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Anderson

Silva

e agora?
e agora?
Anderson Silva
Claudinho Nascimento
Juliana Ferron
Luan Pablo
Robert Diego

e agora?

1a Edição

S. J. Campos, SP
2019
Editora DO M A
Avenida Nove de Julho, 765 • Sala 301 • Jardim Apollo
12243-000 • São José dos Campos, SP
telefone: (12) 3600-5980
e-mail: contato@editoradoma.com • www.editoradoma.com

por Anderson Silva, Claudinho Nascimento, Juliana Ferron,


Luan Pablo e Robert Diego
Jesus sou gay. E agora?

As referências bíblicas foram extraídas da Almeida Revista e Atualizada (ARA),


salvo menção contrária.
Todos os direitos reservados à Editora DOMA. É proibida a reprodução por
quaisquer meios, salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Edição, preparação e revisão:


Débora Mühlbeier Lorusso
Transcrição e revisão:
Chico Milk
Capa:
Jefferson dos Santos Dias
Diagramação:
Waldemar Suguihara
Colaboração: Samambaia Norte, Brasília (DF)
Editora Megalópole CNPJ: 20.346.994/0001-00

“TODA CIDADE É UMA METÁFORA DA NOVA JERUSALÉM. A COMPLEXIDADE


DE UMA CIDADE É UM LABORATÓRIO DE AMOR NO QUAL A IGREJA PRECISA
SE ENGAJAR.”

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)

J58 Jesus sou gay. E agora? / Anderson Silva... [et al]. – São José
dos Campos (SP): Doma, 2019.

112 p. : 14 x 21 cm

1. Homossexualidade I. Silva, Anderson. II. Nascimento,


Claudinho. III. Ferron, Juliana. IV. Diego, Robert. V. Pablo, Luan

CDD 612.6

Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422


SUMÁRIO

CLAUDINHO NASCIMENTO
Improváveis 12
14 Mais um produto do meio
16 Não tão rápido
18 Ele é o amor que sustenta
21 Claudinho vai casar
23 Não desista

ANDERSON SILVA
Não há cura, há processos 28
Teologia do processo 34
Jesus e os mercadores do templo 40
Defesa da fé frente ao mundo transmoderno 44
46 O mundo moderno quer transformar o amor em um deus

JULIANA FERRON
Cansei de ser gay 52
53 Enganoso discurso de um ser fragmentado
56 Quanto à minha orientação
ROBERT DIEGO
Individualismo: engano social 64
Experiência na transexualidade 68
72 Mudança radical
Epidemia da transexualidade 78
Transexualidade e uma abordagem bíblica 86
Igreja e sua responsabilidade 94

LUAN PABLO
Família é a base, Deus é o sustento 98
99 Infância
101 Desvio na sexualidade: desejo sexual precoce
103 Prostituição e drogas
105 Ilusões
106 Perdas e uma tentativa de recomeçar
109 De volta ao engano, frente a frente com a morte
111 Misericórdia e graça
7

PREFÁCIO

P referi não ter a recomendação de um amigo para respaldar esta


obra. Não se tratam de palavras, teorias ou opiniões – é nossa
vida! O melhor prefácio são nossas próprias lágrimas, são todas as
dores de um longo processo...
Aqui, cada um dos autores conta um pouco de sua
experiência particular de superação e rendição a Jesus. No
meu caso, você verá um pastor que se rendeu em amor aos
homossexuais e decidiu lavar os pés dos excluídos. Perdeu amigos,
dizimistas, reputação. Foi difamado pela Igreja. Saiu em matérias
de jornais diante do escândalo de pedir perdão aos homossexuais.
Que intolerância! Que ausência de diálogo entre a fé e a dor
daqueles que anseiam pela graça redentora de Jesus!
Repito o que disse aos que me insultaram há alguns
anos, na época em que iniciei minha imersão missional entre
homossexuais: não tenho todas as respostas, continuamos num
processo artesanal de evangelismo, discipulado e dependência
de Deus. Mas, sem dúvida, minha teimosia continua a mesma.
Mesmo que demorem mais 30 anos, serei testemunha de
milagres. Creio num Deus de impossíveis!
Estas páginas contarão nada menos que a história de alguns
dos grandes milagres de Jesus. E não vamos parar por aqui.

Anderson Silva
9

Antes de começar, um recado!


Não desista.
O mundo é mal, a herança de Adão é arrebatadora – mas
todas as coisas se tornam possíveis à mesa com Jesus.
Bem-vindo a um processo triunfante!
Uma pessoa que espera é uma pessoa
paciente. A palavra paciência significa a
disposição para permanecer onde estamos
e viver plenamente a situação, na crença de
que algo oculto se manifestará ali para nós.
Henri Nouwen

Um número grande demais de cristãos vive


na casa do temor, e não na casa do amor.
Brennan Manning

CLAUDINHO NASCIMENTO
Ontem? Homossexual
e improvável.
Hoje? Líder de célula
e integrante do
Ministério Eis-me
Aqui, na Igreja
Quadrangular de
Nova Friburgo (RJ).
Também lidera o
Ministério Aprisco,
que cuida de
pessoas vindo ou
voltando para Jesus.
IMPROVÁVEIS
CLAUDINHO NASCIMENTO
E m 4 de dezembro de 2016, eu tornava pública uma das decisões
mais importantes de minha vida – uma que impactou todas as
outras a partir de então. Foi o dia de meu batismo nas águas. 13
A Palavra de Deus diz que todo aquele que crê e for
batizado será salvo; mas é importante frisar que, antes do
batismo, precisamos crer, acreditar nEle e em Seu poder
inexplicável. E eu cri. Só Jesus Cristo podia mudar por completo
meu cenário de impossibilidades.
Sou conhecido em minha pequena cidade, Nova Friburgo (RJ),
especialmente pelo tempo em que participei de grandes eventos,
ao lado de artistas famosos no cenário musical, alguns idolatrados
por milhares. Por isso muitas pessoas foram assistir o batismo por
curiosidade. Desejavam ver o “ex-viadinho”, como meus grandes
amigos das noites passaram a chamar-me, ou o “Claudinho”,
apelido mais comum. Julgavam quanto tempo duraria essa “fase”
de minha nova vida.
Lembro dos detalhes daquela manhã fria e chuvosa de
domingo, em que desci às águas diante de mais de 200 pessoas,
reafirmando para Jesus meu compromisso de segui-Lo. Sabia do
significado daquele ato e cria, de todo coração, que tudo se faria
novo. Eu não apenas me tornava uma nova criatura, mas também
deixava as coisas velhas para trás. Meu foco era somente Jesus!
Quando as mãos de meu pastor e de meu líder me
ajudaram a levantar, já podia sentir a nova essência. Em uma
fração de segundos, eu me vi sendo curado de dentro para fora.
Uma experiência difícil de traduzir em palavras, mas tão real
quanto você e eu. Traumas e cicatrizes da vida já não eram mais
importantes que o amor que inundava meu coração, não só
dEle por mim, mas meu por Ele! A sensação de descer às águas
e assumir diante dos homens que “tudo é possível ao que crê” é
arrebatadora para homens improváveis – o foi para mim.
Desceu Claudinho, abusado sexualmente e fisicamente
na infância, cheio de marcas e traumas, acorrentado em vícios
sexuais e preso a drogas ilícitas. Subiu Claudio Fernando, um novo
homem, o improvável escolhido por Ele para quebrar paradigmas
de religião e resgatar outros improváveis para a glória de Deus.
Todos festejavam e glorificavam o santo nome de Jesus Cristo, pois
uma de suas ovelhas tinha sido achada! Aleluia! Glória a Deus!
14 Não falei com minha mãe por décadas. Porém, naquele dia,
no dia em que ressurgi das águas, eis que dona Vanize Cristina
estava lá, com toda a minha família. Todos aos prantos.
Assim que saí daquela piscina, minha mãe me deu um
forte abraço. Meu tempo foi zerado. Ficamos ali, como se nada
existisse ao redor, apenas filho e mãe – mãe de um improvável para
a sociedade, mas nunca para ela ou para Deus. Minha Rainha,
meu grande amor! As lágrimas ainda me tomam... pois falar assim
de dona Vanize é quase inacreditável. Quantas vezes desejei sua
morte! Quantos aniversários e Dia das Mães eu nem sequer liguei
para ela! Só o próprio Amor, Jesus, poderia fazer a ovelha perdida e
má transformar-se na pessoa que me tornei.
Tenho centenas de amigos que não passaram pela metade
dos abusos que passei e assumiram-se homossexuais. Não é
uma regra viver o que eu vivi. Entretanto quero compartilhar
brevemente minha história para que, de alguma forma, você
entenda como cheguei àquelas águas, como cheguei até aqui, anos
depois, prestes a casar com a mulher da minha vida.
Meu desejo é que você seja tocado pelo Espírito Santo e sinta
o mesmo Amor que transformou minha história.

Mais um produto do meio


A vida nunca me deu grandes motivos para sorrir. Se eu
fechar meus olhos, ainda posso sentir suas peles tocando a minha,
suas depravações penetrando minha ingenuidade. Fui abusado por
pessoas próximas, familiares, aqueles em quem supostamente uma
criança deve confiar. Estranhos também passaram a possuir não
apenas meu corpo, mas minha alma, atrofiando o que era para ser
uma identidade em formação.
Além de sexual, o abuso também era físico. Minha
referência sempre foi a violência, seja contra meu corpo, seja
contra minhas emoções.
Nas lágrimas de dor por uma infância roubada, deparei-me
com a natureza imoral de tantos! Chegou ao ponto de já não mais
causar dor, como se estivesse sob anestésico. Até que, por fim, 15
comecei a esperar a satisfação de cumprir aquele ato, que acreditei
ser o certo. Talvez fosse aquele o padrão, talvez fosse para ser
daquele jeito – realmente acreditei.
Assim como centenas de milhares de jovens que sofrem com
falta de paternidade e abusos, eu tinha certeza que minha vida não
mudaria nunca.
Cresci e tornei-me aquilo que o meio planejou para mim.
Assim como Mogli, o menino-lobo, eu estava sendo formatado
para ser diferente do que aquilo que Deus me criou para ser. Virei
mais um entre milhares de produtos do meio, resultado de traumas
e falta de referência, especialmente masculina.
Sem referência de um homem em casa, minha alma
voltou‑se, então, à paixão por outros homens. Somado ao fato de
ter sido abusado por homens, acreditei que aquele podia ser meu
modelo de satisfação, meu futuro, meu destino, minha identidade.
Rapidamente, tornei-me um jovem louco por pornografia gay.
Descobri lugares que outros como eu também frequentavam. Em
pouco tempo, experimentei o mundo alucinado das drogas e bebidas
caras. Das festas e loucuras. Das experiências homossexuais.
Minha selva se chamava sociedade – eu achava. Nela, todos
devem lutar por seus direitos, todos devem ser livres para fazer e
ser o que quiserem. Ah, e você também deve acreditar no sonho de
construir uma grande e linda família, sendo quem você é – hétero
ou homossexual.
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Mas quem e o meio determin Deus
o passado escolher ser o que tes
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ou podem esde o início, muito
planejou d periências de vida?
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Vivemos um verdadeiro caos de sentimentos e
desequilíbrios emocionais nessa geração tão fastfood. Tudo tem
16 sido visto com tanta normalidade que, se for liberado o casamento
entre animais e seres humanos, eu não me assustaria. Afinal, já
assistimos um pouco disso em grandes filmes de Hollywood.
Por quase 26 anos, vivi debaixo do peso de ser esse produto,
esse resultado. Eu não era o protagonista – apesar de achar que
estava no controle. Pelo contrário, achava que não havia outro
destino a não ser a homossexualidade. Acreditava que havia
nascido para ser assim, sem alternativa.

Não tão rápido


Sou tomado por lágrimas ao escrever sobre o momento em
que minha corrida insana chamada “vida” se deparou com Deus.
Estava em uma boate, na famosa Rua das Pedras, em Búzios (RJ).
Devidamente entupido de substâncias ilícitas, uma onda invisível
impulsionou meu interior a gritar por socorro, a clamar pela a
existência de algo que nem sabia que existia.
Não conhecia Jesus, não conhecia a doce e maravilhosa
presença do Espírito Santo, muito menos acreditava em um
Deus Pai. Não compreendia que um Pai pudesse fazer algo tão
maravilhoso e sacrificial por mim, por você, por todos: entregar o
único Filho.
No exato momento em que clamei por ajuda, de forma
sobrenatural e inexplicável, toda substância ilícita saiu do meu
corpo. Como era possível? Saí de lá sem entender o que havia
acontecido e já não tendo mais tanta certeza se queria aquilo tudo.
Continuei o caminho com meus amigos, mas algo havia tocado
meu interior de forma diferente e única.
Veja o que a palavra de Deus relata sobre a ovelha perdida e
a alegria do Pastor em encontrá-la:

Então, lhes propôs Jesus esta parábola: Qual, dentre vós, é o homem
que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa no
deserto as noventa e nove e vai em busca da que se perdeu, até
encontrá-la? Achando-a, põe-na sobre os ombros, cheio de júbilo.
E, indo para casa, reúne os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: 17
Alegrai‑vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida.
Lucas 15.3-6

Eu não sabia ainda, mas Ele já me esperava! Já tinha tudo


reservado e preparado para nosso grande encontro!
Só queria sentir aquela presença de novo, que eu chamava
de “mística”, ou “fantasiosa”, ou de “múltiplas ondas”. Aquele era
meu mundo, devido ao grande consumo de substâncias ilícitas;
só assim para manter-me em pé e “feliz”, pelo menos enquanto
durassem seus efeitos. Na busca incansável de sentir mais uma vez,
encontrei-me orando, sem saber como, ou para quem.
Na ausência de paternidade em minha história, confesso que
foi difícil acreditar em um Pai que me ouvia em todo e qualquer
lugar. Além disso, como acreditar em um Deus de provisão? No
meu lar, eu carregava a responsabilidade de prover desde os seis
anos de idade, quando comecei a vender latas e salgadinhos nas
ruas de Nova Friburgo.
Havia conflito dentro de mim. Não foi imediato nem tão
rápido assim conhecer a Deus. Porém, da maneira que sabia,
busquei sinais da existência dEle. Desde aquele dia, na boate, uma
insatisfação intrigava-me. Eu não tinha o que precisava para ser
completo e precisava descobrir o que faltava. Precisava descobri-Lo.
Na busca por sinais dEle, recebi uma mensagem pelo
Facebook. Era meu atual pastor, Deiverson – tenho certeza que
o Brasil vai conhecer seu amor e sua paixão por vidas e por
improváveis. Na publicação, algo que nunca esquecerei: “Continue
a viver da maneira que você sabe que um cristão deve viver. Deus é o
único a quem você precisa agradar”.
Ele não era apenas um pastor de igreja, ou líder de uma
religião. Deiverson era meu amigo de infância, da época do
colégio, e não o via há mais de dez anos. Seu contato foi a minha
resposta. E preciso dizer que sua recepção fez toda a diferença! Eu
me sentia a ovelha que acabara de ser encontrada pelo seu pastor.
Contudo não foi rápido. Foi uma gestação árdua de nove
longos meses entre idas aos cultos e, ao mesmo tempo, festivais
18 eletrônicos pelo Brasil afora. Vivi duas vidas até o momento em
que o Espírito Santo interveio.
Estava em um banheiro, olhando para o espelho, quando
ouvi: “Filho, essa não é a imagem que eu tenho pra você”. Larguei
combos e amigos e saí pelas portas chorando. Nunca antes fui tão
lúcido em toda minha vida. Eu sabia exatamente o que precisava
transformar, o que precisava largar. Ele me tocou, e eu nunca mais
fui o mesmo.
No dia 17 de setembro de 2016, eu me encontrava na cozinha
da casa da mãe de meu pastor, junto com ele, sua esposa e seu filho.
Ali, orei e entreguei minha vida a Jesus, por completo. Eu suplicava!
Dizia que precisava dEle e jamais O abandonaria. Tudo que eu
necessitava era o Seu amor! Então afirmei estar disponível para Ele,
para o Reino dEle, para colaborar com todos os Seus planos.

