Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
no Evangelho
de João
J.C.RYLE
EDITORA FIEL da
MISSÃO EVANGÉLICA LITERÁRIA
MEDITAÇÕES NO EVANGELHO
DE JOÃO
EDITORA FIEL da
Missão Evangélica Literária
Caixa Postal 81
12201-970 - São José dos Campos, SP
Prefácio
Os Publicadores
Cristo, o Eterno, Distinto da Pessoa do Pai, o
Próprio Deus, o Criador de Todas as Coisas,
a Fonte de Toda Luz e Vida
Leia João 1.1-5
fonte de luz e vida. Sobre João Batista ele diz simplesmente: “Houve um
homem enviado por Deus cujo nome era João” .
Primeiro, vemos nesses versículos a verdadeira natureza do ofício
de ministro de Cristo. Podemos observá-la na descrição de João Batista:
“Este veio como testemunha para que testificasse a respeito da luz, a fim
de todos virem a crer por intermédio dele”.
Os ministros de Cristo não são sacerdotes nem mediadores entre
Deus e o homem. Não são agentes em cujas mãos o homem pode entregar
sua alma e deixar sua vida espiritual aos seus cuidados. Eles são testemunhas.
Existem para dar testemunho da verdade de Deus, especialmente da verdade
de que Cristo é o único salvador e a luz do mundo. Foi este o ministério do
apóstolo Pedro, no dia de Pentecostes: “Com muitas outras palavras deu
testemunho” (At 2.40). A isto se resumia também o ministério de Paulo:
“Testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com
Deus e a fé em nosso Senhor Jesus” (At 20.21). O ministro cristão não
será fiel ao seu ofício, a menos que dê um testemunho completo acerca de
Cristo. E, se realmente testifica de Cristo, estará fazendo sua parte e receberá
seu galardão, mesmo que seus ouvintes descreiam seu testemunho. Até
que seus ouvintes creiam no Cristo que lhes está sendo pregado, nenhum
benefício receberão daquilo que lhes está sendo ministrado. Poderão até
mesmo sentirem-se satisfeitos e interessados, mas, enquanto não crerem,
não serão beneficiados. A grande finalidade do testemunho de um ministro
é que, através dele, os homens venham a crer (Jo 1.7).
Segundo, vemos nesses versículos a principal posição ocupada pelo
Senhor Jesus Cristo em relação à humanidade. Notamos isto ao ler que
Ele é “a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem”.
Cristo é para as almas o que o sol é para o mundo. Ele é o centro e a
fonte de toda vida, saúde, crescimento, beleza, ardor e progresso espiritual.
Assim como o sol, Ele brilha para o benefício de toda a humanidade o —
rico e o pobre, o de alta e o de baixa posição, para o judeu e para o grego.
Assim como o sol, Ele está ao acesso de todos. Todos podem olhar para
Ele e sorver da saúde que procede de sua luz. Se milhões de pessoas
fossem insanas ao ponto de habitar em cavernas subterrâneas ou se
vendassem os próprios olhos, a escuridão seria a de sua própria culpa e
não a da ausência do sol. Da mesma maneira, se milhões de homens e mu¬
lheres amam “mais as trevas do que a luz” , a culpa recai sobre seus corações
obscurecidos, e não sobre Cristo. Estes se “tomaram nulos em seus próprios
raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato” (Rm 1.21). Quero
homem veja, quer não, Cristo é o verdadeiro sol e a luz do mundo. Não há
outra luz para os pecadores, a não ser o Senhor Jesus Cristo.
Terceiro, vemos nesses versículos a grande impiedade do coração
natural do homem. Nós o notamos nestas palavras: Cristo “estava no mundo,
João 1.6-13 9
o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu. Veio
para o que era seu, e os seus não o receberam”.
Cristo estava de forma invisível no mundo, muito antes de nascer da
virgem Maria. Ele estava, desde o princípio, reinando, dispondo e
governando toda a criação. Através dele, tudo veio a subsistir (Cl 1.17). A
todos Ele concedeu vida e respiração, a chuva do céu e as colheitas
abundantes. Por Ele reinaram os reis, e as nações foram exaltadas ou
humilhadas. Contudo, os homens não O conheceram e não O honraram.
Pois adoraram e serviram “a criatura, em lugar do Criador” (Rm 1.25).
Com razão o coração natural do homem é chamado de “corrupto”!
Cristo veio visivelmente ao mundo quando nasceu em Belém, mas
foi tratado com a mesma indiferença. Veio para o povo que Ele mesmo
havia tirado do Egito e comprado para si. Veio para os judeus, a quem
havia separado dentre as nações e revelado a si mesmo, através dos profetas.
Veio para aqueles judeus que liam a seu respeito no Antigo Testamento,
viam-No através de símbolos e figuras nos cultos realizados no templo e
professavam estar aguardando sua vinda. Todavia, quando Ele veio, estes
mesmos judeus não O receberam. Na verdade, eles O rejeitaram,
desprezaram e O mataram. Com razão o coração natural é chamado de
“desesperadamente corrupto” (Jr 17.9).
Por último, vemos nesses versículos os muitos privilégios de todos os
que recebem a Cristo e nEle crêem. Lemos que “a todos quantos o
receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos
que crêem no seu nome”.
Cristo jamais deixará de ter servos. Se a grande maioria dos judeus
não o recebeu como o Messias, houve pelo menos alguns que não o
rejeitaram. A estes Ele deu o privilégio de serem filhos de Deus e os
adotou como membros da família do Pai. Reconheceu-os como seus irmãos
e irmãs, ossos de seus ossos e carne de sua carne. Conferiu-lhes um estado
digno, que foi uma ampla recompensa pela cruz que teriam de carregar
por amor a Ele. Tornou-os filhos e filhas do Senhor todo-poderoso.
Tais privilégios, devemos lembrar, são possessões de todos os que,
em todos os tempos, pela fé recebem a Cristo como Salvador e o seguem.
Estes são “filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus” (G1 3.26). São
nascidos de novo, mediante um novo e celestial nascimento, e adotados na
família do Rei dos reis. Poucos em número e desprezados pelo mundo, são
cuidados e amados pelo Pai celeste, com infinito amor. E, por causa de seu
Filho, o Pai se compraz neles. No tempo certo lhes providencia as coisas
que cooperam para o seu bem. E na eternidade lhes dará a coroa de glória,
que jamais fenece. Estas coisas são grandiosas! A fé em Cristo é que
concede ao homem o direito de desfrutá-las todas. Os bons senhores cuidam
de seus servos, assim também Cristo cuida dos seus.
10 João 1.6-13
humana — —
virgem; de modo que duas naturezas perfeitas e completas a divina e a
uniram-se indivisivelmente em uma pessoa: Jesus Cristo,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem”. Esta declaração é de grande valor;
é uma “linguagem sadia e irrepreensível” (Tt 2.8).
Não temos a pretensão de explicar a união das duas naturezas de nos¬
so Senhor Jesus Cristo, mas nem por isso deixamos de delinear alguns
cuidados específicos sobre o assunto. Se, por um lado, expomos com
precisão aquilo que cremos, por outro lado, não podemos deixar de declarar
com ousadia o que não cremos. Não devemos esquecer que, embora nosso
Senhor fosse Deus e homem ao mesmo tempo, a natureza divina e a humana
nunca se confundiam. Uma natureza não sufocava a outra; as duas
permaneciam perfeitas e distintas uma da outra. Nem por um só momento
a divindade de Cristo foi posta de lado, embora às vezes ficasse encoberta.
A natureza humana de Cristo, durante toda a sua vida, nem por um momento
foi diferente da nossa, ainda que fosse grandemente honrada por causa da
união com a natureza divina. Embora seja perfeitamente Deus, Cristo é
perfeitamente homem, desde o primeiro momento de sua encarnação. Aquele
que subiu ao céu e está assentado à direita de Deus, para interceder pelos
pecadores, é homem e, ao mesmo tempo, Deus. Apesar de ser perfeitamente
homem, Ele nunca deixou de ser perfeitamente Deus. Aquele que sofreu
na cruz pelo pecado, e se fez pecado por nós, era o Deus “manifestado na
carne” (1 Tm 3.16). O sangue com o qual a igreja foi comprada é chamado
o sangue “de Deus” (At 20.28). Embora Ele tenha se tomado “came”, em
um sentido mais amplo, quando nasceu da virgem Maria, por nenhum
momento deixou de ser o Verbo eterno. Seria obviamente contrário aos
fatos dizer que, durante seu ministério terreno, Cristo manifestou cons¬
tantemente sua natureza divina. Tentar explicar o por quê de sua divindade
estar às vezes encoberta e outras vezes não, enquanto Ele viveu aqui, seria
aventurar-nos em um terreno que não nos convém. No entanto, afirmar
que em qualquer instante de sua vida Ele deixou de ser plena e com¬
pletamente Deus seria nada menos que dizer uma heresia.
As admoestações dadas até aqui podem parecer, à primeira vista,
desnecessárias, enfadonhas e excessivamente minuciosas. Mas é pre¬
cisamente por negligenciar essas advertências que muitas almas têm sido
levadas à ruína. A união indivisível e constante das duas naturezas da pes¬
soa de Cristo é exatamente o que atribui infinito valor à sua mediação e
que também O qualifica a ser o Mediador que os pecadores carecem. Nosso
Mediador é alguém que pode identificar-se conosco, porque é perfeitamente
homem. E, ao mesmo tempo, pode interceder por nós, junto ao Pai, em
um relacionamento de igualdade, porque é perfeitamente Deus. Essa é a
João 14.1-3 183
levou-a a encontrar paz para sua consciência e perdão para seus pecados.
Naquele momento, estava contemplando Lázaro vivo e saudável, ao lado
de seu Senhor
— seu próprio irmão Lázaro, que Jesus ressuscitara e trouxera
de volta ao convívio delas. Sendo tão amada, Maria concluiu que não seria
capaz de retribuir tanto amor. De graça recebeu, por isso de graça ela ofe¬
receu o bálsamo ao Senhor.
Mas havia algumas pessoas ali que acharam falta na atitude de Maria
e culparam-na de desperdício e extravagância. Em especial um dos apóstolos,
de quem deveríamos esperar coisas melhores, declarou que aquele bálsamo
teria sido melhor utilizado se o houvessem vendido e o dinheiro, dado
“aos pobres” . O coração que concebeu tais pensamentos devia ter opiniões
superficiais sobre a dignidade de Cristo e pontos de vista insignificantes a
respeito de nossos deveres. Coração insensível e mãos avarentas andam
sempre juntos.
Há muitos cristãos professos que possuem espírito semelhante em
nossos dias. Milhares de pessoas batizadas não podem entender qualquer
tipo de zelo em favor da honra do Senhor Jesus Cristo. Aconselhe-os a
gastarem seu dinheiro no desenvolvimento do comércio e investirem no
progresso da ciência, e eles aprovarão este conselho, reputando-o correto
e sábio. Conte-lhes sobre qualquer despesa realizada na pregação do
evangelho, em nosso país ou no exterior, a fim de propagar a Palavra de
Deus e o conhecimento de Cristo na terra, e eles dirão francamente que
consideram isso um desperdício. Eles jamais darão um centavo sequer
para tais empreendimentos e reputarão como tolos aqueles que o fazem. E,
o pior de tudo, com frequência tais pessoas encobrem sua própria recusa
em ajudar objetivos verdadeiramente cristãos por meio de uma pretensa
preocupação com os pobres. Por isso, acham conveniente esquecer este
notável fato: os que fazem mais pela causa de Cristo são os mesmos que
fazem mais em favor dos pobres.
Jamais permitamos que pessoas de tal caráter nos afastem da
perseverança na prática do bem. Se um homem não possui qualquer
sentimento de dívida para com Cristo, em vão esperamos que esse homem
faça muito por Ele. Precisamos ter compaixão da cegueira de nossos
impiedosos críticos e continuar trabalhando. Aquele que pleiteou a causa
de Maria, dizendo: “Deixai-a”, está assentado à direita de Deus e possui
um livro de recordações. Virá o dia quando o mundo espantado verá que
cada copo de água oferecido em nome de Cristo, bem como aquele precioso
unguento, foi registrado no céu e terá suas recompensas. Naquele grande
dia, os que pensavam que alguém pode dar coisas em excesso a Cristo
reconhecerão que seria melhor não haver nascido.
Por último, nessa passagem vemos a profunda dureza e incredulidade
que existe no coração do ser humano. A incredulidade se manifestou nos
16 João 1.19-28
a sua vinda, como Aquele que há de redimir nosso corpo e nossa alma.
Acima de tudo, prezemo-Lo como o que foi sacrificado por nós e
descansemos todo o nosso fardo em sua morte, oferecida como expiação
pelo pepado. Que o seu sangue seja mais precioso para nós, cada dia que
vivermos! Em todas as coisas que nos gloriamos a respeito de Cristo,
gloriemo-nos, acima de tudo, em sua cruz. Esta é a pedra angular, este é o
lugar seguro, este é o fundamento da verdadeira teologia cristã. Não
estaremos certos de qualquer coisa acerca de Cristo, até que O vejamos
pela perspectiva de João Batista e nos regozijemos nEle como o “Cordeiro
que foi morto”.
Segundo, notemos nessa passagem a obra peculiar que Cristo realiza,
na descrição de João Batista. João diz que Cristo “tira o pecado do mundo” .
Cristo é o Salvador. Ele não veio ao mundo para ser um conquistador, um
filósofo ou um mero professor de moralidade. Veio para salvar pecadores.
Veio para fazer o que o homem jamais poderia fazer por si mesmo; para
conceder o que o dinheiro e a cultura jamais poderiam obter; para realizar
o que é essencial à felicidade do homem; enfim, veio para “tirar o pecado” .
Cristo é um salvador completo. Ele “tira o pecado” . Não fez apenas
uma vaga proclamação de perdão e misericórdia. Ele levou sobre si os
nossos pecados e os afastou de nós. Consentiu em tomar e carregar “ele
mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados” (1 Pe 2.24).
Os pecados de todo aquele que crê em Jesus tornam-se como se nunca
tivessem sido cometidos. O Cordeiro de Deus os removeu completamente.
Cristo é um Salvador poderoso, um Salvador para toda a humanidade.
Ele “tira o pecado do mundo”; não morreu apenas para os judeus, mas
também para os gentios; não sofreu somente por algumas pessoas, mas por
toda a raça humana. O pagamento que efetuou na cruz é mais que suficiente
para saldar os débitos de todos. O sangue que derramou foi precioso o
suficiente para lavar os pecados de todos. A expiação feita na cruz foi
suficiente para toda a humanidade, embora seja eficaz apenas para os que
crêem. O pecado que Ele tomou e carregou, sobre a cruz, era o pecado do
mundo todo.
Cristo é um Salvador perpétuo e incansável. Ele “tira” o pecado
daqueles que nEle crêem. A cada dia purifica, limpa e lava as almas de seu
povo; a cada dia concede e renova sobre eles a sua misericórdia. Não
cessou de trabalhar por seus santos, quando morreu por eles na cruz. Ele
vive no céu como um sacerdote, apresentando continuamente o seu sacrifício
perante Deus. Cristo ainda trabalha ao dispensar a sua graça e providência
ao seu povo. Ele tira continuamente o pecado.
Estas verdades são realmente preciosas. Se todos os que as conhecem
aplicassem-nas em suas vidas, a igreja de Cristo seria sobremodo abençoada!
A própria familiaridade que temos com textos como esses é um dos maiores
João 1.29-34 19
— —
convertidos e salvos. É por exaltar a Cristo não a igreja, as ordenanças
ou o ministério que os corações têm sido movidos e se voltado para
Deus. Aos olhos do mundo esse testemunho pode parecer uma fraqueza e
uma grande tolice. Mas, assim como as trombetas cujo som fez ruir os
muros de Jericó, esse testemunho é poderoso para derrubar fortalezas. Em
todos os séculos, a história do Cordeiro de Deus, o qual foi crucificado,
tem provado ser o poder de Deus para a salvação. Os que mais têm feito
pela causa de Cristo, em toda parte do mundo, são os homens semelhantes
a João Batista. Estes não têm clamado: “Eis-me aqui!”, “Eis a igreja!”,
ou: “Eis as ordenanças!”. Antes, o seu clamor tem sido: “Eis o Cordeiro!”
Se almas devem ser salvas, então os homens devem ser guiados diretamente
a Cristo.
Contudo, há algo que nunca deve ser esquecido: é necessário haver
uma paciente constância na pregação e no ensino da verdade, se queremos
ver o bem sendo realizado. Cristo deve ser apresentado continuamente
como o “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. A história da
graça divina deve ser contada repetidamente, linha após linha, preceito
após preceito. É o gotejar contínuo que desgasta a pedra. Jamais falhará a
promessa de Deus: “Assim será a palavra que sair da minha boca: não
voltará para mim vazia” (Is 55.11). Em nenhum lugar está escrito que a
72 João 6.15-21
anos, Ele encontrou por duas vezes o mesmo tipo de profanação na casa do
Pai: no início e no fim de seu ministério. E nas duas ocasiões O vemos a
expressar com os termos mais fortes o seu desprazer. O fato se repetiu
para que a lição ficasse marcada de modo profundo em nossas mentes.
Essa passagem deveria levar as pessoas a sondar prolundamente seus
corações. Não existem aqueles que professam ser cristãos mas agem,
domingo após domingo, de forma tão perversa quanto aqueles judeus?
Não existem os que em seu íntimo trazem à casa de Deus a preocupação
com seu dinheiro, terras, casas, gado e uma série de interesses mundanos
e aqueles que estão presentes apenas fisicamente no culto de adoração,
permitindo que seus corações vagueiem para longe? Não há os que estão
prestes a pecar, mesmo estando entre os da congregação? (Pv 5.14)
Estas questões são bastante sérias! Receio que muitos não podem
respondê-las satisfatoriamente. Sem dúvida, os templos e as igrejas cristãs
são bem diferentes do templo judeu. Não são construídas de acordo com
um modelo dado por Deus; não possuem altares e lugares sagrados, nem
suas mobílias têm qualquer significado simbólico. Mas são lugares onde a
Palavra de Deus é lida e onde Cristo está especialmente presente. Aquele
que presta adoração a Deus nesses recintos deve portar-se com reverência
e respeito. Todo aquele que traz consigo seus cuidados pelas coisas terrenas,
ao vir adorar, está fazendo o que evidentemente é mais ofensivo a Cristo.
As palavras que o Espírito Santo inspirou Salomão a escrever são aplicáveis
em qualquer época: “Guarda o teu pé, quando entrares na Casa de Deus”
(Ec 5.1).
