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Curso “Discipulado de Paulo” : 1ª

Timóteo - Cap 02
Prof Julio Ribeiro

Admoesto-te, pois, antes de tudo, que se façam deprecações, orações, intercessões, e


ações de graças, por todos os homens;
Pelos reis, e por todos os que estão em eminência, para que tenhamos uma vida quieta e
sossegada, em toda a piedade e honestidade;
Porque isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador,
Que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade.
Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem.
O qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos, para servir de testemunho a
seu tempo.
Para o que (digo a verdade em Cristo, não minto) fui constituído pregador, e apóstolo, e
doutor dos gentios na fé e na verdade.

1 Timóteo 2:1-7

Entramos agora no segundo capítulo desta primeira carta onde o apóstolo Paulo vai falar
sobre alguns assuntos super importantes. Entre eles, eu destacaria a posição de Cristo
como Mediador entre Deus e os homens, e também um texto que é muito difícil de ser
compreendido, a saber, o versículo 4. este versículo específico diz que “Deus deseja que
todos os homens sejam salvos”. Entretanto, precisamos definir exatamente o que
significa a palavra “todos” usada aqui pelo Apóstolo.

Paulo começa dizendo que antes de tudo, a prática de súplicas devia ser usada. As
palavras gregas “próton panton”, que significam antes de tudo, indicam a primazia de
importância, e não de tempo. Concordo com o Pastor Hernandes Dias Lopes quando ele diz
que a oração não é um apêndice no culto, mas parte vital do ofício religioso. Se olharmos
para os nossos cultos e para as nossas reuniões de adoração, perceberemos que este
princípio poderia se tornar mais realidade em grande parte das igrejas. Deus certamente
estabeleceu diversas maneiras de se comunicar com o homem, mas para que o homem
possa falar com Deus só existe um modo, que é através da oração. A oração deve ter a
primazia, baseada sempre na Palavra, feita através do Espírito.

Podemos finalizar esta primeira parte realçando os propósitos da oração. Segundo o


apóstolo Paulo, dois propósitos se destacavam. Primeiramente, para que os cristãos
tivessem uma vida tranquila e mansa. Vale lembrar que durante o primeiro século a Igreja
de Jesus, ou simplesmente “O Caminho”, era perseguida por diversos grupos políticos e
religiosos. Orar por uma vida tranquila era um motivo digno e que fazia muito sentido para
todos os crentes daquela época. O segundo motivo seria para que os cristãos vivessem
com toda piedade e respeito. Paulo está falando de uma atitude respeitosa mediante o
próximo e também mediante a Deus. Uma vida piedosa e respeitosa era, resumidamente,
uma vida que glorificava o nome de Deus e que era agradável ao Senhor .

Depois desta introdução entramos na parte mais polêmica desta apostila. O verso quarto 4
diz que Deus deseja que todos os homens sejam salvos. Precisamos analisar esta
afirmação com calma porque ela não está errada, e Paulo não está se contradizendo
mediante outros textos em que ele deixa claro que nem todos serão salvos ponto-e-vírgula
alguns serão destinados ao inferno. Como é possível então entender um Deus que deseja
que todos sejam salvos, mesmo sabendo que nem todos serão salvos? Será que Deus
está desejando uma utopia, uma ilusão?

Se você entender a próxima frase, vai compreender o que esse versículo quer dizer:

“O texto não se refere a todos os homens sem exceção; e sim a todos os homens sem
acepção”.

O pensamento de que Deus deseja que todos os homens sem exceção sejam salvos é
incoerente pelo simples fato de o próprio Deus saber que nem todos os homens serão
salvos. Mesmo que não seja o meu propósito aqui hoje defender a posição teológica A ou
B, se nós tomarmos por base os pressupostos calvinistas (que consideram a eleição divina
como sendo Incondicional ou seja, Deus soberanamente já decidiu aqueles que serão
salvos ou não) fica ainda mais claro de perceber como é absurdo considerar o versículo 4
de 1ª Timóteo capítulo 2 como sendo “todos os homens sem exceção”.

Só é possível entender este texto da maneira correta se considerarmos todos os homens


como sendo todos os homens sem acepção. Deus deseja que homens de todos os
povos, etnias, tribos, nações, etc cheguem ao pleno conhecimento da verdade e sejam
salvos. A salvação não tem qualquer tipo de limite geográfico, étnico, idiomático, etc. Deus
deseja salvar homens de todos os tipos, e Ele de fato fará isso.

