bros18. Como esperado por Portugal, os países afro-asiáticos avançaram para a
aplicação de sanções económicas, integrando no documento a proposta para
um apelo aos estados para que, separadamente ou coletivamente, boicotassem
as importações e as exportações portuguesas19. Para o controlo da efetivação
das decisões, pretendeu-se que todos os estados fossem obrigados a informar o
SG sobre o cumprimento do embargo militar e das sanções económicas. Pro-
pondo-se que o SG assegurasse a aplicação da resolução e fornecesse a assistên-
cia necessária, recomendou-se que ficasse previsto que deveria apresentar um
relatório ao CS20.
Como algumas delegações consideraram o projeto inaceitável, os EUA chega-
ram a preparar um outro texto que, sem referir que a situação nas colónias
portuguesas constituía uma ameaça à paz e à segurança internacionais e igno-
rando as referências a embargos ou sanções, insistiu na realização de novas
conversações21. O representante norte-americano nas NU fora encarregue de se

16
 Ibidem.
17
 Idem. p. 52-53.
18
  AHD, Fundo POI, Mç. 162, Processo ZC-2, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 19 de Novembro de 1965, p. 1-2.
19
  Nations Unies – A/6302. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 53.
20
 Ibidem.
21
  AHD, Fundo POI, Mç. 162, Processo ZC-2, Ano de 1965, Vol. II, Carta da Missão de Por-
tugal na ONU para o MNE, de 26 de Novembro de 1965, p. 1-2.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  163

reunir com Franco Nogueira e delegados africanos para estimular o reinício do


diálogo (Schneidman, 2005: 117-118). Com a oposição dos afro-asiáticos ao
texto, o projeto de resolução norte-americano acabou por não ser apresentado,
tanto mais que o falhanço da iniciativa do seu representante levou os EUA a
concluir que nenhuma das partes estava interessada num compromisso para
resolver as discordâncias (Schneidman, 2005: 116). Sentindo-se enganados por
Portugal e desconfiados quanto às intenções norte-americanas, os africanos en-
tenderam que novas conversações somente poderiam ocorrer se o governo por-
tuguês aceitasse que a solução do problema pudesse implicar a concessão ime-
diata da independência e se as organizações anticoloniais fossem convidadas a
participar nas discussões, que deveriam ter como objetivo encontrar os meios e
as modalidades para a autodeterminação (Schneidman, 2005: 116).
Como era do conhecimento de Portugal, o Uruguai apresentou emendas ao
texto afro-asiático, pretendendo a substituição, no parágrafo sobre as ameaças
à paz e à segurança internacionais, das palavras “colocava em perigo” por “per-
turba seriamente”22. Para eliminar os elementos considerados inaceitáveis, as
disposições referentes ao apelo aos estados para que se abstivessem de fornecer
qualquer assistência que permitisse continuar a repressão e ao pedido de em-
bargo aos equipamentos e materiais destinados ao fabrico e manutenção de
armas foram objeto de um pedido de alteração23. De acordo com a nova reda-
ção, o CS deixaria de exigir o embargo, propondo-se que as restrições ao for-
necimento de armamento e equipamentos militares abrangessem unicamente
os destinados a serem utilizados nas colónias, excluindo-se o território portu-
guês na Europa24. Como outras delegações indicaram concordar com a even-
tualidade de parte do projeto de resolução ser alvo do voto por divisão, o
Uruguai propôs ainda a votação separada do apelo ao boicote às importações
e exportações portuguesas. Tendo por efeito fazer com que o projeto passasse
a corresponder aproximadamente às resoluções aprovadas pelo Conselho em
1963, as emendas foram adotadas e, por não ter obtido a maioria necessária,
o parágrafo sobre as sanções económicas foi rejeitado25.
Na sua versão revista, com as emendas e a exclusão do pedido de sanções, o
projeto, tornando-se na resolução 218 (1965), foi aprovado com as abstenções
dos países da NATO. Com recurso mais à forma do que à substância do texto,
a França (que não participara no debate como forma de manifestar apoio a
Portugal), a Holanda e os EUA justificaram as abstenções com a falta de com-

22
  Nations Unies – A/6302. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 54.
23
 Ibidem.
24
 Ibidem.
25
 Ibidem.
164  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

petência das NU para analisar a questão, com o receio de que a utilização


da palavra “independência” pudesse ser interpretada como significando que
somente esse poderia ser o resultado da autodeterminação e pelo facto de
não se solicitar o início de conversações entre Portugal e os países africanos26.
Pouco diferindo da decisão adotada em julho de 1963, a resolução represen-
tou indiscutivelmente um falhanço das pretensões dos países africanos. A
Frustração Africana, como referido por Portugal, transpareceu nas declarações
finais da Costa do Marfim e da Libéria, que lamentaram que alguns estados
não tivessem apoiado a resolução27. O debate demonstrou a impossibilidade
dos afro-asiáticos associarem a questão da autodeterminação ao Capítulo VII
da Carta, que previa a aplicação de sanções como forma de tornar a efetivar as
decisões do CS. As emendas apresentadas e a abstenção dos membros da
NATO confirmaram a preferência para se circunscrever a situação ao Capítu-
lo VI, referente à solução pacífica das disputas.
Numa confirmação da tendência anteriormente verificada, uma vez mais foi
evidente o contraste entre uma discussão marcada por afirmações radicais e
uma decisão que na sua substância apresentava poucas novidades. O radicalis-
mo do debate em parte resultou da questão colonial portuguesa ter sido deba-
tida em paralelo com a situação da Rodésia do Sul. A afirmação pode ser
fundamentada com as semelhanças entre as medidas que se pretendia fazer
implementar contra Portugal e as adotadas no caso da Rodésia, em que se soli-
citou a suspensão do fornecimento de armas, equipamento e material militar
e a cessação das relações económicas com o regime de Ian Smith28. Mesmo que
destituída de elementos radicais, a resolução 218 (1965) não deixou de repre-
sentar a reafirmação de uma determinada interpretação da ideia de autode-
terminação. Com o documento, os africanos reportaram-se à autoridade da
anterior decisão do Conselho, que confirmara o conceito “onusiano” de auto-
determinação. Num desenvolvimento da predisposição para o reforço das
ideias através da contínua repetição das decisões adotadas, que, como referido,
tinha por objetivo estabelecer um sentido de legitimidade, a resolução 183
(1963) foi colocada ao mesmo nível da 1514 (XV). Servindo para reafirmar a
necessidade da independência das colónias portuguesas, a referência a ambas
as resoluções deverá ser entendida como um novo esforço para emprestar um
carácter vinculativo à ideia de autodeterminação.

26
 Idem. p. 53-54.
27
  AHD, Fundo POI, Mç. 162, Processo ZC-2, Ano de 1965, Vol. II, Carta do Diretor-Geral
do MNE para o GNP do MU, de 6 de Dezembro de 1965, p. 2-3.
28
  United Nations. Resolution 217 (1965), 20 November 1965. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  165

Uma Base Legal para a Rebelião


Como se tinha produzido uma divisão de competências entre os órgãos das
NU, na XX AG o relatório do Comité de Descolonização sobre as colónias
portuguesas foi inscrito separadamente na agenda da IV Comissão. Realizan-
do uma nova deslocação a África, o Comité reforçou o apoio às organizações
anticoloniais, adotando uma resolução (a 10 de junho) que reconheceu a legi-
timidade da luta nas colónias portuguesas (Santos, 2009a: 58). Tendo por base
uma decisão anterior, realizou um estudo sobre as atividades e os interesses
económicos estrangeiros e outros que representavam um obstáculo à aplicação
da Declaração nas colónias portuguesas (Barbier, 1974: 160). Decorrente do
estudo concluiu que todos os interesses económicos estrangeiros constituíam
um impedimento à autodeterminação, o que foi criticado por algumas delega-
ções que defenderam que se fizesse a distinção entre os investimentos que re-
almente serviam de suporte ao colonialismo português e os que podiam con-
tribuir para o desenvolvimento das colónias (Barbier, 1974: 364-365). Em
resultado das circunstâncias particulares da anterior sessão, a IV Comissão
analisou simultaneamente os relatórios do Comité de Descolonização referen-
tes aos anos de 1964-1965 e o item sobre o programa especial de treino para
as colónias portuguesas. O debate foi breve seguramente por o CS ter exami-
nado a questão, tendo havido diligências de algumas delegações, como a da
URSS, para que não houvesse um grande número de intervenções29.
A discussão (realizada entre 2-8 de dezembro) teve lugar num ambiente
influenciado pelo discurso do Papa Paulo VI na AG por ocasião do 20.º ani-
versário das NU30. As delegações africanas, que sentiram que tinha havido um
grande apoio aos países menos desenvolvidos, entenderam as referências do
Papa ao colonialismo como visando Portugal31. Pelas ligações com a questão
colonial portuguesa, um conjunto de decisões da Assembleia permitiu adivi-
nhar que a discussão na IV Comissão não seria pacífica. Tendo o Reino Unido
excluído o uso da força, optando pela imposição de sanções, que por pressões
africanas incluíram um embargo ao fornecimento de petróleo, a AG conde-
nou a política de discriminação na Rodésia como um crime contra a humani-
dade32. Relativamente à África do Sul, notando-se um reforço nas capacida-
des militares e um aumento dos investimentos estrangeiros, apelou-se a um

29
  AHD, Fundo POI, Mç. 185, Processo ZB-2, Anos de 1965-1966, Vol. XIII, Apontamento
Elaborado por Costa de Morais, do GNP do MU, de 30 de Dezembro de 1965, p. 15.
30
  ANTT, AOS/CD-8-3-3, Alberto M. Franco Nogueira, Carta de Franco Nogueira, Enviada de
Nova Iorque, a António de Oliveira Salazar, de 5 de Outubro de 1965, p. 662-663.
31
 Idem. p. 659-661.
32
  United Nations. Resolution 2022 (XX), 5 November 1965. Disponível em <URL:http://www.
un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
166  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

embargo militar ao país, chamando-se a atenção do CS para a necessidade de


sanções económicas33. Como o Comité de Descolonização realizara um estu-
do sobre as atividades da indústria mineira e de outras empresas estrangeiras
no Sudoeste Africano, condenou-se a exploração dos recursos humanos e ma-
teriais do território, considerada como um impedimento à independência34.
Determinada sem que houvesse votação, o que parece sugerir que a questão se
tornara consensual, a participação de peticionários na IV Comissão foi menor
quando comparada com as sessões anteriores. Provavelmente em resultado das
dificuldades em suportar as despesas com a deslocação a Nova Iorque, as orga-
nizações anticoloniais começaram a demonstrar preferência pelo Comité de
Descolonização, que realizava reuniões em África. As afirmações mais radicais
foram as da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portu-
guesas (CONCP), em representação do MPLA, da FRELIMO e do PAIGC.
Indicando que as NU tinham uma atitude passiva, a CONCP entendeu soli-
citar a expulsão de Portugal da Organização, a cessação da ajuda dos países da
NATO, o estabelecimento de programas para fornecer fundos e equipamentos
militares às populações, o convite às agências especializadas para desenvolve-
rem novas formas de assistência, a disponibilização de um maior número de
bolsas de estudos e a imposição de um embargo35. Agrupamento de pequenas
organizações que defendia a luta armada, o Conselho do Povo Angolano
(CPA) pediu que se fizesse um apelo à cessação da entrega de armas e de qual-
quer ajuda que permitisse a Portugal pagar as despesas militares nas colónias36.
A título individual, Albert Nank, que se identificou como natural da Guiné
(Bissau) e que contactara a Embaixada Portuguesa em Londres, reclamou a
independência das colónias37. As delegações demonstraram preferência pelas
declarações da CONCP, cujos representantes foram questionados com deta-
lhe, tendo os restantes peticionários sido objeto de alguma indiferença38.

33
  United Nations. Resolution 2054 (XX), 15 December 1965. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
34
  United Nations. Resolution 2074 (XX), 17 December 1965. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
35
  Arquivo da Fundação Mário Soares, Espólio Amílcar Cabral, 03 Movimentos Anticoloniais-
-CONCP, Pasta 07059.022.005, Processo Verbal da Primeira Reunião do Comité Preparatório da
II Conferência da CONCP, Rabat 12-15 de Fevereiro de 1965, p. 7.
36
  Nations Unies – A/C.4/SR 1574. Quatrième Commission, 1574e Séance. Jeudi 2 Décembre
1965, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1965. p. 386.
37
  Nations Unies – A/C.4/SR 1584. Quatrième Commission, 1584e Séance. Vendredi 10 Décem-
bre 1965, à 15h20. Nova Iorque: s.n., 1965. p. 469.
38
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Carta do MNE para o
GNP do MU, de 20 de Dezembro de 1965, p. 1.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  167

O projeto de resolução apresentado pelos afro-asiáticos, integrando “disposi-


ções novas, precisas e draconianas”, revelou uma grande violência (Silva, 1995:
29). Uma primeira versão, menos radical, fora objeto de alterações destinadas
a aproximá-la das medidas aprovadas pela AG contra a África do Sul39. O
texto, que foi o mais extenso até então elaborado, tinha como destinatário não
somente Portugal, mas também outros estados membros, em especial os países
da NATO, empresas internacionais com interesses nas colónias portuguesas e
agências especializadas. Ao relembrar a resolução 1514 (XV) e as demais deci-
sões, o projeto pretendeu que se tomasse nota com profunda preocupação que
Portugal estava a intensificar as ações de repressão e as operações militares
contra as populações e que as atividades dos interesses financeiros estrangeiros
constituíam um impedimento à realização das aspirações à liberdade e inde-
pendência40. Em contradição com a anterior resolução do CS, os autores do
projeto propuseram que a Assembleia afirmasse que a atitude de Portugal
em relação às colónias e aos estados vizinhos constituía uma ameaça à paz e à
segurança internacionais41.
Elaborado com a intenção de refletir os debates do Comité de Descoloniza-
ção, o texto recomendou a reafirmação do direito dos povos das colónias por-
tuguesas à liberdade e independência, reconhecendo a legitimidade da luta
para se alcançar os objetivos estabelecidos na Carta, na Declaração Universal
dos Direitos Humanos e na resolução 1514 (XV)42. Ao se propor a aprovação
dos relatórios do Comité de Descolonização, foi apresentada a sugestão para
que se fizesse um apelo aos estados para, em coordenação com a OUA, conce-
derem apoio moral e material à restauração dos direitos inalienáveis das coló-
nias portuguesas. Sem hesitações, pretendeu-se a condenação da política por-
tuguesa, da persistente recusa em implementar as resoluções e da violação dos
direitos económicos e políticos das populações das colónias pelo estabeleci-
mento em larga escala de emigrantes estrangeiros e pela exportação de traba-
lhadores para a África do Sul43. Aos estados entendeu-se que se solicitasse que
evitassem que os seus cidadãos desenvolvessem atividades relacionadas com
interesses financeiros estrangeiros, que fossem um impedimento à liberdade e
à independência. Tendo desaparecido as referências ao programa de descolo-

39
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 14 de Dezembro de 1965, p. 1.
40
 United Nations – A/6209. 20 December 1965. Implementation of the Declaration on the
Granting of Independence to Colonial Countries and Peoples: Reports of the Special Committee:
Territories under Portuguese Administration. Report of the Fourth Committee. s.l.: s.n., s.d. p. 6.
41
 Idem. p. 7.
42
 Ibidem.
43
 Ibidem.
168  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

nização, algumas disposições do projeto de resolução utilizaram a linguagem


do Capítulo VII da Carta, que somente podia ser invocada pelo CS. Destina-
das a isolar o governo português, aos estados membros considerou-se que a
Assembleia deveria exigir que adotassem, individualmente ou coletivamente,
medidas para a rutura das relações diplomáticas e consulares, o encerramento
dos portos e aeroportos aos navios e aviões portugueses, a proibição das suas
embarcações utilizarem quaisquer instalações em Portugal e nas colónias e o
boicote ao comércio com o país44.
Em conjunto com as sanções político-económicas, ficou previsto que se soli-
citasse um embargo militar aos estados, em particular aos membros da NATO.
Estes teriam de abster-se de conceder qualquer assistência que permitisse con-
tinuar a repressão, adotando medidas para evitar a venda ou o fornecimento
de armas e equipamento militar a Portugal, bem como para a suspensão das
entregas de materiais para o fabrico ou a manutenção de armamento e muni-
ções45. Para impedir que o governo português dispusesse de mais recursos, re-
comendou-se que a AG apelasse, sobretudo ao Banco Internacional para a
Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) e ao Fundo Monetário Interna-
cional (FMI), para que recusassem qualquer assistência financeira, económica
e técnica enquanto Portugal não implementasse a resolução 1514 (XV)46. Ao
ACNUR, às agências especializadas e a outras organizações internacionais, os
autores do projeto de resolução pediram que se solicitasse o aumento da assis-
tência aos refugiados e às populações afetadas pelas operações militares portu-
guesas. Com o falhanço da tentativa de imposição de sanções e embargos
através do CS, foi integrada uma disposição destinada a que se pedisse ao
órgão a adoção de medidas apropriadas para assegurar a implementação das
resoluções47. Tendo a questão das colónias portuguesas se tornado num item
“tradicional” da agenda, propôs-se que se decidisse que a questão ficaria pro-
visoriamente inscrita para a XXI AG.
Num reconhecimento de que os apoios disponibilizados não se adequavam à
realidade, uma vez que na sua maioria os estudantes não estavam preparados
para frequentar o ensino superior, num outro projeto de resolução, sobre o
programa especial de formação, os afro-asiáticos voltaram a propor que se
indicasse aos que pretendessem atribuir bolsas de estudos aos habitantes das
colónias portuguesas que tivessem primeiramente em atenção as necessidades
de educação secundária, profissional e técnica48. Considerados como o míni-

44
 Idem. p. 7-8.
45
 Idem. p. 8.
46
 Ibidem.
47
 Ibidem.
48
 Idem. p. 9.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  169

mo que se podia fazer para ajudar as populações, os projetos de resolução fo-


ram analisados no decorrer da discussão geral, que como habitualmente foi
dominada pelos afro-asiáticos e pelos socialistas, contando com alguma parti-
cipação dos ocidentais e escassa intervenção dos latino-americanos. Pela vio-
lência das suas afirmações, a Bielorrússia, o Congo (Brazzaville), a Guiné, a
Serra Leoa, a Síria e a URSS foram os que mais vincaram o que designaram
como o carácter implacável do regime imposto por Portugal nas colónias,
referindo a realização de operações militares de grande envergadura e a prática
de massacres, genocídios e trabalho forçado49. Ainda que as acusações sobre as
condições de vida nos territórios, que tinham sido dominantes nos períodos
anteriores, não tivessem desaparecido totalmente, os intervenientes demons-
traram preferência por afirmações genéricas, havendo uma grande insistência
em denunciar a existência de uma unidade de pensamento e de ação entre
Portugal e os regimes minoritários e racistas da África Austral50.
As constantes referências ao relatório do Comité de Descolonização e às afir-
mações dos peticionários tornaram a questão da influência dos interesses eco-
nómicos estrangeiros na manutenção da dominação colonial portuguesa
num dos temas centrais da discussão. Houve a indicação de nomes de empre-
sas que, tendo ligações a capitais originários da Bélgica, EUA, França ou
RFA, atuavam na exploração de petróleo e diamantes ou no setor bancário
nas colónias portuguesas. Mencionada com grande insistência, a influência
dos interesses económicos foi mais uma tentativa para estabelecer a associa-
ção entre a resistência portuguesa às decisões das NU e a assistência que rece-
beria dos membros da NATO, acusados de financiar o exército português51.
A rejeição dos investimentos estrangeiros pode ser ainda enquadrada nas rei-
vindicações do MNA para a autodeterminação económica e a compensação
pela exploração exercida sobre as antigas colónias. Dada a concentração de
riquezas, conhecimento e produção num número reduzido de países, o MNA
desenvolveu iniciativas para a promoção da autodeterminação económica
através do direito ao desenvolvimento, que resultou dos debates sobre o sig-
nificado da justiça na distribuição de bens (Normand e Zaidi, 2008: 288).
Relatórios, declarações e resoluções das NU contribuíram para a estruturação
conceptual do direito ao desenvolvimento, que em meados da década de
1960 estava em formação (Normand e Zaidi, 2008: 298). Foi em grande
parte pelo enquadramento do desenvolvimento enquanto direitos humanos,

49
  Nations Unies – A/C.4/SR 1589. Quatrième Commission, 1589e Séance. Mercredi 15 Décem-
bre 1965, à 11h10. Nova Iorque: s.n., 1965. p. 505.
50
 Idem. p. 506.
51
  Nations Unies – A/C.4/SR 1592. Quatrième Commission, 1592e Séance. Samedi 18 Décembre
1965, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1965. p. 523.
170  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

que defendia a participação individual no processo de decisão sobre a econo-


mia nacional, que o MNA tentou avançar a sua agenda económica (Nor-
mand e Zaidi, 2008: 298).
Tendo Portugal abandonado o patrocínio de peticionários para condicionar as
audições na IV Comissão, a delegação portuguesa integrou novamente ele-
mentos africanos52. O Congo (Brazzaville) tentou chamar a atenção para a
situação, tendo a Comissão decidido que não podia examinar a composição
das delegações53. Sem evitar o confronto, desmentindo alegações consideradas
“irresponsáveis, impróprias e indignas”, o representante português voltou a
argumentar em termos jurídicos. Adotando uma posição defensiva, a inter-
venção portuguesa destinou-se sobretudo ao comentário do primeiro projeto
de resolução, entendido como baseado em argumentos falsos54. Com Goa
sempre subjacente nas suas afirmações, indicou-se que tinha havido uma
omissão significativa, por a resolução 1542 (XV), que continha a lista das co-
lónias portuguesas, não ter sido mencionada. Portugal rejeitou todas as dispo-
sições do texto, negando que estivesse envolvido em ações de repressão, consi-
derando como absurda e desonesta as alegações quanto aos interesses
económicos estrangeiros (para os quais tinha publicado um novo código), re-
cusando as afirmações sobre os apoios da NATO, contestando que os testemu-
nhos dos peticionários pudessem servir como elementos de prova, desmentin-
do que estivesse a ameaçar a paz e a segurança internacionais e contradizendo
a existência de uma luta de direitos nas suas colónias55. Mantendo o desafio às
NU, reafirmou não ser obrigado a aceitar decisões adotadas em violação da
Carta e que a IV Comissão não estava qualificada para recomendar sanções,
tendo havido uma confusão entre as competências da AG e as do CS.
Sem surpresas, os países alinhados com o ocidente também destinaram as suas
intervenções ao exame do primeiro projeto de resolução. Todos, mesmo se
alguns defendessem que em termos genéricos o projeto era aceitável, afirma-
ram que o texto apresentava disposições que lhes mereciam reservas. Tendo
proposto a Portugal um plano para a realização de um plebiscito e a aceitação
da liberdade de ação política nas colónias, os EUA evitaram desagradar o

52
  Um dos membros da delegação portuguesa era Costa de Morais, do GNP do MU, que foi
delegado suplente na IV Comissão. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 185, Processo ZB-2, Anos de
1965-1966, Vol. XIII, Apontamento Elaborado por Costa de Morais, do GNP do MU, de 30 de
Dezembro de 1965, p. 1-21.
53
  United Nations – A/C.4/SR 1585. Fourth Committee, 1585th Meeting. Monday, 13 December
1965, at 11 a.m. Nova Iorque: s.n., 1965. p. 450.
54
  Nations Unies – A/C.4/SR 1590. Quatrième Commission, 1590e Séance. Mercredi 15 Décembre
1965, à 15h35. Nova Iorque: s.n., 1965. p. 514.
55
 Idem. p. 513-514.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  171

governo português para não prejudicar a iniciativa em curso (Schneidman,


2005: 133). O Reino Unido, que com a crise da Rodésia adotara uma política
mais moderada quanto a Portugal para não comprometer as sanções impostas
ao regime minoritário, assumiu um comportamento semelhante ao dos norte-
-americanos (Oliveira, 2007: 324-347). O Brasil, cujo governo de Humberto
Castelo Branco demonstrou apoiar Portugal, entendeu corresponder ao pedi-
do português para fazer uma declaração antes da votação, de forma a influen-
ciar os latino-americanos (Carvalho, 2014: 157)56. Em conjunto, os apoiantes
de Portugal, incluindo a África do Sul, China, Dinamarca, Itália, Noruega,
Nova Zelândia e Suécia, consideraram o projeto de resolução como violando
as práticas e as regras das NU ao reconhecer à AG o direito de adotar medidas
coercivas57. Com uma perspectiva diferente da do MNA sobre o direito ao
desenvolvimento, que consideravam não existir, os países do bloco ocidental
contestaram as conclusões do relatório do Comité de Descolonização sobre os
interesses económicos estrangeiros, indicando não poder impedir que os seus
cidadãos desenvolvessem atividades nas colónias portuguesas58.
Para que os argumentos favoráveis tivessem uma tradução prática, Portugal,
com recurso às embaixadas e consulados, cuja rede vinha sendo alargada prin-
cipalmente na América Latina para atender às necessidades de obter votos nas
NU, desenvolveu iniciativas contra o projeto de resolução59. As démarches
foram realizadas sobretudo em países que, pelo efeito de arrastamento que o
seu voto poderia ter, pensava-se que possuiriam alguma influência. Na sua
maioria, como vinha sendo hábito, os países tentaram conhecer previamente
a atitude de outros estados membros, antes de assumirem um compromisso.
Os EUA, que não hesitaram em criticar as “enormidades” do projeto de reso-
lução, demonstraram inclinação para votar contra desde que não ficassem iso-
lados. Entendendo os termos empregues como “muito fortes e inapropriados”,
o Reino Unido prometeu não aprovar os parágrafos que incluíam a linguagem
do Capítulo VII, deixando a impressão de que se absteria sobre o conjunto
do projeto60. A França, que continuava com o seu apoio a Portugal, adaptan-
do-o às circunstâncias, indicou que manteria a abstenção, mas que se os EUA

56
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama do MNE para
a Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, de 16 de Dezembro de 1965, p. 1-2.
57
  Nations Unies – A/C.4/SR 1592. Quatrième Commission, 1592e Séance… p. 524.
58
 Idem. p. 522.
59
  AHD, Fundo POI, Mç. 511, Processo POI-03, Ano de 1971, Informação de Serviço Secreta
do MNE, Elaborada por José Calvet de Magalhães a 15 de Janeiro de 1970, p. 3.
60
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Londres para o MNE, de 16 de Dezembro de 1965, p. 1.
172  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

e o Reino Unido votassem contra, adotaria a mesma atitude61. Tendo havido


indicações de que a delegação sueca estava a tentar alterar o projeto de resolu-
ção para poder votar a favor, os nórdicos entenderam assumir uma posição
concertada62. O representante brasileiro, que tinha instruções genéricas para se
abster nas votações contra Portugal, solicitou, a pedido da Missão Portuguesa,
autorização para votar contra63. Colaborando estreitamente com Portugal, o
Brasil, talvez pelo receio de somente ser acompanhado pela África do Sul,
participou nas diligências portuguesas, conseguindo convencer alguns latino-
-americanos a não apoiar o projeto de resolução64.
Portugal solicitou a votação separada dos parágrafos relativos a sanções políti-
co-económicas, ao embargo de armas e ao apelo para que os estados membros
impedissem a participação dos seus cidadãos nas atividades dos interesses eco-
nómicos estrangeiros que atuavam nas suas colónias65. Como alguns autores
do projeto de resolução tinham indicado que o texto deveria ser aprovado na
íntegra, o que seguramente estava relacionado com o desejo de evitar que,
como acontecera no CS, fosse esvaziado do seu conteúdo, os países africanos
rejeitaram a tentativa de votação separada66. A moção de voto por divisão foi
recusada, o que, contrariamente ao que se poderia supor, acabou por servir os
interesses de Portugal. Como a votação recaiu sobre a totalidade do projeto de
resolução, os estados membros não tiveram a possibilidade de eliminar os
parágrafos controversos, sentindo-se na obrigação de abster ou de votar contra
a proposta. O projeto de resolução foi adotado por 58 votos favoráveis, 21
contra e 17 abstenções, sem que tivesse alcançado a maioria esmagadora que
outrora apoiara as deliberações sobre a política colonial portuguesa67.
Os votos revelaram, além da conhecida orientação dos ocidentais, a relevância
do apoio encontrado por Portugal junto dos países latino-americanos, que,
com a exceção de Cuba, votaram contra ou abstiveram-se. Não querendo se
comprometer perante a maioria, um número significativo de delegações (20)
não participou na votação. Países como a Zâmbia e o Malawi que, pela vizi-

61
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Paris para o MNE, de 18 de Dezembro de 1965, p. 1.
62
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 17 de Dezembro de 1965, p. 1.
63
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama do MNE para
a Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, de 16 de Dezembro de 1965, p. 1.
64
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Carta do MNE para o
Diretor do GNP do MU, de 21 de Dezembro de 1965, p. 2.
65
  AHD, Fundo POI, Mç. 185, Processo ZB-2, Anos de 1965-1966, Vol. XIII, Apontamento
Elaborado por Costa de Morais, do GNP do MU, de 30 de Dezembro de 1965, p. 17-18.
66
  Nations Unies – A/C.4/SR 1592. Quatrième Commission, 1592e Séance...p. 527.
67
 Idem. p. 528.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  173

nhança e as ligações económicas com as colónias portuguesas, estavam a de-


senvolver relações de maior proximidade com Portugal, encontravam-se entre
os ausentes. A Zâmbia, autora do projeto de resolução, fora alvo de pressões
portuguesas, tendo-lhe sido indicado que era incompreensível que pretendesse
a cooperação económica com Portugal e simultaneamente apoiasse a adoção
de medidas radicais contra o país68. Significando a existência de posições di-
vergentes quanto à estratégia anticolonial, o comportamento da Zâmbia e do
Malawi colocou em risco o consenso no seio da OUA quanto à estratégia de
enfraquecimento dos regimes de minoria branca, com recurso a meios econó-
micos, diplomáticos e militares (Walraven, 1999: 222).
De forma quase unânime, com 90 votos a favor, 1 contra e 3 abstenções, a
Comissão aprovou o projeto de resolução referente ao programa de ensino e
formação para as colónias portuguesas69. Com a ilusão de que se 1/3 dos mem-
bros votassem contra seria possível impedir a adoção no plenário do primeiro
projeto de resolução, Portugal intensificou as diligências nas vésperas da vota-
ção final70. As embaixadas portuguesas tentaram, sem o conseguir, que as abs-
tenções de países como o Chile, Dinamarca, Filipinas, França, Irlanda, Japão
e Noruega fossem modificadas71. Para salvaguardar a sua posição, a Irlanda
chegou a ponderar apresentar uma proposta para que o texto fosse votado
parágrafo a parágrafo, o que, na hipótese de ser rejeitada, permitir-lhe-ia votar
contra72. Considerando a ideia como inconveniente, por temer que os países
africanos mudassem de estratégia, permitindo a votação por divisão para que
não se repetisse o número de votos contra, Portugal pediu à Irlanda que desis-
tisse da iniciativa73. Aprovada por uma maioria simples de 66 votos a favor, 26
contra e 15 abstenções, uma vez que a exigência do voto qualificado de 2/3
dos membros deixara de ser aplicável às questões coloniais, o projeto tornou-
-se na resolução 2107 (XX), de 21 de dezembro. Como a repartição dos votos
na Comissão demonstrara, Portugal encontrou apoios sobretudo nos ociden-
tais, nos latino-americanos e em alguns asiáticos, ocorrendo uma ligeira varia-

68
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 15 de Dezembro de 1965, p. 1.
69
  Nations Unies – A/C.4/SR 1592. Quatrième Commission, 1592e Séance… p. 528.
70
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama do MNE para
a Embaixada de Portugal em Paris, de 19 de Dezembro de 1965, p. 1.
71
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama do MNE para
as Embaixadas Portuguesas em Viena, Copenhaga, Oslo, Bangkok, Santiago de Chile, Manila,
Tóquio e Dublin, de 19 de Dezembro de 1965, p. 1-2.
72
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Dublin para o MNE, de 21 de Dezembro de 1965, p. 1.
73
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama do MNE para
a Embaixada de Portugal em Dublin, de 23 de Dezembro de 1965, p. 1.
174  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

ção no número de votantes por certos países que tinham estado ausente terem
decidido participar na votação74. Quanto ao texto sobre o programa de ensino
e formação, não tendo havido alterações nos votos, também foi adotado,
transformando-se na resolução 2108 (XX), de 21 de dezembro75.
A posição assumida quanto à resolução 2107 (XX) não deixou de refletir nova-
mente os constrangimentos resultantes da deslegitimação da dominação colo-
nial, das vicissitudes da política interna ou das pressões afro-asiáticas. Presente
na votação, a Zâmbia, que foi o único país africano a explicar o seu voto, de-
monstrou, ao referir a sua política de boa vizinhança, estar dividida entre obje-
tivos dificilmente conciliáveis76. Delegações como as do Chile, Tailândia e Fili-
pinas no último momento mudaram de posição, faltando à promessa de votar
contra o texto77. A França, que garantira o seu máximo apoio, não conseguiu,
para surpresa de algumas delegações, votar contra devido ao desagrado dos
países africanos pelo seu comportamento na questão da Rodésia (em que se
absteve)78. Dadas as dificuldades que as relações comerciais com a África do Sul
suscitavam ao país, o Japão, estando numa situação delicada, também se limi-
tou à abstenção79. Nas explicações de voto, algumas delegações entenderam
acentuar o desacordo com as disposições mais polémicas da resolução, afirman-
do que teriam votado contra em caso de votação por divisão. Em justificação,
alegaram de novo o carácter radical do texto e a recusa em aceitar a associação
entre a questão colonial portuguesa e o Capítulo VII da Carta80. Como as
declarações podem ser consideradas uma evidência das atitudes dos países,
em grande parte os estados membros demonstraram não se sentir vinculados
pela decisão e nem ter a intenção de implementar as medidas adotadas81.

74
 Nations Unies – A/PV. 1490. Assemblée Générale. Vingt et Unième Session. 1490e Séance
Plénière. Lundi 12 Décembre 1966, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 6.
75
  Nations Unies – A/PV. 1407. Assemblée Générale. Vingtième Session. 1407e Séance Plénière.
Mardi 21 Décembre 1965, à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1965. p. 5.
76
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1966, Vol. III, Carta do MNE para o
Diretor do GNP do MU, de 15 de Janeiro de 1966, p. 1.
77
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Santiago do Chile para o MNE, de 27 de Dezembro de 1965, p. 1-2; AHD, Fundo
POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1966, Vol. III, Carta do MNE para António Patrício, de
31 de Janeiro de 1966, p. 1.
78
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Paris para o MNE, de 21 de Dezembro de 1965, p. 1.
79
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1965, Vol. II, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Tóquio para o MNE, de 20 de Dezembro de 1965, p. 1.
80
 Nations Unies – A/PV. 1490. Assemblée Générale. Vingt et Unième Session. 1490e Séance
Plénière... p. 6.
81
  United Nations. Resolution 2108 (XX), 21 December 1965. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  175

Representando, como referido, «a mais veemente condenação da política colo-


nial portuguesa e o maior esforço da Assembleia para isolar Portugal», a reso-
lução 2107 (XX), apesar de conter elementos que relevavam da competência
do CS, não era forçosamente ilegal (Silva, 1995: 29). A Carta protege as prer-
rogativas do CS para adotar medidas coercivas, sendo que formalmente a AG
apenas pode recomendar o uso da força ou a aplicação de sanções e embargos
em sessões extraordinárias, de emergência, convocadas segundo o mecanismo
da Uniting for Peace Resolution82. Mesmo adotada fora desse âmbito, a resolu-
ção 2107 (XX) poderá ser considerada como derivada da capacidade da As-
sembleia para recomendar aos estados a adoção de ações individuais, que,
quando aplicadas, produziriam medidas coletivas (Kolb, 2010: 88-89; Peter-
son, 1990: 21). Em termos institucionais, o documento representou uma crí-
tica explícita ao CS por não ter correspondido aos apelos para invocar o Capí-
tulo VII e tornou as exigências da resolução 218 (1965) quase que irrelevantes83.
Além de sanções e embargos, a decisão da Assembleia teve importância pelo
reconhecimento da legitimidade da luta armada nas colónias portuguesas.
Tendo recebido pouca ou nenhuma atenção no debate, contrariamente à po-
lémica no Comité de Descolonização, o reconhecimento da legitimidade do
uso da força estava em contradição com um dos pilares da Carta, que proibia
o recurso a meios violentos para solucionar as disputas. A legitimação da luta
armada parece revelar a tendência para se considerar a autodeterminação
como uma norma fundamental do direito internacional, que se sobreporia
aos demais princípios (Walraven, 1999: 213). Se bem que não se possa con-
siderar que tivesse havido uma emenda da Carta, suplementando as provisões
sobre a proibição do uso da força, a resolução demonstrou que a ideia de au-
todeterminação podia ser moldada à medida que as necessidades ou os dese-
jos dos estados membros sofriam mutações (Freudenschuss, 1982: 120-121;
Lopes, 2003: 779). Primeiro passo para que o conceito de autodeterminação
passasse a implicar a utilização de todos os meios contra as potências coloniais,

82
  Com a adotação da Uniting for Peace Resolution em meados da década de 1950, os EUA
conseguiram que a AG passasse a convocar sessões extraordinárias – em que se podia recomen-
dar o uso da força – para analisar as crises internacionais nos momentos de paralisação do CS
pelo veto. Ao modificar o equilíbrio dos poderes entre o CS e a AG, a Uniting for Peace Resolu-
tion resultou numa rejeição do princípio da unanimidade entre as grandes potências. Cf. Bosco,
2009: 60.
83
  O SG U Thant, num relatório transmitido ao CS a 30 de junho, indicou as medidas adota-
das em aplicação da resolução 218 (1965). Numa adenda ao relatório, a 1 de julho, comunicou
informações adicionais sobre a troca de correspondência em curso com o governo português,
que, uma vez mais, afirmou a disponibilidade para, por ocasião da XXI AG, realizar conversa-
ções com o SG. Cf. Nations Unies – A/6302. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité…
p. 55.
176  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

a legitimação da luta armada foi uma tentativa indiscutível de alargamento da


resolução 1514 (XV). Como reconhecido por Amílcar Cabral, a decisão cons-
tituiu Uma Base Legal para a Rebelião, legalizando a ajuda concedida aos
movimentos de libertação e atribuindo à OUA o estatuto de intermediário84.
Em simultâneo à legitimação da luta armada, a ideia de autodeterminação
resultante da resolução foi não somente associada à independência, como se
tornara prática, mas também ao conceito de liberdade. As populações das co-
lónias portuguesas passaram a estar intituladas à liberdade e à independência,
o que significava o desejo de estabelecer que a autodeterminação deveria resul-
tar na cessação dos vínculos de sujeição e na livre expressão das aspirações. O
emprego da palavra liberdade antes de independência demonstrou que, quan-
to aos resultados pretendidos, as soluções a adotar pelas potências coloniais
não poderiam contemplar a associação ou a integração das colónias. Não me-
nos relevante foi o aprofundamento da vertente económica da ideia de auto-
determinação, com a rejeição de todos os investimentos estrangeiros nas coló-
nias. Do texto aprovado pela AG resultou um estreitamento da ligação entre
os direitos políticos e os económicos, sociais e culturais, o que era uma questão
que não suscitava o acordo de todos os estados. Como a ideia de autodetermi-
nação presente na Declaração sublinhara que a exploração estrangeira consti-
tuía uma negação dos direitos humanos, a resolução 2107 (XX) poderá ser
considerada como mais uma tentativa para se entender a constituição de esta-
dos soberanos como pertencente à categoria dos direitos inalienáveis.

Um Espírito de Maior Intolerância e Extremismo


Tendo-se tornado num tema recorrente da agenda das NU, a questão dos direi-
tos dos territórios colonizados esteve em grande destaque na XXI AG, com a
adoção de inúmeras decisões quanto à autodeterminação. Visado em algumas
resoluções, Portugal continuou comprometido com a opção pela via militar,
assistindo-se em Angola ao reatamento da luta armada em consequência do
surgimento da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA)
e da continuação das operações do MPLA na frente leste (Pélissier e Wheeler,
2009: 296). Pretendendo estender as ações militares aos centros urbanos, na
Guiné (Bissau) o PAIGC passou a considerar o território como um Estado
independente parcialmente ocupado por forças estrangeiras (Sousa, 2011: 470).

84
  Arquivo da Fundação Mário Soares, Espólio Amílcar Cabral, 03 Movimentos Anticoloniais-
-CONCP, Pasta 04602.038, A Unidade Política e Moral: Força Principal da Nossa Luta Comum:
Discurso Publicado em Nome da Delegação do PAIGC por Amílcar Cabral, SG do Partido à
II Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas-CONCP, Realizada em
Dar es Salam de 3 a 8 de Novembro de 1965, p. 6-7.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  177

Registando-se a chegada a Moçambique de um grande contingente militar por-


tuguês, a FRELIMO conseguiu obter o reconhecimento da OUA, o que foi
uma consequência do envolvimento na luta armada (Afonso e Gomes, 2000:
586). Nestas circunstâncias, após uma visita ao continente africano, o Comité
de Descolonização adotou um projeto de resolução (em 22 de junho) semelhan-
te ao da anterior AG, reconhecendo que a situação nas colónias portuguesas se
agravara devido à rebelião na Rodésia (Santos, 2009a: 60). Voltando a analisar
as implicações das atividades dos interesses estrangeiros na aplicação da Declara-
ção nas colónias portuguesas, o Comité entendeu também, com a nova prática
de realizar estudos sobre temas específicos, examinar as medidas adotadas pelas
instituições internacionais, incluindo as agências especializadas, para responder
aos apelos das NU. Como, contrariamente ao solicitado, o BIRD concedera
empréstimos ao governo português, o Comité aprovou mais uma resolução (a
15 de setembro), em que exprimiu a profunda deceção por o Banco continuar a
ajudar Portugal e a África do Sul (Santos, 2009a: 183)85.
Embora os rumores indicassem que nem todos os países africanos concorda-
vam com a iniciativa, por entenderem que criaria um precedente para a apre-
sentação de problemas internos nas NU, acusações da República Democrática
do Congo contra Portugal foram inscritas na agenda e debatidas no CS (de 30
de setembro a 14 de outubro). Envolvido em operações militares contra países
africanos, em muitos casos com a cumplicidade da Espanha, o governo portu-
guês apoiara uma revolta de mercenários e gendarmes catangueses, que
tinham bases em Angola, ameaçando o regime de Joseph Mobutu (Tíscar
Santiago, 2013: 25). Com a República Democrática do Congo a romper as
relações diplomáticas com Portugal, o Conselho adotou a resolução 226
(1966), de 14 de outubro, que convidou a que não se permitisse que Angola
fosse utilizada como base para a ingerência no país vizinho86. Aprovada a
decisão por unanimidade (uma vez que não se propôs a condenação de Por-
tugal), a questão colonial portuguesa passou para segundo plano nas NU87.
Apesar de terem mandatado um subcomité da OUA a acompanhar os debates
sobre as colónias portuguesas, os países africanos estavam mais interessados
nos acontecimentos na Rodésia e no Sudoeste Africano, onde fora iniciada a

85
  Os empréstimos tinham sido concedidos à Hidroelétrica do Douro, SARL, e à Empresa
Termoelétrica Portuguesa, SARL. Cf. Nations Unies – A/5800/Rev. 1. Rapport du Comité Spé-
cial Chargé d’Étudier la Situation en ce qui Concerne l’Application de la Déclaration sur l’Octroi de
l’Indépendance aux Pays et aux Peuples Coloniaux. 1964. Canadá: s.n., 1965. p. 179.
86
  United Nations. Resolution 226 (1966), 14 October 1966. Disponível em <URL:http://www.
un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
87
  AHD, Fundo POI, Mç. 162, Processo ZC-2, Ano de 1966, Vol. I, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 8 de Outubro de 1966, p. 1-2.
178  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

luta armada, que juntamente com a questão da reeleição do SG dominaram as


atenções da XXI AG88.
Mesmo tendo deixado de constituir uma prioridade, o debate sobre a questão
colonial portuguesa na IV Comissão demonstrou, segundo Portugal, Um Espí-
rito de Maior Intolerância e Extremismo, o que em parte poderá ser atribuído ao
facto de ter continuado a ser influenciado pelas decisões sobre a Rodésia e o
Sudoeste Africano89. Como Portugal estava a interferir com o embargo petrolí-
fero à Rodésia, uma resolução do CS solicitou que não permitisse que o porto
da Beira, em Moçambique, fosse utilizado para abastecer o regime minoritário90.
Havendo divergências entre os países africanos quanto à estratégia em relação à
Rodésia, os governos português e sul-africano, em conjunto com as atividades
dos interesses financeiros, foram condenados pelo apoio concedido a Ian Smith
(Walraven, 1999: 222-223). As NU reivindicaram ainda o direito a revogar
unilateralmente o mandato da África do Sul sobre o Sudoeste Africano, que
passou a estar sob a responsabilidade direta da Organização, estabelecendo-se
um órgão encarregue de administrar o território91. Confirmada posteriormente
pelo Tribunal Internacional de Justiça, a decisão na prática produziu poucos
resultados por o Conselho das NU para o Sudoeste Africano nunca ter conse-
guido desempenhar as suas funções (Conforti e Focarelli, 2010: 375).
A discussão sobre os territórios portugueses apresentou muitas semelhanças
com a da sessão anterior, encontrando-se as diferenças na ênfase atribuída a
determinadas questões, no número de participantes e na maior duração dos
trabalhos92. Os países africanos evidenciaram divergências, com o Malawi a
adotar uma posição defensiva e o Madagáscar a produzir, de novo, declarações

88
  AHD, Fundo POI, Mç. 189, Processo ZB-2, Ano de 1967, Vol. XXVII, Relatório Elaborado
por Duarte Vaz Pinto, Delegado de Portugal na ONU, de 17 de Outubro de 1967, p. 1; AHD,
Fundo POI, Mç. 184, Processo ZB-2, Anos de 1964-1965, Vol. X, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 15 de Dezembro de 1964, p. 1.
89
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1966, Vol. III, Carta do MNE para o
Diretor do GNP do MU, de 14 de Dezembro de 1966, p. 3.
90
  United Nations. Resolution 221 (1966), 9 April 1966. Disponível em <URL:http://www.
un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
91
  United Nations. Resolution 2145 (XX), 27 October 1966. Disponível em <URL:http://www.
un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
92
  Para provocar o adiamento da discussão, as Filipinas, relembrando que Portugal manifestara
a intenção de participar em conversações, perguntou se a Comissão podia reunir-se somente
após a realização dos encontros entre o SG e o governo português. Tendo sido decidido dar
continuidade aos trabalhos, as conversações acabaram por não se concretizar. Cf. UNARMS,
Archives of Secretary-General U Thant, S-0884-0016-02, Country Files of the Secretary-Gene-
ral U Thant, Portuguese Territories, Portugal, Carta de António Patrício para U Thant, de 11 de
Julho de 1966, p. 1-2.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  179

genéricas. Por sugestão da URSS, que desempenhou um importante papel no


debate, um representante do BIRD foi convidado a participar nas reuniões
para explicar os empréstimos concedidos ao governo português93. Que o Ban-
co era uma organização internacional independente, que não podia intervir
nos assuntos internos dos estados membros, que os apelos para a cessação de
apoios a Portugal não tinham sido considerados como recomendações formais
por não ter havido consultas prévias e que as NU estavam impedidas de fazer
observações sobre empréstimos particulares foram as justificações apresenta-
das94. Com uma interpretação restritiva do acordo de associação às NU, o
comportamento do BIRD foi revelador de que a implementação das decisões
da Organização dependia do grau de controlo existente sobre as agências espe-
cializadas95. A decisão do Banco esteve em contradição com a posição de inú-
meras agências, que aceitaram interromper a assistência ao governo português,
que deixou de ser convidado a participar nos seus trabalhos, sem que contudo
tivesse sido expulso (Barbier, 1974: 230-231).
Um dos temas centrais da discussão foi a tentativa de interpretar a questão
colonial portuguesa no contexto da situação existente na África Austral96. Para
realçar as semelhanças com a África do Sul e a Rodésia, a maioria indicou que
se estava a favorecer a instalação de colonos brancos nas colónias portuguesas,
como forma de neutralizar os esforços para a libertação da dominação e da
exploração estrangeiras97. Uma acentuada carga ideológica, derivada da rivali-
dade bipolar, esteve subjacente a inúmeras afirmações, com a repressão nas
colónias portuguesas a ser entendida como mais um elemento da política im-
perialista dos estados com interesses estratégicos no continente africano98.
Continuando a ser denunciados pelo fornecimento de armamento a Portugal,
os membros da NATO foram apontados como cúmplices das atrocidades

93
  Nations Unies – A/C.4/SR 1640. Quatrième Commission, 1640e Séance. Mardi 22 Novembre
1966, à 15h10. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 303.
94
  United Nations – A/C.4/SR 1645. Fourth Committee, 1645th Meeting. Monday 28 November
1966, at 3.15 p.m. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 317-318.
95
  Ouvido a pedido do Gana, o Conselheiro Legal das NU concordou em parte com as afirma-
ções do BIRD, indicando que a adoção da resolução visando o Banco deveria ter sido precedida
de consultas com a instituição. Por o BIRD não ter também convidado um representante das
NU a participar na reunião em que fora discutida a concessão de empréstimos a Portugal, C. A.
Stavropoulos concluiu que ambas as partes violaram o acordo associação que as unia. Cf. Na-
tions Unies – A/C.4/SR 1653. Quatrième Commission, 1653e Séance. Samedi 3 Décembre 1966,
à 10h50. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 412.
96
  Nations Unies – A/C.4/SR 1641. Quatrième Commission, 1641e Séance. Mercredi 23 Novem-
bre 1966, à 10h50. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 307.
97
 Ibidem.
98
 Ibidem.
180  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

cometidas pelo exército português, que mereceram a comparação com as do


regime nazi99. Tendo havido desenvolvimentos na estruturação do direito ao
desenvolvimento, com a adoção de uma resolução referente à soberania per-
manente sobre os recursos naturais, aos investimentos das empresas, nomea-
damente norte-americanas e britânicas, atribuiu-se a responsabilidade na con-
cessão dos fundos que permitiam a Portugal continuar a guerra100. Sempre
com a intenção de maximizar a questão, a maioria entendeu formular obser-
vações sobre a forma como as NU, que se pretendia que adotassem novos
métodos, poderiam ajudar os povos das colónias portuguesas. A concessão
de ajuda aos combatentes, a condenação de Portugal, da África do Sul, da
Rodésia e dos membros da NATO, a definição de uma data limite para a
independência, a proibição da atribuição de apoios pelas agências especializa-
das, a adoção das medidas previstas no Capítulo VII da Carta ou a expulsão
da Organização, foram algumas das propostas avançadas101.
Recorrendo às informações recolhidas pelo Comité de Descolonização em
África, algumas delegações defenderam a necessidade de serem obtidos mais
testemunhos102. Aprovadas sem dificuldades, as audições de peticionários fo-
ram uma nova oportunidade para as organizações anticoloniais – que confir-
maram as acusações quanto às cumplicidades entre os regimes brancos, aos
investimentos estrangeiros e aos apoios da NATO – insistirem na existência de
áreas libertadas103. A CONCP, que estava a tentar estabelecer uma representa-
ção nas NU, entendeu propor, como na sessão anterior, a condenação da
política colonial portuguesa, a reafirmação da legitimidade da luta, a aprova-
ção das recomendações do Comité de Descolonização, a solicitação aos esta-
dos para ajudarem as populações, o convite às organizações internacionais e
agências especializadas para participarem na implementação do programa de
formação de quadros, a inscrição da questão na agenda do CS e a aplicação de

99
  Nations Unies – A/C.4/SR 1646. Quatrième Commission, 1646e Séance. Mardi 29 Novembre
1966, à 10h50. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 354-355.
100
  United Nations. Resolution 2158 (XXI), 25 November 1966. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
101
  Nations Unies – A/C.4/SR 1641. Quatrième Commission, 1641e Séance... p. 309.
102
  Tendo enviado um pedido de audição, Alberto Nank não chegou no entanto a apresentar-se
na IV Comissão. Nank entrou em contacto com a Embaixada de Portugal em Londres, tendo
informado que após a audição pretendia fixar residência na Guiné (Bissau), pelo que solicitou
um passaporte português. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 185, Processo ZB-2, Ano de 1966, Vol.
XV, Carta da Embaixada de Portugal em Londres para o MNE, de 12 de Setembro de 1966, p. 1-3.
103
  Os representantes dos movimentos anticolonialistas aproveitaram as audições para desen-
volver contactos com os estados membros, sobretudo com os africanos e os socialistas. Cf.
AHD, Fundo POI, Mç. 186, Processo ZB-2, Anos de 1966-1967, Vol. XVIII, Informação de
Serviço Elaborada por João Afonso Ascensão, a 7 de Dezembro de 1966, p. 3.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  181

sanções104. Com a indicação de que as condições para a solução do conflito


constavam do programa de descolonização proposto pelas NU, o GRAE, que
nomeara um representante em Nova Iorque, afirmou esperar a condenação de
Portugal, que acusou de utilizar gás tóxico, solicitando o aumento da assistên-
cia às populações e aos refugiados angolanos105. Afirmando ter um apoio
generalizado, a FRELIMO reivindicou importantes vitórias em Moçambique,
defendendo que parte da população se encontrava, devido à sua atuação, a
viver em liberdade106.
Com a sua intervenção a ser constantemente interrompida pelos países afro-
-asiáticos, Portugal argumentou não em termos jurídicos, como vinha fazen-
do, mas com recurso a afirmações de ordem moral. Os acontecimentos em
Goa, Damão e Diu foram recordados, considerando-se que Portugal estava a
ser vítima da aplicação de critérios dúbios107. Determinadas acusações foram
interpretadas como destinadas a atacar o ocidente e como motivadas pela
Guerra Fria, não tendo qualquer relação com a descolonização. Por se consi-
derar como imoral e desumano que se tentasse impedir a defesa da segurança
das populações, questionou-se a responsabilidade da IV Comissão nos atos de
violência, por os países que ajudavam os movimentos de libertação invocarem
as recomendações do órgão. Sem se atender a detalhes, foram rejeitados os
depoimentos dos peticionários e as afirmações sobre as áreas libertadas, o pac-
to tripartido com a África do Sul e a Rodésia, a violação das fronteiras dos
países africanos, a utilização de armas da NATO ou a exploração económica
das colónias pelos investimentos estrangeiros108.
Tendo os mesmos destinatários que a decisão anterior e retomando alguns dos
seus pressupostos, o projeto de resolução foi redigido em termos ainda mais
violentos. Pela primeira vez, seguindo-se o precedente estabelecido pelo Comité
de Descolonização, as colónias portuguesas foram designadas como “territórios
sob dominação” e não como “territórios sob administração”. Apresentado como
resultante da unanimidade dos seus autores, pretendeu-se que o documento
tivesse como base de legitimação o relatório do Comité de Descolonização, as
declarações dos peticionários, a resolução 1514 (XV) e todas as demais decisões

104
 Nations Unies – A/C.4/SR 1642. Quatrième Commission, 1642e Séance. Vendredi 25
Novembre 1966, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 316.
105
 Nations Unies – A/C.4/SR 1643. Quatrième Commission, 1643e Séance. Vendredi 25
Novembre 1966, à 20h50. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 323.
106
  Nations Unies – A/C.4/SR 1649. Quatrième Commission, 1649e Séance. Jeudi 1 Décembre
1966, à 11h10. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 381-382.
107
  Nations Unies – A/C.4/SR 1647. Quatrième Commission, 1647e Séance. Mardi 29 Novembre
1966, à 16h15. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 371.
108
 Idem. p. 372-373.
182  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

do CS e da AG109. O projeto representou mais uma tentativa para se demons-


trar a preocupação por a situação nas colónias portuguesas, considerada como
crítica e explosiva, estar a ameaçar a paz e a segurança internacionais. Atenden-
do ao que fora afirmado por inúmeras delegações e pelos peticionários reco-
mendou-se que a AG tomasse nota que as atividades dos interesses estrangeiros
continuavam a impedir a realização das aspirações à liberdade e à independên-
cia e que Portugal persistia na utilização da ajuda e das armas provenientes dos
seus aliados110. Numa repetição de fórmulas anteriores, foi proposto a reafirma-
ção do direito inalienável dos povos das colónias portuguesas à autodetermina-
ção, reconhecendo-se novamente a legitimidade da sua luta111.
Bastante longo, o projeto de resolução era mais inovador nas suas afirmações
de princípio do que nas medidas avançadas, que retomaram em grande parte
as que vinham sendo adotadas pela AG. Propondo a aprovação do relatório do
Comité de Descolonização, o documento pretendia a condenação da política
colonial portuguesa como crime contra a humanidade112. Sendo uma conde-
nação reservada a atos graves, entendeu-se recomendar que se considerasse no
âmbito dos crimes contra a humanidade a violação dos direitos económicos e
políticos das populações, a instalação de imigrantes estrangeiros e a exportação
de trabalhadores para a África do Sul. Com a fundamentação de que explora-
vam os recursos humanos e materiais, impedindo o progresso para a liberdade
e a independência, os autores do projeto de resolução aconselharam a conde-
nação das atividades dos interesses estrangeiros que atuavam nas colónias por-
tuguesas113. Na procura de soluções apresentaram a proposta para que a AG
fizesse um novo apelo a Portugal para que implementasse o princípio da auto-
determinação e aplicasse as resoluções 183 (1963) e 218 (1965). Tendo ante-
riormente sido reconhecida a legalidade do apoio às populações, foi pretendi-
do que se solicitasse aos estados membros a atribuição dos meios necessários à
restauração dos direitos inalienáveis das populações e que impedissem a cola-
boração dos seus cidadãos com as autoridades portuguesas114.
Resultando numa nova insistência para a aplicação dos mecanismos previstos
no Capítulo VII, o projeto de resolução reconheceu implicitamente que as
anteriores decisões da Assembleia não eram vinculativas e nem estavam a ser

109
 Nations Unies – A/C.4/SR 1648. Quatrième Commission, 1648e Séance. Mercredi 30
Novembre 1966, à 16h05. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 378.
110
  United Nations – A/655. 6 December 1966. Question of Territories under Portuguese Adminis-
tration. Report of the Fourth Committee. s.l.: s.n., s.d. p. 7.
111
 Ibidem.
112
 Idem. p. 8.
113
 Ibidem.
114
 Ibidem.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  183

aplicadas. Sem mencionar diretamente as medidas, avançou-se que a AG reco-


mendasse ao CS que tornasse obrigatória a aplicação das sanções políticas e
económicas presentes na resolução 2107 (XX)115. Em particular, aconselhou-se
que a Assembleia solicitasse aos membros da NATO a adoção de medidas para
o embargo de armas a Portugal e o fim das atividades das empresas estrangeiras
nas colónias portuguesas. De forma a apertar o cerco a Portugal, a todas as agên-
cias especializadas, em particular ao BIRD e ao FMI, entendeu-se que fosse di-
rigido um apelo para que recusassem qualquer assistência enquanto o governo
português falhasse na implementação da resolução 1514 (XV)116. No seguimen-
to da participação do representante do BIRD na discussão, foi inserido no pro-
jeto de resolução um parágrafo destinado a que se solicitasse ao SG para iniciar
consultas com o Banco para assegurar o cumprimento das resoluções. Ao se
exprimir o reconhecimento pela ajuda concedida pelo ACNUR, pelas agências
especializadas e por outras organizações internacionais, a IV Comissão propôs
que fosse pedido para, em cooperação com a OUA, aumentarem a assistência
aos refugiados e às populações afetadas pelas operações militares. Numa repeti-
ção das disposições das anteriores decisões recomendou-se ainda que fosse de-
terminado que a questão continuasse inscrita na agenda117.
Para antecipar eventuais dificuldades na sua implementação e evitar a repeti-
ção de casos semelhantes ao do BIRD, o texto foi revisto para integrar uma
sugestão do Conselheiro Legal das NU118. O parágrafo em que se propunha
solicitar ao CS que tornasse obrigatória a aplicação de sanções foi reescrito,
acrescentando-se que as medidas deveriam ser aplicadas por todos os estados
diretamente e através das agências internacionais às quais pertenciam119. Sem
que a revisão tivesse alterado a substância do documento, algumas dele-
gações, mesmo tendo havido um apelo para o apoio unânime ao texto,
demonstraram as suas reservas. A Holanda, sublinhando o que considerava
ser o âmbito excessivo do documento, indicou discordar das afirmações sobre
os investimentos estrangeiros e das referências aos membros da NATO, en-
tendendo não se terem verificado factos novos que justificassem uma reco-
mendação ao CS120. Anunciando que se absteria, a China revelou não con-
cordar com a redação do parágrafo que pretendia condenar Portugal por
crimes contra a humanidade e com a recomendação ao CS para que adotasse

115
 Idem. p. 8-9.
116
 Idem. p. 9.
117
 Ibidem.
118
  Nations Unies – A/C.4/SR 1653. Quatrième Commission, 1653e Séance... p. 416.
119
 Ibidem.
120
  Nations Unies – A/C.4/SR 1654. Quatrième Commission, 1654e Séance. Lundi 5 Décembre
1966, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 424.
184  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

sanções121. Mais detalhado, e com maior insistência nos aspetos jurídicos, a


África do Sul repetiu as considerações sobre a falta de competência das NU
para analisar a situação nas colónias portuguesas, opondo-se à condenação do
recrutamento de trabalhadores para as suas minas e aos apelos às agências es-
pecializadas122. Apoiadas por alguns latino-americanos, que demonstraram
dúvidas quanto às referências aos países da NATO, as reservas ao projeto de
resolução ganharam um maior sentido com as alegações do Malawi. Não ten-
do participado na redação do texto, o Malawi afirmou que, como tinha inte-
resses em Moçambique que lhe permitiam o acesso ao mar, não podia aceitar
a condenação genérica dos investimentos nas colónias portuguesas123.
Sabendo que o carácter extremista do texto atribuir-lhe-ia alguns votos, Portu-
gal conseguiu que a maioria dos países ocidentais aceitasse votar contra o pro-
jeto de resolução124. O apoio do Brasil, que prometera ficar em estreito contac-
to com a delegação portuguesa, voltou a servir de pretexto para se solicitar a
outros latino-americanos que adotassem a mesma orientação125. Para permitir
o distanciamento em relação a certas disposições, o Chile, a China e a Itália
tomaram a iniciativa de propor a votação por divisão dos parágrafos que con-
denavam Portugal por crimes contra a humanidade, reprovavam as atividades
dos interesses económicos estrangeiros, solicitavam ao CS para tornar obriga-
tórias as sanções político-económicas e apelavam ao embargo de armas126. Não
tendo havido a oposição dos autores ao pedido, todos os parágrafos objeto de
votação por divisão e o projeto de resolução foram aprovados. Os 76 votos fa-
voráveis, 12 contra e 16 abstenções que sancionaram o projeto de resolução,
quando comparados com a anterior votação na IV Comissão, demonstraram
um alargamento dos apoiantes, justificado por ter havido o voto por divisão.
Registando-se uma diminuição dos países que votaram contra o texto ou esti-
veram ausentes, o nível das abstenções manteve alguma estabilidade.
O núcleo duro dos que ajudaram Portugal continuou a ser composto pelos
países ocidentais, sobretudo pelos membros da NATO, que reservaram as suas

121
 Idem. p. 424-425.
122
 Idem. p. 425.
123
  As reservas do Malawi mereceram uma resposta da Etiópia, que, afirmando compreender a
posição do país, indicou que a independência das colónias portuguesas exigiria sacrifícios. Cf.
Nations Unies – A/C.4/SR 1654. Quatrième Commission, 1654e Séance… p. 428.
124
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1967, Vol. IV, Memorando da Embai-
xada de Portugal em Quito ao Ministro Gonzalo Ponce, Subsecretário dos Assuntos Políticos, de 4 de
Dezembro de 1966, p. 1.
125
  AHD, Fundo POI, Mç. 185, Processo ZB-2, Ano de 1966, Vol. XV, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 19 de Setembro de 1966, p. 1.
126
  Nations Unies – A/C.4/SR 1654. Quatrième Commission, 1654e Séance… p. 430-431.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  185

intervenções para a discussão que se seguiu à votação. De forma breve, o Rei-


no Unido, que estava a ter algumas dificuldades com a política portuguesa em
relação à Rodésia, afirmou que o debate na Comissão não trouxera nada de
novo (Oliveira, 2007: 339). Com o afastamento da questão colonial portu-
guesa da agenda norte-americana, os EUA, que tinham visto fracassar o plano
que submeteram a Portugal, negaram que a NATO fornecesse armas para as
colónias portuguesas, exprimiram reservas quanto às responsabilidades atri-
buídas aos investimentos estrangeiros e indicaram ter havido uma ingerência
nas atribuições do CS (Schneidman, 2005: 145). A Austrália e a Itália, reco-
nhecendo que o projeto tinha incidências que afetavam não somente Portugal,
visaram novamente os parágrafos votados individualmente127. Devendo ser
entendidas em função dos constrangimentos que condicionavam a orientação
dos países ocidentais, as explicações de voto não se afastaram das considera-
ções produzidas pelo representante português no final do debate. Numa nega-
ção absoluta da legalidade do texto, considerado como contrário ao direito,
Portugal rejeitou as disposições mais penalizadoras para a sua política colonial.
Expressões como “suposições erróneas”, “destituído de fundamento”, “uma
maneira inexacta e injustificada”, “um absurdo” ou “um exagero grosseiro”
foram empregues para qualificar o texto, exprimindo-se reservas formais128.
Com a realização por Portugal de novas diligências para condicionar o resul-
tado do escrutínio, a votação no plenário demonstrou uma ligeira diminuição
nos apoios ao projeto de resolução e um aumento das abstenções. O projeto,
contando 70 votos favoráveis, 13 contra e 22 abstenções, tornou-se na resolu-
ção 2184 (XX), de 12 de dezembro. Os países alinhados com o ocidente, entre
os quais uma parte dos membros da NATO, a África do Sul, Austrália, Brasil,
Espanha e Nova Zelândia votaram no mesmo sentido que Portugal. Os restan-
tes membros da NATO, um grande número de latino-americanos e o Malawi
optaram pela abstenção para apoiar o governo português e exprimir o descon-
tentamento com o radicalismo da maioria129. Em comparação com a XX AG,
a alteração mais significativa teve lugar no voto dos latino-americanos, em que
uma dezena de países, que antes votara contra, passou a abster-se, sendo que
nenhuma das delegações asiáticas que apoiara Portugal voltou a fazê-lo. Tendo
o SG informado que houvera a atribuição de 31 bolsas de estudos a habitantes
das colónias portuguesas, o item relacionado com o programa de formação foi
objeto de uma análise separada, em que se demonstrou a satisfação por os

127
  Nations Unies – A/C.4/SR 1655. Quatrième Commission, 1655e Séance. Lundi 5 Décembre
1966, à 15h25. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 433-434.
128
 Idem. p. 435.
129
  Nations Unies – A/PV. 1490. Assemblée Générale. Vingt et Unième Session. 1490e Séance
Plénière. Lundi 12 Décembre 1966, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1966. p. 6.
186  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

estados membros terem atendido aos apelos da sessão anterior130. Para dar
continuidade ao programa, a AG adotou, por 112 votos a favor, 2 contra e
2 abstenções, a resolução 2237 (XXI), de 20 de dezembro, que solicitou ao SG
para prosseguir com as medidas para permitir que o maior número possível de
estudantes pudesse beneficiar da iniciativa, convidando-se os estados mem-
bros a oferecer oportunidades sobretudo para o ensino secundário e a forma-
ção profissional131.
Podendo em parte ser explicadas pelo descontentamento dos países africanos
com o incumprimento por Portugal do embargo petrolífero à Rodésia, as deci-
sões sobre as colónias portuguesas foram menos duras do que as adotadas pou-
co depois para as demais questões da África Austral. Em particular, o CS invo-
cou o Capítulo VII da Carta contra a Rodésia, colocando o embargo sob o
patrocínio das NU, e a AG condenou novamente o apartheid na África do Sul.
Mesmo tendo ficado aquém das propostas mais enérgicas, a resolução 2184
(XXI) teve importância para o processo de fixação de regras definidoras da ideia
de autodeterminação por considerar a recusa na sua implementação como um
crime contra a humanidade. A resolução foi mais um exemplo da tendência da
maioria para considerar que a ideia de autodeterminação estava num nível hie-
rárquico superior e que constituía o fundamento e o elemento central dos
direitos humanos (Normand e Zaidi, 2008: 212). A resolução continuou a
validar o recurso à luta armada, a apresentar referências à liberdade e, por con-
denar os investimentos estrangeiros enquanto obstáculo à independência,
explicitamente voltou a reconhecer que os aspetos económicos e políticos da
ideia de autodeterminação eram indissociáveis. Subjacente ao reconhecimento
estava uma definição da ideia de autodeterminação como incluindo a indepen-
dência política, económica, social e cultural, o que era semelhante ao entendi-
mento adotado nos convénios sobre os direitos humanos aprovados na resolu-
ção 2200 (XXI), de 16 de dezembro (Normand e Zaidi, 2008: 241).