Nesse texto do evangelho, vemos que as pessoas podem se lembrar
de verdades espirituais, mesmo que tenham sido aprendidas há muito tempo;
e, talvez, algum dia descubram nessas verdades um significado que antes
não entendiam. Somos informados que nosso Senhor disse aos judeus:
“Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei”. João esclarece que
Jesus “se referia ao santuário do seu corpo” e falava de sua própria
ressurreição. Porém, estas palavras não foram compreendidas pelos
discípulos, quando Jesus as pronunciou. Somente depois que Ele “res¬
suscitou dentre os mortos”, três anos após os acontecimentos aqui descritos,
é que seus corações foram iluminados para compreender inteiramente o
significado delas. Por três anos essã afirmação foi obscura e inútil para
eles, permanecendo adormecida em seus corações, como uma semente sob
a terra, sem produzir qualquer fruto. Mas, ao fim desse período, a obs¬
curidade se foi. Puderam compreender o que Jesus estava falando e, assim,
foram confirmados na fé. “Lembraram-se os seus discípulos de que ele
dissera isto; e creram na Escritura e na palavra de Jesus”.
Saber que a mesma coisa que aconteceu com os discípulos também
ocorre com frequência em nossos dias nos traz ânimo e consolação. Não
30 João 2.12-25
A Ignorância Espiritual;
A Morte de Cristo o Meio— —
O Amor de Deus Fonte da Salvação;
para Prover a Salvação;
—
Fé Instrumento para Obter a Salvação
Leia João 3. 9-21
fazemos bem em ver como estamos vivendo. Mas, se queremos nos certificar
de que somos justificados por Cristo, há somente uma pergunta a ser feita:
“Cremos realmente em Cristo?”
Por último, vemos nesses versículos qual a causa verdadeira para a
alma do homem se perder. Nosso Senhor disse a Nicodemos: “O julgamento
é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do
que a luz; porque as suas obras eram más”.
Estas palavras formam uma conclusão adequada para o assunto
grandioso que estivemos considerando. Através delas, vemos que não há
qualquer injustiça da parte de Deus quanto à condenação dos pecadores.
Em termos simples e inconfundíveis, esse versículo mostra que, embora a
salvação do homem dependa inteiramente de Deus, a ruína do homem,
caso este se perca, depende inteiramente dele mesmo. O homem colherá o
fruto de sua própria semeadura.
A doutrina aqui exposta deve ser cuidadosamente lembrada. Nela há
resposta para uma objeção comum feita pelos inimigos da verdade divina.
Não existe um decreto de rejeição, que exclua do céu a quem quer que
seja. “Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo,
mas para que o mundo fosse salvo por ele.” Não há falta de vontade, da
parte de Deus, em receber qualquer pecador, seja qual for a gravidade dos
pecados cometidos. Deus enviou “luz” ao mundo, e, se o homem não vem
para a luz, a ele pertence toda a culpa. Seu sangue cairá sobre sua própria
cabeça, caso leve sua alma à perdição. Sua culpa estará diante de si mesmo,
se errar o caminho do céu. A miséria eterna que lhe sobrevirá será o re¬
sultado de sua própria escolha. Sua destruição será fruto do trabalho de
suas próprias mãos. Deus o amou e estava pronto a salvá-lo, mas ele amou
“mais as trevas”; portanto, as trevas deverão ser a sua porção eterna. Ele
não quis vir a Cristo, portanto não pôde ter a vida (Jo 5.40).
As verdades que estamos considerando são solenes e significativas.
Porventura, demonstramos em nosso viver que cremos desta maneira?
Hoje, está próxima de nós a salvação pela morte de Cristo. Temos nós
abraçado esta salvação e nos apropriado dela? Não descansemos, enquanto
não conhecermos a Cristo como nosso Salvador. Sem demora, busquemos
nEle o perdão e a paz, se ainda não o fizemos. Continuemos a crer em
Cristo, se nEle já confiamos. “Para que todo o que nele crê”, conforme
graciosamente Ele afirmou, “não pereça, mas tenha a vida eterna”.
João 3.22-36 39
Inveja e Partidarismo;
Verdadeira Humildade;
A Dignidade de Cristo Sendo Declarada;
—
Salvação Algo Imediato
Leia João 3. 22-36
fazer e, ainda, não sermos afetados por tal conhecimento apenas aumenta
nossa culpa diante de Deus. Estar ciente do fato que os crentes devem ser
humildes e amáveis, mas, apesar disso, continuar demonstrando orgulho e
egoísmo apenas intensifica nossa condenação, a menos que nos
arrependamos. A prática é a própria essência da vida espiritual. “Portanto,
aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz nisso está pecando” (Tg
4.17).
É lógico que jamais devemos desprezar o conhecimento. Em certo
aspecto, o conhecimento é o início do cristianismo na alma. Enquanto não
sabemos qualquer coisa a respeito do pecado, de Cristo, da graça de Deus,
do arrependimento, da fé ou da consciência, não somos, obviamente,
melhores do que os pagãos. Entretanto, não podemos tributar excessiva
importância ao conhecimento, pois este será inútil, a menos que produza
resultados em nossa conduta, influencie nossas vidas e transforme nossa
vontade. Na verdade, o conhecimento sem a prática mantém-nos no estado
de criaturas ímpias. Os demónios disseram a Jesus: “Ah! Que temos nós
contigo, Jesus Nazareno? Vieste para perder-nos? Bem sei quem és: o
Santo de Deus!”. E Tiago afirmou que “os demónios crêem e tremem”
(Tg 2.19). Satanás conhece a verdade, porém não mostra qualquer
disposição em obedecê-la; por isso, é uma criatura miserável. Aquele que
deseja ser bem-sucedido no serviço de Cristo deve não apenas conhecer,
mas também praticar.
Esses versículos ainda nos ensinam o perfeito conhecimento que Cristo
possui a respeito de seu povo. Ele distingue entre a falsa confissão e a
verdadeira graça no coração. A igreja pode ser enganada e reputar como
ministros de Cristo homens que assemelham-se a Judas Iscariotes. No
entanto, Jesus nunca foi enganado, pois é capaz de sondar os corações. E,
nesta passagem, Ele declarou: “Eu conheço aqueles que escolhi”.
Este perfeito conhecimento de nosso Senhor constitui um pensamento
solene e aplica-se de duas maneiras. Primeiramente, deve alarmar o hipócrita
e conduzi-lo ao arrependimento. Ele deve lembrar que o onisciente Juiz já
perscrutou completamente seu coração e detectou a falta das vestes nupciais.
Se o hipócrita não deseja ser envergonhado quando todos estiverem reunidos
no dia do Juízo final, ele precisa abandonar sua falsa afirmação de ser
crente e confessar seu pecado, antes que seja tarde. Por outro lado, os
verdadeiros crentes devem pensar com tranquilidade sobre o Salvador que
sabe todas as coisas. Ao serem mal compreendidos e difamados pelo mundo
corrupto, podem recordar que seu Senhor está ciente de todas as coisas. O
Senhor Jesus sabe que, embora fracos e imperfeitos, eles são verdadeiros
e sinceros. Virá o tempo em que Ele os confessará diante de seu Pai e
aperfeiçoará o caráter deles, tomando-os mais puros e mais resplandecentes
do que o sol de verão ao meio-dia.
João 5.16-23 59
Nosso Senhor disse: “O espírito é o que vivifica”. Com isto Ele es¬
tava afirmando que o Espírito Santo, em especial, é o Autor da vida espiritual
na alma do homem. Por meio da atividade do Espírito Santo, esta vida é
concedida ao homem e, posteriormente, nutrida e preservada nele. Se os
judeus pensavam haver Jesus afirmado que o homem pode ter vida espiritual
através do ato físico de comer e beber, estavam enganados.
O Senhor Jesus disse: “A carne para nada aproveita”. Essas palavras
significam que, se literalmente ingerida, a carne do próprio Senhor Jesus
ou qualquer outra não fará bem à alma. Visto que a alma é imaterial, não
pode ser nutrida com alimento físico.
O Senhor também disse: “As palavras que eu vos tenho dito são
espírito e são vida”. Ele pretendia asseverar que, aplicados ao coração
pelo Espírito Santo, suas palavras e ensinos são os meios apropriados para
despertar o interesse pelas coisas de Deus e conceder vida espiritual. Por
meio das palavras de Cristo a mente e consciência são estimuladas. As
palavras de Cristo, em especial, concedem vida e despertam o espírito.
Ainda que entendamos vagamente o significado desse versículo, as
verdades nele contidas merecem atenção especial, em nossos dias. Em
muitos corações, existe a tendência de atribuir excessiva importância ao
que é externo e visível, ou seja, às atividades religiosas. Estas pessoas
imaginam que a essência do cristianismo consiste do batismo, da Ceia do
Senhor, das cerimónias públicas e formais, das coisas que servem de apelo
aos olhos e ouvidos ou ainda daquilo que traz satisfação ao corpo. Com
certeza, esquecem que “o espírito é o que vivifica” e que “a carne para
nada aproveita”. A causa de Deus prospera mais pela atividade constante e
serena do Espírito Santo do que por fazer alardes no intuito de tomar
públicas as coisas espirituais. As palavras de Cristo, ao penetrar nas
consciências dos homens, são “espírito e vida”.
Por último, esses versículos nos ensinam que Cristo conhece
perfeitamente os corações dos homens. Vemos que “Jesus sabia, desde o
princípio, quais eram os que não criam e quem o havia de trair”.
Afirmativas semelhantes a esta encontram-se nos evangelhos com
tanta frequência, que somos inclinados a subestimar sua importância. No
entanto, há poucas verdades tão importantes quanto essa, que para nossa
alma é bom recordar. O Salvador, com quem nos relacionamos, conhece
todas as coisas!
Isto esclarece a admirável paciência demonstrada pelo Senhor, durante
seu ministério terreno. Ele conhecia a tristeza e a humilhação que estavam
diante dEle e o tipo de morte que enfrentaria. Conhecia a incredulidade e
a traição de alguns que diziam ser amigos íntimos dEle. Mas, “em troca da
alegria que lhe estava proposta”, suportou todas essas coisas (Hb 12.2).
Isto também esclarece a loucura da hipocrisia e da religiosidade de
138 João 11.1-6
Ele eram as próprias palavras que o Pai Lhe dera para transmitir, assim
também as obras que Jesus realizava eram as obras que o Pai lhe havia
dado para realizar. Em resumo, Ele era o Messias prometido, a quem o
Pai sempre ouve, porque Ele e o Pai são um.
Esta verdade é profunda e elevada; para desfrutarmos de paz em
nossas almas precisamos crer e aceitá-la plena e firmemente. Devemos ter
como um inabalável princípio de nossa religião o fato de que o Salvador
em quem confiamos não é outro senão o próprio Deus eterno, a Quem o
Pai sempre ouve, Aquele que é realmente o verdadeiro amigo de Deus.
Uma opinião clara a respeito da dignidade de nosso Mediador é um dos
segredos de consolo em nosso íntimo. Feliz é a pessoa que pode dizer:
“Sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar
o meu depósito até aquele Dia” (2 Tm 1.12).
Por último, devemos observar as palavras de nosso Senhor dirigidas
a Lázaro, quando o ressuscitou dentre os mortos. O Senhor clamou em
alta voz: “Lázaro, vem para fora!” Ao som daquelas palavras, de imediato
o rei dos terrores deu liberdade ao seu cativo, e a insaciável morte soltou
sua presa. Instantaneamente “saiu aquele que estivera morto, tendo os pés
e as mãos ligados com ataduras”.
Não podemos exagerar a grandeza deste milagre. A mente humana
raramente pode entender a amplitude da obra realizada nesta ocasião. Neste
evento, em pleno dia e diante de muitas testemunhas hostis, um homem
que estava morto havia quatro dias foi trazido de volta à vida, em um
instante. Esta foi uma demonstração pública do absoluto poder de nosso
Senhor sobre o mundo físico. Um cadáver já deteriorado recebeu vida!
Esta foi uma demonstração pública do absoluto poder de nosso Senhor
sobre o mundo dos espíritos! Uma alma que havia deixado sua habitação
terrena foi chamada de volta do paraíso e uniu-se novamente ao seu corpo
físico. A igreja de Cristo deve afirmar com certeza: Aquele que realizou
tal obra era o “Deus bendito para todo o sempre” (Rm 9.5).
Finalizemos nossas considerações sobre essa passagem obtendo
pensamentos de ânimo e consolo. O amável Salvador dos pecadores, do
—
qual nossas almas dependem plenamente para receber misericórdia, é Aquele
que possui todo poder no céu e na terra e pode salvar-nos este pensamento
é reconfortante. Recebemos consolo ao saber que não existe pecador tão
aprofundado no lamaçal do pecado, que o Senhor Jesus Cristo não possa
ressuscitá-lo e transformá-lo. Aquele que se colocou diante do sepulcro de
Lázaro tem poder para dizer ao mais vil dos homens: “Sai para fora...
Desatai-o e deixai-o ir”. A voz que chamou Lázaro para fora do sepulcro
um dia penetrará nossos sepulcros e ordenará que nossas almas e corpos se
unam novamente. “A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis,
e nós seremos transformados” (1 Co 15.52).
126 João 9.26-41
diz: “Sou um pobre pecador, desejo que Deus me ensine”, do que para a
pessoa que está sempre declarando: “Eu sei, eu sei, não sou ignorante”,
mas continua apegado aos seus pecados. O pecado de tal homem “subsiste” .
Utilizemos diligentemente o conhecimento espiritual que possuímos
e supliquemos sempre que Deus nos conceda mais. Nunca esqueçamos
que o próprio diabo é uma criatura que tem amplo conhecimento; no entanto,
tal conhecimento para nada serve, pois não é utilizado corretamente. A
nossa constante suplica deve ser a mesma que Davi, com frequência,
pronunciava: “Ensina-me, SENHOR, O teu caminho, e andarei na tua verdade;
dispõe-me o coração para só temer o teu nome” (SI 86.11).
não deseja recebê-lo. Antes, deve achegar-se a Ele com ousadia e confiança.
Aquele que curou o paralítico de Betesda ainda é o mesmo.
Por último, nessa passagem aprendemos a lição ministrada na cura
da enfermidade. Essa lição está contida nas solenes palavras que nosso
Salvador dirigiu ao homem curado por Ele: “Não peques mais, para que
não te suceda coisa pior” .
Cada enfermidade e tristeza manifesta a voz de Deus falando conosco.
Cada uma delas tem sua mensagem peculiar. Felizes são os que possuem
ouvidos e olhos abertos, para ver a mão de Deus e ouvir sua voz em tudo
o que lhes sucede. Neste mundo, nada acontece por acaso.
Assim como a enfermidade, a restauração da saúde também nos traz
ensinamentos. A saúde renovada deve nos levar de volta às atividades
neste mundo, fazendo-nos demonstrar um ódio ainda maior ao pecado,
uma mais intensa vigilância sobre nossa vida e uma decisão mais firme de
viver constantemente para Deus. Freqiientemente, o entusiasmo e o frescor
do retomo da saúde nos inclinam a esquecer os votos e os propósitos esta¬
belecidos no leito da enfermidade. A restauração da saúde é acompanhada
por perigos espirituais. Bom seria para todos se, após uma enfermidade,
gravássemos em nossos corações estas palavras: “Não devo mais pecar,
para que não me suceda coisa pior!”
Encerremos esta meditação com os corações gratos, bendizendo a
Deus, por revelar-nos que, em sua Palavra, temos um precioso evangelho
e um sublime Salvador. Contraímos enfermidades? Lembremos que Cristo
vê e conhece tudo; e, se Ele achar apropriado, pode nos curar. Entramos
em dificuldades? Em tempos como estes, ouçamos a voz de Deus e apren¬
damos a odiar mais o pecado.
mundo. Jamais será exaltado acima do que convém, Aquele que é um com
o Pai, o doador da vida, o Rei dos reis, o Juiz que há de vir. “Quem não
honra o Filho não honra o Pai que o enviou. ”
Se desejamos ser salvos, lancemos todo o nosso fardo sobre este
poderoso Salvador. Fazendo isto, nunca temeremos. Cristo é a rocha eterna.
Aquele que sobre Ele edifica a sua vida jamais será confundido, na enfer¬
midade, na morte ou no Dia do Juízo. A mão que foi cravada na cruz
possui muito poder. O Salvador dos pecadores é “poderoso para salvar”
(Is 63.1).
—
de crentes que temem os homens; e a incessante guerra de palavras e troca
de ofensas todas essas são coisas familiares à igreja e sintomas modernos
de uma enfermidade bastante antiga. A corrupção da natureza humana
possui tal caráter, que, onde Cristo é anunciado, Ele se toma motivo de
divisão entre os homens. Enquanto este mundo existir, alguns que ouvirem
66 João 5.30-39
— —
Jamais duvidemos que a pregação de Cristo crucificado a antiga
história de seu sangue, sua justiça e substituição é suficiente para as
necessidades espirituais de toda a humanidade. Essa pregação não está
desgastada; não se tomou obsoleta ou perdeu seu poder. Não queremos
nada mais novo, mais abrangente e generoso, mais intelectual e eficaz.
Não desejamos qualquer outra coisa, exceto o verdadeiro pão da vida, que
Cristo nos dá para distribuirmos fielmente às almas famintas. Os homens
podem escarnecer e ridicularizar, como quiserem; no entanto, além da
pregação da cruz, nada pode realizar o bem neste mundo pecaminoso. Ne¬
nhum outro ensinamento é capaz de satisfazer as consciências e dar-lhes
paz. Estamos todos em um deserto. Precisamos nos alimentar de Cristo
crucificado e da expiação feita por sua morte ou, então, morreremos em
nossos pecados.
A Humildade de Cristo;
A Provação de Seus Discípulos;
O seu Poder Sobre as Águas
Leia João 6.15-21
—
A Humildade de Cristo Ofensa Para Alguns;
A Incapacidade do Homem Natural;
—
Salvação Algo para o Presente
Leia João 6.41-51
especial atenção. É inútil contestar que sem a graça de Deus alguém pode
se tomar um cristão verdadeiro. Estamos espiritualmente mortos e não
temos qualquer capacidade para dar vida a nós mesmos. Precisamos que
uma nova vida seja implantada em nós, vinda do alto. Os fatos comprovam,
e os pregadores o reconhecem. O décimo artigo da Igreja Anglicana declara
expressamente: “Após a queda de Adão, a condição do homem é tal que,
por sua força natural e bbas obras, não pode mudar sua condição e preparar-
se para crer ou clamar por Deus”. Esse testemunho é verdadeiro.
Mas, afinal de contas, em que consiste essa incapacidade do homem?