Ele é o amor que sustenta


Aprendi, durante a caminhada, que Jesus morreu por todos,
mas voltará para os arrependidos. Quantas vezes caí! Alternei
entre posicionar-me e cair diversas vezes. Entretanto levantava
mais forte que as quedas. Afinal, elas eram fruto de meus próprios
interesses carnais, porém quem me levantava e sustentava era o
próprio Jesus, que é infinitamente mais forte. Ele é o amor que me
sustentou, sustenta e sustentará para sempre.
Há dias em que a carne grita de abstinência. Porém, como
os grandes atletas, resolvi alimentar-me daquilo que faz ganhar as
competições: a Palavra de Deus. Percebi que quanto mais comia
da Bíblia e supria meu interior a partir de um relacionamento com
meu amigo Espírito Santo, mais eu me tornava próximo dEle e
parecido com Ele. E eu não queria brincar com o mal que matou
meu melhor amigo – o pecado.
Entenda que eu ainda vivo dias maus, que as lutas ainda
vêm, mas hoje não estou sozinho. Essa é toda a diferença! Jesus
deixou o Espírito Santo para confortar e consolar cada um de
nós nos dias tempestivos. Entretanto o que vemos é uma geração
buscar primeiro todos os amigos da lista de contatos telefônicos ou 19
das redes sociais para, só depois, falar com quem pode resolver a
causa em primeira instância!
Eu sou apaixonado por Jesus. Não negocio por nada nem
ninguém o relacionamento que passei a ter com Ele. Foi isso que
me fez renunciar a vida que levava e permanecer na luta diária por
ser quem Ele me criou para ser – o que trouxe mais satisfação que
qualquer outra experiência da vida. Mas se você não está pronto
para renunciar algo em sua vida, você também não está preparado
para viver o Amor, que Se entregou por amor. Ele é o próprio amor!
Parece clichê, porém milhares de seres humanos acreditam
que amor é um sentimento ou uma qualidade experimentada
somente por alguns. O Amor foi pregado e crucificado em uma
cruz, para que você e eu fôssemos livres da condenação que havia
sobre nós. Ele se entregou, porque nos amou. Hoje, se você pode
amar, é porque Ele amou você em primeiro lugar.
Depois que me permiti ser tocado por esse amor, que é
Jesus, tudo fez sentido. Traumas, deficiências socias e emocionais
– nada e ninguém podiam impedir o que Ele já havia liberado
sobre mim.
Esse amor pode encontrar-lhe neste exato momento e
mudar por completo o cenário atual – seja depressão, perda de um
filho, quebra de um relacionamento, uma traição, ou uma prisão
dentro de si mesmo, buscando respostas sem nem saber quais são
as perguntas. Fale com Ele!
Mas não só com Ele. Aprendi, na prática, que precisamos
valorizar quem realmente está preocupado com nossa vida e pode
impulsionar-nos para fora de nossa zona de conforto. Deus usa
pessoas e precisamos da ajuda delas.
Eu sei que muitas igrejas não estão verdadeiramente abertas
às ovelhas perdidas, mas posso garantir que isso está mudando.
Cada vez mais improváveis pregam sobre Jesus, trabalham
para o Rei e pelo Reino, para a glória dEle, ajudando outros a
encontrarem o verdadeiro caminho.
Outro dia, ouvi um pastor dizer: “Não querem prostitutas,
ladrões, traficantes e homossexuais? Mandem para cá! Não é porque
20 a nossa igreja – Lagoinha – pode tudo, porém aqui aceitamos
todos!”. A realidade está mudando!
Eu não creio no homem em si, mas creio no Deus que
usa homens idôneos e de caráter para tornar cenários de
impossibilidades em cenários de possibilidades. Eu sou uma
das centenas de cartas vivas que provam o agir de Deus – um
homossexual se permitiu ser transformado de dentro para fora,
com o auxílio de pessoas comprometidas com o Senhor.
Busque uma igreja, busque ajuda e, principalmente: já
comece perdoando as falhas dos irmãos, porque eles falharão.
Precisamos lembrar que, um dia, já perdoaram as nossas próprias
falhas, lá na cruz.
Já caminho com Ele há quase três anos. Aos poucos, para a
glória de Deus, um a um de meus amigos, ovelhas perdidas, além
de minha família, estão conhecendo a Jesus. Minha história tem
revelado a eles o Amor. Só podemos liberar aquilo que recebemos,
e eu não sei retratar de outra forma o meu Jesus a não ser como o
próprio Amor.
Deus tem me levado a outros países e outras culturas para
testemunhar. Ele sempre me coloca em meio a grandes empresários,
em lugares difíceis de pregar sobre Seu amor e Sua graça. Como
falar de Jesus para alguém que dirige carros de R$ 500 mil?
Deus me traz à memória a passagem de Tiago:

Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor


da glória, em acepção de pessoas. Se, portanto, entrar na vossa
sinagoga algum homem com anéis de ouro nos dedos, em trajos
de luxo, e entrar também algum pobre andrajoso, e tratardes com
deferência o que tem os trajos de luxo e lhe disserdes: Tu, assenta‑te
aqui em lugar de honra; e disserdes ao pobre: Tu, fica ali em pé
ou assenta-te aqui abaixo do estrado dos meus pés, não fizestes
distinção entre vós mesmos e não vos tornastes juízes tomados de
perversos pensamentos?
Tiago 2.1-4
É com essa palavra no coração que tenho sido impulsionado
a grandes desafios. E tenho aceitado, crendo no poder do Amor.
Creio no dever de falar e levar o evangelho a toda criatura, seja 21
homossexual, morador de rua ou magnata. Ele me salvou e deseja
que todos se salvem. Está disponível a todos e possui poder
suficiente para mudar qualquer realidade, qualquer identidade.

Claudinho vai casar


Pouco tempo depois de meu batismo, chegou o evento de
virada do ano na igreja. Eu nasci em 31 de dezembro de 1988,
então aquela data carregava muitos significados. Cria que seria
fantástica, inédita – afinal, em 27 anos, só lembrava das vezes em
que passei a virada sofrendo algum tipo de abuso, ou alucinado em
alguma pool party, ou festa na região dos lagos do Rio de Janeiro.
Em 2016, tudo mudara.
Poucos minutos após a meia noite, naquele culto, fiz duas
orações: queria viajar para a Europa, especificamente Alemanha
e Inglaterra – estava para completar 500 anos da Reforma
Protestante, e eu desejava pisar nas terras que foram berço dessa
ruptura –, além de desejar intensamente constituir minha própria
família. Fiz essas orações com tanta fé em Cristo e em Seu poder!
Eu ganhei a viagem e fui, em 2017.
Quanto ao pedido por uma família, fui muito específico: não
queria uma namorada, ou uma esposa, para provar que não era
mais gay. Luto contra minha carne todos os dias e tenho vencido
porque o verdadeiro Amor liberta, o verdadeiro Amor faz querer
viver não segundo nossas vontades, mas sim a dEle. Jesus sabia que
meu coração estava no lugar certo, que aquele pedido vinha de um
coração transformado e em constante transformação.
Veio à minha mente o versículo que diz: “Se permanecerdes
em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que
quiserdes, e vos será feito” (Jo 15.7). Se puder, abra agora sua Bíblia,
leia esse trecho e tome posse da verdade de Deus!
Assim que terminei de orar, no início da primeira
madrugada de 2017, tive uma visão. Eu vi uma menina alta, de
22 cabelos cacheados e pura. Pouco tempo depois, conheci Isabelly.
Eu participei de várias orgias, várias loucuras sexuais, mas
chego aos 30 anos sem nunca ter tido relação sexual com uma
mulher. Em 2019, enquanto escrevo estas palavras, faltam menos
de três meses para o meu casamento com a futura senhora Isabelly
Faria do Nascimento – ambos guardados um para o outro.
Claro que ela realmente não viveu experiência alguma, mas
reafirmo para cada um que lê este livro: é como se eu nunca tivesse
feito nada! Esse é o tipo de transformação que Deus faz.
Sinto um frio na barriga... Aquilo que tinha orado
secretamente a Deus, Ele me deu! Sou imensamente grato, não por
conseguir alguém para mostrar à sociedade, não por ter alguém
com quem manter relações sexuais. Minha mente mudou! Sou
grato por ter uma companheira para cumprir o propósito dEle!
Deus não uniu duas pessoas improváveis, mas uniu propósitos
estabelecidos nEle. Nós escolhemos um ao outro, mas o propósito
sempre foi dEle!
Isabelly e eu estamos noivos e preparando para casar no dia
30 de março de 2019, na charmosa cidade de Nova Friburgo, na
Quadrangular Church. Tínhamos planos em mente, até que Deus
mudou tudo. Faremos um grande culto aberto para centenas de
amigos, familiares, colegas e várias ovelhas perdidas. Nosso dia não
será só nosso, porque, antes de ser nosso, é dEle. Antes de Claudio
Fernando ser de Isabelly Faria, Claudio Fernando é dEle.
Vocês não fazem ideia de como estou uma pilha! Sonho
acordado com o grande dia. Lágrimas escorrem pelo meu rosto
neste exato momento. Não acredito que alguém possa amar-me
tanto como minha noiva me ama!
Não precisamos fingir ser um casal perfeito, pois não
somos; mas decidimos amar e respeitar um ao outro, respaldados
sempre na palavra de Deus. Só isso já causa inveja nas grandes
produções cinematográficas.
Não vou debater com esquerda ou direita ou quem pensa
diferente. Não vou discutir com quem desacredita meu casamento
ou vive relembrando meu passado.
a
e n h o m a is problem
ão t não
Aliás, eu n assado, até porque er,
23
p uis
com meu e eu vou – quem q nte,
u se
é para lá q om ele. Vivo o pre o.
c t
pode ficar do o futuro em Cris
projeta n

Estou com um grande nó na garganta e olhos embaçados.


Essa data jamais aconteceria aos olhos do mundo! Meu Deus, o
ex-tudo-o-que-você-pode-imaginar entrará na igreja de terno e
gravata parar receber sua futura esposa, adornada com um lindo
vestido de noiva. Não consigo parar de chorar!
Jesus, você é tudo!

Não desista
Difícil tem sido expressar praticamente 30 anos em algumas
páginas. Quando recebi a mensagem do pastor Anderson sobre o
livro, que conta com grandes colaboradores, derramei lágrimas de
alegria. É um presente de Deus ter a oportunidade de expressar,
mesmo que rapidamente, o que o Pai fez e faz por mim, esperando
de alguma maneira tocar você, leitor.
Não me incomoda que existam aqueles que acreditam em
fundamentos científicos ou bases teológicas para a pluralidade
do amor e a escolha da sexualidade. Hoje, o que incomoda é
ver centenas de milhares de pessoas, de todas cores e idades,
morrendo por depressão, cometendo suicídio ou vivendo a
automutilação – porque faltou paternidade, faltou amor, faltou
Deus. Essas raízes precisam encontrar a verdade.
Somos chamados para ser luz no mundo e carregar a
verdade de Deus aonde formos. De segunda em diante, precisamos
ser a mesma igreja de domingo. Honrar princípios. Assim o Senhor
agirá através de nós, e Sua glória resplandecerá por meio de nossas
atitudes, desde as mais simples como amar o próximo. Isso fará
24 mais diferença do que bons argumentos para debater contra os que
defendem a homossexualidade.
Não pretendo, ao contar minha história, dizer que sou mais
forte ou melhor, porque não sou! Vivo errando e acertando em
Cristo. Sou um grande aprendiz e um filho arrependido, grato por
cada centésimo de milésimo de segundo que o Senhor me permite
viver. Sou um grande apaixonado pelo dia chamado “hoje” e pelas
oportunidades que surgem em cada despertar de nossos olhos, pela
misericórdia de Deus.
Minha esperança é que você tenha sentido o amor de
Cristo e que minha história tenha ajudado de alguma forma, para
a glória de Deus. Espero, em breve, estar falando também sobre
paternidade – sonho com meu filho em meus braços, crescendo e
caminhando nos caminhos do Senhor, indo em lugares que não fui
e nunca pisarei. Eu não vou parar de sonhar! Deus tem muito mais
para mim do que tudo que já perdi na vida. E para você também!

lu te , c a ia , levante
Creia, n ã o desista.
– som e n te

Jesus é o Senhor sobre a minha e sobre a sua sexualidade.


Alguns não vão entender o Amor, que citei tantas vezes. Outros
vão criticar e rir de sua troca de “gosto”, assim como muitos
fizeram comigo. Mas lembre-se: quanto mais perto de Deus você
está, menos essas coisas farão mal. Quanto mais próximo dEle,
menores são todas as outras coisas.
Quero desejar a todos uma ótima leitura. Que a doce e
maravilhosa presença do Espírito Santo de Deus possa vir sobre a vida
de cada leitor, assim como sobre cada dúvida acerca da sexualidade.
Valorize-se sempre. Seja aquilo que Deus lhe chamou para
ser, vá para onde Ele chamou para ir e faça o que Ele pediu para
fazer. Venha para Jesus doente fisicamente e espiritualmente, mas
venha! Venha fumando seu bagulho, bebendo sua cerveja ou vendo
seu filme pornô. Venha com seu par do mesmo gênero. Só venha! 25
Você pode fazer mais uma coisa? Deixe-se ser tocado por
esse Amor, e depois me conte.
Minha esperança é que a descrição do amor
de Deus na minha vida vai lhe dar a liberdade e
coragem para descobrir... o amor de Deus, na sua.
Henri Nouwen

Nosso afã de impressionar a Deus, nossa luta


pelos méritos de estrelas douradas, nossa
afobação por tentar consertar a nós mesmos
ao mesmo tempo em que escondemos nossa
mesquinharia e chafurdamos na culpa são
repugnantes para Deus e uma negação aberta do
evangelho da graça.
Brennan Manning

ANDERSON SILVA
Teólogo, conferencista
internacional e pastor
sênior da Igreja Vivo por
Ti em Brasília (DF).
Também lidera
frentes apostólicas e
missionárias no Brasil
e no mundo. Casado
com Keila Silva, é
pai de três filhos:
Paulo, João e Tiago.
NÃO HÁ CURA,
HÁ PROCESSOS
ANDERSON SILVA
a gay ?
Existe cur
29

P reciso iniciar o capítulo com essa pergunta crucial – e a


resposta é: não! Primeiro, porque não existem respostas
instantâneas para questões homossexuais. Segundo, porque não se
trata de mera enfermidade na alma do indivíduo para falar-se em
cura, como se fosse apenas tomar um remédio, e pronto.
A homossexualidade possui inúmeras variáveis. Quem
estiver com pressa não entenderá o indivíduo, o poder do pecado,
o processo, Deus, muito menos o poder da redenção. Estamos
diante do que chamo de processo artesanal de discipulado, que é
feito de detalhes e exige tempo.
A homossexualidade, assim como qualquer outro pecado,
é uma disfunção existencial. O pecado original quebra a essência
e o propósito para os quais fomos criados. Entretanto a grande
questão é que existem inúmeras implicações individuais para o
dano que o pecado original causou. São incontáveis as diferentes
possibilidades de impacto, seja qual for a área. Isso significa que
não é igual em mim e em você – não necessariamente.
Além das peculiaridades individuais, o pecado da
homossexualidade ganhou contorno ainda mais nocivo com a
força dos movimentos revolucionários progressistas. Não há como
negar que o pensamento que cunhou expressões como “gênero”
e condenou o que seria um “determinismo biológico” invadiu a
sociedade e os meios de comunicação, até ser aceito por normal.
A própria Igreja discute bastante qual a origem da
homossexualidade e como lidar com uma questão tão urgente.
Várias teorias são levantadas. Contudo, na prática, não importa
onde nasce a homossexualidade do indivíduo, pois todos nós
concordamos que todo pecado nasce no mesmo lugar:

Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no


mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a
todos os homens, porque todos pecaram.
Romanos 5.12
Com isso em mente, precisamos vencer bloqueios sociais
e religiosos que consideram a homossexualidade um pecado
30 mais grave que qualquer outro. Lidamos com graça e facilidade
com pecados sexuais da heterossexualidade. Discipulamos com
facilidade um marido que trai, agride ou abandona a esposa.
Porém, quando a questão envolve homossexualidade, criam-se
muralhas que impedem acolhimento, diálogo, discipulado e,
portanto, resultado.
O primeiro passo para uma transformação efetiva virá com
a mudança de mente e postura. A homossexualidade é apenas mais
um pecado. É claro que não precisamos favorecer o homossexual
como se fosse uma vítima indefesa. Por outro lado, não se deve
superestimar tal pecado, acima de todos os outros praticados pelo
restante do rebanho de Jesus Cristo.
Recomendo uma tática infalível de discipulado
congregacional para que os homossexuais tenham não apenas
acesso, mas liberdade nas igrejas: olhe para a homossexualidade
através dos pecados da heterossexualidade. O homem que mantém
relação sexual com outro homem comete fornicação ou, se casado,
adultério. Se os protagonistas fossem um homem e uma mulher,
heterossexuais, não seriam exatamente os mesmos pecados:
fornicação ou adultério?
Assim, todos se enxergarão como iguais. Sem pedras nas
mãos, sem favoritismos, sem acepções. Todos como filhos de Adão
renascendo em Jesus.

Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos


serão vivificados em Cristo.
1 Coríntios 15.22

No caminhar do discipulado, é possível descobrir gatilhos


que pervertem ainda mais a natureza sexual de determinada
pessoa. Por vezes, orfandade. Em outros casos, um histórico de
abusos sexuais. Questões químicas, hormonais e ideológicas,
também. Todas essas coisas, quando acionadas, levam o indivíduo
a reforçar e aprofundar a homossexualidade.
Cada gatilho pode ser trabalhado interiormente, com
tempo e ajuda do Espírito Santo. Porém quero enfatizar que o
poder maior não está nos gatilhos, mas no evangelho. Precisamos 31
de um reposicionamento perante o poder incontestável da cruz.
É necessário colocar a mesa da graça, crendo que Jesus virá para
sentar-se com aqueles que carecem de amor, poder e transformação.
É imprescindível voltar a acreditar no amor de Jesus. Não
um amor romântico, ideológico, assim como aquele caricaturado
pelos progressistas; mas o amor que criou o mundo. Apenas nEle,
no Criador, será possível uma redescoberta, um reinício, uma
reconstrução existencial – um retorno à identidade projetada por
Ele, que é o Amor em pessoa. Ele é mais que suficiente para iniciar
o processo e levá-lo até o fim.
Apenas ponha a mesa, Igreja. E você, homossexual,
alimente‑se dela. O amor é poderoso!

O amor nunca falha.


1 Coríntios 13.8

Não creio que o amor humano seja suficiente para


transformar. Justamente por ser falho em nós, pré-datamos a
relação com outras pessoas, não as amando de verdade. Amamos
apenas a conversão dos homossexuais e, ao mesmo tempo, a nossa
própria reputação diante de críticos religiosos. Não confrontamos
pecados pessoais e sociais da homossexualidade com as mesmas
lágrimas que Jesus. Não desejamos salvar o mundo, mas somente a
nós mesmos.
Além disso, sim, existem acepções de pecado na Igreja! Não
encaramos tal realidade com a devida seriedade cristocêntrica. Há
muito de nós em nossos posicionamentos e bem pouco de Jesus.
Já ouvi críticas severas contra homossexuais saindo da
boca de pessoas que estavam em práticas iguais ou piores, só
que no outro polo, o da heterossexualidade. Deixe-me ajudar:
heterossexualidade não é sinônimo de salvação!
Homossexualidade é pecado, e ponto. É bíblico. Entretanto
você não está salvo por ser heterossexual! Existe um padrão de
santidade que confirma se alguém é salvo. Veja que santidade, em
si mesma, não salva; mas é a confirmação de nossa salvação pela
32 fé. Porém existem muitos heterossexuais que se dizem contra a
ideologia de gênero e em favor da família, mas, dentro do seio
familiar, nem exemplos de cristãos são.
Não confunda as coisas! Lute contra o erro – mas, antes, seja
a verdade.
TEOLOGIA
DO PROCESSO
ANDERSON SILVA
S e Jesus e os apóstolos vivessem no século 21, talvez teríamos
a mais alta e profunda teologia para lidar com as ideias
progressistas atuais. Porém há um sofrimento no meio do povo de 35
Deus, porque em muita coisa a Bíblia é clara e fornece vereditos,
mas não explicou detalhadamente a teologia do processo,
necessária para encarar a complexidade do acompanhamento de
um homossexual.
“Como, na prática, lidar com questões de homossexualidade,
identidade e ideologias de gênero?”, você fez ou já ouviu essa
pergunta. Poucas pessoas sabem responder. A maioria até expõe
uma boa apologética – defesa da fé cristã –, argumentando
eloquentemente. No entanto, na hora de enfrentar os problemas,
em casa ou na igreja, não sabe como agir. Não sabe o que fazer no
meio dos processos ou para onde ir. Além de que não aprendeu a
chorar pela e com a cidade.
Fomos condicionados a responder perguntas que nem
estão sendo feitas. Muitos líderes respondem questões de mais de
30 anos, enquanto o jovem de hoje quer saber por qual motivo ele
não pode ser cristão e fumar maconha, já que “a erva não passa
de uma planta criada por Deus”. Os jovens querem saber por que
não podem ser cristãos e manter um relacionamento aberto, já
que Jesus “pregou o amor”.

s o u b e r o que fazer,
ão ntro
Quando n afé, sente-se no ce lhe
mc ue
compre u de e peça a Jesus q açam
a f
de sua cid neiras, ideias que te.
p io n
dê ideias ao momento prese
sentido

Não conseguimos amar aquilo que não controlamos. O


mundo enlouqueceu. Contudo a pior parte é que o cristão se
amedrontou e ergueu os muros da congregação, perdendo ainda
mais o contato com o mundo a ser redimido. A Igreja passou a
falar um outro idioma, não por ser separada para Deus, mas por
ser fugitiva de um mundo que ela teme. O novo amedronta!
36 Diante desse cenário, perdemos o poder de influência sobre
a cidade. As próprias pessoas também nos rejeitam, porque, de
uma hora para outra, decidimos doutrinar a vida de quem nem
sequer nos importamos em saber o nome.
Pastores, entendam: as pessoas aprenderam a pensar! Elas
buscam respostas honestas para as perguntas confusas que fazem.