A Mais Enérgica Condenação


Sentindo dificuldades em encontrar soluções para muitos dos problemas que
lhe interessavam, os países africanos parecem ter demonstrado alguma falta de
entusiasmo pelas deliberações da XXII AG132. A convite dos movimentos de
libertação, o Comité de Descolonização visitou na sua viagem a África insta-

130
  Nations Unies – A/6701. Supplément n.º 1. Rapport Annuel du Secrétaire General sur l’Acti-
vité de l’Organisation… p. 85.
131
  United Nations. Resolution 2237 (XXI), 20 December 1966. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
132
  AHD, Fundo Missão Permanente de Portugal junto das Nações Unidas: 1980, Mç. 66,
Telegrama da Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 29 de Setembro de 1967, p. 1-2.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  187

lações para refugiados angolanos e moçambicanos e examinou armas que


teriam sido capturadas ao exército português133. Referida com grande insistên-
cia pelos peticionários, a questão dos refugiados foi objeto de um consenso
(em 1 de junho), o primeiro sobre as colónias portuguesas, em que se lamen-
tou o facto das agências especializadas não terem aumentado a sua assistência
(Santos, 2009a: 62)134. A longa resolução adotada pelo Comité (em 20 de ju-
nho) apresentou, contrariamente ao que tem sido dito, alguns elementos
novos, empregando pela primeira vez a expressão “movimentos de libertação”
(Silva, 1995: 31; Barbier, 1974: 373-374)135. Sem que houvesse qualquer ten-
tativa de definição do termo, notou-se com satisfação que os movimentos ti-
nham alcançado progressos na luta armada e na implementação de programas
de reconstrução. Traduzindo uma nova preocupação do Comité, o texto inte-
grou um apelo ao SG para que promovesse a difusão do trabalho das NU
sobre a questão, de forma a informar a opinião pública mundial. Com a ree-
dição do estudo sobre as atividades dos interesses estrangeiros que constituíam
um obstáculo à aplicação da Declaração, o relatório sobre o item foi, em con-
sequência de divergências, sujeito a votação.
Mandatado pela resolução 2184 (XXI) a realizar consultas com o BIRD sobre
a concessão de empréstimos a Portugal, U Thant apresentou um relatório que
não foi particularmente favorável aos interesses portugueses136. Os contactos do
SG com o BIRD resultaram na negação dos argumentos apresentados anterior-
mente pelo Banco. O relatório indicou que, como desde 1962, as NU tinham
informado o BIRD sobre as medidas adotadas quanto às colónias portuguesas
podia-se argumentar que consultas razoáveis tiveram lugar antes da adoção da
resolução 2107 (XXI), havendo a obrigação de tratar as decisões das NU como
recomendações formais. Reconhecendo-se a existência de dificuldades na inter-
pretação de determinadas disposições do acordo de associação com as NU,
argumentou-se que o Banco somente estava impedido de interferir nos assun-
tos internos, não existindo a proibição de considerar a conduta internacional
dos estados membros e as suas repercussões na paz e na segurança137. Com o

133
  Nations Unies – A/6700/Rev.1. Rapport du Comité Spécial Chargé d’Étudier… p. 69.
134
  O consenso consiste numa forma de decisão que implica a aceitação positiva das propostas
por parte de todas as delegações. Cf. Peterson, 2007: 102.
135
  Tanto Duarte Silva como Barbier afirmam que o projeto de resolução não tinha disposições
novas.
136
  A iniciativa teve início ainda em dezembro de 1966, quando o SG transmitiu ao BIRD a
cópia das resoluções 2184 (XXI) e 2202 (XXI), que o encarregaram de realizar consultas sobre
os empréstimos à África do Sul.
137
  United Nations – A/6825. 15 September 1967. Consultation with the International Bank for
Reconstruction and Development. Report of the Secretary-General. s.l.: s.n., s.d. p. 12-20.
188  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

relatório do SG ficou demonstrado que o BIRD não tinha justificação legal


para recusar a implementação das resoluções das NU, podendo o seu compor-
tamento ser explicado pelos interesses económicos da instituição e pela sua
composição, em que os EUA, o Reino Unido, a França e a RFA detinham
praticamente a maioria dos votos (Barbier, 1974: 236).
Com a realização de uma nova tentativa para derrubar Mobutu, em que mer-
cenários partindo de Angola atacaram a República Democrática do Congo, o
CS foi convocado para examinar (de 30 de setembro a 10 de novembro) os
acontecimentos (Tíscar Santiago, 2013: 331-332). Portugal atribuiu aos EUA
a responsabilidade pela realização das sessões, acusando-os de insistirem na
condenação do país quando outras delegações como a Nigéria (que enfrentava
uma guerra civil, com a tentativa de secessão do Biafra) pretenderam unica-
mente lamentar a atitude portuguesa138. Sem objeções, tendo havido somente
uma reserva do Brasil, o CS aprovou a resolução 241 (1967), de 15 de novem-
bro, que condenava a fraqueza do governo português por não ter impedido
que Angola servisse como base para ataques armados ao Congo139. Ainda que
contrariamente à sessão anterior Portugal tivesse sido condenado, os termos
utilizados não deixaram de ser ambíguos por o governo português somente ter
sido responsabilizado por não ter conseguido impedir a presença de mercená-
rios em Angola. A cumplicidade portuguesa nos acontecimentos não foi refe-
rida, sendo que a ambígua condenação pode ter resultado da dificuldade em
justificar uma nova inação do CS perante as reiteradas interferências portu-
guesas em países africanos.
Considerando que o ambiente no Conselho se tornara gradualmente mais
favorável ao país, Portugal tinha a expectativa que a IV Comissão analisasse o
relatório do Comité de Descolonização de forma rápida140. A discussão foi
adiada por duas vezes, embora tivesse havido uma complexificação da situação
nas colónias portuguesas, com o aumento das perdas sofridas pelos milita-
res141. Estando o MPLA envolvido em novas frentes de combate, em Angola,
mesmo que a FNLA tivesse entrado numa fase menos ativa, a atividade militar
conheceu desenvolvimentos com as sabotagens da UNITA a infraestruturas

138
  ANTT, AOS/CO/NE-30-32, EUA, Relato da Conversa entre Dean Rusk e Franco Nogueira,
Realizada no Departamento de Estado, a 17 de Novembro de 1967, p. 539-540.
139
  United Nations. Resolution 241 (1967), 15 November 1967. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
140
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1967, Vol. IV, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 1 de Novembro de 1967, p. 1.
141
  Ainda no debate de abertura da AG, delegações como a da URSS, que sempre foram bas-
tante hostis a Portugal, revelaram menor agressividade quanto à política colonial portuguesa.
Cf. AHD, Fundo Missão de Portugal nas Nações Unidas: 1980, Mç. 66, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 29 de Setembro de 1967, p. 1-2.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  189

(Pélissier e Wheeler, 2009: 318). Num momento de impasse militar na Guiné


(Bissau), o PAIGC, que estava a enfrentar problemas internos devido ao pro-
longamento da guerra, começou a conceber o projeto de proclamação unilate-
ral da independência (Sousa, 2011: 497-498). Em Moçambique, ao ser anun-
ciado pelo governo português a construção de uma barragem em Cabora
Bassa, a FRELIMO iniciou operações regulares, realizando ataques violentos
e sucessivos (Afonso e Gomes, 2000: 588-590).
Os países africanos continuaram a demonstrar um maior interesse, e conse-
quentemente mais hostilidade, nas questões da Rodésia, do Sudoeste Africano
e do apartheid142. Antes da discussão sobre as colónias portuguesas, as NU
tomaram a iniciativa de declarar que o Sudoeste Africano passaria a ser desig-
nado como Namíbia, prevendo o estabelecimento de um programa de emer-
gência para o território. Com o aumento do petróleo que passava por Moçam-
bique com destino à Rodésia, reconheceu-se que o embargo ao regime de Ian
Smith somente seria eficaz se fosse apoiado pelo uso da força143. Aquando do
encerramento das inscrições para o debate sobre as colónias portuguesas, esta-
vam inscritos países afro-asiáticos e socialistas, a Suécia e, provisoriamente, os
EUA e a Venezuela144. Para que a discussão se limitasse aos afro-asiáticos e
socialistas, o que pensava que daria a impressão da existência de uma coligação
isolada de países radicais, Portugal tentou convencer os EUA e a Venezuela a
desistirem da participação145. Às missões portuguesas na América Latina, com
a exceção da brasileira e da cubana, foram enviadas instruções para que solici-
tassem que as delegações em Nova Iorque, que estariam sujeitas a grandes
pressões dos afro-asiáticos, não fizessem intervenções e contrariassem os pro-
jetos de resolução146. Com a orientação favorável a Portugal que vinham assu-
mindo, os países ocidentais e os latino-americanos, excetuando a Venezuela,
entenderam restringir-se à explicação do voto147.

142
  United Nations. Resolution 2372 (XXII), 12 June 1967. Disponível em <URL:http://www.
un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
143
  United Nations. Resolution 2262 (XXII), 4 November 1967. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
144
  AHD, Fundo POI, Mç. 39, Processo UA-4, Ano de 1967, Vol. IV, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 1 de Novembro de 1967, p. 1.
145
 Ibidem.
146
  AHD, Fundo POI, Mç. 211, Processo WE-Geral-Ult., Ano de 1967, Vol. I, Telegrama do
MNE para Todas as Missões Portugueses na América Latina, Exceto Rio de Janeiro e Cuba, de 26 de
Outubro de 1967, p. 1.
147
  No debate de abertura da AG, o representante da Venezuela não fez referências à política co-
lonial portuguesa, o que foi considerado pela Embaixada em Caracas como um gesto de simpatia
para Portugal. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 187, Processo ZB-2, Ano de 1967, Vol. XXIII, Tele-
grama da Embaixada de Portugal em Caracas para o MNE, de 2 de Outubro de 1967, p. 1.
190  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Sem exceção, os participantes no debate, com destaque para a Argélia, a Ro-


ménia e a Suécia, condenaram a política colonial portuguesa, embora fossem
visíveis diferenças nos argumentos. Algumas delegações apresentaram declara-
ções de princípios e outras sublinharam a situação interna nas colónias portu-
guesas, denunciando a intensificação dos esforços para suprimir as aspirações
nacionalistas. Limitando-se a algumas sessões, o estudo da questão colonial
portuguesa (realizado entre 1-10 de novembro) continuou a ser permeável à
associação com outros temas. Estando os EUA a utilizar napalm e outros pro-
dutos químicos no Vietname, o que alienou a opinião pública mundial, Por-
tugal foi acusado de empregar os mesmos métodos nas colónias148. Com o
ataque israelita ao Egipto na Guerra dos Seis Dias, que originou protestos dos
países árabes, o Iraque, como os peticionários ouvidos pelo Comité de Desco-
lonização tinham acusado Israel de fornecer armamento a Portugal, conseguiu
que fossem expostas fotografias das armas examinadas pelo órgão149. Na dis-
cussão, que teve uma dimensão repetitiva, a orientação adotada – que Portugal
receava que conduzisse à alienação de alguns dos seus apoios – voltou a ser a
de considerar a política colonial portuguesa e os problemas da África Austral
como um todo, alertando-se para a eventualidade de poderem surgir em
Angola e Moçambique situações idênticas à da Rodésia150.
Os aspetos económicos da política colonial portuguesa foram visados com de-
talhe, num momento em que fora descoberto petróleo em Cabinda, cuja
exploração ficou a cargo da empresa norte-americana Gulf Oil Corporation.
Os investimentos de capitais estrangeiros, as exportações de matérias-primas e
os empréstimos concedidos a Portugal por países como os EUA, a RFA ou o
Reino Unido foram entendidos como os principais condicionantes da resistên-
cia portuguesa151. Especificamente foram referidos os investimentos de empre-
sas como o United States Steel, a criação de fábricas, a intensificação da explo-
ração mineira ou as negociações para a criação de um consórcio internacional
para a construção da barragem de Cabora Bassa152. Atribuindo-se o aumento da

148
  Nations Unies – A/C.4/SR 1715. Quatrième Commission, 1715e Séance. Mercredi 8 Novembre
1967, à 15h35. Nova Iorque: s.n., 1967. p. 232.
149
  Os EUA, que segundo Portugal estavam provavelmente preocupados com uma futura expo-
sição de armamento utilizado no Vietname, sugeriram que as fotografias fossem distribuídas
individualmente às delegações. Como alguns países insistiram na exibição e os EUA
apresentaram reservas quanto a esse método de partilha de informação, por sugestão do Quénia
a Comissão entendeu, além da exposição, proceder à distribuição das fotografias pelas delega-
ções. Cf. Nations Unies – A/C.4/SR 1708. Quatrième Commission, 1708e Séance. Jeudi 2
Novembre 1967, à 10h50. Nova Iorque: s.n., 1967. p. 165.
150
  Nations Unies – A/C.4/SR 1708. Quatrième Commission, 1708e Séance... p. 162.
151
  Nations Unies – A/C.4/SR 1715. Quatrième Commission, 1715e Séance… p. 230.
152
  Nations Unies – A/C.4/SR 1711. Quatrième Commission, 1711e Séance. Lundi 6 Novembre
1967, à 11h. Nova Iorque: s.n., 1967. p. 189.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  191

repressão ao apoio económico, militar e político dos países da NATO, em inú-


meras declarações reconheceu-se porém que a luta dos movimentos de liberta-
ção estava a obter sucessos cada vez maiores, com o controlo de áreas libertadas153.
Considerando-se que a realização dos objetivos anticolonialistas era inevitável,
indicou-se que as medidas a adotar tinham sido definidas na resolução 2184
(XXI), que somente poderia ser colocada em prática se todos os estados mem-
bros, designadamente os aliados de Portugal, agissem eficazmente154.
Por iniciativa própria ou em resposta a perguntas das delegações, os peticioná-
rios abordaram os mesmos temas referidos no debate, relatando os desenvol-
vimentos na luta armada, apelando a que se ajudasse as populações ou criti-
cando a não aplicação das decisões das NU. A intervenção da FRELIMO
resultou numa declaração violenta, em que considerou os portugueses como
“mentirosos e trapaceiros”, “cruéis e monstruosos”, sendo Portugal “um agres-
sor racista e desumano”, que se dedicava a “uma guerra de extermínio”155.
Negando que o governo português representasse as populações moçambica-
nas, colocou à disposição da Comissão fotografias sobre as áreas libertadas,
onde estariam a ser implementados programas de reconstrução. Com uma
delegação constituída por um pastor presbiteriano e um padre católico, a
FRELIMO chamou a atenção para o aspeto religioso, denunciando a existên-
cia de uma cumplicidade entre a Igreja Católica e o governo português156.
Apresentando-se no final da discussão, o que parece ter limitado o tempo de
exposição, o GRAE foi mais moderado nas suas afirmações, ressaltando as
fragilidades da política de assimilação promovida por Portugal, o êxodo dos
refugiados ou a continuação do sistema de trabalhos forçados em Angola157.
Sem a participação de todos os afro-asiáticos, o que demonstrou novamente a
existência de divergências no grupo, foi apresentado um projeto de resolução
que traduziu uma complexificação na análise da questão colonial portuguesa.
Com uma abrangência ampla, o texto teve por objetivo demonstrar a Portugal
o seu isolamento, conseguir a condenação da política colonial portuguesa pela
comunidade internacional e ajudar moralmente os povos que lutavam pela
independência158. Adotando como ponto de partida as declarações dos peti-
cionários, a resolução 1514 (XV), as decisões das NU e as conclusões do

153
  Nations Unies – A/C.4/SR 1708. Quatrième Commission, 1708e Séance... p. 162.
154
 Idem. p. 163.
155
  Nations Unies – A/C.4/SR 1712. Quatrième Commission, 1712e Séance. Lundi 6 Novembre
1967, à 16h10. Nova Iorque: s.n., 1967. p. 196 e 203.
156
 Idem. p. 199.
157
  Nations Unies – A/C.4/SR 1716. Quatrième Commission, 1716e Séance. Jeudi 9 Novembre
1967, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1967. p. 237.
158
  Nations Unies – A/C.4/SR 1715. Quatrième Commission, 1715e Séance... p. 226.
192  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Seminário Internacional sobre o Apartheid, a Discriminação Racial e o Colo-


nialismo no Sul de África, realizado na Zâmbia, o projeto pretendia que se
demonstrasse uma profunda perturbação com a atitude negativa do governo
português159. Numa disposição semelhante à da resolução 2184 (XXI), procu-
rou-se que a AG notasse com grande preocupação a existência de uma situação
critica e explosiva, que ameaçava a paz e a segurança internacionais em conse-
quência da continuação das operações militares, dos investimentos estrangei-
ros e das ajudas a Portugal160.
O projeto de resolução teve como propósito adicional que se notasse com sa-
tisfação, como o Comité de Descolonização fizera, os progressos dos movi-
mentos de libertação na luta armada e com os programas de reconstrução161.
Como se tornara incontornável, propôs-se a reafirmação do direito inalienável
das populações à liberdade e à independência, bem como da legitimidade da
sua luta. Ao se sugerir a aprovação do relatório do Comité de Descolonização,
o texto apresentou um maior número de condenações quando comparado
com o da sessão anterior. Foi pretendido que se condenasse a recusa persisten-
te do governo português em implementar as decisões das NU, as ações desti-
nadas a perpetuar a dominação opressiva, a continuação da guerra colonial, a
violação dos direitos económicos e políticos das populações e as atividades dos
investimentos estrangeiros162. Provavelmente devido à contestação que tinha
havido, a violação dos direitos económicos e políticos das populações, com a
instalação de colonos e a exportação de mão de obra para as minas sul-africa-
nas, deixou de ser considerada um crime contra a humanidade. Essa condena-
ção foi reservada para a guerra colonial, que segundo o projeto de resolução
deveria ser entendida como um atentado contra a humanidade163.
Representando A Mais Enérgica Condenação da política colonial portuguesa, o
projeto de resolução foi simultaneamente um exemplo de adaptação e de evo-
lução, registando-se o desaparecimento de algumas disposições anteriormente
adotadas e a introdução de novos elementos (Silva, 1995: 31). O programa de
descolonização que estivera ausente nas últimas decisões foi retomado, propon-
do-se que a AG convidasse o governo português a implementá-lo sem demo-
ras164. Uma vez mais pretendeu-se que se solicitasse a todos os estados, em
particular aos aliados de Portugal, a aplicação das medidas destinadas ao

159
 United Nations – A/6908. 15 November 1967. Question of Territories under Portuguese
Administration. Report of the Fourth Committee. s.l.: s.n., s.d. p. 4-5.
160
 Idem. p. 5.
161
 Ibidem.
162
 Idem. p. 6.
163
 Ibidem.
164
  United Nations – A/6908. 15 November 1967. Question of Territories under Portuguese… p. 6.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  193

embargo militar. Com a reprodução dos apelos das anteriores resoluções, o


texto teve a especificidade de propor que se pedisse que fosse recusado o treino
do pessoal militar português dentro e fora do âmbito da NATO165. Por se con-
siderar que a guerra ultrapassava as fronteiras, estendendo-se aos estados africa-
nos independentes, recomendou-se a condenação da utilização por Portugal
das suas colónias para atividades agressivas contra países como a República
Democrática do Congo166. Para que houvesse uma resposta à altura da gravida-
de que se julgasse existir, no texto estava previsto que a Assembleia chamasse a
atenção urgente do CS para a contínua deterioração da situação nas colónias
portuguesas e para as consequências dos atos de agressão contra os estados afri-
canos. Não havendo qualquer pedido de aplicação de sanções político-econó-
micas, entendeu-se recomendar que se solicitasse ao CS a adoção das medidas
necessárias para tornar vinculativas as decisões sobre a questão167.
Numa sanção da legalidade da ajuda à luta nas colónias portuguesas, o texto
do projeto de resolução incluiu propostas avaliadas como sendo os meios mais
eficazes para intensificar a assistência às populações e retirar apoios ao governo
português. Os autores voltaram a prever que se solicitasse aos estados que
concedessem aos povos das colónias portuguesas a assistência moral e material
necessária à restauração dos seus direitos inalienáveis. Ao se tomar nota das
consultas do SG com o BIRD, entendeu-se que se recomendasse a renovação
do apelo às agências especializadas, em particular ao Banco e ao FMI, para que
não concedessem a Portugal qualquer assistência enquanto não implementas-
se a resolução 1514 (XV)168. Tendo sido decidido anteriormente que a OUA
deveria ser considerada como intermediária na concessão de ajudas aos refu-
giados e às populações, com o projeto de resolução pretendeu-se ir mais longe,
prevendo-se que o mesmo estatuto fosse atribuído aos movimentos de liberta-
ção. Ao se exprimir apreço pela ajuda concedida pelas organizações internacio-
nais, aconselhou-se a que a Assembleia solicitasse que, em cooperação com a
OUA e os movimentos de libertação, aumentassem a assistência169. Relativa-
mente ao SG, propôs-se que ficasse encarregue de promover a divulgação do
trabalho das NU sobre a questão, para informar a opinião pública mundial170.
Para assegurar a implementação das disposições sobre a cessação da assistência

165
 Idem. p. 7.
166
  United Nations – A/C.4/L.872. 8 Novembre 1967. Application de la Déclaration sur l’Octroi
de l’Independence aux Pays et aux Peuples Coloniaux: Question des Territories sous Administration
Portugaise. s.l.: s.n., s.d. p. 4.
167
 Ibidem.
168
  United Nations – A/6908. 15 November 1967. Question of Territories under Portuguese… p. 7.
169
 Idem. p. 8.
170
 Ibidem.
194  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

financeira, recomendou-se que fosse determinado que o SG encetasse novas


consultas com o BIRD e o FMI. Entendendo-se que a situação dos territórios
portugueses deveria ser mantida sob revisão, com o exame do cumprimento
pelos estados membros das resoluções das NU, pediu-se que fosse aceite que o
item continuasse inscrito na agenda do Comité de Descolonização171.
Portugal apresentou a sua defesa no final da sessão, escolhendo comentar
algumas acusações. Foi indicado que as relações com a África do Sul eram
somente as de boa vizinhança, que a instalação de colonos favorecia o desen-
volvimento de uma sociedade multirracial, que a imigração de trabalhadores
para outros países era inteiramente voluntária, que os investimentos estrangei-
ros constituíam um meio para acelerar a expansão económica, que o governo
conseguia perfeitamente prover às necessidades das suas forças de segurança
sem a ajuda de terceiros e que não existiam áreas libertadas172. Entendendo-se
as afirmações contra Portugal como meras repetições, lamentou-se que forças
externas tentassem dividir uma sociedade multirracial com a introdução de
distinções raciais. Tendo optado por fazer uma curta exposição, Portugal rejei-
tou o projeto de resolução, criticando com especial ênfase as disposições des-
tinadas a condenar a guerra colonial, os investimentos estrangeiros e as incur-
sões em países vizinhos173. Mostrando-se orgulhoso do que alegava serem os
sucessos da sua política plurirracial, Portugal tentou demonstrar que o projeto
de resolução não tinha fundamento ou correspondência com a realidade174.
Nas diligências para impedir a unanimidade que os afro-asiáticos tanto dese-
javam, Portugal visou sobretudo os latino-americanos, que tinham uma posi-
ção suscetível de sofrer alterações conforme as circunstâncias. Portugal encon-
trou apoios em países como o Uruguai, que afirmou ter instruído a sua
delegação a não subscrever nenhum projeto de resolução que incluísse expres-
sões violentas, e a Colômbia, que indicou que manteria a mesma posição do
ano anterior175. As démarches portuguesas explicam as reservas de países como
os EUA, que estavam a desenvolver laços mais estreitos com Portugal e as suas
colónias, ou o Reino Unido, cujas relações com o governo português atraves-
savam uma fase difícil em parte devido à situação na Rodésia (Schneidman,
2005: 147; Oliveira, 2007: 346). Os aliados de Portugal, a Argentina e a Bolí-
via lamentaram o tom violento do texto, as alusões à NATO, as afirmações

171
 Ibidem.
172
  Nations Unies – A/C.4/SR 1716. Quatrième Commission, 1716e Séance... p. 235-236.
173
 Ibidem.
174
 Ibidem.
175
 AHD, Fundo POI, Mç. 211, Processo WE-Geral-Ult., Ano de 1967, Vol. I, Carta do
Ministério das Relações Exteriores do Uruguai para a Embaixada de Portugal, de 27 de Outubro de
1967, p. 1.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  195

sobre os investimentos estrangeiros, as referências às prerrogativas do CS, os


apelos ao BIRD e ao FMI ou a condenação da violação da integridade de es-
tados africanos176. Para relativizar o seu voto, o Japão avançou que, em caso de
votação separada, abster-se-ia em relação a alguns parágrafos e a Colômbia
questionou a fundamentação jurídica da acusação de crime contra a humani-
dade e dos apelos às agências especializadas177. Com especial importância, por
ser um dos autores do projeto de resolução, foram as reservas do Botswana
que, estando submetido a constrangimentos pela proximidade à África do Sul,
colocou em dúvida se a exportação de mão de obra para as minas sul-africanas
estava sujeita à coação, solicitando à Comissão que se abstivesse de assumir
uma posição enquanto não fosse realizado um estudo178.
Suspensa a sessão para a realização de consultas informais com outras delega-
ções, os autores do projeto de resolução foram sensíveis às opiniões de alguns
países, designadamente dos latino-americanos. A Tunísia apresentou uma ver-
são revista do texto, em que os parágrafos que pretendiam a condenação de
Portugal por atos cometidos contra estados africanos, a chamada de atenção ao
CS para essas atividades e a adoção de medidas para tornar vinculativas as an-
teriores resoluções foram sujeitos a alterações destinadas a moderar a linguagem
empregue. Consideradas por alguns, como a URSS, como produzindo um
enfraquecimento do texto, as emendas foram introduzidas num espírito de
compromisso, por se pretender captar o voto latino-americano179. Com a nova
redação atribuiu-se aos parágrafos um carácter vago, eliminando-se as expres-
sões “atividades agressivas” e “atos de agressão”, que pressupunham a utilização
da linguagem do Capítulo VII da Carta. Tendo por resultado circunscrever a
situação ao contexto das relações de vizinhança, a versão revista do texto limi-
tou-se a prever, não a adoção de medidas pelo CS, mas que o órgão simples-
mente fizesse um estudo sobre se poderia propor uma ação180. Sem que se tives-
se solicitado o voto por divisão, o projeto de resolução, submetido a escrutínio
por apelo nominal, foi aprovado. Votaram a favor 80 países, sendo que 8 dele-
gações (África do Sul, Austrália, Espanha, EUA, Holanda, Nova Zelândia, Por-
tugal e Reino Unido) não apoiaram o documento. A maioria dos países ociden-
tais, como o Canadá e a Bélgica, e dos latino-americanos, a exemplo do Brasil,
contribuíram para as 15 abstenções registadas181.

176
  A título de exemplo vide Nations Unies – A/C.4/SR 1717. Quatrième Commission, 1717e
Séance. Vendredi 10 Novembre 1967, à 15h20. Nova Iorque: s.n., 1967. p. 239-244.
177
 Idem. p. 243-244.
178
 Idem. p. 240-241.
179
  Nations Unies – A/C.4/SR 1717. Quatrième Commission, 1717e Séance... p. 242-243.
180
  United Nations – A/6908. 15 November 1967. Question of Territories under Portuguese… p. 7.
181
  Nations Unies – A/C.4/SR 1717. Quatrième Commission, 1717e Séance... p. 244-245.
196  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Delegações como as da Costa Rica, Equador, Nicarágua e Peru estiveram au-


sentes da votação, podendo-se arriscar que não quiseram se associar a uma
condenação tão radical da política colonial portuguesa182. Sendo comummen-
te entendido que uma resolução para ser eficaz deveria ser aprovada por uma
maioria representativa, o texto adotado, apesar do número de países que o
apoiaram, sofreu o mesmo destino dos anteriores, sendo objeto de reservas.
O Brasil, a Espanha e o México, cuja presença no debate somente foi notada
nesse momento, invocaram o facto de não ter havido o voto por divisão sobre
os parágrafos mais controversos183. Na verdade, como nenhuma delegação de-
monstrara um real interesse na votação separada, o argumento não foi mais do
que um pretexto. Dúvidas quanto ao fundamento jurídico de alguns parágra-
fos, a certeza de que a resolução não seria aplicada e o entendimento de que o
texto baseava-se em conceções erróneas foram as justificações da Holanda para
o seu voto contra184. Tendo apoiado o projeto de resolução, o Equador, a
Irlanda e a Venezuela, demonstrando que o seu voto não fora determinado por
uma verdadeira oposição à política colonial portuguesa, optaram por ressaltar
que muitos dos elementos presentes no texto eram insatisfatórios185.
Como o SG fora encarregue no ano anterior de examinar a possibilidade da
fusão, por desempenharem a mesma função, dos programas de ensino e for-
mação para os territórios africanos, o relatório resultante da análise empreen-
dida foi igualmente estudado pela Comissão186. No projeto de resolução de-
corrente da discussão propôs-se a integração dos programas para os estudantes
das colónias portuguesas, da Namíbia, da África do Sul e da Rodésia187. Por se
entender que a incorporação dos programas era desejável enquanto base para
novos desenvolvimentos na expansão da assistência à educação, pretendeu-se
a atribuição de meios financeiros mais substanciais e que o SG fosse autoriza-
do a apelar aos estados membros e às agências especializadas para fornecerem
fundos188. Considerado pelos estados membros como uma questão sem carác-
ter político, visando unicamente beneficiar os que desejavam ter acesso a for-
mação, a proposta de agregação foi adotada com uma votação semelhante à
registada nas sessões anteriores quanto ao programa para as colónias portugue-

182
  AHD, Fundo POI, Mç. 211, Processo WE-Geral-Ult., Ano de 1967, Vol. I, Carta da Em-
baixada de Portugal na Guatemala para o MNE, de 19 de Outubro de 1967, p. 1-3.
183
  Nations Unies – A/C.4/SR 1717. Quatrième Commission, 1717 e Séance... p. 245.
184
 Idem. p. 246.
185
 Idem. p. 245-246.
186
  Nations Unies – A/7201. Supplément n.º 1. Rapport Annuel du Secrétaire General sur l’Acti-
vité de l’Organisation. 16 Juin 1967-15 Juin 1968. Nova Iorque: s.n., 1968. p. 101.
187
  United Nations. Resolution 2349 (XXII), 19 November 1967. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
188
 Idem.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  197

sas189. Aceite de forma pacífica, a junção dos programas de formação foi um


indicador da preferência para que a situação nas colónias portuguesas fosse
debatida em conjunto com a da Rodésia, Namíbia e África do Sul.
Tendo a Mauritânia e o Senegal assumido a defesa do primeiro projeto de reso-
lução no plenário, a Albânia solicitou a votação separada do parágrafo destina-
do a exprimir apreço pela ação das organizações internacionais e a solicitar que
aumentassem a assistência às populações em cooperação com a OUA e os
movimentos de libertação190. O parágrafo foi adotado e o projeto, por 82 votos
favoráveis, 7 contra e 21 abstenções, tornou-se na resolução 2270 (XXII), de 17
de novembro. Com ligeiras diferenças manteve-se, quando comparada com a
IV Comissão e a XXI AG, a distribuição dos votos. Verificaram-se as abstenções
de membros da NATO, de países alinhados com o ocidente, de latino-ameri-
canos e, de novo, do Malawi, que estabelecera um acordo com o governo por-
tuguês visando as comunicações que lhe permitiam o acesso ao mar (Marcos,
2007: 214). Quase nenhuma delegação, contrariamente à prática, apresentou
explicações de voto, com a aprovação do projeto a ser seguida unicamente das
reservas formais de Portugal e da indicação pelo Uruguai de que não aprovava
a redação de certos parágrafos que continham condenações191. Tornando-se na
resolução 2349 (XXII), de 19 de novembro, o documento sobre a integração
dos programas de formação e de treino conseguiu a aprovação, contando com
um número residual de votos contra (2) e de abstenções (1)192.
Com a tendência para as NU multiplicarem as suas iniciativas, Portugal foi
ainda visado no plenário em questões comuns a diversos territórios, sobretudo
aos da África Austral. A pedido do Comité de Descolonização, a AG dedicou
uma atenção especial às atividades dos interesses económicos estrangeiros que
impediam a aplicação da Declaração sobre a Concessão da Independência aos
Países e Povos Coloniais na Rodésia, na Namíbia, nas colónias portuguesas e
em outros territórios dependentes. Continuando alguns países a solicitar a
distinção entre as atividades que exploravam e empobreciam as populações e
as que favoreciam o bem-estar, foi adotada a resolução 2288 (XXII), de 7 de
dezembro, com 91:2:17. O texto representou uma veemente condenação da
exploração dos territórios e dos povos colonizados, bem como dos métodos
empregues pelos interesses estrangeiros193. Fazendo-se a equiparação entre as
189
 Nations Unies – A/PV. 1641. Assemblée Générale. Vingt-Deuxième Session. 1641e Séance
Plénière. Mardi 19 Décembre 1967, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1967. p. 6.
190
 Nations Unies – A/PV. 1599. Assemblée Générale. Vingt-Deuxième Session. 1599e Séance
Plénière. Vendredi 17 Novembre 1967, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1967. p. 3-4.
191
  Nations Unies – A/PV. 1599. Assemblée Générale. Vingt-Deuxième Session… p. 4.
192
  Nations Unies – A/PV. 1641. Assemblée Générale. Vingt-Deuxième Session... p. 6.
193
  United Nations. Resolution 2288 (XXII), 7 December 1967. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
198  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

atividades estrangeiras e a violação dos compromissos assumidos na Carta e na


resolução 1514 (XV), as potências coloniais foram convidadas a assegurar que
as concessões, os investimentos e a instalação de empresas nos territórios colo-
nizados não contrariavam os interesses das populações194.
Com a tendência para que a questão da aplicação da Declaração pelas agências
especializadas assumisse uma importância crescente, o plenário entendeu tam-
bém consagrar-lhe um exame particular. Revelando ser um tema controverso,
como as afirmações na IV Comissão anteciparam, a AG aprovou a resolução
2311 (XXII), de 14 de dezembro, que foi adotada por 81:2:18. Com a resolu-
ção, a Assembleia entendeu que as agências especializadas, a Agência Interna-
cional de Energia Atómica (AIEA) e as instituições associadas à ONU deveriam
prestar toda a colaboração para se alcançar os objetivos da resolução 1514
(XV)195. Saudando-se as que tinham cooperado com a Organização, recomen-
dou-se a adoção de medidas urgentes e eficazes para ajudar os povos que luta-
vam contra a dominação colonial, em particular na Rodésia e nas colónias
portuguesas196. Consagrando o alargamento a todo o sistema das NU da res-
ponsabilidade pela aplicação da Declaração, a resolução apelou a que se elabo-
rasse, em cooperação com a OUA e os movimentos de libertação, programas
concretos de ajuda, que não se atribuísse nenhuma assistência à África do Sul e
a Portugal e que todos os estados facilitassem a aplicação das decisões das NU197.
Mais do que em sessões anteriores, a XXII AG demonstrou uma evidente
complexificação da questão colonial portuguesa, com a associação de novos
temas ao debate. Mesmo que com uma formulação diferente, a rejeição da
ideia de autodeterminação continuou a ser considerada um crime contra a
humanidade. Nas decisões adotadas registou-se um aprofundamento do con-
ceito de autodeterminação económica com a análise diretamente no plenário
de um item sobre os investimentos estrangeiros nos territórios colonizados. Os
novos desenvolvimentos na ideia de autodeterminação estiveram igualmente
direcionados para um crescente apoio aos movimentos de libertação que, por
terem sido mencionados pela primeira vez numa resolução, foram objeto de
um reconhecimento implícito. Ao notar-se com satisfação os progressos reali-
zados através da luta armada e com os programas de reconstrução, pode-se
também afirmar que nas decisões adotadas esteve subjacente uma legitimação
da existência de áreas libertadas. Uma vez que a implementação de programas
de reconstrução, que os movimentos de libertação afirmavam abranger domí-

194
 Ibidem.
195
  United Nations. Resolution 2311 (XXII), 14 December 1967. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
196
 Ibidem.
197
 Ibidem.
Uma Fonte de Inquietações Particulares: 1965-1967  |  199

nios como a administração, economia, saúde ou ensino, pressupunha um cer-


to grau de controlo sobre o território, não se pode negar que houve uma
aceitação das reivindicações das organizações anticolonialistas. Com a atribui-
ção aos movimentos do estatuto de intermediário na receção das ajudas desti-
nadas às vítimas do colonialismo português pode-se ainda especular que ocor-
reu a afirmação de que a ideia de autodeterminação podia ter como exe-
cutantes grupos armados que reivindicavam representar as populações e
controlar parte dos territórios.

Mesmo que haja opiniões que favoreçam um entendimento das ideias de forma
isolada, sem qualquer referência ao contexto, o ideational role das NU tem
vindo a ser considerada em conjunto com o âmbito histórico e social em que
Organização desempenhou o seu mandato (Emmerij, Jolly e Weiss, 2001: 8-9).
Se bem que num primeiro momento continuassem as dificuldades em conse-
guir que o CS correspondesse aos apelos da maioria, as sessões de 1965-1967
distinguiram-se pelas decisões radicais sobre a política colonial portuguesa. As
resoluções da AG apresentaram disposições duras, em que a linguagem empre-
gue nos textos traduziu a violência das afirmações da maioria. O reconheci-
mento da legitimidade da luta das populações das colónias portuguesas, os
pedidos de embargos militares e de sanções político-económicas, que somente
podiam ser invocados pelo CS em aplicação do Capítulo VII da Carta, ou a
solicitação do aumento da assistência às populações passaram a ser recorrentes
nas decisões adotadas. Questões anteriormente referidas, como os obstáculos
resultantes das atividades e dos interesses económicos estrangeiros na aplicação
da Declaração, ganharam um grande destaque com a realização de estudos e a
adoção de resoluções específicas. Novos temas foram associados à análise da
questão colonial portuguesa, demonstrando-se a tendência para envolver todo
o sistema das NU na aplicação da Declaração. Aprovadas com as reservas de
países ocidentais, de latino-americanos e de alguns africanos, as resoluções de-
monstraram porém as dificuldades em se alcançar a unanimidade, uma vez que
o maior radicalismo das decisões alienou parte dos votantes.
O endurecimento das NU terá em parte sido justificado pelo agravamento da
situação nas colónias com a criação de uma nova frente em Moçambique,
pelas ações militares realizadas por Portugal em países africanos que resulta-
ram num descontentamento generalizado ou pela influência que o Comité de
Descolonização, onde surgiram muitas das iniciativas contra o governo portu-
guês, vinha adquirindo. Ao se questionar se o radicalismo poderá ser atribuído
a fatores externos, como a associação da questão colonial portuguesa a outras
preocupações, pensamos poder afirmar que as decisões das NU somente en-
200  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

contram sentido no contexto dos desenvolvimentos ocorridos na África Aus-


tral. As resoluções sobre as colónias portuguesas foram a tradução da consoli-
dação da tendência para se considerar a atuação de Portugal como parte de um
projeto de constituição de regimes de minoria branca. Para que isso aconteces-
se, um dos fatores mais relevantes foi a declaração unilateral de independência
da Rodésia do Sul, que estimulou nos países africanos uma reação hostil.
Outras das condicionantes foi o início da luta armada na Namíbia que acres-
centou um novo foco de tensão no continente africano. Com a redobrada
atenção atribuída aos problemas africanos, no período de 1965-1967 foi evi-
dente uma aproximação entre as medidas adotadas contra Portugal e as refe-
rentes aos regimes minoritários. Crescentemente Portugal, África do Sul e
Rodésia foram visados em conjunto nas decisões que repudiavam a discrimi-
nação racial ou censuravam os investimentos estrangeiros. Houve semelhanças
entre as decisões adotadas para os problemas da África Austral, mas compara-
tivamente Portugal foi objeto de uma menor severidade, o que talvez possa
ter sido o resultado de uma relativa secundarização das preocupações com as
colónias portuguesas na agenda das NU.
Significando um reforço na exigência da independência das colónias portugue-
sas, o radicalismo das NU demonstrou a tendência para se considerar a ideia de
autodeterminação como se sobrepondo a outros princípios do direito interna-
cional. A autoridade que vinha sendo associada à ideia acabou por transcender
o princípio sobre o qual assentava a estrutura das NU: a proibição do uso da
força. Continuando os esforços para tornar a autodeterminação vinculativa, a
não aplicação da ideia foi qualificada como um crime contra a humanidade.
Decorrente das afirmações da maioria, além da independência, pretendeu-se
que a ideia de autodeterminação também significasse o direito à liberdade,
entendido como uma rutura dos vínculos com a potência colonial. Sempre
controversa, a associação entre a ideia de autodeterminação e os direitos huma-
nos teve continuidade, estabelecendo-se uma identificação crescente entre os
direitos políticos e os económicos, sociais e culturais. Nas decisões adotadas, o
conceito de autodeterminação que fora definido na resolução 1514 (XV) foi
aprofundado em algumas das suas implicações. Estando presente na Declara-
ção, a autodeterminação económica foi definida como a soberania sobre os re-
cursos nacionais, ficando associada ao direito ao desenvolvimento que estava
em construção. Reportando-se às populações africanas, as resoluções sobre as
colónias portuguesas legitimaram toda a assistência para a luta pela autodeter-
minação, elegendo-se os movimentos de libertação como intermediários. Ain-
da que de forma implícita, foi iniciada a prática de estabelecer um vínculo entre
a ideia de autodeterminação e a definição de um estatuto para os movimentos
de libertação nas NU, o que teria consequências nas sessões seguintes.
Capítulo IV
A Via do Realismo: 1968-1970

Para que possam produzir mudanças, as ideias devem ser defendidas por gru-
pos com acesso institucional e ser enquadradas de forma a gerar consenso
(Stiller, 2010: 28-29). Tendo a ideia de autodeterminação estado sujeita a um
processo de constante adaptação e evolução, as decisões das NU sobre os ter-
ritórios colonizados, por se reportarem à resolução 1514 (XV), resultaram
numa afirmação constante do desejo de eliminar o colonialismo. Com a apro-
ximação do final da década de 1960, os progressos na implementação da reso-
lução 1514 (XV) continuaram no entanto a ser lentos e em alguns casos não
se registaram avanços significativos1. Não somente a recusa de determinados
países em sujeitar-se às decisões das NU, mas o facto de outros não concede-
rem à Organização a plena cooperação para a aplicação das soluções necessá-
rias foram apresentados como causas do atraso2. Em particular, a situação na
África Austral foi considerada um desafio à vontade coletiva das NU para co-
locar fim à dominação colonial, sendo a presença portuguesa na região enten-
dida como o mais sério obstáculo à paz3.
Com os projetos de resolução a serem novamente adotados por maiorias es-
magadoras, no período de 1968-1970 as NU ensaiaram novas abordagens na
análise da questão colonial portuguesa. Mesmo se algumas condenações tives-
sem sido retomadas, as resoluções apresentaram críticas menos enérgicas, evi-
tando dirigir apelos insistentes ou detalhados a Portugal, aos estados mem-
bros, às agências especializadas e às organizações internacionais (Silva, 1995:
33). Interpretada por alguns estudos como um sinal de impotência perante a
inflexibilidade do governo português, a moderação das NU é entendida por
outros como um compromisso com A Via do Realismo (Barbier, 1974: 377). A
explicação apresentada para a diminuição do radicalismo pretende que a situa-
ção terá sido o resultado das expectativas que se seguiram às mudanças ocorri-
das em Portugal com a substituição de António de Oliveira Salazar por Mar-
cello Caetano (Silva, 1995: 33). Mesmo não sendo totalmente destituída de
fundamento, essa afirmação não tem todavia em consideração que a modera-
ção visava igualmente conseguir que as resoluções fossem adotadas por unani-

1
  Nations Unies – A/7201/Add. 1. Supplément n.º 1A. Introduction au Rapport Annuel du Secré-
taire General sur l’Activité de l’Organisation. Nova Iorque: s.n., 1968. p. 18-19.
2
 Ibidem.
3
 Ibidem.
202  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

midade, para se isolar o governo português. Tendo os resultados ficado aquém


do desejado, fatores adicionais, que não somente os enunciados acima, pode-
rão ainda explicar o comportamento moderado da maioria.

Menos Extremista na sua Redação


Verificando-se no ano de 1968 inúmeros protestos a nível mundial, nas coló-
nias portuguesas sucederam-se os acontecimentos, com a FNLA a reativar as
suas atividades e o MPLA e a UNITA a anunciarem a transferência de parte
das suas estruturas para o interior de Angola (Pélissier e Wheeler, 2009: 297;
Afonso e Gomes, 2000: 591). Com a guerra na Guiné (Bissau) a registar um
abrandamento, o PAIGC entendeu alargar as suas iniciativas político-diplo-
máticas, na procura de uma personalidade jurídica internacional (Sousa,
2011: 531-532). Alvo de ataques do exército português, a FRELIMO iniciou
uma outra frente em Moçambique, na Província de Tete (Afonso e Gomes,
2000: 591). Não obstante este cenário, o Comité de Descolonização não se
deslocou a África, tendo ouvido um número limitado de peticionários, o que
tem sido considerado como um sinal de afastamento das organizações antico-
loniais em relação ao órgão (Silva, 1995: 33)4. Na resolução adotada (a 26 de
junho), foram retomadas disposições anteriores e, de forma inédita, aprovou-
-se uma outra decisão (em 23 de setembro) com base numa petição do PAIGC
que acusava o governo português de utilizar napalm e fósforo branco contra as
populações (Santos, 2009a: 63-64). Com a formalização da competência do
órgão para o exame de questões suplementares, foram estudadas a aplicação da
Declaração pelos estados membros e agências especializadas, as atividades e
acordos militares das potências coloniais e a difusão de informações sobre os
trabalhos das NU no domínio da descolonização.
Tão radicais quanto as decisões do período anterior, voltando a qualificar a
guerra nas colónias portuguesas como um crime contra a humanidade, as re-
soluções do Comité de Descolonização acabaram porém por ser rapidamente
ultrapassadas pelos desenvolvimentos em Portugal. De forma inesperada,
António de Oliveira Salazar foi substituído (a 27 de setembro) na presidência
do Conselho de Ministros por Marcello Caetano. A escolha de Caetano pro-
duziu um sentimento de expectativa, tanto interna como externamente, fruto
do carácter reformista que lhe era atribuído (Castilho, 2012: 427). Muitos
alimentaram a esperança na implementação de um programa de liberalização
e de modernização, em particular quanto à política colonial (Oliveira, 2007:

4
  Como acontecera na sessão anterior, em que o órgão fora convidado a participar em eventos
relacionados com as suas atividades, o Comité de Descolonização esteve representado na Con-
ferência dos Direitos Humanos, realizada no Irão, de 22 de abril a 13 de maio.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  203

355-357). Seguida com atenção pela imprensa internacional, o novo ciclo que
se pensava que fora iniciado em Portugal com a mudança de governo condi-
cionou os debates na IV Comissão.
A discussão geral (realizada entre 25 de outubro e 20 de novembro) foi ante-
cedida pela audição de peticionários, num momento em que a OUA, que
conferia legitimidade aos movimentos de libertação, reconhecera o MPLA
como representante de Angola (Sousa, 2011: 277). Pretendendo somente le-
gitimar os movimentos que lutassem por meios militares, a OUA decidiu tam-
bém rever o estatuto de governo no exílio atribuído ao GRAE, mantendo
contudo o reconhecimento à FNLA (Pélissier e Wheeler, 2009: 297). A falta
de entusiasmo que as organizações anticoloniais demonstraram relativamente
ao Comité de Descolonização voltou a ser sentida na IV Comissão, confir-
mando o distanciamento quanto às NU5. Pouco solicitada, a Comissão acei-
tou unicamente o pedido de audição da FRELIMO, que apresentou dois fil-
mes destinados a documentar a luta pela independência e as condições de vida
nas áreas que afirmava controlar. As declarações do movimento indicaram que
os seus efetivos tinham sido aumentados, que as operações militares estavam
a ser alargadas e que um quinto do território moçambicano fora liberto6.
Apelando à adoção de medidas concretas, a FRELIMO denunciou a presença
de mercenários sul-africanos em Moçambique, a criação de aldeamentos estra-
tégicos, as violações por Portugal da soberania de países africanos e o projeto
de construção da barragem de Cabora Bassa, cuja adjudicação a consórcios
internacionais estava em estudo7.
Uma vez mais, os intervenientes na discussão geral continuaram a ser, na sua
esmagadora maioria, afro-asiáticos e socialistas, com as afirmações contra a
política colonial portuguesa a não registarem alterações significativas, manten-
do-se tão radicais quanto outrora. O Chile e a Venezuela foram os únicos lati-
no-americanos a participarem no debate, demonstrando novamente o descon-
forto quanto à tomada de posição em relação ao colonialismo português.
Tendo em atenção o verificado na XXII AG, não se pode deixar de equacionar
a hipótese segundo a qual a não participação dos restantes latino-americanos
tivesse resultado de diligências empreendidas por Portugal. Mesmo eviden-
ciando a preocupação pela recusa portuguesa em implementar a resolução
1514 (XV), o Chile e a Venezuela exprimiram um certo descontentamento
quanto ao radicalismo dos afro-asiáticos e dos socialistas. Ambos os países

5
  Foi concedida uma audição a Alberto Nank, que novamente não esteve presente nas sessões.
6
  Nations Unies – A/C.4/SR 1773. Quatrième Commission, 1773e Séance. Lundi 28 Octobre
1968, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1968. p. 2.
7
 Idem. p. 3-4.
204  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

indicaram considerar inútil a adoção de uma nova resolução e que a eficácia


das NU somente poderia ser assegurada se as opiniões da Organização e de
Portugal encontrassem um acolhimento suficientemente favorável8.
A política colonial portuguesa voltou a ser analisada pela maioria à luz da
conjuntura na África Austral, onde na Rodésia a situação sofrera um agrava-
mento com o início da luta armada, continuando-se na Namíbia a desenvol-
ver uma guerra visando alvos estratégicos (Oliveira, 2007: 343; Udogu, 2011:
124). Sendo entendido que a política colonial portuguesa em nada mudara, o
governo português foi acusado de, com os ataques a países africanos, colocar
em perigo a paz mundial, cometendo um crime contra a humanidade. As
questões mais enfatizadas foram a construção de aldeamentos estratégicos, a
presença de mercenários no exército português, a política de instalação de
colonos brancos, os investimentos estrangeiros, o aumento de efetivos milita-
res nas colónias, a utilização de napalm e fósforo branco e as ajudas atribuídas
pela NATO a Portugal9. Com a convicção de que a derrota portuguesa era
uma questão de tempo, alguns intervenientes manifestaram a intenção de
manter a assistência aos movimentos de libertação, para que pudessem prosse-
guir a conquista de áreas libertadas. Sem sinais de moderação, a discussão não
foi destituída de apelos a Portugal para que demonstrasse um maior espírito
de cooperação, introduzindo mudanças que resultassem na independência das
colónias10.
Sem deixar transparecer alterações na argumentação que vinha sendo utiliza-
da, Portugal apresentou duas intervenções sobre a substância do debate e
outras sobre questões processuais11. A posição do governo português quanto às
discussões na IV Comissão foi reafirmada, rejeitando-se as acusações sobre a
discriminação racial, o reagrupamento das populações, a expropriação de ter-
ras, a utilização de armas proibidas, o recurso a trabalho forçado, a presença de
tropas sul-africanas nas colónias ou a existência de áreas libertadas12. Em apoio
às suas afirmações, Portugal chamou a atenção para os investimentos que esta-

8
  Nations Unies – A/C.4/SR 1784. Quatrième Commission, 1784e Séance. Mardi 5 Novembre
1968, à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1968. p. 4.
9
  Nations Unies – A/C.4/SR 1785. Quatrième Commission, 1785e Séance. Mercredi 6 Novembre
1968, à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1968. p. 2.
10
 Idem. p. 1.
11
  Algumas delegações afro-asiáticas e a Jugoslávia, aplicando a técnica conhecida por heckling,
interromperam, com a apresentação de moções da ordem do dia, as intervenções portuguesas.
Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 381, Processo POI 6.0, Ano de 1969, Vol. IV, Informação de Ser-
viço Elaborada por Bonifácio de Miranda, a 3 de Fevereiro de 1969, p. 8-9.
12
  Nations Unies – A/C.4/SR 1787. Quatrième Commission, 1787e Séance. Vendredi 8 Novembre
1968, à 11h10. Nova Iorque: s.n., 1968. p. 4-5.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  205

vam a ser efetuados, indicando que a barragem de Cabora Bassa resultaria


numa maior prosperidade para a população moçambicana e os países vizi-
nhos. Demonstrando que as esperanças numa eventual mudança na política
colonial portuguesa eram infundadas, foi indicado que a orientação seguida
não era obra de um indivíduo ou de um determinado governo, mas que se
baseava na própria estrutura do Estado português, que não podia ser modifi-
cada13.
Não tendo havido quaisquer indicações nesse sentido durante o debate, os
afro-asiáticos acabaram no entanto por moderar o seu comportamento, apre-
sentando um projeto de resolução Menos Extremista na sua Redação14. Com
condenações pouco numerosas e menos enérgicas, o projeto fora suavizado
pela ação moderadora de países como a Argélia, Etiópia, Gana e Libéria15.
Tendo desagradado à URSS, a tendência africana para a moderação foi indis-
cutivelmente o resultado do desejo de encorajar uma mudança na política
colonial portuguesa (Silva, 1995: 33). Pretendendo conseguir que Portugal
aplicasse o direito à autodeterminação, o carácter moderado do projeto de
resolução poderá igualmente ser atribuído à realização de consultas com
outras delegações16. Iniciadas na sessão anterior, as consultas resultaram da
tendência que se vinha afirmando desde meados da década de 1950 para a
utilização de negociações informais enquanto mecanismo para solucionar
determinadas questões e facilitar o funcionamento dos órgãos das NU (Peter-
son, 1990: 255-256). As consultas foram realizadas com o grupo latino-ame-
ricano, desconhecendo-se quais as alterações que produziram no documento
inicialmente redigido pelos afro-asiáticos17.
Mais favorável ao governo português, o projeto de resolução demonstrou uma
menor insistência na utilização da palavra “condena” (substituída por “deplo-
ra”), registando-se o desaparecimento de afirmações e expressões que anterior-
mente suscitaram reservas. Os parágrafos iniciais foram idênticos aos dos tex-