Em que parte de nossa natureza interior está a deficiência? Esse é um
ponto sobre o qual surgem muitos erros. De uma vez por todas, lembremos
que a vontade do homem é a parte onde se encontra a incapacidade. Sua
falta de capacidade não é física, e sim moral. Não seria verdadeiro afirmar
que o homem tem um desejo sincero e uma vontade autêntica de vir a
Cristo, mas não possui forças para isso. Seria mais verdadeiro dizer que o
homem não tem poder para vir a Cristo porque não tem desejo ou vontade
de fazer isso. Não é verdade que ele desejaria vir a Deus, se pudesse. O
correto é declarar que ele viria a Deus, se o desejasse. A vontade cor¬
rompida, as inclinações secretas e a necessidade do coração são as ver¬
dadeiras causas da incredulidade. É nesse aspecto que reside o engano. A
capacidade que necessitamos é, na verdade, uma nova vontade. É exatamente
nesse ponto que precisamos ser “trazidos”.
Sem dúvida, estes assuntos são profundos e misteriosos. Através de
verdades como essas, Deus prova a fé e a paciência de seu povo. Podem os
seus filhos realmente crer nEle e esperar por uma explanação mais completa
no último dia? O que não compreendem agora compreenderão mais tarde.
De qualquer maneira, permanece bastante clara a responsabilidade do ho¬
mem por sua alma. São realidades tanto a sua incapacidade quanto a sua
responsabilidade. A incapacidade de vir a Cristo não o isenta de prestar
contas. Se ele se perder, ficará provado que foi por sua própria culpa. O
seu sangue recairá sobre a sua cabeça. Cristo o teria salvado, mas ele não
quis ser salvo; não quis vir a Cristo para obter vida.
Por último, aprendemos que a salvação daquele que crê é algo
presente. O Senhor Jesus Cristo assegurou: “Em verdade, em verdade vos
digo: quem crê em mim tem a vida eterna”. Devemos notar que a vida
eterna é uma possessão presente. Jesus não disse que aquele que crê a re¬
ceberá no último dia, por ocasião do julgamento final. Agora, no tempo
presente e nesse mundo, essa vida se toma uma propriedade do crente, que
possui a vida eterna desde o momento em que crê.
Este é um assunto que nos inquieta sobremaneira e a respeito do qual
são cometidos inúmeros erros. Muitos pensam não ser possível receber¬
mos, nesta vida, o perdão e a aceitação da parte de Deus. Essas coisas,
82 João 6.41-51
dizem eles, são conseguidas ao longo de uma vida de arrependimento, fé e
santidade; poderão ser recebidas apenas diante do tribunal de Deus, no
último dia. Afirmam também que nem mesmo devemos ter a pretensão de
obtê-las, enquanto vivemos neste mundo! Pensar assim é estar com¬
pletamente enganado. O pecador é justificado e aceito por Deus no exato
momento em que crê em Cristo. Para ele não há mais condenação. Ele
desfruta de paz com Deus, imediatamente, sem qualquer demora. Seu nome
está escrito no livro da vida, ainda que tenha pouca consciência disso. Pas¬
sa a ter direito ao céu, direito este que nem a morte, nem o inferno, nem
Satanás podem anular. Felizes os que conhecem essa verdade! Esta é uma
parte essencial das boas-novas do evangelho.
Finalmente, o assunto fundamental que devemos considerar é se
cremos realmente. Que ganharemos com o fato de ter Cristo morrido em
favor dos pecadores, se não cremos nEle? “Quem crê no Filho tem a vida
eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida,
mas sobre ele permanece a ira de Deus” (Jo 3.36).
Nosso Senhor disse: “O espírito é o que vivifica”. Com isto Ele es¬
tava afirmando que o Espírito Santo, em especial, é o Autor da vida espiritual
na alma do homem. Por meio da atividade do Espírito Santo, esta vida é
concedida ao homem e, posteriormente, nutrida e preservada nele. Se os
judeus pensavam haver Jesus afirmado que o homem pode ter vida espiritual
através do ato físico de comer e beber, estavam enganados.
O Senhor Jesus disse: “A carne para nada aproveita”. Essas palavras
significam que, se literalmente ingerida, a carne do próprio Senhor Jesus
ou qualquer outra não fará bem à alma. Visto que a alma é imaterial, não
pode ser nutrida com alimento físico.
O Senhor também disse: “As palavras que eu vos tenho dito são
espírito e são vida”. Ele pretendia asseverar que, aplicados ao coração
pelo Espírito Santo, suas palavras e ensinos são os meios apropriados para
despertar o interesse pelas coisas de Deus e conceder vida espiritual. Por
meio das palavras de Cristo a mente e consciência são estimuladas. As
palavras de Cristo, em especial, concedem vida e despertam o espírito.
Ainda que entendamos vagamente o significado desse versículo, as
verdades nele contidas merecem atenção especial, em nossos dias. Em
muitos corações, existe a tendência de atribuir excessiva importância ao
que é externo e visível, ou seja, às atividades religiosas. Estas pessoas
imaginam que a essência do cristianismo consiste do batismo, da Ceia do
Senhor, das cerimónias públicas e formais, das coisas que servem de apelo
aos olhos e ouvidos ou ainda daquilo que traz satisfação ao corpo. Com
certeza, esquecem que “o espírito é o que vivifica” e que “a carne para
nada aproveita”. A causa de Deus prospera mais pela atividade constante e
serena do Espírito Santo do que por fazer alardes no intuito de tomar
públicas as coisas espirituais. As palavras de Cristo, ao penetrar nas
consciências dos homens, são “espírito e vida”.
Por último, esses versículos nos ensinam que Cristo conhece
perfeitamente os corações dos homens. Vemos que “Jesus sabia, desde o
princípio, quais eram os que não criam e quem o havia de trair”.
Afirmativas semelhantes a esta encontram-se nos evangelhos com
tanta frequência, que somos inclinados a subestimar sua importância. No
entanto, há poucas verdades tão importantes quanto essa, que para nossa
alma é bom recordar. O Salvador, com quem nos relacionamos, conhece
todas as coisas!
Isto esclarece a admirável paciência demonstrada pelo Senhor, durante
seu ministério terreno. Ele conhecia a tristeza e a humilhação que estavam
diante dEle e o tipo de morte que enfrentaria. Conhecia a incredulidade e
a traição de alguns que diziam ser amigos íntimos dEle. Mas, “em troca da
alegria que lhe estava proposta”, suportou todas essas coisas (Hb 12.2).
Isto também esclarece a loucura da hipocrisia e da religiosidade de
João 18.1-11 233
Sempre lembremos que nosso Senhor sofreu e morreu por sua própria
vontade e não porque Ele não podia impedi-lo. Ele não sofreu por ser in¬
capaz de evitá-lo. Todo o exército de Herodes não poderia prendê-Lo, se
Ele não estivesse disposto a ser preso. Não Lhe teriam machucado a cabeça,
se Ele não lhes tivesse permitido. Nesta ocasião, como em todo o seu mi¬
nistério terreno, Jesus foi um sofredor voluntário; havia decidido realizar
a obra de redenção. Ele nos amou e entregou-se a Si mesmo alegre e es¬
pontaneamente, a fim de propiciar expiação para os nossos pecados. Foi a
“alegria que lhe estava proposta” que o fez suportar a cruz e não fazer caso
da ignomínia, entregando-se sem relutância aos seus inimigos. Este pen¬
samento deve estar sempre em nossos corações e refrigerar nossas almas.
Temos um Salvador que está mais disposto a salvar-nos do que nós a ser¬
mos salvos. Se ainda não estamos salvos a culpa é nossa. Jesus se mostra
tão disposto a receber e perdoar as pessoas quanto Ele esteve disposto a ser
preso, crucificado e morto.
Em terceiro, vemos nesses versículos a tema misericórdia do Senhor
Jesus demonstrada em sua preocupação com a segurança dos discípulos.
Nestes momentos críticos, quando seus sofrimentos estavam para começar,
Ele não esqueceu o pequeno grupo de discípulos que estivera com Ele. O
Senhor Jesus recordou a imperfeição deles. Sabia que seus discípulos ainda
não estavam prontos para enfrentar a fornalha de aflição na casa do sumo
sacerdote e no tribunal de Herodes. Ele misericordiosamente providenciou-
—
lhes um escape “Se é a mim, pois, que buscais, deixai ir estes”. Parece
mais provável que uma miraculosa influência acompanhou estas palavras.
De qualquer maneira, nenhum cabelo de seus discípulos foram tocados.
Enquanto o pastor estava sendo preso, as ovelhas tiveram permissão de
fugir sem qualquer dano.
Não devemos hesitar em ver neste incidente uma ilustração da maneira
como Jesus lida com seus discípulos até hoje. Ele não permitirá que sejam
tentados além de suas forças. Haverá de controlar os ventos e tempestades,
não permitindo que os crentes, embora fustigados, sejam completamente
destruídos. Ele cuida com ternura de cada um de seus filhos e, à semelhança
de um médico sábio, dispensa com prudente habilidade a correta medida
de provações que eles necessitam. “Eu lhes dou a vida eterna; jamais
perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão” (Jo 10.28). Sempre
devemos descansar nesta preciosa verdade. Em nossas horas mais difíceis,
os olhos do Senhor estão sobre nós, e, com certeza, ao final estaremos
seguros.
Por último, vemos nesses versículos a perfeita submissão de nosso
Senhor à vontade do Pai. Antes, no Jardim do Getsêmani, Ele havia dito:
“Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como
eu quero, e sim como tu queres”. E, de novo, Ele orou: “Meu Pai, se não
88 João 6.66-71
Durante certo tempo, podem andar bem na vida cristã, pensando que
alcançarão o céu; mas, posteriormente, acabam voltando para o mundo,
como Demas, Judas Iscariotes e a mulher de Ló.
Não devemos ficar surpresos, ao ver e ouvir a respeito de casos se¬
melhantes em nossos dias. Se isto aconteceu nos dias do Senhor Jesus a
pessoas que receberam seu ensino, podemos esperar que ocorra muito
mais em nossos dias. Acima de tudo, estas coisas não devem abalar nossa
fé ou desencorajar-nos na jornada. Antes, temos de conservar em nosso
coração o fato de que na igreja sempre haverá pessoas se afastando, enquanto
ela permanecer neste mundo. A pessoa infiel e escarnecedora, que defende
sua incredulidade, apontando-nos os que se afastaram, precisa encontrar
um argumento mais convincente do que o mau exemplo destes. O incrédulo
esquece que sempre haverá moedas falsas no meio das verdadeiras.
Também podemos observar nessa passagem a nobre declaração de
Pedro. Quando muitos dos discípulos de nosso Senhor O abandonaram,
Ele perguntou aos doze: “Quereis... vós outros retirar-vos?” Imediatamente,
Pedro respondeu com seu zelo e fervor característicos: “Senhor, para quem
iremos? Tu tens a palavra da vida eterna; e nós temos crido e conhecido
que tu és o Santo de Deus”.
É notável a afirmação contida nessas palavras. Vivendo em um país
que professa ser cristão e rodeados pelos privilégios outorgados aos crentes,
dificilmente formaremos uma idéia adequada sobre o real valor desta
afirmação. Mas, considerando que os escribas, os fariseus e os saduceus
rejeitaram a Je;sus, esta declaração de um humilde judeu foi um grande ato
de fé: “Tu tens as palavras da vida eterna... tu és o santo de Deus”. Não
admiramos que o Senhor Jesus tenha dito, em outra ocasião: “Bem-
aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue quem to
revelaram, mas meu Pai, que está nos céus” (Mt 16.17).
A pergunta do apóstolo Pedro foi tão notável quanto a sua afirmação.
“Senhor, para quem iremos?”, indagou o apóstolo que possuía um coração
sincero. Com isso, ele estava dizendo: A quem seguiremos? A que Mestre
nos submeteremos? Onde encontraremos outro semelhante a ti, que nos
guie ao céu? O que ganharemos em abandonar-te? Que escriba, fariseu,
saduceu, sacerdote ou rabino pode nos revelar as palavras de vida eterna,
assim como tu o fazes?
Todo crente verdadeiro deve fazer essa mesma indagação, quando
tentado e pressionado a abandonar a vida cristã e voltar para o mundo.
Para os que odeiam a religião é fácil apontar defeitos em nossa conduta,
fazer objeções às nossas doutrinas e mostrar erros em nossos atos. Toma-
se difícil, às vezes, dar-lhes qualquer resposta. Mas, afinal de contas,
“Para quem iremos?” , se desistirmos de seguir a Jesus? Onde encontraremos
paz, esperança e firme consolação, tais como as que encontramos no serviço
João 21.1-14 267
graça seja com todos os que amam sinceramente a nosso Senhor Jesus
Cristo” (Ef 6.24).
Por último, devemos observar nesses versículos a abundante evidência
que as Escrituras fornecem sobre a ressurreição do Senhor Jesus. Nesta,
assim como em outras passagens bíblicas, achamos uma incontestável prova
de que nosso Senhor ressuscitou em um corpo físico, uma prova que um
grupo de homens maduros viram com seus próprios olhos, ao mesmo tempo.
Este relato nos mostra o Senhor Jesus comendo e bebendo na praia do mar
da Galiléia, por um considerável período de tempo. O sol matutino da pri¬
mavera brilhava sobre o pequeno grupo. Estavam sozinhos à beira do fa¬
moso lago da Galiléia, bem distantes do barulho e das multidões de Jeru¬
salém. Em seu meio, tendo os espetos em suas mãos, assentava-se o Senhor,
o próprio Senhor, a quem eles haviam seguido por três anos e que pelo
menos um deles vira na cruz. Não podiam estar enganados. Alguém ousaria
afirmar que precisaria ser apresentada uma prova ainda maior do fato que
Jesus ressuscitou dos mortos? Sabemos que Pedro ficou satisfeito e con¬
vencido, pois disse: “Nós... comemos e bebemos com ele, depois que res¬
surgiu dentre os mortos” (At 10.41). Aqueles que, em nossa época, dizem
não estarem convencidos também podem afirmar que estão determinados a
não acreditar em qualquer evidência.
Devemos agradecer a Deus porque temos uma grande nuvem de
testemunhas, para comprovar que nosso Senhor ressuscitou. A ressurreição
de Cristo é uma das grandes provas de sua missão divina. Ele disse aos
judeus que não precisavam acreditar que Ele era o Messias, se não res¬
suscitasse ao terceiro dia. Â ressurreição de Cristo é o clímax da obra de
redenção. Ela comprovou que Cristo terminou a obra que viera realizar e,
como nosso Substituto, venceu a morte. A ressureição é um milagre que
nenhum homem pode explicar. Se quiserem, os homens podem contestar e
criticar, os relatos sobre Balaão em seu jumento e Jonas no ventre do
grande peixe; mas, até provarem que Cristo não ressuscitou, perma¬
neceremos inabaláveis. Acima de tudo, a ressurreição de Cristo é a garantia
de nossa própria ressurreição. Assim como a sepultura não podia deter a
Cabeça, assim também não deterá os membros do corpo. Com certeza,
podemos afirmar juntamente com Pedro: “Bendito o Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou
para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre
os mortos” (1 Pe 1.3).
206 João 15.12-16
—
de crentes que temem os homens; e a incessante guerra de palavras e troca
de ofensas todas essas são coisas familiares à igreja e sintomas modernos
de uma enfermidade bastante antiga. A corrupção da natureza humana
possui tal caráter, que, onde Cristo é anunciado, Ele se toma motivo de
divisão entre os homens. Enquanto este mundo existir, alguns que ouvirem
João 18.28-40 239
de maldade, tudo ali seja realmente mau. 0 melhor dos santos pode cometer
um grave pecado, em determinada ocasião; todavia, a graça divina
continuará em seu íntimo e o conduzirá à vitória. De um modo geral, o
caráter de um homem é íntegro? Então não o julguemos quando ele cai
mas preserva a esperança. Antes, julguemos de acordo com a “reta justiça” .
Em qualquer que seja o caso, tenhamos cuidado em fazer um
julgamento apropriado sobre nós mesmos. Seja o que for que pensemos
acerca dos outros, estejamos atentos a fim de não errarmos a respeito de
nosso próprio caráter. Procuremos ser justos, sinceros e imparciais. Não
nos enganemos, pensando que tudo vai bem em nossa vida, somente porque,
diante dos homens, tudo parece estar em ordem. Devemos lembrar que “o
homem vê o exterior, porém o SENHOR, O coração” (1 Sm 16.7). Portanto,
julguemos a nós mesmos com reto juízo e condenemos nossas atitudes
enquanto vivemos, para que não sejamos julgados e definitivamente
condenados pelo Senhor, no último dia (1 Co 11.31).
dúvida de que seu modo de falar ao público era solene, peculiar, arrebatador
e impressionante. Talvez era algo muito diferente do que os oficias judeus
estavam acostumados a ouvir. Outra passagem das Escrituras nos diz mais:
“Ele as ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas” (Mt
7.29).
Quanto aos assuntos abordados nas mensagens públicas de nosso
Senhor, podemos formar alguns conceitos a partir dos discursos registrados
nos quatro evangelhos. As características principais desses discursos são
claras e inconfundíveis. O mundo jamais viu algo semelhante a eles, desde
que ao homem foi dado o dom da fala. São discursos que geralmente
contêm verdades profundas, as quais não temos recursos para sondar. Ao
mesmo tempo, possuem uma simplicidade que até as crianças podem
entender. São palavras fortes e francas ao denunciar os pecados nacionais
e eclesiásticos, mas sábias e discretas em jamais causar ofensas
desnecessárias. São firmes e objetivas em seu papel de alertar, porém
amáveis e gentis em seu apelo. Ao vermos tal combinação de poder e
simplicidade, de coragem e prudência, de firmeza e ternura, podemos
certamente afirmar: “Jamais alguém falou como este homem!”
Muito lucraria a igreja de Cristo, se ministros e mestres procurassem
falar mais dedicadamente segundo o padrão que podem ver em Cristo. É
bom que se lembrem de que o linguajar impetuoso e o estilo sensacionalista
e dramático são totalmente diferentes do modo com que seu Mestre falava.
É bom reconhecerem que o falar com simplicidade e fervor é o mais elevado
objetivo ao dirigirem-se ao público. Disto o Mestre lhes deixou grandioso
exemplo. Certamente, eles não precisam envergonhar-se de seguir os passos
do seu Senhor.
Por último, esses versículos nos mostram como pode ser lenta e
gradativa a obra da graça em certos corações. Nicodemos levantou-se na
reunião do conselho dos inimigos do Senhor e, com mansidão, pleiteou
que Ele merecia um tratamento justo. Perguntou ele: “Acaso, a nossa lei
julga um homem, sem primeiro ouvi-lo e saber o que ele fez?”
