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Silva
e agora?
e agora?
Anderson Silva
Claudinho Nascimento
Juliana Ferron
Luan Pablo
Robert Diego
e agora?
1a Edição
S. J. Campos, SP
2019
Editora DO M A
Avenida Nove de Julho, 765 • Sala 301 • Jardim Apollo
12243-000 • São José dos Campos, SP
telefone: (12) 3600-5980
e-mail: contato@editoradoma.com • www.editoradoma.com
J58 Jesus sou gay. E agora? / Anderson Silva... [et al]. – São José
dos Campos (SP): Doma, 2019.
112 p. : 14 x 21 cm
CDD 612.6
CLAUDINHO NASCIMENTO
Improváveis 12
14 Mais um produto do meio
16 Não tão rápido
18 Ele é o amor que sustenta
21 Claudinho vai casar
23 Não desista
ANDERSON SILVA
Não há cura, há processos 28
Teologia do processo 34
Jesus e os mercadores do templo 40
Defesa da fé frente ao mundo transmoderno 44
46 O mundo moderno quer transformar o amor em um deus
JULIANA FERRON
Cansei de ser gay 52
53 Enganoso discurso de um ser fragmentado
56 Quanto à minha orientação
ROBERT DIEGO
Individualismo: engano social 64
Experiência na transexualidade 68
72 Mudança radical
Epidemia da transexualidade 78
Transexualidade e uma abordagem bíblica 86
Igreja e sua responsabilidade 94
LUAN PABLO
Família é a base, Deus é o sustento 98
99 Infância
101 Desvio na sexualidade: desejo sexual precoce
103 Prostituição e drogas
105 Ilusões
106 Perdas e uma tentativa de recomeçar
109 De volta ao engano, frente a frente com a morte
111 Misericórdia e graça
7
PREFÁCIO
Anderson Silva
9
CLAUDINHO NASCIMENTO
Ontem? Homossexual
e improvável.
Hoje? Líder de célula
e integrante do
Ministério Eis-me
Aqui, na Igreja
Quadrangular de
Nova Friburgo (RJ).
Também lidera o
Ministério Aprisco,
que cuida de
pessoas vindo ou
voltando para Jesus.
IMPROVÁVEIS
CLAUDINHO NASCIMENTO
E m 4 de dezembro de 2016, eu tornava pública uma das decisões
mais importantes de minha vida – uma que impactou todas as
outras a partir de então. Foi o dia de meu batismo nas águas. 13
A Palavra de Deus diz que todo aquele que crê e for
batizado será salvo; mas é importante frisar que, antes do
batismo, precisamos crer, acreditar nEle e em Seu poder
inexplicável. E eu cri. Só Jesus Cristo podia mudar por completo
meu cenário de impossibilidades.
Sou conhecido em minha pequena cidade, Nova Friburgo (RJ),
especialmente pelo tempo em que participei de grandes eventos,
ao lado de artistas famosos no cenário musical, alguns idolatrados
por milhares. Por isso muitas pessoas foram assistir o batismo por
curiosidade. Desejavam ver o “ex-viadinho”, como meus grandes
amigos das noites passaram a chamar-me, ou o “Claudinho”,
apelido mais comum. Julgavam quanto tempo duraria essa “fase”
de minha nova vida.
Lembro dos detalhes daquela manhã fria e chuvosa de
domingo, em que desci às águas diante de mais de 200 pessoas,
reafirmando para Jesus meu compromisso de segui-Lo. Sabia do
significado daquele ato e cria, de todo coração, que tudo se faria
novo. Eu não apenas me tornava uma nova criatura, mas também
deixava as coisas velhas para trás. Meu foco era somente Jesus!
Quando as mãos de meu pastor e de meu líder me
ajudaram a levantar, já podia sentir a nova essência. Em uma
fração de segundos, eu me vi sendo curado de dentro para fora.
Uma experiência difícil de traduzir em palavras, mas tão real
quanto você e eu. Traumas e cicatrizes da vida já não eram mais
importantes que o amor que inundava meu coração, não só
dEle por mim, mas meu por Ele! A sensação de descer às águas
e assumir diante dos homens que “tudo é possível ao que crê” é
arrebatadora para homens improváveis – o foi para mim.
Desceu Claudinho, abusado sexualmente e fisicamente
na infância, cheio de marcas e traumas, acorrentado em vícios
sexuais e preso a drogas ilícitas. Subiu Claudio Fernando, um novo
homem, o improvável escolhido por Ele para quebrar paradigmas
de religião e resgatar outros improváveis para a glória de Deus.
Todos festejavam e glorificavam o santo nome de Jesus Cristo, pois
uma de suas ovelhas tinha sido achada! Aleluia! Glória a Deus!
14 Não falei com minha mãe por décadas. Porém, naquele dia,
no dia em que ressurgi das águas, eis que dona Vanize Cristina
estava lá, com toda a minha família. Todos aos prantos.