“Uma Igreja Missional, por exemplo, é caracterizada


por um grande respeito a pessoas que não creem.
Em outras palavras: uma Igreja Missional
entende o que significa não crer.”
Tim Keller, em entrevista sobre características de uma Igreja Missional

Muitos irmãos me perguntam qual o método de discipulado


de um homossexual. É simples: respondo que ele não existe. A
pessoa, em sua individualidade, sua história e sua subjetividade,
torna-se seu próprio método. Todo o restante envolvido necessita
de direção e instrução divinas, passo a passo, além do amor de um
discipulador perseverante.
Como eu disse, quem tem pressa não vê milagres. Se o
resultado ocorrer apenas daqui a dez anos, você ainda estará
por perto para testemunhar? Você fez parte, do início ao fim, do
milagre que redefiniu a existência de alguém? Você encarou a
teologia do processo como única e diferente para cada um e ajudou
a torná-la real na prática?
Agora torno as perguntas diretas ao homossexual: se
demorar dez anos para enxergar resultado, você resistirá até o
fim? Você está pronto para aceitar que o processo em você não
necessariamente será igual ou durará o mesmo tempo que para
outras pessoas?
Irmãos, o religioso ama demais sua própria reputação para
deixar que seja visto ao lado de pessoas que a religião não gosta.
Mas, graças a Deus, já se levantou um povo disposto a plantar igrejas
para quem não gosta da Igreja e para quem a Igreja não gosta.
37

n ã o s e torna uma
Igreja io de
Quando a passa a ser o silênc ndo.
ela u
resposta, estionamento do m
qu
Deus e o

Agora é hora de uma proposta. Se a Bíblia não oferece


detalhes, pelo menos não explicitamente, do que tenho chamado
de teologia do processo, que tal crer que a Bíblia é, simples
e totalmente, a Palavra de Deus? Que tal crer que não são
necessários acréscimos como sugerem os progressistas? Que tal
acreditar que não é possível fazer recortes, adequações ou uma
customização moderna para transformar o Leão de Judá num
gatinho carinhoso?
Se a Bíblia é totalmente a Palavra de Deus, ela por si só já
é a teologia do processo. Ela toda, para todos. Em primeiro lugar,
devemos parar de eleger os pacientes que receberão a medicina,
como se só homossexuais fossem doentes, e não todos nós. Então
não devemos considerar a homossexualidade um pecado acima
dos outros, uma doença isolada que precisa de cura mística. A
fonte da enfermidade existencial é a mesma – o pecado. Sendo
assim, a medicina também é a mesma para todos!
Como tratar? Amor para acolher, amor para discipular,
amor para chorar junto, amor para administrar limitações e
quedas. Amor! Como saber o que fazer? Olhe para a Palavra e
procure princípios que valem para qualquer pecado, que ajudam
a lidar com qualquer falha. Como identificar o próximo passo?
Clame ao Espírito Santo por direção como clamaria em qualquer
outra situação, em qualquer outro cenário – seja você o irmão
homossexual, o irmão heterossexual, o irmão pastor, o irmão líder,
o irmão intercessor.
Observe como somos despreparados: “Se um homossexual
de fato se converteu, ele não pensará mais em homens!”, diz o
38 amedrontado irmão religioso. Queridos, sou heterossexual, casado,
apaixonado por minha esposa, pai de três filhos – e continuo
gostando de mulher. Penso nelas, desejo-as. Minha natureza
adâmica gostaria de relacionar-se com inúmeras, de vários
tamanhos, cores e sabores. Qual a diferença? Amadureci! Jesus me
ensinou como vencer Adão e o pecado!
A graça de Deus nos ensina, no livro de Romanos, que a
velha e a nova natureza coabitam, coexistem – vencerá a que for
mais nutrida! Nutrida de quê? Da Palavra, que é a própria teologia
do processo. De relacionamento com Jesus, que é o próprio Amor.
De proximidade com o Espírito Santo, que convence, consola
e instrui. De vida com Deus, que é o Criador e, portanto, sabe
exatamente qual o padrão de identidade sexual para homem e
mulher – afinal, foi ideia dEle.
Enquanto aprendemos a amar a Jesus, aí é que vencemos as
tentações do pecado; mas, é claro, isso não é do dia para a noite.
No processo, o Espírito Santo nos ensina a exercer governo sobre
todas as coisas, inclusive nossos impulsos afetivos e sexuais.
Continuo atraído pela beleza do sexo feminino, com a
diferença de que Jesus tirou o dolo desse desejo. Admiro a beleza
sem ser libidinoso. Por que não ensinamos isso aos irmãos
homossexuais? Por que a estratégia é usada só para heterossexuais?
Colocamos um peso religioso sobre homossexuais que
ninguém consegue carregar. Qual a consequência? No primeiro
sentimento pecaminoso que os assalta, abandonam o processo
sentindo-se culpados, indignos e inadequados.
Sim, boa parte de nossos irmãos serão assombrados
pelo poder do passado, do pecado e da natureza de Adão.
Não negue nem ensine ninguém a negar isso! A saída – para a
homossexualidade ou qualquer outro pecado – é aprender a não
ser governado por essas influências. Pelo contrário, ser governado
pelo amor de Jesus, no poder da Palavra e do Espírito Santo. Tudo
isso em um processo que provavelmente durará, em intensidades
diferentes, a vida toda.
Pois atam fardos pesados [e difíceis de carregar] e os põem sobre
os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo
querem movê-los. 39
Mateus 23.4
JESUS E OS
MERCADORES
DO TEMPLO
ANDERSON SILVA
J esus foi o porta-voz divino de justiça e equidade. Diante dEle,
todos os homens são iguais em valor. Deus julgará todos os
homens e condenará muitos ao fogo eterno, mas nem por isso 41
negou dignidade, direitos e visibilidade a qualquer que seja.
Ao ler nos evangelhos a indignação de Jesus dentro
do Templo, quando virou as bancas dos mercadores, passa
desapercebido o motivo:

...minha casa será chamada Casa de Oração para todos os povos.


Isaias 56.7

Existiam vários pátios no Templo, que dividiam classes


espirituais e sociais: homens, mulheres, sacerdotes etc. Na parte
exterior, ficava o que se chamava de Pátio dos Gentios. Aquele
que não fosse judeu – considerado pagão, gentio –, mesmo que
convertido à fé judaica, não podia celebrar a fé dentro do Templo.
Havia um lugar reservado a eles: o pátio externo.
Quando Jesus se aproxima do Templo para adorar, percebe o
mercado. Pior ainda, vê que tal mercado estava montado no pátio
dedicado aos gentios, no local onde os gentios adoravam a Deus.
Como eles adorariam em meio àquele comércio todo? Eles ficaram
impedidos, perderam seu espaço. Ou seja, a ira de Jesus naquele
momento também foi social:

Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para
todas as nações [incluindo gentios]?
Marcos 11.17 (Grifos do autor)

O que podemos aprender? Pode existir aliança, pode existir


santidade, pode existir um altar, pode existir uma liturgia, mas não
às custas de uma exclusão, de uma dura acepção de pessoas. Antes
de transformar alguém, Jesus não se envergonha dessa pessoa! Pelo
contrário, garante seu espaço no Templo, sem barganha.
Para que a Igreja possa impactar a vida de alguém, é
necessário que haja afirmação de que tal pessoa é bem-vinda e está
em um ambiente seguro, que não pretende lhe causar danos – não
apenas em palavras, mas em ação. A Igreja deve ser um lugar de
segurança, de pertencimento, de valor, que ajuda a reorganizar a
42 visão e o caráter. Nesse sentido, nossas igrejas são para todos?
Com isso, não digo que não precisamos de critérios claros,
bíblicos e doutrinários. O lema deve ser: não somos uma Igreja
para toda prática, mas somos uma Igreja para todas as pessoas.
Deve-se respeitar e manter a dignidade social, por meio
da qual qualquer um pode frequentar nossas igrejas sem ser
censurado. Precisamos amar sem prazo de validade, assim como é
necessário preservar a honestidade. Amemos o que as pessoas são,
até que se tornem o que Deus as criou para ser.
DEFESA DA FÉ
FRENTE AO MUNDO
TRANSMODERNO
ANDERSON SILVA
o u p o r t ransições
pass s
O mundo lógicas e filosófica e 45
o
sociais, te podemos chamar d
– s
profundas rnidade. Precisamo es
e
transmod as contextualizaçõ s
nov reja
conceber s, que plantarão ig .
en ja
e abordag m não gosta da Igre
para que

C omo eu disse, o mundo transicionou, enlouqueceu, deu um


salto irracional rumo ao “progresso”. Com isso, sugiram
novas teologias, novas igrejas e novos líderes, que descontruíram o
sagrado, aniquilaram absolutos bíblicos e transtornaram a verdade
em nome de um amor não permitido pela própria Bíblia.
Diante da realidade atual, também precisamos refletir sobre
nossas responsabilidades. Não seria a nossa intolerância uma parte
significativa do fundamento dos adventos modernos? Será que não
amamos demais nossas fronteiras sem amar os que poderiam ser
defendidos por elas?
Nesse sentido, a Igreja inclusiva teria surgido por uma ação
demoníaca, ou a partir da própria omissão da Igreja histórica?

ja M is s io nal não se
Uma Igr e m o atual.
mo c e ti c is
ofende co pergunta certa:
Ela faz a os alcançá-los?”.
em
“Como pod
O mundo moderno quer transformar o amor em um deus
46 Deus é amor, mas o amor não é Deus. Não é possível
compará-Lo com qualquer amor, porque seria incoerente – em
nenhum momento, a Bíblia coloca Deus em conflito com Seus
atributos perfeitos. Inclusive, quando Ele utiliza de um atributo,
não anula nenhum outro. Com isso em mente, compreenda que
Ele é amor, sem deixar de ser justo.
Sendo assim, é importante ressaltar que aquilo que
transforma o homem não é apenas o amor de Deus, mas a
resposta que o homem dá a esse amor. Afinal, o amor dEle não
entra em ação sem permissão humana, não há invasão por parte
do Senhor. O que existe é cooperação, porque “de Deus somos
cooperadores” (1 Co 3.9).
Os progressistas subverteram até mesmo a Bíblia. Além de
plantarem igrejas sem critérios doutrinários, lançaram versões
bíblicas com recortes desastrosos. Entre elas, uma na qual Deus
não é Pai, para não ofender o feminismo.
A masculinidade é tão didática, ao mesmo tempo que a
Bíblia é tão absoluta, que além de Deus ser Pai, revelou Seu filho
ao mundo como um homem. Por que problematizar o que não era
para ser pejorativo nem excludente? O homem foi criado primeiro,
nem por isso Deus o ama mais que ama a mulher. Ao homem
foi dada a função de governo do lar, mas isso não diminui a
importância da função da mulher na família. Em valor, iguais; em
funções, diferentes. E Deus não errou ao criar assim.
Aliás, o problema da mulher moderna não é o machismo
nem o homem. O problema é a mulher não se colocar sob a
necessidade universal de redenção, sob o peso redentor da Palavra,
que é o mesmo para todos. Sempre será melhor relativizar as
Escrituras do que se reconhecer como réu diante de Deus. Sempre
será mais fácil vitimizar-se e afirmar “nasci assim”, a “sociedade
me fez desse jeito”, do que se reconhecer como um pecador
arrependido, carente da misericórdia de um Deus irado contra o
pecado e os pecadores – todos eles, homens e mulheres:
Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se
mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele
permanece a ira de Deus. 47
 João 3.36

é a m o r romântico, o
Deus não outrinal. Ele tem alg
or d nós.
Deus é am realizar dentro de is
a dizer e a s mais seres origina .
Não somo Jesus, Adão e Eva
m a
como fora mor de Deus precis
a
Portanto o ar quem somos em
transform s criados para ser.
o
quem fom

Nesses tempos de crise humana, nos quais a sexualidade se


tornou identidade essencial, muito se fala do amor de Jesus, que
Jesus ama todos os excluídos e marginalizados. Não se engane, é
um tempo tenebroso! Querem colocar Deus como refém de pautas
revolucionárias, tornar Jesus um patrono da subversão.
Muitos líderes mundiais se ergueram com falácias de
revoluções sociais patrocinadas por Jesus. Inclusive, há quem
defenda o absurdo de que Cristo foi o primeiro feminista da história.
Como pode um feminista ordenar 12 homens ao ministério e
nenhuma mulher? Ou Jesus reforçou o “patriarcado opressor”, ou os
progressistas de fato não entenderam nada do evangelho.
Entenda algo: para que o evangelho faça uma obra profunda
em seu coração, você não pode apenas ler a Bíblia, mas se permitir
ser lido por ela. Ela precisa “ofender” você antes de transformar
você – ou seja, não espere apenas flores e afagos para seu ego,
porque Deus nunca será incoerente com a justiça. Para sempre,
Ele condenará o pecado, e isso dói no pecador. A própria Palavra
de Deus prevê que o processo gerará tristeza no homem, uma que
resultará em transformação: “pois fostes contristados segundo Deus
48 (...). Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a
salvação” (2 Co 7.9,10).
Um líder progressista, defensor de movimentos sociais
identitários e crítico ferrenho da Igreja histórica, afirma a plenos
pulmões que, se Jesus se estivesse vivo, odiaria os líderes religiosos
e seria patrocinador das causas de gays, lésbicas, transexuais e
transgêneros. De fato, Jesus se identifica com os que sofrem. Porém
uma coisa é sofrer com alguém, outra é condescender com o pecado.
Vamos a um exemplo: Jesus ama o transexual. Se Ele fosse
também patrocinador da causa transexual, de forma simplista,
então seria justo dizer que o transexual foi criado para sofrer.
Acompanhe o raciocínio: a disforia de gênero – termo
utilizado para a pessoa que diz possuir a identidade certa no
corpo errado – é um dos pilares da defesa transexual. A pessoa
com disforia de gênero sofre ao lidar com fantasmas emocionais,
familiares e sociais, porque sente-se inadequada.
Agora, passemos à análise dAquele que criou a pessoa trans.
Se Jesus, o Verbo, estava lá na criação de tudo e, ao lado de Deus
Pai, amou o homem como obra-prima entre as criaturas, por qual
motivo não o criou bem? Por que confinou certos indivíduos
em corpos errados? Por que já não criou a transexualidade ou a
própria homossexualidade como identidades sexuais próprias,
também definidas biologicamente? Como conciliar que Jesus
resolveu criar o transexual de um jeito errado e, depois, tornou-se
patrocinador da causa trans?
Seria por acaso que os próprios progressistas ferem o
conceito de absolutos bíblicos? Ou, ao defender que tudo é relativo
e móvel, estão na verdade tentando fugir dessas perguntas? Eles
afirmam que Adão e Eva são míticos, folclóricos, não existiram
de fato. Claro! O contrário não daria espaço para a argumentação
progressista, haveria incoerência irreparável.
Se Adão e Eva existiram, então há criação, queda e redenção.
Nesse cenário, o homem não é mero acaso – pessoal, emocional,
sexual, social, ideológico. Ele existe como um ser intencionalmente
criado por um Deus sábio, consciente, moral, santo e justo, que irá
requerer justa prestação de contas de Sua própria criação.
Ou seja, o homem não foi criado para existir para si mesmo, 49
do seu jeito, mas para a glória de seu Criador, prestando adoração
e rendição moral, tanto social como pessoal de sua vida. Não se
trata de uma identidade móvel, mas previamente fixada, com um
propósito eterno e imutável.
O convite da serpente foi ao transexistencialismo: convidou
o homem a existir como um acaso, e não mais como um ser moral,
projetado para adorar Seu criador. É nesse sentido que reafirmo
que a transexualidade é uma disfunção existencial, um pecado que
impede o indivíduo de ser quem Deus diz que ele é.
A mídia progressista não relata o alto índice de suicídio
entre pessoas que fizeram transições sexuais cirúrgicas. Ao
contrário do que prega a visão apaixonada da transexualidade,
depois das intervenções, os trans continuam a viver sem plenitude.
Isso acontece porque uma cirurgia jamais dará a identidade que
somente Deus pode dar, jamais trará sentido à existência como
pode trazer o próprio Criador.
Volte ao início de tudo e ouça Deus fazer novamente a
pergunta: “Adão, onde estás?”. Vá um pouco além e escute dEle um
questionamento existencial: “Quem é você, qual o propósito de sua
existência, qual o seu nome?”. Você responderia a tais perguntas
baseado na ideia original do Criador, ou diria que é apenas vítima
do acaso, da sociedade, do meio?
Não há como amenizar esta sentença: transexualidade é
uma afronta ao Criador. É o homem decidindo ser Deus para si
mesmo, com o apoio ideológico de ciências e sociedade adoecidas.
É a criatura afirmando a seu Criador que, na realidade, Ele não
criou direito.
Se Jesus é um Deus sábio, criador, bondoso, amoroso e
presciente, como Ele criaria seres humanos com disfunções de
caráter, sexo e identidade? “Não foi Deus quem nos fez assim”,
argumentam alguns. Então podemos concordar que algo
deu errado, algo distorceu. O quê? O pecado! Ele existe e foi
responsável por destruir aquilo que Deus um dia chamou de belo.
A ideia original de Deus foi perfeita. E Ele criou você,
simplesmente, para Ele!
50
Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom.
Gênesis 1.31

uem
r h o je – ou seja, q io à
Se meu se lmente – é contrár
a rmar
eu sou atu le, não é correto afi eu
dE m
santidade ama essa versão do saber
que Deus ma como estou por não
ea as
ser. Ele m adeiramente sou, m . Ele
im
quem verd em me deixar ass de mim
t a
se conten e à melhor versão ra ser.
ar-m pa
deseja lev uela que fui criado
q
mesmo: a
Ao longo dos anos, vim a perceber que a
maior armadilha na nossa vida não é sucesso,
popularidade, ou poder, mas autorrejeição.
Sucesso, popularidade e poder podem
realmente apresentar uma grande tentação,
mas a sua qualidade sedutora, muitas vezes,
vem da forma como eles são: parte de uma
tentação muito maior de autorrejeição.
Quando começamos a acreditar nas vozes
que nos chamam inúteis e indignos de
ser amados, então sucesso, popularidade
e poder são facilmente percebidos como
soluções atraentes. A verdadeira armadilha,
no entanto, é a autorrejeição.
Henri Nouwen