13
 Idem. p. 5.
14
  AHD, Fundo POI, Mç. 380, Draft Report of the Australian Delegation to the Twenty-Third
Session of the United Nations General Assembly 24 September-21 December, p. 56.
15
  AHD, Fundo POI, Mç. 381, Processo POI 6.0, Ano de 1969, Vol. IV, Informação de Servi-
ço Elaborada por Bonifácio de Miranda, a 3 de Fevereiro de 1969, p. 13-14.
16
  Para a Austrália, uma outra explicação era o facto da maioria se ter apercebido que, não
obstante a natureza extremista das resoluções adotadas em sessões anteriores, a situação nas
colónias portuguesas sofrera poucas alterações. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 380, Draft Report of
the Australian Delegation… p. 55-56.
17
  A Colômbia, para que fossem suprimidas quaisquer afirmações dirigidas aos portugueses,
pediu que o texto tivesse como destinatário unicamente o governo português. Cf. Nations
Unies – A/C.4/SR 1793. Quatrième Commission, 1793e Séance. Mercredi 20 Novembre 1968, à
15h30. Nova Iorque: s.n., 1968. p. 1.
206  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

tos precedentes, propondo que a Assembleia, relembrando a resolução 1514


(XV) e as restantes decisões das NU, exprimisse uma profunda preocupação
pelo comportamento do governo português18. Sem que a situação nas colónias
portuguesas voltasse a ser considerada crítica e explosiva, pretendeu-se que se
afirmasse que a deterioração que estava em curso continuava a ameaçar a paz
e a segurança internacionais. Por serem questões referidas por quase todas as
delegações, recomendou-se que a AG exprimisse preocupação e deplorasse a
intensificação dos investimentos estrangeiros nas colónias portuguesas, a atri-
buição de assistência militar pelos aliados da NATO e outros países a Portugal
e as ameaças e violações pelo governo português da soberania e da integridade
dos estados africanos19. Novamente, como se tornara hábito, houve a sugestão
para que se notasse com satisfação os progressos em direção à independência e
liberdade efetuados pelos movimentos de libertação através da luta e dos pro-
gramas de reconstrução20.
Contendo disposições menos numerosas, o projeto de resolução insistiu na
reafirmação do direito inalienável dos povos das colónias portuguesas à auto-
determinação, liberdade e independência. Em igual medida, o documento
reafirmou a legitimidade da luta na qual estavam envolvidos para a realização
desse direito21. Mesmo não havendo um consenso sobre as atividades do Co-
mité de Descolonização, propôs-se a aprovação do seu relatório. Evitando re-
ferir que as ações do governo português destinavam-se a perpetuar a domina-
ção opressiva, os autores do projeto avançaram com uma simples condenação
(em lugar de condenar veementemente) à persistente recusa em implementar
as decisões das NU22. Não se pretendendo a condenação da guerra colonial ou
a sua qualificação como um crime contra a humanidade, do texto estavam
ausentes referências a pedidos para a adoção de medidas obrigatórias ou de
embargos militares. A intenção do projeto foi unicamente que a Assembleia
apelasse para a aplicação sem demoras da autodeterminação, chamasse a aten-
ção do CS para a grave situação nas colónias portuguesas, renovasse o apelo à
assistência às populações e pedisse a todos os estados, em particular aos mem-
bros da NATO, para que não ajudassem Portugal23. Ainda que o documento
fosse moderado, o governo português não escapou à reprovação das suas ações,
sugerindo-se a condenação da colaboração com os regimes minoritários e

18
  United Nations – A/7352. 25 November 1968. Question of Territories under Portuguese Admi-
nistration. Report of the Fourth Committee. s.l.: s.n., s.d. p. 4.
19
 Ibidem.
20
 Ibidem.
21
 Idem. p. 5.
22
 Ibidem.
23
 Ibidem.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  207

racistas da África Austral e das violações da integridade territorial e da sobera-


nia de estados africanos24.
Tocando alguns dos temas fundamentais que vinham sendo associados à ques-
tão colonial portuguesa, no projeto de resolução foram introduzidos elemen-
tos novos. Para corresponder a inúmeras solicitações, entendeu-se propor que
a AG lançasse um apelo urgente à adoção de medidas para evitar o recruta-
mento ou o treino de mercenários para a guerra nas colónias portuguesas e a
interferência em estados africanos25. Contrariamente à decisão anterior, o tex-
to limitou-se a recomendar que a violação dos direitos económicos das popu-
lações e as atividades dos interesses estrangeiros nas colónias portuguesas fos-
sem deploradas26. Atendendo ao apoio moral que vinha sendo atribuído aos
movimentos de libertação, propôs-se apelar ao governo português para assegu-
rar a aplicação aos guerrilheiros da Convenção de Genebra sobre o Tratamen-
to de Prisioneiros de Guerra (1949)27. Ao exprimir-se apreço a todos os esta-
dos membros e às organizações internacionais pela ajuda concedida aos
refugiados, indicou-se que a Assembleia deveria convidá-los a aumentar a
assistência. Na ausência das referências ao BIRD e ao FMI, que tinham-se
tornado habituais, pretendeu-se que o SG fosse encarregue de desenvolver e
alargar os programas de treino e de formação para os habitantes das colónias
portuguesas28. Nos últimos parágrafos do texto ficou ainda previsto que o SG
tivesse o encargo adicional de adotar as ações consideradas apropriadas para a
implementação da resolução e que o Comité de Descolonização mantivesse a
situação nas colónias portuguesas sob avaliação.
Não tendo sido integradas no projeto de resolução muitas das acusações avan-
çadas no debate, a tendência africana para a moderação foi comprovada pela
revisão do texto efetuada pelos autores. Em nome dos patrocinadores, o Gana
apresentou emendas destinadas a moderar ainda mais o documento. No pará-
grafo em que se pretendia que a Assembleia indicasse a preocupação com a
deterioração da situação nas colónias portuguesas, as palavras “que continua a
colocar uma grave ameaça” foram substituídas por “constitui um sério
distúrbio”29. Resultando numa concessão significativa, em consequência da
substituição a guerra colonial deixou de ser considerada uma ameaça à paz e à
segurança internacionais, passando simplesmente a constituir um sério distúr-
bio às relações pacíficas entre os estados. Provavelmente para agradar às dele-

24
 Ibidem.
25
 Ibidem.
26
 Idem. p. 6.
27
 Ibidem.
28
 Ibidem.
29
 Idem. p. 3.
208  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

gações, como às dos países ocidentais, que tinham objeções quanto às conclu-
sões e recomendações do Comité de Descolonização, o parágrafo que na
primeira versão do texto destinava-se a aprovar o relatório do órgão foi supri-
mido. Como desejado pelos autores, o texto acabou por ser pouco debatido,
não suscitando a mesma polémica que os anteriores projetos de resolução.
Países como a União Indiana e o Gana argumentaram a favor do documento,
considerando-o como passível de receber um apoio unânime30. Outras delega-
ções, como a URSS e a Jugoslávia, demonstraram no entanto a preferência por
um texto mais radical, que condenasse energicamente o governo português e
os membros da NATO31.
Mesmo que os autores do projeto tivessem efetuado importantes concessões,
não deixaram de ser apresentadas reservas. Havendo novas perspectivas no
relacionamento entre Portugal e o Reino Unido, uma vez que a nomeação de
Caetano desanuviara as relações entre os dois países, os britânicos indicaram
que certas disposições relevavam da competência do CS e que não podiam
aceitar as alusões à NATO, aos interesses económicos estrangeiros, à instalação
de emigrantes, à aplicação da Convenção de Genebra e ao aumento da assis-
tência às populações (Oliveira, 2007: 360). Os EUA, que também tinham
visto as suas relações com Portugal melhorar com a mudança de governo, re-
petiram as mesmas considerações, acrescentando que deveriam ser definidas
com maior precisão as iniciativas a adotar pelo SG para a implementação da
resolução (Schneidman, 2005: 150). A Holanda e a Grécia, que como os res-
tantes ocidentais não participaram na discussão geral, manifestaram sérias
objeções, indicando não concordar com os parágrafos referentes à NATO e às
condenações ao governo português32. A África do Sul, sem qualquer originali-
dade, disse que o projeto continha afirmações sem fundamentação ou que
tinham sido desmentidas pelos factos33. Mais detalhadas, as objeções da Dina-
marca e da Noruega, ainda que direcionadas para os mesmos tópicos suscita-
dos suscitadas pelas demais delegações, destinaram-se mais a salvaguardar
questões consideradas de princípio do que a manifestar apoio a Portugal34.
Com as conversas de bastidores a demonstrarem que os latino-americanos
tinham uma interpretação muito própria do texto, o Uruguai acabou por ser

30
  Nations Unies – A/C.4/SR 1790. Quatrième Commission, 1790e Séance. Vendredi 15 Novembre
1968, à 15h20. Nova Iorque: s.n., 1968. p. 1; Nations Unies – A/C.4/SR 1793. Quatrième
Commission, 1793e Séance… p. 1.
31
  Um dos países que indicou preferir um texto mais duro foi a Checoslováquia. Cf. Nations
Unies – A/C.4/SR 1793. Quatrième Commission, 1793e Séance… p. 4.
32
 Idem. p. 2-4.
33
 Idem. p. 4.
34
 Idem. p. 3.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  209

o único a apresentar reservas formais, qualificando alguns itens como pouco


satisfatórios35.
De acordo com a documentação consultada foram poucas ou nenhumas as
diligências empreendidas pelo governo português para solicitar votos contra o
texto. A delegação brasileira, que recebera instruções para apoiar na medida do
possível a posição portuguesa, foi a única que, conjuntamente com a África do
Sul e Portugal, votou contra o projeto de resolução36. A votação demonstrou
que, em parte, a estratégia afro-asiática fora bem-sucedida por o número dos
votos contra ter sido reduzido para níveis semelhantes aos do primeiro perío-
do, verificando-se igualmente uma diminuição nas abstenções face às duas
anteriores sessões da Comissão e da Assembleia37. Sendo indiscutivelmente
um dos principais alvos da moderação afro-asiática, os países latino-america-
nos, com a exceção do México e do Equador que se abstiveram, votaram a
favor do projeto de resolução. Os membros da NATO, que desde a revisão da
posição dos EUA vinham oscilando nas votações, a Austrália, a Nova Zelândia
e o Malawi acabaram por se abster. Tendo garantido que votaria contra, a
Espanha, que desejava que a substituição de Salazar resultasse numa mudança
na política colonial portuguesa, não cumpriu a promessa38. A delegação espa-
nhola absteve-se provavelmente para não se incompatibilizar com a maioria,
num momento em que as questões de Gibraltar, Ifni e Sahara Espanhol esta-
vam a ser debatidas39.
Nas explicações de voto, a França – que manteve inicialmente com Caetano as
mesmas relações que com Salazar, ainda que o governo de de Gaulle tivesse
sido substituído – assinalou que a questão relevava essencialmente da compe-
tência do governo português e que o texto ultrapassava as atribuições da AG
(Marcos, 2007: 233). Tendo votado a favor do projeto de resolução, a Turquia
e o Canadá afirmaram que nem todos os parágrafos mereceriam a sua aprova-
ção em caso de voto por divisão40. A Finlândia, à semelhança dos restantes

35
 Idem. p. 4.
36
  AHD, Fundo POI, Mç. 228, Processo POI 05, Ano de 1968, Telegrama do MNE para a
Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, de 10 de Outubro de 1968, p. 1.
37
  Nations Unies – A/C.4/SR 1793. Quatrième Commission, 1793e Séance… p. 5.
38
  Devido à abstenção espanhola, em retaliação Portugal ausentou-se da sala no momento das
votações sobre Gibraltar, Ifni e Sahara Espanhol, tanto na IV Comissão como no Plenário. Cf.
AHD, Fundo POI, Mç. 381, Processo POI 6.0, Ano de 1969, Vol. IV, Informação de Serviço
Elaborada por Bonifácio de Miranda, a 3 de Fevereiro de 1969, p. 11.
39
  United Nations. Resolution 2428 (XXIII), 18 December 1968. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012; United Nations. Resolution 2429 (XXIII), 18
December 1968. Disponível em <URL:http://www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
40
  Nations Unies – A/C.4/SR 1793. Quatrième Commission, 1793e Séance… p. 6.
210  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

nórdicos, demonstrou ter reservas sobre as considerações quanto às atividades


dos interesses económicos estrangeiros, à existência de ameaças à soberania e
integridade de países africanos e à aplicação da Convenção de Genebra aos
combatentes dos movimentos de libertação41. O México e o Equador, que
tentaram explicar que recorreram à abstenção a contragosto, justificaram o seu
comportamento com o significado e as implicações de algumas disposições,
considerando nomeadamente que o apelo aos países da NATO introduzia um
elemento de carácter político na resolução42. Com a indicação de que as suas
observações não deveriam ser entendidas como uma alteração da posição do
país em matéria de descolonização, a delegação chilena argumentou que o
texto continha elementos que lhe inspiravam dúvidas43.
No plenário, somente a Grécia tentou relativizar o alcance do projeto de reso-
lução, apresentando sérias reservas e indicando que votaria contra alguns
parágrafos se houvesse o voto por divisão44. O projeto tornou-se na resolu-
ção 2395 (XXIII), de 29 de novembro, tendo havido, em comparação com a
IV Comissão, uma diminuição dos votos favoráveis (86), mantendo-se o nú-
mero dos que votaram contra e registando-se mais duas abstenções (Peru e
Cuba)45. Não tendo as motivações do Peru sido explicadas, a delegação cubana
justificou o seu voto com a existência nas NU de uma influência preponderan-
te dos interesses coloniais e imperialistas, dirigidos pelos EUA, que impediam
a atuação eficaz da Organização46. Como de costume, Portugal apresentou
reservas ao texto, que assume o seu real significado quando entendido em
conjunto com as demais decisões sobre as colónias portuguesas. Voltando a
questão dos interesses estrangeiros que impediam a aplicação da Declaração a
ser discutida de forma separada, foi adotada, com 87:2:19, a resolução 2425
(XXIII), de 18 de dezembro, na qual a maioria afro-asiática continuou a
demonstrar a tendência para a moderação. Em lugar de condenar veemente-
mente, como ocorrera na resolução 2288 (XXII), a exploração dos territórios
e povos colonizados, a Assembleia limitou-se a uma simples condenação47. No
estudo da implementação da Declaração pelas agências especializadas e insti-
tuições internacionais associadas às NU, a AG, na resolução 2426 (XXIII),

41
 Idem. p. 5-6.
42
 Idem. p. 5.
43
 Idem. p. 6.
44
 Nations Unies – A/PV. 1730. Assemblée Générale. Vingt-Troisième Session. 1730e Séance
Plénière. Vendredi 29 Novembre 1968, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1968. p. 2-3.
45
 Idem. p. 3.
46
 Ibidem.
47
  United Nations. Resolution 2425 (XXIII), 18 December 1968. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  211

também de 18 de dezembro e aprovada por 82:7:25, demonstrou porém uma


maior intransigência. Solicitando-se a concessão de apoios aos movimentos de
libertação, foram retomados os apelos e as recomendações ao BIRD e ao FMI
para que suspendessem a assistência e retirassem os empréstimos e créditos
concedidos a Portugal48. Sobre o programa de treino e de formação, tendo
ocorrido a rejeição de um grande número de candidatos por falta de fundos,
foi aprovada, com 115:2:1, a resolução 2431 (XXIII), de 16 de dezembro, que
solicitou o aumento das contribuições pelos estados membros, determinou a
criação de um comité consultivo para analisar a situação financeira e atribuiu
um crédito especial para bolsas de estudo49.
As deliberações sobre a questão colonial portuguesa, pela sua moderação, de-
terminaram um afastamento em relação às decisões sobre os restantes proble-
mas da África Austral50. Tendo havido no período anterior um esforço para a
convergência (mas em que ainda assim o colonialismo português fora objeto
de menor severidade), a XXIII AG demonstrou maior radicalismo nas resolu-
ções sobre a Rodésia, a Namíbia e o apartheid, utilizando inclusivamente a
linguagem do Capítulo VII da Carta51. Com Portugal a ser nitidamente favo-
recido, pode-se questionar se terá havido uma anulação das anteriores disposi-
ções. Com uma força ética e política, além do carácter vinculativo quando
adotadas segundo o Capítulo VII da Carta, as resoluções das NU por vezes
apontam para sentidos diferentes (Peterson, 1990: 72). Por procurarem tradu-
zir o pensamento da opinião pública mundial, continuam a vigorar, podendo
ser invocadas a qualquer momento, a não ser que apresentem recomendações
contraditórias, que revoguem decisões anteriormente adotadas (Peterson,
1990: 72). Não tendo sido o caso das resoluções da XXIII AG, que se repor-
tavam às deliberações das anteriores sessões das NU, pode-se afirmar que con-
tinuava a existir a obrigatoriedade dos estados membros manterem, caso as
tivessem adotado, as sanções e os embargos contra Portugal.
Mesmo que a sua característica principal tivesse sido a moderação, a resolução
2395 (XXIII) não deixou de apresentar apontamentos interessantes para a
consolidação da ideia de autodeterminação. Como algumas delegações nota-
ram, começou a desenvolver-se a tendência para que as situações abrangidas

48
  United Nations. Resolution 2426 (XXIII), 18 December 1968. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
49
  United Nations. Resolution 2431 (XXIII), 16 December 1968. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
50
  AHD, Fundo POI, Mç. 381, Processo POI 6.0, Ano de 1969, Vol. IV, Informação de Serviço
Elaborada por Bonifácio de Miranda, a 3 de Fevereiro de 1969, p. 1.
51
  United Nations. Resolution 253 (1968), 29 May 1968. Disponível em <URL:http://www.
un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
212  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

pela ideia de autodeterminação fossem sujeitas à aplicação do Direito Interna-


cional Humanitário52. Envolvendo normas destinadas a regular os conflitos
armados, o Direito Internacional Humanitário passou, precisamente na XXIII
AG, a ser objeto de grande atenção nas NU com a adoção de uma resolução
sobre o respeito pelos direitos humanos em período de guerra53. Seguramente
em resultado desse interesse, na decisão relativa às colónias portuguesas a AG
pretendeu a aplicação aos combatentes dos movimentos de libertação das dis-
posições da Convenção de Genebra sobre o Tratamento de Prisioneiros de
Guerra54. A decisão acabou por significar um reconhecimento dos movimen-
tos de libertação enquanto uma das partes em conflito, representando uma
nova situação jurídica no plano internacional para os que lutavam pela imple-
mentação da ideia de autodeterminação. A tendência que começara a dese-
nhar-se no período anterior foi assim confirmada, com a ideia de autodeter-
minação a promover um novo estatuto para os movimentos de libertação.

Não Tanto a Firmeza do Tom


Questão controversa, a política colonial portuguesa suscitou divergências en-
tre os países africanos, que demonstraram dúvidas quanto à estratégia a adotar.
Para preservarem o consenso, representantes de 14 países aprovaram (em abril
de 1969) o Manifesto sobre a África Austral. Também conhecido como Mani-
festo de Lusaca, o texto, reclamando a autodeterminação e a independência
das colónias portuguesas, propôs um período de transição e a realização de
referendos, admitindo que as populações pudessem optar pela continuação da
ligação a Portugal (Silva, 1995: 34). Na eventualidade do governo português
aceitar o princípio da autodeterminação, os signatários afirmaram a disponi-
bilidade para influenciar os movimentos de libertação a renunciarem à luta
armada, contribuir para a transferência pacífica dos poderes e proclamar que
os portugueses residentes nas colónias seriam considerados cidadãos de pleno
direito. Interpretada por alguns como uma rejeição da luta armada, a adoção
do Manifesto não conseguiu porém resolver as diferenças entre os países afri-
canos, subsistindo as dificuldades na concertação de esforços contra os regi-
mes minoritários da África Austral (Walraven, 1999: 224).
Com Portugal a rejeitar a iniciativa africana, a guerra continuou a desenvol-
ver-se nas colónias a um ritmo desigual, apresentando momentos de maior

52
  Nations Unies – A/C.4/SR 1787. Quatrième Commission, 1787e Séance... p. 2.
53
  Gabinete de Documentação e Direito Comparado. Direito Internacional Humanitário: O
que é o Direito Internacional Humanitário. Disponível em <URL: http://www.gddc.pt/direitos-
-humanos/direito-internacional-humanitario/sobre-dih.html>, data de acesso 17/08/2013.
54
 Ibidem.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  213

ou menor atividade. Em Angola registou-se a expansão da ação armada a


novos distritos, com a realização pelos movimentos de libertação de embosca-
das contra as forças portuguesas (Pélissier e Wheeler, 2009: 309). Ocorrendo
uma diminuição da sua atividade militar, o PAIGC realizou ainda assim ata-
ques a aquartelamentos portugueses, empregando um maior poder de fogo
(Sousa, 2011: 402). Havendo a divulgação na imprensa internacional de pre-
parativos para uma eventual declaração de independência pela população
branca em Moçambique, a FRELIMO desenvolveu esforços para a infiltração
na Zambézia, com o objetivo de abrir uma nova frente (Afonso e Gomes,
2000: 594). Não obstante a sua análise da situação nas colónias portuguesas
não ter sido explicitamente sancionada pela XXIII AG, o Comité de Descolo-
nização retomou os seus trabalhos, realizando uma viagem a África, onde visi-
tou instalações do GRAE (Santos, 2009a: 64). Ao ouvir um maior número de
peticionários quando comparado com o ano anterior, o Comité foi confron-
tado com críticas sobre a falta de eficácia das NU (Barbier, 1974: 381). Na
decisão adotada (a 24 de junho), o Comité manteve as suas condenações,
determinando que se empreendesse um estudo sobre a possibilidade de se
atribuir uma maior assistência aos movimentos de libertação (Santos, 2009a:
65). Adotando um texto duro, o Comité encontrou uma forma adicional de
exercer pressão sobre Portugal com a continuação dos estudos que vinha efe-
tuando, introduzindo um novo item relativo à eliminação de todas as formas
de discriminação racial.
Mantendo o CS constantemente informado sobre os incidentes ocorridos nas
suas fronteiras, a Zâmbia (a 15 de julho) acusou o governo português de vio-
lações deliberadas da sua integridade territorial, assinalando o bombardea-
mento de uma aldeia perto de Moçambique55. Com o apoio da OUA, conse-
guiu que a queixa fosse analisada pelo órgão (de 18 a 28 de julho), sendo
adotada a resolução 268 (1969), de 28 de julho56. O Conselho emitiu uma
censura enérgica contra o governo português, o que poderá ter tido alguma
relação com o novo equilíbrio de forças no órgão, decorrente do alargamento
que entrara em vigor em 1965, em que os membros não permanentes passa-
ram a ter a possibilidade de condicionar a agenda e a adoção de decisões (Bos-
co, 2009: 103). Como precisavam do voto dos membros não permanentes

55
  Informações veiculadas pela França indicaram que a queixa ao CS teve relação com proble-
mas internos que estariam a colocar em risco o governo de Kenneth Kaunda. Cf. AHD, Fundo
POI, Mç. 368, Processo POI 4 (Ult), Ano de 1969, Vol. I, Telegrama da Embaixada de Portugal
em Paris para o MNE, de 21 de Julho de 1969, p. 1.
56
  United Nations. Resolution 268 (1969), 28 July 1969. Disponível em <URL:http://www.
un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
214  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

para assegurar a aprovação das resoluções, os países ocidentais sentiram neces-


sidade de fazer compromissos, o que resultou na aceitação de decisões mais
radicais contra Portugal.
Por proposta da República Árabe Unida, que argumentou que a situação na
Rodésia, na Namíbia e nas colónias portuguesas apresentava traços comuns e
demonstrava a existência de uma interdependência, a IV Comissão decidiu
realizar uma discussão conjunta sobre os três itens57. A decisão esteve segura-
mente relacionada com o aprofundamento da cooperação entre os regimes
minoritários, em que o projeto de Cabora Bassa, que se destinava à defesa da
supremacia branca na África Austral, fora adjudicado a um consórcio liderado
por empresas sul-africanas, com a participação da França, Itália, RFA e Suécia
(Oliveira, 2007: 368). Tendo a colaboração para a manutenção do status quo
na África Austral uma dimensão militar, a iniciativa da República Árabe Uni-
da aconteceu num momento em que as atividades dos movimentos de liberta-
ção na Rodésia e na Namíbia estavam a experimentar algumas dificuldades.
Sem que o governo britânico o tivesse conseguido impedir foi proclamada a
República da Rodésia, com a rejeição das ligações que ainda existiam com a
Grã-Bretanha (Shubin, 2010: 151). Ao se tomar a decisão de criar um exérci-
to popular de libertação, na Namíbia a atividade de guerrilha encontrava-se
sujeita a uma crise resultante das difíceis condições de luta (Shubin, 2010:
202-203).
A discussão na IV Comissão (realizada entre 8 de outubro e 14 de novembro),
que contou com a presença do SG adjunto da OUA, Mohamed Sahnoun, foi
mais longa do que as anteriores sessões sobre a política colonial portuguesa.
Regra geral, a situação nas colónias portuguesas foi abordada em segundo pla-
no, após as questões da Rodésia e da Namíbia, confirmando-se a prioridade
concedida, designadamente pelos países africanos, a esses dois territórios. Em
certo sentido, talvez se possa afirmar que houve uma secundarização da questão
colonial portuguesa, registando-se alterações significativas nas intervenções. O
debate consistiu numa tentativa de conciliar a condenação da resistência portu-
guesa à descolonização e a moderação que fora evidenciada na sessão anterior.
Mesmo reconhecendo que o novo governo português não adotara medidas
para alterar a orientação que vinha sendo seguida, grande parte das delegações
desistiram de qualificar a situação nas colónias portuguesas como um crime
contra a humanidade ou uma ameaça à paz e à segurança internacionais58.

57
  Nations Unies – A/C.4/SR 1817. Quatrième Commission, 1817e Séance. Mardi 30 Septembre
1969, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 7-8.
58
  Nations Unies – A/C.4/SR 1825. Quatrième Commission, 1825e Séance. Lundi 13 Octobre
1969, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 54.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  215

Num tom menos radical, alguns temas que se tinham tornado recorrentes,
como os ataques portugueses a países africanos, foram abordados de forma
ligeira.
Na sua esmagadora maioria, os intervenientes manifestaram o desacordo em
relação ao governo português, embora tivessem existido algumas variações
na intensidade das acusações, com os países nórdicos e quase todos os latino-
-americanos a serem mais comedidos nas suas afirmações. Os oradores de-
monstraram concordar quanto à existência de uma interdependência e de uma
comunidade de interesses entre o apartheid, a discriminação racial e o colonia-
lismo59. As políticas da África do Sul, da Rodésia e de Portugal foram conside-
radas como destinando-se à manutenção de um estado de opressão perpétua
na África Austral. Atribuindo-se aos sul-africanos a principal responsabilidade
pela gravidade da situação, entendeu-se que estava em curso um reforço da
união político-militar entre os regimes minoritários e uma extensão das suas
atividades económicas e comerciais60. No caso específico de Portugal, as dele-
gações afirmaram que a discriminação racial fora convertida num sistema po-
lítico que permitia à minoria europeia apoderar-se das riquezas das colónias.
Portugal foi visado por estar a cometer atentados à dignidade e à igualdade
humanas, apresentando-se como exemplos o aumento das despesas militares,
a existência de projetos de povoamento para Angola e Moçambique ou a cons-
trução de Cabora Bassa. Havendo algumas referências ao Manifesto de Lusa-
ca, as delegações pretenderam que as NU e as agências especializadas se envol-
vessem na ajuda aos movimentos de libertação61. Os pedidos de sanções, ainda
que apresentados por países como a República Árabe Unida e os socialistas,
foram substituídos por afirmações sobre a necessidade de definir medidas para
a aplicação das resoluções das NU62.
Não sendo propriamente uma novidade, nas intervenções dos países afro-asiá-
ticos foram visíveis sinais de divisões63. Segundo a leitura portuguesa, as diver-
gências resultaram das vantagens obtidas por Portugal no apoio à secessão do

59
  A título de exemplo temos a declaração da República Democrática do Congo. Cf. Ibidem.
60
  Nations Unies – A/C.4/SR 1827. Quatrième Commission, 1827e Séance. Mardi 14 Octobre
1969, à 10h50. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 70.
61
  Nations Unies – A/C.4/SR 1826. Quatrième Commission, 1826e Séance. Lundi 13 Octobre
1969, à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 64.
62
  Nations Unies – A/C.4/SR 1829. Quatrième Commission, 1829e Séance. Mercredi 15 Octobre
1969, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 119.
63
  A Albânia voltou a repetir as críticas que fizera na sessão anterior, colocando em dúvida a
atitude da URSS em relação aos movimentos de libertação. Cf. Nations Unies – A/C.4/SR
1833. Quatrième Commission, 1833e Séance. Vendredi 17 Octobre 1969, à 10h55. Nova Iorque:
s.n., 1969. p. 71.
216  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Biafra e de outros fatores como a fratura suscitada entre os afro-asiáticos


pela votação de questões como a admissão da China continental nas NU e
a influência económica da África do Sul sobre alguns países africanos64.
Demonstrando os diferentes graus de compromisso com a denúncia da políti-
ca colonial portuguesa, em algumas intervenções esteve implícito o apelo a
que as decisões das NU fossem conciliatórias. Empregando uma linguagem
moderada, delegações como as da Arábia Saudita, Filipinas e Tailândia afirma-
ram que a política portuguesa não se baseava no racismo, que existiam notícias
sobre o surgimento de tendências mais liberais em Portugal e que os próprios
portugueses desejavam uma evolução da política colonial65.
Quase residuais, as audições de peticionários consistiram na presença de
Albert Nank, que insistiu na necessidade de se ajudar a luta pela libertação,
acusando Portugal de assassinar dirigentes políticos guineenses66. Indicando
que Marcello Caetano nada tinha alterado na política colonial portuguesa, a
FRELIMO abordou novamente temas como a aliança de Portugal com a Áfri-
ca do Sul e a Rodésia, a exploração económica das colónias e os apoios conce-
didos pela NATO ao esforço de guerra português67. Envolvida na campanha
internacional contra a construção da barragem de Cabora Bassa, a FRELIMO
dedicou parte da sua intervenção à demonstração dos perigos do empreendi-
mento para o continente africano68. Afirmando que retomara as ações na Pro-
víncia de Tete, onde se previa a construção da barragem, foram apresentados
os resultados militares que teriam sido obtidos. Voltando a insistir na existên-
cia de áreas libertadas, fazendo a descrição dos programas de reconstrução, os
representantes do movimento afirmaram que no plano militar a FRELIMO
alargara a sua influência a todo o país, isolando as cidades e condicionando a
circulação nas estradas69. Solicitando a ajuda das agências especializadas, pro-
puseram a criação de um fundo especial para o desenvolvimento e a assistência
a Moçambique.

64
  AHD, Fundo POI, Mç. 484, Processo POI 4 (Ult), Ano de 1970, Informação de Serviço
Elaborada por Leonardo Mathias a 31 de Janeiro de 1970, p. 6-7.
65
  Nations Unies – A/C.4/SR 1821. Quatrième Commission, 1821e Séance. Mercredi 8 Octobre
1969, à 15h25. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 30; Nations Unies – A/C.4/SR 1827. Quatrième
Commission, 1827e Séance… p. 72; Nations Unies – A/C.4/SR 1834. Quatrième Commission,
1834e Séance. Vendredi 17 Octobre 1969, à 15h25. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 132.
66
  Nations Unies – A/C.4/SR 1827. Quatrième Commission, 1827e Séance… p. 69.
67
  Nations Unies – A/C.4/SR 1828. Quatrième Commission, 1828e Séance. Mardi 14 Octobre
1969, à 15h20. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 78.
68
 Idem. p. 78-69.
69
  Tendo a FRELIMO entregue um mapa, onde se assinalavam as áreas libertadas, por propos-
ta do presidente da Comissão o documento foi exposto na sala das sessões. Cf. Nations Unies
– A/C.4/SR 1829. Quatrième Commission, 1829e Séance… p. 93.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  217

Tendo participado no debate provavelmente devido aos seus interesses na


África do Sul e na Rodésia, os países ocidentais não evidenciaram um apoio
tão explícito a Portugal quanto em sessões anteriores. Adotando uma posição
mais passiva do que ativa, em particular os membros da NATO argumenta-
ram a favor da aplicação do Manifesto de Lusaca, embora afirmando que não
subscreviam algumas das suas considerações70. Com uma nova administra-
ção liderada por Richard Nixon, que prometera a Portugal o seu apoio, ten-
do inclusivamente terminado os contactos com os movimentos de liberta-
ção, os EUA, sem mencionar diretamente a situação nas colónias portuguesas,
demonstraram inquietação pela tendência para se adotar resoluções conside-
radas pouco realistas e sem aplicação (Schulzinger, 2010: 374; Schneidman,
2005: 163-167). O Reino Unido, comprometido numa tentativa para criar
um ambiente internacional favorável ao novo governo português, adotou
uma posição ambígua, em que, condenando a recusa portuguesa em reco-
nhecer a autodeterminação, indicou esperar que houvesse clarividência e sa-
bedoria nas decisões das NU (Oliveira, 2007: 369-376). A Itália – que ali-
mentava algum otimismo quanto à permanência de Portugal nas colónias
– limitou a sua intervenção a poucas palavras, defendendo que não se podia
confundir as questões da África Austral, tornando-as num único problema
(Matos, 2010)71.
Escolhendo intervir numa fase adiantada do debate, Portugal não demonstrou
sinais de mudanças na sua política colonial. A consolidação das sociedades
multirraciais, a autonomia progressiva dos territórios, a participação das po-
pulações nas estruturas políticas e administrativas e o fomento do desenvolvi-
mento com a abertura a capitais estrangeiros foram assumidos como elemen-
tos essenciais do programa do governo (Castilho, 2012: 495). Marcello
Caetano, que com as eleições realizadas em Portugal sentira que a política
colonial fora referendada, passou a justificar a permanência nas colónias com
a necessidade de salvaguardar os interesses dos colonos e dos militares (Casti-
lho, 2012: 521-522). Com Franco Nogueira a abandonar as funções de minis-
tro dos Negócios Estrangeiros, a representação portuguesa na IV Comissão,
que vinha sendo assegurada por Bonifácio de Miranda, foi entregue a Leonar-
do Mathias, diplomata de carreira72. A delegação portuguesa, numa declara-

70
  Nations Unies – A/C.4/SR 1832. Quatrième Commission, 1832e Séance. Jeudi 16 Octobre
1969, à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 109.
71
  Nations Unies – A/C.4/SR 1830. Quatrième Commission, 1830e Séance. Mercredi 15 Octobre
1969, à 15h25. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 99-100.
72
  AHD, Fundo POI, Mç. 484, Processo POI 4 (Ult), Ano de 1970, Informação de Serviço
Elaborada por Leonardo Mathias a 31 de Janeiro de 1970, p. 1-7.
218  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

ção muito semelhante à dos anos anteriores, respondeu, como se tornara roti-
neiro, somente a algumas acusações, questionando as alegações sobre a
existência de uma aliança com os regimes minoritários, a exploração dos re-
cursos das colónias por parte dos investimentos estrangeiros, a utilização de
armas da NATO ou as ações de repressão do exército português. Retomando
o tema de uma subversão fomentada do exterior, Portugal acusou a URSS de
fornecer armas aos movimentos de libertação por razões ideológicas, económi-
cas, políticas e estratégicas73.
Os países afro-asiáticos apresentaram um projeto de resolução descrito como
“realista, de âmbito prático e moderado”, que tentou sistematizar e harmoni-
zar as opiniões das delegações74. O projeto foi novamente elaborado com re-
curso a consultas informais, realizadas com todos os grupos regionais75. Mes-
mo que nem todas as opiniões tivessem sido aceites, os autores entenderam
sacrificar o conteúdo do texto, provavelmente por se entender que Não Tanto
a Firmeza do Tom, mas o número de votos alcançados, seria determinante para
garantir a sua força76. O projeto foi bastante semelhante ao da anterior sessão,
embora existissem diferenças assinaláveis entre os dois documentos. O projeto
de resolução foi relevante sobretudo pelas suas omissões, caracterizando-se por
pedidos pouco numerosos e menos detalhados ao governo português, aos es-
tados membros, às agências especializadas e às instituições internacionais. Os
elementos mais controversos estavam ausentes, não se referindo a deterioração
da situação nas colónias portuguesas, a perturbação da paz e da segurança
internacionais ou os progressos alcançados pelos movimentos de libertação.
Por quase não terem sido mencionados na discussão, do texto não constavam
apelos aos estados para a adoção de medidas para evitar o recrutamento e o
treino de mercenários ou a solicitação a Portugal para aplicar a Convenção de
Genebra aos combatentes dos movimentos de libertação.
Contendo poucas novidades, designadamente as referências ao Manifesto
de Lusaca e às decisões do Comité de Descolonização (que na XXIII AG
tinham sido ignoradas), o projeto de resolução retomou as anteriores conde-

73
  A República Democrática do Congo propôs que a declaração portuguesa fosse retirada da ata
da reunião por terem sido utilizadas expressões ofensivas aos movimentos de libertação, mas a
ideia acabou por não ser analisada. Cf. Nations Unies – A/C.4/SR 1848. Quatrième Commission,
1848e Séance. Vendredi 14 Novembre 1969, à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 205.
74
  Nations Unies – A/C.4/SR 1845. Quatrième Commission, 1845e Séance. Mercredi 12 Novembre
1969, à 16h50. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 186.
75
  Nations Unies – A/C.4/SR 1847. Quatrième Commission, 1847e Séance. Vendredi 14 Novembre
1969, à 11h10. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 198.
76
  Nations Unies – A/C.4/SR 1823. Quatrième Commission, 1823e Séance. Jeudi 9 Octobre 1969,
à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 44.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  219

nações77. Os autores sugeriram que se mantivesse a condenação da recusa por-


tuguesa em aplicar a resolução 1514 (XV), da utilização das colónias para
violações da integridade territorial e da soberania de países africanos e da
colaboração com os regimes minoritários da África Austral78. Não sendo pro-
priamente uma novidade, o projeto de resolução propôs ainda a condenação
da guerra colonial e, de forma inédita, da intervenção de forças sul-africanas
contra as populações das colónias portuguesas79. Em tudo o mais idêntico à
resolução 2395 (XXIII), o texto voltou a solicitar aos estados e às instituições
internacionais que aumentassem, em cooperação com a OUA, a assistência
material às populações80. Não propondo que se continuasse a chamar a aten-
ção do CS para a situação nas colónias portuguesas, o projeto limitou-se, o
que comprovava a inclinação para a moderação, a recomendar que o órgão
adotasse medidas efetivas81.
O acolhimento reservado por Portugal ao projeto de resolução foi idêntico ao
atribuído aos textos anteriores, indicando-se que apresentava afirmações gra-
ves, insustentáveis, irrealistas e suscetíveis de conduzir à escalada da violên-
cia82. Ao reafirmar as suas reservas, a delegação portuguesa relembrou que a IV
Comissão não estava mandatada a proferir condenações, que as resoluções da
AG constituíam meras recomendações ou que os apelos às agências especiali-
zadas eram excessivos. Duvidando que o texto exprimisse as aspirações e os
interesses dos povos das suas colónias, Portugal indicou rejeitar a referência ao
Manifesto de Lusaca e as acusações sobre os ataques contra países africanos, a
colaboração com os regimes minoritários da África Austral, as violações dos
direitos económicos e políticos das populações ou os obstáculos à indepen-
dência resultantes dos investimentos estrangeiros83.
Mesmo reconhecendo que houve um esforço de moderação, países da NATO
(Canadá, Dinamarca, EUA e Reino Unido), alguns latino-americanos (Co-
lômbia, Peru, Uruguai e Venezuela) e a Arábia Saudita suscitaram reservas,
que, com pequenas variações, foram idênticas às apresentadas no ano anterior.
Os parágrafos mais contestados foram os destinados a condenar o governo
português, a estabelecer a relação entre as atividades económicas e as dificul-
dades na implementação da autodeterminação, a solicitar a retirada do apoio

77
  United Nations – A/7768. 17 November 1969. Question of Territories under Portuguese Admi-
nistration. Report of the Fourth Committee... p. 4.
78
 Idem. p. 5.
79
 Ibidem.
80
 Ibidem.
81
 Ibidem.
82
  Nations Unies – A/C.4/SR 1847. Quatrième Commission, 1847e Séance... p. 192.
83
 Idem. p. 192-193.
220  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

da NATO, a pedir o aumento da assistência às populações e a recomendar que


o CS adotasse medidas efetivas84. Pretendendo que fosse permitido o voto por
divisão, as delegações indicaram que nem todos os factos tinham sido compro-
vados, que no texto estavam implícitas ideias que não subscreviam e que não
obtiveram informações suficientes sobre determinadas alegações85. Avaliando
o documento como mau, os EUA distinguiram-se na sua rejeição, consideran-
do como um erro que se aplicasse a Portugal o mesmo qualificativo que à
Rodésia e à África do Sul86. Não tendo patrocinado o projeto, contrariamente
ao verificado em anos anteriores, a Arábia Saudita envolveu-se numa longa
explicação, em que argumentou que algumas disposições poderiam ter tido
uma outra redação87.
Na votação, o comportamento das delegações não foi muito diferente do da
XXIII AG, com o texto a alcançar a quase unanimidade (88 votos)88. Somente
Portugal, Espanha e África do Sul votaram contra, registando-se poucas alte-
rações nas abstenções (16)89. Os factos mais significativos foram a abstenção,
a par do Malawi, da Costa do Marfim, que com receio da influência soviética
em Africa passara a defender o diálogo com os regimes de minoria branca, e a
ausência da Suazilândia, que vinha demonstrando uma posição ambivalente
quanto à questão colonial portuguesa (Walraven, 1999: 225). A votação foi
seguida pela reafirmação das reservas, o que provocou reações da República
Democrática do Congo, da República Unida da Tanzânia e do Daomé. Os
países africanos manifestaram deceção pela orientação de algumas delegações,
sobretudo dos países ocidentais, sem que contudo as afirmações dos latino-
-americanos fossem diretamente visadas, o que provavelmente deveu-se ao
desejo de evitar a alienação dos seus votos90.

84
  A título de exemplo temos as declarações da Dinamarca. Cf. Idem. p. 196.
85
 Idem. p. 197.
86
 Idem. p. 198.
87
  A respeito das afirmações do representante saudita, Leonardo Mathias referiu o seguinte:
«Personalidade tida em grande consideração nas Nações Unidas, com um longo conhecimento
dos organismos internacionais e uma vasta experiência política e diplomática, possuidor de
reconhecidos dotes oratórios, sabendo utilizar, com excecional habilidade, os recursos
parlamentares que aquele tipo de debate permite e para os quais emprega, com as necessárias
inflexões de voz, graduações inteligentes e coloridas de ironia, de cinismo, de subtileza ou de
veemência, o Embaixador Baroody procurou dar um tom dramático e espetacular à sua decla-
ração sobre o ultramar português». Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 484, Processo POI 4 (Ult),
Ano de 1970, Informação de Serviço Elaborada por Leonardo Mathias a 31 de Janeiro de 1970,
p. 2-3.
88
  Nations Unies – A/C.4/SR 1847. Quatrième Commission, 1847e Séance… p. 200.
89
 Ibidem.
90
  Nations Unies – A/C.4/SR 1848. Quatrième Commission, 1848e Séance… p. 203.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  221

No plenário, os países que entenderam justificar-se foram a Grécia, que infor-


mara a delegação portuguesa que votaria a favor, e o Peru, que afirmou rever
a sua posição91. O projeto tornou-se na resolução 2507 (XXIV), de 21 de
novembro, tendo sido registadas algumas alterações na votação92. Havendo 97
votos favoráveis, 2 contra e 18 abstenções, a Espanha deixou de apoiar Portu-
gal, demonstrando que a solidariedade peninsular não era incondicional, num
momento em que o país estava a ser pressionado para encontrar uma solução
para o Sahara (Tíscar Santiago, 2013: 172). As delegações do Luxemburgo e
da República Dominicana também decidiram abster-se, contrariando o com-
portamento assumido na IV Comissão. Curiosamente, a votação demonstrou
que, quanto maior a moderação do projeto de resolução, o número de países
africanos a divergirem do seu conteúdo aumentava, o que poderá ser explicado
pelas discordâncias quanto à estratégia em relação ao colonialismo e à discri-
minação racial na África Austral. Tendo o Malawi e a Costa do Marfim volta-
do a recorrer à abstenção, o Gabão assumiu a mesma posição e a Suazilândia
uma vez mais ausentou-se no momento da votação93.
Resultando a votação numa esmagadora condenação da sua política colonial,
Portugal demonstrou a deceção pela falta de apoios, apresentando protestos
junto de alguns países. A pedido da Embaixada Portuguesa, o governo sul-
-africano exerceu pressões sobre o Lesoto – que parecia estar interessado em
estabelecer relações diplomáticas e económicas com a África do Sul –, assegu-
rando a substituição do seu representante nas NU94. As informações recolhi-
das por Portugal comprovaram, como sabido, as diferentes motivações dos
países. Os representantes gregos indicaram ter de evitar o descontentamento
dos africanos e acautelar-se em relação ao voto da Turquia, com o qual esta-
vam envolvidos no diferendo sobre Chipre95. O Peru admitiu que fora guiado
pela posição assumida no início da Assembleia quanto ao colonialismo e
que no futuro o seu voto poderia ser inspirado pela moderação96. Com uma

91
 Nations Unies – A/PV. 1816. Assemblée Générale. Vingt-Quatrième Session. 1816e Séance
Plénière. Vendredi 21 Novembre 1969, à 10h30. Nova Iorque: s.n., 1969. p. 5-6.
92
 Idem. p. 6.
93
  AHD, Fundo POI, Mç. 484, Processo POI 4 (Ult), Ano de 1970, Carta do MNE para o
Embaixador de Portugal em Mbabane, João Morais da Cunha Matos, de 18 de Fevereiro de 1970,
p. 1.
94
  AHD, Fundo POI, Mç. 484, Processo POI 4 (Ult), Ano de 1970, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Cape Town para o MNE, de 27 de Janeiro de 1970, p. 1.
95
  AHD, Fundo POI, Mç. 484, Processo POI 4 (Ult), Ano de 1970, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Atenas para o MNE, de 21 de Janeiro de 1970, p. 1-2.
96
  AHD, Fundo POI, Mç. 484, Processo POI 4 (Ult), Ano de 1970, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Lima para o MNE, de 16 de Janeiro de 1970, p. 1.
222  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

posição semelhante, a Guatemala transmitiu que a sua orientação não devia


ser entendida como contra Portugal, mas sim como contrário ao que de
“colonialismo” existia na política portuguesa97. Quanto à Costa Rica, que
apresentava um registo de votações favoráveis a Portugal, o voto terá resultado
da falta de coordenação entre o Ministério das Relações Exteriores e a delega-
ção em Nova Iorque, que foi alvo de pressões afro-asiáticas98. Como o Paquis-
tão se tornara membro não permanente do CS, o seu voto foi interpretado
como consequência do desejo de conseguir que, à semelhança das colónias
portuguesas, se considerasse como legítima uma eventual ação de guerrilha em
Cachemira99.
O mesmo espírito de moderação evidenciado pela Assembleia na resolução
2507 (XXIV) esteve presente nas demais decisões adotadas (a 12 de dezem-
bro), que se distinguiram das da sessão anterior pela introdução de pequenas
precisões. Relativamente à questão das atividades económicas estrangeiras, na
resolução 2554 (XXIV), aprovada por 80:2:18, entendeu-se solicitar aos esta-
dos a adoção de medidas para cessarem o fornecimento de qualquer assistência
que pudesse ser utilizada pelas potências coloniais para reprimir os movimen-
tos de libertação100. Reconhecendo-se a urgente necessidade de mais iniciati-
vas para a implementação da Declaração, na resolução 2555 (XXIV), adotada
por 76:5:21, recomendou-se às agências especializadas e a outras organizações
internacionais associadas às NU o estabelecimento de relações com a OUA e
a adoção de medidas destinadas a interromper a colaboração com Portugal,
África do Sul e Rodésia101. Tendo sido criado um comité consultivo do progra-
ma de ensino e formação para a África Austral, decidiu-se na resolução 2557
(XXIV), sancionada por 103:2:0, fazer um novo apelo à concessão de fundos
para a continuação da atribuição de bolsas de estudo a estudantes das colónias
portuguesas102.
No seguimento das deliberações da Assembleia, o CS adotou novas decisões
que condenaram Portugal por violações da integridade territorial de países

97
  AHD, Fundo POI, Mç. 484, Processo POI 4 (Ult), Ano de 1970, Carta da Embaixada de
Portugal na Guatemala para o MNE, de 8 de Janeiro de 1970, p. 1.
98
  AHD, Fundo POI, Mç. 484, Processo POI 4 (Ult), Ano de 1970, Telegrama da Embaixada
de Portugal em São José da Costa Rica para o MNE, de 15 de Janeiro de 1970, p. 4.
99
 Ibidem.
100
  United Nations. Resolution 2554 (XXIV), 12 December 1969. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
101
  United Nations. Resolution 2555 (XXIV), 12 December 1969. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
102
  United Nations. Resolution 2557 (XXIV), 12 December 1969. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  223

africanos. O Senegal (em 27 de novembro) pediu a convocação do Conse-


lho para examinar o bombardeamento pelo exército português da aldeia de
Samine, no sul do país, que provocara mortos, feridos e danos materiais103.
Admitindo pela primeira vez a veracidade das acusações, Portugal autorizou a
Espanha a propor ao Senegal que desistisse da queixa e optasse por resolver
a situação de forma bilateral104. Recusando a proposta, no decorrer da discus-
são no CS (realizada entre 4-9 de dezembro) o Senegal apresentou uma nova
queixa, responsabilizando Portugal por um outro ato de agressão contra a
mesma aldeia105. Aprovada com as abstenções da Espanha e dos EUA, a reso-
lução 273 (1969), de 9 de dezembro, condenou severamente os ataques por-
tugueses a Samine. O documento não deixou de ser bastante duro para Portu-
gal, por nas anteriores decisões sobre incidentes na fronteira senegalesa o
Conselho ter unicamente “deplorado” ou “deplorado profundamente” os
acontecimentos106.
Alguns rumores, que circularam aquando da queixa do Senegal, indicaram
que também a República da Guiné estaria na iminência de pedir a convocação

103
  Segundo informações recolhidas por Portugal, a decisão de apresentar a queixa ao CS teria
sido tomada pessoalmente por Leopold Senghor. A França e outras delegações afirmaram a
Portugal estarem convencidas de que o recurso ao Conselho fora motivado essencialmente por
dificuldades internas do Senegal e pelas acusações que lhe tinham sido dirigidas na última
reunião OUA de ser demasiado moderado em relação ao governo português e de não apoiar o
PAIGC. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 367, Processo POI 4, Ano de 1969, Vol. I, Telegrama da
Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 2 de Dezembro de 1969, p. 1; AHD, Fundo POI,
Mç. 367, Processo POI 4, Ano de 1969, Vol. I, Telegrama da Missão de Portugal na ONU para
o MNE, de 6 de Dezembro de 1969, p. 1; AHD, Fundo POI, Mç. 367, Processo POI 4, Ano
de 1969, Vol. I, Telegrama da Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 3 de Dezembro de
1969, p. 1.
104
  O MNE interpretou o facto da Espanha ter aceitado servir de intermediária como uma forma
do país encontrar uma justificação para não apoiar uma resolução desfavorável a Portugal, invo-
cando a circunstância do Senegal ter afastado deliberadamente a possibilidade de uma solução
bilateral do diferendo. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 367, Processo POI 4, Ano de 1969, Vol. I,
Telegrama do MNE para a Embaixada de Portugal em Madrid, de 3 de Dezembro de 1969, p. 1-2.
105
  Na reunião participaram Portugal, Guiné, Marrocos, Libéria, Madagáscar, Serra Leoa, Tu-
nísia, Mali, Arábia Saudita, Iémen, Síria, Mauritânia e República Árabe Unida. Um membro da
delegação marroquina informou Portugal que a participação do país no debate não deveria ser
considerada como hostil, mas sim como resultante da necessidade de assegurar a boa vontade
do Senegal em relação a problemas regionais que interessavam Marrocos, como a questão do
Sahara Espanhol, e como contrapartida da posição pró-árabe que a delegação senegalesa vinha
assumindo quanto à Palestina. Acrescentou que a intervenção seria curta e com a correção e
elegância habituais. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 367, Processo POI 4, Ano de 1969, Vol. I,
Telegrama do MNE para a Embaixada de Portugal em Rabat, de 3 de Dezembro de 1969, p. 1.
106
  United Nations. Resolution 273 (1969), 9 December 1969. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
224  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

do CS107. Alegando o bombardeamento e a destruição de duas aldeias em seu


território, a Guiné (a 2 de dezembro) solicitou uma reunião108. O Conselho
analisou a questão (de 15 a 22 de dezembro), adotando a resolução 275
(1969), de 22 de dezembro109. O texto foi menos duro do que aquele que fora
aprovado sobre os incidentes no Senegal, com o CS a limitar-se a deplorar
profundamente, em lugar de condenar, as perdas de vidas humanas e o desgas-
te infligido às aldeias guineenses pelas autoridades militares portuguesas110. Ao
pedir a cessação das violações à soberania e à integridade territorial da Repú-
blica da Guiné, o órgão solicitou a Portugal a libertação dos cidadãos e a res-
tituição dos bens guineenses que estavam na sua posse111.
Como as decisões dos diferentes órgãos não assumiram um sentido único, o
significado da XXIV AG na análise da questão colonial portuguesa foi marca-
damente ambíguo. A resolução 2507 (XXIV) constituiu inevitavelmente um
recuo quando comparada com a decisão da sessão precedente. Resultante do
debate conjunto sobre a situação na África Austral, o documento tinha um
carácter singular, dado o seu desfasamento em relação às resoluções sobre a
Rodésia e a Namíbia. Reduzida quase que a uma declaração de princípios,
embora integrando muitas das questões relacionadas com a questão colonial
portuguesa, a resolução 2507 (XXIV) contrastou com as afirmações sobre a
ameaça à paz e à segurança internacionais associadas às ações da Rodésia e da
África do Sul, bem como com os pedidos para a aplicação de sanções e embar-
gos a ambos os regimes minoritários. Além do método empregue na redação e

107
  AHD, Fundo POI, Mç. 367, Processo POI 4, Ano de 1969, Vol. I, Memorando do Subsecre-
tário de Política Exterior do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Espanha para a Embaixada de
Portugal em Madrid, de [post. 4 de Dezembro de 1969], p. 1.
108
  Nations Unies – A/8002. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité. 16 Juillet 1969-
-15 Juillet 1970. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 90.
109
  As instruções enviadas à delegação portuguesa indicaram que no debate deveria exprimir
surpresa por o CS se ter reunido para discutir uma queixa apresentada em termos vagos e im-
precisos; afirmar que Portugal somente poderia entregar os cidadãos guineenses quando lhe
fossem restituídos os 24 portugueses que se encontravam presos na Guiné; e referir que o país
constituía um centro de penetração comunista em África através da ajuda a movimentos sub-
versivos e a políticos exilados que colocavam em risco a segurança no continente africano.
Cf. AHD, Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0717/12556-003, Processo
GG-3-5, ONU, Telegrama do MNE para a Missão de Portugal na ONU, de 13 de Dezembro de
1969, p. 1-2.
110
  A França indicou a Portugal que, mesmo apoiando o Senegal, teria um comportamento
diferente a respeito da queixa da Guiné. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 367, Processo POI 4, Ano
de 1969, Vol. I, Telegrama da Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 4 de Dezembro de
1969, p. 1.
111
  United Nations. Resolution 275 (1969), 22 December 1969. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  225

do seu conteúdo, a resolução teve importância sobretudo pela capacidade dos


afro-asiáticos para minimizar os votos favoráveis a Portugal. Sem apresentar
elementos novos para o desenvolvimento da ideia de autodeterminação, a
resolução demonstrou todavia a relativa concordância que existia na AG, pelo
menos ao nível dos discursos, quanto à liberdade dos povos disporem de si
mesmos. Partilhando o mesmo carácter repetitivo dos textos que vinham sen-
do adotados, a decisão contribuiu para reforçar o sentido de legitimidade dos
apelos para a implementação da resolução 1514 (XV).