Assim que saí daquela piscina, minha mãe me deu um
forte abraço. Meu tempo foi zerado. Ficamos ali, como se nada
existisse ao redor, apenas filho e mãe – mãe de um improvável para
a sociedade, mas nunca para ela ou para Deus. Minha Rainha,
meu grande amor! As lágrimas ainda me tomam... pois falar assim
de dona Vanize é quase inacreditável. Quantas vezes desejei sua
morte! Quantos aniversários e Dia das Mães eu nem sequer liguei
para ela! Só o próprio Amor, Jesus, poderia fazer a ovelha perdida e
má transformar-se na pessoa que me tornei.
Tenho centenas de amigos que não passaram pela metade
dos abusos que passei e assumiram-se homossexuais. Não é
uma regra viver o que eu vivi. Entretanto quero compartilhar
brevemente minha história para que, de alguma forma, você
entenda como cheguei àquelas águas, como cheguei até aqui, anos
depois, prestes a casar com a mulher da minha vida.
Meu desejo é que você seja tocado pelo Espírito Santo e sinta
o mesmo Amor que transformou minha história.
Então, lhes propôs Jesus esta parábola: Qual, dentre vós, é o homem
que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa no
deserto as noventa e nove e vai em busca da que se perdeu, até
encontrá-la? Achando-a, põe-na sobre os ombros, cheio de júbilo.
E, indo para casa, reúne os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: 17
Alegrai‑vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida.
Lucas 15.3-6
Não desista
Difícil tem sido expressar praticamente 30 anos em algumas
páginas. Quando recebi a mensagem do pastor Anderson sobre o
livro, que conta com grandes colaboradores, derramei lágrimas de
alegria. É um presente de Deus ter a oportunidade de expressar,
mesmo que rapidamente, o que o Pai fez e faz por mim, esperando
de alguma maneira tocar você, leitor.
Não me incomoda que existam aqueles que acreditam em
fundamentos científicos ou bases teológicas para a pluralidade
do amor e a escolha da sexualidade. Hoje, o que incomoda é
ver centenas de milhares de pessoas, de todas cores e idades,
morrendo por depressão, cometendo suicídio ou vivendo a
automutilação – porque faltou paternidade, faltou amor, faltou
Deus. Essas raízes precisam encontrar a verdade.
Somos chamados para ser luz no mundo e carregar a
verdade de Deus aonde formos. De segunda em diante, precisamos
ser a mesma igreja de domingo. Honrar princípios. Assim o Senhor
agirá através de nós, e Sua glória resplandecerá por meio de nossas
atitudes, desde as mais simples como amar o próximo. Isso fará
24 mais diferença do que bons argumentos para debater contra os que
defendem a homossexualidade.
Não pretendo, ao contar minha história, dizer que sou mais
forte ou melhor, porque não sou! Vivo errando e acertando em
Cristo. Sou um grande aprendiz e um filho arrependido, grato por
cada centésimo de milésimo de segundo que o Senhor me permite
viver. Sou um grande apaixonado pelo dia chamado “hoje” e pelas
oportunidades que surgem em cada despertar de nossos olhos, pela
misericórdia de Deus.
Minha esperança é que você tenha sentido o amor de
Cristo e que minha história tenha ajudado de alguma forma, para
a glória de Deus. Espero, em breve, estar falando também sobre
paternidade – sonho com meu filho em meus braços, crescendo e
caminhando nos caminhos do Senhor, indo em lugares que não fui
e nunca pisarei. Eu não vou parar de sonhar! Deus tem muito mais
para mim do que tudo que já perdi na vida. E para você também!
lu te , c a ia , levante
Creia, n ã o desista.
– som e n te
ANDERSON SILVA
Teólogo, conferencista
internacional e pastor
sênior da Igreja Vivo por
Ti em Brasília (DF).
Também lidera
frentes apostólicas e
missionárias no Brasil
e no mundo. Casado
com Keila Silva, é
pai de três filhos:
Paulo, João e Tiago.
NÃO HÁ CURA,
HÁ PROCESSOS
ANDERSON SILVA
a gay ?
Existe cur
29
s o u b e r o que fazer,
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Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para
todas as nações [incluindo gentios]?
Marcos 11.17 (Grifos do autor)
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Uma Igr e m o atual.
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ofende co pergunta certa:
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em
“Como pod
O mundo moderno quer transformar o amor em um deus
46 Deus é amor, mas o amor não é Deus. Não é possível
compará-Lo com qualquer amor, porque seria incoerente – em
nenhum momento, a Bíblia coloca Deus em conflito com Seus
atributos perfeitos. Inclusive, quando Ele utiliza de um atributo,
não anula nenhum outro. Com isso em mente, compreenda que
Ele é amor, sem deixar de ser justo.
Sendo assim, é importante ressaltar que aquilo que
transforma o homem não é apenas o amor de Deus, mas a
resposta que o homem dá a esse amor. Afinal, o amor dEle não
entra em ação sem permissão humana, não há invasão por parte
do Senhor. O que existe é cooperação, porque “de Deus somos
cooperadores” (1 Co 3.9).
Os progressistas subverteram até mesmo a Bíblia. Além de
plantarem igrejas sem critérios doutrinários, lançaram versões
bíblicas com recortes desastrosos. Entre elas, uma na qual Deus
não é Pai, para não ofender o feminismo.