JULIANA FERRON
Homossexual por 12 anos,
já foi líder do movimento
LGBT e feminista.
Missionária da Comunhão
Cristã ABBA, de Curitiba (PR),
é escritora, palestrante e
conselheira em Grupos de
Apoio sobre sexualidade.
Possui graduação em
Marketing, Teologia
Ministerial e Psicanálise,
além de especialização
em Teoria Psicanalítica.
Pesquisa há anos o
tema sexualidade.
CANSEI DE SER GAY
JULIANA FERRON
Enganoso discurso de um ser fragmentado

S ei bem quem eu sou. Sou um burguês preso num corpo


proletário, sou um marquês preso num corpo ordinário, sou
uma diva presa num corpo másculo, ou, no meu caso, sou um bofe
53

preso num corpo menstruado. Isso sim é injustiça! Vivo um modo


de vida totalmente irrelevante, cheio de adereços, seios e óvulos,
desprovido de intimidade profunda comigo mesma.
Ótimo viver assim – detecte a ironia.

ido
v id a , d e um oprim ina
de m
Esse tipo corpo opressor, eli es
um stõ
preso em ade de encarar que ente
a necessid das, questões de g
n .
mais profu . Afinal, sou vítima
grande

Meu corpo não estava em mim. Encontrar sustento para esse


ser não era nada fácil. Não queira viver esse embate! Existe uma
grande chance de você perder.
“Como você pode dizer quem eu sou?”, protestei várias
vezes ao mundo. A verdade é que nem eu mesma sabia. Passei
anos indisponível para mim mesma. Gastei mais de uma década
vivendo de sentimentos, e não de fatos.
Aprisionei-me em uma identidade: “eu sou gay”. Depois
de alguns anos, “eu sou trans”. Pelo menos isso me representa,
tornou‑me alguém, trouxe senso de pertencimento e existência.
Sim, sacrifiquei 12 anos a cumprir um papel que me
foi imposto. Tornei-me limitada e incapaz de violentar o
aprisionamento que me foi ideologicamente sugerido. Alienei-me.
Estive por dez anos homossexual e dois anos trans, do outro
lado. Cada dia mais assustadoramente afastada de minha essência.
Uma transcendência corporal que cavava cada vez mais fundo
um abismo de separação de minha verdadeira identidade pessoal.
Aquela superficialidade afastava meus olhos do desconforto que
54 era experimentar ser uma mulher.
Corpo injusto! Sobravam muitas partes e faltavam outras.
Apropriei-me de representação, performance e discurso.
Vesti o figurino. Era o máximo do outro sexo que eu conseguiria
ser – uma artista, uma cópia. Coçar o saco, cuspir no chão. Uma
encenação inconsciente e desesperadora.
Comprei a ideia de que podia ser o que quisesse, e o
produto não foi entregue! O homem que me esforcei para ser,
nunca chegou lá.
Quem acreditou no gênero? Ou melhor, quem acreditou
na serpente?
Ela continua falando hoje. Seu plano é o mesmo: divisão,
fragmentação, distorção. Eva acreditou, eu acreditei.
Eu tinha certeza de que era um homem preso num corpo
feminino. Entretanto nossas certezas não são a verdade. Submeter
nossas certezas à luz interrogatória da Palavra de Deus, à custódia
do Evangelho, é o que ilumina as sombras de nossas pretensas
certezas. É isso que revela verdades surpreendentes.
Minha identidade sexual foi estabelecida por uma
preferência minha ou por uma providência divina? Em outras
palavras, quem eu sou é determinado pelo que decido, ou
pelo desígnio de Deus para minha natureza? Essa é a questão
fundamental. Essa é a pergunta a ser feita.
Sempre acreditei que minha preferência pessoal e minha
autonomia eram prioridade – sobre tudo, inclusive Deus.
Mesmo tendo o Senhor falado a respeito de quem eu sou, minha
preferência individual, bem como minha orientação sexual,
superaram Deus. Ledo engano, com prazo de validade. Meus
desejos possuíam peso, mas a realidade estava impressa em meu
corpo como revelação biológica da vontade de Deus.
Vivemos, assim, um retrocesso, uma involução. A cada
dia, desaprendemos quem somos e perdemos a capacidade de
identificar-nos. Na despersonalização, temos o gozo de uma falsa
identidade. Resgatamos o conto de fadas e, desesperadamente,
não queremos mais ver o mundo ou a nós mesmos sem essa
lente fantasiosa.
Satanás entendeu que o homem completo – espírito, alma e 55
corpo –, assim como eram Adão e Eva, é a própria representação
de Deus na Terra. O homem integral, inteiro, completo, reflete
e manifesta o Criador. Deus tem um corpo: Cristo. Deus tem
um espírito: Espírito Santo. Deus é uma alma também, da qual
procedem intelecto e sabedoria eternos.
Foi assim que Ele nos fez, unindo tudo o que Ele próprio
é num único ser: ser humano. Diante disso, Satanás indagou:
“Se o homem pleno é Deus na terra, então esse homem precisa ser
fragmentado, dividido, desfalcado”.
Em Gênesis 3, encontra-se a tática do engano, usada por
Satanás para enganar Eva. Ela cai na armadilha e torna-se uma
mulher fragmentada. Com a queda, perdemos o espírito que nos
dava a consciência de sermos filhos de Deus. Ou seja, aos nossos
olhos caídos, tornamo-nos homens naturais.

Ora, o homem natural [corpo + alma – psuchikos, em grego] não


aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não
pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.
1 Coríntios 2.14 (Grifos da autora)

Perdemos a conexão com Deus, que se dava por meio do


espírito. Tornamo-nos parciais, divididos, incompletos. Hoje,
temos a mesma oferta, o mesmo convite enganoso que acaba por
fragmentar um homem que, uma vez quebrado, pode dividir-se
mais uma vez. Um homem faltoso, um homem natural.
Perceba a crua verdade: a serpente ainda convida o homem
a ser um indivíduo na alma, outro no corpo. Ou seja, rachar o ser
humano, antes que ele se complete com o Espírito.
Na alma, está o intelecto, a razão, a percepção de quem se
é: homem ou mulher. Na alma, está a percepção de que se é gente,
humano, filho, amigo, irmão, gente. Já no corpo, está manifesta
nossa herança genética, nossa anatomia, que confirmam aquilo que
pensamos – na alma – a nosso próprio respeito.
É isso que Satanás quer: enganar. O desejo maligno é que
o homem dividido e fragmentado acredite que, em sua essência,
56 pode ser diferente na alma e no corpo, contrariando o propósito
original do Criador. É desta forma que o diabo consegue matar a
representação perfeita de Deus na Terra: fazendo que a criatura
acredite na fragmentação, na divisão de seu ser. Então o homem
não é mais à imagem de Deus – pelo menos acredita não ser.
Eu acreditei, por dois anos, estar num corpo errado.
Realmente acreditei na ideia de ser um homem no corpo de
uma mulher. Nessa crença ilusória, apropriei-me do discurso
revolucionário de liberdade, de ser o que eu sinto que nasci para
ser. Na minha cabeça, isso era suficiente para mudar de sexo,
passar de XX para XY, ter um pênis, gerar filhos e tudo mais que
vem no pacote Walt Disney.
Mas esse discurso cansa. Sustentar essa ideia contra uma
natureza divina e perfeitamente planejada é exaustivo. Eu cansei.

Quanto à minha orientação


Identidade não se alcança por meio de cirurgias ou doses
de hormônios, nem é algo que se cria. Identidade é recebida como
herança, por meio da obra salvadora de Jesus, que reconecta o
homem e a mulher ao que eles foram criados para ser.

c u la r d e tentações
nto par ti ade de
Um conju descreve a identid
o
sexuais nã uma pessoa.

Nem você nem eu somos o que sentimos. A essência


transcende o que se sente, o que se viveu, o que se aprendeu. Ela
está lá, no interior, antes de qualquer experiência ou vontade.
Jesus morreu e ressuscitou para revelar essa essência novamente
àquele que crê, fazendo-o tornar àquilo que foi projetado para ser
e, portanto, pode realmente satisfazer. Fora do que fomos criados 57
para ser não há como encontrar paz existencial.
É preciso compreender que as tentações não são maiores que
Jesus e Seu poder redentor. Nunca serão. Um dia, eu fiquei diante
desta escolha: acreditar que minha identidade se baseava no que eu
fazia, ou estava firmada no que Deus havia criado e no que Ele já
havia feito em mim.
A partir desse desassossego, conto minha vida de mentiras.
Por 12 anos, estive indisponível para refletir sobre a profundidade
dos problemas que vivia. A realidade rasa e poética da vida gay me
deixava cada vez mais distante de mim mesma.
Mais de uma década de fingimento. Não fingi gostar de
pessoas do mesmo sexo, mas sempre me enganei sobre essa
vida dar certo e trazer satisfação. Não dá, não traz. Sabe por
que homossexuais fingem não serem capazes de entender os
verdadeiros propósitos de Deus? Porque sabem que, no momento
em que aceitarem a verdade, serão inquietados a viver em
conformidade com ela. Queremos as bênçãos de Deus, desde que
Ele não chegue perto demais.
Pergunto: a homossexualidade não deveria ser meu lugar de
contemplação e descanso? Contudo era o ambiente onde minha
alma mais gritava por resolução, por respostas. Não soa incoerente?
Sei que não é fácil compreender tudo isso, também demorei
a encarar a verdade. Encontrei na homossexualidade o melhor
território para minhas fugas, o melhor abrigo para minhas
incertezas. Porém, paradoxalmente, ela tornou-se um campo de
perguntas e decepções, e nunca de respostas – não além daquelas
provenientes de um discurso alienado da prática, distante de
minha tenebrosa inquietação interior.
Negação, e não autoconhecimento. Ansiedade, e não
alegria. Combate, e não paz. Dependência emocional, e não
liberdade. Tirania, e não escolhas. Isso resumia viver na
homossexualidade. É aceitar cercar-se de ausências, lacunas,
apesar das buscas. É uma constante inquietação consigo mesmo.
Para suportar, adotei um discurso que, como disse antes, até
é poético, mas completamente desconectado com o que o
58 homossexual realmente sente e vive no dia a dia. Para sustentar
uma vida assim, é necessário recorrer a doses anestésicas de
engano – até acreditar.
O amor recebido nunca bastou. O afeto nunca foi suficiente
para preencher as faltas do coração. Ou seja, o impasse está
estabelecido. Erguem-se, então, questionamentos. O amor que
você tanto persegue é realmente amor? Se fosse, por que até hoje
nenhum realmente o aquietou?
Acredito que vale a pena investigar os motivadores desse
desejo inconsequente de amor. Nem sempre a nascente do rio é pura,
então investigar o desejo por trás de tudo pode levar a respostas
nunca nem sequer questionadas. Afinal, quem nunca se enganou?

u v id a r d o s próprios
s
Faz bem d ue somos marcado e
orq pr
desejos, p carências. Nem sem
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nossos d es. Como conhece
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por verda necessidades, se nã
is a?
nossas rea s os desejos à prov
sujeitarmo

Quanto aos meus desejos, hoje assumo: os expus em


resposta a falta de afeto de mãe, rejeição de pai, abuso sexual de
tios, um combo de inutilidades que foram indispensáveis para
minha carreira na homossexualidade, na falta de feminilidade.
Talvez você esteja familiarizado com um histórico assim e
busque respostas. Digo a você: elas estão lá, na sua própria história.
Caminhe com Jesus pelo seu passado e deixe-O derramar de Seu
poder redentor. Isso explicará a você mesmo quem você realmente
é. Esse processo curará os enganos e exporá a verdade.
Não é fácil nem é instantâneo. Você precisará reconhecer
que, muitas vezes, fracassou. Muitas vezes, acreditou na mentira.
Não se resume em culpar quem lhe agrediu e atrapalhou sua 59
consciência de identidade, mas em perdoar – com Ele, é possível
libertar os agressores das cadeias da mágoa. Acima de tudo, esse
processo exige pedir perdão por aceitar o papel de vítima, enquanto
há um poderoso médico, um infalível conselheiro, um prumo
perfeito, um Criador que não errou ao projetar a mim e a você.
Não somos nossas feridas. Não somos nossas tentações. Mais
que isso, não somos nossos próprios desejos!

a c a p a c id ade de
nos tira elo
O desejo propósitos. Viver p e
s
analisar o os desejos é viver d ite
governo d o orgulho não perm
oss os e,
fracasso. N ue estamos perdid rota,
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e m e nte , recalcular hos.
nt n
conseque ar os planos e os so locar
r o
reconfigu o ter coragem de c lo.
ã á-
Contudo n o fracasso é reforç
na mesa

O pecado cansa, e chegou o dia em que cansei. Em meu livro


“Cansei de ser gay”, resumi essa fadiga com as seguintes palavras:

Cansei de ruídos pra me guiar


Cansei de receber a liberdade proporcionada por alguém que vive
suas próprias mazelas e carrega seu lixo diariamente
Cansei de estar inadequada
Cansei de imitar um agrupamento fundamentado numa ilusão
Cansei de viver cega nas minhas razões
Cansei da incapacidade de me identificar
Cansei da urgência do corpo
60
Cansei de me proteger com gritos
Cansei de não saber o que Deus achava de mim
Cansei da escravidão da aprovação
Cansei de me negar
Cansei de fugir do confronto
Cansei de defender o pano de fundo das ideias alheias
Cansei de não dar espaço para Deus ser o que é
Cansei de ser simbólica
Cansei de fingir que não entendia o amor de Deus
Cansei de me excluir da alegria
Cansei de ser um homem sem pênis
Cansei dos cabelos raspados
Cansei de fugir da mudança
Cansei de tentar descansar com mulheres...

Em nome do amor, ou daquilo que chamamos de


amor, cometemos crimes hediondos contra nós mesmos.
Aprisionamo‑nos, condicionamos e despersonalizamos quem
fomos chamados para ser. Crimes inconscientes, mas celebrados
pela sociedade. Logo a sentença chegará, e não sairemos impunes,
mesmo debaixo de aplausos.
Satanás entendeu que o homem inteiro é Deus na terra, e a
junção de homem e mulher é o único portal capaz de reproduzir
novas imagens e semelhanças de Deus.
Primeiro, ele ataca nossa identidade, assim como fez com
Eva, sugerindo que ela era outra coisa diferente do que Deus fizera.
Quando nossa primeira mãe aceitou a proposta de comer da árvore
do conhecimento do bem e do mal e ofereceu o fruto também
a Adão, ambos foram expulsos da presença do Senhor, ou seja,
sofreram a morte espiritual.
Naquele momento, iniciou-se a profunda corrupção moral
do homem, agora morto espiritualmente, fragmentado. Note que
a enganosa possibilidade de viver sem Deus convenceu Eva. Ela
foi tomada pela frenética sensação de que uma única experiência
seria maravilhosamente eterna, que o prazer da individualidade 61
duraria para sempre – mas o resultado foi nada menos que morte,
separação da Vida. Ou seja, o vazio existencial foi plantado!
Em segundo lugar, Satanás ataca a ferramenta abençoada
chamada sexo, que pode gerar outros seres à imagem e semelhança
de Deus. Porém é imprescindível ressaltar que o propósito
perfeito de Deus não é invalidado pelo pecado! Ele não é anulado
ou deixa de existir, tanto que Deus permitiu que o prazer do
sexo continuasse, mesmo após a queda. O propósito divino de
multiplicar continua válido após o pecado original. A verdade
sempre vencerá a mentira – a questão é o que acontece com quem
decide acreditar na mentira.
Quando aceitei Jesus, não deixei de ter desejos, mas deixei
de ser governada por eles. A tirania cessou. Não era mais só corpo
e alma, mas voltei à versão original, completa e perfeita, vivificada
pelo Espírito que passou a habitar em mim. Ele me tirou de
uma condição para colocar-me na posição de filha de Deus – isso
sobressai, sobrepuja tudo o que se pode encontrar nesta vida.
Nossa condição na Terra não altera de forma alguma a posição que
podemos ter em Cristo Jesus.
Recebê-Lo é ser emocionalmente surpreendido pela
desconcertante e imutável sensação de ser você mesmo, e não
outra pessoa. Não dá para expressar dignamente em palavras esta
informação: Juliana, você é uma mulher, aos seus quase 30 anos.
Não, essa informação não era óbvia. Onde estão os pais, chamados
a verbalizar afetivamente quem somos? Mais uma ferida que
recebeu a cura pela verdade.
Pareceu-me desafiador e absolutamente fantástico viver essa
coisa de ser mulher. Com certeza, a melhor revelação depois de
Cristo. A consciência de quem se é vem por meio dEle.
Homossexualidade, seus prazeres são belos, mas não me
completam. Seus momentos são deliciosos, mas não me sustentam.
Suas mulheres são instigantes, mas não me governam mais.
Jesus vem não para o superespiritual, mas para
o vacilante e o enfraquecido que sabe que
não tem nada a oferecer, que não é orgulhoso
demais para aceitar a esmola da graça admirável.
Ao olharmos para cima, ficamos surpreendidos
por encontrar os olhos de Jesus abertos em
assombro, profundos em compreensão e gentis
em compaixão.
Brennan Manning

À medida que viramos as páginas dos


evangelhos, descobrimos que as pessoas que
Jesus encontra ali são você e eu. A compreensão
e a compaixão que oferece a elas, também as
oferece a você e a mim.
Brennan Manning