Este Nicodemos, devemos lembrar, é o mesmo que dezoito meses
antes havia em sua ignorância procurado o Mestre, à noite, para interrogá-
lo. Evidentemente, àquela altura ele possuía pouco conhecimento e não
ousava ir a Cristo em pleno dia. Porém, depois de um ano e meio, ele
progrediu tanto, que ousou dizer algo a favor de Cristo. Sem dúvida, Ele
não falou muito; contudo, foi melhor do que permanecer calado. Além
disso, aproximava-se o dia em que ele avançaria mais ainda, pois auxiliaria
José de Arimatéia a honrar o cadáver do Senhor Jesus, quando, os próprios
discípulos O haviam abandonado e fugido.
O exemplo de Nicodemos está repleto de instruções úteis, ensinando-
nos que há diversidade nas realizações do Espírito Santo. Ele conduz pessoas
152 João 11.47-57
e suas vidas eram impuros. Eles mesmos não estavam com as mãos limpas,
ao lidarem com aquele caso. O que realmente desejavam não era vindicar
a pureza da lei de Deus, e sim descarregar sua malícia contra Jesus.
Além disso, quando trouxeram aquela infeliz mulher perante o Senhor,
retiraram-se “acusados pela própria consciência”. Com estas solenes
palavras, Ele despediu a pecadora culpada: “Nem eu tampouco te condeno;
vai e não peques mais”. Jesus não afirmou que ela desmerecia a punição;
mas Ele não viera para ser juiz. Assim, na falta de testemunhas e acusadores,
nada havia contra ela diante dEle. Embora fosse realmente culpada, nosso
Senhor a despediu como alguém cuja acusação não fora provada, declarando-
lhe: “Vai e não peques mais”.
À luz desses simples fatos, é incorreto dizer que o Senhor não deu
importância ao pecado de adultério. Em toda essa passagem, nada existe
que comprove isto. Em toda a Bíblia, ninguém falou tão severamente contra
a quebra do sétimo mandamento quanto nosso divino Senhor. Ele mesmo
ensinou que este mandamento pode ser transgredido por meio de um olhar,
um pensamento ou um ato visível (Mt 5.28). Foi Ele quem mais
vigorosamente falou sobre a santidade do relacionamento conjugal (Mt
19.5). Em tudo que foi relatado nessa passagem, nada encontramos que
seja incoerente com o restante de seus ensinos. Ele apenas evitou usurpar
o ofício de juiz e pronunciar condenação sobre uma mulher culpada, para
satisfazer seus inimigos mortais.
Ainda, não devemos esquecer que a passagem contém duas lições de
grande importância. Quaisquer que sejam as dificuldades apresentadas por
esses versículos, estas duas lições permanecem evidentes e inconfundíveis.
Por um lado, o texto nos fala sobre o poder da consciência. Somos
informados que os acusadores da adultera, ao ouvirem a resposta de nosso
Senhor, “acusados pela própria consciência, foram-se retirando um por
um, a começar pelos mais velhos até aos últimos” . Embora empedernidos
e ímpios, sentiram algo em seu íntimo que os deixou temerosos. Ainda que
a natureza humana seja corrompida, Deus cuida para que cada homem
tenha, em seu íntimo, uma testemunha que será ouvida.
A consciência é um dos mais importantes elementos de nosso homem
interior e desempenha uma função proeminente em nossa história espiritual.
Ela não pode nos salvar e jamais é capaz de, sozinha, nos conduzir a
Cristo. Está cega e sujeita a receber uma orientação errónea. Está aleijada
e impotente, não sendo capaz de conduzir-nos ao céu. Entretanto, a
consciência não deve ser desprezada. É o melhor amigo do ministro do
evangelho, quando este, do púlpito, se levanta para reprovar o pecado. É
a melhor amiga das mães, quando estas procuram restringir seus filhos a
praticarem o mal e impulsioná-los a fazerem o bem. É o melhor amigo do
professor, quando este incute nas mentes dos rapazes e moças seus deveres
João 8.1-11 105
morais. Feliz é aquela pessoa que não abafa sua consciência, mas esforça-
se por conservá-la sensível! Ainda mais feliz é aquele que ora para que ela
seja iluminada pelo Espírito Santo e lavada pelo sangue de Cristo.
Por outro lado, o texto nos fala sobre a natureza do verdadeiro
arrependimento. Quando nosso Senhor disse à mulher adúltera: “Nem eu
tampouco te condeno”, despediu-a com as solenes palavras “vai e não
peques mais”. Ele não apenas disse: “Vá para casa e arrependa-se”; mos¬
—
trou-lhe a principal coisa que o seu caso exigia a necessidade de abandonar
imediatamente seu pecado.
Jamais esqueçamos esta lição. Abandonar o pecado é a própria essência
do verdadeiro arrependimento. O arrependimento que consiste apenas em
sentimentos, confissão verbal, desejos, significado, esperança e decisão é
indigno aos olhos de Deus. Atos constituem a essência do “arrependimento
para a salvação, que a ninguém traz pesar”. Até que um homem cesse de
fazer o mal e abandone seus pecados, ele não se arrependeu. Se queremos
saber se realmente somos convertidos a Deus e se experimentamos tristeza
pelo pecado e o arrependimento que causa “júbilo nos céus”, examinemo-
nos e vejamos se, na verdade, abandonamos o pecado. Não descansemos
até que sejamos capazes de dizer, como se estivéssemos na presença de
Deus: “Odeio o pecado e desejo não pecar mais”.
seus inimigos. Ele declarou aos fariseus que, com toda a sua aparente
sabedoria, eles eram ignorantes no que concerne a Deus —
conheceis a mim nem a meu Pai; se conhecêsseis a mim, também co¬
“Não me
Essa passagem fala sobre coisas tão profundas que não temos meios
para examiná-las plenamente. Enquanto lemos esses versículos,
relembramos as palavras do salmista: “Quão grandes, SENHOR, são as tuas
obras! Os teus pensamentos, que profundos Mas essa passagem contém,
em seu início, verdades que são evidentes e inconfundíveis. Estejamos
atentos a elas e procuremos enraizá-las com firmeza em nossos corações.
Primeiramente, aprendemos que é possível alguém procurar a Cristo
em vão. O Senhor Jesus disse aos judeus incrédulos: “Vós me procurareis,
mas perecereis no vosso pecado” . Com estas palavras, Ele estava mostrando
que, em algum tempo, os judeus O procurariam em vão.
Este é um ensino muito doloroso. O fato de que o Senhor Jesus, tão
repleto de amor e disposto a salvar, pode ser buscado em vão é uma reali¬
dade que causa bastante tristeza. Apesar disso, é verdadeiro! Qualquer
pessoa pode ter sentimentos espirituais a respeito de Cristo e não possuir a
salvação. A doença, a aflição repentina, o temor da morte, a falta de confor¬
—
to para a alma tudo isto pode causar em alguém uma grande medida de
religiosidade. Pressionada por tais situações, uma pessoa é capaz de orar
com fervor, demonstrar fortes sentimentos espirituais e, por algum tempo,
professar que está buscando a Cristo e ser diferente. No entanto, seu coração
jamais foi regenerado. Se as circunstâncias não a afligirem, provavelmente
ela retomará aos seus antigos caminhos; procurou a Cristo em vão, porque
O buscava com falsos motivos e não com todo o seu coração.
Infelizmente, isso não é tudo. Existe uma coisa chamada de “hábito
de resistir à luz e ao conhecimento”, até chegar ao ponto de buscar a
Cristo “em vão” . As Escrituras e a experiência comprovam que os homens
podem rejeitar a Deus, até que Ele os rejeite e não ouça as suas orações;
eles podem continuar abafando suas convicções morais, suprimindo a luz
da consciência e lutando contra o possuírem um melhor conhecimento de
Deus, até que Ele seja provocado a abandoná-los e deixá-los sozinhos.
Não foi sem motivo que estas palavras foram escritas: “Então, me invoca¬
rão, mas eu não responderei; procurar-me-ão, porém não me hão de achar.
Porquanto aborreceram o conhecimento e não preferiram o temor do
SENHOR” (PV 1.28-29). Casos como estes são menos frequentes, mas
possíveis, e, às vezes, nos deparamos com eles. Alguns pastores podem
110 João 8.21-30
graça seja com todos os que amam sinceramente a nosso Senhor Jesus
Cristo” (Ef 6.24).
Por último, devemos observar nesses versículos a abundante evidência
que as Escrituras fornecem sobre a ressurreição do Senhor Jesus. Nesta,
assim como em outras passagens bíblicas, achamos uma incontestável prova
de que nosso Senhor ressuscitou em um corpo físico, uma prova que um
grupo de homens maduros viram com seus próprios olhos, ao mesmo tempo.
Este relato nos mostra o Senhor Jesus comendo e bebendo na praia do mar
da Galiléia, por um considerável período de tempo. O sol matutino da pri¬
mavera brilhava sobre o pequeno grupo. Estavam sozinhos à beira do fa¬
moso lago da Galiléia, bem distantes do barulho e das multidões de Jeru¬
salém. Em seu meio, tendo os espetos em suas mãos, assentava-se o Senhor,
o próprio Senhor, a quem eles haviam seguido por três anos e que pelo
menos um deles vira na cruz. Não podiam estar enganados. Alguém ousaria
afirmar que precisaria ser apresentada uma prova ainda maior do fato que
Jesus ressuscitou dos mortos? Sabemos que Pedro ficou satisfeito e con¬
vencido, pois disse: “Nós... comemos e bebemos com ele, depois que res¬
surgiu dentre os mortos” (At 10.41). Aqueles que, em nossa época, dizem
não estarem convencidos também podem afirmar que estão determinados a
não acreditar em qualquer evidência.
Devemos agradecer a Deus porque temos uma grande nuvem de
testemunhas, para comprovar que nosso Senhor ressuscitou. A ressurreição
de Cristo é uma das grandes provas de sua missão divina. Ele disse aos
judeus que não precisavam acreditar que Ele era o Messias, se não res¬
suscitasse ao terceiro dia. Â ressurreição de Cristo é o clímax da obra de
redenção. Ela comprovou que Cristo terminou a obra que viera realizar e,
como nosso Substituto, venceu a morte. A ressureição é um milagre que
nenhum homem pode explicar. Se quiserem, os homens podem contestar e
criticar, os relatos sobre Balaão em seu jumento e Jonas no ventre do
grande peixe; mas, até provarem que Cristo não ressuscitou, perma¬
neceremos inabaláveis. Acima de tudo, a ressurreição de Cristo é a garantia
de nossa própria ressurreição. Assim como a sepultura não podia deter a
Cabeça, assim também não deterá os membros do corpo. Com certeza,
podemos afirmar juntamente com Pedro: “Bendito o Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou
para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre
os mortos” (1 Pe 1.3).
240 João 18.28-40
não entrou pela porta, mas entrou por outro caminho, no sagrado ofício.
Esta afirmação de Jesus é humilhante e embaraçadora. Todos somos
capazes de perceber que Ele estava condenando os ensinadores israelitas
de sua época. Não havia qualquer “porta” no ministério deles. Não
ensinavam qualquer coisa correta sobre o Messias. Rejeitaram o próprio
Cristo, quando Ele veio ao mundo. Mas nem todos percebem que a
afirmativa de Jesus condena milhares de supostos ensinadores cristãos,
assim como censurou os líderes e mestres religiosos dos judeus. Muitos
dos pastores, no presente, não sabem nada a respeito de Cristo, exceto o
seu nome. Não entraram pela “porta” e são incapazes de mostrá-la aos
outros. Seria bom para o cristianismo se este fato se tomasse mais conhecido
e os crentes o considerassem com maior seriedade! Pastores não-convertidos
são a mina da igreja. Quando um cego guia outro cego, ambos caem no
barranco. Se desejarmos conhecer o valor do ministério de um pastor,
perguntemos: “Onde está o Cordeiro? Onde está a porta? Esse pastor revela
a Cristo e dá-lhe o lugar correto?”
Em segundo, temos nesses versículos uma singular figura dos
verdadeiros cristãos. Nosso Senhor os descreveu como ovelhas que ouvem
e reconhecem a voz do verdadeiro pastor e “de modo nenhum seguirão o
estranho; antes, fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos”.
O ensino que encontramos nestas palavras é muito curioso e talvez
pareça “loucura” para o mundo. Na maioria dos cristãos genuínos há um
instinto espiritual que os capacita a distinguir entre o verdadeiro e o falso
ensino. Quando ouvem lições espirituais incorretas, algo em seu íntimo
lhes diz: “Isso está errado”. Ao ouvirem a autêntica verdade de Jesus, em
seu espírito algo responde: “Isso está correto” . O descuidado homem mun¬
dano pode não ver qualquer diferença entre um pastor e outro, entre um
sermão e outro. Em geral, a mais simples ovelha de Cristo fará a distinção,
embora não seja capaz de explicar por quê.
Estejamos atentos para não desprezarmos esse instinto espiritual. Não
importa o que diga o mundo escarnecedor, esse instinto é uma das
características especiais da habitação do Espírito Santo. O apóstolo João se
referiu de maneira especial a esse instinto, quando afirmou: “E vós possuís
a unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento” (1 Jo 2.20).
Oremos para que esta unção se manifeste diariamente, a fim de sermos
protegidos da influência de falsos pastores. Perder toda a capacidade de
distinção entre o amargo e o doce é um dos piores sintomas de enfermidade
física. Ser incapaz de perceber a diferença entre a lei e o evangelho, a
verdade e o erro, o protestantismo e o papismo, a doutrina de Cristo e o
ensino do homem é uma prova segura de que ainda estamos mortos e
precisamos de conversão.
Por último, nesses versículos, temos a mais instrutivafigura da pessoa
254 João 20.1-10
pecaminosidade do pecado e a maravilhosa graça de Cristo. Somente então
deixaremos de ser indiferentes, relaxados e insensíveis em nosso trabalho
para o Senhor Jesus, entenderemos o intenso zelo de Maria Madalena e
compreenderemos as palavras do apóstolo Paulo, ao dizer: “Pois o amor
de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo,
todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não
vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e
ressuscitou” (2 Co 5.14-15).
Essa passagem também nos ensina que existe ampla diferença de
temperamento entre os seguidores de Cristo. Isto é curiosamente ressaltado
pela atitude de Pedro e João, quando Maria Madalena lhes contou que o
corpo do Senhor havia sido tirado do sepulcro (Jo 20.2). O texto bíblico
nos informa que ambos correram ao sepulcro, mas João, o discípulo a
quem Jesus amava correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro
ao sepulcro vazio. Em seguida, percebemos a diferença de temperamento
nestes dois homens. João, o mais gentil, calmo, moderado, cauteloso,
retraído e profundamente sensível, abaixou-se, viu os lençóis de linho,
mas não entrou. Pedro, o mais ativo, zeloso, impulsivo, veemente e
precipitado, satisfez-se somente quando entrou no sepulcro e viu com seus
próprios olhos. Os dois discípulos eram bem achegados ao Senhor Jesus,
podemos estar certos disso. Os seus corações, nesse momento crítico,
estavam repletos de esperança, temores e ansiedade. No entanto, cada um
deles se comportou de acordo com suas próprias características. Sem dúvida,
estas coisas foram escritas para nosso aprendizado.
Através deste incidente devemos aprender a levar em conta a grande
variedade no caráter dos discípulos de Cristo. Fazer isso nos poupará muitos
problemas na jornada da vida cristã e evitará muitos pensamentos
impiedosos. Não julguemos com severidade nossos irmãos, desprezando-
os somente porque eles não entendem e percebem as coisas exatamente
como nós a entendemos e percebemos ou porque as coisas não os afeta e os
impressiona assim como nos afeta e impressiona. As flores do jardim do
Senhor não possuem as mesmas cores e aroma, embora tenham sido
plantadas pelo mesmo Espírito. Os súditos do reino não possuem exatamente
a mesma índole e temperamento, embora todos amem o mesmo Senhor e
seus nomes estejam escritos no livro da vida. A igreja de Cristo tem em
sua membresia algumas pessoas cujos temperamentos são iguais ao de
Pedro e outros, ao de João, mas nela existe lugar e serviço para todos.
Devemos amar todos que com sinceridade amam a Cristo e agradeçamos a
Deus porque eles realmente O amam. A coisa mais importante é amar a
Jesus.
Por último, essa passagem nos ensina que pode haver muita ignorância
mesmo nos discípulos de Cristo. Este fato é ressaltado com singular in-
João 10.10-18 129
Cristo veio ao mundo. Ele disse: “Eu vim para que tenham vida e a tenham
em abundância”.
A verdade contida nestas palavras é sobremodo importante. Elas forne¬
cem um antídoto para muitas das incorretas e grosseiras idéias que se pro¬
pagam no mundo. Cristo não veio apenas para ensinar uma nova moralidade,
ou ser um exemplo de santidade e autonegação, ou o fundador de novas
cerimónias, assim como alguns têm afirmado. Ele deixou os céus e habitou
durante trinta e três anos na terra tendo em vista um propósito mais sublime
do que estes. O Senhor Jesus veio para obter a vida eterna ao custo de sua
própria morte vicária na cruz e para tomar-se uma inesgotável fonte de
vida espiritual para todos os homens, da qual os pecadores podem beber
pela fé e, bebendo, viver para sempre. Por intermédio de Moisés, vieram
a lei, as ordenanças, as regras e as cerimónias. Por meio de Cristo, vieram
a graça, a verdade e a vida eterna.
Esta doutrina é importantíssima; por isso, precisa ser reforçada com
uma palavra de cautela. Não podemos exagerar o significado das palavras
de nosso Senhor. Não devemos imaginar que a vida etema era inteiramente
desconhecida até que Cristo veio ou que os santos do Antigo Testamento
estavam nas trevas acerca do mundo por vir. O caminho de vida pela fé em
um Salvador era bem conhecido por Abraão, Moisés e Davi. Um Redentor
e um sacrifício eram a esperança de todos os filhos de Deus, desde Abel
até João Batista. No entanto, a maneira como eles viam essas coisas era
necessariamente imperfeita. Eles as viam ao longe, sem clareza; apenas
como em esboço e não em sua inteireza. A vinda do Messias esclareceu
todas as coisas e fez as sombras desaparecerem. A vida e a imortalidade
foram trazidas à luz por meio do evangelho. Em resumo, usando as palavras
de nosso Senhor, mesmo aqueles que tinham vida desfrutaram-na mais
abundantemente, quando Cristo veio ao mundo.