A masculinidade é tão didática, ao mesmo tempo que a
Bíblia é tão absoluta, que além de Deus ser Pai, revelou Seu filho
ao mundo como um homem. Por que problematizar o que não era
para ser pejorativo nem excludente? O homem foi criado primeiro,
nem por isso Deus o ama mais que ama a mulher. Ao homem
foi dada a função de governo do lar, mas isso não diminui a
importância da função da mulher na família. Em valor, iguais; em
funções, diferentes. E Deus não errou ao criar assim.
Aliás, o problema da mulher moderna não é o machismo
nem o homem. O problema é a mulher não se colocar sob a
necessidade universal de redenção, sob o peso redentor da Palavra,
que é o mesmo para todos. Sempre será melhor relativizar as
Escrituras do que se reconhecer como réu diante de Deus. Sempre
será mais fácil vitimizar-se e afirmar “nasci assim”, a “sociedade
me fez desse jeito”, do que se reconhecer como um pecador
arrependido, carente da misericórdia de um Deus irado contra o
pecado e os pecadores – todos eles, homens e mulheres:
Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se
mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele
permanece a ira de Deus. 47
João 3.36
é a m o r romântico, o
Deus não outrinal. Ele tem alg
or d nós.
Deus é am realizar dentro de is
a dizer e a s mais seres origina .
Não somo Jesus, Adão e Eva
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quem verd em me deixar ass de mim
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Ao longo dos anos, vim a perceber que a
maior armadilha na nossa vida não é sucesso,
popularidade, ou poder, mas autorrejeição.
Sucesso, popularidade e poder podem
realmente apresentar uma grande tentação,
mas a sua qualidade sedutora, muitas vezes,
vem da forma como eles são: parte de uma
tentação muito maior de autorrejeição.
Quando começamos a acreditar nas vozes
que nos chamam inúteis e indignos de
ser amados, então sucesso, popularidade
e poder são facilmente percebidos como
soluções atraentes. A verdadeira armadilha,
no entanto, é a autorrejeição.
Henri Nouwen
JULIANA FERRON
Homossexual por 12 anos,
já foi líder do movimento
LGBT e feminista.
Missionária da Comunhão
Cristã ABBA, de Curitiba (PR),
é escritora, palestrante e
conselheira em Grupos de
Apoio sobre sexualidade.
Possui graduação em
Marketing, Teologia
Ministerial e Psicanálise,
além de especialização
em Teoria Psicanalítica.
Pesquisa há anos o
tema sexualidade.
CANSEI DE SER GAY
JULIANA FERRON
Enganoso discurso de um ser fragmentado
ido
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Esse tipo corpo opressor, eli es
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analisar o os desejos é viver d ite
governo d o orgulho não perm
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reconfigu o ter coragem de c lo.
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Contudo n o fracasso é reforç
na mesa
ROBERT DIEGO
Ex-transexual.
Atualmente, é missionário
graduado pela MCM,
formado em Teologia
Livre pela Presbiteriana
da Graça, seminarista na
Primeira Igreja Batista
de Mogi das Cruzes (SP)
e estudante de Teologia
pela Unicesumar de
Maringá (PR). Lidera
pré-adolescentes e faz parte
do JUCT, Jovens Unidos em
Cristo, projeto que auxilia
o público jovem. Também
palestra sobre sexualidade e
vida cristã.
INDIVIDUALISMO:
ENGANO SOCIAL
ROBERT DIEGO
N a atual sociedade, que está em constante transição, há uma
supervalorização do individualismo. Podemos olhar para este
momento como a diluição de tudo o que é institucional. 65
Amar o próximo como a si mesmo, como disse Sigmund
Freud, é um dos preceitos fundamentais da vida civilizada. Por
outro lado, o sociólogo Zygmunt Bauman analisa que esse é
exatamente o padrão contrário àquilo que a própria civilização
promove: interesse próprio e busca da felicidade.
Segundo Bauman, a modernidade é uma época
em que a vida social passa a ter como centro a existência
do individualismo, é a fase marcada por uma expansiva
autonomia do homem em relação à vida social. É exatamente
o que vivemos hoje: uma sociedade que cultua a liberdade
individual como valor absoluto e hegemônico.
Ainda utilizando pensamentos de sociólogos sobre o
assunto, podemos citar Alain Ehrenberg, que assinalou um
resultado desse culto:
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lo à b u s c a de praze
mu cia,
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constante e nt e , resulta em asso.
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e paradox e insuficiência e fra
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a t ra n s ex ualidade
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Não consigde um comportame ue é
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como pivô utro pecado motor ivina.
o od
mas há um el sem a iluminaçã
v
imperceptí
A atração por meninos era cada vez maior, e eu não
entendia por quê. Questionava como era possível e por que justo
70 comigo. Para um adolescente, compreender sua orientação sexual
é um processo confuso. O que acontece é que essa confusão
pode ser solucionada, mas a resposta é enquadrada como
politicamente incorreta.