ROBERT DIEGO
Ex-transexual.
Atualmente, é missionário
graduado pela MCM,
formado em Teologia
Livre pela Presbiteriana
da Graça, seminarista na
Primeira Igreja Batista
de Mogi das Cruzes (SP)
e estudante de Teologia
pela Unicesumar de
Maringá (PR). Lidera
pré-adolescentes e faz parte
do JUCT, Jovens Unidos em
Cristo, projeto que auxilia
o público jovem. Também
palestra sobre sexualidade e
vida cristã.
INDIVIDUALISMO:
ENGANO SOCIAL
ROBERT DIEGO
N a atual sociedade, que está em constante transição, há uma
supervalorização do individualismo. Podemos olhar para este
momento como a diluição de tudo o que é institucional. 65
Amar o próximo como a si mesmo, como disse Sigmund
Freud, é um dos preceitos fundamentais da vida civilizada. Por
outro lado, o sociólogo Zygmunt Bauman analisa que esse é
exatamente o padrão contrário àquilo que a própria civilização
promove: interesse próprio e busca da felicidade.
Segundo Bauman, a modernidade é uma época
em que a vida social passa a ter como centro a existência
do individualismo, é a fase marcada por uma expansiva
autonomia do homem em relação à vida social. É exatamente
o que vivemos hoje: uma sociedade que cultua a liberdade
individual como valor absoluto e hegemônico.
Ainda utilizando pensamentos de sociólogos sobre o
assunto, podemos citar Alain Ehrenberg, que assinalou um
resultado desse culto:

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lo à b u s c a de praze
mu cia,
Há um estí o que, com frequên ma
, u
constante e nt e , resulta em asso.
a lm c
e paradox e insuficiência e fra
ia d
experiênc

Cada vez mais, há um distanciamento do outro – pensa-se


unicamente e exclusivamente em si. E esse individualismo também
invadiu o campo da sexualidade humana. A corrida por satisfação
pessoal fez com que o homem trocasse de parceiro e parceira
na tentativa de preencher um vazio existencial. A característica
consumista da sociedade piorou o cenário, tornando o sexo uma
moeda de troca, beirando a total irresponsabilidade.
Na Academia, vale a ideologia, e não estudos científicos:
“meu corpo, minhas regras”. Ou seja, não se pode ter uma mente
saudável sem pensar na satisfação do corpo. O que importa é sentir
o que se deseja sentir, custe o que custar. Sendo assim, há um
66 rechaço por instituições como família, sociedade e religião, uma
vez que elas são “opressoras” por definir limites. Basta pensar estar
bem – sempre entre aqueles que pensam de forma igual, é claro.
Quem pensa diferente é algoz, e o resto não interessa.
A publicidade também se empenhou na destruição de
costumes locais e comportamentos tradicionais. Desde os
anos 50, vê-se uma máquina de uniformização capaz de produzir
uma felicidade conformista, materialista e mercantil. A lógica
tomou rádio, cinema, televisão e internet, que adquiriram um
imenso poder de homogeneização de gostos e atitudes.
A capacidade midiática de criar, em grande escala, fenômenos
comportamentais e emoções similares expressa-se em best-sellers,
hits, idolatria de stars, modas, sucesso do mês etc. Bauman dizia que
mesmo os gestos cotidianos tendem a homogeneizar-se. Olhe ao
redor e diga se não é isso que você enxerga.
Juntando as peças, dá para entender como se chegou à
atual perspectiva de sexualidade. Torna-se possível descolar ou
separar “sexo” e “gênero” – o gênero vira o protagonista, para que
o indivíduo possa identificar-se como quiser. É a procura pela total
individualidade, independentemente do sexo biológico, além da
exigência de que todos aceitem a monopolização do pensamento.
Afinal, “eu tenho direito de ser quem eu quiser” e “ninguém tem o
direito de questionar o que eu quero”. Nesse contexto, tudo passa
a ser visto como construção social. Há um aparelhamento com a
filosofia evolucionista, existencialista e naturalista.
Nas salas de aula, temos um desafio: a ditadura de esquerda
e seus pensamentos totalitários, que “valorizam” o indivíduo a
tal ponto que o doutrinam. Todos devem pensar igual: sempre
haverá um injustiçado socialmente e um culpado – obviamente, a
classe “dominadora”.
Você percebe o engano social por trás de tudo isso?
Acredito, sim, que haja vítima em qualquer segmento. Pessoas
abandonadas, violentadas, provenientes de famílias disfuncionais.
Contudo é necessária uma cosmovisão cristã que olha para o
indivíduo total, na condição de ser caído e depravado por natureza.
Ele não é apenas vítima. O pecado existe e está fincado na criação
pós-queda, com diversas consequências devastadoras. Não é 67
apenas a sociedade que agride o homem, mas o próprio homem
que possui todos os males dentro de si.
Calma. Há solução para esse engano social do
individualismo. Há solução para o mal interno do homem, assim
como há um meio de livrar-se de cadeias de mentiras socialmente
aceitas. Talvez minha história ajude a clarear o cenário.
EXPERIÊNCIA NA
TRANSEXUALIDADE
ROBERT DIEGO
C omo olhar para a transexualidade em nossos dias? Como
ter um olhar de compaixão e acolhimento, sem banalizar
as Escrituras? Esse é um tema delicado e que precisa ser tratado 69
com amor e graça. Acredito que dividir minha experiência na
transexualidade irá inclinar os olhares para além da teoria. O que
você lerá agora é um relato cru e real.
Estive na transexualidade por 12 anos. Não foi fácil. Aliás, já
era difícil muito antes, quando me via diferente de todas as crianças
– é triste e injusto. Por que todo mundo é normal, e eu sou diferente?
Esse questionamento é sério e não deve ser negado, mas tratado com
atenção e cuidado, tanto em nossas igrejas como em toda a sociedade.
Aos 11 anos, fui ao médico para começar a tratar uma
ginecomastia – crescimento anormal das mamas em homens.
Trata-se de uma situação clínica comum, mas que sempre me
deixou envergonhado. Durante toda a infância, nunca soube o que
era ficar sem camiseta. Sentia-me inseguro.
A intensidade desse desajuste entre corpo e mente só
aumentou. O sentimento de que eu era diferente dos outros meninos
transformou-se em enormes conflitos emocionais e familiares.  
Na escola, o sofrimento foi intenso. Não conseguia falar
de meus problemas com ninguém, sentia que não podia. Sei
bem como sofrem crianças e adolescentes nessa situação – é
humilhante. É por isso que acredito na necessidade de trabalhar
pedagogicamente a violência tanto psicológica quanto física, além
de punir quaisquer pessoas por preconceito, discriminação e
humilhação vexatória.
No âmbito cristão, precisamos de uma teologia clara,
que leve ao que antecede a transexualidade, qual é a influência.
Vaidade, inveja, cobiça, ganância, ciúme, idolatria – é inevitável
que encontremos pecado na raiz.

a t ra n s ex ualidade
o ver nto,
Não consigde um comportame ue é
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como pivô utro pecado motor ivina.
o od
mas há um el sem a iluminaçã
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imperceptí
A atração por meninos era cada vez maior, e eu não
entendia por quê. Questionava como era possível e por que justo
70 comigo. Para um adolescente, compreender sua orientação sexual
é um processo confuso. O que acontece é que essa confusão
pode ser solucionada, mas a resposta é enquadrada como
politicamente incorreta.
O biólogo Alfred Kinsey, fundador do hoje chamado
Instituto Kinsey para Pesquisa do Sexo, Gênero e Reprodução
da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, criou uma
escala que procura descrever o comportamento sexual de uma
pessoa. O método utiliza uma numeração que vai do zero,
equivalente a comportamento exclusivamente heterossexual, ao
seis, para comportamentos exclusivamente homossexuais. O meio
corresponde aos bissexuais.
Além de sugerir que há graus em que a pessoa é
“predominantemente heterossexual, mas frequentemente
homossexual”, o Escala Kinsey ainda determina que tais níveis
podem ser alterados em períodos diferentes da vida.
Muito além do mérito do estudo, lanço a questão: se há tanta
variedade, quer dizer que não há necessidade de pegar um garoto
confuso que está no nível dois e lançá-lo ao seis. Porém a sociedade
faz isso intencionalmente. Basta uma experiência confusa, e
pronto – o questionamento sobre identidade sexual é avassalador,
inquisidor, quase insuportável.
Foi o que aconteceu comigo. Decidi saber mais sobre aqueles
sentimentos e desejos, até que fui convidado a conhecer um local
frequentado por homossexuais. O que aconteceu? Achei pessoas
como a mim. Pensei estar entre iguais, já que até aquele momento
sempre fora o diferente. Fiz novas amizades. Mal sabia que ali
começava a perda de minha identidade.
Vivemos por identificação. Identificado com aqueles pares,
acreditei estar livre do preconceito, da repressão. Não foi nada
disso! Hoje posso fazer a leitura com maturidade: fragilidade e
incoerência habitavam minha personalidade.
O mundo se abriu aos meus olhos – e os prazeres também –,
dando início a um ciclo de não preocupação com as demais pessoas.
Rendi-me ao individualismo e a tantos comportamentos consequentes
a ele. Comecei a contar mentiras, viver rivalidade, enganar, ser cheio
de malícia, caluniar.  
Quando tive meu primeiro relacionamento homossexual, 71
passei a sentir-me completo e amado. Não entendia nada!
Adolescente confunde carinho e amor com sexo. Pensei que todas
as vezes que transasse haveria afeto – só que o inconsciente violado
não sabe diferenciar entre abuso, sexo banal e amor.
Quantos meninos hoje reproduzem um comportamento
homossexual por terem sofrido abuso sexual! Não se dão conta de
que a violência sofrida pode ter ativado a homossexualidade – o
que acredito ser possível de acontecer a qualquer pessoa.
Então começavam em minha vida anos de intenso
isolamento e profundo egoísmo. Sexo, dinheiro e aparência
viraram deuses. Vivia o Carpe diem – em latim, “aproveite o
momento” – como essência.
Encontrei uma pessoa que me convidou a morar em sua
casa. Lembro-me o quanto uma novela adolescente influenciou-me
a tomar atitude e finalmente deixar a casa de meus pais.
A promessa era simples: tornar-me uma mulher linda. Já
havia usado roupa de mulher antes, mas ser mulher tornara-se
meu maior sonho. Acreditava que era tudo que faltava para ser
feliz. Então perguntei àquela pessoa se era mesmo possível, e ela
respondeu que sim.
Mudei, deixei para trás a casa de meus familiares, sem pesar
ou gratidão. Parti sem responsabilidade, como se fosse um carro a
240 quilômetros por hora. Naquele dia, apaguei tudo o que vivi até
ali em família, na sociedade e até mesmo na igreja em que passei
toda a infância. Apertei o botão “viver intensamente sem pensar
em ninguém”.
Comecei a viver meu “verdadeiro” eu. Acreditava ter
descoberto a verdadeira essência. A guerra começara. Deus
errou, e eu estava corrigindo Seu erro. A raiva tomou conta de
meu coração.
Digo com confiança: se eu não quisesse experimentar
tudo que experimentei, se não cedesse a meus próprios desejos,
teria evitado sofrimento maior – muito maior que as dores
iniciais, de quando lutava com os conflitos existenciais e de
identidade. É muito mais prático e rápido tratar a disforia do que
“destransicionar”, pode ter certeza.
72 Sei que muitas pessoas imaginam que isso é loucura, mas é
real. Eu vivi a disforia de gênero em sua totalidade. No entanto, hoje,
entendo que por trás há uma busca de saciar o ego, uma procura
desenfreada por autonomia, um encanto pelo individualismo.

Mudança radical
Em seis meses, já era uma pessoa diferente. Pensava
exclusivamente em meu próprio bem-estar, sem preocupação
com a opinião do outro, ou mesmo com questões essenciais à vida
como biologia e anatomia, que são imutáveis e inalteráveis. Iniciei
mudanças corporais, pelas quais sofro até hoje, por acreditar que a
fisiologia não possuía valor.
A própria cultura prioriza o indivíduo. É notável que há
um incentivo midiático e educacional que é imoral. O convite é
para extravasar. Depois da revolução sexual dos anos de 60, houve
uma demanda sexual jamais vista. Um apelo à sexualização de
tudo, inclusive com erotização infantil, tratando o assunto como
primordial e libertário.
No entanto o resultado foi uma sociedade cada vez mais
líquida e fragilizada. O que era tido como discreto e privado, agora
é escancarado em qualquer lugar. A indústria do entretenimento
ganha revista pornográfica, e o pornô entra em vigor. Há uma
passagem da repressão sexual à liberalidade – ou libertinagem –,
tudo em troca de prazer e bem-estar próprios, individuais.
Certa vez, Ney Matogrosso descreveu os anos 70 como
“deliciosos: sexo, drogas e rock’n’roll. Tudo era liberado e não havia
uma doença mortal no mundo [AIDS]”. Essa mentalidade já estava
impregnada na cabeça de um jovem do século 19, quanto mais hoje!
Durante aquela mudança radical, tive meus primeiros
contatos com álcool e drogas, que fizeram parte de minha vida por
um longo período. A vida era cheia de prazer – um caminho que
conduz à morte. Quantos transexuais eu presenciei morrer pelo
uso do crack, ou em roubos, ou assassinados!
Todo jovem pobre gostaria de viajar pelo mundo, ganhar
dinheiro e ter uma aparência privilegiada – eu tive tudo isso.
Mudei para a Itália e iniciei uma vida de ostentação, moda, 73
dinheiro, encontros e sexo, porém longe das únicas pessoas que
realmente vale a pena cultivar por perto.
Autonomia e individualismo produziram uma solidão
inexplicável, porém precisava ser forte e mostrar personalidade.
No fundo, tinha medo de morrer sozinho. Sempre mexeu muito
comigo pensar que, quando eu morresse, somente meus familiares
sentiriam falta verdadeiramente – agora eles estavam longe.
Essa questão de vida e morte sempre me fez companhia.
Volta e meia, pensava no que me levaria a passar ou não a vida
eterna em sofrimento. Qual a resposta certa? Onde encontrar, de
fato, paz e esperança? Seria tudo apenas acaso? Não conseguia
acreditar em muita coisa.
Na adolescência e na juventude, não damos muito valor
ao que vem depois – queremos satisfazer o momento. Era assim
com a maioria das meninas, tínhamos histórias parecidas. Não
entendíamos que a vida é um sopro e que todos deveriam refletir
sobre a eternidade.
Sim, sair do Brasil foi muito bom, contudo senti falta da vida
e dos amigos daqui. Depois de seis meses, decidi voltar e continuar
a vida no meu próprio país. 
Pouco tempo depois de voltar da Europa, vivi meu primeiro
relacionamento. Pensava ser algo sincero; no entanto a sinceridade
não existia. A busca constante de aprovação é marcante na vida de
quem vive a transexualidade, e encontrar alguém que lhe respeite é
raro. Achei ter encontrando essa pessoa.
se
e ra m u lh er tornou- a
e eu gava
Afirmar qu real e solitária. Che que
is
uma luta ir uizofrenia. Por ma re me
q p
beirar a es uto afirmasse, sem entar.
u a gu
tentasse o da realidade para a real.
a o
distanciav a dessa distância d
Precisa v
Além disso, minha guerra também era interior, com Deus.
Dentro de mim, sabia que o que Ele pensava o meu respeito
74 transcendia toda a fantasia construída.
No tempo em que passei na Europa, conheci Itália, França,
Espanha, Inglaterra, Hungria, Alemanha, Áustria. A viagem
decisiva foi à Tailândia – lá, em 2010, fiz a cirurgia de mudança de
sexo. É importante ressaltar: mudar de sexo é impossível, já que
o sexo de uma pessoa está diluído em todo o organismo, e não
apenas no órgão sexual.
Fiquei 30 dias em Bangkok. No quarto dia após a cirurgia,
o médico retirou o tampão. Olhei no espelho e senti tanta
alegria! Que adaptação sensacional, tudo parecia perfeito. Se
posso dizer, foi um dos dias mais importantes de minha vida. Eu
conhecia bem meu corpo – e só eu sabia o quanto odiava minha
genitália. Odiar algo que você não utiliza é até simples, mas
eu odiava o que eu usava. Cultivar ódio por uma parte de seu
próprio corpo é uma complexa desordem emocional, que precisa
ser tratada.
Fiz uma viagem cansativa de 24 horas para chegar à casa de
minha mãe. Minha família é cristã, mas nunca opinou.
Ter sexo e mente “adequados” foi sensacional. Depois de
tantos anos, por fim, completei o percurso de transição. Passei a
desfrutar de possuir uma neovagina. Não precisava nunca mais
falar para ninguém que tinha sido um menino.
Parti para a negação total. Enganava a todos e, claro,
enganava a mim mesmo. Não podia aceitar que minha real
condição era não ser, biologicamente, uma mulher.
Hoje vejo: que ilusão! Corpo bonito, bem feito e refeito,
no entanto um vazio existencial. Escondia-me atrás de diversão
e entorpecentes, para acreditar que a vida era completa e cheia
de sentido. Não queria saber de mais nada, além de estar em
evidência. Porém o vazio não mudava, nada nunca mudava.
Passava ano, entrava ano – era tudo igual.
Faço uma pausa para lembrar que estou abordando minha
experiência, de forma pessoal; não generalizo, porque sei que é
diferente com cada um.
Voltei a Roma sem imaginar que seria minha última viagem.
Minha irmã me disse que, daquela vez, seria diferente – ela não
imaginava o que estava para acontecer. Reencontrei alguém com 75
quem me relacionava e decidimos nos casar. Com isso, busquei
adquirir cidadania italiana.
Solicitei que minha família enviasse, do Brasil, meus
documentos. Em minha certidão de nascimento, já não constava
mais Robert Diego, e sim Sabrina Caroline. Podia tranquilamente
casar como uma mulher. Tudo estava pronto para o casamento.
Porém, de última hora, desistimos.
Na virada de 2012 para 2013, percebi algo diferente – uma
voz me dizia que seria meu último ano de vida.
Decepcionado porque o casamento não acontecera, fui
para outra cidade. Saí de Roma. Em fevereiro de 2013, em uma
discoteca, sofri um coma alcoólico. Acordei dentro de um hospital,
em Milão.
Não entendia. Nunca antes havia passado mal, ou não
conseguido chegar em casa depois de uma noite de festa. Fui
filmado por algumas pessoas, que me ridicularizaram. Eu
continuava sem entender. Aquele podia ter sido meu último dia de
vida. Uma inquietação nasceu dentro de mim.
Depois de um tempo, reencontrei outro rapaz com quem
já tivera um relacionamento. Tudo muito rápido, decidimos
nos casar. Tudo que eu mais queria era o passaporte europeu.
Estávamos morando juntos e marcamos a data do casamento para
3 de agosto de 2013.
Fizemos uma festa de despedida de solteiro. Passei
mal – overdose. Fiquei imóvel em uma cama. De novo, senti
que podia ser meu último dia de vida. Naquele momento,
clamei a Deus. “Deus, não me deixe morrer! Dê-me uma
oportunidade”. Relembrei a infância, os dias que servi a Deus.
Simplesmente clamei, com todo meu ser.