Em segundo, essa passagem nos mostra um dos principais ofícios
que nosso Senhor realizou em favor dos verdadeiros crentes. Duas vezes
Ele usou uma expressão que, para os ouvintes do Oriente, seria plena de
significado. Ele disse enfaticamente: “Eu sou o bom pastor”. É uma
declaração repleta de instrução e consolo.
À semelhança do bom pastor, Cristo sabe tudo a respeito de seu
povo. Seus nomes, famílias, residências, circunstâncias, vida particular,
—
experiências e provações Cristo está familiarizado com tudo isso. Não
existe uma coisa sequer, na vida da mais simples de suas ovelhas, que Ele
não saiba. Os filhos deste mundo conhecem os crentes e consideram suas
vidas uma tolice; mas o bom Pastor os conhece completamente e, embora
os conheça, não os rejeita (e isto é maravilhoso!).
Assim como o bom Pastor, o Senhor Jesus cuida amavelmente de
todo o seu povo. Ele supre todas as suas necessidades no deserto deste
João 11.17-29 143
que agora lhes são ensinadas nos caminhos de Deus. Recordemos sempre
este fato. Virá a ocasião em que seremos chamados a trilhar em nossa vida
uma jornada que não apreciamos. Quando isso acontecer, com alegria
sigamos adiante, crendo que tudo está certo.
Em segundo, devemos observar nessa passagem a ternura de Cristo
ao falar sobre a morte de seus discípulos. Ele anunciou a morte de Lázaro
utilizando uma linguagem de singular beleza e cordialidade: “Nosso amigo
Lázaro adormeceu” .
Todo verdadeiro crente tem um Amigo no céu, todo-poderoso e
ilimitado em amor. O eterno Filho de Deus cuida, supre as necessidades,
protege e se preocupa com o crente. Este possui um infalível Protetor, que
jamais cochila ou dorme e que continuamente zela por seus interesses. O
mundo pode desprezar o crente, mas este não tem qualquer motivo para
sentir-se envergonhado. O pai e a mãe talvez o rejeitem, mas Cristo, que o
recebeu, nunca o abandonará. O crente é amigo de Cristo mesmo depois
de sua morte! As amizades deste mundo frequentemente permanecem apenas
em tempos de prosperidade e nos decepcionam, assim como fontes sem
água, quando estamos extremamente sedentos; porém, a amizade do Filho
de Deus é mais forte do que a morte e vai além da sepultura. O Amigo dos
pecadores é alguém mais achegado do que um irmão.
A morte do verdadeiro cristão é “dormir” e não uma aniquilação.
Sem dúvida, é uma miraculosa e solene mudança, que não precisa ser
considerada com inquietação. Os crentes não têm o que temer em relação
a suas almas na ocasião da morte, pois seus pecados foram lavados no
sangue de Cristo. O mais afiado aguilhão da morte é o sentimento de
pecado não-perdoado. Os verdadeiros cristãos não devem recear coisa
alguma em referência a seus corpos nessa mudança; eles ressuscitarão e
serão transformados à imagem do Senhor Jesus. O sepulcro é um inimigo
vencido, pois devolverá seus habitantes, com segurança e saudáveis, no
momento que Cristo os chamar no último dia.
Recordemos estas verdades quando os nossos queridos dormirem em
Cristo ou quando recebermos a notícia de que deixaremos este mundo.
Nesta hora, lembremo-nos de que nosso grande Amigo se preocupa por
nossas almas, assim como por nossos corpos, e não permitirá que se perca
nenhum dos fios de nosso cabelo. Nunca esqueçamos que o sepulcro é o
lugar onde nosso próprio Senhor esteve e que, assim como Ele ressuscitou
triunfante do túmulo, também seu povo fará o mesmo. Para o homem
mundano, a morte tem de ser algo terrível, mas o crente pode afirmar com
ousadia, quando estiver deixando esta vida: “Eu me deitarei em paz e
descansarei, pois Tu, Senhor, me fazes habitar em segurança”.
Por último, devemos observar nesses versículos quanto do tem¬
peramento natural ainda permanece no crente após sua conversão. Ao
142 João 11.7-16
saber que Lázaro estava morto e que, apesar do perigo, Jesus determinara
retomar à Judéia, Tomé disse: “Vamos nós também para morrermos com
ele”. Pode haver somente um significado nesta declaração: era uma
linguagem de desespero e desânimo, que, nestas circunstâncias, não podia
ver nada além de escuridão. Este mesmo homem, que mais tarde não foi
capaz de crer que seu Senhor havia ressuscitado e pensou que a notícia era
muito boa para ser verdade, era um dos doze apóstolos e imaginava que,
se retomassem à Judéia, todos morreriam!
Coisas assim são profundamente instrutivas e foram relatadas para
nosso ensino. Mostram que a graça de Deus na conversão não transforma
tanto um homem ao ponto de remover todas as características naturais de
seu caráter. Quando passam da morte para a vida, tomando-se verdadeiros
cristãos, o sanguíneo não deixa de ser completamente sanguíneo e o
desanimado ainda permanece mostrando desânimo. Este relato de João
nos ensina que devemos levar em conta o temperamento natural, ao fazer
nossa estimativa de um crente. Não temos de esperar que todos os filhos de
Deus sejam iguais. Cada árvore, em uma floresta, tem suas peculiaridades
de formato e crescimento, porém à distância parecem uma mesma porção
de folhas e verdura. Cada membro do corpo de Cristo tem suas caracte¬
rísticas distintivas; no entanto, todos são guiados pelo mesmo Espírito e
amam o mesmo Senhor. As duas irmãs, Marta e Maria, os apóstolos Pedro,
João e Tomé com certeza eram diferentes um do outro em muitos aspectos,
mais tinham algo em comum: amavam a Cristo e eram amigos dEle.
Estejamos certos de que realmente pertencemos a Cristo: esta é a
única coisa verdadeiramente necessária. Se estamos certos disso, seremos
guiados pelo caminho correto e bem-aventurados no final. Talvez não
tenhamos a mesma animação que caracteriza determinado irmão, ou o
ardente zelo, ou a gentileza de outros. Mas, se a graça reina em nosso
íntimo e por experiência própria conhecemos o arrependimento e a fé,
permaneceremos no lado direito do trono naquele grande dia de juízo.
Feliz é o homem sobre o qual, apesar de seus defeitos, Cristo declara aos
anjos: “Este é meu amigo”.
Ele eram as próprias palavras que o Pai Lhe dera para transmitir, assim
também as obras que Jesus realizava eram as obras que o Pai lhe havia
dado para realizar. Em resumo, Ele era o Messias prometido, a quem o
Pai sempre ouve, porque Ele e o Pai são um.
Esta verdade é profunda e elevada; para desfrutarmos de paz em
nossas almas precisamos crer e aceitá-la plena e firmemente. Devemos ter
como um inabalável princípio de nossa religião o fato de que o Salvador
em quem confiamos não é outro senão o próprio Deus eterno, a Quem o
Pai sempre ouve, Aquele que é realmente o verdadeiro amigo de Deus.
Uma opinião clara a respeito da dignidade de nosso Mediador é um dos
segredos de consolo em nosso íntimo. Feliz é a pessoa que pode dizer:
“Sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar
o meu depósito até aquele Dia” (2 Tm 1.12).
Por último, devemos observar as palavras de nosso Senhor dirigidas
a Lázaro, quando o ressuscitou dentre os mortos. O Senhor clamou em
alta voz: “Lázaro, vem para fora!” Ao som daquelas palavras, de imediato
o rei dos terrores deu liberdade ao seu cativo, e a insaciável morte soltou
sua presa. Instantaneamente “saiu aquele que estivera morto, tendo os pés
e as mãos ligados com ataduras”.
Não podemos exagerar a grandeza deste milagre. A mente humana
raramente pode entender a amplitude da obra realizada nesta ocasião. Neste
evento, em pleno dia e diante de muitas testemunhas hostis, um homem
que estava morto havia quatro dias foi trazido de volta à vida, em um
instante. Esta foi uma demonstração pública do absoluto poder de nosso
Senhor sobre o mundo físico. Um cadáver já deteriorado recebeu vida!
Esta foi uma demonstração pública do absoluto poder de nosso Senhor
sobre o mundo dos espíritos! Uma alma que havia deixado sua habitação
terrena foi chamada de volta do paraíso e uniu-se novamente ao seu corpo
físico. A igreja de Cristo deve afirmar com certeza: Aquele que realizou
tal obra era o “Deus bendito para todo o sempre” (Rm 9.5).
Finalizemos nossas considerações sobre essa passagem obtendo
pensamentos de ânimo e consolo. O amável Salvador dos pecadores, do
—
qual nossas almas dependem plenamente para receber misericórdia, é Aquele
que possui todo poder no céu e na terra e pode salvar-nos este pensamento
é reconfortante. Recebemos consolo ao saber que não existe pecador tão
aprofundado no lamaçal do pecado, que o Senhor Jesus Cristo não possa
ressuscitá-lo e transformá-lo. Aquele que se colocou diante do sepulcro de
Lázaro tem poder para dizer ao mais vil dos homens: “Sai para fora...
Desatai-o e deixai-o ir”. A voz que chamou Lázaro para fora do sepulcro
um dia penetrará nossos sepulcros e ordenará que nossas almas e corpos se
unam novamente. “A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis,
e nós seremos transformados” (1 Co 15.52).
146 João 11.30-37
naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em
consideração. O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos
insensatos, na casa da alegria” (Ec 7.2,4). As palavras de nosso Senhor
são esquecidas com muita frequência: “E quem der a beber, ainda que se¬
ja um copo de água fria, a um destes pequeninos, por ser este meu discípulo,
em verdade vos digo que de modo algum perderá o seu galardão” (Mt
10.42). Os amigos de Marta e Maria comprovaram esta maravilhosa
promessa. Em uma época caracterizada por egoísmo e auto-satisfação,
bom seria se eles tivessem mais imitadores.
Esses versículos também nos ensinam que profunda simpatia existe
no coração de Cristo para com seu povo. Somos informados que, ao ver
Marta chorando e os judeus, juntamente com ela, nosso Senhor “agitou-se
em espírito e comoveu-se”. E, além disso, expressando visivelmente seus
sentimentos, “Jesus chorou”. Ele sabia que a aflição da família de Betânia
em breve se tomaria em regozijo e que em alguns minutos Lázaro seria
restituído a suas irmãs. Mas, embora estivesse ciente destes fatos, Ele
“chorou”.
O choro do Senhor Jesus é profundamente instrutivo. Revela-nos
que chorar não é pecado. Lamentar e entristecer-se constituem fortes
tentações para a came e o sangue, fazendo-nos perceber a fraqueza de
nossa existência; porém não são atitudes erradas em si mesmas. O próprio
Filho de Deus chorou. Isso nos mostra que um profundo sentimento é algo
que não deve nos causar vergonha. Ser frio, insensível e passivo na hora
da tristeza não é uma evidência de que possuímos a graça de Deus em
nosso coração. Não existe indignidade em um filho de Deus derramar
lágrimas. O próprio Senhor Jesus chorou, mostrando que nosso Salvador é
bastante compassivo e amável. É alguém que demonstra simpatia para com
as nossas enfermidades. Quando O buscamos na hora da aflição e Lhe
contamos nossos sentimentos, Ele sabe pelo que estamos passando e tem
compaixão de nós. O Senhor é alguém que nunca muda; embora esteja no
céu, sentado à direita de Deus, seu coração ainda é o mesmo que foi
enquanto esteve na terra. Temos um Advogado junto ao Pai, um Advogado
que, ao estar na terra, foi capaz de chorar.
Lembremo-nos dessas verdades em nossa vida diária e jamais nos
envergonhemos de andar nos passos de nosso Senhor. Esforcemo-nos para
ser homens e mulheres de corações sensíveis e espíritos repletos de simpatia.
Nunca fiquemos envergonhados de chorar com os que choram e alegrar-
nos com os que se alegram. Seria bom para a igreja e o mundo se houvesse
mais crentes dessa natureza e caráter! A igreja seria mais bela e o mundo,
mais feliz.
João 11.38-46 147
encontrava o corpo de seu irmão estava para ser aberto. Ela não acreditava
que isso teria algum proveito. “Senhor”, ela exclamou, “já cheira mal”.
Então veio a solene reprovação de Jesus: “Não te disse eu que, se creres,
verás a glória de Deus?”
Esta sentença é rica em significado. Ela contém uma referência à
primeira mensagem que fora enviada às irmãs, Marta e Maria, quando elas
comunicaram ao Senhor que Lázaro estava enfermo. Talvez esta solene
resposta tencionasse relembrar-lhes que o Senhor havia dito: “Esta
enfermidade não é para morte, e sim para a glória de Deus, a fim de que o
Filho de Deus seja por ela glorificado”. Todavia, é mais provável que o
Senhor Jesus desejava recordar a Marta a antiga lição que Ele lhe ensinara
—
durante todo o seu ministério o dever de confiar nEle sempre. Era como
se Jesus estivesse dizendo: “Marta, Marta, estás esquecendo a grande
doutrina da fé, que eu já te ensinei. Crê, e tudo sairá bem. Não temas,
apenas crê” .
Esta lição jamais poderemos aprender por completo. Quão rapidamente
nossa fé desfalece em tempo de aflição! Em dias de saúde e prosperidade,
conversamos com facilidade sobre as coisas espirituais; mas o faremos
com dificuldade em épocas sombrias, quando não aparecem o sol, a lua ou
as estrelas. Guardemos em nosso coração o que Jesus disse a Marta nesta
ocasião. Oremos para que tenhamos em nosso íntimo reservas de fé
semelhante a esta, para que, ao vir o sofrimento, suportemos pacientemente
e creiamos que tudo está em ordem. O crente que parou de afirmar: “Tenho
de ver para crer” e aprendeu a dizer: “Eu creio e, por isso, verei” alcançou
um grau elevado na escola de Cristo.
Em terceiro, podemos observar as palavras de nosso Senhor dirigidas
a Deus, o Pai, quando a pedra foi removida do sepulcro. Ele disse: “Pai,
graças te dou porque me ouviste. Aliás, eu sabia que sempre me ouves,
mas assim falei por causa da multidão presente, para que creiam que tu me
enviaste”.
Esta maravilhosa linguagem é totalmente diferente de qualquer coisa
proclamada através dos apóstolos ou dos profetas, quando realizavam
milagres. De fato, não constitui uma oração e sim louvor. Evidentemente,
essa linguagem transmite a idéia de uma constante e misteriosa comunicação
entre o Filho e o Pai, uma comunicação que ultrapassa a capacidade dos
homens explicarem ou entenderem. Não precisamos nutrir dúvidas de que,
nessa passagem, assim como em outras de seu evangelho, o apóstolo João
pretendia ensinar a completa e total unidade que existia entre Jesus e seu
Pai, em tudo que Ele fazia e ensinava. Uma vez mais, somos relembrados
que o Senhor Jesus não viera apenas como profeta, mas como o Messias
enviado pelo Pai e que era um com Ele. Novamente, o Senhor Jesus desejava
que aquelas pessoas soubessem que, assim como as palavras faladas por
João 11.38-46 149
Ele eram as próprias palavras que o Pai Lhe dera para transmitir, assim
também as obras que Jesus realizava eram as obras que o Pai lhe havia
dado para realizar. Em resumo, Ele era o Messias prometido, a quem o
Pai sempre ouve, porque Ele e o Pai são um.
Esta verdade é profunda e elevada; para desfrutarmos de paz em
nossas almas precisamos crer e aceitá-la plena e firmemente. Devemos ter
como um inabalável princípio de nossa religião o fato de que o Salvador
em quem confiamos não é outro senão o próprio Deus eterno, a Quem o
Pai sempre ouve, Aquele que é realmente o verdadeiro amigo de Deus.
Uma opinião clara a respeito da dignidade de nosso Mediador é um dos
segredos de consolo em nosso íntimo. Feliz é a pessoa que pode dizer:
“Sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar
o meu depósito até aquele Dia” (2 Tm 1.12).
Por último, devemos observar as palavras de nosso Senhor dirigidas
a Lázaro, quando o ressuscitou dentre os mortos. O Senhor clamou em
alta voz: “Lázaro, vem para fora!” Ao som daquelas palavras, de imediato
o rei dos terrores deu liberdade ao seu cativo, e a insaciável morte soltou
sua presa. Instantaneamente “saiu aquele que estivera morto, tendo os pés
e as mãos ligados com ataduras”.
Não podemos exagerar a grandeza deste milagre. A mente humana
raramente pode entender a amplitude da obra realizada nesta ocasião. Neste
evento, em pleno dia e diante de muitas testemunhas hostis, um homem
que estava morto havia quatro dias foi trazido de volta à vida, em um
instante. Esta foi uma demonstração pública do absoluto poder de nosso
Senhor sobre o mundo físico. Um cadáver já deteriorado recebeu vida!
Esta foi uma demonstração pública do absoluto poder de nosso Senhor
sobre o mundo dos espíritos! Uma alma que havia deixado sua habitação
terrena foi chamada de volta do paraíso e uniu-se novamente ao seu corpo
físico. A igreja de Cristo deve afirmar com certeza: Aquele que realizou
tal obra era o “Deus bendito para todo o sempre” (Rm 9.5).
Finalizemos nossas considerações sobre essa passagem obtendo
pensamentos de ânimo e consolo. O amável Salvador dos pecadores, do
—
qual nossas almas dependem plenamente para receber misericórdia, é Aquele
que possui todo poder no céu e na terra e pode salvar-nos este pensamento
é reconfortante. Recebemos consolo ao saber que não existe pecador tão
aprofundado no lamaçal do pecado, que o Senhor Jesus Cristo não possa
ressuscitá-lo e transformá-lo. Aquele que se colocou diante do sepulcro de
Lázaro tem poder para dizer ao mais vil dos homens: “Sai para fora...
Desatai-o e deixai-o ir”. A voz que chamou Lázaro para fora do sepulcro
um dia penetrará nossos sepulcros e ordenará que nossas almas e corpos se
unam novamente. “A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis,
e nós seremos transformados” (1 Co 15.52).
224 João 17.1-8
levou-a a encontrar paz para sua consciência e perdão para seus pecados.
Naquele momento, estava contemplando Lázaro vivo e saudável, ao lado
de seu Senhor
— seu próprio irmão Lázaro, que Jesus ressuscitara e trouxera
de volta ao convívio delas. Sendo tão amada, Maria concluiu que não seria
capaz de retribuir tanto amor. De graça recebeu, por isso de graça ela ofe¬
receu o bálsamo ao Senhor.