O biólogo Alfred Kinsey, fundador do hoje chamado
Instituto Kinsey para Pesquisa do Sexo, Gênero e Reprodução
da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, criou uma
escala que procura descrever o comportamento sexual de uma
pessoa. O método utiliza uma numeração que vai do zero,
equivalente a comportamento exclusivamente heterossexual, ao
seis, para comportamentos exclusivamente homossexuais. O meio
corresponde aos bissexuais.
Além de sugerir que há graus em que a pessoa é
“predominantemente heterossexual, mas frequentemente
homossexual”, o Escala Kinsey ainda determina que tais níveis
podem ser alterados em períodos diferentes da vida.
Muito além do mérito do estudo, lanço a questão: se há tanta
variedade, quer dizer que não há necessidade de pegar um garoto
confuso que está no nível dois e lançá-lo ao seis. Porém a sociedade
faz isso intencionalmente. Basta uma experiência confusa, e
pronto – o questionamento sobre identidade sexual é avassalador,
inquisidor, quase insuportável.
Foi o que aconteceu comigo. Decidi saber mais sobre aqueles
sentimentos e desejos, até que fui convidado a conhecer um local
frequentado por homossexuais. O que aconteceu? Achei pessoas
como a mim. Pensei estar entre iguais, já que até aquele momento
sempre fora o diferente. Fiz novas amizades. Mal sabia que ali
começava a perda de minha identidade.
Vivemos por identificação. Identificado com aqueles pares,
acreditei estar livre do preconceito, da repressão. Não foi nada
disso! Hoje posso fazer a leitura com maturidade: fragilidade e
incoerência habitavam minha personalidade.
O mundo se abriu aos meus olhos – e os prazeres também –,
dando início a um ciclo de não preocupação com as demais pessoas.
Rendi-me ao individualismo e a tantos comportamentos consequentes
a ele. Comecei a contar mentiras, viver rivalidade, enganar, ser cheio
de malícia, caluniar.
Quando tive meu primeiro relacionamento homossexual, 71
passei a sentir-me completo e amado. Não entendia nada!
Adolescente confunde carinho e amor com sexo. Pensei que todas
as vezes que transasse haveria afeto – só que o inconsciente violado
não sabe diferenciar entre abuso, sexo banal e amor.
Quantos meninos hoje reproduzem um comportamento
homossexual por terem sofrido abuso sexual! Não se dão conta de
que a violência sofrida pode ter ativado a homossexualidade – o
que acredito ser possível de acontecer a qualquer pessoa.
Então começavam em minha vida anos de intenso
isolamento e profundo egoísmo. Sexo, dinheiro e aparência
viraram deuses. Vivia o Carpe diem – em latim, “aproveite o
momento” – como essência.
Encontrei uma pessoa que me convidou a morar em sua
casa. Lembro-me o quanto uma novela adolescente influenciou-me
a tomar atitude e finalmente deixar a casa de meus pais.
A promessa era simples: tornar-me uma mulher linda. Já
havia usado roupa de mulher antes, mas ser mulher tornara-se
meu maior sonho. Acreditava que era tudo que faltava para ser
feliz. Então perguntei àquela pessoa se era mesmo possível, e ela
respondeu que sim.
Mudei, deixei para trás a casa de meus familiares, sem pesar
ou gratidão. Parti sem responsabilidade, como se fosse um carro a
240 quilômetros por hora. Naquele dia, apaguei tudo o que vivi até
ali em família, na sociedade e até mesmo na igreja em que passei
toda a infância. Apertei o botão “viver intensamente sem pensar
em ninguém”.
Comecei a viver meu “verdadeiro” eu. Acreditava ter
descoberto a verdadeira essência. A guerra começara. Deus
errou, e eu estava corrigindo Seu erro. A raiva tomou conta de
meu coração.
Digo com confiança: se eu não quisesse experimentar
tudo que experimentei, se não cedesse a meus próprios desejos,
teria evitado sofrimento maior – muito maior que as dores
iniciais, de quando lutava com os conflitos existenciais e de
identidade. É muito mais prático e rápido tratar a disforia do que
“destransicionar”, pode ter certeza.
72 Sei que muitas pessoas imaginam que isso é loucura, mas é
real. Eu vivi a disforia de gênero em sua totalidade. No entanto, hoje,
entendo que por trás há uma busca de saciar o ego, uma procura
desenfreada por autonomia, um encanto pelo individualismo.
Mudança radical
Em seis meses, já era uma pessoa diferente. Pensava
exclusivamente em meu próprio bem-estar, sem preocupação
com a opinião do outro, ou mesmo com questões essenciais à vida
como biologia e anatomia, que são imutáveis e inalteráveis. Iniciei
mudanças corporais, pelas quais sofro até hoje, por acreditar que a
fisiologia não possuía valor.
A própria cultura prioriza o indivíduo. É notável que há
um incentivo midiático e educacional que é imoral. O convite é
para extravasar. Depois da revolução sexual dos anos de 60, houve
uma demanda sexual jamais vista. Um apelo à sexualização de
tudo, inclusive com erotização infantil, tratando o assunto como
primordial e libertário.
No entanto o resultado foi uma sociedade cada vez mais
líquida e fragilizada. O que era tido como discreto e privado, agora
é escancarado em qualquer lugar. A indústria do entretenimento
ganha revista pornográfica, e o pornô entra em vigor. Há uma
passagem da repressão sexual à liberalidade – ou libertinagem –,
tudo em troca de prazer e bem-estar próprios, individuais.