Não Tendo Sido uma Vitória


Para alguns, o ano de 1970 foi um momento histórico na vida das NU, em
que se sentiu mais do que nunca a necessidade de uma organização mundial
que atuasse como um instrumento para a paz112. Ao se reconhecer que o ritmo
de descolonização estava a ser lento, ao longo do ano foram desenvolvidos
mais esforços para a aplicação da Declaração113. Propondo-se o reexame dos
métodos empregues, as colónias portuguesas foram particularmente visadas,
uma vez que não existiam progressos a assinalar. Em Angola, a FNLA prosse-
guiu a relativa revitalização das suas atividades, o MPLA avançou para a
implantação de estruturas no interior do território, enquanto a UNITA não
registou alterações significativas no quadro da sua ação (Pélissier e Wheeler,
2009: 297, 308). Tendo havido contactos entre o governo português e o
PAIGC, que acabaram no entanto por não produzir resultados, na Guiné
(Bissau) os guerrilheiros demonstraram uma maior liberdade de ação e uma
melhoria na eficácia dos seus ataques (Afonso e Gomes, 2000: 597). Definin-
do a paralisação da construção de Cabora Bassa como principal objetivo, a
FRELIMO continuou a desenvolver operações contra instalações militares
portuguesas (Afonso e Gomes, 2000: 596).
Ainda que a revisão da posição das NU não tivesse produzido o efeito desejado
sobre o governo português, ao analisar a situação nas colónias portuguesas o
Comité de Descolonização começou também a dar sinais de pretender mode-
rar as suas decisões. O Comité enviou a África um grupo ad hoc que visitou
alguns países, onde poucas foram as organizações anticoloniais que participa-
ram nas suas sessões. A convite da CONCP, uma delegação do Comité esteve
presente na Conferência Internacional de Apoio aos Povos das Colónias Por-
tuguesas, realizada em Roma (entre 27-29 de junho) e no seguimento da qual
representantes do MPLA, da FRELIMO e do PAIGC foram recebidos pelo

112
 Nations Unies – A/8001/Add. 1. Supplément n.º 1A. Introduction au Rapport Annuel du
Secrétaire General sur l’Activité de l’Organisation. Septembre 1970. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 1.
113
 Idem. p. 16.
226  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Papa Paulo VI (Castilho, 2012: 594). Tomando em consideração as con-


clusões da Conferência de Roma, o Comité de Descolonização aprovou (a 18
de agosto) uma resolução que se destacou pela sua moderação114. O texto
apresentou condenações menos numerosas e menos enérgicas, não conside-
rando a guerra colonial como um crime. A moderação em relação a Portugal
revelou-se no entanto ser transitória, dado que nos estudos o Comité apresen-
tou conclusões que não se afastaram do radicalismo dos anos anteriores e em
que frequentemente se referiu a existência de ameaças à paz e à segurança
internacionais.
Encarregue de preparar as comemorações do 10.º aniversário da Declaração
sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais, o Comité
de Descolonização apresentou um programa de ação destinado à eliminação
dos últimos vestígios do colonialismo, que foi aprovado pela resolução 2621
(XXV), de 12 de outubro115. O documento apresentou-se como uma síntese
das principais recomendações que vinham sendo formuladas, demonstrando
o amadurecimento que desde a XV AG ocorrera nos debates sobre a autode-
terminação. Como alguns estudos indicam, o programa de ação integrou um
conjunto de compromissos aceites pelos estados membros, colocando a ênfase
nas iniciativas que deveriam ser empreendidas contra o colonialismo (Barbier,
1974: 630). Mesmo que algumas interpretações afirmem que não trouxera
nada de novo, o documento representou um «desenvolvimento, assim como a
reafirmação dos princípios enunciados na Declaração»116. A ideia de autode-
terminação apresentou-se numa versão alargada, compreendendo o direito «a
lutar por todos os meios necessários à disposição» contra a supressão das aspi-
rações à liberdade e à independência117. Tendo sido dito na resolução 1514

114
  Na declaração final da Conferência, o colonialismo português foi considerado um crime
contra a humanidade, fazendo-se a denúncia da ocorrência de massacres, do apoio concedido
pela NATO ao governo português e da aliança que este teria estabelecido com a África do Sul.
Quanto aos movimentos de libertação presentes afirmou-se que eram os verdadeiros represen-
tantes das populações, exercendo soberania sobre vastas áreas e realizando um esforço de liber-
tação e de reconstrução nacional que deveria ser internacionalmente reconhecimento. Sobre a
participação do Comité de Descolonização na Conferência vide Nations Unies – A/8023/Rev.1.
Rapport du Comité Spécial Chargé d’Étudier la Situation en ce qui Concerne l’Application de la
Déclaration sur l’Octroi de l’Indépendance aux Pays et aux Peuples Coloniaux. Vol. II. Nova
Iorque: s.n., 1973. p. 332-366.
115
  United Nations. Resolution 2621 (XXV), 12 October 1970. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
116
  Nations Unies – A/8723/Rev.1. Rapport du Comité Spécial Chargé d’Étudier la Situation en ce
qui Concerne l’Application de la Déclaration sur l’Octroi de l’Indépendance aux Pays et aux Peuples
Coloniaux. Vol. I. Nova Iorque: s.n., 1975. p. 165.
117
  United Nations. Resolution 2621 (XXV), 12 October 1970…
A Via do Realismo: 1968-1970  |  227

(XV) que a falta de preparação política, económica, social ou educacional não


poderia ser um impedimento à independência, acrescentou-se que a dimensão
territorial, o isolamento geográfico ou a limitação dos recursos não deveriam
retardar a implementação da Declaração118.
O programa – que qualificava o colonialismo em todas as suas formas e mani-
festações como um crime – propôs a adoção de ações efetivas contra os gover-
nos e os regimes envolvidos na repressão dos povos colonizados. As medidas
avançadas incluíam a assistência aos que lutavam contra a dominação colo-
nial, a intensificação dos esforços para a aplicação das decisões das NU, a
continuação da ênfase colocada nos problemas da África Austral, o fortaleci-
mento dos esforços para contrariar a colaboração entre os regimes minoritá-
rios, a organização de uma campanha contra os interesses económicos estran-
geiros e as atividades militares das potências coloniais, o reforço das ofertas
educativas para as populações e o lançamento de iniciativas para fortalecer a
consciência pública sobre a necessidade da descolonização119. O documento
entendeu que a Convenção de Genebra sobre o Tratamento de Prisioneiros de
Guerra deveria ser aplicada aos guerrilheiros dos movimentos de libertação,
sendo que os seus representantes tinham de ser convidados a participar nas
atividades das organizações internacionais120. Visando revestir a ONU de uma
maior eficácia, as agências especializadas e instituições internacionais associa-
das à Organização foram instigadas a intensificar a sua atuação, designada-
mente no campo da informação pública através dos media.
Num contexto em que se assinalou o 25.º aniversário das NU, a insistência na
aplicação da ideia de autodeterminação teve desenvolvimentos adicionais com
a aprovação, pela resolução 2625 (XXV), de 24 de outubro, da Declaração de
Princípios do Direito Internacional sobre as Relações Amigáveis e a Coopera-
ção entre os Estados. Resultando numa confirmação das normas de conduta
internacionais, a resolução enunciou a ideia de autodeterminação em conjun-
to com o princípio da igualdade de direitos. Ao reafirmar que todos os povos
tinham direito a determinar livremente o seu estatuto político e a prosseguir o
seu desenvolvimento económico, social e cultural (autodeterminação exter-
na), foram retomadas as considerações presentes nas resoluções 1514 (XV) e
1541 (XV), introduzindo-se algumas precisões. Sendo dito que cada Estado
tinha o dever de se abster de praticar qualquer ação coerciva que privasse os
povos dos seus direitos, avançou-se que a autodeterminação poderia ser alcan-
çada pelo estabelecimento de estados independentes, pela livre associação ou

118
 Ibidem.
119
 Ibidem.
120
 Ibidem.
228  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

integração numa outra entidade ou, o que era uma novidade, pela adoção de
um outro estatuto político livremente escolhido pelas populações121. Confir-
mando a tendência para uma leitura dinâmica das disposições da Carta, indi-
cou-se que as colónias ou os outros territórios não autónomos tinham um
estatuto próprio e distinto das entidades que os administravam. Atribuindo-se
aos estados a responsabilidade pelo fim do colonialismo, insistiu-se que, na
luta pelo direito à autodeterminação, os povos estariam intitulados a procurar
e a receber apoios de acordo com os princípios da Carta122.
Mesmo que em grande medida tivesse havido uma reprodução da interpreta-
ção adotada na XV AG, em alguns aspetos a Declaração de Princípios suple-
mentou as resoluções 1514 (XV) e 1541 (XV), reconhecendo o direito à auto-
determinação interna (Cassese, 1995: 111). Significando o direito a possuir
um governo representativo de toda a população, sem distinção de raça ou
credo, as disposições da Declaração de Princípios confirmaram o crescente
consenso, devido à situação na África Austral, sobre a necessidade da extensão
do autogoverno a grupos raciais e religiosos (Cassese, 1995: 114). Tendo pre-
valecido uma conceção restrita do conceito de autodeterminação interna, os
direitos dos grupos sujeitos à discriminação racial e religiosa ficaram subordi-
nados ao princípio da integridade territorial, minimizando-se a possibilidade
de secessão (Cassese, 1995: 118-120). A Declaração de Princípios simples-
mente solicitou o acesso desses grupos às instituições governativas, abstendo-
-se de recomendar que lhes fossem concedidos outros direitos, o que atribuiu
um carácter limitado à ideia de autodeterminação interna (Cassese, 1995:
112-115).
Não tendo participado na aprovação do programa de ação para a descoloniza-
ção e na reunião comemorativa do 10.º aniversário da Declaração, o governo
português, numa iniciativa destinada a derrubar o governo de Sekou Touré e
a reduzir a capacidade de ação do PAIGC, empreendeu entretanto uma inva-
são da República da Guiné (Sousa, 2011: 404). Conhecida como Operação
Mar Verde, a invasão falhou os seus objetivos, provocando um apelo da Guiné
à intervenção das NU e à convocação do CS123. Atribuindo os acontecimentos

121
  United Nations. Resolution 2625 (XXV), 24 October 1970. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
122
 Ibidem.
123
  Desde muito cedo surgiu a hipótese de novas queixas do Senegal e da Guiné e rumores se-
gundo os quais os países africanos pretendiam convocar o CS, antes das atividades previstas para
assinalar o 25.º aniversário das NU, para analisar a situação nas colónias portuguesas, Namíbia,
Rodésia e a política do apartheid. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 475, Processo POI 6.0, Ano de
1970, Vol. I, Telegrama da Missão de Portugal na ONU para o MNE, de 31 de Março de 1970,
p. 1.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  229

a problemas internos da Guiné, Portugal não participou no exame da questão,


inscrita na agenda do Conselho (a 22 de novembro) sem objeções124. Conce-
bida como uma medida provisória, visando a cessação imediata do ataque
armado, a resolução 289 (1970), de 22 de novembro, não apresentou referên-
cias às responsabilidades do governo português nos acontecimentos, o que se
terá devido à tentativa de evitar a acusação de que a situação estava a ser obje-
to de um julgamento antecipado. Para realizar um relatório imparcial sobre os
factos, a resolução, que foi adotada por unanimidade, decidiu o envio de uma
missão especial à República da Guiné125.
Com a Operação Mar Verde a contribuir para a degradação das relações entre
Portugal e os países africanos, a IV Comissão decidiu dar prioridade às coló-
nias portuguesas. Foi determinado que a questão voltaria a ser analisada em
simultâneo com os itens sobre a Rodésia, onde a ação militar estava quase
paralisada devido a divergências internas dos movimentos de libertação, e so-
bre a Namíbia, que estando sujeita ao aumento da presença sul-africana expe-
rimentava dificuldades no desenvolvimento da guerrilha (Shubin, 2010: 201).
A decisão de realizar a análise conjunta foi contestada pelo Gana, que enten-
deu que poderia enfraquecer a influência moral e política da Comissão, por
não se conseguir um debate aprofundado126. Como na sessão anterior, da dis-
cussão (realizada entre 5 de outubro a 20 de novembro) resultou que a maioria
das intervenções, com algumas exceções como a da República Unida da Tan-
zânia, teve como temas centrais a Rodésia e a Namíbia.
Abstendo-se de fazer referências à existência de ameaças à paz e à segurança
internacionais, os afro-asiáticos imprimiram ao debate um carácter moderado,
somente contrariado por intervenções pontuais, mais radicais, como as da
Argélia, da República Árabe Unida ou da URSS127. Dominante nas interven-
ções foi a afirmação do balanço negativo da descolonização dez anos após a
adoção da Declaração, concluindo-se que houve um falhanço na aplicação das

124
  Nations Unies – A/8402. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité. 16 Juin 1970-15
Juin 1971. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 51.
125
  Entre 23 e 25 de novembro, foram recebidas comunicações do Iémen do Sul, de 37 estados
africanos, da Argélia, da Jugoslávia, do Quénia e do Haiti, assumindo uma posição sobre a si-
tuação na Guiné. Numa carta de 23 de novembro, a Gâmbia informou que 38 cidadãos da
República da Guiné tinham sido presos no país pelo envolvimento na expedição militar. Cf.
Idem. p. 53.
126
  Nations Unies – A/C.4/SR 1874. Quatrième Commission, 1874e Séance. Jeudi 1er Octobre
1970, à 15h25. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 11.
127
 Nations Unies – A/C.4/SR 1880. Quatrième Commission, 1880e Séance. Jeudi 15 Octobre
1970, à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 43-46; Nations Unies – A/C.4/SR 1885. Quatrième
Commission, 1885e Séance. Mardi 20 Octobre 1970, à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 86-88.
230  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

decisões das NU128. Relativamente à África Austral foi dito que a situação
se deteriorara, com a intensificação da colaboração entre a África do Sul, a
Rodésia e Portugal. Ao governo português atribuiu-se o reforço das operações
contra os movimentos de libertação, com o encorajamento da cooperação eco-
nómica e militar dos países ocidentais e dos regimes minoritários129. O tema
da exploração económica das colónias portuguesas, de que foram apresentados
como exemplos a construção da barragem de Cabora Bassa e o empreendi-
mento projetado para o rio Cunene em Angola, foi retomado, entendendo-se
que se as empresas estrangeiras cessassem as suas atividades a descolonização
ganharia celeridade130. A luta armada foi considerada como o único meio para
a libertação, reconhecendo-se às populações o direito a receber assistência
moral e material131. Das medidas propostas para a solução do problema desta-
caram-se as que pretendiam a criação de um fundo para ajudar os povos colo-
nizados ou a implementação do Manifesto de Lusaca132.
No início do debate, alguns rumores indicaram que países como a Costa do
Marfim, Gabão, Gana, Madagáscar e outros estariam disponíveis para dialo-
gar com Portugal133. Efetivamente, alguns afro-asiáticos demonstraram o dese-
jo de aproximação, tendo a delegação portuguesa atribuído ao Gana a lideran-
ça do grupo considerado como moderado, que pretenderia substituir as
condenações pelo diálogo134. Os sinais de moderação foram evidentes no com-
portamento da Costa do Marfim, Filipinas, Japão, Paquistão ou Tailândia,
que não estabeleceram a associação entre a situação nas colónias portuguesas e
as questões da Rodésia e da Namíbia. Sem subscrever as críticas da maioria,
afirmaram que Portugal não defendia a superioridade racial e que tinha havido
um esforço para o desenvolvimento económico das colónias135. Lançando
apelos a uma abordagem mais realista, que permitisse ultrapassar o impasse,
reconheceram contudo o falhanço do novo governo português em alterar a
mudança na política colonial136.

128
  Nations Unies – A/C.4/SR 1879. Quatrième Commission, 1879e Séance. Mardi 13 Octobre
1970, à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 41.
129
 Ibidem.
130
  Nations Unies – A/C.4/SR 1877. Quatrième Commission, 1877e Séance. Jeudi 8 Octobre
1970, à 15h25. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 19.
131
  Nations Unies – A/C.4/SR 1880. Quatrième Commission, 1880e Séance... p. 46.
132
  Nations Unies – A/C.4/SR 1879. Quatrième Commission, 1879e Séance… p. 41-42.
133
  AHD, Fundo POI, Mç. 548, Processo POI 4, Ano de 1971, Apontamento do GNP do MU
Elaborado por João Afonso da Ascenção, de 22 de Novembro de 1970, p. 5.
134
 Idem. p. 2-3.
135
  Nations Unies – A/C.4/SR 1879. Quatrième Commission, 1879e Séance... p. 39.
136
  Nations Unies – A/C.4/SR 1880. Quatrième Commission, 1880e Séance… p. 48.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  231

Como vinham aumentando a participação nos debates sobre as colónias por-


tuguesas, os latino-americanos demonstraram, no pouco detalhe com que
abordaram o tema, tentar estabelecer um equilíbrio entre a moderação e uma
atitude que não fosse declaradamente favorável a Portugal. A delegação que
melhor evidenciou essa pretensão foi o Brasil, que oferecera a Portugal os seus
bons ofícios para a negociação de uma solução pacífica e que, como de resto a
República Dominicana ou a Colômbia, não fez quaisquer considerações sobre
as colónias portuguesas (Carvalho, 2014: 158-159)137. Havendo o cuidado em
afirmar que nada poderia justificar o colonialismo e a negação do princípio da
autodeterminação, delegações como as do Chile, Peru ou Venezuela fizeram a
distinção entre a política portuguesa, o regime minoritário da Rodésia e a
dominação sul-africana na Namíbia, defendendo soluções diferentes para cada
situação138. As intervenções dos países latino-americanos estiveram quase que
destituídas das acusações dominantes contra Portugal, não havendo pratica-
mente referências à exploração económica das colónias pelos interesses estran-
geiros ou ao apoio militar dos membros da NATO139. No seu conjunto, sub-
jacente às suas afirmações havia a preferência para que não fossem apresentadas
exigências radicais ao governo português140.
Mesmo tendo em alguns casos argumentado contra a política colonial portu-
guesa, os países alinhados com o bloco ocidental ajudaram a acentuar ainda
mais a moderação da discussão. Pouco interventivos, os membros da NATO
pronunciaram-se contra o isolamento dos responsáveis pela conjuntura na
África Austral, apelando à rejeição do recurso à força armada141. Como se tor-
nara regra, defenderam, com apelos à moderação, ao realismo e ao espírito
prático, que a eficácia das decisões das NU dependeria mais do apoio conce-
dido pelos estados membros às resoluções do que do vigor das suas disposi-
ções142. Os países nórdicos, que tinham começado a atribuir assistência aos
movimentos de libertação, consideraram a política sul africana como o fator
determinante na África Austral, indicando que o órgão mais adequado para
abordar o problema das colónias portuguesas era o CS, que deveria adotar

137
  Nations Unies – A/C.4/SR 1882. Quatrième Commission, 1882e Séance. Vendredi 16 Octobre
1970, à 15h35. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 60.
138
  Nations Unies – A/C.4/SR 1883. Quatrième Commission, 1883e Séance. Lundi 19 Octobre
1970, à 15h25. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 68.
139
  Uma das poucas exceções foi a Jamaica, cuja intervenção fez referência ao apoio da NATO
a Portugal. Cf. Nations Unies – A/C.4/SR 1882. Quatrième Commission, 1882e Séance… p. 61.
140
  Nations Unies – A/C.4/SR 1883. Quatrième Commission, 1883e Séance… p. 69.
141
  Nations Unies – A/C.4/SR 1882. Quatrième Commission, 1882e Séance... p. 59.
142
  Nations Unies – A/C.4/SR 1884. Quatrième Commission, 1884e Séance. Mardi 20 Octobre
1970, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 80.
232  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

decisões longamente preparadas e baseadas num amplo consenso143. Dado


que o seu assento nas NU estava sujeito a uma grande contestação, a delega-
ção chinesa foi a única, entre as que alinhavam com o ocidente, a revelar
uma posição mais dura, admitindo que a situação nas colónias portuguesas se
agravara144.
Verificando-se a substituição de Franco Nogueira no MNE por Rui Patrício,
Portugal demonstrou mais continuidade do que rutura em relação aos
momentos anteriores (Xavier, 2010: 147). A representação de Portugal na
IV Comissão continuou a cargo de Leonardo Mathias, registando-se a substi-
tuição definitiva de Bonifácio de Miranda, o que talvez possa ser interpretado
como evidência de uma certa secundarização da questão de Goa, Damão e
Diu na argumentação portuguesa145. Portugal afirmou que nenhuma delega-
ção mostrara disponibilidade para analisar seriamente as razões e os factos que
o país apresentara por diversas vezes146. Considerando que somente um julga-
mento superficial, a ignorância ou as intenções políticas explicavam a repeti-
ção de velhas acusações, reafirmou o carácter multirracial e igualitário da
sociedade portuguesa, bem como a existência de uma unidade política, jurídi-
ca e moral entre as diversas partes do território nacional147. Declarando ter
confiança absoluta no futuro, Portugal indicou estar a fazer um esforço contí-
nuo para a elevação do nível cultural e económico das populações, que esta-
riam a participar cada vez mais na administração, em conformidade com a
autonomia progressivamente atribuída. Como anteriormente houve algum
cuidado em responder, pela importância que tinham, às alegações quanto ao
projeto de Cabora Bassa, às implicações dos investimentos estrangeiros nas
colónias e ao auxílio militar dos membros da NATO148.
Em comparação com as sessões anteriores, foi maior o número de organiza-
ções anticoloniais a solicitar audições, o que provavelmente esteve relacionado
com a comemoração do 10.º aniversário da Declaração149. A audição com
maior impacto foi novamente a da FRELIMO, que com a campanha interna-

143
  Nations Unies – A/C.4/SR 1879. Quatrième Commission, 1879e Séance… p. 36.
144
  Nations Unies – A/C.4/SR 1884. Quatrième Commission, 1884e Séance… p. 79.
145
  AHD, Fundo POI, Mç. 367, Processo POI 4, Ano de 1969, Vol. I, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 8 de Dezembro de 1969, p. 1.
146
  AHD, Fundo POI, Mç 548, Processo POI 4, Ano de 1971, Apontamento do GNP do MU,
Elaborado por João Afonso da Ascenção, de 22 de Novembro de 1970, p. 3-4.
147
  Nations Unies – A/C.4/SR 1886. Quatrième Commission, 1886e Séance. Mercredi 21 Octobre
1970, à 15h40. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 97.
148
 Idem. p. 97-98.
149
  Albert Nank voltou a solicitar uma audição, mas uma vez mais não esteve presente na
IV Comissão.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  233

cional contra o projeto de Cabora Bassa conseguira a desistência da participa-


ção de uma empresa sueca no consórcio liderado pela África do Sul (Sellstrom,
1999: 473-504)150. A FRELIMO colocou em destaque os aspetos negativos da
colonização portuguesa, as cumplicidades que considerava que permitiam a
Portugal continuar a guerra colonial, o envolvimento das potências ocidentais
na construção de Cabora Bassa e na exploração económica de Moçambique,
as conquistas que teriam sido alcançadas pelo movimento ou a necessidade de
assistência às populações151. Numa fase mais tardia da discussão denunciou a
realização por Portugal de uma ofensiva militar, a Operação Nó Górdio, que
visava a neutralização das suas forças152. Por ter manifestado o seu desconten-
tamento com a notícia de que o projeto de resolução que estava a ser prepara-
do pelos afro-asiáticos pretendia, sem consultar os movimentos de libertação,
convidar à abertura de negociações, a FRELIMO obteve a garantia de que o
texto não apresentaria referências a eventuais conversações com Portugal153.
Com menor visibilidade, a audição dos representantes do GRAE teve como
elementos distintivos o anúncio de que alcançara novas vitórias, a afirmação
de que as responsabilidades das instituições revolucionárias estavam a aumen-
tar e a denúncia do tratamento infligido pelas autoridades portuguesas aos
guerrilheiros que tinham sido capturados154. Associada ao GRAE e com sede
na Suíça, a União Nacional dos Estudantes Angolanos (UNEA) apontou a
incapacidade das NU para resolver a situação em Angola e os apoios recebidos
por Portugal da NATO e dos interesses económicos estrangeiros155. Talvez
para desacreditar o depoimento da UNEA, os representantes da Zâmbia e do
Mali apresentaram observações destinadas a demonstrar a existência de even-
tuais dissensões no seio da organização e a questionar o papel dos estudantes

150
  AHD, Fundo POI, Mç. 548, Processo POI 4, Ano de 1971, Apontamento do GNP do MU,
Elaborado por João Afonso da Ascenção, de 22 de Novembro de 1970, p. 4.
151
  Os representantes da FRELIMO foram confrontados com afirmações e questões suscitadas
pelo Mali, Sudão e Costa do Marfim, consideradas por Portugal como «um tanto originais em
relação às restantes e às que em casos idênticos, são habitualmente apresentadas». Cf. AHD,
Fundo GNP do MU, PT/AHD/MU/GM/GNP/RRI/0700/12563, Processo GG-7-10 (23.ª
Pasta), ONU, Informação do GNP do MU, Elaborada por Maria Isabel Ferreira, de 13 de Janeiro
de 1971, p. 4.
152
  Nations Unies – A/C.4/SR 1897. Quatrième Commission, 1897e Séance. Lundi 16 Novembre
1970, à 11h10. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 143-144.
153
 Idem. p. 147.
154
  Nations Unies – A/C.4/SR 1889. Quatrième Commission, 1889e Séance. Mercredi 28 Octobre
1970, à 11h05. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 113-114.
155
 ANTT, PIDE/DGS, Delegação de Angola, Processo 11.25.C/20, União Nacional dos
Estudantes Angolanos (UNEA), NT 1848, Artigo «Angola – Tempo de Perturbação» In The
Student, Vol. VIII, Nº 8 (1964), p. 21.
234  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

na luta armada156. Envolvido, em conjunto com a Igreja Unida de Cristo e a


Igreja Presbiteriana Unida, num boicote às atividades da Gulf Oil Corpora-
tion, o ACOA informou sobre as atividades que estavam a ser realizadas para
pressionar a empresa devido à exploração de petróleo em Cabinda (Micheletti,
et. al, 2004: 88). Por entender que a vitória dos que lutavam na África Austral
poderia ser favorecida pela supressão do apoio económico aos regimes opres-
sores, o ACOA indicou ser necessário desenvolver uma ação organizada contra
as empresas com investimentos nos territórios colonizados157.
Contrariamente às opiniões que consideravam o texto como moderado, o pro-
jeto de resolução apresentado pelos países afro-asiáticos e a Jugoslávia ficou a
meio caminho entre a moderação e o radicalismo de outrora158. Mais detalha-
do nas suas exigências, o documento empregou, referindo-se às ações do
governo português, expressões como “atitude desafiadora”, “crescente situa-
ção explosiva”, “intensificação das medidas e das atividades” ou “políticas de
dominação colonial e opressão”159. Pretendeu-se que o projeto tivesse por base
os trabalhos do Comité de Descolonização, apresentando ainda referências ao
relatório da delegação enviada à Conferência de Roma, às opiniões dos movi-
mentos de libertação, à resolução 1514 (XV) e ao programa de ação para a
implementação da Declaração160. Alguns parágrafos, considerados como redi-
gidos segundo critérios que a maioria dos membros aceitara no passado, foram
recuperados de anteriores decisões, propondo-se que a Assembleia demons-
trasse preocupação pela atitude desafiadora do governo português em relação
à comunidade internacional e pela crescente situação explosiva criada pela
intensificação das medidas de repressão161.
Em comparação com a resolução 2507 (XXIV), o projeto demonstrou ser em
grande medida um desdobramento, com o tratamento mais aprofundado de
alguns aspetos. Adotando a linguagem do programa de ação para a aplicação
da Declaração, os autores entenderam sugerir o reconhecimento da legitimi-
dade da luta dos povos das colónias portuguesas através de todos os meios à
sua disposição162. O texto pretendeu apresentar as mesmas condenações pre-

156
  Nations Unies – A/C.4/SR 1889. Quatrième Commission, 1889e Séance... p. 116-117.
157
  Nations Unies – A/C.4/SR 1892. Quatrième Commission, 1892e Séance. Lundi 9 Novembre
1970, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 126.
158
  Nations Unies – A/C.4/SR 1891. Quatrième Commission, 1891e Séance. Vendredi 6 Novem-
bre 1970, à 11h15. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 121.
159
 Ibidem.
160
 United Nations – A/8187. 27 November 1970. Question of Territories under Portuguese
Administration. Report of the Fourth Committee. s.l.: s.n., s.d. p. 4.
161
  Nations Unies – A/C.4/SR 1891. Quatrième Commission, 1891e Séance... p. 121.
162
 United Nations – A/8187. 27 November 1970. Question of Territories under Portuguese
Administration… p. 5.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  235

sentes na resolução 2507 (XXIV), mas propondo a utilização de uma fórmula


mais dura, para “condenar veementemente” a recusa do governo português em
implementar a Declaração e a continuação da guerra colonial163. Sendo um
elemento que não constava da decisão precedente, recomendou-se a condena-
ção do governo português pela utilização de meios químicos e bacteriológicos
contra as populações, solicitando-se a desistência da prática dessas ações, qua-
lificadas como criminosas (Tíscar Santiago, 2013: 176)164. Retomando o ape-
lo ao governo português para que aplicasse sem demoras a resolução 1514
(XV) e as outras decisões das NU, o projeto colocou um grande detalhe no
enunciado das medidas a implementar. Havendo algumas semelhanças com
as propostas do programa de descolonização aprovado no primeiro período,
estabeleceu-se que se solicitasse a cessação imediata dos atos de repressão e a
retirada de todos os meios militares, o término das práticas que violavam os
direitos das populações, a proclamação de uma amnistia política incondicio-
nal, o fim dos ataques e violações da segurança e da integridade territorial dos
estados africanos, bem como a libertação dos cidadãos e bens capturados165.
Sem que constituísse propriamente uma novidade, teve-se a intenção adicio-
nal de sugerir que fosse lançado um apelo ao governo português para que,
dado o tratamento desumano dos combatentes dos movimentos de libertação,
aplicasse a Convenção de Genebra166.
Ainda que não tivessem sido utilizadas as expressões que anteriormente evi-
denciaram o radicalismo das decisões, o projeto de resolução enunciou todavia
algumas medidas que podem ser interpretadas como sugerindo um embargo
militar. O documento propôs que a Assembleia recomendasse aos estados, em
particular aos membros da NATO, que desistissem do treino do pessoal mili-
tar português, da venda ou fornecimento de armamento, equipamentos e
abastecimentos a Portugal e de qualquer colaboração com as forças portugue-
sas que pudesse ameaçar a realização dos objetivos da resolução 1514 (XV)167.
Com a questão dos investimentos estrangeiros a merecer uma atenção redo-
brada, foi indicado que se fizesse um apelo a todos os estados para que adotas-
sem medidas para colocar termo às práticas que exploravam as colónias portu-
guesas e que impedissem os seus cidadãos e empresas de participar em

163
 Ibidem.
164
  Os latino-americanos tinham tentado, aquando das consultas, suprimir o parágrafo que
condenava Portugal pela utilização de tais armas, mas a sugestão foi rejeitada pelos autores do
projeto de resolução.
165
  United Nations – A/8187. 27 November 1970. Question of Territories under Portuguese Admi-
nistration… p. 5-6.
166
 Idem. p. 6.
167
 Ibidem.
236  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

atividades que pudessem fortalecer o domínio português168. Decorrente desse


apelo pretendeu-se que se deplorasse as políticas dos governos que não conse-
guiram evitar o envolvimento dos cidadãos e das empresas sobre os quais
tinham jurisdição nos projetos de Cabora Bassa e do rio Cunene169. Voltando
a referir a existência de uma ameaça à paz e à segurança internacionais, o pro-
jeto de resolução entendeu que a Assembleia deveria chamar a atenção do CS
para a situação nas colónias portuguesas e recomendar a adoção de medidas
efetivas, incluindo as previstas no Capítulo VII da Carta170.
Não tendo havido consultas com outras delegações para a elaboração do pro-
jeto de resolução, o documento foi considerado pelos latino-americanos como
contendo termos particularmente violentos171. Um texto revisto, resultante de
“negociações árduas” e que tinha em conta as sugestões das delegações latino-
-americanas, acabou por ser apresentado em sua substituição172. Entendido
como mais conciliador, a nova versão relativizava algumas afirmações, contri-
buindo para um enfraquecimento do projeto de resolução. Como de início
estava implícito que todas as atividades económicas estrangeiras impediam a
realização das aspirações das populações, com as alterações introduzidas ficou
subentendido que nem todos os investimentos eram prejudiciais173. Tendo
sido afirmado que a assistência recebida dos membros da NATO permitia a
Portugal prosseguir a política de dominação colonial, com a nova redação
pretendeu-se que a Assembleia transferisse a responsabilidade da aliança para
o governo português, indicando que este utilizava a ajuda recebida para fins
indevidos174. Numa tentativa de impedir a validação do uso da força, enten-
deu-se afirmar que as populações das colónias portuguesas podiam recorrer
não a “todos os meios à sua disposição” mas a “todos os meios necessários à sua
disposição”175. Para que o texto não fosse demasiado penalizador, deixou-se de
apelar à retirada de todas as forças existentes nas colónias, passando-se a pro-
por a saída unicamente das empregues nos atos de repressão176. Em lugar do
apelo à cessação dos ataques a países africanos, o que atestava que tais atos

168
 Idem. p. 7.
169
 Ibidem.
170
 Ibidem.
171
  AHD, Fundo POI, Mç. 548, Processo POI 4, Ano de 1971, Apontamento do GNP do MU,
Elaborado por João Afonso da Ascenção, de 22 de Novembro de 1970, p. 7.
172
 Nations Unies – A/C.4/SR 1900. Quatrième Commission, 1900e Séance. Vendredi 20
Novembre 1970, à 15h40. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 169.
173
 United Nations – A/8187. 27 November 1970. Question of Territories under Portuguese
Administration… p. 10.
174
 Ibidem.
175
 Ibidem.
176
 Idem. p. 11.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  237

tinham realmente ocorrido, propôs-se que somente se apelasse ao governo


português para que se abstivesse de qualquer atentado ou violação da seguran-
ça e da integridade dos estados com fronteiras com as suas colónias177. Curio-
samente, esta alteração acabou por introduzir uma contradição no projeto de
resolução por ter sido mantida a alínea seguinte que solicitava a devolução dos
cidadãos e bens capturados no decurso dos ataques contra países africanos.
Na sua maioria, os parágrafos da versão original do projeto de resolução man-
tiveram a mesma redação, tendo havido no entanto a eliminação de algumas
expressões e a atribuição de um novo significado a determinadas disposições.
Ainda que se continuasse a solicitar a Portugal a aplicação da Convenção de
Genebra desapareceram as referências ao tratamento desumano infligido aos
combatentes capturados178. Seguramente para atender às alegações portugue-
sas quanto aos massacres que teriam sido praticados pelos movimentos de
libertação introduziu-se a exigência do cumprimento da Convenção sobre a
Proteção de Pessoas Civis em Tempo de Guerra. Enquanto anteriormente se
solicitara a aplicação de um embargo total a Portugal, passou-se a recomendar
que fosse negado ao governo português unicamente a ajuda que lhe permitisse
perpetuar a dominação colonial179. Numa diminuição do alcance da decisão,
entendeu-se manter a proposta de condenação do emprego de métodos quí-
micos e bacteriológicos, sem contudo se solicitar a Portugal que desistisse de
tais atividades criminosas180. Em vez de deplorar as políticas dos governos que
não conseguiram evitar que os seus cidadãos e empresas participassem nos
projetos de Cabora Bassa e do Cunene, a nova versão passou a sugerir que se
felicitasse a decisão daqueles que rejeitaram o empreendimento em Moçambi-
que e se lançasse um apelo a todos os estados para que seguissem o mesmo
exemplo181. Com a deslocação da expressão “ameaça à paz e à segurança inter-
nacionais” para o final do parágrafo onde fora inicialmente integrada propôs-
-se que se deixasse de chamar a atenção do CS para a situação nas colónias
portuguesas e para a necessidade da aplicação dos métodos previstos no Capí-
tulo VII182.
Portugal, apoiado pela África do Sul, com a qual estabelecera um acordo de
defesa, entendeu considerar o texto como extremista e violento (Afonso e
Gomes, 2013). Apresentadas também pela Venezuela, Uruguai, Japão e países

177
 Ibidem.
178
 Ibidem.
179
 Idem. p. 12.
180
 Ibidem.
181
 Ibidem.
182
 Idem. p. 13.
238  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

nórdicos, as reservas demonstraram novamente a tendência para se assumir


uma interpretação subjetiva de determinadas disposições. Com a indicação de
que algumas objeções apresentadas na sessão anterior continuavam válidas, a
Venezuela afirmou que certos parágrafos se reportavam a situações já suficien-
temente tratadas ou que ultrapassavam o quadro de uma resolução relativa à
autodeterminação183. Sem explicitar como se poderia fazer a distinção, o Uru-
guai indicou que as disposições sobre os investimentos estrangeiros e a assis-
tência atribuída pela NATO deveriam incidir unicamente sobre as ações ten-
dentes a reforçar a política colonial portuguesa184. Relativamente às alegações
quanto à utilização de métodos químicos e bacteriológicos e à participação
nos projetos de Cabora Bassa e Cunene, tanto o Uruguai como a Venezuela
afirmaram não estar em condições de se pronunciar sobre essas questões por
falta de informações185. Em conjunto com a Venezuela, o Japão, onde Rui
Patrício realizara uma visita oficial, entendeu que cabia à AG e não ao CS a
qualificação da situação nas colónias portuguesas como uma ameaça à paz e à
segurança internacionais. Em representação dos países nórdicos, a Suécia indi-
cou que tinha divergências profundas quanto ao texto, que classificou como
contendo disposições contestáveis186.
Mesmo que tivessem sido apresentadas reservas, as alterações ao projeto de
resolução parecem ter sido suficientes para que pelo menos 12 países latino-
-americanos, que inicialmente pretendiam abster-se, votassem a favor187.
Ainda assim, apesar dos 90 estados membros que apoiaram o texto, houve um
aumento dos votos contra (Portugal, África do Sul, Brasil, Colômbia, Espa-
nha, EUA e Reino Unido)188. Estando em outras circunstâncias a votar quase
sempre ao lado da maioria, a Espanha ficou numa situação delicada ao corres-
ponder às solicitações portuguesas (Tíscar Santiago, 2013: 175). Os riscos
assumidos pela Espanha tornaram-se evidentes pelo facto de Marrocos e Mau-
ritânia terem tentado aproveitar-se da situação para conseguir apoios na ques-
tão do Sahara, em relação à qual se adotou uma resolução que apoiava a legi-
timidade da luta pela autodeterminação189. Para as abstenções, que se man-
tiveram relativamente estáveis (17), contribuíram os países alinhados com o

183
  Nations Unies – A/C.4/SR 1899. Quatrième Commission, 1899e Séance… p. 164.
184
 Ibidem.
185
 Ibidem.
186
 Idem. p. 162-163.
187
  AHD, Fundo POI, Mç. 548, Processo POI 4, Ano de 1971, Apontamento do GNP do MU,
Elaborado por João Afonso da Ascenção, de 22 de Novembro de 1970, p. 7.
188
  Nations Unies – A/C.4/SR 1899. Quatrième Commission, 1899e Séance… p. 165-166.
189
  United Nations. Resolution 2711 (XXV), 14 December 1970. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/012.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  239

ocidente (destacando-se os membros da NATO, os nórdicos, a Austrália e a


Nova Zelândia), duas delegações da América Latina (Argentina e El Salvador)
e a Suazilândia190. Ausentes da votação estiveram, entre outros, o Botswana,
Lesoto (provavelmente por influência da África do Sul), Malawi, Nicarágua,
Paraguai e Líbano.
Como se ficou aquém da unanimidade, o resultado da votação foi considera-
do pelo Gana como revelador de uma tendência pouco encorajadora191. Ao
efetuar a comparação com as votações realizadas desde 1968, interpretou a da
XXV AG como Não Tendo Sido uma Vitória192. Com o Mali a defender uma
posição idêntica, criticando os países latino-americanos, o Gana lamentou que
a Colômbia tivesse votado contra, indicando que a África estava profunda-
mente dececionada com o Brasil, a Espanha, os EUA e o Reino Unido193. Nas
explicações de voto, com a exceção da França e do Reino Unido, foram unica-
mente os países que votaram favoravelmente a se pronunciar, demonstrando
uma vez mais que a posição assumida não correspondia de forma linear ao que
pensavam quanto à política colonial portuguesa. Reproduzindo algumas das
considerações avançadas antes da votação, as delegações entenderam precisar
o significado que atribuíam a determinados parágrafos e exprimir reservas194.
Representando o projeto de resolução da IV Comissão um relativo endureci-
mento na forma como se abordava a questão colonial portuguesa, a sua apro-
vação definitiva foi precedida pela adoção (a 14 de dezembro) de decisões
sobre questões específicas. Ao retomarem as conclusões do Comité de Desco-
lonização, as resoluções apontaram para um sentido extremista, vincando a
tendência para um certo afastamento da moderação. Na resolução 2703
(XXV), aprovada por 85:11:12, a Assembleia considerou, ao contrário do ano
anterior, todos os interesses estrangeiros como um obstáculo à independência
política, condenando a totalidade dos investimentos nos territórios coloniza-
dos e não apenas os destinados à continuação da subjugação195. Em particular,
condenou-se a construção da barragem de Cabora Bassa, qualificada como
contrária aos objetivos das populações moçambicanas e destinada à perpetua-
ção da dominação, exploração e opressão na África Austral196. Com a adoção,

190
  Nations Unies – A/C.4/SR 1899. Quatrième Commission, 1899e Séance… p. 165-166.
191
  Nations Unies – A/C.4/SR 1900. Quatrième Commission, 1900e Séance... p. 170-171.
192
  AHD, Fundo POI, Mç. 548, Processo POI 4, Ano de 1971, Apontamento do GNP do MU,
Elaborado por João Afonso da Ascenção, de 22 de Novembro de 1970, p. 8.
193
  Nations Unies – A/C.4/SR 1900. Quatrième Commission, 1900e Séance… p. 170-171.
194
  A título de exemplo vide Idem. p. 169-170.
195
  United Nations. Resolution 2703 (XXV), 14 December 1970. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
196
 Ibidem.
240  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

por 83:4:21, da resolução 2704 (XXV) sobre a implementação da Declaração


pelas agências especializadas e outras organizações do sistema das NU, intro-
duziram-se novos avanços na legitimação do estatuto dos movimentos de
libertação197. Ao afirmar-se que os movimentos de libertação e as populações,
nomeadamente as das áreas libertadas, deveriam ser apoiados, a resolução con-
vidou a que se estudasse a possibilidade das organizações anticoloniais pode-
rem estar representadas nas atividades das agências especializadas198. Conten-
do uma decisão sobre o Programa Educacional e de Treino para a África
Austral, a resolução 2706 (XXIV), adotada por 111:2:0, reproduziu quase na
íntegra o texto aprovado anteriormente, atribuindo uma dotação orçamental
para a continuação das bolsas de estudos199.
Convidado a pronunciar-se quanto ao projeto de resolução sobre as colónias
portuguesas, o plenário da Assembleia aprovou o documento por 96:6:16200.
Com o projeto a transformar-se na resolução 2707 (XXV), de 14 de dezem-
bro, registaram-se algumas mudanças na votação relativamente à IV Comis-
são, sem que contudo o quadro geral tivesse sofrido alterações significativas.
Tendo havido uma reação da imprensa e da opinião pública interna quanto à
posição assumida na Comissão, a Colômbia mudou de orientação, votando
com reservas a favor do projeto201. Talvez em resultado das pressões do Gana e
do Mali, o El Salvador, a Islândia e a Suécia abandonaram a abstenção, soman-
do o seu voto ao dos que aprovaram a resolução202. Dos países que estiveram
ausentes na primeira votação, o Malawi e o Paraguai, comparecendo no plená-
rio, votaram contra. Numa nova declaração conjunta, os nórdicos, excetuando
a Islândia, voltaram a justificar o seu voto, indicando que a sua posição não
mudara203. Porém, mais do que reafirmar as reservas, os nórdicos tiveram a
intenção de condenar o ataque português à República da Guiné, que a missão
especial encarregue de averiguar sobre os acontecimentos comprovara, e
demonstrar apoio à resolução que o CS acabara de adotar sobre a questão204.

197
  United Nations. Resolution 2704 (XXV), 14 December 1970. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
198
 Ibidem.
199
  United Nations. Resolution 2706 (XXV), 14 December 1970. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
200
  Nations Unies – A/PV. 1928. Assemblée Générale. Vingt-Cinquième Session. 1928e Séance
Plénière. Lundi 14 Décembre 1970, à 10h30. Nova Iorque: s.n., 1970. p. 8.
201
  AHD, Fundo POI, Mç. 607, Processo POI 6, Ano de 1972, Telegrama da Embaixada de
Portugal em Bogotá para o MNE, de 11 de Outubro de 1972, p. 1-2.
202
  Nations Unies – A/PV. 1928. Assemblée Générale… p. 8-9.
203
 Idem. p. 9.
204
 Ibidem.
A Via do Realismo: 1968-1970  |  241

Com base em informações recolhidas de diversas fontes, a missão especial à


República da Guiné concluiu no seu relatório que a força que invadira
Conakry fora organizada na Guiné (Bissau), sob o comando de oficiais portu-
gueses205. Numa carta ao CS (a 4 de dezembro), Portugal negou a responsabi-
lidade pelo ataque, acrescentando que a missão especial não deveria pronun-
ciar-se sem antes informar o governo português sobre os factos que provassem
a sua culpabilidade206. Inscrito na ordem do dia do Conselho, o relatório da
missão especial foi analisado (entre 4-8 de dezembro), sem que Portugal tives-
se solicitado a participação na discussão. Com a introdução de algumas altera-
ções no projeto inicial, eliminando-se as referências ao Capítulo VII da Carta,
o CS adotou a resolução 290 (1970), de 8 de dezembro. Profundamente
embaraçados, os países ocidentais não contestaram as conclusões da Mis-
são Especial, abstendo-se na votação207. A resolução confirmou a autentici-
dade das acusações guineenses, condenando o governo português pela invasão
e exigindo que indemnizasse a República da Guiné pelas perdas humanas e
materiais208. O texto estabeleceu, o que nunca antes acontecera nas decisões
sobre queixas apresentadas pelos países africanos, a relação entre os incidentes
e a política colonial portuguesa. Declarando que a presença do colonialismo
português no continente africano constituía uma séria ameaça à paz e à
segurança dos estados africanos independentes, o documento solicitou ao go-
verno português a aplicação dos princípios da autodeterminação e da inde-
pendência209.
Podendo considerar-se que houve um relativo endurecimento na XXV AG
quanto ao governo português – o que ainda assim voltou a ficar aquém do
radicalismo das medidas sobre a Rodésia e a Namíbia –, as decisões adotadas
significaram simultaneamente o reconhecimento de um impasse na descoloni-
zação e a reafirmação de que a aplicação da resolução 1514 (XV) às colónias
portuguesas constituía um dos objetivos das NU. Por recuperar em grande
parte as disposições do programa de ação para a aplicação da Declaração, a
resolução 2707 (XXV) poderá ser considerada como parte integrante dos de-
senvolvimentos ocorridos na XXV AG quanto à ideia de autodeterminação.
Por via da resolução 2707 (XXV) entendeu-se reafirmar que a ideia de auto-
determinação permitia a utilização na luta contra o colonialismo de todos os

205
  Nations Unies – A/8402. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité. 16 Juin 1970-15
Juin 1971. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 53-54.
206
 Idem. p. 54.
207
 Idem. p. 61.
208
  United Nations. Resolution 290 (1970), 8 December 1970. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/07/2012.
209
 Ibidem.
242  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

meios necessários à disposição das populações. Ainda que a fórmula “todos os


meios necessários à disposição” tivesse sido objeto de interpretações divergen-
tes, não deixou de ser entendida pela maioria como uma nova legitimação do
recurso à luta armada. Algumas das questões que vinham sendo suscitadas pela
análise da questão colonial portuguesa, como a universalidade ou não da ideia
de autodeterminação, a sua vertente económica, a equiparação à ausência de
quaisquer constrangimentos à liberdade ou a associação aos direitos humanos
continuaram a estar presentes na resolução 2707 (XXV). Por ter demonstrado
sinais de que se pretendia avançar mais ainda no sentido da associação entre a
ideia de autodeterminação, o reconhecimento das áreas libertadas e a conces-
são de um novo estatuto aos movimentos de libertação, a XV AG representou
em certo sentido o início de uma rutura.

As ideias promovidas pelas NU podem ser institucionalizadas a nível nacional,


regional e global ou, pelo contrário, podem nunca alcançar a universalidade
(Weiss e Thakur, 2010). A adoção de decisões pela Organização decorre de
um processo de consultas, negociações e formação de coligações, o que no
período de 1968-1970 produziu uma acentuada moderação quanto à questão
colonial portuguesa. Menos extensas, as decisões da AG apresentaram uma
linguagem conciliadora, tendo-se registado o desaparecimento de afirmações
e expressões que em anos anteriores suscitaram polémica. Num processo de
autocensura, em que as condenações contra o governo português foram mais
contidas, a maioria abdicou da possibilidade de aprovar pedidos para a impo-
sição de sanções político-económicas e de embargos militares. Demonstrativa
da opção por uma abordagem flexível, a moderação alimentou algumas con-
tradições por a orientação da Assembleia não ter sido de início acompanhada
pelo Comité de Descolonização e o CS ter passado a demonstrar menor tole-
rância em relação às incursões portuguesas contra estados africanos. As contra-
dições foram também evidentes entre o discurso, que durante algum tempo
continuou a ser radical, e as decisões adotadas, que resultante de negociações,
tiveram um carácter de certo modo artificial. A moderação existiu sobretudo
ao nível das resoluções sobre a situação nas colónias portuguesas, uma vez que
as decisões decorrentes dos estudos sobre temas específicos continuaram a de-
monstrar o mesmo radicalismo de outrora. Somente no último ano houve
indícios de que se estava a caminhar no sentido da superação de algumas das
contradições, o que ainda assim não invalidou que a moderação da AG fosse
transitória.
Na origem da moderação estiveram as expectativas de que a substituição de
António de Oliveira Salazar por Marcello Caetano pudesse conduzir à altera-
A Via do Realismo: 1968-1970  |  243

ção da política colonial portuguesa. Destinada a criar condições que favoreces-


sem o reconhecimento e a aplicação pelo governo português da ideia de auto-
determinação, a revisão das decisões da AG poderá ser atribuída a fatores
adicionais, igualmente relevantes. Por se ter reconhecido que o radicalismo
contribuíra para a alienação de alguns apoios, a moderação resultou também
do desejo de alcançar a unanimidade na adoção das resoluções sobre a política
colonial portuguesa. Tendo sido decidido redigir as resoluções com recurso a
consultas, destinadas a envolver e a responsabilizar outros países, o esforço
para integrar as sugestões, designadamente dos latino-americanos, teve como
resultado a eliminação das disposições mais controversas, o que serviu para o
enfraquecimento das decisões adotadas. A análise da questão colonial portu-
guesa em conjunto com os demais itens sobre a África Austral que estavam na
ordem do dia, parece de igual modo ter influenciado no sentido da moderação
pela menor atenção dispensada ao colonialismo português. A Rodésia e a Na-
míbia estiveram no centro das prioridades dos estados membros, tendo sido
objeto das decisões mais radicais, o que remeteu a política colonial portuguesa
para uma posição secundária. Explicada por um conjunto de circunstâncias, o
comportamento da Assembleia foi parcialmente bem-sucedido por em alguns
momentos se ter conseguido assegurar a quase unanimidade na aprovação das
resoluções. Como Portugal não aproveitou a relativa détente nas relações com
as NU para se adaptar à mudança normativa sobre o colonialismo, o principal
objetivo da moderação ficou todavia por concretizar.
Como verificado em sessões anteriores, as decisões sobre a política colonial
portuguesa no período de 1968-1970, ainda que indiscutivelmente modera-
das, integraram algumas precisões na ideia de autodeterminação. Entendidos
em conjunto com as resoluções sobre o programa para a aplicação da Declara-
ção e as relações amigáveis entre os estados, os debates sobre a questão colonial
portuguesa traduziram o amadurecimento no entendimento da ideia de auto-
determinação. Se bem que muitas das afirmações tivessem um carácter repeti-
tivo, resultando na confirmação da resolução 1514 (XV), a ideia de autodeter-
minação ganhou um sentido mais alargado. Fruto da preponderância que se
pretendia que adquirisse sobre outros princípios do direito internacional,
avançou-se com uma nova legitimação do uso da força, prevendo-se o recurso
a todos os meios necessários para a luta contra a dominação colonial. Insistin-
do-se em atribuir-lhe um carácter mais amplo, à ideia de autodeterminação
associou-se a inadmissibilidade de quaisquer obstáculos, negando-se que a di-
mensão territorial, o isolamento geográfico ou a limitação dos recursos pudes-
sem ser invocados para a recusa na sua implementação. Num aprofundamento
das disposições da resolução 1514 (XV), à ideia esteve subjacente a legitimida-
de de escolha, em que, além da independência, da integração ou da associação
244  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

com um outro Estado, qualquer estatuto livremente determinado pela popu-


lação foi considerado como podendo ser um resultado válido da autodetermi-
nação. Com a tendência para incorporar uma grande variedade de questões, a
autodeterminação significou ainda, segundo as decisões adotadas, o direito ao
autogoverno e à representatividade das minorias em instituições governativas.
Pela associação ao Direito Internacional Humanitário, a ideia resultou numa
nova situação jurídica para os movimentos de libertação, que foram reconhe-
cidos como estando abrangidos por convenções internacionais, e legitimou-se
todos os apoios que lhes fossem concedidos.
Capítulo V
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974

Muitas das ideias promovidas pelas NU são consideradas como estando à fren-
te do seu tempo, servindo para estimular a imaginação e produzir resultados
inesperados (Emmerij, Jolly e Weiss, 2009). Ainda que não se limitasse à
proteção das aspirações dos povos colonizados, a ideia de autodeterminação,
podendo ser identificada com uma variedade de situações, ficou, em grande
parte pela ação de entidades como as NU, associada à descolonização1. Usan-
do a sua capacidade para analisar e fazer recomendações sobre qualquer assun-
to, a Organização foi responsável, nas tentativas para implementar a ideia de
autodeterminação, por discussões que produziram efeitos de grande significa-
do político e valor moral (Conforti e Focarelli, 2010: 3). Não tendo sido
concebida enquanto entidade legislativa e não sendo de início evidente que
os seus órgãos pudessem adotar tratados e declarações legais, as decisões das
NU sobre a autodeterminação encontraram contudo expressão entre as regras
internacionais (Schachter, 1994: 1). Nem sempre aceite de forma pacífica, o
contributo das NU para o desenvolvimento do estatuto legal da autodetermi-
nação tornou-se num dos exemplos mais flagrantes do envolvimento da Orga-
nização na formação e codificação do direito internacional público (Escara-
meia, 2005: 347).
Na ausência de indicações de que uma eventual reformulação da política colo-
nial portuguesa estivesse eminente, os esforços das NU para que Portugal im-
plementasse a ideia de autodeterminação retomaram entre 1971-1974 a agres-
sividade de outrora. A intenção de reforçar os mecanismos de pressão foi
evidente não somente nas decisões da AG, mas igualmente nas do CS, que
passou em parte a acompanhar a inclinação da maioria. A Organização multi-
plicou as suas iniciativas, contrariando as afirmações segundo as quais teriam
sido esgotados os meios de persuasão sobre Portugal (Barbier, 1974: 387).
Registou-se Um Elevado Grau de Deterioração no relacionamento entre as NU
e o governo português, mesmo que continuassem a existir dificuldades em
conseguir que determinados países votassem a favor das resoluções (apud Sil-
va, 1995: 44). Adotando um novo tipo de medidas, mais concretas, as NU
demonstraram a intenção de proceder à consolidação do estatuto dos movi-
mentos de libertação. Devendo ser entendidas no quadro dos desenvolvimen-

1
  Apesar da afirmação merecer um amplo consenso, alguns estudos tentam demonstrar que a
autodeterminação não pode ser limitada à descolonização. Cf. Escarameia, 1993: 83.
246  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

tos associados à ideia de autodeterminação, as decisões das NU promoveram


no entanto uma desigualdade na legitimação das organizações anticoloniais.

Na Qualidade que Convinha


Meio por excelência para a contestação a nível internacional da política colo-
nial portuguesa, as NU continuaram na XXVI AG a promover o desdobra-
mento das decisões contra Portugal. Como se tornara hábito, as iniciativas do
Comité de Descolonização marcaram o início do estudo da implementação da
Declaração nas colónias portuguesas. Tendo o sentido das suas decisões de-
monstrado que a moderação fora definitivamente abandonada, o órgão ini-
ciou a prática de aprovar múltiplas resoluções sobre as colónias portuguesas
(Santos, 2009a). Com o envio de um grupo a países africanos para contactar
com as organizações anticoloniais, foi aprovada (em 13 de abril de 1971) uma
decisão com base numa petição de Agostinho Neto, que acusou Portugal de
utilizar substâncias químicas em Angola (Santos, 2009a: 69). Uma outra deci-
são (de 2 de junho) foi motivada por um pedido de Amílcar Cabral para que
se condenasse a realização de uma reunião da NATO em Lisboa (Santos,
2009a: 75)2. Numa resolução sobre a África Austral (em 9 de setembro) foi
decidido estudar a possibilidade de associar os representantes dos movimentos
de libertação aos trabalhos do Comité (Santos, 2009a: 76). No documento
aprovado especificamente sobre as colónias portuguesas (a 14 de setembro) foi
solicitada a adoção de medidas para a realização de visitas às áreas libertadas
(Santos, 2009a: 77). Finalmente, (em 21 de outubro) foi entendido que
as agências especializadas e as instituições internacionais associadas à ONU
fossem convidadas a examinar os procedimentos adequados à participação
dos movimentos de libertação em conferências, seminários e outras reuniões
regionais (Santos, 2009a: 77).
Com as consequências da Operação Mar Verde a fazerem ainda sentir a sua
influência das NU, o CS foi convocado para estudar (entre 12 e 15 de julho)
as acusações senegalesas quanto a diversas violações portuguesas contra a sua
soberania3. A resolução adotada, a 294 (1971), de 15 de julho, solicitou ao
governo português a cessação dos atos de violência e destruição, condenando
todos os ataques a Senegal perpetrados desde 1963 e determinando o envio de
uma missão para inquirir sobre os acontecimentos4. A República da Guiné,

2
  A escolha de Lisboa como local de reunião não fora consensual entre os membros da NATO,
uma vez que países como a Noruega, Dinamarca e Canadá temiam complicações devido à
questão colonial portuguesa. Cf. Xavier, 2010: 180-182.
3
  Nations Unies – A/8702. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité a l’Assemblée Géné-
rale. 16 Juillet 1971-15 Juin 1972. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 2.
4
 Idem. p. 4.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  247

que apoiara a queixa senegalesa, informou entretanto o Conselho que tinha


informações sobre a preparação por Portugal de um novo ataque contra o país,
que estaria iminente5. No seguimento do debate (a 3 e 26 de agosto), a reso-
lução 295 (1971), de 3 de agosto, afirmou a necessidade do respeito pela inte-
gridade territorial e a independência da República da Guiné e decidiu estabe-
lecer uma missão para realizar consultas com as autoridades do país6.
Com base nas conclusões da missão enviada ao Senegal, o CS retomou a dis-
cussão (entre 29 de setembro e 24 de novembro), adotando a resolução 302
(1971), de 24 de novembro7. Recuperando as disposições aprovadas anterior-
mente, a resolução estabeleceu a conexão entre os incidentes fronteiriços e a
política colonial portuguesa, solicitando a Portugal o respeito pelo direito à
autodeterminação e à independência da Guiné (Bissau), assim como a adoção
de medidas para a sua implementação8. Como fora decidido manter a questão
na ordem do dia, o órgão voltou a reunir-se (de 29 de setembro a 30 de no-
vembro) para analisar o relatório da missão à República da Guiné. Descritivo,
sem apresentar conclusões e recomendações, o relatório originou a adoção de
um consenso, onde se indicou que, ao não aplicar à Guiné (Bissau) o princí-
pio da autodeterminação e o direito à independência, Portugal exercia uma
influência perturbadora na região9.
Quando chamado a pronunciar-se sobre a questão colonial portuguesa, a
IV Comissão revelou (de 11 de outubro a 3 de dezembro) alguma continuida-
de com o período anterior, nomeadamente por ter sido decidido o debate
conjunto dos itens sobre a África Austral10. A decisão continuou a ser justifi-
cada com as relações existentes entre a África do Sul, a Rodésia e Portugal,
uma vez que a cooperação entre os regimes minoritários registara um aprofun-
damento (Brandão, 2014: 243). Como a Comissão Económica para a África
(CEA) retirara a Portugal a qualidade de membro (1963), admitindo em seu
lugar Angola, Moçambique e Guiné (Bissau), a IV Comissão ficou igualmen-
te encarregue de estudar a representação desses territórios no órgão11. A ques-
tão estivera pendente durante algum tempo, verificando-se desenvolvimentos
na anterior AG, quando o Conselho Económico e Social (ECOSOC) trans-
mitira, solicitando a sua homologação, uma lista proposta pela OUA de repre-

5
 Idem. p. 10.
6
 Idem. p. 10-11.
7
 Idem. p. 9.
8
 Ibidem.
9
 Idem. p. 12-13.
10
  United Nations – A/8549. 3 December 1971. Question of Territories under Portuguese Admin-
istration. Report of the Fourth Committee. s.l.: s.n., s.d. p. 1-2.
11
 Idem. p. 2.
248  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

sentantes das colónias portuguesas que deveriam participar nas sessões da


CEA12.
No debate, que teve um carácter essencialmente radical, estiveram represen-
tados todos os agrupamentos regionais, com predomínio para os afro-asiáti-
cos. Continuou-se a registar a atribuição de uma maior atenção às questões
da Rodésia, onde a luta armada estava a desenvolver-se de forma intermiten-
te, e da Namíbia, num momento em que a contestação do domínio sul-
-africano assumiu novas formas, com a realização de uma greve geral (Shu-
bin, 2010). Os argumentos utilizados demonstraram as posições contrárias à
política colonial portuguesa, ainda que, como em períodos anteriores, conti-
nuasse a ser evidente a existência de apoios a Portugal. A situação nas coló-
nias portuguesas foi abordada de forma diversa, havendo países como a Ín-
dia, URSS, Cuba, Guiné ou Zâmbia que estabeleceram a ligação com os
regimes minoritários, realçando os objetivos económicos comuns e o apoio
recebido da NATO. Outros, designadamente a Suécia, Tunísia, Finlândia,
Dinamarca, Togo ou Filipinas, não consideraram a questão no quadro da
existência de uma aliança tripartida na África Austral13. Um terceiro grupo,
no qual se destacaram a Costa do Marfim e a Arábia Saudita, apelou ao diá-
logo e à rejeição da violência, admitindo que a situação nas colónias portu-
guesas somente poderia ser modificada a longo prazo14. Tais afirmações pro-
duziram alguma polémica, que foi uma continuação da discussão que
ocorrera na OUA sobre a África Austral, em que fora reforçada a posição
segundo a qual o diálogo deveria ter por objetivo a restauração dos direitos
da maioria negra (Walraven, 1999: 229).
Embora fosse reconhecido que a situação nas colónias portuguesas se agra-
vara, foram poucas as afirmações quanto à existência de uma ameaça à paz e à

12
  Antes do início do debate, Portugal obteve informações segundo as quais a República Unida
da Tanzânia pretendia sugerir que a Comissão convidasse os representantes dos movimentos de
libertação a estarem presentes na sessão e a participarem na redação dos projetos de resolução.
Com o Secretariado a considerar a ideia inaceitável, o subsecretário geral para o Departamento
de Tutela e Territórios não Autónomos, Issoufou Saidou-Djermakoye, terá demonstrado a
intenção de solicitar um parecer jurídico caso a questão fosse suscitada. Cf. AHD, Fundo POI,
Mç. 550, Processo POI 6.0, Ano de 1971, Vol. I, Telegrama da Missão de Portugal na ONU para
o MNE, de 7 de Outubro de 1971, p. 1.
13
  A título de exemplo vide Nations Unies – A/C.4/SR 1934. Quatrième Commission, 1934e
Séance. Jeudi 28 Octobre 1971, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 94-95; Nations Unies
– A/C.4/SR 1938. Quatrième Commission, 1938e Séance. Lundi 1er Novembre 1971, à 15h45.
Nova Iorque: s.n., 1971. p. 123; Nations Unies – A/C.4/SR 1940. Quatrième Commission,
1940e Séance. Mardi 2 Novembre 1971, à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 136-138.
14
  Nations Unies – A/C.4/SR 1942. Quatrième Commission, 1942e Séance. Mercredi 3 Novembre
1971, à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 152.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  249

segurança internacionais. Um dos temas mais recorrentes foi a denúncia do


recurso pelo exército português a produtos químicos, o que, além da insistên-
cia dos movimentos de libertação em abordar a questão, parece ter sido moti-
vada pelo facto de Portugal ter votado contra uma resolução que proibia a
utilização dessas substâncias em contexto de guerra15. A realização da reunião
da NATO em Lisboa mereceu igualmente a atenção das delegações, conside-
rando-se que constituía uma manifestação inequívoca de apoio a Portugal16.
Os aspetos económicos do colonialismo português, em particular a constru-
ção de Cabora Bassa, voltaram a ser abordados com grande insistência, ressal-
tando-se o envolvimento de meios financeiros e de governos ocidentais no
projeto17. Os ataques portugueses a países africanos, as conquistas que teriam
sido alcançadas pelos movimentos de libertação, a necessidade de os ajudar e
a exigência para que as NU atuassem em prol das populações foram continua-
mente referidos18.
Com a promulgação de uma revisão constitucional em que Angola e Moçam-
bique passaram a ser designados como estados, Portugal demonstrou conti-
nuar a alimentar velhas conceções e não pretender alterar a sua política colo-
nial. Antes do início da discussão, o subsecretário geral para o Departamento
de Tutela e Territórios não Autónomos, Issoufou Saidou-Djermakoye, propôs
ao representante português que efetuasse uma declaração de intenções em
relação ao futuro da Guiné (Bissau), garantindo que em contrapartida os paí-
ses africanos deixariam, por um período de 20 a 30 anos, de fazer pressões
relativamente a Angola e Moçambique. Essa sugestão, que Portugal não acei-
tou, foi demonstrativa da importância que as NU começaram a atribuir à
Guiné (Bissau), onde, com o falhanço de uma tentativa de negociação com
o governo português realizada por iniciativa do Senegal, o PAIGC estava a
intensificar as atividades militares e a desenvolver preparativos para a procla-
mação da independência.
Portugal continuou a integrar na sua delegação indivíduos provenientes das
colónias e retomou os seus argumentos, que foram adaptados às circunstâncias

15
  AHD, Fundo POI, Mç. 536, Processo POI 4, Ano de 1971, Vol. I, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 21 de Abril de 1971, p. 1.
16
  Nations Unies – A/C.4/SR 1945. Quatrième Commission, 1945e Séance. Vendredi 5 Novembre
1971, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 167-168.
17
  Nations Unies – A/C.4/SR 1925. Quatrième Commission, 1925e Séance. Mercredi 20 Octobre
1971, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 35.
18
  Idem. p. 37-38; Nations Unies – A/C.4/SR 1933. Quatrième Commission, 1933e Séance.
Mercredi 27 Octobre 1971, à 11h30. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 88; Nations Unies – A/C.4/SR
1934. Quatrième Commission, 1934e Séance… p. 101.
250  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

do momento, com o acrescentamento de elementos novos19. As declarações do


representante português, António Costa Lobo, mencionaram a revisão consti-
tucional e as iniciativas que teriam sido adotadas nos campos do ensino e da
economia. Declarando que não pretendia refutar as acusações contra o país,
Costa Lobo indicou que, apesar do documento apresentar insultos, Portugal
não rejeitava o Manifesto de Lusaca na sua totalidade. Tais afirmações quanto
ao Manifesto de Lusaca tinham sido sugeridas por António Patrício, que em
conversa com o representante do Gana fora informado que seria conveniente
para os países africanos considerados moderados que Portugal assumisse uma
posição que permitisse a interpretação de que não rejeitava o documento.
Considerando aceitável corresponder ao pedido, Portugal demonstrou alguma
flexibilidade, embora entendesse que para os africanos mais radicais o Mani-
festo estava ultrapassado.
Não obstante as objeções apresentadas por Portugal, a IV Comissão permitiu
a participação no debate de representantes de movimentos de libertação e de
organizações que apoiavam a luta pela independência das colónias portugue-
sas20. O primeiro depoimento reportou-se a Angola, num momento em que a
FNLA estava a desenvolver pouca atividade, o MPLA lançara ataques de gran-
de envergadura contra instalações militares portuguesas e a UNITA estabele-
cera uma estrutura militar no leste do território (Afonso e Gomes, 2000: 598-
-601). A audição ficou a cargo do GRAE, cujas afirmações foram objeto de
reservas da Zâmbia, República Unida da Tanzânia e Nigéria, uma vez que
perdera o reconhecimento da OUA21. Talvez em virtude dessa situação, a
intervenção do GRAE não teve a mesma importância de outrora, insistindo
nas novas vitórias que teriam sido alcançadas contra o exército português, no
fornecimento a Portugal de material militar, incluindo napalm, por países da
NATO e na necessidade de se tornar pública a lista de prisioneiros angola-
nos22. Numa intervenção mais detalhada, a FRELIMO, que estava a realizar
ações nas províncias de Tete e Zambézia, denunciou a intensificação dos ata-

19
  Os delegados provenientes de Moçambique eram Luís Alberto Crucho de Almeida e o padre
Joaquim Luís Santos, respetivamente professor na Universidade de Lourenço Marques e diretor
do jornal Diário de Lourenço Marques. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 511, Processo POI 03, Ano
de 1971, Delegação Portuguesa à XXVI Sessão da AG das NU, p. 1.
20
  O Unity Movement of South Africa encontrava-se entre os peticionários ouvidos, mas deu
escassa atenção à questão das colónias portuguesas. Cf. Nations Unies – A/C.4/SR 1954. Qua-
trième Commission, 1954e Séance. Mardi 23 Novembre 1971, à 15h20. Nova Iorque: s.n.,
1971.
21
  Nations Unies – A/C.4/SR 1930. Quatrième Commission, 1930e Séance. Lundi 25 Octobre
1971, à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 71.
22
 Ibidem.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  251

ques portugueses contra as populações e os apoios atribuídos pela NATO e o


Brasil a Portugal (Afonso e Gomes, 2000: 598-601)23. Sendo uma sociedade
ecuménica, composta por igrejas e organizações religiosas envolvidas no com-
bate ao racismo, o Conselho Mundial da Paz apresentou um depoimento que
retomou os argumentos do MPLA, da FRELIMO e do PAIGC, solicitando
que fossem reconhecidos como únicos verdadeiros representantes dos povos
das colónias portuguesas24.
Tendo Amílcar Cabral enviado um telegrama a solicitar que a ONU conse-
guisse que Portugal deixasse de usar desfoliantes químicos na Guiné (Bissau),
o PAIGC no seu depoimento pediu o reconhecimento como verdadeiro repre-
sentante das populações25. Integrando na sua delegação dois indivíduos iden-
tificados como camponeses vítimas da repressão portuguesa, a intervenção do
movimento causou um certo impacto em virtude das testemunhas apresenta-
rem ferimentos e mutilações26. O representante do PAIGC convidou as NU a
enviar uma missão especial às áreas libertadas da Guiné (Bissau), para obter
informações diretas e produzir um relatório sobre os crimes perpetrados por
Portugal27. Um convite semelhante fora anteriormente efetuado por Amílcar
Cabral ao SG, propondo-se o envio de uma missão composta por três pes-
soas28. A iniciativa de Cabral suscitou a apreensão de António Patrício, que
aconselhou o MNE a que se tentasse contrariar os seus efeitos29. Segundo
informações recolhidas por Patrício, o PAIGC formulou ainda outros convites
para a deslocação à Guiné (Bissau), tendo inclusivamente Issoufou Saidou-
-Djermakoye sido abordado nesse sentido30.
Com a constituição de um comité de redação, foi definido como objetivo
fundamental do projeto de resolução elaborado pelos afro-asiáticos que se
conseguisse uma melhor votação que o texto do ano anterior, mesmo que para

23
  Nations Unies – A/C.4/SR 1937. Quatrième Commission, 1937e Séance. Lundi 1er Novembre
1971, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 115-116.
24
  Nations Unies – A/C.4/SR 1946. Quatrième Commission, 1946e Séance. Lundi 8 Novembre
1971, à 15h25. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 177-178.
25
  AHD, Fundo POI, Mç. 550, Processo POI 6.0, Ano de 1971, Vol. II, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 11 de Novembro de 1971, p. 1.
26
  AHD, Fundo POI, Mç. 550, Processo POI 4, Ano de 1971, Vol. III, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 1 de Dezembro de 1971, p. 1.
27
  Nations Unies – A/C.4/SR 1958. Quatrième Commission, 1958e Séance. Mardi 30 Novembre
1971, à 11h05. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 242.
28
  AHD, Fundo POI, Mç. 536, Processo POI 4, Ano de 1971, Vol. III, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 27 de Outubro de 1971, p. 1.
29
 Ibidem.
30
  AHD, Fundo POI, Mç. 550, Processo POI 6.0, Ano de 1971, Vol. IV, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 20 de Dezembro de 1971, p. 1.
252  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

isso fosse necessário fazer concessões31. O Gana aparentemente assumiu


um papel fundamental na conceção do documento, conseguindo aligeirar as
expressões utilizadas, pelo que o projeto foi considerado por alguns como
moderado32. A primeira versão foi submetida para consulta a latino-america-
nos (representados pela Colômbia, Trinidad et Tobago, México e Venezuela),
aos escandinavos e a países alinhados com o ocidente, como a Nova Zelândia,
tendo os redatores integrado as suas sugestões de alterações33. Consideradas
por Portugal como não substanciais, as modificações consistiram na substitui-
ção das expressões que condenavam diretamente o governo português e no
estabelecimento da distinção entre os países da NATO que ajudavam Portugal
e aqueles que tinham um comportamento diferente34. O projeto de resolução
acabou em alguns aspetos por seguir a formulação das anteriores sessões, mas
avançando medidas novas35.
O texto, de forma inédita, mencionava que a AG deveria ter em atenção as
opiniões dos representantes dos movimentos de libertação, quando anterior-
mente o órgão se limitara a referir que tinham sido ouvidos os depoimentos
dos peticionários36. O projeto destinava-se à reafirmação da resolução 1514
(XV) e também do programa de ação para a implementação da Declaração.
Ao serem relembradas as decisões das NU sobre as colónias portuguesas, foi
proposto que se deplorasse a persistente recusa de Portugal em reconhecer o
direito à autodeterminação e à independência, sendo indicado que os dois
termos deveriam ser interpretados de acordo com a Declaração37. Retomando-
-se afirmações que constavam de documentos anteriores, entendeu-se que
a Assembleia deplorasse, gravemente e profundamente, a situação crítica e
explosiva criada pela intensificação das operações militares portuguesas, a
repetida agressão contra os estados africanos e a continuação dos investimen-
tos estrangeiros. Ao se pretender deplorar as políticas dos estados que forne-
ciam assistência militar e de outro tipo a Portugal, o que foi entendido como
motivação para o prosseguimento da dominação e da opressão, o projeto de
resolução procurou exprimir uma profunda preocupação pelo uso por Portu-
gal de substâncias químicas na guerra colonial38.