E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.
Atos 2.21
Minha história mudou. Ouvia a voz de Deus dizendo que, se
eu morresse ali, vestido de mulher, pereceria.
76 Eu costumava dizer que, se Ele quisesse, teria que fazer um
milagre na minha vida. Esse milagre começou de forma diferente
– com um temor pela condenação. Senti-me condenado durante
vários minutos. Minha carne tremeu. Eu tinha certeza que não era
ilusão, estava vivendo uma experiência além do natural. Só sabia
que precisava voltar à casa de minha família e humilhar-me.

Esse discurso provocou outra divisão entre os judeus. Alguns


diziam: “Ele é maluco. Está na cara que não tem juízo. Por que
perder tempo em ouvi-lo?”.
Outros não estavam assim tão seguros: “Essas não são palavras de
um louco. Por acaso um louco pode abrir os olhos de um cego?”.
João 10.19-21 (A Mensagem)

Eu era cego espiritualmente. Quem podia abrir meus olhos,


senão o próprio Deus? Foi sobrenatural. O Senhor também foi
claro: não haveria mais casamento – a cerimônia estava marcada
para o dia seguinte.
Quando consegui levantar e olhar no espelho, a visão foi
completamente diferente. Meus olhos fitavam meus braços e meus
pés. Pela primeira vez, em 27 anos, percebia que eram braços e pés
de um menino. Foi como se regressasse à adolescência! Então disse
a mim mesmo que não me casaria.
Tirei brincos, anéis, esmalte. Amarrei o cabelo. Contei à minha
família o que havia acontecido. Algo mudara, e havia sido imediato.
de
, que teve disforia
uém nça
o m o é possível alg e submeter à muda o
C hegou a s er, olhar n
gênero e c para tornar-se mulh homem? É
de genital assar a enxergar-se cando: foi
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espelho e mas eu não estou b ngo sono.
el, lo
inexplicáv mo despertar de um
o
real. Era c
Uma luta interna começou a ser travada entre o
individualismo e a submissão ao chamamento divino. Logo que
decidi voltar ao Brasil, comecei a ter ataques de pânico. 77
Para a viagem, contava com apenas € 800, mas a passagem
de Roma a São Paulo (SP) custava € 1680. Não sabia o que fazer.
Durante um tempo, procurei estratégias, até que resolvi consultar
mais uma vez o preço. No mesmo site, achei passagem por € 860. Sei
que foi um milagre encontrar a promoção naquele exato momento.

Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e o mais ele fará.


Salmos 37.5

Esse texto bíblico saltou ao meu coração. Não tinha a


mínima ideia de como seria, mas confiei. O que o individualista,
o autônomo, nunca fará: entregar sua própria vida para
que alguém a dirija, nem mesmo o Criador. Dentro do
individualismo, há sempre egocentrismo, antropocentrismo – tudo,
menos Teocentrismo.
Desembarquei no Brasil. Minha irmã foi me buscar e, dentro
do carro, expliquei tudo. Eu estava disposto a passar pelo que fosse
necessário. Qualquer coisa.
EPIDEMIA DA
TRANSEXUALIDADE
ROBERT DIEGO
O  mundo em que vivemos é um monumento intelectual
ao Iluminismo. A superioridade da razão, a primazia da
consciência individual e a noção de que as leis da natureza – e não 79
de Deus – governam o mundo são pilares da visão moderna sobre
a vida e a sexualidade.
Movido a essas ideias, o indivíduo insiste em submeter‑se
à cirurgia que promete transformá-lo em uma mulher ou um
homem completo. Afinal, se o que importa é minha própria
consciência, quem pode dizer que mudar de sexo não é possível?
Se eu quero, eu posso.
O problema é que a transexualidade tem sido banalizada
e tratada de modo corriqueiro. A falta de qualquer pausa ou
indagação surpreende, já que o processo transexualizador implica
tratamentos médicos sérios, muitos irreversíveis.
O Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais no
Brasil em 2017 – divulgado pela Associação Nacional de Travestis e
Transexuais (ANTRA) – cita estudos alarmantes:

A ONG internacional National Gay and Lesbian Task Force


aponta que 41% das pessoas trans já tentaram suicídio nos Estados
Unidos em algum momento, contra 1,2% da população cisgênero
(aquela que não é trans). Uma pesquisa do Instituto Williams de
Los Angeles publicada em 2014 estimou que 40% das pessoas
trans já tentou cometer suicídio. Já uma pesquisa da Universidade
de Columbia informa que o índice de suicídio é cinco vezes mais
frequente entre LGBT.
(Fonte: NLucon)

Ideólogos dirão que é culpa da transfobia. Discordo, assim


como a própria ANTRA, que divulgou no Mapa a seguinte
sentença: “Não podemos afirmar que todos os casos de suicídio de
pessoas trans, por ser um critério completamente subjetivo, apesar
dos altos índices em nossa população, são motivados pela transfobia”.
Dizer que não há transfobia é mentira; no entanto classificar tudo
como transfobia é politizar demasiadamente a questão.
Hoje, transexualidade é moda. Crianças e adolescentes
confusos vão para ela sem ao menos se questionar. Influenciadores
digitais – que contam tudo: o que tomar, onde comprar –, além
de novelas, séries e filmes promovem a tão falada manipulação
80 da massa. Cada vez mais pessoas, cada vez mais novas, acreditam
que nunca poderão mudar, que suas convicções são imutáveis. Foi
assim comigo.
São problemas reais. A doutora Michelle Cretella, presidente
do American College of Pediatricians (ACPeds), assinou um estudo
em agosto de 2016 no qual afirma ser prejudicial ensinar crianças
pequenas o conceito de transexualidade, porque incentiva os
pequenos a acreditarem em uma mentira. Veja alguns trechos da
fala da pediatra, compilados e divulgados pelo serviço de notícias
ACI Digital em 19 de julho de 2017:

“É ruim incentivar uma mentira. Sabemos que ninguém


nasce transexual. Sabemos que é um mito. Infelizmente está sendo
promovido por uma grande quantidade de profissionais médicos,
pela mídia e pelos educadores. Mas isso não é verdade. Se refor-
çamos essa mentira, na verdade estamos incentivando a criança a
desenvolver uma falsa crença inabalável”, indicou a especialista em
uma entrevista concedida ao ‘National Catholic Register’.
Nesse sentido, disse que faz com que “a criança acredite em
algo que não é verdade sobre si mesma. E se o erro é reforçado, a
criança eventualmente usará hormônios que a tornarão estéril, que
prejudicam os ossos, causam danos ao desenvolvimento cerebral
e aumentam o risco de um acidente vascular cerebral, diabetes e
câncer”. [...]
Antes de 2013, a maioria dos médicos e terapeutas trataram
como um transtorno claro e estimou-se que menos de 1% das crian-
ças apresentaria confusão ou desordem de identidade de gênero”,
explicou a especialista. Em seguida, informou que o Reino Unido
teve um aumento de 930% no número de crianças encaminhadas a
“clínicas de gênero” nos últimas seis anos, incluindo algumas muito
novas, como de 3 e 4 anos.

Com isso, quero apenas demonstrar a consequência da


supervalorização da autonomia e da individualidade, até mesmo
por pessoas que deveriam cuidar de nossa saúde emocional e
física. No entanto, em uma sociedade que se move para agradar
tudo e todos, ninguém impõe limites. Não se engane, há
consequências. Pessoas, cada vez mais jovens, estão sofrendo os
resultados desse posicionamento.
O mundo diz que ama, que o amor é o elo que liga a todos. 81
Porém, onde existe amor, há também limites, e certos limites
precisam ser efetivos. Um exemplo claro é: crianças e adolescentes
não precisam ser expostos a conteúdo que causa confusão quanto à
sexualidade. Meu palpite é que falta sensibilidade.
Encontro mais e mais pessoas arrependidas, que não se
sentiram realizadas com a transição cirúrgica para o outro sexo.
Lembre que a disforia de gênero acontece na mente, e o corpo não
necessita ser castigado por conta disso. Se há disforia no gênero,
então que, na fase adulta, quem assim desejar, que trate o gênero, e
não o corpo.
Profissionais da saúde deveriam se atentar para o fato de
que, muitas vezes, um indivíduo é incapaz de identificar problema
em suas próprias escolhas. A ciência medica está aqui para salvar
vidas, mas infelizmente não é o que acontece, pelo menos não
prioritariamente. Isso porque é vantajoso e lucrativo manter a
agenda do gênero.
Na década de 1950, o médico John William Money foi
um dos primeiros que buscou mostrar apoio científico, médico e
psicanalítico à ideia de que a diferença entre homens e mulheres é
social, uma construção, e não algo biológico. Nascia a essência da
ideologia de gênero.
Nos anos 1960, um experimento falido de Money resultou
na destruição de uma família. Veja como a BBC relembrou
essa história em reportagem publicada no dia 24 de novembro
de 2010, com base na qual passo agora a relatar o ocorrido, de
forma resumida.
A história começa com os gêmeos Bruce e Brian Reimer
sendo levado pelos pais, Janet e Ron, para um procedimento de
circuncisão. Bruce foi o primeiro e acabou vítima de um acidente
médico: a agulha cauterizadora apresentou problemas elétricos,
houve elevação súbita da corrente elétrica e o pênis do bebê foi
completamente queimado. A operação de Brian foi cancelada.
Depois de vários meses, o casal conheceu Money, em ascensão
como psicólogo especializado em mudança de sexo. Para o médico,
82 parecia a experiência ideal: Bruce deveria ser criado como menina,
porque teria mais chances de ser feliz enquanto mulher, do que
como um homem sem pênis. Mais que isso, se desse certo, ficaria
comprovado que a criação vale mais que a biologia: de dois gêmeos,
um seria mulher por criação, e não por nascimento, enquanto o
outro seria homem por criação e por nascimento.
Com 17 meses, Bruce virou Brenda. Apenas quatro meses
depois, já passou pelo processo de castração. Para garantir que
tudo funcionaria, nem Brenda nem Brian poderiam saber que, na
realidade, Brenda nascera Bruce, nascera menino.
O caso ficou conhecido como John/Joan. Todo ano, os pais
encontravam o médico para reportar coisas como a “filha era muito
mais arrumada do que seu irmão” e “tinha muitos traços de menina
moleque, como uma energia física abundante, um alto nível de
atividade, teimosia”.
Quando as crianças tinham nove anos, Money publicou um
artigo dizendo que a experiência era um sucesso.
Contudo a puberdade chegou. Aos 13 anos, Brenda sentia
impulsos suicidas. Janet, a mãe, dizia: “Ela era muito rebelde. Ela
era muito masculina e eu não conseguia convencê-la a fazer nada
feminino. Brenda quase não tinha amigos enquanto crescia. Todos
a ridicularizavam, a chamavam de mulher das cavernas”. Os pais
decidiram parar as consultas com Money e contaram à Brenda que
ela tinha nascido como um menino.
Brenda escolheu se transformar em David, passou por
cirurgia de reconstrução do pênis e casou-se. Entretanto descobriu
que sua história constava em livros de teoria médica e psicológica
como um caso de sucesso. Aos 30 anos, veio a depressão. Perdeu o
emprego, separou-se da esposa.
Em 2002, Brian não sobreviveu a uma overdose. Dois anos
depois, em 2004, David cometeu suicídio.
Conto essa história para mostrar como a ideologia de gênero
está distante da realidade. Apesar do fracasso do experimento
John/Joan, ainda se acredita que tudo é construção social, que os
papeis biológicos podem ser descontruídos.
Então temos um problema: se os papeis são meramente
construções socais e podem ser alterados, por que a disforia
de gênero em si não pode? Quem tem disforia, em coro com a 83
sociedade, afirma ser impossível mudar. Agora pense: o que é mais
lucrativo para o sistema, mudar o pensamento ou o corpo?
Acredito que, no meu próprio caso, se houvesse um
acompanhamento reflexivo, e não afirmativo, tudo teria sido
diferente. Se, ao invés de afirmar a transexualidade, alguém me
ajudasse a refletir acerca da possibilidade de uma identidade de
gênero compatível com o sexo biológico, muito transtorno, muita
dor e muito perigo seriam evitados.
Nos Estados Unidos, por exemplo, se uma pessoa manifesta
desejo de fazer uma amputação de um membro do corpo como mão
ou pé, ela é conduzida a um tratamento psicológico para lidar com
o problema. Na questão da sexualidade, é o oposto – aconselha-se
a transexualização.
Uma grande ativista transgênero nos Estados Unidos, Jazz
Jennings, fez cirurgia de mudança de sexo aos 18 anos, em 2018.
No mesmo ano, contou em entrevista ao programa Nightline da
ABC News que se identifica como menina desde os dois anos de
idade, época em que perguntou à mãe quando uma fada viria para
transformar seu pênis em uma vagina. A transição começou a
partir de então. Dois anos de idade.
É preocupante a tendência de diagnosticar e afirmar crianças
e adolescentes como transgêneros, especialmente quando já há um
direcionamento a intervenções médicas. Quero citar mais uma vez
o estudo da presidente do ACPeds, dessa vez em trecho traduzido e
divulgado pelo jornal Gazeta do Povo em 17 de novembro de 2017.
Cretella lembra do posicionamento de uma comunidade online de
médicos, profissionais de saúde mental e acadêmicos que defendem
os gays e possuem uma página na internet intitulada “First, do no
harm: youth gender professionals”. Eles escrevem:

Consideramos que cirurgias e/ou tratamentos hormonais


desnecessários, cuja segurança de longo prazo ainda não foi compro-
vada, representam riscos importantes para crianças e adolescentes.
Políticas públicas que incentivam – direta ou indiretamente – esse
tratamento médico para crianças ou adolescentes que podem não ser
capazes de avaliar seus riscos e benefícios são altamente suspeitos, em
84 nossa opinião.
Youth Trans Critical Professionals. Professionals Thinking Critically about the
Youth Transgender Narrative.

O problema é que, dentro de uma visão política, o gênero


veio como palavra capaz de causar o caos. Não há evidência
científica; pelo contrário, apenas especulações científicas. Porém
fala-se em gênero, e pronto: caos. Ai de quem se posiciona em
suspeita ou, pior ainda, contra. Por pura política de boa vizinhança,
as pessoas têm medo de falar o que pensam. Esquivam-se para não
ter que defender uma opinião contrária.
Entretanto há uma incompatibilidade bíblica com esses
novos conceitos de identidade, orientação e gênero. Eles estão
em voga na sociedade, na Academia e em todo canto, blindados
de qualquer contraponto – mas a verdade é que a Bíblia é
taxativamente contrária.
Sempre digo: seria muito mais simples se tudo fosse tolerado.
Entretanto, quando me deparo com a fé cristã e a comparo com uma
ciência genuína, é aí que vejo coerência. Não consigo enxergar uma
ciência verdadeira que não confirme as Escrituras.
TRANSEXUALIDADE
E UMA ABORDAGEM
BÍBLICA
ROBERT DIEGO
A o pensamento vigente, a fé cristã é uma forte opositora,
uma vez que sua antropologia é inalterável. Trabalha-se
com uma cosmovisão completamente estruturada que define 87
origem, queda e redenção.
Nancy Pearcey, no livro “Verdade Absoluta”, afirma que
a definição de sexo e gênero para a teologia bíblica e para a
antropologia é bem resolvida, absoluta. O conflito existe no
campo filosófico: os defensores da transexualidade eliminam a
criação e dão lugar à evolução. Vê-se, então, a predominância do
naturalismo no campo acadêmico, que é grande parte ateu.
Ou seja, não haveria necessidade de pensar a existência a
partir das Escrituras. Quem é o homem, sem olhar para o conceito
de perfeita obra do Criador? É uma construção social.
Para compreender a Palavra de Deus, é necessário enxergá‑la
como um todo, sem pressupostos. É preciso abrir-se à fé, mas uma
fé inteligente. Nesse processo, muitas vezes, é necessário negar-se a
si mesmo (Lc 9.23).

Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme


a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar,
sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a
terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus,
pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e
mulher os criou.
Gênesis 1.26,27

Deus forma os primeiros seres humanos: homem e mulher.