Certa vez, Ney Matogrosso descreveu os anos 70 como
“deliciosos: sexo, drogas e rock’n’roll. Tudo era liberado e não havia
uma doença mortal no mundo [AIDS]”. Essa mentalidade já estava
impregnada na cabeça de um jovem do século 19, quanto mais hoje!
Durante aquela mudança radical, tive meus primeiros
contatos com álcool e drogas, que fizeram parte de minha vida por
um longo período. A vida era cheia de prazer – um caminho que
conduz à morte. Quantos transexuais eu presenciei morrer pelo
uso do crack, ou em roubos, ou assassinados!
Todo jovem pobre gostaria de viajar pelo mundo, ganhar
dinheiro e ter uma aparência privilegiada – eu tive tudo isso.
Mudei para a Itália e iniciei uma vida de ostentação, moda, 73
dinheiro, encontros e sexo, porém longe das únicas pessoas que
realmente vale a pena cultivar por perto.
Autonomia e individualismo produziram uma solidão
inexplicável, porém precisava ser forte e mostrar personalidade.
No fundo, tinha medo de morrer sozinho. Sempre mexeu muito
comigo pensar que, quando eu morresse, somente meus familiares
sentiriam falta verdadeiramente – agora eles estavam longe.
Essa questão de vida e morte sempre me fez companhia.
Volta e meia, pensava no que me levaria a passar ou não a vida
eterna em sofrimento. Qual a resposta certa? Onde encontrar, de
fato, paz e esperança? Seria tudo apenas acaso? Não conseguia
acreditar em muita coisa.
Na adolescência e na juventude, não damos muito valor
ao que vem depois – queremos satisfazer o momento. Era assim
com a maioria das meninas, tínhamos histórias parecidas. Não
entendíamos que a vida é um sopro e que todos deveriam refletir
sobre a eternidade.
Sim, sair do Brasil foi muito bom, contudo senti falta da vida
e dos amigos daqui. Depois de seis meses, decidi voltar e continuar
a vida no meu próprio país.
Pouco tempo depois de voltar da Europa, vivi meu primeiro
relacionamento. Pensava ser algo sincero; no entanto a sinceridade
não existia. A busca constante de aprovação é marcante na vida de
quem vive a transexualidade, e encontrar alguém que lhe respeite é
raro. Achei ter encontrando essa pessoa.
se
e ra m u lh er tornou- a
e eu gava
Afirmar qu real e solitária. Che que
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uma luta ir uizofrenia. Por ma re me
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beirar a es uto afirmasse, sem entar.
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tentasse o da realidade para a real.
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distanciav a dessa distância d
Precisa v
Além disso, minha guerra também era interior, com Deus.
Dentro de mim, sabia que o que Ele pensava o meu respeito
74 transcendia toda a fantasia construída.
No tempo em que passei na Europa, conheci Itália, França,
Espanha, Inglaterra, Hungria, Alemanha, Áustria. A viagem
decisiva foi à Tailândia – lá, em 2010, fiz a cirurgia de mudança de
sexo. É importante ressaltar: mudar de sexo é impossível, já que
o sexo de uma pessoa está diluído em todo o organismo, e não
apenas no órgão sexual.
Fiquei 30 dias em Bangkok. No quarto dia após a cirurgia,
o médico retirou o tampão. Olhei no espelho e senti tanta
alegria! Que adaptação sensacional, tudo parecia perfeito. Se
posso dizer, foi um dos dias mais importantes de minha vida. Eu
conhecia bem meu corpo – e só eu sabia o quanto odiava minha
genitália. Odiar algo que você não utiliza é até simples, mas
eu odiava o que eu usava. Cultivar ódio por uma parte de seu
próprio corpo é uma complexa desordem emocional, que precisa
ser tratada.
Fiz uma viagem cansativa de 24 horas para chegar à casa de
minha mãe. Minha família é cristã, mas nunca opinou.
Ter sexo e mente “adequados” foi sensacional. Depois de
tantos anos, por fim, completei o percurso de transição. Passei a
desfrutar de possuir uma neovagina. Não precisava nunca mais
falar para ninguém que tinha sido um menino.
Parti para a negação total. Enganava a todos e, claro,
enganava a mim mesmo. Não podia aceitar que minha real
condição era não ser, biologicamente, uma mulher.
Hoje vejo: que ilusão! Corpo bonito, bem feito e refeito,
no entanto um vazio existencial. Escondia-me atrás de diversão
e entorpecentes, para acreditar que a vida era completa e cheia
de sentido. Não queria saber de mais nada, além de estar em
evidência. Porém o vazio não mudava, nada nunca mudava.
Passava ano, entrava ano – era tudo igual.
Faço uma pausa para lembrar que estou abordando minha
experiência, de forma pessoal; não generalizo, porque sei que é
diferente com cada um.
Voltei a Roma sem imaginar que seria minha última viagem.