Mas havia algumas pessoas ali que acharam falta na atitude de Maria
e culparam-na de desperdício e extravagância. Em especial um dos apóstolos,
de quem deveríamos esperar coisas melhores, declarou que aquele bálsamo
teria sido melhor utilizado se o houvessem vendido e o dinheiro, dado
“aos pobres” . O coração que concebeu tais pensamentos devia ter opiniões
superficiais sobre a dignidade de Cristo e pontos de vista insignificantes a
respeito de nossos deveres. Coração insensível e mãos avarentas andam
sempre juntos.
Há muitos cristãos professos que possuem espírito semelhante em
nossos dias. Milhares de pessoas batizadas não podem entender qualquer
tipo de zelo em favor da honra do Senhor Jesus Cristo. Aconselhe-os a
gastarem seu dinheiro no desenvolvimento do comércio e investirem no
progresso da ciência, e eles aprovarão este conselho, reputando-o correto
e sábio. Conte-lhes sobre qualquer despesa realizada na pregação do
evangelho, em nosso país ou no exterior, a fim de propagar a Palavra de
Deus e o conhecimento de Cristo na terra, e eles dirão francamente que
consideram isso um desperdício. Eles jamais darão um centavo sequer
para tais empreendimentos e reputarão como tolos aqueles que o fazem. E,
o pior de tudo, com frequência tais pessoas encobrem sua própria recusa
em ajudar objetivos verdadeiramente cristãos por meio de uma pretensa
preocupação com os pobres. Por isso, acham conveniente esquecer este
notável fato: os que fazem mais pela causa de Cristo são os mesmos que
fazem mais em favor dos pobres.
Jamais permitamos que pessoas de tal caráter nos afastem da
perseverança na prática do bem. Se um homem não possui qualquer
sentimento de dívida para com Cristo, em vão esperamos que esse homem
faça muito por Ele. Precisamos ter compaixão da cegueira de nossos
impiedosos críticos e continuar trabalhando. Aquele que pleiteou a causa
de Maria, dizendo: “Deixai-a”, está assentado à direita de Deus e possui
um livro de recordações. Virá o dia quando o mundo espantado verá que
cada copo de água oferecido em nome de Cristo, bem como aquele precioso
unguento, foi registrado no céu e terá suas recompensas. Naquele grande
dia, os que pensavam que alguém pode dar coisas em excesso a Cristo
reconhecerão que seria melhor não haver nascido.
Por último, nessa passagem vemos a profunda dureza e incredulidade
que existe no coração do ser humano. A incredulidade se manifestou nos
208 João 15.17-21
o cálice que nosso Deus nos outorgou. Acima de tudo, sempre recordemos:
“Não é o servo maior do que seu senhor” .
Por outro lado, a perseguição serve para comprovar que somos filhos
de Deus e temos um tesouro no céu. Ela evidencia que realmente somos
nascidos de novo, temos a graça de Deus em nossos corações e somos
—
herdeiros da glória eterna “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o
que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos
escolhi, por isso, o mundo vos odeia” . Em resumo, a perseguição assemelha-
se à marca de genuinidade estampada sobre um barra de ouro: é um dos
sinais de que somos pessoas convertidas.
Fortaleçamos nossas mentes com este revigorante pensamento, quando
nos sentimos desanimados e estamos dispostos a desistir por causa do ódio
das pessoas incrédulas. Sem dúvida, a perseguição é algo difícil de suportar,
especialmente quando estamos cônscios de que somos inocentes. Porém
jamais esqueçamos que a perseguição contribui para o nosso bem; é uma
indicação da obra que o Espírito Santo começou em nosso coração, uma
obra que nunca poderá ser frustrada. Na perseguição, podemos recordar
aquela preciosa promessa: “Bem-aventurados sois quando, por minha causa,
vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra
vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus;
pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós” (Mt 5.12).
Terminemos este importante assunto com um sentimento de profunda
compaixão por aqueles que nos perseguem por causa do cristianismo.
—
Conforme nosso Senhor mesmo afirmou, com frequência os perseguidores
fazem isto por falta de melhor conhecimento “Não conhecem aquele
que me enviou”. Assim como nosso divino Senhor e como Estêvão, seu
servo, oremos por aqueles que com injúria nos afrontam e perseguem. A
perseguição proveniente deles raramente nos causa danos e com frequência
nos aproxima do Senhor, nos leva a buscar mais as Escrituras e o trono da
graça. Nossa intercessão, se for ouvida nos céus, trará bênçãos sobre as
almas dos perseguidores.
A má Utilização de Privilégios;
O Espírito Santo;
O Ofício dos Apóstolos
Leia João 15.22-27
voz de Deus, o Pai. Entretanto, para saber o motivo por que esta voz foi
ouvida apenas nessas três ocasiões, precisamos especular. Isto é um mistério
profundo, e não pretendemos falar especificamente sobre ele.
Para nós deve ser o bastante crer que este milagre tinha o propósito
de mostrar a íntima e permanente relação entre o Pai e o Filho, durante
todo o ministério terreno do Filho. Em nenhuma ocasião de seu ministério
o Pai deixou de estar bem perto do Filho, embora isto não fosse perceptível
aos homens. Também devemos reconhecer que este milagre tinha o objetivo
de demonstrar aos que ali estavam a plena aprovação do Pai ao Filho como
Messias, o Redentor e Salvador dos homens. A aprovação veio do Pai
através das três oportunidades em que Ele falou audivelmente e através
dos milagres e poderosos feitos realizados pelo Senhor Jesus. Com certeza,
podemos crer em todas estas coisas. Porém, apesar de termos dito tudo
isso, devemos ainda confessar: esta voz foi um mistério. Com admiração e
temor lemos a seu respeito, mas somos incapazes de explicá-la.
Por último, nesses versículos, encontramos o pronunciamento de uma
grande profecia. O Senhor Jesus declarou: “E eu, quando for levantado da
terra, atrairei todos a mim mesmo” .
No que se refere ao significado destas palavras, pode haver somente
uma idéia na mente de qualquer pessoa esclarecida. Elas não significam
que, se a doutrina de Cristo crucificado for exaltada e proclamada pelos
ministros e ensinadores do evangelho, terá um efeito de atração nos que a
ouvirem. Simplesmente significam que a morte de Cristo, na cruz, teria
um efeito de atração em toda a raça humana. Sua morte, como nosso Subs¬
tituto e como sacrifício pelos nossos pecados atrairia multidões, de todas
as nações, a crerem nEle e receberem-No como seu Salvador. Por ser
crucificado em nosso favor, e não por assumir um trono temporário, o
Senhor Jesus estabeleceria um reino no mundo e reuniria a Si mesmo os
súditos.
Esta profecia tem se cumprido na íntegra até agora, e a história da
igreja o comprova sobremaneira. Em todos os lugares do mundo, onde
quer que a história do Cristo crucificado tenha sido plenamente anunciada,
almas têm sido convertidas e atraídas a Ele, assim como o ferro é atraído
ao imã. Além da verdade sobre o Cristo crucificado, nenhuma outra satisfaz
tão exatamente as necessidades dos filhos de Adão, de todas as raças,
línguas e nações.
E esta profecia ainda não se exauriu; ainda terá uma realização mais
completa. Virá o dia em que todo o joelho se dobrará diante do Cordeiro,
que foi morto, e confessará que Ele é o Senhor, para a glória de Deus, o
Pai. Aquele que foi morto na cruz ainda se assentará no trono de glória e
diante dEle serão “atraídas” todas as nações. Amigos e inimigos, todos em
sua própria ordem, serão “atraídos” de seus sepulcros e comparecerão
164 João 12.27-33
é possível passar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua
vontade” (Mt 26.39-42). Agora, entretanto, Jesus demonstra mais uma
porção de alegre aquiescência: “Não beberei, porventura, o cálice que o
Pai me deu?”
Vejamos esta bendita atitude de nosso Senhor como um exemplo
para todos os que confessam ser crentes. Ainda que fiquemos aquém do
padrão do Senhor Jesus para as nossas vidas, o exemplo que Ele nos deu
deve ser sempre o nosso alvo. A determinação de seguir o nosso próprio
caminho e fazermos o que gostamos causa muita infelicidade. O hábito de
apresentar ao Senhor todos os nossos assuntos, em oração, pedindo-Lhe
que escolha o nosso caminho, é o grande segredo para desfrutarmos de
paz. O homem verdadeiramente sábio é aquele que aprendeu a dizer em
todas as circunstâncias de sua vida: “Dá-me o que Tu quiseres, coloque-
me onde desejares, faça comigo o que for do teu agrado. Faça-se a tua
vontade e não a minha” . Este é o homem que tem a mente de Cristo. Por
causa da vontade própria, Adão e Eva caíram, trazendo o pecado e miséria
para o mundo. Completa submissão à vontade de Deus é a melhor preparação
para o céu, onde Deus será tudo.
envergonhar de fazer qualquer coisa que seu Mestre fez. Ele disse: “Em
verdade, em verdade vos digo que o servo não é maior do que seu senhor,
nem o enviado, maior do que aquele que o enviou”.
Sem dúvida nosso Senhor, que vê todas as coisas, percebeu em seus
discípulos uma crescente indisposição para fazer coisas triviais semelhantes
a que Ele acabara de realizar. Ensoberbecidos por sua expectativa referentes
a tronos e um reino neste mundo, intimamente satisfeitos com sua posição
como amigos de nosso Senhor, esses galileus ficaram chocados com a
idéia de lavar os pés de outras pessoas! Eles não podiam acreditar que
servir ao Messias envolvia uma tarefa como esta. Não eram ainda capazes
de admitir a sublime verdade de que a grandeza do verdadeiro crente consiste
em fazer o bem aos outros. Por conseguinte, precisavam de uma advertência
da parte do Senhor. Se Ele não tivesse se humilhado ao ponto de realizar
serviços humildes, seus discípulos teriam hesitado em imitá-Lo neste
aspecto.
Precisamos sempre recordar esta lição. Manifestamos grande tendência
para rejeitar qualquer atividade que parece envolver dificuldade, renúncia
e o descer ao nível de nossos inferiores. Estamos sempre prontos a delegar
aos outros esse tipo de serviço, desculpando-nos: “Não tenho condições
de fazer isso”. Quando surgem atitudes desse tipo em nosso coração,
devemos recordar as palavras e o exemplo de nosso Senhor nesta ocasião.
Jamais devemos pensar que demonstrar bondade às mais insignificantes
pessoas é algo que nos humilha. Não devemos fechar nossas mãos
simplesmente por que os objetos de nossa amabilidade são ingratos ou
indignos. Esta não foi a maneira de pensar de nosso Senhor, que tanto
lavou os pés de Judas Iscariotes como os de Pedro.. Aquele que não pode
humilhar-se para andar no exemplo de seu Senhor demonstra pouca
evidência de possuir a humildade e o amor verdadeiros.
Também aprendemos nesses versículos que o conhecimento das coisas
espirituais destituído de sua prática é inútil. O Senhor Jesus disse: “Ora,
se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes”. Estas
palavras soam como uma advertência de nosso Senhor aos seus discípulos,
notificando-os que nunca seriam realmente felizes, no serviço dEle, se
ficassem contentes em possuir um conhecimento infrutífero de seus deveres
e não vivessem de acordo com tal conhecimento.
Esta lição merece ser constantemente recordada por todo verdadeiro
crente. É muito comum as pessoas afirmarem a respeito das doutrinas e de
seus deveres: “Nós a conhecemos; nós os sabemos”, ao mesmo tempo
que demonstram desobediência e incredulidade. Estes parecem iludir a si
mesmos com a idéia de que o conhecimento é digno de confiança e traz
redenção, ainda que não resulte em qualquer fruto na vida e no caráter. No
entanto, a verdade é exatamente o contrário. Saber o que devemos crer e
176 João 13.16-20
fazer e, ainda, não sermos afetados por tal conhecimento apenas aumenta
nossa culpa diante de Deus. Estar ciente do fato que os crentes devem ser
humildes e amáveis, mas, apesar disso, continuar demonstrando orgulho e
egoísmo apenas intensifica nossa condenação, a menos que nos
arrependamos. A prática é a própria essência da vida espiritual. “Portanto,
aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz nisso está pecando” (Tg
4.17).
É lógico que jamais devemos desprezar o conhecimento. Em certo
aspecto, o conhecimento é o início do cristianismo na alma. Enquanto não
sabemos qualquer coisa a respeito do pecado, de Cristo, da graça de Deus,
do arrependimento, da fé ou da consciência, não somos, obviamente,
melhores do que os pagãos. Entretanto, não podemos tributar excessiva
importância ao conhecimento, pois este será inútil, a menos que produza
resultados em nossa conduta, influencie nossas vidas e transforme nossa
vontade. Na verdade, o conhecimento sem a prática mantém-nos no estado
de criaturas ímpias. Os demónios disseram a Jesus: “Ah! Que temos nós
contigo, Jesus Nazareno? Vieste para perder-nos? Bem sei quem és: o
Santo de Deus!”. E Tiago afirmou que “os demónios crêem e tremem”
(Tg 2.19). Satanás conhece a verdade, porém não mostra qualquer
disposição em obedecê-la; por isso, é uma criatura miserável. Aquele que
deseja ser bem-sucedido no serviço de Cristo deve não apenas conhecer,
mas também praticar.
Esses versículos ainda nos ensinam o perfeito conhecimento que Cristo
possui a respeito de seu povo. Ele distingue entre a falsa confissão e a
verdadeira graça no coração. A igreja pode ser enganada e reputar como
ministros de Cristo homens que assemelham-se a Judas Iscariotes. No
entanto, Jesus nunca foi enganado, pois é capaz de sondar os corações. E,
nesta passagem, Ele declarou: “Eu conheço aqueles que escolhi”.
Este perfeito conhecimento de nosso Senhor constitui um pensamento
solene e aplica-se de duas maneiras. Primeiramente, deve alarmar o hipócrita
e conduzi-lo ao arrependimento. Ele deve lembrar que o onisciente Juiz já
perscrutou completamente seu coração e detectou a falta das vestes nupciais.
Se o hipócrita não deseja ser envergonhado quando todos estiverem reunidos
no dia do Juízo final, ele precisa abandonar sua falsa afirmação de ser
crente e confessar seu pecado, antes que seja tarde. Por outro lado, os
verdadeiros crentes devem pensar com tranquilidade sobre o Salvador que
sabe todas as coisas. Ao serem mal compreendidos e difamados pelo mundo
corrupto, podem recordar que seu Senhor está ciente de todas as coisas. O
Senhor Jesus sabe que, embora fracos e imperfeitos, eles são verdadeiros
e sinceros. Virá o tempo em que Ele os confessará diante de seu Pai e
aperfeiçoará o caráter deles, tomando-os mais puros e mais resplandecentes
do que o sol de verão ao meio-dia.
240 João 18.28-40
resisti-lo logo no início e não dar atenção à sua primeira investida, pois
somos responsáveis por isso. Ainda que ele é fortíssimo, não tem poder
para causar mal aos crentes, se estes clamarem Àquele que é todo-poderoso
e está nos céus, utilizando todos os meios que Ele designou. Um dos
permanentes princípios do cristianismo, um princípio do qual sempre
podemos comprovar a veracidade, é este: “Resisti ao diabo, e ele fugirá de
vós” (Tg 4.7).
Se uma pessoa começa a intrometer-se com o diabo, não saberá até
que ponto se aprofundará no pecado. Brincar com os primeiros pensamentos
de pecado, reputar como insignificantes as idéias más que surgem em nossos
corações, permitir que Satanás fale conosco, nos engane e introduza falsos
—
conceitos em nosso íntimo muitas pessoas talvez considerem tudo isso
como uma tolice. É exatamente neste ponto que se inicia o caminho para a
ruína eterna. Aquele que permite Satanás semear pensamentos injuriosos
logo encontrará em seu coração uma seara de hábitos maus. Feliz é aquele
que realmente acredita que o diabo existe; bem-aventurado é aquele que
vigia e ora todos os dias para ser guardado das tentações de Satanás.
Por último, devemos observar nesses versículos a extrema dureza de
coração que existe naqueles que professam ser discípulos de Cristo e
apartam-se dEle. Esta situação é tristemente ressaltada na vida de Judas
Iscariotes. Poderíamos ter imaginado que, ao contemplar a angústia de
nosso Senhor e a solene advertência: “Um de vós me trairá”, a consciência
daquele infeliz teria sido aguçada. Mas isto não aconteceu. Pensaríamos
que as palavras de Jesus: “O que pretendes fazer, faze-o depressa”
impressionariam Judas Iscariotes e o envergonhariam quanto à sua intenção
de trair Jesus. No entanto, nada mudou o seu propósito. Com a consciência
morta, cauterizada, insensível, Judas se levantou e retirou-se para consumar
sua obra maligna, abandonou o Senhor para sempre.
Um dos mais terríveis fatos de nosso caráter é a extensão em que
podemos endurecer nossos corações, por resistirmos a luz e o conhecimento
espiritual. Podemos nos tomar completamente insensíveis, tal como alguém
cujos membros de seu corpo não reagem mais, embora tal pessoa ainda
esteja viva. Podemos perder todos os sentimentos de vergonha, temor e
remorso, possuindo corações tão endurecidos quanto o mármore, cegos e
surdos a todos os avisos e apelos. Esta é uma enfermidade terrível, mas
infelizmente muito comum entre os que professam ser cristãos. Nenhuma
outra pessoa se toma tão culpada deste mal quanto aquele que, recebendo
bastante luz e privilégios espirituais, voluntariamente vira suas costas para
Cristo e retorna ao mundo. Provavelmente nada conseguirá inquietar esse
tipo de pessoa, somente a voz do arcanjo e a trombeta de Deus.
Vigiemos com intenso zelo os nossos corações e tenhamos cuidado
para que não cedamos às primeiras tentações do pecado. Feliz é aquele que
180 João 13.21-30
sempre teme e anda humildemente com seu Deus (Pv 28.14). Os crentes
mais fortes são aqueles que constantemente percebem sua fraqueza e com
frequência clamam: “Sustenta-me, e serei salvo, e sempre atentarei para
os teus decretos” (SI 119.117).
incrédulas, são novas criaturas, luzes e sal da terra, por serem habitados
pelo Espírito Santo.
Jesus mostrou que o Espírito Santo é outorgado à “igreja dos eleitos”,
a fim de permanecer nos crentes até que Ele venha novamente a este mundo.
O Espírito Santo foi dado à igreja para suprir cada necessidade dos crentes
e enchê-los com tudo que carecem, enquanto Cristo não está visivelmente
presente entre eles. O Espírito Santo foi enviado para habitar nos crentes
até que Cristo volte.