Primeiro, o homem. Depois, ao perceber que não era bom que
ele ficasse só, cria também a mulher. A partir disso, formam-se
as naturezas biológica, antropológica, sociológica e psicológica.
Logo em seguida, Deus explica uma das finalidades: multiplicação,
conforme a espécie – homem e mulher.
Certa vez, deparei-me com um artigo de Albert Mohler Jr,
publicado em 2 de março de 2015, no site do Ministério Fiel. O
título é “Teologia Bíblica e Crise de Sexualidade” e comenta com
precisão a narrativa de Gênesis. Transcrevo agora um trecho
fundamental para compreender a imutabilidade da abordagem
bíblica sobre sexualidade, que se baseia na origem de tudo, ou seja,
88 na criação:

Gênesis 1.26-28 indica que Deus criou o homem – diferen-


temente do resto da criação – à sua própria imagem. Essa passagem
também demonstra que o propósito de Deus para a humanidade era
uma existência corporal. Gênesis 2.7 também enfatiza esse ponto.
Deus criou o homem do pó da terra e, depois, soprou nele o fôlego de
vida. Isso indica que éramos corpo antes de sermos pessoa. O corpo,
como se vê, não é incidental à nossa personalidade. Adão e Eva re-
cebem a comissão de multiplicarem-se e sujeitarem a terra. Os seus
corpos lhes permitem, pela criação de Deus e por seu plano sobera-
no, cumprirem aquele mandato como portadores da imagem divina.
A narrativa de Gênesis também sugere que o corpo vem
com necessidades. Adão sentiria fome, então Deus lhe deu o fruto
do jardim. Essas necessidades revelam, no bojo da ordem criada,
que Adão é um ser finito, dependente e derivado.
Além disso, Adão teria a necessidade de companhia, então
Deus lhe deu uma esposa, Eva. Tanto Adão como Eva deveriam
cumprir o mandato de multiplicar-se e encher a terra com portado-
res da imagem divina, mediante o uso apropriado das habilidades
reprodutivas com as quais foram criados. Ligado a isso, está o pra-
zer corporal que ambos experimentariam ao se tornarem uma só
carne – isto é, um só corpo.
A narrativa de Gênesis também demonstra que o gênero é
parte da bondade da criação de Deus. Gênero não é meramente
uma construção sociológica imposta a seres humanos que, de outro
modo, poderiam negociar um número indefinido de permutas.
Ao contrário, Gênesis nos ensina que o gênero é criado por
Deus para o nosso bem e para a sua glória. O gênero é planejado para
o florescimento humano e é estabelecido pela determinação do Cria-
dor – assim como ele determina quando e onde nós devemos existir.
Em suma, Deus criou sua imagem como uma pessoa cor-
pórea. Como seres corpóreos, recebemos do próprio Deus o dom
e a mordomia da sexualidade. Nós somos feitos de um modo que
testifica os propósitos de Deus a esse respeito.
Gênesis também molda toda essa discussão em uma pers-
pectiva pactual. A reprodução humana não é simplesmente para
propagar a raça. Em vez disso, a reprodução enfatiza que Adão e
Eva devem multiplicar-se a fim de encher a terra com a glória de
Deus refletida nos portadores de sua imagem.
Esse texto trata com cristãos que têm fé em Deus e na
Sagrada Escritura como padrão de vida e prática. Ou seja, o
compromisso não é com o próprio corpo e instintos naturais, mas 89
com o propósito original do Criador, revelado em Sua Palavra.
A versão original foi corrompida pelo pecado, por isso
existem distorções em tudo e em todos. Pessoas nascem com
alterações na mente e no corpo, algumas mais evidentes, outras nem
tanto. Porém a verdade continua sendo que Deus criou homem e
mulher – tudo que sair desse padrão é uma alteração do projeto
natural e original do Criador. O próprio Jesus relembrou: “porém,
desde o princípio da criação, Deus os fez homem e mulher” (Mc 10.6).

in a l é in alterável.
o orig izer
O propósit lutar com Deus e d o,
ta ad
Não adian u em um corpo err rá
que nasce sempre responde as
porque Ele te de você as págin
ian
abrindo d ojeto da criação.
do pr

Se sou um crente em Jesus Cristo, minhas ações devem


ser compatíveis com esse plano, independentemente de como
o pecado transformou minha mente e meu corpo. Minha
responsabilidade é com o projeto divino original.
O mundo obviamente não está sujeito a Deus, nem poderia
estar. O incrédulo vive segundo o curso deste mundo, sobre o
qual governa o “príncipe da potestade do ar, do espírito que agora
atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós
andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo
a vontade da carne e dos pensamentos” (Ef 2.2,3). Diante disso, é
claro que o incrédulo não aceitará o que escrevo aqui, nem desejará
sujeitar-se à vontade de Deus.
Depois da queda, Deus não decidiu adaptar o ser humano
às novas condições, agora pecaminosas. O que Ele fez foi
90 providenciar um ponto final para a linhagem de Adão, o pecador
original, que condenou sua descendência – todos os homens.
A Cruz não simbolizou só a morte de Jesus, e sim a morte da
humanidade como um todo.

Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no


mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a
todos os homens, porque todos pecaram. Porque até ao regime da
lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta
quando não há lei. Entretanto, reinou a morte desde Adão até
Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram à semelhança da
transgressão de Adão, o qual prefigurava aquele que havia de vir.
Todavia, não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque, se, pela
ofensa de um só, morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o
dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo, foram abundantes
sobre muitos. O dom, entretanto, não é como no caso em que
somente um pecou; porque o julgamento derivou de uma só ofensa,
para a condenação; mas a graça transcorre de muitas ofensas, para
a justificação. Se, pela ofensa de um e por meio de um só, reinou a
morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da
justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo. Pois
assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens
para condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a
graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida. Porque,
como, pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram
pecadores, assim também, por meio da obediência de um só, muitos
se tornarão justos. Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas
onde abundou o pecado, superabundou a graça, a fim de que, como o
pecado reinou pela morte, assim também reinasse a graça pela justiça
para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor.
Romanos 5.12-20

Por Adão, o pecado e a morte entraram no mundo,


condenando a criação à calamidade. Em Cristo, o pecado é
vencido. Por isso a morte não o detém, e Ele ressuscita. Somente
vivemos debaixo dessa grande conquista crendo em Cristo, o
Redentor. É assim que saímos da condenação do primeiro Adão e
passamos à graça do segundo Adão.
Sabemos que a inclinação da carne é para morte, enquanto 91
a inclinação do Espírito é para vida e paz (Rm 8.6). Por isso
precisamos estar debaixo do governo do Espírito, e não de nossa
própria carne. Observe como é o comportamento de quem passou
do primeiro ao segundo Adão, da carne ao Espírito:

...sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso velho homem,
para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado
como escravos; porquanto quem morreu está justificado do pecado.
Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele
viveremos, sabedores de que, havendo Cristo ressuscitado dentre
os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio sobre ele.
Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu para
o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós
considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em
Cristo Jesus.
Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira
que obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada um os membros
do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniquidade; mas
oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os
vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça. Porque
o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da
lei, e sim da graça.
Romanos 6.6-14

Não há como, biblicamente, abrir precedentes à


transexualidade – por mais que a sociedade moderna diga que é
natural, orgânico, normal. Necessitamos, urgentemente, voltar à
origem, mesmo que custe tudo.
Talvez você esteja pensando agora que estou assumindo um
discurso sem amor, de quem não se coloca no lugar do outro. Já
me peguei diversas vezes no mesmo questionamento. Cheguei à
seguinte conclusão: não é fácil mesmo – Jesus disse que não seria.
Não se trata de falta de amor, mas de um amor que sabe o que é
sacrifício e renúncia. Amor que não mente, não engana, mas diz a
verdade. Amor de verdade – ou melhor, a verdade sobre o amor.
Sair do lugar da completa distorção do plano original e
voltar à verdade de que a criação do homem e da mulher foi
92 perfeita exige uns bons passos, ainda mais para quem se distanciou
demais. Apesar de ser o melhor caminho, o único que realmente
satisfaz, crer no amor perfeito do Criador e em Seu plano original
custa de nós. Contudo será impossível provar a verdadeira paz
existencial sem passar por esse trilho de arrependimento e
abandono das práticas contrárias à vontade de nosso Criador.
Eu vivi a transexualidade e posso garantir: é possível voltar,
mas não é nada simples. Você precisará apoiar-se na verdade
bíblica, que é imutável, independente do mundo, da sociedade,
da sua história, dos seus sentimentos. Não apenas eu, mas muitos
estão deixando a transição por encontrar no Evangelho de Cristo
as respostas.
Quem sou e de onde vim? Criação. Por que existe mal e
sofrimento? Queda. Como mudar, onde está a solução? Redenção.
IGREJA E SUA
RESPONSABILIDADE
ROBERT DIEGO
A gora, um ponto crucial: a Igreja.
Quando decidi falar sobre individualismo e autonomia,
quis demonstrar uma trajetória natural de cada ser humano que 95
busca seus próprios interesses. No entanto, quando há regeneração
de nosso homem caído, precisamos deixar de ser autônomos e
individuais para retornar ao coletivo que Paulo chama de corpo de
Cristo (Ef 4).
Nossa civilização está agonizando. Estamos mergulhados
numa espécie de Roma Antiga, onde todos sobrevivem de pão e
circo, isto é, apenas de necessidades e prazer: primeiro, o que enche
a barriga; depois, o que diverte. Em seu livro “O Fim de uma Era”,
Walter McAlister comenta que, hoje, não somos mais regidos por
ideais, mas por interesses; não por valores, mas pelo que nos serve.
A isso, McAlister chama de “época extremamente imediatista”.
O contexto é caótico. A pergunta é: temos uma comunidade
cristã madura para receber pessoas dessa sociedade? Elas
encontrarão apoio, fraternidade, amor, discipulado e tempo?

:
ç a c rô n ic a na Igreja
oen mpo
Há uma d esse em investir te nte
er e
não há int ar junto, especialm o
h x
para camin dos homens, do se
e
por part o, com relação ao
masculin ue se converte.
lq
transexua

Digo por experiência própria. Durante três anos,


praticamente não tive contato com os irmãos. A maior parte das
vezes, irmãs é que procuraram ajudar.
Veja o impasse: quando um transexual se converte, é ideal
que alguém do mesmo sexo, o sexo original, ensine como funciona
o mundo – no meu caso, o mundo masculino. É como contar com
a companhia de um pai, um irmão mais velho, uma referência
daquilo que, em muitos casos, foi roubado. Porém a realidade é o
afastamento de pessoas do mesmo sexo.
96 Tenho clamado ao Senhor que levante cristãos maduros
para acompanhar transexuais que se convertem. Se a questão é
sair do individualismo e viver na família da fé, por que deixar
transexuais lutarem sozinhos e caminharem por conta própria?
Seria preconceito, falta de amor, ou o pensamento de que são
indignos de graça? São questões difíceis, mas que precisam ser
respondidas com coração aberto e, se necessário, com lágrimas
de arrependimento.
Deus nos deixou a comissão de ser Seus mensageiros. Isso
deve trazer um senso de responsabilidade sobre cada cristão.
Devemos refletir não apenas se falamos do Evangelho, mas
como fazemos isso e a quem, se há qualquer tipo de exclusão ou
tratamento diferenciado. Transexuais precisam do Senhor como
todos, como você e eu.

Por isso, te digo: perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque
ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama.
Lucas 7.47
Deus nos chama a todos para fora do
esconderijo. Ele nos chama de onde quer
que tenhamos ido para encontrar vida,
chama-nos de volta para casa.
Brennan Manning

Examinei meu coração a fim de encontrar


dignidade em ser amado por Deus, nada
encontrei. Mas quando me virei para
Cristo, percebi que o amor saía dali
gratuitamente. É o amor de Cristo que
significa o homem.
Brennan Manning

LUAN PABLO
Ex-transexual. Envolveu-se
com prostituição aos 13 anos
de idade. Aos 16, já era
viciado em cocaína. Com
20 anos, fez a cirurgia
de mudança de sexo.
Quando encarou a
morte, abriu os olhos
para Jesus.
Hoje é cabeleireiro e
congrega na Assembleia
de Deus Boa Semente,
em Natal (RN).
FAMÍLIA É A BASE,
DEUS É O SUSTENTO
LUAN PABLO
T udo começou em 1994, quando eu tinha apenas quatro anos.
Sem outras opções, meus pais decidiram que seria melhor
eu morar com minha avó. Não foi uma decisão fácil, mas foi a 99
melhor naquele momento. Ambos eram muito jovens e estavam
desempregados. Com a chegada de mais um filho, ficaria ainda
mais difícil – minha mãe descobriu que estava grávida.
A correria da gestação distanciou-me cada vez mais de
meus pais, ao mesmo tempo em que me fez criar grande afeição
por minha avó. Até que chegou o dia da mudança. O afastamento
foi inevitável.

e
a a re s p o nsabilidad
arreg o da
A família c r o filho na formaçã .
de ensina dade. Ensine o seu
sua identi

Infância
Meu nascimento trouxe alegria, inclusive para minha avó.
Éramos em seis pessoas, na época, mas a família aumentou com a
chegada de dois primos. Esse era o núcleo familiar, os mais próximos.
Cresci saudável e cheio de energia. Amado por todos, não
me faltou nada – a não ser a presença de meus pais que, a partir
de meus quatro anos, foi muito distante. Lembro que chorava
para não ter que visitá-los nos finais de semana. Sentia ciúmes de
minhas irmãs. As circunstâncias e a distância criavam cada vez
mais barreiras entre nós.
Os tempos não eram os melhores financeiramente, mas
minha tia, filha da avó que me criou, esforçava-se muito para
que eu tivesse uma vida melhor. Ela era responsável por não
deixar faltar o que precisávamos. Não tivemos muito, mas não
passamos necessidade.
Brinquei bastante, aproveitei parte da infância. Entretanto
percebia que meu comportamento despertava olhares estranhos – eu
não era igual aos outros. Isso trouxe preocupação aos meus pais, cujos
questionamentos chegaram à minha avó. A distância de Deus deixou
100 todos com mãos atadas. Não sabiam lidar nem como agir.
Foi aí que a infância passou a ser difícil. Construí poucas
amizades e a maior parte era de meninas.

s de
re ti ve d ificuldade fato de
Semp m
O
meninos. – bola,
‑ m e c o
relacionar das mesmas coisas ava-me
r
não gosta rava exclusão. Torn
ge ia.
pipa etc – diferente a cada d
mais

Quando criticavam meu comportamento, deitava-me


envergonhado. Chegou ao ponto de eu sentir medo de estar perto
daquelas pessoas. Minha defesa, então, era atacar. Não apenas na
rua de casa, mas também no colégio, onde bullyings contra mim
pesaram. Guardei todas aquelas palavras dentro de mim e acreditei
em tudo.
Meus pais nunca souberam; não contei a eles meus dilemas.
Minha avó já tinha muitos problemas para lidar. E agora, o que
fazer? Guardei tudo para mim. Não imaginava que, com o tempo,
aquelas mentiras teriam poder absoluto sobre mim.
Apesar da infância difícil, também tive boas
oportunidades na vida. Uma delas foi conhecer a Igreja aos
nove anos. Por um instante, senti-me livre de acusações. Apesar
de toda a minha família ainda estar longe de Deus, eu tive o
privilégio de aproximar-me.
A igreja era ao lado de casa. Passei a frequentar e construir
novas amizades. Por fora, parecia que tudo ia bem. Por dentro,
muitas feridas escondidas.
Ouvir falar de Jesus foi fundamental. Por um momento,
perdi o medo de ter amigos meninos e senti-me um pouco
parecido. Foi uma das melhores épocas da vida. Até decidi pelo
batismo nas águas. Hoje, percebo que tomei aquela decisão pelo
fato de olhar muito para os outros e querer fazer igual. Estava com 101
12 anos, saindo da infância e entrando na adolescência. As coisas
pareciam normais, mas era superficial. Internamente, já estava
cheio de raiva.
Ainda assim posso dizer que aproveitei bem aqueles momentos.
Sempre gostei de participar de tudo. Sentia-me aceito e útil.

Desvio na sexualidade: desejo sexual precoce


Certo dia, um grupo de adolescentes da igreja, que andava
sempre junto, encontrou-se. Eu estava entre eles, bem como uma
menina um pouco mais velha. Eu me declarei – disse que queria
namorar com ela. A resposta foi um não categórico. Aquilo entrou
como uma bomba.
Apesar de ser apenas uma criança, já havia uma ferida
aberta e não tratada em meu interior. Era mais um não na vida.
Aceitei como mais uma rejeição – primeiro meus pais, depois
meus colegas na escola, então uma menina. A partir daí, rejeitei a
mim mesmo, agora com ainda mais intensidade. Eu era o feio, o
estranho, o diferente. Era nisso que acreditava.
Mas a história não parou ali. Aquele mesmo grupo
continuava unido. Éramos cerca de dez meninos e meninas,
mais meninos que meninas. Vivi, então, naquele ambiente,
uma experiência dramática, que gerou forte desvio em minha
personalidade. Com apenas 12 anos de idade, sofri um abuso por
parte de um daqueles meus colegas.
Minha avó não gostava muito que eu andasse com ele, mas o
fato de ser parte do grupo da igreja não contribuiu. Ela continuou
a alertar, na tentativa de abrir meus olhos, mas eu rejeitava seus
conselhos. Só hoje entendo a importância de ouvir, porque muitas
vezes é Deus quem está falando conosco através das autoridades.
Nada impediu aquela amizade. Contudo chegou o dia em
que as brincadeiras se tornaram um pouco estranhas. Fomos
brincar na casa de outro menino e, lá, sofri o primeiro atentado.
Minha reação foi correr imediatamente, com vergonha.
102 Não contei nada a ninguém. Um dia depois, ele foi à minha
procura para brincar. De cara, senti medo, mas fui. De novo, foi
consumado. Só que, daquela vez, eu não corri. Lembro que o
menino me ameaçou: se eu contasse para minha avó, então todos
ficariam sabendo.
De início, senti medo; mas a experiência despertou em mim
um desejo sexual precoce. Nem medo nem vergonha frearam os
impulsos. Passei a fazer o mesmo, procurando primos e amigos
com quem podia manter relações. Saí totalmente do percurso de
minha vida, abandonei tudo que havia aprendido.
Aquele desejo louco me transformou em uma criança
desobediente, revoltada e levada. Ironicamente, tais sentimentos
me faziam sentir vergonha e, mais uma vez, diferente. Era um ciclo
de rejeição e raiva.
Decidi largar igreja, família e qualquer ensinamento de
Jesus. Olhando para as circunstâncias, desisti de todos os sonhos
que cultivara até então. Não sabia mais quem eu era. Esqueci
totalmente que eu era filho de Deus.
Minha resposta foi abrir mão de tudo para transformar‑me
em outra pessoa. Tornei-me agressivo, mentiroso. O novo
comportamento deixou tudo mais difícil dentro de casa, e isso
chegou aos ouvidos de meus pais. Recebi uma visita deles, que não
foi boa. Eu já não ouvia ninguém.
O tempo de revolta durou cerca de um ano. A falta de
modelo dentro de casa, especialmente diante daquela crise interna,
levou-me a buscar respostas na rua. Fui conhecendo pessoas que
achei parecidas comigo – mais um passo em direção à loucura.
As novas amizades geraram muitos conflitos, inclusive
com minha família. A convivência comigo era quase impossível.
Eu não respeitava ninguém. Entretanto as discussões e
aparentes contradições me deixavam ainda mais revoltado,
irado, cheio de ódio.
Passei a frequentar festas noturnas, bares e outros lugares.
Sempre que me pediam para não ir, aí que eu ia. Até que, em uma
dessas festas, conheci o cigarro e a bebida, a partir do convite de
colegas que se diziam amigos. Fui cavando um abismo.
Em uma dessas noitadas, conheci uma trans, que parecia 103
muito uma mulher. Meus olhos fitaram e focaram aquilo. A partir
daquele dia, olhava para mim mesmo e rejeitava definitivamente o
que Deus havia criado.
Achei ter encontrado a solução. Ser igual a uma mulher,
fugindo das feridas – mas afogando-me mais. Comecei o
processo de desconstrução da aparência masculina, buscando
refúgio na feminina.
Não foi fácil. O preconceito na rua e dentro de casa só
crescia. Foi um ano difícil, mas meu impulso para continuar era
composto de raiva e ódio. Elas não me deixaram desistir daquela
ideia louca.
Cheguei a buscar ajuda por um momento, mas desisti
rápido. Acreditei nas mentiras que ouvira, desde pequeno, tanto de
outras pessoas como na minha própria cabeça. Acreditei que Deus
me criara no corpo errado.
Agora vejo com clareza. Sei que, devido ao pecado, sofri
uma crise de identidade e busquei respostas em mim mesmo,
achando que poderia resolver meus problemas do meu jeito. Achei
que preencheria o que estava vazio com uma nova identidade,
diferente daquela que Deus planejou para mim. Impossível; mas eu
me enganei por um bom tempo.
A busca louca por satisfação construiu uma nova
aparência. Novos horizontes se abriram e levaram-me a um
abismo quase instransponível.