Minha irmã me disse que, daquela vez, seria diferente – ela não
imaginava o que estava para acontecer. Reencontrei alguém com 75
quem me relacionava e decidimos nos casar. Com isso, busquei
adquirir cidadania italiana.
Solicitei que minha família enviasse, do Brasil, meus
documentos. Em minha certidão de nascimento, já não constava
mais Robert Diego, e sim Sabrina Caroline. Podia tranquilamente
casar como uma mulher. Tudo estava pronto para o casamento.
Porém, de última hora, desistimos.
Na virada de 2012 para 2013, percebi algo diferente – uma
voz me dizia que seria meu último ano de vida.
Decepcionado porque o casamento não acontecera, fui
para outra cidade. Saí de Roma. Em fevereiro de 2013, em uma
discoteca, sofri um coma alcoólico. Acordei dentro de um hospital,
em Milão.
Não entendia. Nunca antes havia passado mal, ou não
conseguido chegar em casa depois de uma noite de festa. Fui
filmado por algumas pessoas, que me ridicularizaram. Eu
continuava sem entender. Aquele podia ter sido meu último dia de
vida. Uma inquietação nasceu dentro de mim.
Depois de um tempo, reencontrei outro rapaz com quem
já tivera um relacionamento. Tudo muito rápido, decidimos
nos casar. Tudo que eu mais queria era o passaporte europeu.
Estávamos morando juntos e marcamos a data do casamento para
3 de agosto de 2013.
Fizemos uma festa de despedida de solteiro. Passei
mal – overdose. Fiquei imóvel em uma cama. De novo, senti
que podia ser meu último dia de vida. Naquele momento,
clamei a Deus. “Deus, não me deixe morrer! Dê-me uma
oportunidade”. Relembrei a infância, os dias que servi a Deus.
Simplesmente clamei, com todo meu ser.
E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.
Atos 2.21
Minha história mudou. Ouvia a voz de Deus dizendo que, se
eu morresse ali, vestido de mulher, pereceria.
76 Eu costumava dizer que, se Ele quisesse, teria que fazer um
milagre na minha vida. Esse milagre começou de forma diferente
– com um temor pela condenação. Senti-me condenado durante
vários minutos. Minha carne tremeu. Eu tinha certeza que não era
ilusão, estava vivendo uma experiência além do natural. Só sabia
que precisava voltar à casa de minha família e humilhar-me.
in a l é in alterável.
o orig izer
O propósit lutar com Deus e d o,
ta ad
Não adian u em um corpo err rá
que nasce sempre responde as
porque Ele te de você as págin
ian
abrindo d ojeto da criação.
do pr
...sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso velho homem,
para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado
como escravos; porquanto quem morreu está justificado do pecado.
Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele
viveremos, sabedores de que, havendo Cristo ressuscitado dentre
os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio sobre ele.
Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu para
o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós
considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em
Cristo Jesus.
Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira
que obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada um os membros
do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniquidade; mas
oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os
vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça. Porque
o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da
lei, e sim da graça.
Romanos 6.6-14
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Por isso, te digo: perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque
ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama.
Lucas 7.47
Deus nos chama a todos para fora do
esconderijo. Ele nos chama de onde quer
que tenhamos ido para encontrar vida,
chama-nos de volta para casa.
Brennan Manning
LUAN PABLO
Ex-transexual. Envolveu-se
com prostituição aos 13 anos
de idade. Aos 16, já era
viciado em cocaína. Com
20 anos, fez a cirurgia
de mudança de sexo.
Quando encarou a
morte, abriu os olhos
para Jesus.
Hoje é cabeleireiro e
congrega na Assembleia
de Deus Boa Semente,
em Natal (RN).
FAMÍLIA É A BASE,
DEUS É O SUSTENTO
LUAN PABLO
T udo começou em 1994, quando eu tinha apenas quatro anos.
Sem outras opções, meus pais decidiram que seria melhor
eu morar com minha avó. Não foi uma decisão fácil, mas foi a 99
melhor naquele momento. Ambos eram muito jovens e estavam
desempregados. Com a chegada de mais um filho, ficaria ainda
mais difícil – minha mãe descobriu que estava grávida.
A correria da gestação distanciou-me cada vez mais de
meus pais, ao mesmo tempo em que me fez criar grande afeição
por minha avó. Até que chegou o dia da mudança. O afastamento
foi inevitável.
e
a a re s p o nsabilidad
arreg o da
A família c r o filho na formaçã .
de ensina dade. Ensine o seu
sua identi
Infância
Meu nascimento trouxe alegria, inclusive para minha avó.
Éramos em seis pessoas, na época, mas a família aumentou com a
chegada de dois primos. Esse era o núcleo familiar, os mais próximos.
Cresci saudável e cheio de energia. Amado por todos, não
me faltou nada – a não ser a presença de meus pais que, a partir
de meus quatro anos, foi muito distante. Lembro que chorava
para não ter que visitá-los nos finais de semana. Sentia ciúmes de
minhas irmãs. As circunstâncias e a distância criavam cada vez
mais barreiras entre nós.
Os tempos não eram os melhores financeiramente, mas
minha tia, filha da avó que me criou, esforçava-se muito para
que eu tivesse uma vida melhor. Ela era responsável por não
deixar faltar o que precisávamos. Não tivemos muito, mas não
passamos necessidade.