31
  AHD, Fundo POI, Mç. 600, Processo POI 6, Ano de 1972, Apontamento Elaborado pelo
Intendente João Afonso da Ascensão, de 26 de Fevereiro de 1972, p. 8.
32
 Ibidem.
33
 Ibidem.
34
 Ibidem.
35
 Ibidem.
36
  United Nations – A/8549. 3 December 1971. Question of Territories under Portuguese… p. 5.
37
 Ibidem.
38
 Idem. p. 6.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  253

Como a revisão constitucional portuguesa motivara desconfianças, o texto


indicou que a Assembleia deveria notar com profunda preocupação as mudan-
ças introduzidas por Portugal, que foram entendidas como não se destinando
à autodeterminação e à independência das populações africanas das suas coló-
nias39. Referindo-se os progressos que os movimentos de libertação tinham
alcançado, considerou-se que deveriam ser apreciados com satisfação, em con-
junto com as medidas para a representação de Angola, Moçambique e Guiné
(Bissau) na CEA40. Muito embora se fizesse a reafirmação do direito inaliená-
vel dos povos das colónias portuguesas à autodeterminação e à independência
e da legitimidade da luta para alcançar esse objetivo, foi notória a ausência da
expressão “todos os meios necessários à sua disposição”, que estivera presente
na decisão anterior. Outra diferença foi o alargamento das condenações a Por-
tugal, em que além das disposições que constavam da resolução 2707 (XXV),
acrescentou-se uma outra para censurar o bombardeamento indiscriminado
de civis e a destruição de aldeias e propriedades41. Em resultado da importân-
cia atribuída ao tema, o documento integrou igualmente um apelo a Portugal
para que deixasse de utilizar substâncias químicas contra os povos das suas
colónias. Continuou-se a solicitar a aplicação das convenções sobre o trata-
mento de prisioneiros de guerra e a proteção de civis em períodos de conflitos,
sendo que os estados membros tornaram a ser visados, propondo-se que se
apelasse, em particular aos aliados da NATO que continuavam a conceder
assistência a Portugal, para que lhe retirassem todo o apoio que permitisse a
continuação da guerra colonial e adotassem medidas para evitar a venda ou o
fornecimento de armas, equipamento militar e outro material42.
Propondo na prática um embargo, o projeto de resolução recuperou o progra-
ma de descolonização concebido na primeira fase e que periodicamente esti-
vera presente nas decisões das NU43. Recorde-se que do programa constava
que o governo português deveria reconhecer imediatamente o direito dos po-
vos das suas colónias à autodeterminação e à independência, terminar a guerra
colonial e todos os atos de repressão, retirar as forças militares e de outro tipo
existentes nos territórios, proclamar uma amnistia incondicional, restaurar os
direitos políticos democráticos e transferir os poderes para instituições livre-
mente eleitas e representativas das populações. A acrescentar a essas medidas,
o projeto de resolução pretendeu ainda apelar urgentemente ao governo por-

39
 Ibidem.
40
 Ibidem.
41
 Ibidem.
42
 Idem. p. 7.
43
 Idem. p. 7-8.
254  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

tuguês para que eliminasse as práticas que violassem os direitos inalienáveis


das populações africanas, incluindo a expulsão das terras, o reagrupamento
arbitrário e a instalação de imigrantes, que cessasse os ataques e as violações da
segurança e da integridade dos países africanos e libertasse os cidadãos e bens
capturados44. As mesmas considerações relativas às atividades económicas que
exploravam as colónias portuguesas e ajudavam no fortalecimento da domina-
ção colonial, designadamente no que se referia à participação nos projetos
de Cabora Bassa e do rio Cunene, foram retomadas da decisão precedente,
embora com uma formulação ligeiramente diferente. Com efeito, em vez de
se deplorar, como na resolução 2707 (XXV), as políticas dos governos que não
impediram que os seus cidadãos e empresas participassem nesses projetos,
pretendeu-se unicamente apelar para a adoção das medidas necessárias à ces-
sação desse envolvimento45.
Apesar de grande parte das cláusulas do projeto de resolução não ter represen-
tado um motivo de preocupação adicional para o governo português, houve
todavia uma que foi particularmente penalizadora. Decorrente do mandato
atribuído à IV Comissão, os autores de resolução pretenderam que a Assem-
bleia aprovasse a representação de Angola, Moçambique e Guiné (Bissau)
como membros associados da CEA e sancionasse a lista de representantes pro-
posta pela OUA46. Relativamente às restantes disposições, procurou-se reto-
mar as solicitações para que as agências especializadas e outras organizações do
sistema das NU dessem aos povos das colónias portuguesas, nomeadamente
aos que viviam nas áreas libertadas, toda a assistência por intermédio da OUA.
Direcionadas aos órgãos das NU, foi proposto chamar a atenção do CS para a
deterioração da situação nas colónias portuguesas, que se considerou que esta-
va a perturbar seriamente a paz e a segurança internacionais, e para a urgente
necessidade de se equacionar a adoção de medidas efetivas47. Ao SG preten-
deu-se convidar que intensificasse ainda mais os programas educacionais e de
formação para as populações das colónias portuguesas, devendo apresentar
um relatório sobre a questão na sessão seguinte da AG. Tendo como efeito
sancionar a decisão do órgão, o projeto indicou que dever-se-ia demonstrar
satisfação pela intenção do Comité de Descolonização de enviar uma missão
de visita às áreas libertadas de Angola, Moçambique e Guiné (Bissau)48. Para
finalizar, foi entendido que o SG deveria transmitir a resolução a todos os

44
 Idem. p. 8.
45
 Ibidem.
46
 Ibidem.
47
 Idem. p. 8-9.
48
 Idem. p. 9.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  255

estados membros e reportar sobre as medidas empreendidas para sua imple-


mentação, ao passo que o Comité de Descolonização teria de manter a situa-
ção sob observação.
O governo português interpretou o projeto de resolução como lesivo dos seus
direitos, violando o princípio da não intervenção nos assuntos internos dos
estados membros49. Esses argumentos, em conjunto com outros como a afir-
mação de que a disposição tendente à participação de representantes dos
movimentos de libertação na CEA constituía uma violação dos princípios de
direito internacional, foram utilizados nas tentativas das embaixadas portu-
guesas para limitar os apoios ao texto50. Além dos países cujos votos Portugal
tradicionalmente procurava influenciar, como os ocidentais, os latino-ameri-
canos e alguns afro-asiáticos, os esforços portugueses estenderam-se igualmen-
te a estados árabes, como o Líbano, com os quais estava a tentar uma aproxi-
mação (Tíscar Santiago, 2013)51. Em parte em resultado das diligências
portuguesas, um número significativo de reservas foi veiculado, visando diver-
sos parágrafos, com destaque para os que pretendiam aprovar a participação
dos movimentos de libertação na CEA, apelar aos estados para evitarem o
envolvimento dos seus cidadãos e empresas em atividades económicas nas co-
lónias portuguesas, bem como solicitar a retirada de qualquer assistência mili-
tar que permitisse a Portugal continuar a guerra colonial52. Alegando aspetos
jurídicos e processuais ou que algumas afirmações não foram comprovadas,
as reservas estiveram presentes nas declarações da Colômbia, Suécia, Nova
Zelândia, África do Sul, Dinamarca, Canadá, Noruega, Barbados, México,
Japão e Holanda.
Com um dos autores do projeto de resolução a reconhecer a impossibilidade
de unanimidade, o texto registou 99 votos favoráveis, 6 negativos (Portugal,
África do Sul, Espanha, Reino Unido, EUA e Brasil) e um igual número de
abstenções (Argentina, Bélgica, Costa Rica, França, Itália e Malawi)53. Verifi-
cando-se, em relação à anterior votação na Comissão, um aumento dos votos
favoráveis e a diminuição dos que votaram contra e abstiveram, estiveram

49
  AHD, Fundo POI, Mç. 550, Processo POI 6.0, Ano de 1971, Vol. II, Telegrama do MNE
para a Embaixada de Portugal em São José da Costa Rica, de 29 de Dezembro de 1971, p. 1-3.
50
 Ibidem.
51
  Ibidem.
52
  Nations Unies – A/C.4/SR 1960. Quatrième Commission, 1960e Séance. Jeudi 2 Décembre
1971, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 249; Nations Unies – A/C.4/SR 1961. Quatrième
Commission, 1961e Séance. Vendredi 3 Décembre 1971, à 11h10. Nova Iorque: s.n., 1971.
p. 255-259.
53
  Nations Unies – A/C.4/SR 1961. Quatrième Commission, 1961e Séance… p. 259.
256  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

ausentes o Luxemburgo, El Salvador, Malta, Panamá, Paraguai e Suazilândia54.


Sendo desconhecidas as motivações das restantes delegações, relativamente ao
Luxemburgo a ausência ter-se-á devido à presença da delegação do país numa
outra sessão, enquanto a Suazilândia pretendia evitar votar a favor do projeto
de resolução55. Subjacente ao resultado da votação estiveram fatores como o
carácter moderado do texto, o facto de ter havido a aceitação das sugestões
apresentadas no decorrer das consultas e a inexistência do voto por divisão.
Como indicado pelo Chile, os países latino-americanos chegaram a sugerir
a votação separada de alguns parágrafos, mas como a ideia não tivera aco-
lhimento acabaram por votar favoravelmente56. De assinalar que, em momen-
tos anteriores, a ausência de voto por divisão produzira precisamente o efeito
contrário, conduzindo à rejeição dos projetos de resolução por algumas dele-
gações.
As demais explicações para a orientação adotada não foram muito diferentes
das dos anos anteriores, sendo de assinalar, no capítulo das pressões exercidas
pelos afro-asiáticos, a realização nas vésperas da votação de uma visita de re-
presentantes da OUA a países da NATO para solicitar uma posição mais firme
contra Portugal e a África do Sul57. A pertença a determinados alinhamentos,
a posição assumida quanto à independência dos povos colonizados, o receio
de um eventual isolamento, a defesa dos interesses nacionais ou a grande liber-
dade de ação atribuída a algumas delegações continuaram igualmente a ser
motivações válidas. De acrescentar que, no referente aos países ocidentais, o
voto deverá ser interpretado tendo em atenção a eminência da assinatura de
um novo acordo entre os EUA e Portugal para a utilização da base das Lajes, a
maior abertura do Reino Unido na questão do fornecimento de armas e equi-
pamento militar ao exército português, a manutenção do apoio da França à
política colonial portuguesa, o fortalecimento das relações entre Roma e Lis-
boa ou a détente na Guerra Fria que diminuiu o clima de tensão nas relações
internacionais (Schneidman, 2005: 178; Oliveira, 2007: 378-379; Lala, 2007:
252; Matos, 2010: 172, 178).

54
  AHD, Fundo POI, Mç. 550, Processo POI 4, Ano de 1971, Vol. III, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 4 de Dezembro de 1971, p. 1.
55
  AHD, Fundo POI, Mç. 550, Processo POI 4, Ano de 1971, Vol. III, Telegrama da Embai-
xada de Portugal em Bruxelas para o MNE, de 3 de Dezembro de 1971, p. 1; AHD, Fundo POI,
Mç. 550, Processo POI 4, Ano de 1971, Vol. III, Telegrama da Missão de Portugal na ONU para
o MNE, de 4 de Dezembro de 1971, p. 1.
56
  AHD, Fundo POI, Mç. 550, Processo POI 4, Ano de 1971, Vol. III, Telegrama da Embai-
xada de Portugal em Santiago do Chile para o MNE, de 6 de Dezembro de 1971, p. 1.
57
  AHD, Fundo POI, Mç. 550, Processo POI 4, Ano de 1971, Vol. III, Telegrama da Embai-
xada de Portugal em Bruxelas para o MNE, de 6 de Dezembro de 1971, p. 1.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  257

As explicações apresentadas no seguimento da votação acrescentaram mais


reservas às disposições do projeto de resolução, que, somando-se às referidas
acima, abrangeram, entre outras questões, os pedidos de assistência das agên-
cias especializadas às populações e a solicitação ao SG para reportar sobre as
ações dos estados membros para a aplicação da decisão adotada58. Tais obje-
ções foram apresentadas pelos países que votaram a favor, como Madagáscar,
Finlândia e Austrália, mas também pelos que se opuseram ao texto, designa-
damente o Reino Unido e a França. Sem que Portugal tivesse ficado plena-
mente satisfeito com as reservas, foram renovados os pedidos de apoio nas
vésperas da votação no plenário59. Além dos países anteriormente contactados,
verificou-se uma maior insistência junto dos árabes, tendo sido visados a
República Árabe Unida, a Líbia, a Síria, o Líbano e a Arábia Saudita, aos quais
se solicitou a abstenção em contrapartida ao apoio português na questão do
Médio Oriente (Tíscar Santiago, 2013: 226). Tendo sido encontradas reações
não muito favoráveis aos argumentos portugueses, antes da votação o Malawi,
cujas relações com Portugal tinham sido reforçadas com uma visita de Hastin-
gs Banda a Moçambique, considerou que o texto não teria qualquer influência
sobre a situação nas colónias portuguesas60. De modo semelhante, a Colômbia
formulou reservas direcionadas ao parágrafo sobre a participação dos movi-
mentos de libertação na CEA61.
Com os autores a rejeitarem as reservas, o texto foi aprovado pela resolução
2795 (XXVI), de 10 de dezembro62. A distribuição dos votos consistiu em 105
a favor, 8 contra e 5 abstenções, sendo de assinalar, em relação à IV Comissão,
que a França e a Costa Rica passaram a votar contra, enquanto El Salvador
optou por se abster63. Se tivermos em consideração o resultado da XXV AG
notou-se, como de resto ocorrera na IV Comissão, uma alteração, evidenciada
no aumento dos votos favoráveis e na redução das abstenções. Estiveram
ausentes 14 países, a saber: Butão, Bolívia, China, Guiné, Líbano, Luxembur-
go, Maldivas, Malta, Maurícias, Paraguai, Serra Leoa, Suazilândia, Tailândia
e Emirados Árabes Unidos64. As ausências que Portugal entendeu como tra-
duzindo a intenção de corresponder às suas diligências foram as do Líbano,

58
  Nations Unies – A/C.4/SR 1961. Quatrième Commission, 1961e Séance… p. 259-261.
59
 Vide os telegramas em AHD, Fundo POI, Mç. 550.
60
  Nations Unies – A/PV. 2012. Assemblée Générale. Vingt-Sixième Session. 2012e Séance Plénière.
Vendredi 10 Décembre 1971, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1971. p. 2-3.
61
 Idem. p. 3.
62
 Idem. p. 3-4.
63
 Idem. p. 4.
64
  AHD, Fundo POI, Mç. 550, Processo POI 6.0, Ano de 1971, Vol. IV, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 16 de Dezembro de 1971, p. 1.
258  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Suazilândia e Finlândia65. No caso da China, cuja representação na ONU fora


atribuída a Pequim em detrimento de Taiwan, o país não participou em
nenhuma votação, ao passo que Luxemburgo voltou a ficar retido numa outra
reunião66. Com as restantes ausências, designadamente as da Guiné e da Serra
Leoa, a carecerem de explicação, somente a Bélgica e as Honduras formularam
reservas à resolução, visando novamente a participação dos movimentos de
libertação na CEA e a questão da assistência às populações67.
Algumas das questões suscitadas nas reservas estiveram de igual modo em des-
taque nos debates sobre temas específicos realizados em paralelo ao estudo da
situação nas colónias portuguesas. Com a exceção do programa de ensino e
formação para a África Austral, as restantes questões foram objeto de controvér-
sia, o que teve reflexos nas votações das resoluções (ocorrida a 20 de dezembro).
O texto relativo ao apoio ao ensino e à formação foi aprovado pela resolução
2875 (XXVI), por 121:2:0. Em termos mais firmes do que a decisão preceden-
te, exprimiu-se a convicção de que o programa não somente deveria continuar
como ser alargado68. No referente aos investimentos estrangeiros, que se consi-
derou que foram intensificados e que continuavam a constituir um obstáculo à
independência, a resolução 2873 (XXVI) foi sancionada por 103:8:13. O do-
cumento utilizou uma linguagem afirmativa, voltando a condenar os projetos
de Cabora Bassa e do rio Cunene, sendo que a conduta dos governos que não
impediram que os seus cidadãos e empresas participassem nos empreendimen-
tos foi igualmente objeto de reprovação69. A decisão sobre a aplicação da Decla-
ração pelas agências especializadas e instituições internacionais, adotada por
93:4:27, pela resolução 2874 (XXVI), foi concebida em termos muito seme-
lhantes à do ano anterior, prevendo-se no entanto a possibilidade de, em con-
sulta com a OUA, os movimentos de libertação poderem participar em confe-
rências, seminários e reuniões regionais organizadas por essas entidades70.
Dado que a resolução 2795 (XXVI) reafirmou a interpretação da ideia de
autodeterminação estabelecida na Declaração e que a fórmula controversa que

65
  AHD, Fundo POI, Mç. 550, Processo POI 6.0, Ano de 1971, Vol. IV, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 10 de Dezembro de 1971, p. 1.
66
 Ibidem.
67
 Nations Unies – A/PV. 2012. Assemblée Générale. Vingt-Sixième Session. 2012e Séance…
p. 4-5.
68
  United Nations. Resolution 2875 (XXVI), 20 December 1971. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
69
  United Nations. Resolution 2873 (XXVI), 20 December 1971. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
70
  United Nations. Resolution 2874 (XXVI), 20 December 1971. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  259

legitimava a luta por “todos os meios à disposição” fora evitada, a intenção da


XXVI AG parece ter sido a de relembrar princípios, evitando ferir suscetibili-
dades. Ainda assim, decorrente das decisões sobre a questão colonial portu-
guesa, a prática das NU relativa à ideia de autodeterminação conduziu ao
empowerment dos movimentos de libertação, conferindo-lhes, mesmo que de
forma limitada, uma personalidade legal a nível internacional (Freudenschuss,
1982: 121-122). O facto de ter sido retirado a Portugal a possibilidade de
participar em nome de Angola, Moçambique e Guiné (Bissau) na CEA, per-
mite-nos inferir que, por via do direito à autodeterminação, os territórios
colonizados podiam ser admitidos nas organizações internacionais antes de
alcançarem a condição de independentes. Na decisão esteve implícito o reco-
nhecimento dos movimentos de libertação e da sua capacidade para represen-
tar os interesses das populações (Freudenschuss, 1982: 122).
Os movimentos de libertação ilegíveis foram porém unicamente os que obti-
veram o reconhecimento da OUA, ou seja, a FNLA, o MPLA, a FRELIMO
e o PAIGC. Da lista de representantes aprovada constavam os nomes de Hol-
den Roberto, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos e Amílcar Cabral, o que
permite afirmar que houve uma ratificação do reconhecimento atribuído
pela OUA71. Neste sentido, no momento de associar de forma mais estreita
os movimentos de libertação às suas atividades, as NU tentaram revestir a sua
decisão da maior legitimidade possível, recorrendo à organização regional
(Silva, 1997: 360-361). Convém relembrar que a OUA fundamentava o seu
reconhecimento em determinados critérios, designadamente no carácter efe-
tivo e eficaz da luta contra o governo português, o que implicava o envolvi-
mento em ações armadas (Walraven, 1999). Embora nada fosse dito a esse
respeito, com a admissão dos seus representantes na CEA, provavelmente
começou a desenhar-se a preferência para que a FNLA, o MPLA, a FRELI-
MO e o PAIGC assumissem no futuro os governos das colónias portuguesas
após a independência.
Mesmo que tivessem existido discordâncias, com as resoluções da XXVI AG a
ideia de autodeterminação permitiu que os movimentos de libertação pudes-
sem passar a influenciar as decisões das entidades pertencentes ao sistema das
NU. Essa situação foi facilitada pela possibilidade da participação dos movi-
mentos de libertação em conferências, seminários e reuniões regionais das
agências especializadas e de instituições internacionais. De igual modo, na
resolução 2878 (XXVI), de 20 de dezembro, sobre a aplicação da Declaração,
a AG sancionou a proposta do Comité de Descolonização para que fossem

  United Nations. Resolution 2795 (XXVI), 10 December 1971. Disponível em <URL:http://


71

www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.


260  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

adotadas medidas que permitissem aos representantes dos movimentos de liber-


tação da África Austral participar, sempre que necessário e Na Qualidade que
Convinha, nas deliberações relativas às questões que lhes interessavam72. Por se
prever em ambas as situações a realização de consultas com a OUA, a participa-
ção dos movimentos de libertação das colónias portuguesas continuou a abarcar
somente os que obtiveram o reconhecimento da organização regional.
Pela importância assumida para a prática das NU quanto à ideia de autodeter-
minação, a última decisão merece uma atenção particular, pois subjacente à
expressão Na Qualidade que Convinha esteve a atribuição do estatuto de
observador, que conferia a possibilidade de participação nos procedimentos da
AG, embora sem direito a voto, de receber documentos oficiais, de usufruir de
imunidade e de obter assistência financeira (Conforti e Focarelli, 2010: 33).
Inicialmente, o estatuto teve como destinatário países que não eram membros
das NU e organizações internacionais, mas, pelas necessidades decorrentes da
aplicação da ideia de autodeterminação, acabou por ser estendido aos movi-
mentos de libertação. Em virtude do estatuto, por alguns considerado como
equivalente à obtenção da condição de quasi-governo, a FNLA, o MPLA, a
FRELIMO e o PAIGC passaram a ter a hipótese de expandir os seus contactos
internacionais e de reforçar as suas demandas, através da realização de declara-
ções, do exercício do direito de resposta, da apresentação de propostas ou
da distribuição de documentos (Peterson, 1990: 171; Freudenschuss, 1982:
123-124). Na prática, o estatuto de observador representou a superação da
condição de peticionário, que com a afirmação do direito de petição fora atri-
buído às organizações anticoloniais.

A Título Individual
Tendo assumido uma importância singular no debate sobre a política colonial
portuguesa, a XXVI AG adotou ainda outras decisões com implicações signi-
ficativas para Portugal. Numa das suas sessões (em junho de 1971), a OUA
solicitara a realização de uma reunião especial do CS em África para discutir
medidas para a implementação das resoluções da ONU sobre questões relati-
vas ao continente africano, em particular à descolonização73. Com a formali-
zação do convite, a AG entendeu analisar a questão no plenário, o que susci-
tou a inquietação da missão portuguesa74. Embora Portugal tivesse solicitado

72
  United Nations. Resolution 2878 (XXVI), 20 December 1971. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
73
  AHD, Fundo POI, Mç. 609, Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. I, Circular POI-4 do
MNE, de 24 de Janeiro de 1972, p. 1.
74
  A este respeito vide os telegramas em AHD, Fundo POI, Mç. 609.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  261

a alguns países a oposição à inscrição da questão na agenda, a AG decidiu (em


dezembro de 1971) chamar a atenção do Conselho para o pedido. Sem obje-
ções, o CS aceitou o convite da OUA, entendendo criar um comité para exa-
minar a questão e elaborar princípios que pudessem ser aplicados a situações
semelhantes no futuro75.
Dos trabalhos do comité resultou a recomendação para a realização de ses-
sões em Addis Abeba, de 28 de janeiro a 4 de fevereiro de 1972, e para o esta-
belecimento de um subcomité para examinar os pedidos de audição76. A esco-
lha do local e da data das sessões teve vantagens para os países africanos, uma
vez que Addis Abeba era a sede da OUA e da CEA, ao passo que nos meses de
janeiro e fevereiro a presidência do Conselho seria assegurada pela Somália e
o Sudão77. Aprovadas as recomendações sem objeções, foi a primeira vez que
o CS realizou sessões fora da sede das NU e analisou vários itens em simul-
tâneo, o que Portugal entendeu ser ilegítimo78. A ausência de precedentes
não significou porém a ilegalidade da ação do Conselho e, como acabou por
ser reconhecido num apontamento elaborado pelo MNE, a argumentação
portuguesa não tinha a solidez necessária para permitir a impugnação da
reunião79.
O CS realizou 13 sessões em África, tendo a questão da Rodésia, onde as ati-
vidades da guerrilha estavam em vias de intensificar-se, concentrando grande
parte das atenções80. Relativamente às colónias portuguesas, a discussão não
teve paralelo com a última sessão na qual o Conselho analisara a questão, que
recorde-se tivera lugar em 1965. Com efeito, a linguagem empregue em Addis
Abeba foi moderada, com a postura mais ativa a ser assumida pelos Camarões,
República Unida da Tanzânia, Senegal, Congo, Zaire e Índia, que ressaltaram
a aplicação lenta das decisões do Conselho e a continuação das agressões por-
tuguesas contra países africanos81. De acordo com os afro-asiáticos, a única

75
  Nations Unies – A/8702. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 100.
76
 Idem. p. 101.
77
  AHD, Fundo POI, Mç. 609, Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. I, Circular POI-4 do
MNE, de 24 de Janeiro de 1972, p. 3.
78
  AHD, Fundo POI, Mç. 609, Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 20 de Janeiro de 1972, p. 1.
79
  AHD, Fundo POI, Mç. 609, Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. II, Apontamento Elabo-
rado pelo MNE, de 3 de Fevereiro de 1972, p. 1-6.
80
  AHD, Fundo POI, Mç. 609, Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 8 de Fevereiro de 1972, p. 1.
81
  Portugal atribuiu a moderação à circunstância dos países africanos considerarem que, contra-
riamente à África do Sul, ainda era possível haver um entendimento com o governo português.
Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 609, Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. III, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 11 de Fevereiro de 1972, p. 1-2.
262  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

saída possível para o governo português consistia em reconhecer os movimen-


tos de libertação e negociar a transferência dos poderes. Ao Conselho solicita-
ram que redobrasse os esforços para remediar a situação, havendo a expectati-
va de que apoiasse os movimentos de libertação, designadamente com a
criação de um fundo especial, e declarasse imediatamente as colónias portu-
guesas como independentes82. Entenderam ainda que o CS deveria adotar
medidas adequadas para eliminar a dominação colonial portuguesa, conside-
rando a hipótese de aplicar sanções e de propor ações para evitar o forneci-
mento de armamento, nomeadamente pela NATO, a Portugal83.
Os restantes países que se destacaram na discussão foram a Bélgica e a França,
tendo o primeiro se limitado a fazer uma declaração quanto à autodetermina-
ção e à necessidade do respeito pela soberania dos estados africanos84. A Fran-
ça, que prosseguia a assistência militar a Portugal, criticou as resoluções ado-
tadas pelas NU, indicando que deveriam ter por base os Capítulos XI e XII da
Carta (Lala, 2007: 252-253)85. Com os EUA, Reino Unido, Itália, URSS,
China, Argentina, Panamá e Japão a primarem pela descrição, de acordo com
o Art.º 39.º do regulamento interno, o CS convidou Amílcar Cabral, Pascal
Luvualu, Marcelino dos Santos, Johnny Eduardo e Abdul Minty a participar
na discussão86. Como a Itália suscitara objeções, as audições foram concedidas
A Título Individual e não na qualidade de representantes de qualquer organi-
zação (Matos, 2010: 182)87. Portugal, que não enviara nenhum representante
a Addis Abeba, diligenciou para que os EUA, Reino Unido, França, Argenti-
na, Panamá, Bélgica, Itália e Japão contrariassem a realização dos depoimen-
tos88. Ao que tudo indica, apesar das promessas, não houve a intenção de
impedir as audições, dada a existência de precedentes em que o Conselho
concedera audiências a título individual89.

82
  Nations Unies – A/8702. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 104-105.
83
 Ibidem.
84
 Idem. p. 111-112.
85
 Idem. p. 113.
86
 Idem. p. 109.
87
  AHD, Fundo POI, Mç. 609, Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da Embai-
xada de Portugal em Paris para o MNE, de 2 de Fevereiro de 1972, p. 1-2.
88
  AHD, Fundo POI, Mç. 609, Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama do MNE
para as Embaixadas de Portugal em Washington, Londres, Paris, Bruxelas, Roma e Tóquio, de 28 de
Janeiro de 1972, p. 1.
89
  Os únicos que parecem ter pretendido opor-se às audições foram a Bélgica e a Argentina,
enquanto os restantes membros do Conselho sentiram-se constrangidos pelas relações que ti-
nham com os países africanos. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 609, Processo POI 6.0, Ano de
1972, Vol. III, Telegrama da Embaixada de Portugal em Bruxelas para o MNE, de 14 de Fevereiro
de 1972, p. 1.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  263

Na prática, a realização dos depoimentos a título individual teve unicamente


uma importância processual, uma vez que os peticionários atuaram em repre-
sentação das suas organizações. O depoimento que mais se evidenciou foi o de
Amílcar Cabral, confirmando deste modo a prominência que o PAIGC e o
seu líder vinham adquirindo nas NU. Cabral demonstrou uma grande habili-
dade, adotando um tom moderado e propondo o diálogo ao governo portu-
guês90. Renovando o convite para o envio de uma missão às áreas libertadas,
solicitou o reconhecimento do PAIGC como único representante das popula-
ções e suscitou, pela primeira vez, a questão da admissão da Guiné (Bissau) na
Organização91. Pascal Luvualu, como de resto os demais intervenientes, não se
afastaram das afirmações que se tinham tornado na marca identitária da par-
ticipação dos movimentos de libertação nas NU. Os apoios da NATO a Por-
tugal e o facto do MPLA ser o autêntico representante do povo angolano fo-
ram alguns dos temas realçados92. Marcelino dos Santos, por sua vez, destacou
as conquistas territoriais que a FRELIMO teria alcançado, indicando que as
suas forças estavam nas proximidades de Cabora Bassa93. Johnny Eduardo, em
nome da FNLA, transmitiu que Angola atravessava um período de grande
inquietação e violência, propondo que o CS ajudasse as colónias portuguesas
a se libertarem94. Abdul Minty, que afirmou exprimir as opiniões do Movi-
mento Anti-Apartheid e do Fundo Internacional de Ajuda e Defesa, acusou os
países ocidentais de bloquearem os esforços do CS e pediu o estabelecimento
de um comité para estudar os itens relativos ao continente africano95.
Com a presença dos peticionários a colocar a questão colonial portuguesa no
centro das atenções, o debate foi retomado com a apresentação pela Guiné,
Somália e Sudão de um projeto de resolução. Inúmeras pressões tinham sido
exercidas sobre os redatores, com países como os EUA, cujas relações com
Portugal estavam numa fase de grande proximidade, e a França a tentarem
atenuar a linguagem utilizada (Schneidman, 2005: 182). A proposta submeti-
da à discussão acabou por ser penalizadora para Portugal, no sentido em que
integrava disposições que não estavam presentes nas anteriores decisões do
Conselho. No documento constavam referências às audições de Amílcar
Cabral, Pascal Luvualu, Marcelino dos Santos e Johnny Eduardo, identifica-
dos como representantes dos movimentos de libertação da Guiné (Bissau),

90
  Nations Unies – A/8702. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 110.
91
 Ibidem.
92
 Ibidem.
93
 Ibidem.
94
 Idem. p. 111.
95
 Ibidem.
264  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Angola e Moçambique96. O projeto referiu-se quase exclusivamente aos terri-


tórios onde decorria a luta armada, pretendendo-se que o Conselho exprimis-
se uma grave preocupação pela continuação das medidas de repressão contra
as populações africanas97.
Numa formulação diferente da adotada em outras decisões, foi entendido que
se deplorasse o falhanço do governo português na implementação das resolu-
ções do CS, que foram consideradas como os únicos meios para uma solução
pacífica, de acordo com a Carta98. Do mesmo modo, entendeu-se sugerir que
se lamentasse as políticas e ações dos estados, que desrespeitando os repetidos
apelos das NU, continuavam a conceder a Portugal assistência militar e de
outro tipo, utilizada nas políticas repressivas contra as populações. Os autores
do projeto de resolução aproveitaram igualmente a oportunidade para tentar
que o Conselho demonstrasse uma séria preocupação pelas repetidas viola-
ções por Portugal da soberania e integridade territorial dos estados africa-
nos99. Sendo uma questão anteriormente abordada na AG, foi proposto que
se evidenciasse também uma profunda preocupação pelo repetido uso por
Portugal de substâncias químicas na guerra colonial. Procurando atender aos
pedidos dos movimentos de libertação, ficou previsto que fossem reconheci-
dos como as vozes autênticas das populações africanas de Angola, Moçambi-
que e Guiné (Bissau)100. Em reforço a esse reconhecimento, houve a intenção
de exprimir satisfação pelos progressos em direção à independência e à liber-
dade que alcançaram, tanto na luta como por intermédio de programas de
reconstrução101.
Os restantes parágrafos do projeto destinaram-se a que se reafirmasse o direito
inalienável dos povos de Angola, Moçambique e Guiné (Bissau) à autodeter-
minação e à independência, reconhecendo-se a legitimidade da sua luta102. De
notar que o texto não apresentou referências ao programa de ação para a im-
plementação da Declaração, propondo unicamente a condenação da recusa
persistente do governo português em aplicar a resolução 1514 (XV) e as deci-
sões do CS. Esta omissão significou que os autores não tentaram, como ocor-
rera com a resolução 1514 (XV), que o Conselho sancionasse a decisão da
Assembleia quanto à implementação da Declaração. O elemento de radicalis-

96
  United Nations – Document S/10607. Guinée, Somalie et Soudan: Project de Resolution. s.l.:
s.n., 1972. p. 1.
97
 Ibidem.
98
 Ibidem.
99
 Ibidem.
100
 Ibidem.
101
 Ibidem.
102
 Ibidem.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  265

mo foi introduzido pela proposta para que se reafirmasse que a política portu-
guesa, tanto nas colónias como em relação aos países africanos, perturbava
gravemente a paz e a segurança internacionais103. Foi igualmente apresentada
uma disposição para reiterar o pedido urgente ao governo português para
implementar o programa de descolonização elaborado pelas NU104. Embora o
programa fosse reproduzido na íntegra, uma das alíneas apresentou uma reda-
ção diferente, demonstrativa da mutação que a análise da questão colonial
portuguesa sofrera. Com efeito, inicialmente na disposição tendente a que
Portugal iniciasse negociações foi indicado que os interlocutores deveriam ser
os representantes dos partidos políticos existentes no interior e no exterior das
colónias. Na redação constante do projeto de resolução referiu-se que as nego-
ciações deveriam ser conduzidas com os representantes das populações, o que
remetia claramente para os movimentos de libertação105.
Nas suas demais disposições, o projeto integrou um conjunto de solicitações e
convites dirigidos a Portugal, aos estados membros e às agências especializadas
e outras organizações internacionais. Ao governo português pretendeu-se soli-
citar que renunciasse à violação da soberania e da integridade dos países afri-
canos. Relativamente aos estados membros a intenção foi a de apelar para que
cessassem de fornecer a Portugal toda a assistência que lhe permitisse prosse-
guir a repressão contra os povos das suas colónias e que adotassem medidas
para impedir a venda ou o fornecimento de armas e equipamentos militares
usados para esse efeito106. De assinalar ainda a presença de um parágrafo que
convidava aos estados, às agências especializadas e a outras organizações para
que concedessem, em conjunto com a OUA, assistência às populações das
colónias portuguesas, em particular às das áreas libertadas107. Apesar de se ter
tornado recorrente nas resoluções da AG, foi a primeira vez que a disposição
foi integrada numa proposta do CS, significando a intenção de reconhecer
implicitamente a existência das áreas libertadas108. Nos arranjos finais do pro-
jeto de resolução constavam o convite aos estados para empreenderem ações
para que o governo português respeitasse a decisão do CS e a solicitação ao SG
para elaborar um relatório sobre a situação nas colónias portuguesas109.
Conforme se tornara comum em relação às decisões da AG, o projeto de reso-
lução foi objeto de consultas antes da votação. Como os ocidentais e a Argen-

103
 Ibidem.
104
 Ibidem.
105
 Ibidem.
106
 Ibidem.
107
 Ibidem.
108
 Ibidem.
109
 Ibidem.
266  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

tina manifestaram a intenção de votar contra, foi aceite uma emenda do Ja-
pão, cujo comportamento fora determinado pelos interesses do país em relação
aos recursos naturais do continente africano e pelos receios de retaliações afro-
-asiáticas110. Além da proposta japonesa, os autores, que passaram a ser unica-
mente a Guiné e o Sudão devido à desistência da Somália, entenderam tam-
bém introduzir modificações, que contribuíram de certa forma para a
descaracterização do projeto. Optando por uma fórmula mais vaga deixaram
de mencionar os nomes de Amílcar Cabral, Pascal Luvualu, Marcelino dos
Santos e Johnny Eduardo, referindo unicamente que foram ouvidas as decla-
rações dos indivíduos convidados a depor no Conselho111. Foram igualmente
excluídas as afirmações segundo as quais as decisões do CS constituíam o úni-
co meio para uma solução pacífica da questão e que alguns estados membros
desrespeitaram os apelos para a cessação da assistência militar a Portugal.
O reconhecimento dos movimentos de libertação enquanto vozes autênticas
dos povos africanos de Angola, Moçambique e Guiné (Bissau), bem como a
demonstração de satisfação pelos progressos que tinham alcançado, também
não encontraram espaço na versão revista. Outras alterações foram registadas
ao nível das medidas propostas através do programa de descolonização, onde
foi introduzida a emenda japonesa, com a qual pretendeu-se solicitar a retira-
da somente das forças militares que naquele momento estivessem a ser utiliza-
das em atos de repressão112. Entre as demais modificações assinala-se o facto
do projeto de resolução ter deixado de solicitar a realização de negociações
com os representantes das populações e de não mais referir que devia-se
proceder à concessão imediata da independência. Do mesmo modo, foram
excluídos os convites para a atribuição de assistência às populações e para que
os estados membros adotassem medidas para que o governo português se con-
formasse com a decisão do Conselho.
Em consequência das alterações, o projeto tornou-se na resolução 312 (1972),
de 4 de fevereiro, que foi aprovada com 9 votos favoráveis e 6 abstenções
(Argentina, Bélgica, EUA, França, Itália e Reino Unido)113. Apesar de terem
corrido o risco de desagradar os países africanos, algumas das abstenções tra-
duziram a intensificação das relações, como nos casos dos EUA, do Reino
Unido ou da Itália, com o governo português (Oliveira, 2007: 384-386;
Matos, 2010: 182). Portugal atribuiu ao Japão, por ter apresentado as emen-

110
  AHD, Fundo POI, Mç. 610, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. VI, Telegrama da Embai-
xada de Portugal em Tóquio para o MNE, de 24 de Março de 1972, p. 1-3.
111
  Nations Unies – A/8702. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Sécurité… p. 119.
112
 Ibidem.
113
 Idem. p. 120.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  267

das, e ao Panamá, pelo voto favorável, a responsabilidade pela aprovação do


projeto de resolução114. O Japão desculpou-se com a dificuldade em definir
uma posição face aos ataques contra Portugal, enquanto o Panamá terá sido
condicionado pelo diferendo com os EUA sobre a zona do canal, que conside-
rava como um enclave colonial, pelo que tinha uma posição de apoio às reso-
luções que solicitavam a supressão do colonialismo115.
Apesar de Portugal entender que a resolução não continha novidades, da ses-
são em Addis Abeba resultou a consolidação da preferência para que a imple-
mentação da ideia de autodeterminação se sobrepusesse à proibição do uso da
força nas relações internacionais. A resolução 312 (1972) reconheceu em dois
momentos a legitimidade da luta pela autodeterminação e independência
empreendida pelos movimentos de libertação e pelas populações. Nunca antes
nas decisões sobre as colónias portuguesas o CS efetuara esse reconhecimento,
que significou a legalização da luta armada como método para se alcançar a
autodeterminação. De igual modo, consolidou-se a tendência para atribuir
um reconhecimento cada vez maior aos movimentos de libertação. Para efei-
tos do desenvolvimento da ideia de autodeterminação, com a presença dos
representantes dos movimentos na reunião, foi claramente reforçada a atribui-
ção da qualidade de sujeito de direito internacional. Por outro lado, voltou-se
a evidenciar o favoritismo em relação à FNLA, ao MPLA, à FRELIMO e ao
PAIGC, fruto do envolvimento na luta armada e do reconhecimento atribuí-
do pela OUA.

O Único e Autêntico Representante


Ao perspectivarem os trabalhos da XXVII AG, os representantes portugueses
entenderam que o país encontraria dificuldades adicionais em virtude do endu-
recimento dos afro-asiáticos116. Com efeito, no início das suas atividades o
Comité de Descolonização retirou Macau, por considerar que pertencia à Chi-

114
  AHD, Fundo POI, Mç. 609, Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 8 de Fevereiro de 1972, p. 1; AHD, Fundo POI, Mç. 609,
Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. III, Telegrama da Missão de Portugal na ONU para o MNE,
de 11 de Fevereiro de 1972, p. 1-2.
115
  Como Portugal não tinha representação no país e a próxima reunião do CS fora da sede
seria no Panamá, o MNE encarregou o embaixador na Costa Rica de apresentar credenciais e
criar um círculo de amizades, de forma a que pudesse realizar diligências quando necessário. Cf.
AHD, Fundo POI, Mç. 610, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. VI, Telegrama do MNE para
a Embaixada de Portugal na Costa Rica, de 14 de Março de 1972, p. 1.
116
  Um motivo de preocupação particular foi a possibilidade dos movimentos de libertação
estarem presentes como observadores nos órgãos das NU. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 604,
Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. II, Circular POI-11 do MNE, de 5 de Setembro de 1972,
p. 1-2.
268  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

na, da lista de territórios não autónomos (Santos, 2009a: 79). No seguimento


da decisão tomada na anterior sessão, o Comité enviou uma missão de visita à
Guiné (Bissau)117. Com base nas informações recolhidas (entre 2 e 8 de abril de
1972), a missão concluiu que o exército português causava destruições de vidas
humanas e de bens materiais, com o bombardeamento de aldeias e o uso de
napalm (Santos, 2009a: 81). Relativamente ao PAIGC, foi referido que exercia
um controlo administrativo de facto sobre importantes regiões, contando com
o apoio das populações, cujos interesses protegia de forma eficaz (Santos, 2009a:
81-82). Foi realçada a criação pelo movimento de instituições administrativas,
políticas e jurídicas, nomeadamente em locais onde o aparelho colonial estava
ausente (Santos, 2009a: 82). Servindo em grande medida para comprovar as
reivindicações do PAIGC, a missão recomendou que fosse reconhecido como
único e legítimo representante do território (Santos, 2009a: 82).
Pouco depois da realização da visita, o governo português nomeou António
Patrício como representante permanente na ONU, o que nos leva a especular
que terá sido a necessidade de contrariar os efeitos da iniciativa do Comité de
Descolonização a ditar a revalorização da Missão Permanente118. Portugal
demonstrou uma grande preocupação em denunciar a ação do Comité, reali-
zando nomeadamente convites ao SG para o envio de uma delegação do
Secretariado para comprovar a inexistência das áreas libertadas119. As conclu-
sões da missão de visita estiveram em grande destaque nas sessões do Comité,
sendo retomadas (em 13 de abril) numa resolução sobre a situação na Guiné
(Bissau) e Cabo Verde, na qual, considerando-se como provado que o PAIGC
controlava efetivamente as áreas libertadas, procedeu-se ao reconhecimento
do movimento como o representante único e autêntico de ambos territórios
(Santos, 2009a: 84). Na resolução (de 20 de abril) sobre o conjunto das coló-
nias portuguesas foi demonstrada satisfação pelos progressos alcançados pelos
movimentos de libertação em Angola, Moçambique e Guiné (Bissau) e Cabo
Verde, insistindo-se na necessidade de ajudar os povos desses territórios e de
serem realizadas consultas para a organização de mais missões de visita (San-
tos, 2009a: 84-85).
Provavelmente as decisões do Comité de Descolonização motivaram em parte
a presença de Rui Patrício no debate geral da AG, o que foi uma novidade,

117
  Para mais detalhes sobre a missão, designadamente sobre os seus membros, vide Santos,
2009a.
118
  UNARMS, S-0904-0064-06, Archives of Secretary-General Kurt Waldheim, Portugal, 15
March 1972-29 November 1973, Pres Release BIO/911, M/1933, de 15 de Março de 1972, p. 1.
119
  AHD, Fundo POI, Mç. 593, Processo POI 4.2 (Ult), Ano de 1972, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 18 de Abril de 1972, p. 1.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  269

uma vez que durante muitos anos Portugal evitara participar na discussão
(Xavier, 2010: 159)120. Rui Patrício reafirmou os elementos principais da
argumentação portuguesa, respondeu a acusações, ressaltou os acontecimen-
tos verificados nas colónias a nível político, defendeu as ações de Portugal em
diversas áreas, negou que os movimentos de libertação representassem as
populações, qualificou a existência de áreas libertadas como um mito e infor-
mou sobre o interesse em dialogar com os países africanos121. Além da inter-
venção no plenário, Rui Patrício realizou uma visita ao SG, que propôs que a
Missão Portuguesa entrasse em contacto com o Secretariado para a discussão
de questões e propostas que Portugal gostaria que fossem analisadas122. Decor-
rente da sugestão, verificou-se um maior recurso por Portugal a encontros
com funcionários do Secretariado para complementar a sua atuação nas NU.
Como se tornara recorrente, no período entre as sessões do Comité de Desco-
lonização e as da IV Comissão teve lugar no CS a análise de uma queixa contra
Portugal por violação da integridade territorial de um Estado africano. Apre-
sentada pelo Senegal, a queixa fora motivada pela incursão de uma unidade do
exército português em território senegalês, resultando na adoção da resolução
321 (1971), de 23 de outubro123. O documento apresentou semelhanças com
a decisão anterior do Conselho sobre incidentes fronteiriços, voltando-se a
condenar a conduta do governo português e a solicitar a cessação imediata dos
atos de agressão. Mas, diferentemente da resolução 302 (1971), o texto teve
um âmbito mais alargado, referindo-se à integridade territorial de todos os
países com fronteiras com as colónias portuguesas124. Do mesmo modo, o
documento recaiu no âmbito da resolução 1514 (XV), cuja aplicação foi soli-
citada como forma de eliminar as causas de tensão na região.
Aquando do início da discussão na IV Comissão foi decidido analisar de for-
ma separada os itens relativos à África Austral, o que talvez se poderá atribuir
ao desejo de maximizar os resultados da missão de visita à Guiné (Bissau)125.

120
  Outras interpretações afirmam que a deslocação de Rui Patrício a Nova Iorque terá sido um
teste ao impacto internacional da revisão constitucional que atribuira a Angola e a Moçambique
a designação de estados. Cf. Reis, 2014: 202.
121
 United Nations – A/PV. 2048. General Assembly. Twenty-Seventh Session. 2048th Plenary
Meeting. Monday, 2 October 1972, at 10.30 a.m. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 1-7.
122
  UNARMS, S-0904-0064-06, Archives of Secretary-General Kurt Waldheim, Portugal, 15
March 1972-29 November 1973, Nota de 6 de Outubro de 1972, p. 1.
123
  Nations Unies – A/9002. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Securité a l’Assemblée
Générale. 16 Juin 1972-15 Juin 1973. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 81.
124
  United Nations. Resolution 321 (1972), 23 October 1972. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
125
  United Nations – A/8889. 13 November 1972. Question of Territories under Portuguese Admi-
nistration. Report of the Fourth Committee. s.l.: s.n., s.d. p. 1.
270  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Numa carta à Comissão, o presidente do Comité de Descolonização propôs


que, em consulta com a OUA, os representantes dos movimentos de liberta-
ção fossem convidados a participar na discussão, na qualidade de observado-
res126. Considerando a sugestão como uma violação da Carta, afetando o direi-
to exclusivo dos estados representarem os seus territórios, Portugal solicitou
um parecer do Conselheiro Jurídico das NU e tentou que os ocidentais, os
latino-americanos e alguns africanos se opusessem à iniciativa127. Tendo havi-
do um longo debate, a Irlanda apoiou o pedido de parecer jurídico, para se
precisar a utilização do termo “na qualidade de observadores”128. Após a reali-
zação de consultas entre os latino-americanos, a Colômbia comunicou que o
grupo aceitava a proposta do Comité de Descolonização, mas que gostaria
que ficasse estabelecido que os movimentos de libertação visados eram os que
estavam “comprometidos no processo de descolonização dos seus países”129.
Destinando-se a contrariar eventuais pretensões de grupos armados na Améri-
ca Latina, a ressalva da Colômbia foi aceite, verificando-se a rejeição do pedi-
do da Irlanda130. A proposta do presidente do Comité de Descolonização, na
versão revista, foi aprovada por 79:13:16, registando-se um elevado número
de ausências na votação131. O resultado motivou o desagrado dos países oci-
dentais, que reagiram contra a recusa do parecer jurídico, e contestaram que a
atribuição do estatuto de observador pudesse contribuir para o aumento da
eficácia da Comissão132. Decorrente das consultas com a OUA, a IV Comissão
convidou os representantes do PAIGC e da FRELIMO a se apresentarem
como observadores133. Dada a ausência em Nova Iorque de representantes dos
movimentos angolanos reconhecidos pela OUA, não existiram observadores
quanto a Angola, onde a FNLA e o MPLA estavam a equacionar formas de
cooperação, enquanto a UNITA prosseguia a aliança iniciada anteriormente
com Portugal (Antunes, 1996: 62).

126
 Idem. p. 1-2.
127
  A respeito das diligências vide AHD, Fundo POI, Mç. 607.
128
 Nations Unies – A/C.4/SR 1975. Quatrième Commission, 1975e Séance. Mercredi 27
Septembre 1972, à 10h50. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 10.
129
 Idem. p. 64.
130
  De acordo com informações recolhidas por Portugal, alguns países chegaram a equacionar a
hipótese de proporem a atribuição de um outro estatuto, que não o de observadores, aos
movimentos de libertação. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 607, Processo POI 6, Ano de 1972, Te-
legrama da Embaixada de Portugal em Copenhaga para o MNE, de 27 de Setembro de 1972, p. 1.
131
  Nations Unies – A/C.4/SR 1975. Quatrième Commission, 1975e Séance… p. 15.
132
  Nations Unies – A/C.4/SR 1976. Quatrième Commission, 1976e Séance. Lundi 2 Octobre
1972, à 15h15. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 17-20.
133
 Idem. p. 22.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  271

Em consequência da presença dos observadores e dos resultados da missão de


vista à Guiné (Bissau), na discussão (entre 2 de outubro e 13 de novembro)
foi evidente a intensificação dos ataques à política colonial portuguesa. Um
número assinalável de delegações inscreveu-se para intervir no debate, desta-
cando-se os afro-asiáticos, os socialistas, os latino-americanos e alguns países
alinhados com o ocidente, como os nórdicos, o Canadá e a Austrália134. Os
que mais se destacaram pela agressividade foram a China, Indonésia, Jugoslá-
via, URSS, Zâmbia, República Unida da Tanzânia, Cuba, Senegal, Argélia,
Tunísia ou Guiné135. Bastante ambíguas foram as afirmações de Marrocos,
Madagáscar ou Costa do Marfim, com este último a indicar que a proposta
portuguesa para o envio de um representante às colónias deveria ser atenta-
mente analisada136. Os nórdicos continuaram a manifestar apoio à autodeter-
minação e à independência das colónias portuguesas, sem contudo deixarem
de apelar à análise cuidada dos meios a adotar contra Portugal137.
A política colonial portuguesa voltou a ser entendida por alguns países segundo
a perspectiva da ameaça à paz e à segurança internacionais, desvalorizando-se as
declarações de Rui Patrício, as ofertas de diálogo ou as medidas que teriam sido
implementadas por Portugal138. Foi atribuída uma grande ênfase às áreas liber-
tadas, com o termo a passar a ter uso corrente, e às conclusões da missão de
visita à Guiné (Bissau)139. A maioria dos intervenientes saudou a realização da
visita, subscrevendo as suas conclusões e recomendações, considerando que o
PAIGC, como de resto os movimentos de libertação de Angola e Moçambique,
controlava uma parte substancial do território onde operava140. Demonstrou-se

134
  Portugal tentou influenciar o comportamento de alguns desses países, como a Colômbia e
a Argentina, solicitando que não assumissem uma posição desfavorável. Cf. AHD, Fundo POI,
Mç. 607, Processo POI 6, Ano de 1972, Memorando da Embaixada de Portugal em Bogotá para
o Ministério das Relações Exteriores da Colômbia, de 2 de Outubro de 1972, p. 1-2; AHD, Fundo
POI, Mç. 607, Processo POI 6, Ano de 1972, Telegrama do MNE para a Embaixada de Portugal
em Buenos Aires, de 16 de Outubro de 1972, p. 1.
135
  A título de exemplo veja-se: Nations Unies – A/C.4/SR 1978. Quatrième Commission, 1978e
Séance. Lundi 9 Octobre 1972, à 15h20. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 27-28; Nations Unies –
A/C.4/SR 1979. Quatrième Commission, 1979e Séance. Mardi 10 Octobre 1972, à 15h15. Nova
Iorque: s.n., 1972. p. 32-33.
136
  Nations Unies – A/C.4/SR 1985. Quatrième Commission, 1985e Séance. Lundi 16 Octobre
1972, à 10h50. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 82.
137
  Nations Unies – A/C.4/SR 1977. Quatrième Commission, 1977e Séance. Mardi 3 Octobre
1972, à 15h25. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 23.
138
 Idem. p. 23-24.
139
  AHD, Fundo POI, Mç. 607, Processo POI 6, Ano de 1972, Carta do MNE para o GNP do
MU, de 18 de Outubro de 1972, p. 1-3.
140
  Nations Unies – A/C.4/SR 1977. Quatrième Commission, 1977e Séance… p. 23.
272  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

uma grande insistência na solicitação de ajuda para os movimentos de liberta-


ção, considerados como os autênticos representantes das populações141. Outra
questão que motivou a atenção dos oradores foi a necessidade urgente de se
condenar energicamente o governo português e os aliados que continuavam a
fornecer-lhe apoio militar, financeiro e de outro tipo142. Das sessões anteriores
foram retomados os argumentos quanto ao emprego de armas químicas por
Portugal, ao reforço da aliança com os regimes minoritários da África Austral, à
exploração económica das colónias ou à invasão de países africanos pelo exército
português. Considerando que era preciso evitar a continuação das atrocidades,
a maioria entendeu pedir que a ONU convidasse o governo português a iniciar
conversações para a independência com os movimentos de libertação143.
Como antecipado por algumas delegações, a atribuição da condição de obser-
vador aos movimentos de libertação introduziu uma distinção entre as organi-
zações anticoloniais, obrigando às que não obtiveram o estatuto a continuar a
recorrer aos mecanismos da audição de peticionários. Os pedidos de audição
foram apresentados unicamente pelo COREMO e pelo Conselho Mundial da
Paz, o que consumou o afastamento entre as NU e parte das organizações
anticoloniais. A delegação do COREMO, que contava com a presença de uma
representante do Conselho das Mulheres Moçambicanas, dirigiu as suas acu-
sações contra Portugal, não referindo a existência de divisões entre os antico-
lonialistas. Defendendo a independência, o COREMO salientou a legitimi-
dade da luta armada, o apoio que tinha das populações, as realizações
empreendidas ou as retaliações portuguesas contra países com fronteiras com
Moçambique144. O Conselho Mundial da Paz, que tornara o reconhecimento
dos movimentos de libertação num dos seus principais objetivos, suscitou
uma vez mais a questão. A organização felicitou a concessão do estatuto de
observador, insistindo na necessidade da colaboração entre a ONU e os movi-
mentos de libertação145. Em particular, solicitou que o CS apoiasse o apelo ao
governo português para que negociasse com o MPLA, a FRELIMO e o
PAIGC, com vista à independência146.