Prostituição e drogas
Com meu novo ciclo de amizades, abandonei a adolescência.
Pulei essa etapa. Até que, certo dia, recebi um convite e, por incrível
que pareça, não pensei duas vezes. Fui convocado à prostituição.
Passei a vender meu corpo com apenas 13 anos. Para piorar,
minha família descobriu. No início, não foi nada bom; cheguei a
ser expulso de casa. Porém minha avó foi atrás de mim, sabendo
que eu não tinha para onde ir. Ela achou que seria melhor eu
104 morar em um quarto sozinho. A partir daí, perdi todo o contato
com o restante da família. Restou apenas minha avó.
Não foi fácil como imaginei. Sofri muito. Diversas vezes,
fui roubado, corri com medo de tiros. Mas parecia tarde demais
para voltar.
Prossegui. Continuei. Precisava provar que eu conseguiria;
eu queria ser aceito. Mesmo com todas as dificuldades que passei,
não desisti. Não parei.
Uma noite, fui abordado por um rapaz, que me fez uma
proposta. Eu aceitei. Não tendo dimensão do grande mal que me
causaria, disse sim. Afinal, quem não quer ficar rico e ser “bela”?
Em troca, eu deveria fazer um pacto com ele. No dia seguinte, tudo
mudou. Abriu-se mais uma porta para minha morte.
O dinheiro veio rápido, então decidi resolver meu problema.
Mudei minha aparência, descontruindo e sufocando o Luan.
Com 15 anos, fiz uma loucura: coloquei silicone industrial. Eu me
achava gordo e feio. A saída era mudar.
Um ano depois, consegui prótese de silicone. Também fiz
oito tatuagens, achando que resolveria minhas angústias e faria
com que todos me aceitassem. Fugi da realidade, tentei preencher
o vazio de Deus. Fiz de mim mesmo um ídolo, para defender e
atacar as pessoas.
Aqueles foram os meios que encontrei para esconder as
feridas. Esqueci de um Deus que faz tudo perfeito. Mas Ele não
esqueceu de mim.
A prostituição e as mudanças corporais já trouxeram marcas
profundas na alma, no corpo e na mente; mas as drogas foram um
passo em direção à morte. Com 16 anos, experimentei cocaína.
Que refúgio! Era possível fugir da realidade.
No início usava por diversão, depois tornei-me escravo.
Fiquei preso a ela por anos. Com o tempo, veio a depressão.
Tristeza profunda, solidão e vazio batiam à porta todos os dias.
Em um tempo de muito sofrimento interior, eu lembrava
de Deus. Aos prantos, em madrugadas sem dormir, pensava
no Criador. Eu sabia que Ele poderia resolver minha dor.
Chorando, pegava no sono dizendo: “Senhor, perdoa-me!
Dê‑me mais uma chance, que nunca mais usarei drogas”. No 105
dia seguinte, voltava a fazer tudo igual, tudo de novo. Só posso
dizer: Deus misericordioso.
A cidade de Natal (RN) já não me satisfazia. Embarquei para
minha primeira viajem, e São Paulo (SP) foi a escolhida. Fui em
busca de mais dinheiro, sem pensar nas consequências. Lá, conheci
o ecstasy. Tornei-me ainda mais submisso, sufocado, sem forças
para voltar para casa.
As drogas me destruíam aos poucos; enquanto isso, minha
família me amava e orava, mesmo eu os tendo abandonado. Voltei
para Natal e passei cerca de um mês, mas precisava de dinheiro.
Não podia continuar lá.
Completei 18 anos e decidi viajar para a Europa. A primeira
oportunidade que surgiu foi de ser “cafetinado”. O preço que
eu devia pagar era R$ 9 mil. O valor me ajudaria a passar pela
fronteira clandestinamente. Nem pensei no perigo, apenas fui.
Minha chegada à Europa foi razoável. Eu falava alguns
idiomas, então não foi tão difícil a adaptação. Mesmo com pressões
e dificuldades, nada me segurava. Eu era capaz de qualquer coisa
por dinheiro.
Durante um ano e meio, quase não vivi. Meu tempo era
dedicado somente a ganhar dinheiro com meu corpo. Mesmo
vivendo relacionamentos amorosos aqui e ali, seguia louco por
dinheiro. Tornei-me escravo.

Ilusões
Vivi algumas paixões desenfreadas que, no fundo, nunca
aceitei – talvez pelo fato de ter tantas feridas abertas. Eu via nos
rapazes algum interesse por mim, mas sempre senti um pouco de
raiva de todos eles.
Em uma de minhas viagens de volta ao Brasil, conheci um
homem. Por ele, passei momentos desesperadores. Ele sempre
me humilhava e jogava na minha cara que eu era “homem”. Além
disso, ele não queria que eu me aproximasse novamente de minha
106 família. Eu aceitei.
Nesse meio tempo, em várias e várias noites, eu chorava e
chamava por Deus. Pedia que me livrasse.
Depois de dois meses vivendo um relacionamento
angustiante, convenci a mim mesmo que precisava mudar de sexo.
Mais uma loucura que fiz com meu corpo. Em busca de aceitação,
as loucuras não tinham fim.
Viajei para a Tailândia. Um pouco antes, passei por uma
experiência com Deus e recebi um grande livramento. Mesmo
assim, parti. Com 20 anos, fiz a cirurgia. Durante a operação,
sofri uma hemorragia e fiquei à beira da morte. Todos os meus
familiares estavam preocupados, e eu, com muito medo de morrer.
Lembrei mais uma vez de Deus. No dia seguinte ao
procedimento, ainda sangrando muito, lembro que ajoelhei e orei.
Pedi a Deus que não me deixasse morrer. O sangramento estancou
um dia depois. Deus me deu mais uma chance.
Naquele episódio, tive o privilégio de conhecer Robert, que
também havia operado e tido uma experiência com o Senhor. Ele
me falou de Jesus.

Perdas e uma tentativa de recomeçar


Depois do pós-operatório, voltei para a cidade em que
nasci, Natal, e passei aproximadamente três meses. Não aproveitei
meus familiares, pois o desespero pelo dinheiro não permitiu.
Embarquei outra vez para a Europa.
Aos 21 anos, menos de um mês depois de chegar lá, convidei
minha irmã para se prostituir. Devido ao meu exemplo, ela já
fazia o mesmo no Brasil. Ela aceitou continuar a vida em outro
continente. Eu a puxei para o mesmo precipício.
Em pouco tempo, recebi a notícia que minha avó estava
mal. Rapidamente já foi internada na Unidade de Terapia Intensiva
(UTI). Voltei para o Brasil às pressas. Só deu tempo de vê-la, e ela
partiu. Foi um choque. Apenas naquele dia percebi o valor que ela
tinha para mim. Mas já era tarde, ela havia partido. Hoje, procuro
amar mais e cuidar mais, pois nosso tempo é curto nesta Terra. 107
Mas não foi a única perda. Dois outros parentes, um tio e
um primo que eu amava muito, faleceram. Apesar de tanta dor,
foi também um momento de união para a família. Fiquei mais
próximo de meus tios e de minha mãe, com quem eu mal falava.
O custo de vida era mais alto no Brasil. Nem deu tempo de
desfrutar daquela aproximação com a família. Parti para São Paulo
(SP) e recomecei a saga por dinheiro. No processo, voltei às drogas.
O dinheiro dos programas já não era suficiente. Com
influência de alguns amigos, comecei a roubar, um percurso que
não rendeu bons resultados. Perdi tudo pagando advogados, mas
não foi suficiente – acabei preso.
Na cadeia, caiu a ficha. Dinheiro não compra liberdade. O
desespero de estar dentro de uma cela quase me levou ao suicídio.
Porém, mais uma vez, Deus me livrou.
Depois de um mês na prisão, fui liberado sob uma fiança de
R$ 10 mil. No dia seguinte, voltei a Natal e fui morar com minha
mãe. Achei que as coisas mudariam, mas voltei aos velhos hábitos
em apenas um mês.
Voltei a São Paulo para uma audiência, e minha irmã me
acompanhou. Saí de lá absolvido. Foi tamanha a felicidade, que
aproveitei para comemorar. Voltei às drogas e levei minha irmã
junto. Após 15 dias na capital paulista, voltamos para casa.
Pouco a pouco, perdi tudo o que tinha lutado tanto para
conseguir. Estava sem dinheiro e não tinha mais como me manter.
A pior perda, entretanto, aconteceu em 2014. Eu tinha
viajado para Belo Horizonte (MG), mas cheguei lá com uma
inquietação, não conseguia dormir, parecia que algo estava para
acontecer. Eu ia novamente propor que minha irmã fosse morar
comigo, mas recebi a notícia, por telefone, que ela havia morrido.
Fiquei pasmo, não estava entendendo nada. Por que tantas
perdas em menos de três anos? Quatro pessoas de minha família
partiram em um curto período de tempo. Minha reação foi
questionar a Deus. Por que Ele levou tanta gente? Por quê?
Na mesma hora em que questionei, lembrei de quem eu
mesmo tinha sido até aquele dia. Chorei. Pedi perdão. Com medo,
108 voltei para Natal.
Que luto terrível, quanta dor, especialmente para minha
mãe. Estávamos perdidos, sem forças e sem fé. Ficamos juntos por
uns dois meses em um de meus apartamentos, e minha mãe teve
início de depressão. Meu pai, sem vontade de viver. Eu era o único
que ainda estava lúcido.
Recebi visitas em casa de pessoas que falavam de Jesus para
toda a minha família. Sozinho, comecei a frequentar algumas
reuniões. Em uma delas, senti vontade de aceitar Jesus, decisão que
me trouxe muita alegria. Chegando em casa, contei para os meus
pais. Ninguém sabia o que eu estava por viver.
A sensação era de alegria. Mas, um dia depois, minha
mente martelava. Talvez algo estivesse faltando. Por ter ouvido
que meu estilo de vida não era compatível com os princípios
de Deus, iniciei a trilha oposta: desconstruir tudo que havia
construído. Acreditava que se eu voltasse a ser homem, Deus me
aceitaria. E os outros também.
Esse processo durou dois anos. Dois anos em busca de mim
mesmo, achando que seria possível, mas o tempo foi sufocante.
Também procurei respostas na igreja – passei a servir no templo
para, de alguma forma, ser igual aos outros irmãos.

o
n o s d e p reocupaçã
is a r
Foram do rior, tendo o interio
e
com o ext heio de feridas não
doente, c ão tive paz nem
o
tratadas. N caminhada. Mesm
nes s a um
descanso ando os cultos, em ou o
frequent o com Deus, cheg
ent
relacionam em que desisti.
dia
Disse ao Senhor: “Acho que não tem mais jeito. Eu não
aguento mais. É impossível. Eu não tenho mais forças. Acreditei, por
dois anos, que meus esforços me tornariam filho, que mudar minha 109
aparência salvaria”. Voltei atrás, às mesmas práticas.
Eu tinha vivido mais intensamente o evangelho, na mente e
no coração. Tive a alegria de ver minha mãe e minha irmã ao meu
lado, cultivando fé em Jesus. Também conheci pessoas incríveis
– uma delas foi a Lu, que esteve sempre ao meu lado, sempre me
ajudando. Mas não bastou. Cedi, mais uma vez, aos meus próprios
pensamentos mentirosos, aqueles lá da infância.

De volta ao engano, frente a frente com a morte


Voltei ao meu próprio vômito. Drogas, prostituição,
modificação da aparência. Agora contava com mais uma
luta: acusações terríveis, um vazio infinito, tristeza, um medo
imensurável de morrer.
Não respeitava meus limites, não conseguia parar de
fazer mal a mim mesmo. Foram nove meses de corrida, porque
acreditava que não teria mais muito tempo de vida.
Uma amiga me convidou para sair do Brasil. Mesmo
com muito medo, aceitei – a gana por dinheiro voltara imensa.
Até pensei em desistir quando ela me ligou avisando que havia
comprado a passagem, mas não consegui. Mais uma vez, fiz de
mim mesmo um escravo, um prisioneiro do dinheiro.
Poucos dias antes da viagem, que sairia do estado do Rio
de Janeiro, despedi-me de meus pais. Ficamos em um hotel no
Rio, minha amiga e eu, por dez dias. Em 25 de janeiro de 2018,
embarcaríamos para Londres. Naquele período de espera, fui
atormentado por milhares de pensamentos e vontade de desistir.
Fui a uma balada para despedir-me do Brasil. Não sabia,
mas naquele dia seria ferido para, então, ter meus olhos abertos.
A festa seria o dia inteiro, em um domingo. Peguei um táxi
e fui. Quando cheguei, achei o lugar estranho e não me senti bem.
Mesmo assim, procurei drogas para um pouco de diversão – o
estranho foi que meu corpo reagiu diferente, ainda que a pequenas
dosagens. Parecia que eu havia atingido um limite; até comentei
110 com uma colega.
De repente, fiquei são, como se o efeito tivesse cessado.
Olhei ao redor e não via apenas as pessoas, mas o que elas
sentiam por dentro – tristeza e dor. Perguntei à minha colega
se estava tudo bem, ela disse que sim. Voltei a perguntar, e ela
respondeu o mesmo.
Ouvi uma voz. “Vão levar você lá para cima, vão colocar a mão
na sua cabeça. Não deixe! O mal que lhe fizeram, Eu que vou tirar”.
Dito e feito. Cheguei ao outro piso, e aquelas pessoas
queriam colocar a mão sobre mim. Eu saí correndo!
Novamente, veio a voz: “Eu te escolhi. Seu nome é Luan
Pablo de Oliveira”. Por duas vezes, falou a mesma coisa. Então,
diante de mim, minha própria vida começou a passar como um
filme. Acusações em minha mente mostravam o quanto eu O havia
rejeitado e como Ele me amou, nunca deixou de amar. Só pude
lançar-me no chão, em arrependimento. Contudo sentia que Deus
não ouvia.
Fiquei naquele estado por duas horas ou mais. Pensando
que estava morto, fui levado ao hospital. Não reconhecia nada.
Mais algumas horas, e recebi a visita de minha amiga – só então
entendi que ainda estava vivo, que aquele estado não era de morte.
A experiência tinha sido Deus a mostrar-me o desespero, a dor, a
angústia e as acusações que acometem quem morre separado dEle.
Eu não podia continuar vivendo daquele jeito. Não queria
continuar distante de Deus. Eu queria voltar. Desisti de Londres e
viajei de volta à casa de meus pais.
Fui muito bem recebido, todos muito alegres com minha
chegada. Eu também – mesmo com medo, perdido e sem saber o
que fazer a partir dali. Fiquei dois meses sem sair casa.
Apesar de todos os conflitos, eu não me via mais como antes,
usando roupas femininas. Mas eu não sabia por onde começar
nem como fazer corretamente. Tive medo de não conseguir, fiquei
preocupado com a opinião das pessoas – a vergonha da queda
sempre vinha à mente. Ao invés de livre, fui aprisionado por medo.
Foi difícil, cheguei à beira da depressão; porém o Senhor me
livrou. Eu não estava sozinho. Deus não me abandonara.
111

Misericórdia e graça
Não passou muito tempo até que recebesse um convite
para uma festa, em uma casa de praia. De início não aceitei,
mas, por dentro, a tentação saltava – então cedi. Ao chegar lá,
comecei a sentir-me estranho. Aceitei usar drogas. Contudo algo
impulsionava meu coração a Deus, minha mente dizia que Ele
estava ali, guardando minha vida do pior. Fui tomado, de forma
inexplicável, pelo amor do Senhor. Não me sentia merecedor.
Naquele dia, de um jeito improvável, minha decisão por
Cristo foi sedimentada, ganhou uma firmeza diferente. Com aquele
toque de amor do Pai, decidi aceitar minha identidade de filho de
Deus. Recebi vida por meio de Sua graça, voltei aos braços dAquele
que me criou, rendi minha vida ao único Salvador.
Passei a andar de cabeça erguida, sem medo. Não preciso
mais de aceitação nem provar nada a ninguém. Ele me chamou, Ele
me aceitou – isso basta. Morreu Luana, e renasceu o novo Luan,
filho amado.
Sou outra pessoa. Ele me deu liberdade, descanso para a
minha alma. Ganhei minha família de volta, unida. Voltei a sonhar.
Deus me deu uma profissão, um emprego em que não preciso
vender a mim mesmo. De quebra, conheci pessoas incríveis. O
próprio Senhor tem demonstrado Seu amor por mim por meio de
pessoas que me amam – como nunca fui amado.
Não é só isso. Aliás, é infinitamente mais que isso.
Seu sacrifício me deu vida eterna, uma vida que preenche
completamente o vazio – aquele vazio que tentei encher com tudo,
menos com o que realmente satisfaz. Pouco a pouco, as feridas
estão sendo tratadas, de dentro para fora.
Toda aquela insatisfação, toda aquela loucura, não vivo mais.
Não preciso mais. Ele é suficiente. Não preciso mais me esconder
atrás de uma imagem, porque o Senhor é o meu refúgio. A razão
de estar aqui, vivo e regenerado, é a graça. Esse é o nosso grande
presente, que impulsiona a viver por meio da fé.
112 Mesmo quando caí, Ele não saiu de lá. Ele continuou me
olhando como homem, quando eu não sabia interpretar o que via
no espelho. Ele intercedia por mim, quando eu não sabia como
orar. Ele mandava pessoas, quando eu precisava de socorro. Ele
estava lá por mim até quando eu não estava nem aí para Ele.
Ele não me condenou ao que eu merecia – isso é
misericórdia. Ele me devolveu e deu muito mais do que eu mereço
– isso é graça.
Apesar de ter falhado algumas vezes, entendi o caminho
para ser aquilo que Ele me criou para ser: preciso parecer com
Cristo. Ele é o meu modelo, mais ninguém. Preciso olhar para
Ele, todos os dias, até o fim – isso não apenas trará forças para
prosseguir, mas é simplesmente tudo que eu preciso. Tudo.

...logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse
viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que
me amou e a si mesmo se entregou por mim.
Gálatas 2.20

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