Estas verdades são importantíssimas. Cuidemos em assimilá-las com
firmeza e não as abandonemos. Juntamente com toda a verdade referente à
pessoa de Cristo, para desfrutarmos de paz e segurança é necessário que
conheçamos toda a verdade referente à pessoa do Espírito Santo. Devemos
rejeitar como erro quaisquer doutrinas a respeito da igreja, das ordenanças
e do ministério cristão que obscurecem a obra do Espírito Santo, em nosso
íntimo, ou transformam-na em algo superficial. Jamais descansemos en¬
quanto não estivermos certos de que o Espírito Santo habita em nós. “E, se
alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8.9).
por Jesus, quando a pedra de seu sepulcro foi removida, não foi conquistada
somente para Ele mesmo, e sim para todo o seu povo. Se a Cabeça ressurgiu
dentre os mortos, com certeza os membros também ressurgirão.
Os crentes genuínos devem sempre meditar em verdades como esta.
O mundo incrédulo pouco sabe a respeito dos privilégios do seguidor de
Cristo. Percebe alguns desses privilégios, mas apenas os visíveis. O mundo
não compreende o segredo do vigor que o crente desfruta no presente e de
sua esperança das coisas por vir. E qual é este segredo? A união invisível
com um Salvador invisível, que está nos céus! Todo filho de Deus está
invisivelmente ligado ao trono de Cristo, a Rocha dos Séculos. Se aquele
trono pudesse ser abalado, somente então poderíamos ficar desesperados.
Cristo vive, nós também viveremos.
Por último aprendemos que o pleno conhecimento das coisas
espirituais jamais será atingido antes da segunda vinda de Cristo. Nosso
Senhor disse: “Naquele dia, vós conhecereis que eu estou em meu Pai, e
vós, em mim, e eu, em vós”. O melhor dos crentes não conhece muito
enquanto está neste corpo. A queda de Adão corrompeu nosso entendimento,
bem como nossa consciência, coração e vontade. Mesmo após a conversão,
vemos obscuramente; e nenhum outro assunto entendemos com tanta falta
de clareza quanto o de nossa união com Cristo e com o Pai. Estes são
assuntos sobre os quais temos de nos contentar em crer com humildade e,
assim como uma criança, receber pela fé as coisas que não somos capazes
de explicar.
No entanto, o pensamento de que, quando o Senhor Jesus retomar,
os resquícios de nossa ignorância serão removidos é algo que nos conforta
e abençoa. Ressuscitados dentre os mortos, libertos das trevas deste mundo,
não mais sendo tentados pelo diabo e pelas concupiscências da came, os
crentes verão como foram vistos e conhecerão como também foram
conhecidos. Teremos abundância de luz naquele dia; o que agora não en¬
tendemos, haveremos de entender naquele tempo.
Nossas almas devem descansar neste reconfortante pensamento,
quando vemos lamentáveis divisões no seio da igreja de Cristo. Re¬
lembremos que grande parte de tais divisões surgiram por causa da falta de
melhor conhecimento. Agora conhecemos em parte e, consequentemente,
entendemos mal uns aos outros. O dia virá em que os crentes não
contenderão uns com os outros; isto ocorrerá na segunda vinda de Cristo.
Somente então a promessa alcançará plena realização: “Naquele dia, vós
conhecereis”.
João 15.22-27 209
ocorrerá no último dia aos crentes falsos, que apenas professam o nome de
Cristo. Se não se arrependerem, seu fim será a eterna condenação. Ficarão
etemamente separados da companhia dos verdadeiros crentes e, à seme¬
lhança dos ramos secos e inúteis, serão lançados no fogo eterno. Por fim,
descobrirão que, não importando o que eles pensam neste mundo, existe o
verme que não morre e o fogo inextinguível.
Em terceiro, esses versículos nos ensinam que os frutos do Espírito
são a única evidência satisfatória de alguém ser um verdadeiro crente. O
discípulo que “permanece” em Cristo, assim como o ramo que permanece
na videira, produz muito fruto.
Aquele que deseja saber o significado do vocábulo “fruto” logo achará
a resposta. Arrependimento para com Deus, fé em nosso Senhor Jesus
—
Cristo, santidade de vida e de conduta isto é o que o Novo Testamento
chama de fruto. Estas marcas caracterizam a pessoa que vive como genuíno
ramo da “videira verdadeira”. Se não tivermos estas coisas, em vão
confessaremos que possuímos a graça divina e vida espiritual. Não existe
vida onde não há frutos. Aquele que não possui estas virtudes, embora es¬
teja vivo, encontra-se morto.
A verdadeira graça, não podemos esquecer, jamais é infrutífera. Não
dorme, nem cochila. Em vão supomos que somos membros do corpo de
Cristo, se o exemplo dEle é a única evidência satisfatória da união salvado¬
ra que existe entre nossa alma e o Senhor Jesus. Não existe a verdadeira
vida espiritual no coração em que não podemos ver o fruto do Espírito. O
Espírito de vida em Cristo Jesus sempre se manifestará na vida e conduta
diária daqueles em quem Ele habita. O próprio Senhor Jesus declarou:
“Cada árvore é conhecida pelo seu próprio fruto” (Lc 6.44).
Por último, esses versículos nos ensinam que Deus frequentemente
levará o crente a progredir em santidade através das providências que
utiliza em seu lidar com ele. Está escrito: “Todo o que dá fruto limpa, para
que produza mais fruto ainda”.
O significado destas palavras é evidente. Assim como o viticultor po¬
da e apara os ramos de uma vinha frutífera, a fim de tomá-la mais frutífera,
assim também Deus purifica e santifica os crentes através das circunstâncias
da vida em que Ele os coloca.
Falando sinceramente, as provações são o instrumento pelo qual nosso
Pai celestial toma o crente mais santificado. Por meio destas, Ele desperta
nos crentes suas virtudes passivas e comprova se eles são capazes de suportar
a vontade dEle, tão bem quanto o fazê-la. Por meio das provações, Deus
os afasta do mundo, atraindo-os a Cristo, aproximando-os da Bíblia e da
oração, fazendo-os conhecer seus próprios corações e tomando-os humildes.
Este é o processo pelo qual Deus “limpa” os crentes e os toma mais fru¬
tíferos. As vidas dos santos de todas as épocas são o melhor e mais
216 João 16.8-15
são aqueles que não esquecem este mandamento de Cristo! Terão direito à
arvore da vida e entrarão na cidade celestial. O crente que não ama está
desqualificado para o reino celestial.
Em segundo lugar, devemos observar nesta passagem a maneira como
nosso Senhor fala sobre o relacionamento que existe entre Ele e seus dis¬
cípulos. Ele disse: “Já não vos chamo servos... mas tenho-vos chamado
amigos”.
—
Este é sem dúvida um grande privilégio. Conhecer, servir, obedecer,
seguir a Cristo, trabalhar em sua vinha e lutar em favor dEle tudo isto é
deveras importante. Entretanto, o fato de que homens e mulheres pecadores
como nós são chamados de amigos de Cristo é algo que nossas mentes
imperfeitas dificilmente podem entender e assimilar. O Rei dos reis e Senhor
dos senhores não apenas teve piedade e se compadeceu de todos os que
crêem nEle, mas agora os chama de “amigos” . Não devemos admirar que,
diante de uma linguagem como esta, o apóstolo Paulo tenha dito que “o
amor de Cristo... excede todo entendimento” (Ef 3.19).
Esta expressão deve nos encorajar a intensificar nossa familiaridade
com Cristo, através da oração. Por que nos sentimos receosos de abrir-
Lhe nossos corações e contar nossos segredos para Aquele que nos chama
seus amigos? Permitamos que esta expressão nos fortaleça em todos os
problemas e tristezas de nossas vidas e faça crescer nossa confiança no
Senhor Jesus. Salomão disse: “O homem que tem muitos amigos sai
perdendo; mas há amigo mais chegado do que um irmão” (Pv 18.24).
Com certeza, nosso sublime Senhor, que está no céu, nunca esquecerá
seus amigos. Embora sejamos pecadores e indignos, Ele jamais nos
abandonará, mas permanecerá ao nosso lado, preservando-nos até ao fim.
Davi nunca esqueceu Jônatas; e o Filho de Davi fará o mesmo em relação
ao seu povo. Nenhuma pessoa é tão rica, tão forte, tão independente, tão
bem-sucedida e tão completamente suprida quanto aquela a respeito de
quem o Senhor afirmou: “Este é meu amigo” .
Por último, devemos observar nessa passagem a maneira como nosso
Senhor se referiu à doutrina da eleição. Ele disse: “Não fostes vós que me
escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi... para que vades e deis
fruto”. A escolha aqui mencionada evidentemente tem dois aspectos. Não
somente inclui a escolha para o ministério apostólico, que era peculiar aos
onze, mas também a eleição para a vida eterna, o privilégio de todos os
crentes. A este segundo aspecto da escolha proveitosamente voltaremos
nossa atenção, visto que se refere a todos nós.
A eleição para a vida eterna é uma verdade das Escrituras que temos
de aceitar e crer com humildade. Por que o Senhor Jesus chamou alguns e
outros não, vivificou alguns e deixou outros permanecerem em seus
pecados? Estas são perguntas que não podemos explicar. Para nós o
206 João 15.12-16
o cálice que nosso Deus nos outorgou. Acima de tudo, sempre recordemos:
“Não é o servo maior do que seu senhor” .
Por outro lado, a perseguição serve para comprovar que somos filhos
de Deus e temos um tesouro no céu. Ela evidencia que realmente somos
nascidos de novo, temos a graça de Deus em nossos corações e somos
—
herdeiros da glória eterna “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o
que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos
escolhi, por isso, o mundo vos odeia” . Em resumo, a perseguição assemelha-
se à marca de genuinidade estampada sobre um barra de ouro: é um dos
sinais de que somos pessoas convertidas.
Fortaleçamos nossas mentes com este revigorante pensamento, quando
nos sentimos desanimados e estamos dispostos a desistir por causa do ódio
das pessoas incrédulas. Sem dúvida, a perseguição é algo difícil de suportar,
especialmente quando estamos cônscios de que somos inocentes. Porém
jamais esqueçamos que a perseguição contribui para o nosso bem; é uma
indicação da obra que o Espírito Santo começou em nosso coração, uma
obra que nunca poderá ser frustrada. Na perseguição, podemos recordar
aquela preciosa promessa: “Bem-aventurados sois quando, por minha causa,
vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra
vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus;
pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós” (Mt 5.12).
Terminemos este importante assunto com um sentimento de profunda
compaixão por aqueles que nos perseguem por causa do cristianismo.
—
Conforme nosso Senhor mesmo afirmou, com frequência os perseguidores
fazem isto por falta de melhor conhecimento “Não conhecem aquele
que me enviou”. Assim como nosso divino Senhor e como Estêvão, seu
servo, oremos por aqueles que com injúria nos afrontam e perseguem. A
perseguição proveniente deles raramente nos causa danos e com frequência
nos aproxima do Senhor, nos leva a buscar mais as Escrituras e o trono da
graça. Nossa intercessão, se for ouvida nos céus, trará bênçãos sobre as
almas dos perseguidores.
A má Utilização de Privilégios;
O Espírito Santo;
O Ofício dos Apóstolos
Leia João 15.22-27
Por duas razões, essa passagem é uma das mais notáveis porções das
Escrituras. Ela constitui uma adequada conclusão do longo discurso de
nosso Senhor aos seus discípulos e contém a mais abrangente e unânime
declaração de fé que os apóstolos fizeram: “Agora vemos que sabes todas
as coisas... por isso, cremos que, de fato, vieste de Deus”.
Não podemos negar que esses versículos apresentam verdades difíceis
de ser entendidas. Mas neles encontramos três lições claras e úteis, que
podemos considerar com proveito.
Primeiramente, a passagem nos ensina que o conhecimento de Deus,
o Pai, é um dosfundamentos do cristianismo. Nosso Senhor disse aos seus
discípulos: “Vem a hora em que... vos falarei claramente a respeito do
Pai” . Devemos observar que Jesus não falou: “Eu vos falarei claramente a
respeito de mim mesmo”. Ele prometeu mostrar-nos o Pai.
A sabedoria desta notável afirmativa é bastante profunda. O assunto
do caráter e atributos de Deus é um dos assuntos sobre os quais os homens
sabem quase nada. Não foi em vão que o Senhor Jesus declarou: “Ninguém
João 16.25-33 221
conhece o Pai senão o filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt
11.27); e: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigénito, que está no
seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18). Milhões de pessoas imaginam
que conhecem a Deus, porque pensam que Ele é sábio, grande, todo-
poderoso, eterno e sabe todas as coisas; contudo, não sabem mais nada
sobre Ele. Pensar que Deus é justo e justifica o pecador que crê em Jesus;
saber que Ele enviou seu Filho para sofrer e morrer, a fim de reconciliar
consigo mesmo o mundo e pensar que Deus satisfez-se plenamente com o
sacrifício expiatório de seu Filho, por meio do qual sua lei foi cumprida
esta maneira de pensar sobre Deus não é outorgada a todos os filhos dos
—
homens. Não devemos ficar admirados que nosso Senhor disse: “Vos falarei
claramente a respeito do Pai”.
Em nossas orações, devemos suplicar diariamente que conheçamos
melhor o “único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo”, a quem Ele enviou.
Também estejamos cônscios dos erros que alguns cometem, ao falar sobre
Deus como se Cristo não existisse, e do enganos de outros que falam sobre
Cristo como se o Pai não existisse. Procuremos conhecer igualmente as
três pessoas da bendita Trindade, tributando a cada Pessoa a honra devida.
Guardemos firmemente em nossos corações a grande verdade de que o
evangelho de nossa salvação resulta dos eternos conselhos do Pai, do Filho
e do Espírito Santo; e que somos completamente devedores ao amor do
Pai, do Filho e do Espírito Santo. Somente tem sido profundamente instruído
por Cristo aquele homem que sempre se aproxima do Pai através do Filho,
intensificando cada vez mais, tal como uma criança, sua confiança nEle e
constantemente entendendo com mais abrangência que em Cristo Deus
não se mostra um Juiz severo, e sim um Amigo e Pai amável.
Em segundo, essa passagem nos ensina que nosso Senhor Jesus Cristo
valoriza as pequenas virtudes e fala com bondade a respeito daqueles que
as possuem. Ele disse aos seus discípulos: “O próprio Pai vos ama, visto
que me tendes amado e tendes crido que eu vim da parte de Deus”.
Quão frágeis eram o amor e a fé daqueles apóstolos! Em breve, em
poucas horas, eles seriam envolvidos por uma nuvem de incredulidade e
covardia. Estes mesmos homens que Jesus elogiou por causa de seu amor
e sua fé, antes que o sol despontasse abandonariam a Cristo e fugiriam.
Entretanto, apesar de fracas, as virtudes espirituais deles eram autênticas,
verdadeiras. Eram virtudes que milhares de eruditos fariseus, escribas e
sacerdotes jamais obtiveram e, por isso mesmo, pereceram horrivelmente
em seus pecados.
Sejamos intensamente fortalecidos por meio desta bendita verdade.
O Salvador dos pecadores não lançará fora nenhum dos que crêem nEle,
ainda que estes sejam bebés na fé e no conhecimento de Deus. Ele não
“esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega” . Por trás
260 João 20.19-23
—
sangue da expiação, paz entre os homens por meio da infusão de graça e
amor propagar esta paz seria a obra da igreja. Qualquer religião, tal
como o islamismo, que faz adeptos através da espada não procede dos céus
e sim da terra. Qualquer tipo de cristianismo que mata os homens em fo¬
gueiras, a fim de promover seu próprio sucesso, traz consigo a estampa de
apostasia. O verdadeiro cristianismo é aquele que se esforça ao máximo a
fim de propagar a verdadeira paz, a paz de Cristo.
Também devemos observar a notável evidência deixada por nosso
Senhor em referência à sua própria ressurreição. Ele graciosamente apelou
aos sentidos de seus temerosos discípulos, mostrando-lhes “as mãos e o
lado”. Ordenou que, com seus próprios olhos, vissem que Ele tinha um
verdadeiro corpo físico e não era um fantasma ou um espírito. De acordo
com Lucas, Jesus disse: “Apalpai-me e verificai, porque um espírito não
tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho”. Sem dúvida, grande foi
a condescendência de nosso bendito Senhor, em humilhar-se perante a
inconsistente fé manifestada pelos onze apóstolos! Porém, grande também
—
foi o princípio que Ele estabeleceu para sua igreja utilizar em todas as
épocas, até que Ele volte nosso Senhor não exige que creiamos em na¬
da contrário aos nossos sentidos. Coisas que estão acima de nossa capaci¬
dade de entender temos de encontrar em uma religião que procede das
alturas, mas não coisas que são contrárias ao nosso raciocínio.
Devemos sustentar com firmeza este grande princípio e nunca esquecer
de utilizá-lo. Em especial, tenhamos cuidado em aplicá-lo à maneira como
avaliamos os efeitos das ordenanças e da obra do Espírito Santo. Exigir
que as pessoas acreditem que certos homens possuem o poder de vivificar
exclusivo do Espírito Santo, quando nossos olhos nos mostram que tais
homens estão vivendo em constante indolência e pecado ou crêem que o
pão e o vinho, na Ceia do Senhor, tomam-se o verdadeiro corpo e sangue
de Cristo — isto equivale a exigir mais crença do que o próprio Senhor
Jesus exigiu de seus discípulos; corresponde a exigir aquilo que é contrário
à razão e ao bom senso. Cristo jamais fez tais exigências. Não procuremos
ser mais sábios do que nosso Senhor.
Por último, devemos observar nesses versículos a maravilhosa
comissão que nosso Senhor outorgou aos seus onze apóstolos. Ele lhes
disse: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio. E, havendo
dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Se de
alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são
retidos”.
Não podemos negar que o verdadeiro significado destas solenes
palavras tem sido, durante séculos, motivo de controvérsia e discórdia. É
João 16.25-33 223
provisão e cuidado dAquele que não cochila e não dorme. Jesus “pode
salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para
interceder por eles” (Hb7.25). Os crentes jamais perecem porque o Senhor
Jesus nunca deixa de orar por eles, e as orações de Jesus sempre prevalecem.
Os crentes permanecem firmes e perseveram até ao fim, não por causa de
suas próprias forças e bondade, mas porque Jesus intercede por eles. Quando
Judas caiu, sem jamais levantar-se; quando Pedro caiu, mas arrependeu-se
e foi restaurado, a razão para essa diferença estava nas palavras de Cristo
ditas a este: “Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça”
(Lc 22.32).