141
  Nations Unies – A/C.4/SR 1984. Quatrième Commission, 1984e Séance. Vendredi 13 Octobre
1972, à 15h20. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 73.
142
  Nations Unies – A/C.4/SR 1979. Quatrième Commission, 1979e Séance… p. 32.
143
  Nations Unies – A/C.4/SR 1983. Quatrième Commission, 1983e Séance. Vendredi 13 Octobre
1972, à 11h50. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 64.
144
  Nations Unies – A/C.4/SR 1980. Quatrième Commission, 1980e Séance. Mercredi 11 Octobre
1972, à 10h45. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 42-45.
145
  Nations Unies – A/C.4/SR 1992. Quatrième Commission, 1992e Séance. Mercredi 1er Novem-
bre 1972, à 15h30. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 134.
146
 Idem. p. 135.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  273

Beneficiando de um apoio sem precedentes, o PAIGC e a FRELIMO tiraram


o máximo partido da condição de observador, verificando-se no entanto que
o primeiro movimento estava numa posição mais vantajosa. Com a realização
de eleições para a Assembleia Nacional Popular e a utilização de armamento
mais sofisticado, designadamente mísseis terra-ar, o PAIGC realizou uma
intervenção que foi bastante aplaudida (Sousa, 2011: 498-499). Amílcar
Cabral apresentou o balanço da participação do movimento nas NU, con-
cluindo que, passados dez anos, a sua presença na Organização destinava-se a
encontrar a via mais rápida e eficaz para a liquidação do colonialismo portu-
guês147. Ao apresentar algumas propostas, Cabral solicitou, como de resto fize-
ra a António Spínola aquando dos contactos que o general empreendera com
o Senegal, a realização de negociações entre o governo português e o PAIGC148.
A FRELIMO referiu-se à situação em Moçambique, onde fora iniciada uma
nova frente de combate na Província de Manica e Sofala, registando-se igual-
mente ataques do movimento a bases militares portuguesas no Niassa, Cabo
Delegado e Tete (Afonso e Gomes, 2000: 603-606). Considerando que o
estatuto de observador significara o reconhecimento como representante do
povo moçambicano, a FRELIMO, que apresentou argumentos muito seme-
lhantes aos do PAIGC, indicou que o poder político em Moçambique, mes-
mo nas áreas sob controlo português, encontrava-se nas suas mãos149.
Com a intenção de obter o o maior número de votos, no momento da redação
do projeto de resolução, os países africanos promoveram negociações com os
latino-americanos e os nórdicos150. Os latino-americanos propuseram várias
alterações, designadamente quanto aos parágrafos sobre os movimentos de li-
bertação, e os nórdicos sugeriram a eliminação de referências a medidas a
adotar pelo CS151. No projeto não constavam determinadas afirmações que
estiveram presentes em anteriores decisões, algumas das disposições apresenta-
vam uma formulação mais dura e foram acrescentados novos elementos. O
documento foi o mais radical até então proposto, fazendo referências ao rela-
tório da missão à Guiné (Bissau), às declarações dos observadores, indicando
os nomes de Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos, bem como aos depoi-

147
  Nations Unies – A/C.4/SR 1986. Quatrième Commission, 1986e Séance. Lundi 16 Octobre
1972, à 15h20. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 84.
148
 Idem. p. 85.
149
  Nations Unies – A/C.4/SR 1987. Quatrième Commission, 1987e Séance. Mardi 17 Octobre
1972, à 10h50. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 100.
150
 Nations Unies – A/C.4/SR 2000. Quatrième Commission, 2000e Séance. Vendredi 10
Novembre 1972, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 191.
151
  AHD, Fundo POI, Mç. 607, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. III, Telegrama da Embai-
xada de Portugal em Caracas para o MNE, de 11 de Novembro de 1972, p. 1.
274  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

mentos dos peticionários152. O projeto procurou basear a sua legitimidade nas


resoluções 1514 (XV) e 2621 (XXV), assim como em todas as demais decisões
dos órgãos das NU envolvidos na análise da questão colonial portuguesa153.
O projeto de resolução demonstrou que a forma como a questão colonial
portuguesa vinha sendo equacionada sofrera uma mutação assinável. Uma das
condenações que constava do documento solicitava que a AG censurasse a
persistente recusa do governo português em cumprir as resoluções das NU154.
Ao serem integradas algumas das afirmações de Amílcar Cabral e Marcelino
dos Santos, pretendeu-se em particular a condenação da continuação do bom-
bardeamento indiscriminado de civis, da destruição de aldeias e propriedades,
do uso de napalm e substâncias químicas, bem como da continuação das vio-
lações da integridade territorial e da soberania de estados africanos, o que foi
entendido como uma perturbação séria para a paz e a segurança internacio-
nais155. Outras condenações foram direcionadas para a continuação da colabo-
ração entre Portugal e os regimes minoritários da África Austral, as interven-
ções das polícias e forças sul-africanas e rodesianas contra as populações das
colónias portuguesas e a presença de mercenários nos territórios. Com o pro-
jeto de resolução procurou-se também assinalar com apreço os programas de
assistência aos movimentos de libertação implementados por governos, orga-
nizações do sistema das NU e ONG, sendo que estas foram mencionadas pela
primeira vez156. A satisfação estendeu-se igualmente aos progressos para a
independência e a liberdade que se entendeu que os movimentos de libertação
tinham promovido. Neste capítulo, o projeto singularizou a situação na Guiné
(Bissau), considerando, como o Comité de Descolonização fizera, que o
PAIGC era O Único e Autêntico Representante das populações157.
O dispositivo do projeto de resolução entendeu que a Assembleia deveria
retomar a afirmação segundo a qual os povos sob dominação portuguesa ti-
nham direito à autodeterminação e à independência, como reconhecido pela
resolução 1514 (XV)158. Propondo-se a reafirmação da legitimidade da luta
para alcançar esse direito, o projeto salientou que os movimentos de libertação
de Angola, Guiné (Bissau) e Cabo Verde e Moçambique eram os autênticos
representantes das verdadeiras aspirações das populações159. Adotando-se uma

152
  United Nations – A/8889. 13 November 1972. Question of Territories under Portuguese… p. 6.
153
 Ibidem.
154
 Ibidem.
155
 Ibidem.
156
 Idem. p. 7.
157
 Ibidem.
158
 Ibidem.
159
 Ibidem.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  275

fórmula diferente da empregue para o reconhecimento individual do PAIGC,


teve-se como propósito que a AG recomendasse que os governos, agências
especializadas, outras organizações e órgãos das NU, quando abordassem
questões relacionadas com esses territórios, assegurassem, em consulta com a
OUA, a participação dos movimentos de libertação160. Num dos seus itens
fundamentais, o documento enfatizou a necessidade de negociações, enten-
dendo que deveriam ser iniciadas o mais rapidamente possível, tendo como
interlocutores os movimentos de libertação. As exigências apresentadas a Por-
tugal foram em menor número, recuperando-se em parte o programa de des-
colonização. O objetivo foi convidar o governo português a dar prioridade à
cessação imediata da guerra colonial e dos atos de repressão, a retirar as suas
forças armadas, a eliminar todas as práticas que violassem os direitos das
populações, incluindo a expulsão e o reagrupamento dos indivíduos e a insta-
lação de emigrantes estrangeiros, bem como a assegurar o tratamento dos
guerrilheiros de acordo com a Convenção de Genebra161.
Como consequência das disposições anteriores, foi sugerido que se lançasse
um apelo aos governos, agências especializadas, outras organizações do sistema
das NU e ONG para que atribuíssem às populações de Angola, Guiné (Bis-
sau) e Cabo Verde e Moçambique, designadamente às que se encontravam nas
áreas libertadas, toda a assistência necessária162. De notar a este respeito que foi
omitido o papel de intermediário que vinha sendo atribuído aos movimentos
de libertação e à OUA na receção da assistência. A mesma solicitação, presen-
te na resolução 2795 (XXVI) e que visava a retirada do apoio, em particular
dos membros da NATO, que permitia a Portugal continuar a guerra e a domi-
nação colonial, foi retomada num dos parágrafos do projeto de resolução163.
Sem que houvessem referências aos empreendimentos de Cabora Bassa e do
rio Cunene, entendeu-se igualmente que se devia apelar aos estados para que
adotassem medidas para a cessação das atividades que contribuíssem para a
exploração dos territórios sob dominação portuguesa, desencorajando os seus
cidadãos e empresas de participar em ações que impedissem a aplicação da
Declaração164. Nas suas restantes disposições, o projeto pretendeu recomendar
que o CS, caso Portugal não aplicasse as decisões adotadas, analisasse com
urgência todas as medidas efetivas para a implementação da resolução 1514
(XV). Ao SG considerou-se oportuno propor que acompanhasse a aplicação

160
 Ibidem.
161
 Idem. p. 7-8.
162
 Idem. p. 8.
163
 Ibidem.
164
 Ibidem.
276  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

da deliberação da Assembleia e fornecesse toda a assistência necessária para a


realização de conversações entre Portugal e os movimentos de libertação165.
Por fim, recomendou-se que se elogiasse o Comité de Descolonização, em
particular pelo envio da missão de visita à Guiné (Bissau), solicitando-se que
continuasse a procurar os meios para que as colónias portuguesas pudessem
alcançar os objetivos definidos na Declaração e na Carta166.
Ainda antes de ter tido conhecimento do projeto de resolução, Portugal ini-
ciou diligências junto de países alinhados com o ocidente, de latino-america-
nos e de alguns afro-asiáticos (Filipinas, Jordânia, Irão, Malawi, Tailândia,
Japão, Turquia, Libânio e Paquistão)167. Com pouca margem de manobra, a
Holanda, os nórdicos, a Turquia, a Bélgica, a Colômbia, a Argentina, o Reino
Unido e o Uruguai exprimiram reservas quanto ao reconhecimento dos movi-
mentos de libertação168. Os argumentos utilizados indicaram nomeadamente
que a Comissão não estava habilitada a qualificar os movimentos como repre-
sentantes das populações. Outras objeções foram expressas quanto à identifi-
cação de Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos como observadores, às refe-
rências aos apoios dos países da NATO a Portugal, às condenações ao governo
português, à indicação de que as negociações deveriam ser realizadas com os
movimentos de libertação, ao apelo para a assistência às populações, ao pedido
para a cessação das atividades que conduzissem à exploração dos territórios e
à solicitação ao Comité de Descolonização para que continuasse a procurar
soluções169.
Em virtude do desconforto sentido em relação a algumas disposições, a Nica-
rágua, Colômbia, Uruguai e Venezuela solicitaram a votação separada dos
parágrafos referentes à identificação de Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos
enquanto observadores, à condenação de Portugal pelo não cumprimento das
resoluções das NU, ao reconhecimento do PAIGC, à legitimação dos movi-
mentos de libertação como representantes das verdadeiras aspirações das
populações, ao apelo à assistência moral e material para a luta pelo direito à

165
 Ibidem.
166
 Ibidem.
167
 Vide a título de exemplo AHD, Fundo POI, Mç. 600, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol.
II, Telegrama do MNE para as Embaixadas de Portugal em Ankara, Atenas, Bangkok, Beirute,
Bogotá, Brasília, Bruxelas, Buenos Aires, Camberra, Caracas, Copenhaga, Dublin, Estocolmo,
Haia, Helsínquia, Islamabad, Lima, Londres, Madrid, Manila, México, Montevideu, Oslo, Otta-
wa, Paris, Pretória, Quito, Roma, Santiago do Chile, São José da Costa Rica, Teerão, Tóquio, Viena,
Washington e Zomba, de 28 de Outubro de 1972, p. 1-3.
168
  Nations Unies – A/C.4/SR 2001. Quatrième Commission, 2001e Séance. Lundi 13 Novembre
1972, à 11 heures. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 199-201.
169
 Ibidem.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  277

autodeterminação e independência e à solicitação aos estados para que cessas-


sem a exploração das colónias portuguesas170. Com a rejeição do pedido dos
latino-americanos, por 104 votos a favor, 5 contra e 11 abstenções, o projeto
de resolução foi aprovado171. Da votação estiveram ausentes Portugal e a Áfri-
ca do Sul, que entenderam votar somente no plenário, e pelo menos o Malawi
e Luxemburgo172. Em comparação com a votação do ano anterior, além do
aumento dos votos favoráveis, o que provavelmente resultou da diminuição
do número das delegações ausentes, verificou-se que os que votaram contra
foram sensivelmente os mesmos, registando-se como novidade o apoio da
Costa Rica a Portugal. O número de abstenções foi todavia maior, abarcando
a Bélgica, a França, a Itália, os países que solicitaram o voto por divisão, a
Bolívia, o El Salvador, a Guatemala e as Honduras173.
Foram sobretudo os latino-americanos que alteraram o seu voto, o que de-
monstrou que os esforços das embaixadas portuguesas produziam alguns re-
sultados nas circunstâncias em que os projetos de resolução apresentavam dis-
posições controversas. Nas explicações de voto, as objeções ao projeto de
resolução foram reforçadas pela Irlanda, Israel, EUA, México, Nova Zelândia,
Grécia, Japão, Brasil, Equador, Austrália, França e Itália, que visaram as mes-
mas disposições anteriormente contestadas, procurando também ressaltar o
que consideravam como contradições do documento174. As afirmações quanto
à existência de contradições foram retomadas por Portugal numa carta ao pre-
sidente da AG, na qual se chamou a atenção para a acumulação de falsas acu-
sações e o silêncio quanto às reformas constitucionais e legislativas empreen-
didas pelo país175. O envio da carta fora considerado como o método mais
adequado para contrariar os efeitos da não participação no debate e foi sinto-
mático da grande preocupação portuguesa com os trabalhos da XXVII AG176.

170
 Ibidem.
171
 Idem. p. 203.
172
  AHD, Fundo POI, Mç. 600, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Zomba para o MNE, de 31 de Outubro de 1972, p. 1; AHD, Fundo POI, Mç.
600, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da Embaixada de Portugal em Bruxelas
para o MNE, de 3 de Novembro de 1972, p. 1.
173
  Entre os que se abstiveram encontrava-se a Colômbia, que desta forma tentou compensar
Portugal pelo comportamento que assumira na votação quanto à participação de observadores
na sessão. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 600, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da
Embaixada de Portugal em Bogotá para o MNE, de 30 de Outubro de 1972, p. 1.
174
  Nations Unies – A/C.4/SR 2001. Quatrième Commission, 2001e Séance… p. 203-205.
175
  AHD, Fundo POI, Mç. 607, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. III, Carta do MNE para o
GNP do MU, de 11 de Novembro de 1972, p. 1-2.
176
  AHD, Fundo POI, Mç. 604, Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. III, Apontamento Elabo-
rado por Meira Ferreira, de 27 de Outubro de 1972, p. 1-10.
278  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Os receios portugueses não deixavam de ter algum fundamento, pois antes da


votação final do projeto de resolução circularam rumores quanto à possibili-
dade da audição de Amílcar Cabral no plenário da AG177. No seguimento da
intervenção de Cabral, a IV Comissão decidira informar o presidente da AG
que inúmeros países exprimiram o desejo que o líder do PAIGC fosse ouvido
no plenário178. A proposta motivara protestos dos EUA, Itália, Uruguai, Reino
Unido e Venezuela, que indicaram que somente os estados membros podiam
estar presentes em sessões plenárias179. Portugal desdobrou-se em contactos,
procurando que fossem enviadas instruções às missões para se oporem a um
eventual convite a Amílcar Cabral180. Indicando que não queria colocar alguns
países amigos numa situação incómoda em caso de votação da proposta de
audição, Amílcar Cabral acabou por recusar a ideia181. A decisão de Cabral
tem sido interpretada como motivada pelo descontentamento dos nórdicos
com a iniciativa, não sendo de excluir que a forte oposição encontrada junto
de outros países também tivesse tido alguma influência (Sellström, 1999). Em
particular, os EUA, o Reino Unido e a Itália atuaram junto do presidente da
AG, do SG e de outros elementos do Secretariado para impedir a audição,
indicando que poderia constituir um precedente182.
No plenário, a Venezuela e o Canadá reservaram as suas posições antes da
votação, exprimindo objeções ao projeto de resolução183. Portugal fez igual-
mente uma intervenção, questionando o estatuto que se pretendia atribuir aos
movimentos de libertação e contestando que a decisão da AG tivesse por base
factos reais184. Por 98 votos a favor, 6 contra e 8 abstenções, o projeto tornou-
-se na resolução 2918 (XXVII), de 14 de novembro185. Para não se compro-
meterem, 20 países ausentaram-se no momento da votação186. O resultado

177
  AHD, Fundo POI, Mç. 607, Processo POI 6, Ano de 1972, Telegrama da Missão de Portu-
gal na ONU para o MNE, de 13 de Outubro de 1972, p. 1.
178
  United Nations – A/8889. 13 November 1972. Question of Territories under Portuguese… p. 3.
179
  Ao abrigo do estatuto de observador, os movimentos de libertação passaram na década de
1970 a se dirigir ao plenário quando as questões que lhes interessavam eram discutidas unica-
mente em sessões plenárias. Cf. Peterson, 1990: 117-119.
180
 Vide AHD, Fundo POI, Mç. 607.
181
  AHD, Fundo POI, Mç. 607, Processo POI 6, Ano de 1972, Circular POI-14 do MNE, de
28 de Outubro de 1972, p. 1-7.
182
 Ibidem.
183
 Nations Unies – A/PV. 2084. Assemblée Générale. Vingt-Septième Session. 2084e Séance
Plénière. Mardi 14 Novembre 1972, à 10h30. Nova Iorque: s.n., 1972. p. 21-24.
184
 Idem. p. 22-23.
185
 Idem. p. 24.
186
  AHD, Fundo POI, Mç. 607, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. III, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 14 de Novembro de 1972, p. 1.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  279

demonstrou, em relação à IV Comissão, que diminuíram os que votaram con-


tra ou se abstiveram dadas as ausências da Costa Rica, Bolívia, Colômbia,
El Salvador e Nicarágua. Em comparação com a resolução 2795 (XXVI),
registou-se uma diminuição dos votos contra e um aumento das abstenções,
confirmando-se assim as flutuações nas votações ao longo do tempo.
As dificuldades sentidas por alguns países em apoiar Portugal foram parcial-
mente compensadas pelas explicações de voto das Honduras e do México e
pelo comportamento nas votações das resoluções subsequentemente adota-
das (a 14 de dezembro)187. Como as decisões se referiam a questões com um
interesse lateral, os ocidentais e os latino-americanos tiveram maior liberdade
para manifestar apoio a Portugal, o que novamente esteve em evidência nas
abstenções. Relativamente aos investimentos estrangeiros, a resolução 2979
(XXVII), que demonstrou uma maior insistência em condenar os regimes
coloniais e os países que não impediam que os seus cidadãos e empresas par-
ticipassem em empreendimentos como os de Cabora Bassa e do rio Cunene,
foi adotada por 106:6:15188. Solicitando que os movimentos de libertação
estivessem representados sempre que fossem analisadas questões relacionadas
com as colónias portuguesas, a resolução 2980 (XXVII) sobre a aplicação da
Declaração pelas agências especializadas e instituições internacionais foi
aprovada por 98:4:24189. A exceção à utilização das abstenções como forma
de demonstrar solidariedade ao governo português continuou a verificar-se
no referente ao programa educacional e de formação para a África Austral,
em que a resolução 2981 (XXVII) registou unicamente os votos contra de
Portugal e da África do Sul190.
Verificando-se que as decisões das NU corresponderam em larga medida aos
anseios dos movimentos de libertação, na XXVII AG registaram-se desenvol-
vimentos sem precedentes na ideia de autodeterminação. Efetivamente,
assistiu-se à consolidação do vínculo entre a ideia e a personalidade jurídica
internacional dos movimentos de libertação, que passaram a ser dotados
de capacidade para representar as populações (Freudenschuss, 1982: 122).
Significando a aceitação da legitimidade das suas revindicações à indepen-
dência, os movimentos de libertação foram objeto de uma autenticação

187
  Nations Unies – A/PV. 2084. Assemblée Générale. Vingt-Septième Session. 2084e Séance…
p. 24-25.
188
  United Nations. Resolution 2979 (XXVII), 14 December 1972. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
189
  United Nations. Resolution 2980 (XXVII), 14 December 1972. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
190
  United Nations. Resolution 2981 (XXVII), 14 December 1972. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
280  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

coletiva por parte das NU. A atribuição do reconhecimento enquanto único


e autêntico representante das populações ao PAIGC teve subjacente o enten-
dimento de que o movimento libertara parte do território e da população da
Guiné (Bissau). Por não ter sido possível realizar missões de visita que permi-
tissem afirmar a existência de condições semelhantes à da Guiné (Bissau), os
movimentos de libertação de Angola e Moçambique foram considerados
unicamente como os autênticos representantes das verdadeiras aspirações
das populações. Tendo-se optado por uma fórmula ambígua, não houve
como no caso do PAIGC a indicação nominal de quais os movimentos obje-
to de reconhecimento. Pelo precedente estabelecido com a atribuição do
estatuto de observador, entendemos porém que somente a FNLA, o MPLA
e a FRELIMO estavam em condições de poder reivindicar que representa-
vam as aspirações das populações.
Conferindo um grande prestígio aos movimentos de libertação, colocando-os
numa posição de destaque em relação a outras organizações anticoloniais, a
AG também lhes reconheceu a capacidade para se envolverem negociações
com o governo português. Fruto da resolução 2918 (XXVII), começou a de-
senhar-se a interpretação segundo a qual a autodeterminação deveria ser alcan-
çada através de negociações diretas. Os movimentos de libertação foram iden-
tificados enquanto uma das partes em conflito e eleitos como interlocutores
do governo português, pelo que deixou de haver referências à transferência
dos poderes para instituições livremente eleitas pelas populações. Não menos
significativo para o desenvolvimento da ideia de autodeterminação, foi a
introdução de uma ligeira modificação no entendimento quanto à assistência
às populações das áreas libertadas. Se anteriormente a OUA e os movimentos
de libertação foram escolhidos como intermediários, com a alteração verifica-
da legitimou-se, em nome da autodeterminação, o apoio direto às populações,
sem mediação.

Com as Partes Interessadas


Como se tornara recorrente na questão colonial portuguesa, diversas tentati-
vas procuraram constantemente que as decisões da AG fossem validadas pelo
CS enquanto órgão máximo das NU. Ao entenderem que a evolução verifica-
da nas colónias portuguesas desde 1963 fora favorável aos movimentos de li-
bertação, 37 países africanos enviaram (a 7 de novembro) uma carta solicitan-
do a convocação do Conselho191. O Malawi e a Suazilândia não subscreveram
o pedido de convocação, que foi contestado por Portugal (em 15 de novem-

191
  Nations Unies – A/9002. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Securité a l’Assemblée…
p. 85-86.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  281

bro)192. Dada a importância atribuída à sessão, a Arábia Saudita, Burundi,


Cuba, Etiópia, Libéria, Madagáscar, Marrocos, Nigéria, República Unida da
Tanzânia, Serra Leoa, Tunísia e Uganda solicitaram a presença na discussão.
Por proposta da Somália e do Sudão, Manuel Jorge (MPLA), Marcelino dos
Santos (FRELIMO) e Gil Fernandes (PAIGC) foram convidados a participar
nas mesmas condições que em Addis Abeba193.
Na semana anterior à reunião, tomando em consideração a declaração de Rui
Patrício no plenário, a presidente do CS, Jeanne Martin Cissé (Guiné), abor-
dou o representante português para explorar a possibilidade de Portugal dialo-
gar com os movimentos de libertação194. Inicialmente realizadas somente com
a presidente do Conselho, os encontros acabaram por incluir o SG adjunto da
OUA, a Serra Leoa e a Libéria195. Foram realizadas algumas sessões, nas quais
Portugal manifestou a intenção de dialogar, rejeitando contudo qualquer
aproximação aos movimentos de libertação196. Pretendendo que participassem
unicamente representantes de países africanos, Portugal concordou que as
conversações poderiam ter lugar em janeiro do ano seguinte e contar com a
presença de Rui Patrício197. Para a agenda das reuniões ficou prevista a análise,
no contexto da Carta, da situação nas colónias portuguesas, das relações com
os países africanos e dos problemas gerais em África. Dada a recusa portugue-
sa em contactar com os movimentos de libertação, os países africanos ficaram
todavia divididos quanto à continuação da iniciativa198.

192
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Carta do MNE para
Vasco Luís Caldeira Coelho Futsher Pereira, Embaixador de Portugal em Zomba, de 14 de Novem-
bro de 1972, p. 1.
193
  Nations Unies – A/9002. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Securité a l’Assemblée…
p. 86.
194
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama do MNE para
as Embaixadas de Portugal em Paris, Washington, Londres, Bruxelas, Roma, Buenos Aires, Tóquio
e São José da Costa Rica, de 11 de Novembro de 1972, p. 1-2.
195
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 16 de Novembro de 1972, p. 1-2.
196
  De acordo com Rui Patrício, a rejeição de conversações com os movimentos de libertação
devia-se a uma conceção doutrinária, uma vez que se considerava que um eventual diálogo re-
sultaria num reconhecimento internacional de tais organizações, que não tinham legitimidade,
não representavam as populações e eram comandadas por potências comunistas. Cf. Xavier,
2010: 208-209.
197
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 15 de Novembro de 1972, p. 1.
198
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama do MNE para
as Embaixadas de Portugal em Washington, Paris, Londres, Roma, Bruxelas, Buenos Aires, Tóquio
e São José da Costa Rica, de 16 de Novembro de 1972, p. 1.
282  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Na medida em que Portugal não acreditava na sinceridade da presidente do


CS, considerando que a sua atuação se destinava a que os países africanos
dessem a impressão de moderação para poderem obter apoios para o projeto
de resolução que pretendiam apresentar, o facto de ter participado nos
encontros poderá ser atribuído a inúmeras razões199. Desde logo, Portugal
tentou, como aquando das conversações em 1963, demonstrar corresponder
aos pedidos para que encetasse relações com os africanos (Tíscar Santiago,
2013: 194). Uma vez que manteve o SG e os países mais próximos informa-
dos sobre o desenrolar das reuniões, foi novamente evidente a intenção de
imputar as responsabilidades por um eventual falhanço do diálogo às dele-
gações africanas. Como por diversas vezes indicou que as conversações
seriam impossíveis caso houvessem audições e se a decisão adotada apresen-
tasse disposições inaceitáveis para o país, a tentativa de evitar a presença de
representantes dos movimentos de libertação no CS e de impedir a aprova-
ção de resoluções desfavoráveis foram igualmente outras das motivações do
governo português200.
Como pressentido pelo Reino Unido, a discussão (realizada entre 15 e 22 de
novembro) foi “muito difícil”, decorrendo sem a presença de representantes
portugueses201. As afirmações mais agressivas foram as de países como a Libé-
ria, República Unida da Tanzânia, URSS, Sudão, Burundi, Jugoslávia, Cuba,
China, Guiné e Índia202. Mais moderados foram Marrocos, Tunísia ou Arábia
Saudita, mas, ainda assim, sem deixarem de argumentar a favor do fim da
guerra nas colónias portuguesas (Tíscar Santiago, 2013: 265)203. Com os afro-
-asiáticos e os socialistas a condicionarem as intervenções dos restantes países,
a Bélgica, Itália, Argentina, Panamá, Japão, França e Reino Unido, pelas refe-
rências ao Manifesto de Lusaca, pelas afirmações quanto ao papel de Portugal
na descoberta de novas terras, pelas indicações de que não deveriam ser impos-
tas condições prévias para a solução da disputa ou por somente referirem a

199
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama do MNE para
as Embaixadas de Portugal em Paris, Washington, Londres, Bruxelas, Roma, Buenos Aires, Tóquio
e São José da Costa Rica, de 11 de Novembro de 1972, p. 1-2.
200
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Paris para o MNE, de 17 de Novembro de 1972, p. 1-2; AHD, Fundo POI,
Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama da Missão de Portugal na ONU para
o MNE, de 15 de Novembro de 1972, p. 1.
201
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Londres para o MNE, de 13 de Novembro de 1972, p. 1.
202
  Nations Unies – A/9002. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Securité a l’Assemblée…
p. 86-94.
203
 Idem. p. 87, 90-91.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  283

autodeterminação sem mencionar a independência, continuaram a ser marca-


damente ambivalentes204.
Colocando em causa a capacidade de Portugal para representar as colónias em
organismos internacionais, a maioria reproduziu as críticas quanto à discrimina-
ção das populações africanas, à exploração económica dos territórios, à intensi-
ficação da opressão, à utilização de armas de destruição maciça, à implantação
de interesses económicos estrangeiros, à agressão contra países africanos ou ao
reforço dos laços com os regimes de minoria branca205. Ao serem enunciados os
esforços das NU contra o colonialismo português foram lançados apelos a Por-
tugal para que iniciasse negociações com os movimentos de libertação, enten-
dendo-se que se estava perante a última oportunidade para um acordo pacífi-
co206. Dando-se como adquirido a libertação de vastas áreas foi lançado um
apelo à comunidade internacional para que concedesse apoio aos movimentos
de libertação e implementasse programas de socorro e reconstrução para Angola,
Guiné (Bissau) e Cabo Verde e Moçambique207. Os países ocidentais foram vi-
sados nos pedidos para que cortassem relações com Portugal, considerando-se
que tinham todo o interesse na cessação do fornecimento de armamento ao
exército português. Entendeu-se igualmente solicitar ao CS que reafirmasse o
direito das colónias portuguesas à autodeterminação e à independência e que
reconhecesse os movimentos de libertação como representantes legítimos das
populações208. As demais propostas pretendiam que invocasse o Capítulo VII da
Carta, que fixasse uma data para a transferência dos poderes ou que declarasse
imediatamente as colónias portuguesas como independentes209.
Apresentando semelhanças e diferenças quanto aos anteriores depoimentos, as
intervenções dos representantes dos movimentos de libertação continuaram a
denunciar as ligações entre Portugal e os regimes minoritários da África Aus-
tral, a condenar os apoios da NATO ao exército português e a procurar de-
monstrar a teia de interesses internacionais que estaria a impedir as indepen-
dências. Ainda assim, esses argumentos foram utilizados com menor
insistência por os movimentos de libertação terem tornado a questão das áreas
libertadas no elemento central dos seus discursos, o que motivou que Portugal
enviasse um convite ao presidente do CS para visitar as colónias210. Os argu-

204
 Idem. p. 90, 92, 94-95.
205
 Idem. p. 87.
206
 Idem. p. 86.
207
 Idem. p. 88.
208
 Idem. p. 86.
209
 Idem. p. 87-90.
210
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 17 de Novembro de 1972, p. 1.
284  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

mentos dos movimentos foram igualmente direcionados para transmitir a


ideia segundo a qual estavam disponíveis para iniciar conversações com Portu-
gal211. A primeira intervenção foi realizada por Marcelino dos Santos, que
afirmou que a FRELIMO estava a conduzir as populações das áreas libertadas
no sentido do desenvolvimento económico e social212. Gil Fernandes, reto-
mando as propostas apresentadas pelo PAIGC em Addis Abeba, anunciou a
conclusão das eleições para a Assembleia Nacional na Guiné (Bissau) e a in-
tenção de brevemente se proclamar a independência213. Revestindo as suas
afirmações de um carácter urgente, Manuel Jorge indicou que o Estado ango-
lano estava em vias de se tornar uma realidade graças ao MPLA e que Portugal
deveria ser convidado a cessar a sua agressão214.
Com a pretensão de atualizar as anteriores decisões da AG e do CS, foi apre-
sentado, com o patrocínio da Guiné, Somália e Sudão, um projeto de resolu-
ção de grande hostilidade contra Portugal. Fazendo referências às resoluções
312 (1972), 1514 (XV) e 2918 (XXVII), com o texto foi proposto que o
Conselho deplorasse vivamente a continuação e a intensificação por Portugal
da repressão armada contra os povos de Angola, da Guiné (Bissau) e Cabo
Verde e de Moçambique, assim como das violações da integridade territorial e
da soberania dos estados africanos215. Em lugar de lamentar explicitamente,
como acontecera em Addis Abeba, os apoios a Portugal, optou-se por sugerir
que se relembrasse os pedidos aos estados membros para que se abstivessem de
fornecer qualquer assistência que permitisse ao governo português prosseguir
a repressão das populações das suas colónias e para que adotassem medidas
para impedir a venda e a expedição de armas e equipamento militar que
pudessem ser utilizados nesse sentido216.
Apesar do cuidado empregue na redação do texto, os apoios a Portugal não
deixaram de ser visados diretamente, pretendendo-se que se deplorasse viva-
mente a política dos estados, em particular de alguns membros da NATO, que
continuavam a fornecer assistência ao governo português217. Traduzindo a
importância novamente atribuída à questão, os autores propuseram que se
exprimisse um profundo choque pelo contínuo uso por Portugal de napalm e
outras substâncias químicas contra as populações. Deixando adivinhar a natu-

211
  Nations Unies – A/9002. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Securité a l’Assemblée…
p. 87.
212
 Ibidem.
213
 Idem. p. 89.
214
 Idem. p. 90-91.
215
 Idem. p. 88.
216
 Ibidem.
217
 Ibidem.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  285

reza das disposições apresentadas mais adiante, no texto constavam referências


ao relatório da missão de visita à Guiné (Bissau) e às declarações dos movi-
mentos de libertação, que foram referidas a par das dos estados membros218.
Recuperando-se o enunciado presente na decisão anterior foi entendido que
dever-se-ia deplorar vivamente a persistente recusa do governo português em
aplicar as decisões do CS e da AG. Como se tornou evidente, o objetivo prin-
cipal do projeto foi no entanto que o Conselho sancionasse a necessidade do
fim da guerra colonial e defendesse uma solução negociada para o conflito219.
Decorrente desse objetivo, procurou-se fazer a reafirmação do direito dos
povos de Angola, da Guiné (Bissau) e Cabo Verde e de Moçambique à auto-
determinação e à independência, bem como da luta que conduziam sob a
liderança dos movimentos de libertação. Neste particular, foi retomada a fór-
mula “por todos os meios de que dispõem”, que recorde-se fora de certa forma
secundarizada.
Relativamente às implicações das atividades do governo português, foi previs-
to que se reafirmasse que a política colonial e as agressões constantes contra os
países africanos constituíam uma grave perturbação da paz e da segurança no
continente africano220. Uma vez que não se insistiu da mesma forma que ou-
trora numa linguagem firme, somente uma única condenação foi integrada no
projeto de resolução, visando a recusa persistente do governo português em
aplicar a resolução 1514 (XV) e as demais decisões do Conselho e da Assem-
bleia. Contrariamente aos detalhados pedidos que em momentos anteriores
foram endereçados ao governo português, foi proposto solicitar a cessação
imediata da guerra e dos atos de repressão contra as populações221. Esse pedido
deverá ser interpretado no contexto da tentativa de imposição dos movimen-
tos de libertação como interlocutores do governo português. Efetivamente,
nas alíneas seguintes entendeu-se afirmar que os movimentos de libertação de
Angola, da Guiné (Bissau) e Cabo Verde e de Moçambique reconhecidos pela
OUA eram os representantes legítimos dos povos222. Em consequência dessa
afirmação, foi sugerido que se dirigisse uma solicitação ao governo português
para que encetasse negociações com os movimentos para a solução do conflito
armado e a independência223.
Ainda em concordância com o objetivo de terminar com a guerra colonial,
o projeto integrou uma proposta para que se afirmasse que a assistência de

218
 Ibidem.
219
 Ibidem.
220
 Ibidem.
221
 Ibidem.
222
 Ibidem.
223
 Idem. p. 88-89.
286  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

natureza militar e de outro tipo que alguns membros da NATO forneciam a


Portugal permitia-lhe prosseguir a política de dominação e de repressão, colo-
cando assim em perigo a paz e a segurança no continente africano224. Essa
questão foi objeto de um aprofundamento, em que se pretendeu que o CS
pedisse aos estados, em particular aos aliados da NATO, para se absterem de
conceder qualquer assistência a Portugal enquanto o país não renunciasse à
dominação colonial225. Após ter sido intercalado um parágrafo em que se ape-
lava aos governos, agências especializadas, outros organismos e ONG para que
concedessem aos movimentos de libertação reconhecidos pela OUA assistên-
cia para a luta pela autodeterminação e independência, a questão dos apoios a
Portugal foi objeto de uma nova formulação. Decidiu-se particularizar a venda
ou o fornecimento de armas, equipamento e material militar e, em vez de se
fazer um apelo, foi previsto que o Conselho determinasse que os estados, com
destaque para os da NATO, cessassem o aprovisionamento de armamento ao
exército português226. Sendo a decisão equivalente a um embargo, foi consa-
grado no texto a sugestão para a criação de um subcomité, com a missão de
conseguir que todos os estados deixassem de fornecer material militar a Portu-
gal227. Como ficou previsto que o órgão se reportaria periodicamente ao CS,
procurou-se pedir aos estados para que lhe concedessem toda a colaboração e
ao SG para que ajudasse no cumprimento do seu mandato.
Sentindo-se visados no projeto de resolução, os países ocidentais, manifesta-
ram a oposição ao texto, pressionando para que não fosse submetido a votação
e houvesse a sua substituição por um outro que se limitasse a recomendar o
início de conversações entre o governo português e os representantes das po-
pulações (Antunes, 1992a: 212)228. Ao ser informado da pretensão, Portugal
indicou que, para que a nova versão fosse aceitável, os termos utilizados deve-
riam ser suficientemente vagos para permitir o diálogo com os países africa-
nos229. Em resultado das pressões, a Guiné, a Somália e o Sudão desistiram do
texto, apresentando em seu lugar dois novos projetos de resolução230. Consi-
derada por Portugal como uma manobra para dar a impressão de condescen-
dência e moderação, a nova iniciativa dos africanos procurou estabelecer uma

224
 Ibidem.
225
 Ibidem.
226
 Ibidem.
227
 Ibidem.
228
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 20 de Novembro de 1972, p. 1.
229
 Ibidem.
230
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 19 de Novembro de 1972, p. 1.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  287

distinção entre a questão das negociações para a solução do conflito nas coló-
nias portuguesas, que consideraram como unanimemente aceite pelos mem-
bros do Conselho, e o propósito de adotar medidas contra Portugal, em parti-
cular para impedir o seu aprovisionamento com material militar231.
O primeiro dos dois projetos recuperou algumas disposições do texto inicial,
operando porém uma profunda reformulação do sentido que lhes fora atri-
buído. Na nova proposta foram excluídos os parágrafos referentes à conti-
nuação e intensificação por Portugal da repressão, aos ataques a países africa-
nos, aos pedidos aos estados para que cessassem a assistência ao governo
português, à política daqueles que continuavam a fornecer-lhe material mili-
tar e à questão do emprego de napalm e substâncias químicas. O texto limi-
tou-se a tomar nota dos relatórios do Comité de Descolonização, sem men-
cionar o documento produzido pela missão de visita à Guiné (Bissau)232.
Mais importante ainda foi a circunstância de se deixar de pretender que o
Conselho reconhecesse os movimentos de libertação enquanto representan-
tes das populações. A este respeito, o novo projeto foi bastante contido, pro-
pondo unicamente que se tivesse em consideração o facto da OUA reconhe-
cer os movimentos de libertação de Angola, da Guiné (Bissau) e Cabo Verde
e de Moçambique como representantes legítimos dos povos233. De igual
modo, quanto às declarações dos representantes dos movimentos passou-se a
indicar que foram proferidas a título individual, pelo que deixaram de estar
ao nível das dos estados membros234.
Foi recuperado do texto anterior, com a mesma redação, o parágrafo sobre a
necessidade do fim da guerra colonial e de uma solução negociada para o
conflito. Outro dos elementos retomados foi a reafirmação do direito dos
povos de Angola, da Guiné (Bissau) e Cabo Verde e de Moçambique à auto-
determinação e à independência, bem como a legitimidade da sua luta, sem
no entanto se referir a liderança do processo pelos movimentos de libertação
e a questão do recurso a todos os meios disponíveis235. Excluindo-se qualquer
condenação ao governo português voltou-se a sugerir que o Conselho reque-
resse o fim imediato da guerra colonial e dos atos de repressão. Com uma
nova redação, pretendeu-se solicitar ao governo português que iniciasse nego-
ciações com os representantes dos povos de Angola, da Guiné (Bissau) e Cabo

231
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Londres para o MNE, de 16 de Novembro de 1972, p. 1.
232
  Nations Unies – A/9002. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Securité a l’Assemblée…
p. 92.
233
 Ibidem.
234
 Idem. p. 93.
235
 Ibidem.
288  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Verde e de Moçambique236. Enquanto anteriormente essa disposição mencio-


nara a resolução 2918 (XXVII) sobre a implementação da Declaração, a refe-
rência desapareceu e, em vez de somente se indicar que as conversações de-
viam conduzir à independência, o texto passou também a aludir à autode-
terminação237. Não se prevendo nenhuma medida concreta, foi introduzida
uma alínea destinada a pedir ao SG para seguir a evolução da situação e
reportar ao Conselho.
No segundo projeto constavam os restantes parágrafos da versão inicial, que
foram objeto de modificações destinadas a esclarecer algumas afirmações e a
redirecionar o sentido do texto, procurando-se que deixasse de visar os países
da NATO e que a responsabilidade fosse transferida para o governo português.
A primeira alteração esteve relacionada com o enquadramento da questão e
reportou-se às anteriores decisões que se pretendia relembrar, que no caso em
concreto foi unicamente a resolução 312 (1972)238. A outra diferença residia
no facto de indicar-se que a interdição à venda e ao fornecimento de material
militar a Portugal aplicava-se unicamente às situações destinadas ao fabrico ou
manutenção de armas e munições utilizadas na repressão das populações afri-
canas239. Além desta precisão, os autores entenderam igualmente reformular a
disposição sobre a criação do subcomité, indicando que deveria ser composto
por cinco membros e ter como mandato realizar inquéritos sobre a entrega de
armas utilizadas por Portugal nas colónias240.
Ainda antes de ser conhecido qualquer projeto de resolução, o governo por-
tuguês iniciou diligências junto dos países que tinham sido visados na anterior
sessão do Conselho241. A oportunidade para corresponder às solicitações por-
tuguesas teve lugar aquando das consultas realizadas entre os países africa-
nos e os ocidentais sobre o projeto de resolução que solicitava a realização
de negociações242. Os EUA, que estavam a aumentar a ajuda militar a Por-
tugal, forçaram os países africanos a emendar o texto, o que contribuiu para
conferir-lhe uma certa ambiguidade (Antunes, 1992a: 212)243. Por via das
alterações, em vez de se indicar a necessidade de “adotar uma solução negocia-

236
 Ibidem.
237
 Ibidem.
238
 Ibidem.
239
 Ibidem.
240
 Idem. p. 93-94.
241
  Informações relativas às diligências podem ser encontradas em AHD, Fundo POI, Mç. 611.
242
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Lima para o MNE, de 27 de Novembro de 1972, p. 1-3.
243
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 23 de Novembro de 1972, p. 1.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  289

da”, passou a ser entendido que se devia “contribuir para uma solução nego-
ciada”244. A expressão “guerras coloniais” foi substituída por “operações milita-
res”, ao passo que em lugar de “os representantes dos povos” foi utilizado As
Partes Interessadas245. No mesmo sentido, os termos “conflito armado que di-
lacerava esses territórios” foram transformados em “conflito armado que existe
nos territórios”, ao passo que o desejo que os povos “alcancem a autodetermi-
nação e a independência” se tornou na expectativa de “exercerem o direito à
autodeterminação e à independência”246.
Além das emendas, outro meio para satisfazer as solicitações portuguesas
foram as reservas expressas antes da votação. Estando a retomar a normaliza-
ção do fornecimento de material militar a Portugal após um curto período
de hesitação, a França apresentou objeções quanto às referências a resoluções
em relação às quais votara contra e aos órgãos cuja criação não merecera a sua
concordância (Lala, 2007: 309)247. O Reino Unido, num momento em que
as suas relações com Portugal atravessavam uma fase bastante favorável,
indicou a preferência para que tivesse ficado explicito que a luta pela auto-
determinação deveria ser realizada por meios pacíficos e que o apelo ao
abandono da força teria de ser dirigido a todas as partes, incluindo aos
movimentos de libertação (Oliveira, 2007: 389)248. Demonstrando ter dis-
cordâncias com o pedido ao governo português para que cessasse imediata-
mente as operações militares e os atos de repressão, os EUA solicitaram a
votação separada do parágrafo249. Com a rejeição da pretensão, o projeto
foi aprovado por unanimidade, tornando-se na resolução 322 (1972), de 22
de novembro250. No seguimento da votação, os EUA indicaram que teriam
abstido caso tivesse havido votação individual do parágrafo relativamente ao
qual suscitaram dúvidas251.
O segundo projeto de resolução, não recolheu muitos apoios, tendo inclusiva-
mente os EUA e o Reino Unido indicado a possibilidade de utilizarem o veto252.
A Argentina acabou por propor que o texto não fosse submetido a votação,

244
  United Nations. Resolution 322 (1972), 22 November 1972. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
245
 Ibidem.
246
 Ibidem.
247
  Nations Unies – A/9002. Supplément n.º 2. Rapport du Conseil de Securité a l’Assemblée…
p. 95.
248
 Ibidem.
249
 Idem. p. 96.
250
 Ibidem.
251
 Ibidem.
252
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Paris para o MNE, de 22 de Novembro de 1972, p. 1-2.
290  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

tendo a proposta sido aceite253. Representando um retrocesso nas pretensões


africanas, o facto de não se ter conseguido adotar uma decisão quanto à ques-
tão do fornecimento de armamento a Portugal voltou a ser paradigmático das
dificuldades em mobilizar o CS contra o governo português. Essa situação foi
em parte compensada por, pela primeira vez, se ter conseguido a unanimidade
do Conselho, uma vez que a resolução 322 (1972) contou com o voto dos
aliados de Portugal. Tendo recebido promessas de apoio, Portugal tomou
conhecimento da mudança de orientação dos países ocidentais no último
momento, quase em simultâneo à votação254. O comportamento dos EUA
terá sido decisivo, influenciando as restantes delegações ocidentais, que vota-
ram favoravelmente devido ao receio de isolamento255.
A circunstância dos países ocidentais terem votado contra Portugal deveu-se
em grande medida à correspondência entre o conteúdo da resolução e o de-
sejo, sobretudo dos EUA e do Reino Unido, para que o governo português
entrasse em contacto com os movimentos de libertação para explorar possí-
veis entendimentos256. Do mesmo modo, a natureza da resolução foi um ele-
mento decisivo para a unanimidade, uma vez que, como reconhecido por
várias delegações, o documento era suficientemente vago para permitir dife-
rentes interpretações257. De grande importância para os países ocidentais
foram as emendas ao texto, com a introdução da expressão “as partes interes-
sadas”, que atribuiu um carácter indeterminado aos interlocutores com os
quais se pretendia que o governo português negociasse258. Uma outra explica-
ção poderá ter sido a intenção de aliviar as pressões, pois os ocidentais fica-
vam constantemente numa posição difícil quando apoiavam a política colo-
nial portuguesa259.
Embora Portugal optasse por ressaltar as reservas, indicando que o documento
não deveria ser interpretado como sinal de isolamento do país, a resolução 322

253
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Buenos Aires para o MNE, de 25 de Novembro de 1972, p. 1-2.
254
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Paris para o MNE, de 22 de Novembro de 1972, p. 1-2.
255
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Roma para o MNE, de 24 de Novembro de 1972, p. 1.
256
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Washington para o MNE, de 16 de Novembro de 1972, p. 1-6.
257
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Londres para o MNE, de 24 de Novembro de 1972, p. 1-2.
258
 Ibidem.
259
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Washington para o MNE, de 16 de Novembro de 1972, p. 1-6.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  291

(1972) acalentou algumas expectativas260. Os países africanos alimentaram a


esperança que as potências ocidentais pressionassem Portugal para que aceitas-
se as decisões das NU e iniciasse negociações com os movimentos de liberta-
ção261. No imediato, a resolução, na perspectiva da ideia de autodeterminação,
teve como consequência o reforço da credibilidade dos movimentos de liber-
tação. Apesar do CS não ter efetuado o reconhecimento dos movimentos, o
facto de ter mencionado que a OUA os considerava como representantes legí-
timos dos povos de Angola, Guiné (Bissau) e Cabo Verde e Moçambique, foi
significativo. Em sentido idêntico, o Conselho legitimou a pretensão da AG
para que a autodeterminação resultasse de uma solução negociada. Mesmo
que houvesse alguma ambiguidade, a decisão do Conselho deixou uma certa
margem de manobra para que se atribuísse, como a Assembleia fizera, aos
movimentos de libertação a qualidade de interlocutores nas negociações que
se pretendia que fossem realizadas.

Ocupação Ilegal por Forças Militares Portuguesas


No final da reunião do CS, o governo português foi informado que deveria
estar preparado para que houvesse um maior apoio aos movimentos de liber-
tação da parte das NU e para que a questão da proclamação da independência
da Guiné (Bissau) pudesse ser apresentada na Organização262. A atestar essas
informações, a situação da Guiné (Bissau) quase que dominou a XXVIII AG
desde logo devido ao assassinato de Amílcar Cabral (a 20 de janeiro de 1973).
Apostando em novas iniciativas, o Comité de Descolonização, numa extensa
resolução (de 22 de junho) reafirmou o estatuto de representantes autênticos
das verdadeiras aspirações dos povos atribuído aos movimentos de libertação,
destacando as realizações do PAIGC e solicitando aos estados para que velas-
sem para que Portugal não concluísse em nome das suas colónias qualquer
tratado ou acordo sobre a venda dos seus produtos (Santos, 2009a: 87-88).
Confirmando a tendência para retirar ao governo português a legitimidade
para empreender ações em representação das colónias, o órgão envolveu-se
igualmente na denúncia do massacre perpetrado pelo exército português em
Moçambique, na Província de Tete, em localidades como Wiriyamu. Foi ado-
tado (a 20 de julho) um consenso, que entendia que foram comprovados fac-
tos tantas vezes denunciados e que Portugal deveria autorizar as NU a fazer,

260
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6, Ano de 1972, Vol. II, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Lima para o MNE, de 27 de Novembro de 1972, p. 1-3.
261
  AHD, Fundo POI, Mç. 611, Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. III, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 1 de Dezembro de 1972, p. 1.
262
  AHD, Fundo POI, Mç. 604, Processo POI 6.0, Ano de 1972, Vol. III, Telegrama da Missão
de Portugal na ONU para o MNE, de 22 de Dezembro de 1972, p. 1-2.
292  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

com o apoio dos movimentos de libertação, um inquérito sobre os aconteci-


mentos (Santos, 2009a: 88-89).
Como anunciara, no seguimento das eleições para a Assembleia Nacional Po-
pular, o PAIGC proclamou (a 24 de setembro) a República da Guiné-Bissau
(Sousa, 2011: 523). A proclamação unilateral de independência foi seguida
pelo reconhecimento internacional por dezenas de países, não obstante as di-
ficuldades que a questão suscitou. Considerando Portugal que a ação do
PAIGC teve por objetivo tirar partido do início das atividades da AG, Aristi-
des Pereira, que substituíra Amílcar Cabral, transmitiu ao SG a declaração de
independência263. Como esperado, uma carta assinada por mais de 50 países
solicitou a inscrição na agenda de um item intitulado Ocupação Ilegal por For-
ças Militares Portuguesas de Certos Sectores da República da Guiné-Bissau e Atos
de Agressão Cometidos contra o Povo da República. Na apreciação do pedido, o
representante português baseou a sua intervenção em argumentos jurídicos,
ressaltando que se estava perante uma questão de direito internacional264.
Mesmo tendo Portugal solicitado apoios, a maioria dos países, embora alguns
fizessem reservas, aprovou, por 88:7:20, o pedido de inscrição265.
O debate teve lugar no plenário, em paralelo ao da IV Comissão sobre o con-
junto das colónias portuguesas. Antes da discussão (realizada entre 26 de
outubro e 2 de novembro) constou que os países africanos estavam na eminên-
cia de propor que um representante do PAIGC fosse convidado a apresentar-
-se no plenário para fornecer informações266. Uma vez mais a hipótese não se
concretizou, dado que houve um grande receio, designadamente entre as
potências ocidentais, que o PAIGC se apresentasse como representante da
República da Guiné-Bissau267. Para o debate inscreveram-se cerca de 60 países,
sendo que a discussão foi na sua totalidade preenchida pelos afro-asiáticos e os
socialistas, mais a Jamaica e a Guiana. Os restantes países não tiveram qual-
quer participação e não houve espaço à manifestação de apoios a Portugal,
mesmo da parte daqueles que no passado assumiram uma posição ambígua.
Algumas delegações concertaram as suas intervenções, tendo a Síria atuado em

263
  AHD, Fundo POI, Mç. 651, Processo POI 4, Ano de 1973, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Copenhaga para o MNE, de 4 de Outubro de 1973, p. 1-2.
264
 Nations Unies – A/PV. 2156. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2156e Séance
Plénière. Lundi 22 Octobre 1973, à 13h30. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 1-6.
265
  Dados sobre as diligências portuguesas podem ser encontrados em: AHD, Fundo POI, Mç.
652.
266
  AHD, Fundo POI, Mç. 652, Processo POI 4, Ano de 1973, Vol. I, Memorando da Embai-
xada de Portugal em Madrid para o Diretor Geral de Política Exterior do Ministério dos Negócios
Estrangeiros de Espanha, de 24 de Outubro de 1973, p. 1.
267
 Ibidem.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  293

representação de 18 países árabes, que estavam descontentes por Portugal ter


permitido a utilização dos Açores pelos EUA para ajudar Israel na guerra de
Yom Kippur268.
As afirmações contra Portugal ganharam um novo folego, com a utilização de
expressões violentas. Foram reeditadas as críticas à política colonial portugue-
sa, pelo que as intervenções não se centraram unicamente na situação da Gui-
né-Bissau. Algumas das questões referidas foram os apoios da NATO a Portu-
gal, a cooperação com os regimes minoritários da África Austral, os ataques a
países africanos e os massacres em Moçambique269. Quanto à Guiné-Bissau,
foi entendido que os guineenses oficializaram a existência do Estado, conside-
rando-se que Portugal violava a soberania e a integridade do país ao continuar
a ocupar ilegalmente parte do território270. Delegações como as da Guiné,
Senegal e Gana abordaram a perspectiva jurídica, apresentando argumentos
para demonstrar a existência de um Estado legal na Guiné-Bissau271. Portugal
foi acusado de pilhar os recursos do Estado soberano da Guiné-Bissau, de
impor estruturas sociais alheias às populações, de ameaçar gravemente a paz e
a segurança internacionais, de desrespeitar as resoluções das NU e de recusar a
realização de negociações com o PAIGC272. Em contrapartida, foi colocado
em evidência o que se considerava como o sucesso da luta do movimento e
o seu envolvimento na transformação das estruturas políticas, económicas e
sociais do território273.
Mesmo não tendo podido participar presencialmente na discussão, o PAIGC
não deixou de aproveitar a ocasião para transmitir o seu entendimento sobre a
questão. Por intermédio da representante da Guiné, Jeanne Martin Cissé, que
procedeu à leitura de um telegrama, o movimento acusou o governo portu-
guês de ter reforçado o bombardeamento contra as populações, sendo indica-
do que se o número de vítimas não fora maior o facto deveu-se à eficácia das
medidas de defesa adotadas274. Além da denúncia das ações portuguesas, o
telegrama teve por objetivo salientar o apoio das populações aos guerrilheiros,

268
  No âmbito das conversações para a cedência da base, Portugal impusera como condição que
os EUA adotassem no CS uma posição favorável ao país relativamente à proclamação da inde-
pendência da Guiné-Bissau. Cf. Antunes, 1992a: 277.
269
 Nations Unies – A/PV. 2157. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2157e Séance
Plénière. Vendredi 26 Octobre 1973, à 10h30. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 8.
270
 Idem. p. 5.
271
 Idem. p. 5-9, 12-15.
272
 Idem. p. 37.
273
 Idem. p. 10.
274
 Nations Unies – A/PV. 2158. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2158e Séance
Plénière. Lundi 29 Octobre 1973, à 10h30. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 19.
294  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

enumerando os ataques e as baixas que teriam infligido ao exército portu-


guês275. As afirmações do PAIGC foram retomadas por algumas delegações,
designadamente pelas dos países árabes, que solicitaram a condenação de Por-
tugal e ressaltaram a necessidade de adotar medidas para cessar a presença e a
agressão portuguesa contra o novo Estado e as populações da Guiné (Bissau)
e Cabo Verde276. Outros países como o Senegal e a China evocaram a possibi-
lidade da admissão da República da Guiné-Bissau nas NU, chamando a aten-
ção para a obrigação da comunidade internacional apoiar o esforço de recons-
trução do país277.
Tendo Rui Patrício voltado a participar na sessão de abertura da AG, Portugal
entendeu fazer-se representar na discussão (Castilho, 2012: 769)278. O repre-
sentante português apresentou várias intervenções para demonstrar que estava
em causa um princípio de direito internacional e não a política colonial por-
tuguesa. António Patrício contestou a objetividade do debate, voltando a
insistir nos argumentos jurídicos para refutar a fundamentação da proclama-
ção da República da Guiné-Bissau279. As afirmações produzidas no momento
da inscrição foram aprofundadas, indicando-se que as regras do direito inter-
nacional clássico e a jurisprudência das NU não podiam ser aplicadas à Repú-
blica da Guiné-Bissau, uma vez que o PAIGC não controlava um território e
uma população bem definidos280. Neste sentido, argumentou-se que o reco-
nhecimento prematuro do Estado era equivalente a um ato de intervenção e a
um delito281. Para desacreditar a proclamação da independência, colocou-se
em dúvida que o acontecimento realmente tivera lugar, sendo a administração
portuguesa na Guiné-Bissau apresentada como exercendo responsabilidades
sobre um conjunto de serviços e infraestruturas, que beneficiavam as popula-
ções282. Referências a eleições da Assembleia Legislativa e à instalação de Con-

275
 Ibidem.
276
 Nations Unies – A/PV. 2162. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2162e Séance
Plénière. Jeudi 1er Novembre 1973, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 1-2.
277
  Nations Unies – A/PV. 2156. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2156e Séance…
p. 7; Nations Unies – A/PV. 2158. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2158e Séance…
p. 11.
278
  Rui Patrício abordou questões como a política de desanuviamento, a natureza dos movi-
mentos de libertação, o direito à autodeterminação, a situação em África, a proclamação da
independência da Guiné-Bissau e a proposta para conversações com países africanos. Cf. Silva,
1997: 152.
279
  Nations Unies – A/PV. 2156. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2156e Séance…
p. 1-6.
280
 Idem. p. 1-2.
281
 Idem. p. 2.
282
 Ibidem.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  295

gressos do Povo serviram para se indicar que progressivamente o controlo da


vida política, social e económica do território estava a ser transferido para as
populações283.
Submetido por mais de 40 subscritores, o projeto de resolução foi elaborado
ainda antes do início do debate, desconhecendo-se se houve consultas com os
grupos regionais. O texto apresentou referências ao direito à autodetermina-
ção e à independência, reportando-se à Carta e à resolução 1514 (XV)284.
Logo no segundo parágrafo, a independência da Guiné-Bissau foi considerada
como um dado adquirido ao se propor que a AG demonstrasse uma profunda
preocupação pela situação explosiva resultante da continua ocupação ilegal
por forças armadas portuguesas de certos setores do novo Estado e pela inten-
sificação dos atos de agressão contra o povo guineense285. Integrando deste
modo algumas das afirmações do telegrama do PAIGC, o documento men-
cionou o Art.º 2.º, § 4.º, da Carta, que continha disposições sobre a necessi-
dade dos países se absterem do uso da força contra a integridade e a indepen-
dência de outro Estado286.
A ideia da existência de uma ocupação ilegal de parte do novo Estado foi
aprofundada nas disposições seguintes, com as considerações que preten-
diam que se exprimisse satisfação por a Guiné-Bissau assumir como dever
sagrado a expulsão das forças portuguesas e a intensificação da luta em
Cabo Verde287. O documento procurou que fosse sancionado o projeto de
unidade entre a Guiné-Bissau e Cabo Verde, prevendo que se considerasse
o arquipélago como parte integrante e inalienável do território nacional do
povo guineense e cabo-verdiano288. Dadas as questões suscitadas quanto
ao futuro, houve a intenção de exprimir a consciência da necessidade urgen-
te de assistência internacional que o Estado da Guiné-Bissau tinha para a
implementação de programas de reconstrução. Contrariamente ao que o
debate poderia ter feito supor, o projeto limitou-se a propor que se saudasse,
em vez de reconhecer, a independência do povo guineense e a criação do
Estado soberano da República da Guiné-Bissau289. Relativamente a Portu-
gal, pretendeu-se que a sua política fosse veementemente condenada pela
perpetuação da ocupação ilegal de certos setores da República da Guiné-

283
 Idem. p. 12.
284
  United Nations. Resolution 3061 (XXVIII), 2 November 1973. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
285
 Ibidem.
286
 Ibidem.
287
 Ibidem.
288
 Ibidem.
289
 Ibidem.
296  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

-Bissau e pelos repetidos atos de agressão contra o povo guineense e cabo-


-verdiano290.
Em conjunto com a condenação, foi proposto que se solicitasse ao governo
português para que desistisse das violações da soberania e da integridade da
República da Guiné-Bissau e dos atos de agressão contra o povo guineense
e cabo-verdiano, procedendo à retirada imediata das suas forças militares291.
Naquele que foi um parágrafo considerado como redigido de forma sóbria,
procurou-se que se chamasse a atenção do CS para a situação crítica resultante
da presença ilegal de Portugal na Guiné-Bissau e para a urgente necessidade de
se adotar medidas para restaurar a integridade do território292. Tendo havido o
cuidado em enquadrar algumas das disposições nos termos da Carta, enten-
deu-se que se dirigisse um convite aos estados membros, às agências especiali-
zadas e a outras organizações para que concedessem a assistência necessária à
Guiné-Bissau para os programas de reconstrução e desenvolvimento293. Prova-
velmente porque se antecipou que a questão podia voltar a ser analisada, na
última alínea foi proposto que a AG mantivesse a situação sob constante vigi-
lância.
O projeto de resolução não foi analisado detalhadamente no debate, tendo
sido objeto de algumas referências, sobretudo para se solicitar que fosse apro-
vado por unanimidade. Tanto quanto foi possível apurar, Portugal realizou
diligências contra o projeto em Espanha e em países latino-americanos (Méxi-
co, Equador, Peru, Argentina e Bolívia)294. Com toda a probabilidade, outros
países, como os ocidentais, terão sido contactados, mas na impossibilidade de
se consultar todas as fontes, somente podemos especular295. A ideia de que
Portugal terá realizado mais diligências encontra consistência no número de
reservas apresentadas pela Argentina, Grécia, Chile, Reino Unido, Bélgica,
nórdicos, Canadá e Austrália296. As reservas mais declaradamente favoráveis ao
governo português foram as do Reino Unido, que confrontado com um dile-
ma quanto à independência da Guiné-Bissau, acabou por subscrever o argu-
mento de que estava em causa um princípio de direito internacional e não a
política colonial portuguesa (Macqueen, 2006b: 108-109). Nas reservas dos

290
 Ibidem.
291
 Ibidem.
292
 Ibidem.
293
 Ibidem.
294
  Esta informação encontra-se em AHD, Fundo POI, Mç. 652.
295
  Não foi possível consultar toda a documentação do MNE referente ao ano de 1973, uma
vez que alguns maços não foram desclassificados pelo AHD.
296
 Nations Unies – A/PV. 2163. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2163e Séance
Plénière. Vendredi 2 Novembre 1973, à 10h30. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 6-11.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  297

restantes países foi referido que o texto comportava o risco de criar um prece-
dente perigoso, desrespeitando as regras que regiam a existência dos estados.
Considerando-se que Portugal continuava a deter a soberania na Guiné-
-Bissau, o projeto foi qualificado como contendo afirmações demasiado cate-
góricas, baseando-se em hipóteses irreais e em propostas infundadas e inacei-
táveis297.
Tendo sido solicitada a votação por apelo nominal, com 93 votos favoráveis, 7
contra e 30 abstenções, o projeto foi adotado, transformando-se na resolução
3061 (XXVIII), de 2 de novembro298. Entre os países que votaram contra, que
foram Portugal, África do Sul, Espanha, Reino Unido, EUA, Brasil e Grécia,
não houve propriamente novidades. Mais significativas foram as abstenções,
que abrangeram países alinhados com o ocidente, entre as quais a França, os
nórdicos e Israel, os latino-americanos e o Japão299. Dos que não participaram
na votação voltaram a destacar-se o Malawi e a Suazilândia300. Diferentes
motivações terão condicionado o voto, não sendo de excluir que os EUA, que
realizaram diligências para impedir o reconhecimento do Estado da Guiné-
-Bissau, tivessem influenciado alguns países301. Provavelmente terá sido a
intervenção norte-americana a determinar que Israel, que tradicionalmente
votava com a maioria afro-asiática, se tivesse abstido302. Relativamente à Fran-
ça, Portugal ficou a saber que a presença de Leopold Senghor em Paris no
momento da votação terá condicionado o comportamento do país303. Entre os
latino-americanos, a Costa Rica terá sido motivada pelo desejo de aproxima-
ção aos africanos, uma vez que iria assumir o lugar de membro não permanen-
te do CS, ao passo que no caso do Equador as pressões da delegação em Nova
Iorque foram decisivas304.