Nas páginas do novo testamento vemos de maneira clara como Deus encarregou homens e
mulheres para levar a sua mensagem além dos muros de Israel. Já no antigo testamento
alguns personagens apontavam para o fato de que o leque da salvação seria aberto aos
gentios (como por exemplo Jonas pregando aos habitantes da cidade de Nínive, ou Rute, a
moabita que se casou com Boaz e passou a fazer parte do povo de Israel, e também
Raabe, a prostituta de Jericó que firmou uma aliança com os espias de Josué e faz parte da
genealogia de Jesus).

Eu já me meti em algumas discussões teológicas acerca da salvação com pessoas que


usavam este texto para negar a ideia da eleição incondicional. Estas pessoas diziam que,
se Deus deseja que todos sejam salvos, então seria impossível que ele já tivesse escolhido
aqueles que seriam condenados. De fato, se fosse assim, essa lógica estaria certa. Como é
que Deus desejaria uma coisa, e então usaria de sua soberania justamente para ir contra
este desejo? Não faz o menor sentido.
Mas todo este problema é causado por que tais pessoas interpretam esta passagem como
sendo “todos os homens sem exceção”. Na verdade esta interpretação específica não faz o
menor sentido.

A salvação não pode ser entendida como um programa de “aprovação automática”, no qual,
baseado no desejo de Deus de que “todos” sejam salvos, podemos ter a garantia de que
não existirá nenhum condenado. Na verdade, se fosse assim, qual a necessidade de um
Salvador? Se não existisse condenação, se não existisse inferno, e se não existissem
aqueles que serão enviados para lá, qual é a necessidade da redenção, da justificação e da
regeneração?

Assim sendo, acredito que os argumentos apresentados são suficientes para dar fim ao
assunto e esclarecer de uma vez por todas aquilo que Paulo quis dizer quando escreveu
para Timóteo dizendo dizendo que a vontade de Deus é que todos os homens sejam salvos.
Sim, todos os homens, de todas as tribos, povos e nações. Judeus e gentios juntos,
fazendo parte da noiva de Cristo.

O apóstolo Paulo também identifica Jesus Cristo como sendo o único mediador entre Deus
e os homens. Interessante observar que, neste texto, Jesus é retratado por Paulo como
sendo “o homem”. Existem diversas aplicações teológicas, cristológicas e antropológicas
nesta breve frase escrita pelo apóstolo. Para explicar de modo mais organizado, vou colocar
alguns tópicos abaixo:

1. Jesus é 100% homem e 100% Deus, e isso permanece mesmo depois de sua
ressurreição e glorificação. A diferença mais importante é que, agora, seu corpo é
um corpo glorificado.
2. O ofício de mediação de Cristo está diretamente relacionado com sua natureza
humana. Por ser um homem, e entender perfeitamente como é a vida humana, Ele
pode interceder junto ao Pai em favor dos seus eleitos.
3. Hoje, neste exato momento, já temos um homem nos céus, a saber, Jesus Cristo.
4. Costuma-se falar muito sobre os “três” ofícios de Cristo: rei, sacerdote e profeta.
Seria bom se falássemos mais dos quatro ofícios, adicionando a posição de
Mediador.

Quero, pois, que os homens orem em todo o lugar, levantando mãos santas, sem ira nem
contenda.
Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em traje honesto, com pudor e modéstia,
não com tranças, ou com ouro, ou pérolas, ou vestidos preciosos,
Mas (como convém a mulheres que fazem profissão servir a Deus) com boas obras.
A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição.
Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que
esteja em silêncio.
Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva.
E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão.
Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, no amor e na
santificação.

1 Timóteo 2:8-15
Paulo agora começa a instruir Timóteo sobre o procedimento correto que os crentes
deveriam ter nos cultos públicos. Este texto é considerado complicado porque Paulo leva
em consideração alguns fatores sociais e culturais da cidade de Éfeso durante o primeiro
século. Infelizmente muitos crentes tentam ler esta passagem com a mentalidade do século
21 no Ocidente. Se nós tentarmos seguir esse caminho não teremos outro resultado senão
uma tragédia em termos de interpretação das escrituras. Para entender corretamente o
texto, primeiro precisamos mergulhar no contexto, e é isto que nós vamos fazer a partir de
agora.

Os primeiros conselhos são direcionados aos homens, que são chamados de “varões”.
Paulo começa dizendo que estes deveriam orar em todo lugar, levantando mãos santas. Ao
dizer isto, alguns ensinamentos sobre oração ficam claros. O primeiro ensinamento é que a
oração não é um exercício geograficamente limitado, ou seja, que só deve ser feito, ou que
só tem poder, ou que só se torna eficaz em lugares específicos. Podemos e devemos orar
em todos os lugares.