Brinquei bastante, aproveitei parte da infância. Entretanto
percebia que meu comportamento despertava olhares estranhos – eu
não era igual aos outros. Isso trouxe preocupação aos meus pais, cujos
questionamentos chegaram à minha avó. A distância de Deus deixou
100 todos com mãos atadas. Não sabiam lidar nem como agir.
Foi aí que a infância passou a ser difícil. Construí poucas
amizades e a maior parte era de meninas.
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Prostituição e drogas
Com meu novo ciclo de amizades, abandonei a adolescência.
Pulei essa etapa. Até que, certo dia, recebi um convite e, por incrível
que pareça, não pensei duas vezes. Fui convocado à prostituição.
Passei a vender meu corpo com apenas 13 anos. Para piorar,
minha família descobriu. No início, não foi nada bom; cheguei a
ser expulso de casa. Porém minha avó foi atrás de mim, sabendo
que eu não tinha para onde ir. Ela achou que seria melhor eu
104 morar em um quarto sozinho. A partir daí, perdi todo o contato
com o restante da família. Restou apenas minha avó.
Não foi fácil como imaginei. Sofri muito. Diversas vezes,
fui roubado, corri com medo de tiros. Mas parecia tarde demais
para voltar.
Prossegui. Continuei. Precisava provar que eu conseguiria;
eu queria ser aceito. Mesmo com todas as dificuldades que passei,
não desisti. Não parei.
Uma noite, fui abordado por um rapaz, que me fez uma
proposta. Eu aceitei. Não tendo dimensão do grande mal que me
causaria, disse sim. Afinal, quem não quer ficar rico e ser “bela”?
Em troca, eu deveria fazer um pacto com ele. No dia seguinte, tudo
mudou. Abriu-se mais uma porta para minha morte.
O dinheiro veio rápido, então decidi resolver meu problema.
Mudei minha aparência, descontruindo e sufocando o Luan.
Com 15 anos, fiz uma loucura: coloquei silicone industrial. Eu me
achava gordo e feio. A saída era mudar.
Um ano depois, consegui prótese de silicone. Também fiz
oito tatuagens, achando que resolveria minhas angústias e faria
com que todos me aceitassem. Fugi da realidade, tentei preencher
o vazio de Deus. Fiz de mim mesmo um ídolo, para defender e
atacar as pessoas.
Aqueles foram os meios que encontrei para esconder as
feridas. Esqueci de um Deus que faz tudo perfeito. Mas Ele não
esqueceu de mim.
A prostituição e as mudanças corporais já trouxeram marcas
profundas na alma, no corpo e na mente; mas as drogas foram um
passo em direção à morte. Com 16 anos, experimentei cocaína.
Que refúgio! Era possível fugir da realidade.
No início usava por diversão, depois tornei-me escravo.
Fiquei preso a ela por anos. Com o tempo, veio a depressão.
Tristeza profunda, solidão e vazio batiam à porta todos os dias.
Em um tempo de muito sofrimento interior, eu lembrava
de Deus. Aos prantos, em madrugadas sem dormir, pensava
no Criador. Eu sabia que Ele poderia resolver minha dor.
Chorando, pegava no sono dizendo: “Senhor, perdoa-me!
Dê‑me mais uma chance, que nunca mais usarei drogas”. No 105
dia seguinte, voltava a fazer tudo igual, tudo de novo. Só posso
dizer: Deus misericordioso.
A cidade de Natal (RN) já não me satisfazia. Embarquei para
minha primeira viajem, e São Paulo (SP) foi a escolhida. Fui em
busca de mais dinheiro, sem pensar nas consequências. Lá, conheci
o ecstasy. Tornei-me ainda mais submisso, sufocado, sem forças
para voltar para casa.
As drogas me destruíam aos poucos; enquanto isso, minha
família me amava e orava, mesmo eu os tendo abandonado. Voltei
para Natal e passei cerca de um mês, mas precisava de dinheiro.
Não podia continuar lá.
Completei 18 anos e decidi viajar para a Europa. A primeira
oportunidade que surgiu foi de ser “cafetinado”. O preço que
eu devia pagar era R$ 9 mil. O valor me ajudaria a passar pela
fronteira clandestinamente. Nem pensei no perigo, apenas fui.
Minha chegada à Europa foi razoável. Eu falava alguns
idiomas, então não foi tão difícil a adaptação. Mesmo com pressões
e dificuldades, nada me segurava. Eu era capaz de qualquer coisa
por dinheiro.
Durante um ano e meio, quase não vivi. Meu tempo era
dedicado somente a ganhar dinheiro com meu corpo. Mesmo
vivendo relacionamentos amorosos aqui e ali, seguia louco por
dinheiro. Tornei-me escravo.
Ilusões
Vivi algumas paixões desenfreadas que, no fundo, nunca
aceitei – talvez pelo fato de ter tantas feridas abertas. Eu via nos
rapazes algum interesse por mim, mas sempre senti um pouco de
raiva de todos eles.