297
 Ibidem.
298
 Idem. p. 11.
299
  Holanda, Nova Zelândia, Nicarágua, Noruega, Paraguai, Suécia, Turquia, Uruguai, Vene-
zuela, Austrália, Áustria, Bélgica, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Dinamarca, República
Dominicana, El Salvador, Finlândia, França, RFA, Guatemala, Honduras, Islândia, Irlanda,
Israel, Itália, Japão e Luxemburgo. Cf. Ibidem.
300
  AHD, Fundo POI, Mç. 652, Processo POI 4, Ano de 1973, Vol. II, Carta do Diretor Geral
do MNE para o Diretor do GNP do MU, de 7 de Novembro de 1973, p. 1.
301
  AHD, Fundo POI, Mç. 652, Processo POI 4, Ano de 1973, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Washington para o MNE, de 29 de Outubro de 1973, p. 1-2.
302
  AHD, Fundo POI, Mç. 651, Processo POI 4, Ano de 1973, Vol. II, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 25 de Outubro de 1973, p. 1.
303
  AHD, Fundo POI, Mç. 652, Processo POI 4, Ano de 1973, Vol. II, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Paris para o MNE, de 3 de Novembro de 1973, p. 1.
304
  AHD, Fundo POI, Mç. 651, Processo POI 4, Ano de 1973, Vol. II, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 7 de Novembro de 1973, p. 1.
298  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Terminada a votação, os países africanos indicaram que tinha havido um


apoio esmagador da comunidade internacional à luta do povo da República da
Guiné-Bissau e uma clara condenação do governo português305. Sempre con-
sideradas por Portugal como tendo grande importância para a deslegitimação
das resoluções foram apresentadas explicações de voto pela Holanda, EUA,
Irlanda, Equador, França, África do Sul, Itália, RFA e Nova Zelândia306. Esses
países, com destaque para a França, indicaram não reconhecer a República da
Guiné-Bissau, que a declaração de independência não tinha justificação, que
o texto incluía afirmações exageradas, que a chamada de atenção do CS deve-
ria ter sido formulada noutros termos ou que não existiam informações sufi-
cientes para se avaliar a situação307. A única intervenção que não parece ter
tido por objetivo desmerecer o texto foi a do México, que, não obstante a
compreensão demonstrada nos contactos com Portugal, considerou a ascensão
da República da Guiné-Bissau à independência como uma consequência do
fracasso do processo de descolonização308.
Para responder às dúvidas suscitadas por Portugal, o representante de Cuba
apresentou um outro telegrama do PAIGC, onde foi indicado que no interior
da zona libertada, estimada como representando 72% do território da Guiné-
-Bissau, viviam cerca de 350 000 habitantes309. No final do debate existiram
rumores de que os países árabes estavam a pressionar para que se solicitasse a
convocação do CS para analisar os desenvolvimentos na Guiné-Bissau310. Os
EUA e o Reino Unido asseguraram a Portugal a intenção de recorrer ao veto
caso o pedido fosse submetido ao Conselho, o que provavelmente terá dissua-
dido as tentativas para que a Guiné-Bissau fosse admitida como Estado mem-
bro311. Ainda assim, as consequências do exame da proclamação unilateral da
independência não tiveram paralelo312. Desde início, a forma como a questão

305
  Nations Unies – A/PV. 2163. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2163e Séance…
p. 11-12.
306
 Idem. p. 12-16.
307
 Ibidem.
308
 Idem. p. 15.
309
 Idem. p. 16-17.
310
  AHD, Fundo POI, Mç. 651, Processo POI 4, Ano de 1973, Vol. II, Relato da Conversa
entre João Afonso Ascensão e Rego Monteiro, Chefe da Secção II, da Divisão Africana, do Depar-
tamento de Tutela e Territórios não Autónomos das NU, Realizada a 11 de Novembro de 1973,
p. 1-2.
311
  AHD, Fundo POI, Mç. 652, Processo POI 4, Ano de 1973, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Washington para o MNE, de 29 de Outubro de 1973, p. 1-2.
312
  Portugal passou a enfrentar a questão da participação da Guiné-Bissau em agências especia-
lizadas e conferências internacionais, tendo sido decidido, para evitar o isolamento do país,
estar presente nas sessões onde estivessem representantes do PAIGC. Cf. AHD, Fundo POI,
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  299

fora enunciada permitiu perceber as intenções da maioria, uma vez que se


retomou quase textualmente as afirmações de Amílcar Cabral segundo as
quais a população da Guiné-Bissau alcançara a autodeterminação e que a sua
situação era comparável à de um Estado independente em que algumas partes
do território nacional estavam ocupadas por forças armadas estrangeiras.
Embora a AG se tivesse limitado a saudar o acontecimento, houve na realida-
de um reconhecimento implícito do Estado da Guiné-Bissau.
Decorrente do debate no plenário, ficou estabelecido que, ao abrigo da ideia
de autodeterminação, quando fosse entendido que havia o domínio sobre par-
te de um território e respectivas populações, podia-se legitimamente proceder
à proclamação unilateral da independência. Foi igualmente estabelecido que
se considerava que nessa situação a posição da potência colonial em relação ao
território passaria a ser a de um ocupante ilegal, um agressor, em violação da
soberania e da integridade do novo Estado. Neste sentido, pode-se subenten-
der, tal como estabelecido pela resolução 3061 (XXVIII), que se estaria peran-
te uma infração do Art. 2.º, § 4.º, da Carta, que solicitava aos estados para
renunciarem ao uso da força. Com a mudança de estatuto da potência colo-
nial, a sua legitimidade para representar as populações ficaria igualmente com-
prometida por se entender que já não detinha a soberania sobre o território. A
ideia de autodeterminação demonstrou de forma adicional que o consenso
que se formara quanto ao carácter legal da assistência aos povos em luta contra
a dominação colonial deveria ser estendido aos países recém-independentes.

Tal como Existe nas suas Fronteiras Europeias


Com a situação nas colónias portuguesas a ser debatida não somente no ple-
nário, mas também em diversas comissões, a XXVIII AG representou um
momento de confrontação sem precedentes para Portugal. Em certo sentido,
foi o culminar do processo que se vinha desenrolando desde 1961, tendo a
contestação à política colonial portuguesa se tornado mais intensa e mais
ampla. A IV Comissão, ao inscrever o item na agenda, atribuiu-lhe prioridade,
procedendo ao seu exame de forma independente313. Uma vez que o Secreta-
riado entendera que a decisão adotada no ano anterior perdera validade, a
Comissão decidiu novamente convidar os movimentos de libertação reconhe-
cidos pela OUA para participarem no debate como observadores314. Embora

Mç. 707, Processo POI 6, Ano de 1974, Vol. I, Circular POI-2 do MNE, de 11 de Fevereiro de
1973, p. 17-18.
313
 United Nations – A/9338. 30 November 1973. Question of Territories under Portuguese
Administration. Report of the Fourth Committee. s.l.: s.n., s.d. p. 1.
314
 Idem. p. 2.
300  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

tivesse havido reservas de Portugal, África do Sul, EUA, Reino Unido e Brasil,
a FNLA e a FRELIMO foram admitidas como observadores315. Foi de assina-
lar a ausência do PAIGC, o que terá sido motivada pelo facto da proclama-
ção da República da Guiné-Bissau estar a ser analisada em simultâneo, e do
MPLA, que talvez tivesse sido condicionado pelos conflitos internos que
enfrentava.
No debate (entre 27 de setembro e 15 de novembro) participaram cerca de 50
delegações pertencentes a todos os grupos regionais, registando-se que a quase
totalidade dos intervenientes argumentou contra Portugal. Particularmente
duras foram as intervenções da Colômbia e da Costa Rica, que inicialmente
prometeram aos representantes portugueses que não participariam na discus-
são316. Os países alinhados com o ocidente, como a Austrália e a Nova Zelân-
dia, demonstraram uma maior inclinação para se associar à maioria, ressaltan-
do compreender a posição dos movimentos de libertação317. Poucos foram
aqueles que não se envolveram na condenação da política colonial portuguesa,
destacando-se as afirmações da RFA, admitida nas NU em conjunto com a
República Democrática Alemã (RDA), que referiu a necessidade do recurso a
meios pacíficos318. A hostilidade em relação a Portugal foi uma consequência
da deterioração do ambiente para o país resultante da proclamação da inde-
pendência da Guiné-Bissau e da campanha internacional em torno do massa-
cre de Wiriyamu.
No início da discussão, procedeu-se à leitura do comunicado do PAIGC sobre
a proclamação da República da Guiné-Bissau, o que tornou a situação no
território numa das questões centrais da sessão319. A declaração unilateral de
independência foi considerada com grande satisfação, havendo praticamente
um novo debate em paralelo ao que estava a decorrer no plenário320. Outro
dos temas principais foi o massacre em Moçambique, sendo quase unanime-

315
  Nations Unies – A/C.4/SR 2027. Quatrième Commission, 2027e Séance. Jeudi 27 Septembre
1973, à 15h45. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 5-6.
316
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Bogotá para o MNE, de 11 de Outubro de 1973, p. 1; AHD, Fundo POI, Mç.
669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. I, Telegrama da Embaixada de Portugal em São José da
Costa Rica para o MNE, de 11 de Outubro de 1973, p. 1.
317
  Nations Unies – A/C.4/SR 2031. Quatrième Commission, 2031e Séance. Vendredi 5 Octobre
1973, à 12 heures. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 21-22; Nations Unies – A/C.4/SR 2032. Quatriè-
me Commission, 2032e Séance. Lundi 8 Octobre 1973, à 10h50. Nova Iorque: s.n., 1973.
p. 27-28.
318
  Nations Unies – A/C.4/SR 2057. Quatrième Commission, 2057e Séance. Vendredi 9 Novembre
1973, à 15h35. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 198-199.
319
  Nations Unies – A/C.4/SR 2027. Quatrième Commission, 2027e Séance… p. 7.
320
  AHD, Fundo POI, Mç. 225, Circular POI-23 do MNE, de 5 de Dezembro de 1973, p. 5.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  301

mente reconhecido que as denúncias correspondiam a factos reais e que não


constituíam atos isolados321. Os países nórdicos assumiram um grande prota-
gonismo quanto à questão, produzindo uma intervenção conjunta, em que
defenderam a necessidade de um inquérito internacional sobre os métodos
empregues por Portugal na guerra nas colónias322. Relativamente aos restantes
aspetos analisados foram reforçados os pedidos para o embargo de armas, a
aplicação de sanções, a condenação dos EUA, Reino Unido e outros países que
apoiavam Portugal e o aumento da assistência às populações das colónias323.
Foram proferidas afirmações quanto aos progressos alcançados pelos movi-
mentos de libertação e à situação explosiva existente na África Austral, abor-
dando-se no entanto com menor insistência temas anteriormente dominan-
tes, como a necessidade de serem iniciadas negociações, os aspetos económicos
da política colonial portuguesa, o emprego de armas químicas ou a aliança
com os regimes minoritários324.
A participação dos observadores na discussão foi uma oportunidade para uma
vez mais os movimentos de libertação transmitirem o desejo de negociar com
o governo português. Quanto a Angola, onde o conflito estava confinado a
zonas remotas, sem representar uma grande ameaça para as forças portugue-
sas, a FNLA ressaltou as suas ações militares e a atuação junto das populações
(Pélissier e Wheeler, 2009: 357). Ao denunciar a violência do colonialismo
português, o movimento demonstrou a tendência para a apropriação de um
dos argumentos do momento, apresentando exemplos de massacres que te-
riam sido perpetrados por Portugal em Angola325. Sendo que muitas das ques-
tões suscitadas pela FNLA estiveram presentes nas suas considerações, a FRE-
LIMO apresentou uma extensa declaração sobre Moçambique, onde as suas
atividades estavam a ser direcionadas para sul com o auxílio de equipamento
militar mais sofisticado (Oliveira, 2007: 400). Foram colocados em destaque
as ações do movimento, a organização do seu II Congresso, os massacres co-
metidos por Portugal ou os apoios concedidos ao governo português pelas
potências ocidentais326. A FRELIMO abordou ainda a situação nas restantes

321
 Ibidem.
322
  Nations Unies – A/C.4/SR 2030. Quatrième Commission, 2030e Séance. Jeudi 4 Octobre
1973, à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 30.
323
 Idem. p. 18.
324
  Nations Unies – A/C.4/SR 2029. Quatrième Commission, 2029e Séance. Mercredi 3 Octobre
1973, à 15h35. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 13.
325
  Nations Unies – A/C.4/SR 2028. Quatrième Commission, 2028e Séance. Lundi 1er Octobre
1973, à 15h25. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 9-10.
326
  Nations Unies – A/C.4/SR 2055. Quatrième Commission, 2055e Séance. Mercredi 7 Novembre
1973, à 11h05. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 184-185.
302  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

colónias portuguesas, destacando as realizações do PAIGC e a luta em São


Tomé e Príncipe327.
Com a demonstração do desejo de se adaptar as propostas à evolução da situa-
ção nas colónias portuguesas, foram apresentados dois projetos de resolução.
O primeiro projeto, elaborado pelos afro-asiáticos, não foi submetido a con-
sultas com outras delegações328. Ao que tudo indica, a versão inicial continha
referências ao reconhecimento do Estado da Guiné-Bissau, que acabaram por
ser suprimidas329. Como o plenário ficara encarregue do estudo da situação na
Guiné-Bissau, o projeto de resolução referiu-se exclusivamente a Angola e
Moçambique. De ressaltar ainda a omissão de apelos à realização de negocia-
ções, por se considerar que a questão se encontrava implícita no texto330. Nos
seus restantes itens, o documento apresentava muitas semelhanças com a reso-
lução 2918 (XXVII), embora se registasse um notório aumento do número
das disposições e um endurecimento na linguagem empregue.
Nas suas cláusulas iniciais, o documento reportou-se ao relatório do Comité
de Descolonização, propondo que a AG destacasse as opiniões expressas no
órgão pelos representantes dos movimentos de libertação ouvidos na qualida-
de de observadores. Sem mencionar a FRELIMO, provavelmente porque o
movimento não estivera presente no início da discussão, foi entendido que se
devia ressaltar a declaração da FNLA na IV Comissão331. O projeto pretendia
relembrar as resoluções 1514 (XV) e 2621 (XXV), bem como as demais deci-
sões das NU, destacando as adotadas no ano anterior pela AG e o CS. Foi
igualmente considerado pertinente que se tivesse em atenção o programa ado-
tado na Conferência Internacional de Peritos em Apoio às Vítimas do Colo-
nialismo e do Apartheid no Sudoeste de África, realizada na Noruega (entre
9-14 de abril), e a Declaração sobre os Territórios sob Dominação Portuguesa
da X Sessão Ordinária da Assembleia de Chefes de Estado e de Governo da
OUA (de 28 de maio)332.
De entre as condenações constantes do documento, a primeira visou a colabo-
ração entre os regimes minoritários da África Austral, sendo redigida nos mes-
mos termos da presente na resolução 2918 (XXVII)333. A outra abrangeu a
repetida agressão portuguesa contra os estados africanos, o que foi considerada

327
 Idem. p. 185.
328
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Estocolmo para o MNE, de 8 de Novembro de 1973, p. 1.
329
 Ibidem.
330
  Nations Unies – A/C.4/SR 2055. Quatrième Commission, 2055e Séance... p. 180-181.
331
  United Nations – A/9338. 30 November 1973. Question of Territories under Portuguese… p. 3.
332
 Idem. p. 7.
333
 Ibidem.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  303

como uma violação da soberania e da integridade desses países e uma séria


perturbação para paz e a segurança internacionais334. A última condenação foi
direcionada para as tentativas que pudessem ser empreendidas por Portugal
para disponibilizar à NATO ou aos seus membros, a nível bilateral, as instala-
ções existentes nas suas colónias para serem utilizadas para propósitos milita-
res335. Ao se colocar a ênfase nas relações bilaterais provavelmente tinha-se em
mente os acordos entre os EUA e Portugal que permitiram a utilização dos
Açores pelos norte-americanos na guerra entre Israel e os países árabes.
Mesmo que ao que tudo indica algumas das referências à NATO inicialmente
constantes do texto tivessem sido excluídas, o comportamento dos membros
da aliança foi objeto de reprovação. O projeto de resolução abordou a questão
de forma diferente da anterior AG, propondo que se deplorasse veemente-
mente a política dos estados, em particular dos aliados de Portugal, que con-
tinuavam a fornecer-lhe assistência tanto no contexto da NATO como bilate-
ralmente336. Sem serem mencionados diretamente, os países da NATO
voltaram a estar em destaque ao se prever que a Assembleia demonstrasse uma
profunda perturbação pela intensificação das atividades económicas, financei-
ras e de outro tipo que ajudavam Portugal na sua guerra colonial337. Com as
devidas adaptações em relação às formulações precedentes, as manifestações
de apreço e satisfação foram reservadas para os programas de assistência con-
cedidos aos movimentos de libertação e para os progressos que se considerava
que estavam a realizar. A grande novidade foi a intenção de exprimir satisfação
pelo propósito do Comité de Descolonização de enviar missões de visita às
áreas libertadas de Angola e Moçambique338.
Exatamente com a mesma redação, foram reproduzidos os parágrafos da reso-
lução 2918 (XXVII) sobre o direito à autodeterminação e à independência, a
legitimidade da luta, a qualificação dos movimentos de libertação enquanto
representantes das verdadeiras aspirações das populações e a recomendação
para que fossem convidados a participar na análise das questões relacionadas
com as colónias portuguesas. Por se considerar que tinha havido uma intensifi-
cação da repressão armada, designadamente com o massacre de aldeões, a des-
truição em massa de aldeias e propriedades ou o uso de napalm e substâncias
químicas, procurou-se condenar em termos veementes a recusa do governo
português em aplicar as disposições das NU339. De assinalar ainda que não

334
 Ibidem.
335
 Ibidem.
336
 Ibidem.
337
 Ibidem.
338
 Idem. p. 8.
339
 Ibidem.
304  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

foram introduzidas alterações substanciais na formulação da solicitação que


vinha sendo apresentada ao governo português para que cessasse imediatamen-
te a guerra e os atos de repressão340. Ao propor o tratamento dos combatentes
capturados durante o conflito enquanto prisioneiros de guerra, o projeto de
resolução apresentou no entanto novidades. Com efeito, recomendou-se que se
convidasse o Comité Internacional da Cruz Vermelha a continuar a manter um
estreito contacto com os movimentos de libertação, enquanto partes em confli-
to, para fornecer relatórios sobre as condições em prisões e campos de prisio-
neiros administrados por Portugal e assegurar a troca de presos de guerra341.
O projeto de resolução conferiu uma grande atenção às ações que os estados
deveriam empreender em relação às colónias e ao governo português. Nova-
mente se apelou à atribuição de assistência às populações, em particular às que
viviam nas áreas libertadas342. Voltou-se a propor que os estados, sobretudo os
membros da NATO, fossem convidados a cessar a concessão do apoio que
permitia a Portugal continuar a guerra, especificando-se que na proibição de
venda ou fornecimento de material militar deveriam ser incluídos a aviação
civil, os barcos e outros meios que pudessem ser empregues no transporte de
militares e armamento343. Relacionado com o acima mencionado, foi integra-
do um parágrafo destinado a que pedisse que todos se abstivessem de qualquer
colaboração com Portugal envolvendo o uso das suas colónias para propósitos
militares344. Como medidas imediatas a implementar, entendeu-se que se ape-
lasse aos estados para que colocassem fim às atividades que ajudassem na
exploração dos territórios e das populações, desencorajassem os seus cidadãos
e empresas de participar em transações e arranjos que contribuíssem para a
subjugação e excluíssem Portugal de tratados ou acordos relacionados com a
exportação de produtos angolanos e moçambicanos345.
Qualificando as ações do governo português como “guerra criminosa de
opressão”, o projeto procurou que se avançasse imediatamente para uma cha-
mada de atenção ao CS. O recurso ao Conselho foi justificado pela existência
de uma situação explosiva nas colónias, pelas constantes provocações portu-
guesas contra países africanos, pelo não cumprimento das resoluções das NU
e pela necessidade de serem adotadas medidas efetivas para assegurar a com-
pleta e rápida implementação da resolução 1514 (XV)346. Relativamente às

340
 Ibidem.
341
 Ibidem.
342
 Ibidem.
343
 Idem. p. 9.
344
 Ibidem.
345
 Ibidem.
346
 Ibidem.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  305

restantes entidades das NU, uma das cláusulas propôs que o SG acompanhas-
se a forma como a decisão da AG seria aplicada e reportasse na sessão seguinte.
Uma vez que foi entendido que existia a necessidade urgente de mobilizar a
opinião pública internacional contra a guerra empreendida pelo governo por-
tuguês, foi também proposto que se convidasse o SG a continuar a adotar
medidas, através dos media, para conceder uma ampla e continua publicidade
à situação347. Antecipando-se eventuais desenvolvimentos, foi sugerido que se
mantivesse a questão das colónias portuguesas sob continua revisão, inscre-
vendo-a na agenda da XXIX AG.
O segundo projeto de resolução incidiu sobre a questão dos massacres em
Moçambique, visando a realização de um inquérito para averiguar os aconte-
cimentos. Inicialmente existiram dúvidas sobre se o texto seria apresentado
individualmente ou se os autores aceitariam que fosse integrado no projeto
afro-asiático348. Ao que tudo indica, os países africanos manifestaram algumas
reservas ao inquérito, ressaltando as dificuldades para a sua concretização
devido à oposição de Portugal349. Várias versões terão sido elaboradas, sendo
que o projeto foi patrocinado pelos nórdicos, Argentina, Austrália, Bélgica,
Fiji, Irlanda, México, Holanda, Nova Zelândia, Peru, Serra Leoa e Sudão350.
Todos os grupos regionais, com a exceção dos socialistas, participaram na ini-
ciativa. Diferentes entendimentos parecem no entanto ter motivado os países,
com a Bélgica a indicar que o seu contributo para a elaboração do documento
tivera por objetivo evitar que Portugal fosse condenado e que os factos fossem
considerados como provados351.
O texto, considerado como tendo fins humanitários, foi redigido em termos
moderados, não apresentando referências à resolução 1514 (XV). Os autores
evitaram considerações que pudessem indicar que estavam a julgar antecipa-
damente a questão, propondo que a AG demonstrasse uma profunda pertur-
bação com os alegados massacres em Moçambique e relembrasse a decisão do
Comité de Descolonização segundo a qual o governo português deveria per-
mitir uma investigação cuidadosa e imparcial352. Ao se indicar que a Assem-
bleia deveria mostrar-se convicta da necessidade urgente de realizar a investi-
gação, entendeu-se que fosse estabelecida uma comissão de inquérito com-

347
 Ibidem.
348
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. I, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 26 de Outubro de 1973, p. 1.
349
 Ibidem.
350
  United Nations – A/9338. 30 November 1973. Question of Territories under Portuguese… p. 3.
351
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Bruxelas para o MNE, de 7 de Novembro de 1973, p. 1.
352
  United Nations – A/9338. 30 November 1973. Question of Territories under Portuguese… p. 10.
306  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

posta por cinco elementos, que seriam nomeados após consultas com os
estados membros353. Foi pretendido ainda que a comissão fosse mandatada a
reunir informações de todas as fontes relevantes, a solicitar a cooperação e a
assistência dos movimentos de libertação e a reportar o mais rapidamente pos-
sível à AG354. No parágrafo final previu-se que se solicitasse ao governo portu-
guês para cooperar com o órgão e lhe concedesse todas as facilidades necessá-
rias à concretização do seu objetivo355.
Com base em sugestões apresentadas pelas delegações, o primeiro projeto de
resolução foi emendado, integrando-se algumas precisões, que não modifica-
ram todavia o sentido do documento. Uma das emendas introduziu a referên-
cia às declarações do representante da FRELIMO a par das da FNLA356. A
outra proposta de alteração, apresentada pela Líbia, consistiu em adicionar
“por todos os meios à sua disposição” no parágrafo em que se efetuava a reafir-
mação da legitimidade da luta das populações das colónias portuguesas357. A
última modificação substituiu, na disposição quanto à intervenção da Cruz
Vermelha Internacional, a expressão “prisão e campos de tratamento de prisio-
neiros” por “prisioneiros e campos de guerra e tratamento de prisioneiros de
guerra”358. Relativamente ao segundo projeto de resolução, a FRELIMO apre-
sentou algumas sugestões para tornar o documento mais penalizador para Por-
tugal, mas que não foram aceites pelos autores. O movimento pediu que ficas-
se estabelecido que os massacres tinham sido cometidos pelas forças armadas
portuguesas e que fosse acrescentado um novo parágrafo a solicitar ao SG que
fornecesse à comissão de inquérito todas as facilidades e o pessoal necessário à
execução do seu mandato359.
Contrariamente ao verificado na questão da Guiné-Bissau, Portugal não este-
ve representado na discussão, tentando compensar a sua ausência com o envio
de cartas ao presidente da Comissão360. Nos bastidores foram realizadas
démarches contra os projetos de resolução, sendo que os maiores esforços
parecem ter sido reservados para o texto sobre a comissão de inquérito361. As

353
 Ibidem.
354
 Ibidem.
355
 Ibidem.
356
 Idem. p. 3.
357
 Ibidem.
358
 Ibidem.
359
  Nations Unies – A/C.4/SR 2055. Quatrième Commission, 2055e Séance… p. 186.
360
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. II, Telegrama do MNE
para a Embaixada de Portugal em Bruxelas, de 14 de Novembro de 1973, p. 1-3.
361
  Apesar de nada ter sido dito a este respeito pelos autores do primeiro projeto de resolução,
Portugal interpretou a proposta de condenação dos atos de agressão contra países africanos
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  307

embaixadas portuguesas encontraram muitas reticências, com, por exemplo, a


Espanha a indicar que, caso Portugal e a África do Sul não estivessem presentes
na votação, se ausentaria da sala para evitar prejudicar os seus interesses em
questões como o Sahara e Gibraltar362. A RFA informou condicionar o seu
comportamento ao dos membros da Comunidade Económica Europeia
(CEE), que se reuniram para concertar as posições363. Os ocidentais, como
de resto os latino-americanos, demonstraram na sua maioria uma inclinação
favorável ao projeto364. Em particular, o Brasil declarou que não participaria
na votação do texto, o que se deveu ao descontentamento do país com o
falhanço das suas tentativas de mediação do conflito nas colónias portuguesas
(Carvalho, 2014: 160)365.
Tendo sido prometido a Portugal que apresentariam reservas e explicações de
voto, a Holanda, a Bélgica e os países nórdicos suscitaram objeções quanto ao
primeiro projeto de resolução366. Com a indicação de que deveria ter havido
recurso a consultas, lamentaram que não se tivesse solicitado ao governo por-
tuguês a realização de negociações com os movimentos de libertação367. Por
outro lado, contestaram as disposições sobre o fim da venda de armamento a
Portugal, a cessação das atividades económicas nas colónias e a rejeição da
participação portuguesa em acordos e tratados sobre Angola e Moçambique368.
Relativamente ao segundo projeto, sem que tivessem sido apresentadas reser-
vas, algumas delegações, como as da URSS, Nigéria e Marrocos, questionaram
as suas disposições, por as considerarem ambíguas369. Procuraram esclarecer a
referência ao consenso do Comité de Descolonização, determinar se se preten-
dia que a comissão de inquérito se deslocasse a Moçambique, saber quais as
medidas que seriam adotadas após a apresentação do relatório e precisar as

independentes como incluindo as ações na Guiné-Bissau. Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 669,
Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. II, Memorando da Embaixada de Portugal em Madrid para o
Diretor Geral de Política Exterior do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Espanha, de 7 de No-
vembro de 1973, p. 1-2.
362
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Madrid para o MNE, de 8 de Novembro de 1973, p. 1-2.
363
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Bonn para o MNE, de 8 de Novembro de 1973, p. 1-2.
364
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. I, Telegrama da Missão de
Portugal na ONU para o MNE, de 27 de Outubro de 1973, p. 1.
365
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. II, Telegrama do MNE
para a Embaixada de Portugal em Brasília, de 15 de Novembro de 1973, p. 1.
366
  Nations Unies – A/C.4/SR 2057. Quatrième Commission, 2057e Séance… p. 190-192.
367
 Ibidem.
368
 Ibidem.
369
 Idem. p. 192-193.
308  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

atrocidades que deveriam ser investigadas370. O Quénia assinalou a existência


de uma contradição entre os projetos de resolução, pois o primeiro documen-
to considerava os factos como provados, condenando as atrocidades371. Face
às questões, os autores esclareceram que a comissão se destinava a fazer um
inquérito no terreno e que incidiria sobre todos os massacres cometidos pelas
forças portuguesas nas colónias372.
Uma vez que a proposta da Líbia para a inclusão no primeiro projeto de reso-
lução da expressão “por todos os meios à sua disposição” provocara muita
polémica, inclusivamente entre os autores do texto, a emenda foi sujeita a
votação373. Com a sua aprovação, o Daomé solicitou que o seu nome fosse
retirado da lista dos patrocinadores do projeto374. Dada a insistência da Líbia
para que o parágrafo emendado também fosse submetido a votação, um con-
junto de países solicitou a retirada do pedido375. O escrutínio acabou por ser
por apelo nominal, de acordo com o pretendido por Portugal, que esteve re-
presentado na votação376. A presença portuguesa provavelmente terá sido mo-
tivada pelo receio de que, em caso de ausência, alguns países não se sentiriam
vinculados às promessas de apoio. Com 102 votos favoráveis, 6 contra e 16
abstenções, o projeto de resolução foi aprovado377. Tendo a delegação sueca
solicitado a adoção do segundo documento por consenso, Portugal conseguiu
que a votação fosse novamente por apelo nominal, registando-se 103 votos a
favor, 3 contra e 16 abstenções378.
Ligeiramente diferente da última votação na Comissão, a distribuição dos vo-
tos quanto ao primeiro projeto de resolução sobre as colónias portuguesas foi
o reflexo de um “terrível” ambiente contra Portugal379. Ainda assim, as diligên-
cias portuguesas parecem ter contribuído para que a França, juntamente com
a Espanha, Reino Unido, EUA e Brasil, votasse contra. Os restantes países
ocidentais e Israel abstiveram-se, enquanto que relativamente aos latino-ame-
ricanos Portugal perdeu os apoios da Colômbia e da Venezuela. Foram de
assinalar os votos do Chile e da Costa Rica, que se somaram aos dos outros

370
  Ibidem.
371
 Idem. p. 193.
372
 Ibidem.
373
 Idem. p. 195.
374
 Ibidem.
375
 Ibidem.
376
 Idem. p. 196.
377
 Ibidem.
378
 Ibidem.
379
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. II, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Bogotá para o MNE, de 12 de Novembro de 1973, p. 1.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  309

latino-americanos que como no ano anterior optaram pela abstenção. Entre os


afro-asiáticos, o Malawi continuou a demonstrar solidariedade a Portugal,
tendo o Japão assumido uma posição de maior compreensão relativamente à
política colonial portuguesa380.
Ainda que tais diferenças tivessem sido importantes foi porém o resultado da
votação do segundo projeto de resolução a revelar na plenitude a complexida-
de dos dilemas associados à questão colonial portuguesa. De ressaltar que,
além de Portugal, somente a Espanha e os EUA votaram contra o projeto381.
Tendo provocado o descontentamento da delegação sueca, as abstenções não
tiveram todas o mesmo significado. As do Mali, Mongólia, Polónia, Ucrânia,
URSS, Bulgária, Bielorrússia, Camarões, Congo, Checoslováquia, RDA e
Hungria resultaram da discordância quanto ao carácter moderado do texto.
Os ocidentais (Reino Unido e França) e os latino-americanos (Bolívia e Gua-
temala) foram motivados pela preocupação com a criação de um precedente e
com as repercussões que um voto contra poderia ter na opinião pública inter-
na e na imprensa (Oliveira, 2007: 396)382. Apesar das variações, um dos ele-
mentos mais significativos foi a circunstância do Brasil, cujos delegados evita-
ram contactos com os representantes portugueses, não ter estado presente na
votação383.
Nas explicações de voto, foram sobretudo os países que votaram contra e se
abstiveram em relação ao primeiro documento que apresentaram reservas.
Voltando a insistir na necessidade de negociações, a Guatemala, Reino Unido,
França, RFA e Itália contestaram as afirmações quanto à legitimidade da luta
por todos os meios, aos apoios da NATO ao governo português, à condenação
de Portugal pelo não cumprimento das decisões das NU ou à solicitação
de assistência para as populações384. Entre os que votaram favoravelmente,
somente a Indonésia tomou a palavra para reafirmar a posição relativamente à
emenda da Líbia, verificando-se assim que, contrariamente ao que sucedera
antigamente, não houve a tendência para desqualificar o voto385. A respeito do

380
  AHD, Fundo POI, Mç. 649, Processo POI 4 (Ult), Ano de 1973, Telegrama da Embaixada
de Portugal em Tóquio para o MNE, de 28 de Novembro de 1973, p. 1-3.
381
  Nations Unies – A/C.4/SR 2057. Quatrième Commission, 2057e Séance… p. 196.
382
  AHD, Fundo POI, Mç. 652, Processo POI 4, Ano de 1973, Vol. I, Telegrama da Embaixa-
da de Portugal em Londres para o MNE, de 23 de Outubro de 1973, p. 1-3.
383
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. II, Telegrama do MNE
para a Embaixada de Portugal em Brasília, de 13 de Novembro de 1973, p. 1.
384
  Nations Unies – A/C.4/SR 2057. Quatrième Commission, 2057e Séance… p. 197-199; Na-
tions Unies – A/C.4/SR 2058. Quatrième Commission, 2058e Séance. Mardi 13 Novembre 1973,
à 10h55. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 200.
385
  Nations Unies – A/C.4/SR 2057. Quatrième Commission, 2057e Séance… p. 197-198.
310  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

projeto para a constituição da comissão de inquérito, os países que votaram a


favor e se abstiveram entenderam vincar novamente as contradições do texto,
questionando a sua utilidade. A Indonésia, a URSS e a RDA manifestaram a
preferência para que se afirmasse que os massacres realmente tinham ocorrido
e para que se atribuísse um mandato mais amplo à comissão, que lhe permi-
tisse investigar atos semelhantes praticados em todas as colónias portugue-
sas386. Uma posição bastante diferente foi assumida pelo Reino Unido e a
França, que recorreram a argumentos jurídicos e a questões de carácter formal
para defender que cabia a Portugal proceder ao inquérito e que a criação da
comissão não estava conforme às disposições da Carta387.
No final da sessão, num momento em que as NU estavam a estreitar as rela-
ções com as organizações de solidariedade, representantes do Conselho Mun-
dial da Paz apresentaram-se como peticionários. Ao enumerar as atividades
desenvolvidas em apoio aos movimentos de libertação, o Conselho indicou
que a sua presença na Comissão se destinava a contribuir para o realismo das
discussões388. Em certo sentido, a audição reforçou as afirmações dos movi-
mentos de libertação reconhecidos pela OUA, conferindo-lhes autenticidade.
Foram renovadas as acusações quanto à utilização por Portugal de armas da
NATO nas colónias, à aliança com os regimes minoritários e à exploração
económica dos territórios, apresentando-se como exemplos os empreendi-
mentos de Cabora Bassa e do rio Cunene. Quanto aos movimentos de liber-
tação foi realçada a necessidade de lhes ser reconhecido um estatuto jurídico
enquanto verdadeiros representantes dos povos, solicitando-se a adoção de
medidas enérgicas para a eliminação dos regimes racistas e colonialistas389.
Antecipando-se à votação no plenário, as diligências portuguesas voltaram
a ser maioritariamente canalizadas para o projeto sobre os massacres em
Moçambique, havendo indícios de que terão sido abordados um menor nú-
mero de países390. Portugal tentou em particular que o Brasil participasse no
escrutínio e que a Bélgica, mesmo sendo uma das autoras do documento, pelo
menos se abstivesse391. A posição brasileira foi considerada fundamental, uma

386
  Nations Unies – A/C.4/SR 2057. Quatrième Commission, 2057e Séance… p. 199; Nations
Unies – A/C.4/SR 2058. Quatrième Commission, 2058e Séance… p. 201.
387
  Nations Unies – A/C.4/SR 2057. Quatrième Commission, 2057e Séance… p. 197-198.
388
  Nations Unies – A/C.4/SR 2060. Quatrième Commission, 2060e Séance. Jeudi 15 Novembre
1973, à 11h15. Nova Iorque: s.n., 1973; Nations Unies – A/C.4/SR 2057. Quatrième Commis-
sion, 2057e Séance… p. 211.
389
 Idem. p. 213.
390
  Informações sobre as diligências praticadas encontram-se em AHD, Fundo POI, Mç. 669.
391
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. III, Telegrama do MNE
para a Embaixada de Portugal em Brasília, de 21 de Novembro de 1973, p. 1; AHD, Fundo POI,
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  311

vez que a Espanha solicitou que Portugal estivesse presente no plenário e que
o Brasil também votasse contra392. Como a maioria dos países contactados não
demonstrou inclinação para alterar o voto, registaram-se unicamente as reser-
vas do Chile, que vincou novamente as afirmações contraditórias existentes
entre os dois projetos de resolução393. Ainda assim, e mesmo que em privado
lamentasse não poder corresponder aos pedidos de Portugal, o Chile anunciou
que apoiaria o primeiro projeto de resolução394.
Os resultados das votações (que ocorreram em 12 de dezembro) foram idênti-
cos aos da Comissão, permitindo a aprovação do primeiro projeto pela resolu-
ção 3113 (XXVIII), com 105 votos a favor, 8 contra e 16 abstenções395. As
diferenças a assinalar foram os votos contra da África do Sul e da Bolívia, além
da anunciada mudança de orientação do Chile396. A resolução representou um
certo recuo em relação à tendência da anterior AG, registando-se um aumento
das abstenções397. O segundo projeto, que passou a constituir a resolução
3114 (XXVIII), contou com 109 votos favoráveis, 4 contra e 12 abstenções398.
Havendo um maior número de apoiantes, a África do Sul votou contra e as
abstenções diminuíram, em resultado do Mali, da Polónia e dos Camarões
terem votado favoravelmente e da Bolívia ter estado ausente399. O Brasil, não
obstante as garantias dadas a Portugal, novamente evitou comprometer-se
com o escrutínio400. Como alguns consideravam que a resolução não trouxera
novidades em relação ao relatório do Comité de Descolonização, foram senti-
das dificuldades em escolher os membros para a comissão de inquérito401.
Portugal conseguiu assegurar que o México recusasse fazer parte do órgão e os
países ocidentais não mostraram grande entusiasmo em contribuir para a ini-

Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. II, Telegrama do MNE para a Embaixada de Por-
tugal em Bruxelas, de 14 de Novembro de 1973, p. 1-3.
392
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. III, Telegrama da Embai-
xada de Portugal em Madrid para o MNE, de 17 de Novembro de 1973, p. 1.
393
 Nations Unies – A/PV. 2198. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2198e Séance
Plénière. Mercredi 12 Décembre 1973, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 10.
394
 Ibidem.
395
 Idem. p. 10-11.
396
 Ibidem.
397
 Ibidem.
398
 Idem. p. 11.
399
 Ibidem.
400
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. III, Telegrama do MNE
para a Embaixada de Portugal em Madrid, de 16 de Novembro de 1973, p. 1.
401
  AHD, Fundo POI, Mç. 651, Processo POI 4, Ano de 1973, Vol. II, Relato da Conversa
entre João Afonso Ascensão e Rego Monteiro, Chefe da Secção II, da Divisão Africana, do Departa-
mento de Tutela e Territórios não Autónomos das NU, Realizada a 11 de Novembro de 1973, p. 4.
312  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

ciativa402. Os escolhidos foram as Honduras, Madagáscar, Nepal, Noruega e


RDA, em representação de cada um dos grupos regionais das NU403.
No seguimento do anúncio da composição da comissão de inquérito teve
lugar a votação (também a 12 de dezembro) de outros itens da agenda com
implicações para as colónias portuguesas. Na resolução 3117 (XXVIII), sobre
os investimentos estrangeiros, que foi aprovada por 103:3:23, a AG voltou a
condenar os projetos de Cabora Bassa e do Cunene, apelando aos estados para
que evitassem que os seus cidadãos e empresas participassem nos empreendi-
mentos404. A questão da aplicação da Declaração pelas agências especializadas
e organismos internacionais, abordada na resolução 3118 (XXVIII), adotada
por 108:4:17, foi objeto de um tratamento mais pormenorizado do que em
sessões anteriores, solicitando-se assistência para as populações de Angola e
Moçambique405. A resolução 3119 (XXVIII), relativa ao programa de ensino
e formação para a África Austral, aprovada com 126:2:0, retomou no essencial
as disposições sobre o tema, aumentando os fundos disponíveis para as bolsas
de estudos406.
Com as decisões adotadas a serem indiscutivelmente penalizadoras foi ainda
suscitada a questão da validade das credenciais da delegação portuguesa, à
semelhança do que anteriormente se verificara em relação à África do Sul. No
Comité das Credencias foi proposto pela República Unida da Tanzânia e o
Senegal que fossem aprovadas unicamente as credenciais dos delegados que
representavam Portugal e se rejeitasse as dos que se apresentavam em nome de
Angola, Moçambique e do Estado da Guiné-Bissau407. Como um parecer do
Conselheiro Jurídico indicou que cada país dispunha de liberdade para esco-
lher os seus representantes, que não tinham obrigatoriamente de ser cidadãos
nacionais, a proposta foi rejeitada408. No plenário, os países africanos muda-
ram de estratégia, sugerindo que se aprovasse as credenciais dos representantes
portugueses, entendendo-se que representavam Portugal Tal como Existe nas

402
  AHD, Fundo POI, Mç. 669, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. III, Telegrama do MNE
para a Missão de Portugal na ONU, de 22 de Novembro de 1973, p. 1.
403
  Nations Unies – A/PV. 2198. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2198e Séance…
p. 11.
404
  United Nations. Resolution 3117 (XXVIII), 12 December 1973. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
405
  United Nations. Resolution 3118 (XXVIII), 12 December 1973. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
406
  United Nations. Resolution 3119 (XXVIII), 12 December 1973. Disponível em <URL:http://
www.un.org.com>, data de acesso 28/04/2012.
407
  AHD, Fundo POI, Mç. 665, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol. I, Circular POI-25 do
MNE, de 19 de Dezembro de 1973, p. 1-7.
408
 Ibidem.
Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  313

suas Fronteiras Europeias, excluindo Angola, Moçambique e o Estado indepen-


dente da Guiné-Bissau409. Com a emenda deixaram de ser visados os membros
da delegação portuguesa, para se colocar a ênfase na ilegitimidade dos poderes
de representação do governo português.
Considerada por Portugal como uma questão relacionada com princípios
jurídicos, a proposta motivou novos pedidos de apoios aos países com os quais
mantinha ligações410. No debate (a 13 e 17 de dezembro), no qual somente os
afro-asiáticos e a Albânia produziram declarações, foi realçada a falta de legiti-
midade de Portugal para representar os povos das suas colónias411. Com a sua
intervenção a ser relegada para o momento da explicação do voto, Portugal
centrou os seus argumentos no direito dos países escolherem livremente os
seus representantes e na falta de competência das NU para questionar os seus
limites territoriais412. A emenda foi aprovada por 93:14:21 e integrada na
resolução 3181 (XXVIII), de 17 de dezembro, por sua vez sancionada com
108 votos a favor e 9 abstenções413.
A rejeição das credenciais não significou a suspensão dos direitos de participa-
ção nas NU e nem alterou os poderes da delegação portuguesa. Ainda assim,
a iniciativa contribuiu, juntamente com as restantes decisões, para tornar a
XXVIII AG na mais importante das sessões quanto à questão colonial portu-
guesa. Esta afirmação remete-nos para as implicações que os debates tiveram
para a delimitação da ideia de autodeterminação. Desde logo, ficou estabele-
cido que a ideia poderia legitimar a proclamação unilateral de independência,
desde que se verificasse o cumprimento de determinados requisitos. Não
menos relevante foi a continuação do estreitamento da associação entre a
autodeterminação e o estatuto dos movimentos de libertação, em que estes
foram pela primeira vez identificados enquanto partes em conflito, o que os
colocou no mesmo patamar que a potência colonial. Pelos seus esforços para a
implementação da autodeterminação, os movimentos voltaram a ser abarca-
dos no âmbito do direito humanitário, legitimando-se o tratamento dos guer-
rilheiros de acordo com os mesmos critérios que os militares do exército por-
tuguês. Na medida em que se continuou a estabelecer uma identificação entre
os movimentos e as aspirações dos povos, consagrou-se a ilegalidade da atua-

409
 Nations Unies – A/PV. 2204. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2204e Séance
Plénière. Lundi 17 Décembre 1973, à 15h15. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 4-5.
410
  A título de exemplo vide AHD, Fundo POI, Mç. 665, Processo POI 6, Ano de 1973, Vol.
I, Apontamento Elaborado por Sacadura Cabral, de 20 de Dezembro de 1973, p. 1-8.
411
  Nations Unies – A/PV. 2204. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2204e Séance…
p. 7-8.
412
 Idem. p. 10-12.
413
 Idem. p. 12.
314  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

ção das potências coloniais em representação das colónias, o que contribuiu


para vincar mais ainda o entendimento de que a autodeterminação implicava
o direito das populações se exprimirem por si próprias. Como em outras oca-
siões, nomeadamente aquando da resolução 1542 (XV), notou-se um apro-
fundamento da conceção segundo a qual no âmbito da ideia de autodetermi-
nação as organizações internacionais poderiam proceder à redefinição da
configuração geográfica do Estado colonial.
Tendo permitido a instalação de um órgão para inquirir sobre os massacres em
Moçambique, a XXVIII AG assemelhou-se ao período inicial do litígio entre
as NU e o governo português. As questões suscitadas nos debates continuaram
a ter a mesma atualidade nos meses seguintes, tendo sido decidido manter
provisoriamente da situação na República da Guiné-Bissau na agenda414.
Retomando os seus trabalhos, o Comité de Descolonização adotou novas re-
soluções, uma das quais relativa ao conjunto das colónias portuguesas e outra
especificamente sobre Cabo Verde. Antes que a IV Comissão pudesse analisar
o item e sem que o comité sobre os massacres em Moçambique tivesse tido a
oportunidade de apresentar o seu relatório, os acontecimentos em Portugal a
25 de abril de 1974 introduziram mudanças significativas na política colonial
do país. Com o derrube do Estado Novo terminou o diferendo entre as NU e
Portugal, que reconheceu as competências da Organização para analisar a
questão colonial portuguesa. Ainda assim, continuaram a subsistir algumas
diferenças quanto à interpretação da ideia de autodeterminação, que somente
foram solucionadas com a conclusão do processo de descolonização.

Entendida como uma entidade sujeita a tensões e contradições, integrando


perspectivas e valores divergentes, as NU têm a capacidade para criar e estimu-
lar ideias que penetram no discurso internacional e mudam a forma como os
indivíduos pensam (Emmerij, Jolly e Weiss, 2001: 214). No período de 1971-
-1974, as atenções da Organização voltaram a estar centradas na política colo-
nial portuguesa, desenvolvendo-se novas iniciativas. O número de sessões so-
bre as colónias portuguesas aumentou, envolvendo todos os órgãos principais,
incluindo o CS. Embora de início se continuasse a estudar o item em conjun-
to com os restantes problemas da África Austral, a questão colonial portugue-
sa recebeu uma atenção particular. Com a maioria novamente a excluir delibe-
radamente as disposições mais controversas, a natureza das resoluções adotadas
revelou porém ser diferente. Tendo sido acompanhada por uma certa mutação

 Nations Unies – A/PV. 2206. Assemblée Générale. Vingt-Huitième Session. 2206e Séance
414

Plénière. Mardi 18 Décembre 1973, à 15 heures. Nova Iorque: s.n., 1973. p. 4.


Um Elevado Grau de Deterioração: 1971-1974  |  315

nos argumentos empregues, a moderação foi mais aparente do que real, con-
duzindo à adoção de medidas penalizadoras. Com as negociações informais
para a redação dos projetos de resolução a perderem gradualmente importân-
cia, o registo das votações demonstrou uma certa contradição por em alguns
casos se ter verificado o aumento dos votos contra e das abstenções, enquanto
que pela primeira vez se assistiu à unanimidade na adoção de uma decisão
contra Portugal.
Notou-se a atribuição de um grande destaque a Angola, Moçambique e Gui-
né-Bissau, com este último território, fruto do investimento do PAIGC nas
NU, a alcançar uma notoriedade singular. Em simultâneo registou-se, no
seguimento do período anterior, o abandono da participação nas NU por
parte de um grande número de organizações anticoloniais. Essa situação, po-
dendo ser explicada por um conjunto de circunstâncias, foi favorecida pela
própria Organização, pois, como indicado, as suas decisões introduziram uma
diferenciação de estatuto entre as organizações anticoloniais. As NU entende-
ram singularizar os chamados movimentos de libertação, cuja categoria tinha
subjacente o envolvimento na luta armada, com uma efetividade e uma eficá-
cia validadas pela OUA. Ao se reconhecer a esses movimentos a capacidade
para representar os territórios e as populações, as NU promoveram na prática
uma seleção, excluindo um grande número de agrupamentos. Em resultado, a
atribuição da qualidade de peticionário perdeu parte da sua importância, pois
não significava um reconhecimento das organizações ou dos projetos que
defendiam. Ainda que algumas entidades continuassem a recorrer às audições,
as NU demonstraram corresponder somente às reivindicações dos movimen-
tos de libertação.
Quanto ao seu significado para a ideia de autodeterminação, o período de
1971-1974 apresentou novidades significativas. As resoluções sobre as coló-
nias portuguesas reforçaram em definitivo a tendência anteriormente verifica-
da para que a ideia de autodeterminação permitisse o reconhecimento de uma
nova categoria de sujeito de direito internacional: o movimento de libertação
nacional. Por se considerar que os povos colonizados tinham direito a se repre-
sentarem por intermédio dos movimentos, a ideia de autodeterminação impli-
cou que essa capacidade pudesse ser exercida ainda antes de ser alcançada a
independência. Além do direito a representar os povos colonizados, ao se
reconhecer a preferência por soluções negociadas, elegeram-se os movimentos
de libertação enquanto interlocutores para o dialogo com as potências colo-
niais. Foram igualmente reforçados os vínculos entre a autodeterminação, a
aplicação do direito humanitário às situações envolvendo guerras coloniais e a
assistência às populações subjugadas, que passou a ser concebida como deven-
do ser atribuída de forma direta. Nas condições em que se entendia que esta-
316  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

vam preenchidos os critérios inerentes à condição de Estado, fruto do desen-


volvimento da ideia registou-se a tendência para se considerar como legitima
a proclamação unilateral de independência. A culminar todo o processo, a
ideia de autodeterminação determinou ainda que se pudesse entender que a
legitimidade das potências coloniais se circunscrevia aos territórios metropoli-
tanos, excluindo as colónias.
Conclusão

Mais do que uma narrativa linear, este livro apresenta o envolvimento das NU
na contestação da política colonial portuguesa como um processo sujeito a
inúmeras contradições. Por se ter privilegiado a análise empírica julgamos ter
conseguido uma abordagem mais complexa do que a que tem vindo a ser pro-
duzida, que se baseia em larga medida na descrição das resoluções adotadas,
sem as considerar como resultantes de um contexto em que os condicionalismos
que afetavam o funcionamento da Organização fizeram sentir a sua influência.
Tendo sido adotado como marco cronológico o período de 1961-1974, enten-
demos enquadrar o estudo da questão colonial portuguesa pelas NU no âmbito
da evolução informal da Organização, que produziu novas funções e responsa-
bilidades para os seus órgãos. Com uma natureza mutável, os propósitos das
NU foram concebidos de forma vaga e indeterminada, permitindo que, para
que a Organização se adaptasse às circunstâncias internacionais, pudesse abran-
ger questões não antecipadas na Carta. A intervenção na contestação da políti-
ca colonial portuguesa foi decorrente de uma complexificação do mandato da
Organização, que, numa evolução nem sempre coerente, produziu a aquisição,
pela prática, de novas competências sobre os territórios dependentes. Afastan-
do-se da Carta, que de certa forma representava os interesses das potências co-
loniais, as NU envolveram-se num processo de deslegitimação do colonialismo
e de institucionalização da ideia de autodeterminação, que passou a estar no
centro da controvérsia sobre a questão colonial portuguesa.
Com a ideia de autodeterminação a transformar-se na base normativa da des-
colonização, os esforços das NU para a sua implementação nas colónias por-
tuguesas desenvolveram-se em diferentes etapas. Num primeiro momento,
entre o início da guerra em Angola e finais de 1962, a mudança normativa de
deslegitimação do colonialismo resultou numa assinalável hostilidade a Portu-
gal. Dominado pelos afro-asiáticos e socialistas, os debates destinaram-se
sobretudo a abordar os aspetos jurídicos e político-sociais da situação nas coló-
nias portuguesas, destacando-se a falta de direitos, as desigualdades e as injus-
tiças do sistema colonial. A exigência fundamental foi que Portugal cumprisse
as disposições da Carta quanto à transmissão de informações de natureza téc-
nica e estatística sobre os territórios não autónomos. Numa afirmação da legi-
timidade das NU para analisar a política colonial portuguesa foram estabele-
cidos órgãos destinados à recolha de informações, privilegiando-se as que
incidiam sobre a situação política. Novos procedimentos, como a audição de
representantes das organizações anticoloniais, resultaram do processo de reco-
318  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

lha de informações, que, embora sujeito a contradições, apresentou conclu-


sões penalizadoras para o governo português. Como Portugal conseguiu impe-
dir a adoção de uma resolução e por se ter pretendido ainda a aplicação das
disposições da Carta sobre os territórios não autónomos, as primeiras ini-
ciativas das NU quanto à questão colonial portuguesa acabaram, no entanto,
por ter muitas semelhanças com o período anterior a 1960.
A tendência para a rutura com as disposições da Carta ficou reservada para fi-
nais de 1962 e para o ano de 1964, quando a exigência da implementação da
ideia de autodeterminação se tornou dominante. Contrariamente ao pretendi-
do por Portugal, que teve a intenção de limitar a discussão a argumentos jurí-
dicos, a maioria demonstrou a preferência pelos aspetos políticos, continuan-
do a denunciar as condições de vida nas colónias portuguesas. Com a via-
bilização de um programa de ensino e formação destinado às populações e a
convocação do CS para a análise de incidentes fronteiriços, assistiu-se à multi-
plicação dos temas associados à questão colonial portuguesa, o que resultou na
aprovação de resoluções específicas. Tendo sido considerado pela AG que exis-
tia uma ameaça à paz e à segurança internacionais, falhou no entanto a tenta-
tiva de imposição de sanções contra o governo português. Utilizando de início
um tom radical, a maioria entendeu moderar a linguagem para possibilitar as
conversações com o governo português patrocinadas pelo SG, para permitir a
convocação do CS e para conseguir a adoção pelo órgão de uma decisão
validando um entendimento restritivo da ideia de autodeterminação. Explica-
da em parte pela recuperação de alguns apoios por Portugal, as dificuldades da
maioria em aprovar medidas efetivas somaram-se a outras contradições das
NU que a análise da questão colonial portuguesa vinha evidenciando.
Disposições mais duras, estabelecendo uma relação direta entre o radicalismo
dos debates e a linguagem utilizada nas resoluções, estiveram presentes nas
decisões adotadas entre 1965-1967. As discussões foram marcadas por acusa-
ções ao governo português pelo não cumprimento das exigências das NU,
descrevendo-se a situação nas colónias como sujeita a uma repressão crescente.
Os temas que mereceram destaque foram os relacionados com o papel desem-
penhado pelos investimentos estrangeiros na continuação do colonialismo
português e a possibilidade das agências especializadas e outras instituições
internacionais contribuírem para a aplicação da ideia de autodeterminação.
Utilizado em anos anteriores, o argumento da existência de uma associação
entre a África do Sul, a Rodésia e Portugal ganhou uma nova atualidade, pre-
tendendo-se que os regimes minoritários brancos estavam a reforçar a coope-
ração. A insistência em estabelecer a relação entre os problemas existentes na
África Austral, considerando os desenvolvimentos na Rodésia e na Namíbia,
foi um dos principais fatores a explicar o radicalismo das NU. Com tradução
Conclusão | 319

em medidas como a legitimação da luta armada, as decisões mais radicais


resultaram porém unicamente das deliberações da AG, continuando o CS
a demonstrar a preferência para abordar a questão no âmbito da resolução
pacífica das disputas.
Com decisões menos extensas, nas quais predominaram uma linguagem con-
ciliadora, as NU entenderam, entre 1968-1970, moderar a sua ação. Num
momento em que o colonialismo português foi analisado em conjunto com as
outras questões sobre a África Austral, durante algum tempo a moderação esteve
em contradição com o discurso da maioria, que continuou a ser bastante radical.
Nos debates insistiu-se nos apelos para que se ajudasse a luta das populações e
dos movimentos de libertação, legitimando-se toda a assistência que lhes fosse
concedida. Sendo a moderação uma iniciativa da AG, por o CS ter começado de
certa forma a endurecer a sua posição, os temas específicos associados à questão
colonial portuguesa, como o estudo das atividades e acordos militares das potên-
cias coloniais que impediam a autodeterminação, demonstraram novas contra-
dições por se continuar a condenar Portugal nos mesmos termos que anterior-
mente. Registando-se o desaparecimento dos pedidos de sanções e embargos, a
moderação foi suscitada por um conjunto de circunstâncias, designadamente
pelas expectativas resultantes da nomeação de Marcello Caetano para a Presi-
dência do Conselho de Ministros, pelo desejo de alcançar a unanimidade e pela
secundarização da questão colonial portuguesa em virtude de ter sido analisada
em conjunto com a situação na Rodésia e na Namíbia.
Revelando ainda dispor de uma considerável margem de manobra, entre 1971-
-1974 a Organização atribuiu uma nova atualidade ao diferendo com Portugal.
Com a associação entre a situação nas colónias portuguesas e os problemas da
África Austral a perder muita da importância que tivera, assistiu-se à radicaliza-
ção das NU. A AG e o CS renovaram as suas iniciativas, atingindo-se o nível
mais elevado de pressão sobre Portugal. Com a questão da existência das áreas
libertadas a estar no centro dos debates, colocou-se a ênfase na necessidade da
realização de negociações com vista à solução pacífica do diferendo. As resolu-
ções tiveram tradução na revisão do estatuto dos movimentos de libertação, na
aceitação da proclamação unilateral do Estado guineense, na criação de uma
comissão de inquérito para analisar os massacres em Moçambique e na contes-
tação das credenciais da delegação portuguesa. Como somente foram favoreci-
das as organizações envolvidas na luta armada, as decisões contribuíram para
lhes atribuir uma legitimidade que foi negada a outras organizações anticolo-
niais, cuja participação nas NU diminuiu. Além de resultar na perda de impor-
tância das audições de peticionários, essa situação contribuiu igualmente para
que os movimentos de libertação passassem a ser considerados como interlocu-
tores para as negociações com o governo português.
320  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