Paulo também destaca o fato de que durante a oração os homens deveriam “levantar mãos
santas”. O apóstolo não está dizendo que a oração só funciona se nós levantarmos as
mãos, ou então que a maneira correta de orar é com as mãos levantadas. A grande questão
não é o gesto, mas a vida. Não é a postura do corpo, mas sim a atitude da alma. Mãos
levantadas, dentro do contexto desta passagem, querem dizer uma vida santa e grata a
Deus. Uma performance externa que não é acompanhada de piedade interior não vale de
nada para o cristão, e nem torna sua oração mais eficaz. Pelo contrário, isso caracteriza
uma atitude hipócrita, que é altamente e amplamente condenada em diversos textos
sagrados.

Agora o texto entra em sua fase mais crítica. Para dar mais tempo à parte que considero ser
mais complicada, vou contar com o estudo dirigido e individual de cada aluno sobre as
questões relacionadas aos adornos das mulheres em contraste com as boas obras (versos
9 e 10), e entrar nos versos onde Paulo expressa determinadas proibições para as cristãs
de Éfeso. A maior complicação está relacionada com o modo incisivo que Paulo escreve.
Ele diz no verso 11 que a mulher deve aprender em silêncio, com toda submissão. Depois
disso no verso 12 ele proíbe a mulher de ensinar ou exercer autoridade de homem. E então
termina recomendando que a mulher esteja em silêncio.

O leitor desavisado da Bíblia pode olhar para este texto e pensar coisas como: a Bíblia está
sendo machista? Paulo tinha um motivo digno para fazer isso? Devemos então aplicar este
texto friamente para os dias de hoje? Pretendo agora me debruçar sobre todas estas
questões.

Antes de tudo precisamos dizer que este texto também foi explicado nas aulas da Imersão
Pregai Mulheres, que estão disponíveis aqui dentro do College para todos os nossos
alunos.

Voltando a regra mais básica de interpretação, para entender um texto primeiro precisamos
entender o contexto. Paulo está escrevendo para Timóteo, que é pastor na cidade de Éfeso.
A cidade é idólatra, e toda adoração gira em torno da deusa Diana. A economia e os
negócios da sociedade se concentram no porto e no templo desta deusa. Dentro do templo,
adoração é liderada por mulheres que são sacerdotisas de Diana. O culto à Diana é
composto por orgias promovidas por essas sacerdotisas. São estas mulheres que ensinam
e doutrinam os adoradores de Diana. Os homens que trabalham nos serviços religiosos do
templo são basicamente eunucos. A sociedade de Éfeso está contaminada por este modelo
de adoração promíscuo, liderado pelas sacerdotisas de Diana.

Dentro deste contexto específico, sabendo que as mulheres de Éfeso já estão acostumadas
com este modelo de liderança que elas vêem nas sacerdotisas, e já considerando que
algumas destas sacerdotisas poderiam se converter ao evangelho, Paulo então faz estas
afirmações tão duras e difíceis de serem compreendidas. Precisamos reforçar a ideia de
que este texto se aplica ao contexto imediato de Éfeso, e não deve ser levado como regra
geral para todos os territórios, séculos e povos. Esta é uma recomendação pontual do
apóstolo tendo em vista uma sociedade específica que, por sua vez, tem os seus valores e
traços característicos.

Quando pensamos desta maneira, a dificuldade de entender o texto desaparece. A bíblia é


repleta de outros exemplos de mulheres que exercem a liderança, que são responsáveis
pelo ensino, e que são mencionadas distintamente até entre os apóstolos (os alunos podem
procurar saber a respeito de Lídia, Priscila Febe e Junia). Não haveria princípio universal ou
regra geral que justificasse uma doutrinação como esta. Trata-se apenas de uma ação
pontual.

Gostaria de enriquecer este ponto com as palavras de John Stott que afirma que a melhor
forma de tratar os versículos 8 a 15 é aplicar o princípio da transposição cultural. Nos dois
primeiros casos relacionados às orações dos homens e aos adornos femininos não é difícil.
Sempre e em qualquer lugar os homens devem orar em santidade e amor. Mas sua postura
corporal ao fazerem isso pode variar de acordo com a cultura. Sempre em qualquer lugar as
mulheres devem adornar-se com modéstia, decência, propriedade e boas obras; mas suas
vestes, seu estilo de penteado e seus adornos podem variar de acordo com a cultura .

Assim como a transposição cultural foi usada nos dois primeiros casos, deve ser usada
também no terceiro.