Em uma de minhas viagens de volta ao Brasil, conheci um
homem. Por ele, passei momentos desesperadores. Ele sempre
me humilhava e jogava na minha cara que eu era “homem”. Além
disso, ele não queria que eu me aproximasse novamente de minha
106 família. Eu aceitei.
Nesse meio tempo, em várias e várias noites, eu chorava e
chamava por Deus. Pedia que me livrasse.
Depois de dois meses vivendo um relacionamento
angustiante, convenci a mim mesmo que precisava mudar de sexo.
Mais uma loucura que fiz com meu corpo. Em busca de aceitação,
as loucuras não tinham fim.
Viajei para a Tailândia. Um pouco antes, passei por uma
experiência com Deus e recebi um grande livramento. Mesmo
assim, parti. Com 20 anos, fiz a cirurgia. Durante a operação,
sofri uma hemorragia e fiquei à beira da morte. Todos os meus
familiares estavam preocupados, e eu, com muito medo de morrer.
Lembrei mais uma vez de Deus. No dia seguinte ao
procedimento, ainda sangrando muito, lembro que ajoelhei e orei.
Pedi a Deus que não me deixasse morrer. O sangramento estancou
um dia depois. Deus me deu mais uma chance.
Naquele episódio, tive o privilégio de conhecer Robert, que
também havia operado e tido uma experiência com o Senhor. Ele
me falou de Jesus.
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dia
Disse ao Senhor: “Acho que não tem mais jeito. Eu não
aguento mais. É impossível. Eu não tenho mais forças. Acreditei, por
dois anos, que meus esforços me tornariam filho, que mudar minha 109
aparência salvaria”. Voltei atrás, às mesmas práticas.
Eu tinha vivido mais intensamente o evangelho, na mente e
no coração. Tive a alegria de ver minha mãe e minha irmã ao meu
lado, cultivando fé em Jesus. Também conheci pessoas incríveis
– uma delas foi a Lu, que esteve sempre ao meu lado, sempre me
ajudando. Mas não bastou. Cedi, mais uma vez, aos meus próprios
pensamentos mentirosos, aqueles lá da infância.
Misericórdia e graça
Não passou muito tempo até que recebesse um convite
para uma festa, em uma casa de praia. De início não aceitei,
mas, por dentro, a tentação saltava – então cedi. Ao chegar lá,
comecei a sentir-me estranho. Aceitei usar drogas. Contudo algo
impulsionava meu coração a Deus, minha mente dizia que Ele
estava ali, guardando minha vida do pior. Fui tomado, de forma
inexplicável, pelo amor do Senhor. Não me sentia merecedor.
Naquele dia, de um jeito improvável, minha decisão por
Cristo foi sedimentada, ganhou uma firmeza diferente. Com aquele
toque de amor do Pai, decidi aceitar minha identidade de filho de
Deus. Recebi vida por meio de Sua graça, voltei aos braços dAquele
que me criou, rendi minha vida ao único Salvador.
Passei a andar de cabeça erguida, sem medo. Não preciso
mais de aceitação nem provar nada a ninguém. Ele me chamou, Ele
me aceitou – isso basta. Morreu Luana, e renasceu o novo Luan,
filho amado.
Sou outra pessoa. Ele me deu liberdade, descanso para a
minha alma. Ganhei minha família de volta, unida. Voltei a sonhar.
Deus me deu uma profissão, um emprego em que não preciso
vender a mim mesmo. De quebra, conheci pessoas incríveis. O
próprio Senhor tem demonstrado Seu amor por mim por meio de
pessoas que me amam – como nunca fui amado.
Não é só isso. Aliás, é infinitamente mais que isso.
Seu sacrifício me deu vida eterna, uma vida que preenche
completamente o vazio – aquele vazio que tentei encher com tudo,
menos com o que realmente satisfaz. Pouco a pouco, as feridas
estão sendo tratadas, de dentro para fora.
Toda aquela insatisfação, toda aquela loucura, não vivo mais.
Não preciso mais. Ele é suficiente. Não preciso mais me esconder
atrás de uma imagem, porque o Senhor é o meu refúgio. A razão
de estar aqui, vivo e regenerado, é a graça. Esse é o nosso grande
presente, que impulsiona a viver por meio da fé.
112 Mesmo quando caí, Ele não saiu de lá. Ele continuou me
olhando como homem, quando eu não sabia interpretar o que via
no espelho. Ele intercedia por mim, quando eu não sabia como
orar. Ele mandava pessoas, quando eu precisava de socorro. Ele
estava lá por mim até quando eu não estava nem aí para Ele.
Ele não me condenou ao que eu merecia – isso é
misericórdia. Ele me devolveu e deu muito mais do que eu mereço
– isso é graça.
Apesar de ter falhado algumas vezes, entendi o caminho
para ser aquilo que Ele me criou para ser: preciso parecer com
Cristo. Ele é o meu modelo, mais ninguém. Preciso olhar para
Ele, todos os dias, até o fim – isso não apenas trará forças para
prosseguir, mas é simplesmente tudo que eu preciso. Tudo.
...logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse
viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que
me amou e a si mesmo se entregou por mim.
Gálatas 2.20