A todas as iniciativas das NU esteve subjacente a resistência portuguesa em apli-


car as resoluções, o que foi favorecida por vários fatores. A influência da Guerra
Fria foi uma das principais explicações para que Portugal tivesse conseguido
contrariar as pressões. O contexto da rivalidade bipolar, em que a luta ideológica
exerceu uma profunda influência sobre a análise da questão colonial portuguesa,
serviu como elemento limitador da ação das NU. A Guerra Fria condicionou a
orientação dos estados membros, permitindo que Portugal, pela pertença à
NATO e pela importância estratégica da base das Lajes, conseguisse o apoio do
bloco ocidental, que não permitiu a aplicação de medidas eficazes. A solidarie-
dade suscitada pela Guerra Fria esteve associada à utilização pelo governo portu-
guês das suas relações bilaterais para obter votos favoráveis nas NU. Longe de se
encontrar isolado, Portugal beneficiou do apoio de países com os quais tinha
laços históricos, afinidades políticas e interesses económicos, como os ociden-
tais, os latino-americanos e inclusivamente os afro-asiáticos.
Não menos relevante foi o aproveitamento por Portugal das fragilidades e con-
tradições do sistema das NU, quer se tratasse do desequilíbrio nos poderes en-
tre os órgãos, da existência de procedimentos pouco definidos ou da grande
liberdade de ação atribuída ao Secretariado e a determinados indivíduos. O
comportamento português foi em grande parte facilitado pela não aplicação de
mecanismos de enforcement, uma vez que as decisões adotadas não tinham ca-
rácter vinculativo. Na ausência de um sistema democrático parlamentar, o go-
verno português não estava sujeito à necessidade de conciliar opiniões diver-
gentes, o que foi igualmente um elemento propiciador da recusa em
implementar as resoluções. Como a existência de colónias constituía um ele-
mento fundamental do nacionalismo português, o Estado Novo encontrou
entre a população, que não desenvolveu um sentimento moral de rejeição do
colonialismo, uma forte adesão contra a condenação internacional. De forma
adicional, a capacidade portuguesa para resistir foi favorecida por as ações
militares dos movimentos de libertação somente se terem tornado ameaçadoras
no período final. Com a guerra a assumir por vezes um carácter intermitente, a
questão colonial portuguesa em alguns momentos perdeu visibilidade nas NU,
onde as situações da Rodésia e da Namíbia se tornaram mais pertinentes.
Ainda que Portugal tivesse conseguido contornar as pressões, pensamos poder
avançar que o estudo realizado permitiu confirmar a nossa hipótese inicial.
Recorde-se que o objetivo fora determinar se a análise da questão colonial por-
tuguesa pelas NU teria favorecido a consolidação da mudança normativa na
ideia de autodeterminação. Os dados obtidos indicam que o litígio entre a Orga-
nização e o governo português resultou na formulação pelas NU de um enqua-
dramento normativo mais preciso para a descolonização. Não tendo havido na
Carta uma definição explícita, a ideia de autodeterminação foi progressivamen-
Conclusão | 321

te delimitada, ficando associada aos direitos humanos. Antes de iniciada a fase


mais intensa na análise da questão colonial portuguesa, na XV AG chegou-se ao
entendimento que a autodeterminação significava o direito dos povos determi-
narem o seu destino e assegurar a soberania permanente sobre os seus recursos
naturais. A ideia de autodeterminação foi identificada com a independência,
embora se aceitasse que os territórios colonizados pudessem escolher a associa-
ção ou a integração noutros estados. No mesmo sentido, foi determinado que
não deveriam ser colocados obstáculos à autodeterminação, que as fronteiras
herdadas da colonização tinham de ser respeitadas e que a designação de povos
colonizados aplicava-se às populações sob jurisdição das potências coloniais.
Sem que as ambiguidades associadas ao conceito tivessem deixado de existir, a
intervenção das NU na contestação do colonialismo português permitiu o
amadurecimento da conceção “onusiana” da ideia de autodeterminação. Da
análise sistemática da política colonial portuguesa resultou um entendimento
mais redutor da ideia, com a sua equiparação quase exclusiva à independência.
Mesmo tendo-se chegado a admitir conceções maximalistas, demonstrou-se
uma evidente preferência pela constituição de entidades soberanas, sendo que
outras soluções seriam admissíveis (como os exemplos de São João Baptista de
Ajudá e do Estado Português da Índia demonstraram) unicamente quando
estivessem envolvidos estados pós-coloniais. A possibilidade de associação ou
de integração nas antigas metrópoles, com os debates sobre as colónias portu-
guesas, foi praticamente abandonada por a ideia de autodeterminação, além
da independência, ter sido identificada com o conceito de liberdade.
Propondo-se que fosse alcançada com recurso a negociações, a autodetermina-
ção deveria consistir na transferência dos poderes, sendo que os destinatários
inicialmente eram as instituições políticas livremente eleitas e representativas,
passando posteriormente os movimentos de libertação a serem considerados
como os únicos interlocutores. De forma implícita, dos debates resultou a
exigência para que a autodeterminação significasse a participação democrática
e a representação em instituições governativas. Pretendeu-se igualmente que
houvesse uma correspondência com o exercício de direitos económicos, so-
ciais e culturais. Com a grande insistência em abordar a soberania sobre os
recursos naturais das colónias portuguesas, assistiu-se a uma interligação entre
a ideia de autodeterminação e o direito ao desenvolvimento.
As resoluções sobre as colónias portuguesas demonstraram o desejo de tornar
a autodeterminação num dos principais fundamentos do direito internacio-
nal, sendo a recusa na sua implementação considerada um crime contra a
humanidade. A tendência para se atribuir primazia à ideia permitiu a sua uti-
lização para a justificação do uso da força enquanto meio para a independên-
cia. Mesmo que o entendimento tivesse sido objeto de controvérsia, a ideia de
322  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

autodeterminação legitimou a aplicação do direito humanitário aos conflitos


coloniais e a assistência às populações vítimas do colonialismo. Num desen-
volvimento da tendência para se associar à autodeterminação as questões mais
diversas, os debates permitiram a definição de um estatuto para os movimen-
tos de libertação, o que acabou por atribuir-lhes uma personalidade jurídica
internacional. Fruto dessa personalidade, a representação dos interesses dos
povos colonizados foi concedida aos movimentos de libertação, em detrimen-
to das potências administrantes. Por fim, a ideia de autodeterminação resul-
tante do estudo da questão colonial portuguesa demonstrou ser maleável, per-
mitindo a proclamação unilateral de independência, desde que fosse com-
provada a existência de um controlo efetivo sobre parte do território.
Considerando que as NU participam no processo de difusão de normas inter-
nacionais, a comprovação da nossa hipótese de pesquisa permite, como referi-
do de início, relativizar as afirmações que apontam que os debates sobre a
questão colonial portuguesa tiveram um alcance limitado, circunscrevendo-se
à adoção de resoluções, sem que Portugal tivesse sido afetado. Segundo o en-
tendemos, a importância normativa das NU e a utilização da persuasão moral
não deixaram de influenciar o governo português, obrigando-o a adaptar o seu
discurso e a promover reformas. Ainda que não tivesse produzido um efeito
imediato e direto, a Organização forneceu a linguagem utilizada na interna-
cionalização da questão colonial portuguesa. Não menos relevante foi o apoio
atribuído às pretensões das organizações anticolonialistas, repetindo-se conti-
nuamente que as suas solicitações deveriam ser atendidas. Indiscutivelmente,
um dos principais efeitos da atuação das NU foi o de ter permitido que os
anticolonialistas dispusessem de uma plataforma para desafiar o colonialismo
português. Outro efeito resultou da circunstância de ter facilitado que os ato-
res não estatais que apoiavam a luta anticolonial contribuíssem para a dimen-
são transnacional da questão. As NU acabaram por ser um fórum para que
anticolonialistas e ativistas, utilizando a ideia de autodeterminação, conduzis-
sem uma campanha para o isolamento de Portugal.
O registo da ação das NU quanto ao colonialismo português poderá ser des-
crito como complexo, podendo-se apontar simultaneamente aspetos positivos
e negativos. Muito embora a Organização tivesse demonstrado as limitações
das tentativas de imposição da mudança normativa associada à ideia de auto-
determinação, deve-se reconhecer a importância que as suas decisões tiveram
na internacionalização da questão colonial portuguesa. Mesmo não tendo
conseguido a cessação da guerra colonial, as NU foram essenciais no apoio à
luta das organizações anticoloniais, o que permite afirmar que todo o processo
que desde 1961 resultou na independência das colónias portuguesas somente
encontra sentido se se equacionar a sua atuação.
Fontes & Bibliografia

Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros


Fundo Política e Organismos Internacionais
Assembleia-Geral
Comité de Descolonização
Comité dos Seis
Comité dos Sete
Conselho de Segurança
Massacres de Wiriyamu
Questão de Angola
Fundo Missão Portuguesa na Organização das Nações Unidas: 1975
Assembleia-Geral
Fundo Missão Permanente de Portugal nas Nações Unidas: 1980
Assembleia-Geral
Fundo Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar
Assembleia-Geral
Bolseiros do Movimento para a Defesa dos Interesses de Angola
Campanhas de Esclarecimento
Comité de Informações sobre os Territórios não Autónomos
Comité dos Seis
Comité dos Sete
Conferência de Casablanca
Conferência de Oslo
Conversações com o Representante do Secretário-Geral
Eleição do Rei do Congo
Goa
Informações do Representante de Portugal
Massacres em Moçambique
Países Africanos
Países não Africanos
Países não Alinhados
Queixas contra Portugal
Subcomité de Angola
Votações e Composição da Delegação Portuguesa
Arquivo Histórico-Ultramarino
Fundo Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar
Bolseiros do Ntobako Angola
Ngwizako
Arquivo Nacional Torre do Tombo
Arquivo António de Oliveira Salazar
Correspondência Diplomática
Correspondência Oficial Especial
324  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Correspondência Particular
Instruções aos Diplomatas
Negócios Estrangeiros – Diversos
Arquivo PIDE/DGS
Alberto Bakoko Nank
Angelino Alberto
Benedito Jaime Mapange
Comité de Unidade Nacional Angolana
Conselho do Povo Angolano
Marcos Kassanga – Partido Nacional Angolano
Ntobako Angola
União Nacional dos Estudantes Angolanos
Fundação Mário Soares
Espólio Amílcar Cabral
United Nations Archives Record Management Section
Archives of Secretary-General U Thant
Archives of Secretary-General Kurt Waldheim
Department of Trusteeship and Information From Non-Self-Governing Territories
Department of Political and Security Council Affairs
Office for Special Political Questions
Security Council and Political Committee Division
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
Atas de Reuniões da Assembleia-Geral
Atas de Reuniões da IV Comissão
Atas de Reuniões do Comité de Descolonização
Documentos Oficiais do Conselho de Segurança
Petições do Comité de Descolonização
Relatórios Anuais do Comité de Descolonização
Relatórios Anuais do Comité de Informações sobre os Territórios não Autónomos
Relatórios Anuais do Conselho de Segurança
Relatórios Anuais do Secretário-Geral
Relatório da Missão de Visita à Guiné-Bissau
Relatórios do Subcomité de Angola
British Columbia University Library
Relatórios da IV Comissão
United Nations Dag Hammarskjöld Library
Atas de Reuniões do Comité Especial para os Territórios sob Administração Portuguesa
Documentos Oficiais do Conselho de Segurança
Relatório do Comité Especial para os Territórios sob Administração Portuguesa
Yearbook of the United Nations
Centro Regional de Informação das Nações Unidas para a Europa Ocidental
Atas de Reuniões da IV Comissão
Relatórios da IV Comissão
Bibliografia | 325

Bibliografia

Afonso, A. e Gomes, C. (2013). Alcora: O Acordo Secreto do Colonialismo. Lisboa: Divina


Comédia.
Afonso, A. e Gomes, C. (2000). Guerra Colonial. Angola – Guiné – Moçambique. Lisboa:
Editorial Notícias.
Alden, C., Morphet, S. and Vieira, M. (2010). The South in World Politics. Basingstoke:
Palgrave Macmillan.
Alexandre, V. (2006). Salazar e os “Ventos da História”: A Resistência à Descolonização
(1945-1967). Projecto de Investigação. Lisboa: Texto Policopiado.
Alston, P. and Goodman, R. (2012). International Human Rights. Oxford: Oxford Univer-
sity Press.
Amado, L. (s.d.). Da Embriologia Nacionalista à Guerra de Libertação na Guiné-Bissau.
Disponível em <URL:http://www.didinho.org/daembriologianacionalista.htm>,
data de acesso 8/3/2013.
Amaral, D. (1994). A Tentativa Falhada de um Acordo Portugal-EUA sobre o Futuro do Ul-
tramar Português (1963). Coimbra: Coimbra Editora.
Amrith, S. and Sluga, G. (2008). “New Histories of the United Nations”. Journal of World
History Nº 3, Vol. 19, pp. 251-274.
Antunes, J. (1996). A Guerra de África (1961-1974). 2 vol. Lisboa: Temas e Debates, Lda.
Antunes, J. (1994). Salazar e Caetano: Cartas Secretas. Lisboa: Difusão Cultural.
Antunes, J. (1992a). Nixon e Caetano: Promessas e Abandono. Lisboa: Difusão Cultural.
Antunes, J. (1992b). Os Americanos e Portugal, 1969-1974. Lisboa: Difusão Cultural.
Antunes, J. (1991). Kennedy e Salazar: O Leão e a Raposa. Lisboa: Difusão Cultural.
Antunes, J. (1985). Cartas Particulares a Marcello Caetano. 2 vol. Lisboa: D. Quixote.
Badia Martí, A. (1999). La Cuestión del Sáhara Occidental ante la Organización de las
Naciones Unidas. Madrid: Instituto de Estudios Internacionales y Europeos "Francis-
co de Vitoria".
Barata, M. (2012). Identidade, Autodeterminação e Relações Internacionais: O Caso do
Saara Ocidental. Coimbra: Texto Policopiado.
Barbier, M. (1974). Le Comité de Décolonisation des Nations Unies. Paris: Librairie Géné-
rale de Droit et de Jurisprudence.
Barreto, A. e Mónica, M. (1999). Dicionário de História de Portugal. 9 vol. Lisboa: Livraria
Figueirinhas.
Barroso, L. (2012). Salazar, Caetano e o “Reduto Branco”. A Manobra Político-Diplomática
de Portugal na África Austral (1951-1974). Lisboa: Instituto de Estudos Superiores
Militares; Fronteira do Caos Editores, Lda.
326  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Barroso, L. (2009). Salazar e Ian Smith: O Apoio de Portugal à Rodésia. Lisboa: Instituto
Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Bègue, S. (2007a). La Fin de Goa et de l’Estado da Índia: Décolonisation et Guerre Froide
dans le Sous-Continent Indien (1945-1962). Vol. II. Lisboa: Instituto Diplomático do
Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Bègue, S. (2007b). La Fin de Goa et de l’Estado da Índia: Décolonisation et Guerre Froide
dans le Sous-Continent Indien (1945-1962). Vol. I. Lisboa: Instituto Diplomático do
Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Beitz, C. (2011). The Idea of Human Rights. Oxford: Oxford University Press.
Béland, D. and Cox, R. (2011). Ideas and Politics in Social Science Research. New York:
Oxford University Press.
Bellamy, A. (2004). International Society and its Critics. Oxford: Oxford University Press.
Beller, D. (1970). The Portuguese Territories Issue in the United Nations: An Analysis of the
Debates. Ann Arbor: University of Michigan.
Berlin, I. (1979). Four Essays on Liberty. Oxford: Oxford University Press.
Bethencourt, F. e Chaudhuri, K. (1997). História da Expansão Portuguesa. Vol. IV-V. Lis-
boa: Círculo de Leitores.
Bevir, M. (1999). The Logic of the History of Ideas. Cambridge: Cambridge University
Press.
Birmingham, D. (2006). Empire in Africa: Angola and its Neighbors. Athens: Ohio Univer-
sity Press.
Bittencourt, M. (2008). “Estamos Juntos”: O MPLA e a Luta Anticolonial (1961-1974).
Luanda: Editorial Kilombelombe.
Boas, M. and Mcneill, D. (2004). “Introduction: Power and Ideas in Multilateral Institu-
tions. Towards an Interpretative Framework”, em M. Boas and D. Mcneill (ed) Glo-
bal Institutions and Development. Framing the World?. London: Routledge.
Bonate, L. (2013). “Muslims and the Liberation Struggle in Northern Mozambique”, em
H. Sapire and C. Saunders (ed) Southern African Liberation Struggles. New Local,
Regional and Global Perspectives. Cape Town: University of Cape Town Press.
Bosco, D. (2009). Five to Rule Them All: The UN Security Council and the Making of the
Modern World. New York: Oxford University Press.
Bowen, S. (1997). Human Rights, Self-Determination and Political Change in the Occupied
Palestinian Territories. Hague: Martinus Nijhoff Publishers.
Bradley, M. (2010). “Decolonization, the Global South, and the Cold War”, em M. Lef-
fler and O. Westad (ed) The Cambridge History of the Cold War. Crises and Détente.
Vol. II. Cambridge: Cambridge University Press.
Bibliografia | 327

Brandão, V. (2014). A Política Externa Portuguesa Durante a Guerra de África (1961-1974):


As Relações com a República da África do Sul. Lisboa: Texto Policopiado.
Brinkman, I. (2003). “War and Identity in Angola: Two Cases-Studies”. Lusotopie,
pp. 195-221.
Brown, C. and Ainley, K. (2012). Compreender as Relações Internacionais. Lisboa: Gra-
diva.
Buchanan, A. (2010). Human Rights, Legitimacy, and the Use of Force. Oxford: Oxford
University Press.
Buchanan, A. (2007). Justice, Legitimacy, and Self-Determination: Moral Foundations for
International Law. Oxford: Oxford University Press.
Bull, H. (2002). The Anarchical Society. A Study of Order in World Politics. Basingstoke:
Palgrave.
Burke, R. (2010). Decolonization and the Evolution of International Human Rights. Phila-
delphia: University of Pennsylvania Press.
Buzan, B. (2004). From International to World Society? English School Theory and the Social
Structure of Globalisation. Cambridge: Cambridge University Press.
Caetano, M. (1971). Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos: História
duma Batalha: Da Liberdade dos Mares às Nações Unidas. Lisboa: Bertrand.
Campos, A. (2003). “The Decolonization of Equatorial Guinea: The Relevance of the
International Factor”. Journal of African History Nº 44, pp. 95-116.
Cardoso, M. (2006). A Encruzilhada Ibérica. A Questão Colonial no Palco das Nações Uni-
das (1955-1963). Lisboa: Texto Policopiado.
Carvalho, T. (2014). “O Brasil e o Fim do Império Português”, em A. C. Pinto e M. B.
Jerónimo (org) Portugal e o Fim do Colonialismo. Dimensões Internacionais. Lisboa:
Edições 70, pp. 155-178.
Cassese, A. (1995). Self-Determination of Peoples: A Legal Reappraisal. Cambridge: Cam-
bridge University Press.
Castilho, J. (2012). Marcelo Caetano. Uma Biografia Política. Lisboa: Almedina.
Chabal, P. and Vidal, N. (2007). Angola: The Weight of History. London: Hurst.
Chabal, P. (2001). A History of Postcolonial Lusophone Africa. London: Hurst.
Chabal, P. (1985). Littérature et Libération National: Le Cas d’Amilcar Cabral. Paris: Fon-
dation Calouste Gulbenkian; Centre Culturel Portugais.
Chikeka, C. (1998). Decolonization Process in Africa During the Post-War Era, 1960-1990.
Lampeter: Edwin Mellen Press.
Clark, N. and Worger, W. (2011). South Africa: The Rise and Fall of Apartheid. New York:
Longman.
328  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Conforti, B. and Focarelli, C. (2010). The Law and Practice of the United Nations: Legal
Aspects of International Organization. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers.
Connelly, M. (2003). A Diplomatic Revolution: Algeria’s Fight for Independence and the
Origins of the Pos-Cold War Era. Oxford: Oxford University Press.
Connelly, M. (2001). “Rethinking the Cold War and Decolonisation: The Grand Strategy
of the Algerian War for Independence”. International Journal of Middle East Studies
Nº 2, Vol. 33, pp. 221-245.
Cooper, F. (2005). Colonialism in Question: Theory, Knowledge, History. Berkeley: Univer-
sity of California Press.
Correia, P. (1990). “Portugal na Hora da Descolonização”, em A. Reis (dir) Portugal Con-
temporâneo (1974-1992). Vol. VI. Lisboa: Publicações Alfa, pp. 117-170.
Costigliola, F. (2010). “US Foreign Policy from Kennedy to Johnson”, em M. Leffler and
O. Westad (ed) The Cambridge History of the Cold War. Crises and Détente. Vol. II.
Cambridge: Cambridge University Press.
Cravinho, J. (2002). Visões do Mundo: As Relações Internacionais e o Mundo Contemporâ-
neo. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais.
Crawford, J. (2007). The Creation of States in International Law. Oxford: Oxford Univer-
sity Press.
Crawford, N. (2002). Argument and Change in World Politics: Ethics, Decolonization, and
Humanitarian Intervention. Cambridge: Cambridge University Press.
Dávila, J. (2010). Hotel Trópico. Brazil and the Challenge of African Decolonization, 1950-
-1980. Durham: Duke University Press.
Deng, F. (2009). Self-Determination and National Unity: A Challenge for Africa. New Jer-
sey: Africa World Press, Inc.
Dhada, M. (1998). “The Liberation War in Guinea-Bissau Reconsidered”. The Journal of
Military History Nº 3, Vol. 62, pp. 571-593.
Dhada, M. (1995). “Guinea’s Liberation Diplomacy”. Portuguese Studies Review Nº 1, Vol.
4, pp. 20-40.
Dhada, M. (1993). Warriors at Work: How Guinea was Really Set Free. Boulder: University
Press of Colorado.
Dietrich, C. (2013). “‘The Sustenance of Salisbury’ in the era of Decolonization. The
Portuguese Politics of Neutrality and the Rhodesian Oil Embargo, 1965-7”. The
International History Review Vol. 35, Nº 2, pp. 235-255.
Docalavich, H. (2006). The History and Structure of the United Nations: Development and
Function. New York: Mason Crest Publishers.
Douzinas, C. (2007). Human Rights and Empire: The Political Philosophy of Cosmopolita-
nism. London: Routledge-Cavendish.
Bibliografia | 329

Droz, B. (2006). Histoire de la Décolonisation au XXeme Siècle. Paris: Édition Seuil.


Emmerij, L., Jolly, R. and Weiss, T. (2009). UN Ideas That Changed the World. Blooming-
ton, IN: Indiana University Press.
Emmerij, L., Jolly, R. and Weiss, T. (2005). The Power of UN Ideas: Lessons from the First
60 Years. Washington: Communications Development Incorporated.
Emmerij, L., Jolly, R. and Weiss, T. (2001). Ahead of the Curve? UN Ideas and Global
Challenges. Bloomington, IN: Indiana University Press.
Engel, J. and Engel, K. (2007). Local Consequences of the Global Cold War. Washington:
Woodrow Wilson Center Press.
Escarameia, P. (2005). “O Papel da ONU na Formação do Direito Internacional Público”
em C. Branco e F. Garcia (coord) Os Portugueses nas Nações Unidas: Os 60 Anos da
ONU. Lisboa: Prefácio, pp. 335-349.
Escarameia, P. (1993). Formation and Concepts in International Law. Subsumption under
Self-Determination in the Case of East Timor. Lisboa: Fundação Oriente; Centro de
Estudos Orientais.
Farrall, J. (2009). United Nations Sanctions and the Rule of Law. Cambridge: Cambridge
University Press.
Fedorowich, K. and Thomas, M. (2000). International Diplomacy and Colonial Retreat.
London:Routledge.
Ferreira, J. (2011). Os Açores na Política Internacional. Lisboa: Tinta-da-China.
Ferreira, J. (2006). Cinco Regimes na Política Internacional. Lisboa: Editorial Presença.
Ferreira, J. (1996). O Comportamento Político dos Militares: Forças Armadas e Regimes Polí-
ticos em Portugal no Século XX. Lisboa: Editorial Estampa.
Ferreira, J. (1994). “A Descolonização: Seu Processo e Consequências”, em J. Mattoso
(dir) História de Portugal: Portugal em Transe (1974-1985). Vol. VIII. Lisboa: Edito-
rial Estampa, pp. 53-101.
Ferrer Llorent, J. (2001). La Aplicación del Principio de Autodeterminación de los Pueblos:
Sáhara Occidental y Timor Oriental. Murcia: Universidad de Alicante.
Finney, P. (2005). Palgrave Advances in International History. New York: Palgrave Mac-
millan.
Finney, P. (2005). “Beyond the Postmodern Moment”. Journal of Contemporary History
Vol. 40, Nº 1, pp. 149-165.
Fonseca, A. (2007). A Força das Armas: O Apoio da República Federal da Alemanha ao Esta-
do Novo (1958-1968). Lisboa: Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios
Estrangeiros.
Frank, R. (s.d.). Pour l’Histoire des Relations Internationales. Paris: Presses Universitaires de
France.
330  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Freudenschuss, H. (1982). “Legal and Political Aspects of the Recognition of National Libe-
ration Movements”. Millennium: Journal of International Studies 11, pp. 115-129.
Gaspar, C. (1998). “Organização das Nações Unidas (ONU)”, em A. Barreto e M. Mó-
nica (coord) Dicionário de História de Portugal. Vol. VIII. Porto: Figueirinhas,
pp. 672-678.
Ghanea, N. and Xanthaki, A. (2005). Minorities, Peoples and Self-Determination. Leiden:
Martinus Nijhoff Publishers.
Ghebrewebet, H. (2006). Identifying Units of Statehood and Determining International
Boundaries: A Revised Look at the Doctrine of Uti Possidetis and the Principle of Self-
-Determination. Brussels: Peter Lang Pub, Inc.
Gleijeses, P. (2006). The Cuban Intervention in Angola, 1965-1991: From Che Guevara to
Cuito Cuanavale. London: Routledge.
Gleijeses, P. (2002). Conflicting Missions: Havana, Washington and Africa, 1959-1976.
Chapel Hill: University of North Carolina Press.
Glendon, M. (2002). A World Made New: Eleanor Roosevelt and the Universal Declaration
of Human Rights. New York: Random House Trade Paperbacks.
Goldstein, J. and Kehoane, R. (1993). Ideas and Foreign Policy. Beliefs, Institutions and
Political Change. Ithaca: Cornell University Press.
Gonçalves, A. (2009). O Direito à Autodeterminação Aplicado aos Territórios não Autónomos:
O Exemplo do Sara Ocidental. Lisboa: Texto Policopiado.
Gorman, R. (2001). Great Debates at the United Nations. An Encyclopedia of Fifty Key Issues
1945-2000. Portsmouth: Greenwood Press.
Graig, G. (1983). “The Historian and the Study of International Relations”. The American
Historical Review Vol. 88, Nº 1, pp. 1-11.
Gunn, G. (1997). East Timor and the UN: The Case for Intervention. Trenton: Red Sea Press.
Hill, R. and Keller, E. (2010). Trustee for the Human Community: Ralph J. Bunche, the
United Nations, and the Decolonization of Africa. Athens: Ohio University Press.
Hogan, M. (2004). “SHAFR Presidential Address: The ‘Next Big Thing’. The Future of
Diplomatic History in a Global Age”. Diplomatic History Vol. 28, Nº 1, pp. 1-21.
Holland, R. (1985). European Decolonization 1918-1981: An Introductory Survey. Lon-
don: Macmillan Press, Ltd.
Hunt, L. (2008). Inventing Human Rights: A History. New York: W.W. Norton & Company.
Hurd, I. (2011). Choices and Methods in the Study of International Organizations. Dispo-
nível em <URL:http://www.unstudies.org/sites/unstudies.org/files/hurd_jios.pdf>,
data de acesso 18/3/2012.
Ike, U. (2011). Liberating Namibia: The Long Diplomatic Struggle Between the United Na-
tions and South Africa. Jefferson: McFarland.
Bibliografia | 331

Iriye, A., Goedde, P. and Hitchcock, W. (2012). The Human Rights Revolution: An Inter-
national History. Oxford: Oxford University Press.
Ishay, M. (2008). The History of Human Rights: From Ancient Times to the Globalization
Era. Berkeley: University of California Press.
Jackson, R. (1993). “The Weight of Ideas in Decolonization: Normative Change in Inter-
national Relations”, em J. Goldstein and R. Kehoane (ed) Ideas and Foreign Policy.
Beliefs, Institutions and Political Change. Ithaca: Cornell Paperbacks.
Jesus, J. (2009). Eduardo Mondlane, um Homem a Abater. Coimbra: Almedina.
Kanet, R. (2006). “The Superpower Quest for Empire: The Cold War and Soviet Support
for War of National Liberation”. Cold War History 6:3, pp. 331-352.
Kelley, D. (1990). “What is Happening to the History of Ideas”. Journal of the History of
Ideas Vol. 51, Nº 1, pp. 3-25.
Kennedy, P. (2007). The Parliament of Man: The Past, Present, and Future of the United
Nations. New York: Vintage Books.
Kent, J. (2010). America, the UN and Decolonization. Cold War Conflict in the Congo.
London: Routledge.
Knop, K. (2008). Diversity and Self-Determination in International Law. Cambridge:
Cambridge University Press.
Kolb, R. (2010). An Introduction to the Law of the United Nations. Portland, OR: Hart
Publishing.
Lala, A. (2007). L’Enjeu Colonial dans les Relations Franco-Portugaises: 1944-1974. Paris:
Texto Policopiado.
Lara, L. (2000). Um Amplo Movimento: Itinerários do MPLA Através dos Documentos de
Lúcio Lara. Vol. I-III. Lisboa: Dom Quixote.
Latham, M. (2010). “The Cold War in the Third World, 1963-1975”, em M. Leffler and
O. Westad (ed) The Cambridge History of the Cold War. Crises and Détente. Vol. II.
Cambridge: Cambridge University Press.
Leffler, M. and Westad, O. (2010). The Cambridge History of the Cold War. Vol. I-III.
Cambridge: Cambridge University Press.
Leite, J. (1997). O Caso de Cabinda e a Unidade Política de Angola: Uma Leitura Étnica e
Económica. Lisboa: Texto Policopiado.
Lopes, J. (2003). Entre Solidão e Intervencionismo: Direito de Autodeterminação dos Povos e
Reacções de Estados Terceiros. Coimbra: Coimbra Editora.
Louis, W. (2008). “The Suez Crisis and the British Dilemma at the United Nations”, em
V. Lowe, et. al. (ed) The United Nations Security Council and War: The Evolution of
Thought and Practice since 1945. New York: Oxford University Press.
332  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Lowe, V., et. al. (2010). The United Nations Security Council and War: The Evolution of
Thought and Practice since 1945. New York: Oxford University Press.
Luard, E. and Heater, D. (1994). The United Nations: How it Works and What it Does. New
York: St. Martin's Press.
Luard, E. (1989a). A History of the United Nations. The Age of Decolonization 1955-1965.
Vol. II. London: Macmillan.
Luard, E. (1989b). A History of the United Nations. The Years of Western Domination. Vol.
I. London: Macmillan.
Ludwing, S. (2011). Human Rights in the Twentieth Century. New York: Cambridge Uni-
versity Press.
Mabeko-Tali, J. (2001). “La Question de Cabinda: Séparatismes Éclatés, Habiletés Luan-
daises et Conflits en Afrique Centrale”. Lusotopie, pp. 49-62.
Mackenzie, D. (2010). A World Beyond Borders: An Introduction to the History of Interna-
tional Organizations. Toronto: University of Toronto Press.
Macqueen, N. (2006a). “Belated Decolonization and UN Politics Against the Backdrop
of the Cold War: Portugal, Britain, and Guinea-Bissau's Proclamation of Indepen-
dence, 1973-1974”. Journal of Cold War Studies Vol. 8, Nº 4, pp. 29-56.
Macqueen, N. (2006b). “Marcelismo, Africa and the United Nations [With Particular
Reference to the British Response to the PAIGC’s Declaration of Independence for
Guinea-Bissau]”, em M. Franco (coord) Portugal, os Estados Unidos e a África Austral.
Lisboa: Instituto Português de Relações Internacionais, pp. 101-117.
Macqueen, N. (2005). “Trajectórias Divergentes: Guiné-Bissau e Cabo Verde desde a
Independência”. Relações Internacionais Nº 8, pp. 39-53.
Macqueen, N. (1998). A Descolonização da África Portuguesa: A Revolução Metropolitana e
a Dissolução do Império. Mem Martins: Inquérito.
Magalhães, J. (1996). “Portugal e as Nações Unidas, a Questão Colonial 1955-1974”.
Cadernos do Lumiar. Lisboa: Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais.
Malone, D. (2007). “Security Council” em T. Weiss and S. Daws (ed) The Oxford Hand-
book on the United Nations. New York: Oxford University Press.
Malone, D. (2004). The UN Security Council: From the Cold War to the 21st Century. Boul-
der, CO: Lynne Rienner Publishers.
Manela, E. (2007). The Wilsonian Moment. Self-Determination and the International Ori-
gins of Anticolonial Nationalism. New York: Oxford University Press.
Marcos, D. (2007). Salazar e De Gaulle: A França e a Questão Colonial Portuguesa (1958-
-1968). Lisboa: Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Marcum, J. (1978). The Angolan Revolution. Exile Politics and Guerrilla Warfare (1962-
-1976). Vol. II. Cambridge: The MIT Press.
Bibliografia | 333

Martin, I. (2001). Self-Determination in East Timor: The United Nations, the Ballot, and
International Intervention. Boulder, CO: Lynne Rienner Publishers.
Martins, F. (2001). Política Externa e Política de Defesa em Portugal do Final da Monarquia
ao Marcelismo. Lisboa: Edições Colibri; Universidade de Évora.
Martins, F. (1998). “A Política Externa do Estado Novo, o Ultramar e a ONU. Uma Dou-
trina Histórico-Jurídica (1955-68)”. Penélope Nº 18, pp. 189-206.
Martins, F. (1996). “A ONU e a Descolonização 1943-1955”. História Nº 19, pp. 28-37.
Martins, F. (1995). Portugal e a Organização das Nações Unidas: Uma História da Política
Externa e Ultramarina Portuguesa no Pós-Guerra (Agosto de 1941-Setembro de 1968).
Lisboa: Texto Policopiado.
Mateus, D. (2004). A PIDE-DGS na Guerra Colonial (1961-1974). Lisboa: Terramar.
Matos, V. (2010). Portugal e Itália: Relações Diplomáticas (1943-1974). Coimbra: Impren-
sa da Universidade de Coimbra.
Mazower, M. (2012). Governing the World: The History of an Idea. London: Penguin Press
HC.
Mazower, M. (2009). No Enchanted Palace: The End of Empire and the Ideological Origins
of the United Nations. Princeton: Princeton University Press.
Meneses, F. (2005). Correspondência Diplomática Irlandesa sobre Portugal, o Estado Novo e
Salazar: 1941-1970. Lisboa: Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Es-
trangeiros.
Micheletti, M., et. al. (2004). Politics, Products, and Markets: Exploring Political Consume-
rism Past and Present. New Jersey: Transaction Publishers.
Minter, W. (2008). Apartheid's Contras: An Inquiry into the Roots of War in Angola and
Mozambique. Charleston: BookSurge Publishing.
Moita, M. (1997). Portugal Perante a Política do Apartheid. A Visão da Diplomacia Portu-
guesa. Lisboa: Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa.
Monteiro, J. (2012). Portugal, a Organização Internacional do Trabalho e o Problema do
Trabalho Nativo: A Queixa do Estado do Gana. Lisboa: Texto Policopiado.
Morais, C. (1998). O Direito à Autodeterminação dos Povos: O Estatuto Jurídico do Enclave
de Cabinda. Lisboa: Edições da Universidade Lusíada.
Moreira, A. (2009). A Espuma do Tempo. Memórias do Tempo de Vésperas. Lisboa: Almedina.
Moreira, A. (2001). Ciência Política. Lisboa: Almedina.
Moyn, S. (2012). The Last Utopia: Human Rights in History. Harvard: Belknap Press.
Muldoon Jr, J., et. al. (2005). Multilateral Diplomacy and the United Nations Today. Boul-
der, CO: Westview Press.
Neier, A. (2012). The International Human Rights Movement: A History. Princeton: Prin-
ceton University Press.
334  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Nogueira, A. (1987). Um Político Confessa-se (Diário: 1960-1968). Porto: Livraria Editora


Civilização.
Nogueira, A. (1986). Salazar. O Ataque (1945-1958). Vol. IV. Porto: Livraria Civilização
Editora.
Nogueira, A. (1984). Salazar. A Resistência (1958-1964). Vol. V. Porto: Livraria Civiliza-
ção Editora.
Nogueira, A. (1979). Diálogos Interditos: Política Externa Portuguesa e a Guerra de África.
Lisboa: Editorial Intervenção.
Nogueira, A. (1969). Como é que a Perda do Ultramar é Compensada pelas Boas Graças da
ONU. Discurso Pronunciado no Palácio das Necessidades em 16 de Outubro de 1969.
Lisboa: Secretaria de Estado da Informação e Turismo.
Nogueira, A. (1967). Política Externa Portuguesa. Lisboa: Ministério dos Negócios Estran-
geiros.
Nogueira, A. (1966a). An Old Debate. Lisboa: Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Nogueira, A. (1966b). “Africa and Portugal Position as a Western Nation”. Portugal Infor-
mation Bulletin Nº 4, Vol. IV.
Nogueira, A. (1964). The United Nations and Portugal: A Study of Anti-Colonialism. Lon-
don: Tandem Books.
Normand, R. and Zaidi, S. (2008). Human Rights at the UN: The Political History of Uni-
versal Justice. Bloomington, IN: Indiana University Press.
Oliveira, P. (2013). “‘Live and Let Live’: Britain and Portugal's Imperial Endgame (1945-
-75)”. Portuguese Studies Vol. 29, Nº 2, pp. 186-208.
Oliveira, P. (2007-2008). “Adrian Hastings e Portugal: Wiriyamu e Outras Polémicas”.
Lusitana Sacra 19-29, 2ª Série, pp. 379-397.
Oliveira, P. (2007). Os Despojos da Aliança. A Grã-Bretanha e a Questão Colonial Portugue-
sa, 1945-1975. Lisboa: Tinta-da-China.
Onuf, N. (2013). Making Sense, Making Worlds: Constructivism in Social Theory and Inter-
national Relations. New York: Routledge.
Pardo Sanz, R. (2008). “La Décolonisation de l’Afrique Espagnole: Maroc, Sahara Occi-
dental et Guinée-Équatoriale”, em O. Dard et D. Lefeuvre (dir) Europe Face à son
Passé Colonial. Paris: Riveneuve Éditions, pp. 169-196.
Patil, V. (2007). Negotiating Decolonization in the United Nations: Politics of Space, Identity,
and International Community. London: Routledge.
Pélissier,  R. e Wheeler, D. (2009). História de Angola. Lisboa: Tinta-da-China.
Pélissier, R. (1979). Le Naufrage des Caravelles: Etudes sur la Fin de l’Empire Portugais
(1961-1975). Orgeval: Editions Pélissier.
Pélissier, R. (1978). La Colonie du Minotaure: Nationalismes et Revoltes en Angola (1926-
-1961). Orgeval: Editions Pélissier.
Bibliografia | 335

Percox, D. (2004). Britain, Kenya and the Cold War: Imperial Defence, Colonial Security
and Decolonisation. London: Tauris Academic Studies.
Pereira, A. (2002). Uma Luta, um Partido, dois Países: Guiné-Bissau – Cabo Verde. Lisboa:
Editorial Notícias.
Pereira, C. (2005). “Portugal e as Nações Unidas”, em C. Branco e F. Garcia (coord) Os
Portugueses nas Nações Unidas: Os 60 Anos da ONU. Lisboa: Prefácio, pp. 143-162.
Peterson, M. (1990). The General Assembly in World Politics. London: Unwin Hyman.
Philpott, D. (2001). Revolutions in Sovereignty: How Ideas Shaped Modern International
Relations. Princeton: Princeton University Press.
Pimenta, F. (2005). Os Brancos de Angola: Autonomismo e Nacionalismo (1900-1961).
Coimbra: Minerva Coimbra.
Pinto, A. C. e Jerónimo, M. B. (2014). Portugal e o Fim do Colonialismo. Dimensões Inter-
nacionais. Lisboa: Edições 70.
Pinto, A. C. (2001). A Cena Internacional, a Guerra Colonial e a Descolonização. 1961-
-1975. Lisboa: Livros Horizonte.
Pinto, M. (2010). O Papel da Organização das Nações Unidas na Criação de uma Nova
Ordem Mundial. Lisboa: Prefácio.
Quaye, C. (1991). Liberation Struggles in International Law. Philadelphia: Temple Univer-
sity Press.
Reis, B. (2014). “As Primeiras Décadas de Portugal nas Nações Unidas. Um Estado Pária
contra a Norma da Descolonização (1956-1974)’’ em A. C. Pinto e M. B. Jerónimo
(org) Portugal e o Fim do Colonialismo. Dimensões Internacionais. Lisboa: Edições 70,
pp. 179-215.
Reis, B. (2013). “Portugal and the UN: A Rogue State Resisting the Norm of Decoloniza-
tion (1956-1974)”. Portuguese Studies Vol. 29, Nº 2, pp. 251-276.
Ribeiro, A. (1995). Cabinda: Direito à Independência? O Etno-Nacionalismo e o Princípio
da Autodeterminação em Questão. Porto: Texto Policopiado.
Ribeiro, M. e Ferro, M. (2004). A Organização das Nações Unidas. Coimbra: Almedina.
Riye, A., Goedde, P. and Hitchcock, W. (2012). The Human Rights Revolution: An Inter-
national History. Oxford: Oxford University Press.
Robert, E. and Plano, J. (2004). The United Nations: International Organization and World
Politics. Belmont: Wadsworth Publishing.
Rocha, E. (2009). Angola: Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno
Angolano. Lisboa: Dinalivro.
Rodrigues, L. (2007). “Cold War and Colonialism: The Case of East Timor”, em J. Engel
(ed) Local Consequences of the Global Cold War. Washington: Woodrow Wilson Cen-
ter Press, pp. 296-313.
336  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Rodrigues, L. (2006). “Os Estados Unidos e a Questão Colonial Portuguesa na ONU


(1961-1963)”, em M. Franco (coord) Portugal, os Estados Unidos e a África Austral.
Lisboa: Instituto Português de Relações Internacionais, pp. 61-100.
Rodrigues, L. (2002a). “Os Estados Unidos e a Questão de Goa em 1961”. Ler História
Nº 42, pp. 61-90.
Rodrigues, L. (2002b). Salazar e Kennedy: A Crise de uma Aliança. Lisboa: Editorial Notí-
cias.
Rodrigues, L. (2000a). “A ‘Solidão’ na Política Externa Portuguesa no Início da Década de
60: O Caso dos Estados Unidos”, em F. Martins (ed) Diplomacia e Guerra: Política
Externa e Política de Defesa em Portugal do Final da Monarquia ao Marcelismo. Évora:
Edições Colibri; Universidade de Évora, pp. 189-224.
Rodrigues, L. (2000b). “As Negociações que Nunca Acabaram. A Renovação do Acordo
das Lajes em 1962”. Penélope Nº 22, pp. 53-70.
Rosas, F., Machaqueiro, M. e Oliveira, P. (2015). O Adeus ao Império. 40 Anos de Descolo-
nização Portuguesa. Lisboa: Nova Veja, Lda.
Rosas, F. e Oliveira, P. (2004). A Transição Falhada: O Marcelismo e o Fim do Estado Novo
(1968-1974). Lisboa: Editorial Notícias.
Rosas, F. (1998). História de Portugal. O Estado Novo (1926-1974). Vol. VII. Lisboa: Edi-
torial Estampa.
Rosas, F. (1992). Nova História de Portugal. Portugal e o Estado Novo (1930-1960). Vol.
XII. Lisboa: Editorial Presença.
Rubinstein, A. (1988). Moscow’s Third World Strategy. Princeton: Princeton University
Press.
Ruivo, F. (2014). Spínola e a Revolução. Do 25 de Abril ao 11 de Março de 1975. Lisboa:
Bertrand Editora.
Salazar, A. (1967). Discursos e Notas Políticas: 1959-1966. Vol. VI. Coimbra: Coimbra
Editora.
Santos, A. A. (2006). Quase Memórias: Do Colonialismo e da Descolonização. 2 vol. Lisboa:
Casa das Letras.
Santos, A. (2011a). “The Decolonization Committee of the United Nations and the
Struggle Against Portuguese Colonialism in Africa: 1961-1974”, em C. Quist-Adade
and F. Chiang (ed) From Colonization to Globalization: The Intellectual and Politi-
cal Legacies of Kwame Nkrumah and Africa’s Future. Toronto: Daysprings Publishing,
pp. 199-209.
Santos, A. (2011b). “A ONU e as Resoluções da Assembleia Geral de Dezembro de 1960”.
Relações Internacionais Nº 30, pp. 61-69.
Santos, A. (2011c). “The UN Decolonization Committee and the Struggle in Portuguese
Colonies in the 1970s”. Afriche e Orienti Nº 2, pp. 35-52.
Bibliografia | 337

Santos, A. (2010a). “The Decolonization Committee of the United Nations and the In-
ternational Legitimacy of National Liberation Movements of Portuguese Colonies:
1961-1974”, em T. Mavrikos-Adamou (coord) Problems and Issues in International
Relations. Athens: Atiner, pp. 149-160.
Santos, A. (2010b). “O Comité de Descolonização e os Movimentos de Libertação das
Colónias Portuguesas: 1961-1976”, em M. Rezola e P. Oliveira (coord) O Longo
Curso: Estudos em Homenagem a José Medeiros Ferreira. Lisboa: Tinta-da-China,
pp. 491-506.
Santos, A. (2009a). O Comité de Descolonização da Organização das Nações Unidas e os
Movimentos de Libertação das Colónias Portuguesas: 1961-1976. Lisboa: Texto Polico-
piado.
Santos, A. (2009b). “The Foundation of the Organization of African Unity”, em I. Boa-
vida e M. Ramos (coord) Rastafari in Lusoland: On the 50th Anniversary of the Haile
Selassie’s I State Visit to Portugal, 1959-2009. Lisboa: Centro de Estudos Africanos-
-Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, pp. 35-38.
Santos, P. (2007). Portugal e a NATO. Diplomacia em Tempo de Guerra (1961-1968). Lis-
boa: Texto Policopiado.
Sapire, H. and Saunders, C. (2013). Southern African Liberation Struggles. New Local,
Regional and Global Perspectives. Cape Town: University of Cape Town Press.
Schachter, O. (1994). “United Nations Law”. American Journal of International Law
Vol. 88, Nº 1, pp. 1-23.
Schmidt, E. (2007). Cold War and Decolonization in Guinea, 1946-1958. Athens: Ohio
University Press.
Schneidman, W. (2005). Confronto em África: Washington e a Queda do Império Colonial.
Lisboa: Tribuna da História.
Schulzinger, R. (2010). “Détente in the Nixon-Ford Years, 1969-1976”, em M. Leffler
and O. Westad (ed) The Cambridge History of the Cold War. Crises and Détente.
Vol. II. Cambridge: Cambridge University Press.
Schweizer, K. and Schumann, M. (2008). “The Revitalization of Diplomatic History:
Renewed Reflections”. Diplomacy and Statecraft 19: 2, pp. 149-186.
Seibert, G. (2006). Comrades, Clients and Cousins. Colonialism, Socialism and Democrati-
zation in São Tomé and Príncipe. Leiden: Brill.
Sellers, M., Burci, G. and Mccorq, R. (1996). The New World Order: Sovereignty, Human
Rights and the Self-Determination of Peoples. Oxford: Berg Publishers.
Sellström, T. (1999). Sweden and National Liberation in Southern Africa: Formation of a
Popular Opinion (1950-1970). Vol. I. Uppsala: Nordic Africa Institute.
Shipway, M. (2008). Decolonization and its Impact. A Comparative Approach to the End of
the Colonial Empires. New Jersey: Blackwell Publishing.
338  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Shubin, V. (2010). The Hot “Cold War”: The USSR in Southern Africa. London: Pluto
Press.
Silva, A. (1997). A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa. Porto:
Edições Afrontamento.
Silva, A. (1995). “O Litígio entre Portugal e a ONU (1960-1974)”. Análise Social Vol.
XXX (130), pp. 5-50.
Simpson, W. (2004). Human Rights and the End of Empire: Britain and the Genesis of the
European Convention. Oxford: Oxford University Press.
Sodupe, K. (s.d.). La Teoría de las Relaciones Internacionales a Comienzos del Sieglo XXI.
Bilbao: Servicio Editorial de la Universidade del País Vasco.
Sousa, J. (2011). Amílcar Cabral (1924-1973). Vida e Morte de um Revolucionário Africa-
no. Lisboa: Nova Vega, Lda.
Sousa, J. (2006). “MPLA: Da Fundação ao Reconhecimento por Parte da OUA (1960-
-1968)”. Latitudes Nº 28, pp. 11-16.
Spruyt, H. (2000). “The End of Empire and the Extension of the Westphalian System:
The Normative Basis of the Modern State Order”. International Studies Review Vol.
2, Nº 2, pp. 65-92.
Steiner, Z. (1997). “On Writing International History: Chaps, Maps and Much More”.
International Affairs Vol. 73, Nº 3, pp. 531-546.
Sterio, M. (2012). The Right to Self-Determination under International Law: "Selfistans",
Secession, and the Great Powers. London: Routledge.
Stiller, S. (2010). Ideational Leadership in German Welfare State Reform: How Politicians
and Policy Ideas Transform Resilient Institutions. Amsterdam: Amsterdam University
Press.
Stocker, M. (2005). Xeque-Mate a Goa. Lisboa: Temas e Debates.
Summers, J. (2007). Peoples and International Law: How Nationalism and Self-Determina-
tion Shape a Contemporary Law of Nations. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers.
Tan, S. and Acharya, A. (2009). Bandung Revisited: The Legacy of the 1955 Asian-African
Conference for International Order. Singapore: NUS Publishing.
Telo, A. (2000). Portugal e Espanha nos Sistemas Internacionais Contemporâneos. Lisboa:
Edições Cosmos.
Telo, A. (1996). Portugal e a NATO: O Reencontro da Tradição Atlântica. Lisboa: Edições
70.
Telo, A. (1994). “As Guerras de África e a Mudança nos Apoios Internacionais de Portu-
gal”. Revista de História das Ideias Vol. 16, pp. 347-369.
Themido, J. (2008). Uma Biografia Disfarçada. Lisboa: Instituto Diplomático do Minis-
tério dos Negócios Estrangeiros.
Bibliografia | 339

Thomas, M., Moore, B. and Butler, L. (2008). The Crises of Empire: Decolonization and
Europe's Imperial Nation States, 1918-1975. New York: Bloomsbury.
Tíscar Santiago, M. (2013). Diplomacia Peninsular e Operações Secretas na Guerra Colonial.
Lisboa: Edições Colibri.
Tíscar Santiago, M. (2012). Pacto Ibérico, NATO e Guerra Colonial. Lisboa: Instituto da
Defesa Nacional.
Tomás, A. (2007). O Fazedor de Utopias: Uma Biografia de Amílcar Cabral. Lisboa: Tinta-
-da-China.
Udogu, E. (2011). Liberating Namibia: The Long Diplomatic Struggle Between the United
Nations and South Africa. Jefferson: McFarland.
Walraven, K. (1999). Dreams of Power: The Role of the Organization of African Unity in the
Politics of Africa. 1963-1993. Leiden: African Studies Centre.
Weigert, S. (2011). Angola: A Modern Military History, 1961-2002. London: Palgrave.
Weiss, T. and Thakur, R. (2010). Global Governance and the UN: An Unfinished Journey.
Bloomington, IN: Indiana University Press.
Weiss, T. and Daws, S. (2007). The Oxford Handbook on the United Nations. New York:
Oxford University Press.
Westad, O. (2007). The Global Cold War: Third World Interventions and the Making of our
Times. Cambridge: Cambridge University Press.
Wheeler, D. (2011). “‘May God Help Us’. Angola’s First Declaration of Independence:
The 1951 Petition/Message to the United Nations and USA”. Portuguese Studies
Review 19 (1-2), pp. 271-291.
Wilde, R. (2008). International Territorial Administration: How Trusteeship and the Civili-
zing Mission Never went Away. New York: Oxford University Press.
Williams, A. (1998). Failed Imagination? New World Orders of the Twentieth Century. New
York: Manchester University Press.
Williams, S. (2011). Who Killed Hammarskjöld? The UN, the Cold War and White
Supremacy in Africa. London: Hurst & Co.
Wilson, H. (1990). International Law and the Use of Force by National Liberation Move-
ments. Oxford: Oxford University Press.
Wittmann, E. (2012). Past and Future of the Right of National Self-Determination. San
Bernardino: Ulan Press.
Xavier, L. (2010). Rui Patrício: Uma Vida Conta-se Inteira. Lisboa: Temas e Debates.
Zeiler, T. (2001). “Bernath Lecture. Just Do It! Globalization for Diplomatic Historians”.
Diplomatic History Vol. 25, Nº 4, pp. 529-551.
Ziring, L., Riggs, R. and Plano, J. (2005). The United Nations: International Organization
and World Politics. Toronto: Wadsworth Cengage Learning.
340  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Zubok, V. (2008). A Failed Empire: The Soviet Union in the Cold War From Stalin to Gor-
bachev. Chapel Hill: University of North Carolina Press.

Páginas Web
<URL:http://www.unhistory.org>
<URL:http://www.un.org.com>
Sessões do Comité Especial para os Territórios sob Administração
Portuguesa no Congo (Leopoldville): 1962*

* Fotografias enviadas ao
MNE pela Embaixada de
Portugal em Leopoldville.
Sem legendas. Cf. AHD,
Fundo POI, Mç 144.
342  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974
Missão Especial de Visita do Comité de Descolonização à
Guiné (Bissau): 1972*

Reunião na sede do PAIGC em Conakry, na República da Guiné. Da esquerda para


a direita: Roger Polgar, representante da UNDP na República da Guiné; Cheikh T.
Gaye; Aristides Pereira, do PAIGC; Horácio Sevilla-Borja, presidente da missão
especial; Folke Lofgren, membro da missão especial; Kamel Belkhiria, membro da
missão especial; e Constantino Teixeira, comandante do PAIGC.

Itinerário da missão especial.

* Fotografo Yutaka Nagata.


Cf. AHD, Fundo POI, Mç. 587.
344  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Caminhada dos membros da missão especial, acompanhados por elementos do


PAIGC, pela floresta no setor de Cubucare, no sul da Guiné.

Horácio Sevilla-Borja a discursar para a população das aldeias do setor de Cubucare,


acompanhado por Fidélis Cabral d’Almada, secretário da justiça do PAIGC.
Horácio Sevilla-Borja dirigindo-se a um grupo de líderes do PAIGC, no setor de
Balana-Kitafine.

População de aldeias do setor de Cubucare a ouvir os membros da missão especial.


346  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Horácio Sevilla-Borja a brincar com uma criança numa aldeia do setor de Balana-Kitafine.

Folke Lofgren na companhia de duas crianças da escola Aerolino Lopez Cruz,


no setor de Cubucare.
Exame de uma bomba, considerada de origem americana, lançada em outubro de
1971 num raid aéreo sobre a aldeia de Botche Djate, no setor de Balana-Kitafine.

Convívio entre membros do PAIGC e da missão especial. Da esquerda para a


direita: Arnaldo Araújo, oficial de informação; José Araújo, comissário político;
Vasco Cabral, encarregado da ideologia; Cheikh T. Gaye; Folke Lofgren; Kamel
Belkhiria; Constantino Teixeira; Horácio Sevilla-Borja; e Fidélis Cabral d’Almada.
348  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Reuniões em Lisboa e Nova Iorque: 1975*

Observadores dos movimentos de libertação das colónias portuguesas e membros do


governo português presentes na reunião do Comité de Descolonização em Lisboa.

Votação pelo Conselho de Segurança da recomendação para a admissão de Cabo


Verde, São Tomé e Príncipe e Moçambique como Estados-membros.

* Centro de Documentação do Diário de Notícias.


  Fotografo Teddy Chen. Cf. UN Photolibrary: ID=247215.
Coleção Atena

1.  Portugal no Contexto Internacional. Opinião Pública, Defesa e Segurança.


Maria Carrilho

2.  O Homo Strategicus ou a Ilusão de uma Razão Estratégica?


António Horta Fernandes

3.  Imperativo Humanitário e Não-Ingerência. Os Novos Desafios do


Direito Internacional.
Isabel Raimundo

4.  Exército, Mudança e Modernização na Primeira Metade do Século XIX.


Fernando Pereira Marques

5.  Indústria em Tempo de Guerra (Angola, 1975-91).


Manuel Ennes Ferreira

6.  O Direito da Defesa Nacional e das Forças Armadas.


Coordenação de Jorge Miranda e Carlos Blanco de Morais

7.  Debaixo de Fogo! Salazar e as Forças Armadas (1935-41).


Telmo Faria

8.  O Interesse Nacional e a Globalização.


Coordenação Científica de Nuno Severiano Teixeira, José Cervaens Rodrigues e
Isabel Ferreira Nunes

9.  As Forças Armadas em Tempo de Mudança. Uma Sondagem à Opinião


Pública nas Vésperas do Século XXI.
Luís Salgado de Matos e Mário Bacalhau

10.  Introdução ao Estudo dos Conhecimentos Militares. 3.ª Edição.


Sebastião Telles

11.  Mulheres em Armas. A Participação Militar Feminina na Europa do Sul.


Helena Carreiras

12.  O Conceito de Fronteira na Época da Mundialização.


Maria Regina Marchueta
350  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

13.  Segurança Colectiva. A ONU e as Operações de Apoio à Paz.


Vítor Rodrigues Viana

14.  Civilinização das Forças Armadas nas Sociedades Demoliberais.


Nuno Mira Vaz

15.  Relatório dos Acontecimentos de Timor (1942-45). 2.ª Edição.


Manuel de Abreu Ferreira de Carvalho

16.  O Equilíbrio Ibérico – Séc. XI-XX. História e Fundamentos.


António Paulo Duarte

17.  As Guerras Liberais – Uma Reflexão Estratégica sobre a História de


Portugal.
José Manuel Freire Nogueira

18.  A Primeira Guerra Mundial na África Portuguesa – Angola e


Moçambique (1914-1918).
Marco Fortunato Arrifes

19.  As Armas das Vítimas – Um Novo Prisma sobre o Direito Internacional


Humanitário e dos Conflitos Armados.
Francisco da Silva Leandro

20.  Pensar a Segurança e Defesa.


Coordenação de José Manuel Freire Nogueira

21.  O Pensamento Estratégico Nacional.


Organização de José Manuel Freire Nogueira e João Vieira Borges

22.  Raymond Aron – A Paz e a Guerra no Século XXI.


Coordenação de Nuno Severiano Teixeira, João Marques de Almeida e Carlos
Gaspar

23.  Revoluções, Política Externa e Política de Defesa em Portugal. Séc.


XIX-XX
João Marques de Almeida e Rui Ramos (Coord.)

24.  Contributos para uma Estratégia Nacional.


Jorge Sampaio, Mário Soares e Ramalho Eanes
25.  Pilares da Estratégia Nacional.
António José Telo, António Martins da Cruz e António Vitorino (Coord.)

26.  Entre Ceres e Marte – A Segurança e Defesa na Europa do Século XXI.


Pedro Ferreira da Silva

27.  Uma Estratégia de Segurança Energética para o Século XXI em Portugal.


Teresa Ferreira Rodrigues, Catarina Mendes Leal e José Félix Ribeiro

28.  Contributos para um Conceito Estratégico de Defesa Nacional.


António Figueiredo Lopes, Nuno Severiano Teixeira e Vítor Rodrigues Viana (Coord.)

29.  A Prevenção e a Resolução de Conflitos em África.


Augusto Nascimento e Carlos Coutinho Rodrigues (Coord.)

30.  Segurança Internacional – Perspetivas Analíticas.


Isabel Ferreira Nunes (Coord.)

31.  Conceito Estratégico de Defesa Nacional 2013 –


Contributos e Debate Público.
Vítor Rodrigues Viana (Coord.)

32.  O Pacto Ibérico, a Nato e a Guerra Colonial.


María José Tíscar

33.  Segurança e Desenvolvimento União Europeia-África:


o Caso da Guiné-Bissau.
Luís Eduardo Saraiva

34.  Sociedade em Rede, Ciberespaço e Guerra de Informação:


Contributos para o Enquadramento e Construção de uma Estratégia
Nacional da Informação.
Paulo Viegas Nunes

35.  Paz e Guerra em Raymond Aron: Ontologia e Epistemologia da Ordem


Internacional.
Vítor Ramon Fernandes

36.  Políticas Públicas e o Papel do Estado no Século XXI – Ciclo de Mesas


Redondas ‘Ter Estado’.
Vítor Rodrigues Viana (Coord.)
352  |  A Organização das Nações Unidas e a Questão Colonial Portuguesa: 1960-1974

Você também pode gostar