O comportamento da mulher no culto público deve caracterizar-se por uma postura de


silêncio e não de ensino; de sujeição, e não de autoridade. A recomendação, portanto, de
John Stott é que o requisito do silêncio assim como o uso do véu na primeira carta de Paulo
aos Coríntios eram símbolos culturais do primeiro século que expressavam a liderança
masculina, o que não é necessariamente apropriado nos dias de hoje. Isso porque o
silêncio não é um ingrediente essencial da submissão; a sujeição manifesta-se de diferentes
modos em diferentes culturas. Semelhantemente, o fato de uma mulher ensinar homens
não significa necessariamente que ela tenha autoridade sobre eles. O ensino pode ser dado
sobre diversos estilos, com significados diferentes. Assim, a profecia pública feita por
mulher não era considerada um exercício indevido de autoridade sobre os homens,
presumivelmente por realizar-se sobre a direta inspiração e autoridade de Deus.

Paulo finalizar então o seu argumento, ainda deixando bem claro seu desejo de fazer uma
distinção entre o estilo de vida das sacerdotisas de Diana e o modelo de relacionamento
familiar que agrada a Deus, o versículo 15 diz que a mulher será salva através de sua
missão de mãe, se ela permanecer em fé, amor e santificação.

O primeiro ponto a ser esclarecido é o uso da palavra “salva”. Sabemos que as obras não
salvam, e a leitura deste texto pode nos levar a entender que através do ofício de mãe a
mulher alcançaria a salvação. Não é exatamente isso que o texto quer dizer, e a palavra
“salva” pode não ser a melhor tradução para o termo original. Talvez seria melhor se as
bíblias trouxessem palavras como “prosperar” ou “preservar”.

Eu não preciso nem dizer que as mulheres que participavam do culto a Diana tinham um
olhar super negativo no que diz respeito ao papel de mãe e dona de casa. Para elas, estas
funções eram totalmente desprezíveis, e elas faziam de tudo para evitá-las. Não tinham
interesse na maternidade, e nem em uma vida relacionada aos cuidados do lar. Paulo então
faz este contraste, motivado inclusive por seu pano de fundo judaico cujos textos sempre
exaltaram a mulher por suas virtudes dentro e fora do lar, e por sua aptidão tanto aos
negócios quanto ao ofício da maternidade (ver Provérbios 31) para tentar derrubar esta
mentalidade das mulheres de Éfeso e então estabelecer as bases para uma sociedade
cristã, conforme ensina a palavra de Deus.

O segundo ponto é que este é um curso relacionado a liderança, então que grande lição
podemos extrair desta estratégia paulina em relação às mulheres de Éfeso? É que o líder
deve sempre estar atento ao contexto no qual está inserido, e não se omitir nos
momentos em que ele precisar se impor. Por mais dura e incisiva que tenha sido a ordem
de Paulo, ela era necessária para que o espírito vigente nas mulheres de Éfeso não
penetrasse na recém-nascida Igreja de Cristo naquela cidade, e corrompesse os valores
familiares / conjugais desde cedo.

O líder não pode ser um coronel que governa por meio do cabresto, mas ele precisa saber a
hora certa de se posicionar de maneira mais inflexível, pois em alguns momentos isto será
necessário. Naqueles episódios em que valores inegociáveis ou princípios gerais estiverem
em jogo, o líder tem a obrigação moral e espiritual de defendê-los.

Lições Práticas:

1. A oração deve ser encarada como parte fundamental das reuniões de adoração, e
não como um simples detalhe.
2. Deus deseja que todos os homens sem acepção sejam salvos, e não todos os
homens sem exceção.
3. Só existe um mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, o homem.
4. Toda outra tentativa de mediação deve ser rejeitada - seja ela feita por anjos, por
Maria ou por quem quer que seja.
5. Jesus Cristo continua sendo homem até os dias de hoje.
6. O culto público precisa de ordem - de uma liturgia a ser seguida, para não virar uma
bagunça.
7. Os gestos externos da oração não são tão importantes quanto à disposição interna
do adorador. Uma oração bem gesticulada porém sem piedade e o temor do lado de
dentro se tornam uma hipocrisia vazia diante do Deus que sonda todos os corações.
8. Usar o texto de Primeira Timóteo Capítulo 2 para defender que a mulher não deve,
em nenhuma situação, falar durante os cultos ou ensinar a palavra de Deus indica
uma falha no processo de interpretação da escritura, ou até má vontade por parte do
intérprete. O texto está tratando de uma situação pontual e não pode ser encarado
como princípio universal. É preciso fazer uso da transposição cultural, pois caso
contrário começaremos a estabelecer regras pontuais como sendo regras gerais.

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