O verdadeiro servo de Cristo pode descansar sua alma nesta verdade
e fortalecer-se nela. Este é um dos peculiares tesouros e privilégios do
crente e precisa ser bem conhecido. Embora os falsos ensinadores e
hipócritas lutem contra e abusem desta verdade, ela é sustentada com firmeza
por todos aqueles que reconhecem a obra do Espírito em seus corações.
Com certeza, disse o sábio Hooker: “A condição dos homens não é tão
segura quanto a nossa; a intercessão de Cristo é suficiente tanto para nos
fortalecer, para que não sejamos fracos, quanto para vencer todo poder do
inimigo, para que este não seja poderoso e capaz”.
Em segundo, aprendemos que Cristo não deseja que seu povo retire-
se do mundo, mas que seja protegido do mal. Podemos estar certos de que
a onisciência do Senhor detectou nos corações de seus discípulos um
impaciente desejo de retirarem-se deste mundo conturbado. Poucos em
número e fracos em poder, rodeados por inimigos e perseguidores, os
discípulos com razão poderiam desejar serem livres deste ambiente de
conflito e irem para o lar. O próprio Davi em certa ocasião clamou: “Q
uem me dera asas como de pomba! Voaria e acharia pouso” (SI 55.6).
Levando em conta todas estas coisas, nosso Senhor com sabedoria colocou
estas palavras em sua oração, para benefício perpétuo de sua igreja. Ele
nos ensinou a grande lição de que julga melhor, para seu povo, ser mantido
no mundo e preservado nele do que ser retirado do mundo e da presença
de todo mal.
Meditando neste fato, não é difícil perceber a sabedoria de nosso
Senhor tanto neste quanto em outros assuntos relacionados a seu povo.
Ainda que seja agradável à carne e ao sangue ser removido do conflito e da
tentação, facilmente podemos compreender que isto não seria proveitoso.
Como poderia o povo de Cristo fazer qualquer bem ao mundo, se dele
fosse retirado imediatamente após se converterem? Como poderiam
demonstrar o poder da graça divina e comprovar sua fé, coragem e paciência,
como bons soldados de um Senhor crucificado? Como poderiam ser
adequadamente treinados para a eternidade e aprender o valor do sangue,
da intercessão e paciência de seu Redentor, a menos que aprendessem tudo
228 João 17.9-16
isso por meio de experiências de sofrimento? Estas perguntas admitem
somente um tipo de resposta. Habitar neste vale de lágrimas, sendo tentados,
provados e afligidos, mas, apesar disso, ser preservado é a maneira mais
segura de promover a santificação do crente e de glorificar a Cristo. Ir
para o céu imediatamente após a conversão seria um caminho fácil e nos
pouparia muitos problemas. No entanto, o caminho mais fácil não é o
caminho do dever. Aquele que deseja ganhar a coroa precisa carregar a
cruz e mostrar-se como uma luz no meio das trevas e sal no meio de um
mundo corrompido. “Fiel é esta palavra: Se já morremos com ele, também
viveremos com ele (2 Tm 2.11).
Se realmente somos discípulos de Cristo, fiquemos contentes em
admitir que Ele sabe melhor do que nós aquilo que contribui para o nosso
bem. Deixemos nossas circunstâncias aos cuidados dEle e nos contentemos
em permanecer onde estamos, não importa qual seja a nossa posição,
enquanto o Senhor Jesus nos guarda do mal. Não tenhamos dúvida de que
seremos guardados, pois Ele mesmo orou por isto. Podemos estar certos
de que nada exalta tanto a graça divina quanto o fato de que, assim como
Daniel na Babilónia e os crentes da casa do imperador romano, vivemos
no mundo, mas não somos do mundo; somos tentados por todos os lados,
mas vencemos as tentações; não fomos retirados do alcance e poder do
Maligno, porém somos guardados e preservados de seu poder.
Senhor viu com olhos proféticos. E sua visão antecipada desses fatos o fez
orar intensamente em favor da unidade dos crentes.
A recordação dessa parte da oração de Cristo deve permanecer cons¬
tantemente em nossos corações e influenciar nosso comportamento cristão.
Nenhum de nós deve pensar com leviandade, como alguns às vezes o fa¬
zem, a respeito de divisões e imaginar que a atitude de sectarismo, de par-
tidarismo e de criar novas denominações é algo insignificante. Podemos
estar certos de que estas coisas apenas servem de ajuda ao diabo e prejudicam
a causa de Cristo. “Se possível, quanto depender de vós, tende paz com
todos os homens” (Rm 12.18). Antes de nos entregarmos à divisão, devemos
suportar, ceder e aguentar muito. Há movimentos em que frequentemente
existe muito fogo enganoso. Os zelosos fanáticos que se deleitam em criar
divisões e partidos na igreja podem nos vituperar, se desejarem. Não
devemos nos preocupar com eles. Enquanto tivermos o Senhor Jesus Cristo
e uma boa consciência, com paciência permaneçamos onde estamos, se¬
guindo aquilo que conduz à paz, esforçando-nos para promover a unidade.
Não foi em vão que o Senhor Jesus suplicou intensamente que seu povo
seja “um” .
Por último, observamos nesses versículos que o Senhor Jesus orou
para que seu povo, ao final de tudo, esteja com Ele e desfrute de sua gló¬
ria. Ele disse: “Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também
comigo os que me deste, para que vejam a minha glória”.
Esta é uma pungente conclusão para a notável oração de nosso Senhor.
Tenhamos certeza de que estas palavras tinham o propósito de animar e
trazer conforto para aqueles que as ouviram, fortalecendo-os para os acon¬
tecimentos finais, que se aproximavam rapidamente. Entretanto, para todos
aqueles que lêem-na, até hoje, essa parte da oração de Cristo está repleta
de indizível consolo e refrigério.
Agora não podemos ver a Cristo. Lemos a respeito dEle, ouvimos a
sua voz, cremos em sua Pessoa e descansamos nossas almas em sua obra
consumada. No entanto, mesmo os melhores dentre nós, no melhor de nós
mesmos, andamos por fé e não pelo que vemos; e nossa pobre e vacilante
fé com frequência nos faz andar com dificuldade no caminho para o céu.
Mas haverá um final para todo esse estado de coisas que temos hoje. Naquele
dia, veremos a Cristo assim como Ele é e conheceremos da maneira como
agora somos conhecidos. Nós O contemplaremos face a face e não mais
como por espelho. Estaremos definitivamente na presença e na companhia
de Cristo, para nunca mais sairmos. Se a fé nos tem sido agradável, quanto
mais será vê-Lo com nossos próprios olhos; se a esperança nos tem pro¬
duzido refrigério, quanto mais consolo obteremos ao estar pessoalmente
com Ele. Não devemos admirar que, depois de ter escrito: “Estaremos
para sempre com o Senhor”, o apóstolo Paulo acrescentou: “Consolai-
João 17.17-26 231
Sempre lembremos que nosso Senhor sofreu e morreu por sua própria
vontade e não porque Ele não podia impedi-lo. Ele não sofreu por ser in¬
capaz de evitá-lo. Todo o exército de Herodes não poderia prendê-Lo, se
Ele não estivesse disposto a ser preso. Não Lhe teriam machucado a cabeça,
se Ele não lhes tivesse permitido. Nesta ocasião, como em todo o seu mi¬
nistério terreno, Jesus foi um sofredor voluntário; havia decidido realizar
a obra de redenção. Ele nos amou e entregou-se a Si mesmo alegre e es¬
pontaneamente, a fim de propiciar expiação para os nossos pecados. Foi a
“alegria que lhe estava proposta” que o fez suportar a cruz e não fazer caso
da ignomínia, entregando-se sem relutância aos seus inimigos. Este pen¬
samento deve estar sempre em nossos corações e refrigerar nossas almas.
Temos um Salvador que está mais disposto a salvar-nos do que nós a ser¬
mos salvos. Se ainda não estamos salvos a culpa é nossa. Jesus se mostra
tão disposto a receber e perdoar as pessoas quanto Ele esteve disposto a ser
preso, crucificado e morto.
Em terceiro, vemos nesses versículos a tema misericórdia do Senhor
Jesus demonstrada em sua preocupação com a segurança dos discípulos.
Nestes momentos críticos, quando seus sofrimentos estavam para começar,
Ele não esqueceu o pequeno grupo de discípulos que estivera com Ele. O
Senhor Jesus recordou a imperfeição deles. Sabia que seus discípulos ainda
não estavam prontos para enfrentar a fornalha de aflição na casa do sumo
sacerdote e no tribunal de Herodes. Ele misericordiosamente providenciou-
—
lhes um escape “Se é a mim, pois, que buscais, deixai ir estes”. Parece
mais provável que uma miraculosa influência acompanhou estas palavras.
De qualquer maneira, nenhum cabelo de seus discípulos foram tocados.
Enquanto o pastor estava sendo preso, as ovelhas tiveram permissão de
fugir sem qualquer dano.
Não devemos hesitar em ver neste incidente uma ilustração da maneira
como Jesus lida com seus discípulos até hoje. Ele não permitirá que sejam
tentados além de suas forças. Haverá de controlar os ventos e tempestades,
não permitindo que os crentes, embora fustigados, sejam completamente
destruídos. Ele cuida com ternura de cada um de seus filhos e, à semelhança
de um médico sábio, dispensa com prudente habilidade a correta medida
de provações que eles necessitam. “Eu lhes dou a vida eterna; jamais
perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão” (Jo 10.28). Sempre
devemos descansar nesta preciosa verdade. Em nossas horas mais difíceis,
os olhos do Senhor estão sobre nós, e, com certeza, ao final estaremos
seguros.
Por último, vemos nesses versículos a perfeita submissão de nosso
Senhor à vontade do Pai. Antes, no Jardim do Getsêmani, Ele havia dito:
“Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como
eu quero, e sim como tu queres”. E, de novo, Ele orou: “Meu Pai, se não
234 João 18.1-11
é possível passar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua
vontade” (Mt 26.39-42). Agora, entretanto, Jesus demonstra mais uma
porção de alegre aquiescência: “Não beberei, porventura, o cálice que o
Pai me deu?”
Vejamos esta bendita atitude de nosso Senhor como um exemplo
para todos os que confessam ser crentes. Ainda que fiquemos aquém do
padrão do Senhor Jesus para as nossas vidas, o exemplo que Ele nos deu
deve ser sempre o nosso alvo. A determinação de seguir o nosso próprio
caminho e fazermos o que gostamos causa muita infelicidade. O hábito de
apresentar ao Senhor todos os nossos assuntos, em oração, pedindo-Lhe
que escolha o nosso caminho, é o grande segredo para desfrutarmos de
paz. O homem verdadeiramente sábio é aquele que aprendeu a dizer em
todas as circunstâncias de sua vida: “Dá-me o que Tu quiseres, coloque-
me onde desejares, faça comigo o que for do teu agrado. Faça-se a tua
vontade e não a minha” . Este é o homem que tem a mente de Cristo. Por
causa da vontade própria, Adão e Eva caíram, trazendo o pecado e miséria
para o mundo. Completa submissão à vontade de Deus é a melhor preparação
para o céu, onde Deus será tudo.
Esses versículos nos apresentam uma cena maravilhosa, que deve ser
profundamente interessante para todos aqueles que professam ser crentes.
Parecendo um imenso painel histórico, esse texto nos mostra em especial
três retratos, nos quais convém fixar nossa atenção. Revelam três pessoas
que servem de exemplos para nossas vidas, e será proveitoso examiná-los
em ordem.
O primeiro retrato que encontramos nessa passagem é o do próprio
Senhor Jesus Cristo. Vemos o Salvador dos homens sendo chicoteado,
coroado com espinhos, escarnecido, esbofeteado, rejeitado por seu povo,
injustamente condenado ao mais doloroso tipo de morte. No entanto, Ele
era o eterno Filho de Deus, Aquele a quem os incontáveis anjos do Pai se
deleitavam em honrar. Foi Ele quem veio ao mundo para salvar os pecadores
e, após viver de maneira imaculada durante trinta anos, passou seus últimos
três anos de vida andando por toda parte, fazendo o bem e pregando o
evangelho. Com certeza, desde o dia de sua criação, o sol jamais brilhou
com tanta intensidade!
Admiremos o amor de Cristo, sobre o qual o apóstolo Paulo disse:
“Excede todo entendimento”, e vejamos que esta expressão está repleta de
profundo significado. Não existe amor terreno com o qual possamos
compará-lo e nenhum padrão capaz de avaliá-lo. É um amor inigualável.
Ao meditar sobre esta história de sofrimentos, jamais esqueçamos que
Jesus sofreu por causa de nossos pecados, o justo pelos injustos, e que Ele
foi traspassado por causa de nossas transgressões e ferido por causa de
nossas iniquidades, a fim de que por meio de seus sofrimentos fôssemos
salvos.
Com diligência, devemos seguir o exemplo de paciência dado por
nosso Senhor, em todas as provas e aflições de nossas vidas, especialmente
aquelas que nos alcançam por motivos espirituais. Quando foi ultrajado, o
Senhor Jesus não revidou com ultraje; ao ser maltratado, não fez ameaças,
mas entregou-se Àquele que julga retamente. Revistamo-nos destas mesmas
atitudes. Olhemos atentamente para Aquele que, sem murmurar, suportou
tamanha oposição da parte dos pecadores e esforcemo-nos para glorificá-
Lo através do sofrimento, bem como da prática do bem.
242 João 19.1-16
O segundo retrato que encontramos na passagem é o dos judeus
incrédulos que favoreceram a morte de Jesus. Nós os vemos por três ou
quatro horas rejeitando a oferta de Pilatos referente à liberdade de nosso
Senhor, exigindo com ferocidade a sua crucificação, clamando agres¬
sivamente por sua condenação à morte, recusando-se com persistência a
reconhecê-Lo como seu rei, declarando que não tinham outro rei, exceto
César, e acumulando sobre suas próprias cabeças grande parte da culpa
pela morte de Cristo. Apesar disso, eram filhos de Israel e descendentes
de Abraão; a eles pertenciam as promessas, os cerimoniais da lei de Moisés,
os sacrifícios e o templo. Estes foram os homens que professavam aguardar
um profeta maior do que Moisés, um descendente de Davi, que estabeleceria
um reino como Messias. Desde a queda de Adão, nunca houve tão grande
demonstração da profunda impiedade do coração humano.
Com temor e tremor, estejamos atentos ao imenso perigo de uma
contínua rejeição da luz e do conhecimento. Realmente existe um julgamento
imposto na forma de cegueira espiritual; e este é o pior dos juízos que
Deus pode enviar sobre uma pessoa. Aquele que, à semelhança de Faraó e
Acabe, é constantemente repreendido por Deus e recusa-se a aceitar tal
repreensão, por fim endurecerá seu coração, mais do que uma rocha
inquebrável, e terá uma consciência insensível e cauterizada. Esta era a
situação dos judeus durante a época do ministério terreno de nosso Senhor,
e o clímax de seus pecados foi sua deliberada rejeição de Jesus, quando
Pilatos desejava soltá-Lo. Devemos orar para que sejamos isentos de tal
cegueira espiritual! Não existe pior julgamento da parte de Deus do que
sermos entregues a nós mesmos, ou à impiedade de nossos próprios
corações, ou ao maligno. Não existe uma maneira mais segura de trazermos
juízo sobre nós mesmos do que persistirmos em rejeitar os avisos e
continuarmos pecando contra a luz. As palavras de Salomão devem causar-
nos bastante pavor: “Mas, porque clamei, e vós recusastes; porque estendi
a mão, e não houve quem atendesse; antes, rejeitastes todo o meu conselho
e não quisestes a minha repreensão; também eu me rirei na vossa desventu¬
ra, e, em vindo o vosso terror, eu zombarei” (Pv 1 .24-26). Jamais nos es¬
queçamos de que, assim como os judeus, podemos ser entregues a grande
ilusão, de modo que creiamos na mentira e pensemos estar servindo a
Deus, quando na realidade estamos pecando (2 Ts 2.11).
O terceiro e último retrato que encontramos nesta passagem é o de
Pôncio Pilatos. Vemos o governador romano, um homem de status elevado,
representante do mais poderoso império daquela época, um homem que
deveria ser fonte de justiça e equidade; nós o vemos hesitando entre dois
pensamentos em um caso tão claro quanto a luz do sol ao meio-dia. Ele
sabia o que era correto, mas estava com medo de agir de acordo com este
conhecimento; estava convicto de que deveria libertar o prisioneiro que
João 19.1-16 243
tinha diante de si, mas estava receoso de fazê-lo, para que não desagradas¬
se aqueles que O acusavam. Assim, com base no temor dos homens, ele
sacrificaria as exigências da justiça; motivado por covardia, aprovaria um
crime gravíssimo; e finalmente, por amar a opinião dos homens, Pilatos
apoiaria o assassinato de um inocente. A natureza humana jamais cometeu
um ato tão desprezível quanto este. Nenhum outro nome tem sido tão
desprezado pelo mundo quanto o de Pôncio Pilatos.
Aprendemos dessa passagem que os seres humanos são criaturas
miseráveis, quando não possuem princípios elevados em seus corações e a
fé na existência de um Deus que está acima deles. O homem mais humilde
que possui a graça e o temor a Deus é mais nobre aos olhos do Criador do
que um rei, um presidente ou um político cujo alvo primário é agradar o
povo. Ter uma consciência para si mesmo e outra diante do público; possuir
uma regra de deveres para nós mesmos e outra para as atividades públicas;
ver claramente o que é correto aos olhos de Deus e, apesar disso, fazer o
—
que é errado, por causa da popularidade tudo isso pode parecer correto,
sábio e diplomático. Porém, revela um tipo de caráter que nenhum cristão
deve considerar respeitoso.
Oremos para que sempre tenhamos em nosso país homens de Estado
que possuam graça para pensarem corretamente e coragem para procederem
com sabedoria, não se sujeitando às opiniões dos homens. Aqueles que
temem mais a Deus do que aos homens e se preocupam mais em agradá-Lo
do que aos homens são os melhores governantes de um povo e, no final
das contas, frequentemente são os mais respeitados. Homens como Pôncio
Pilatos, que estão sempre hesitando e se comprometendo, deixando-se levar
pela opinião popular, ao invés de exercerem controle sobre ela, temendo
fazer o que é certo, porque isto ofende as pessoas, e estando dispostos a
fazer o que é errado, em troca de popularidade — tais homens são os
piores governantes que uma nação pode ter. Com frequência são
instrumentos do juízo de Deus sobre uma nação por causa de seus pecados.
—“Está
tudo isto, sem dúvida, nosso Senhor tinha em mente, quando disse:
consumado!” Havia algo mais, nós o sabemos. No entanto, ao
considerar estas palavras de Alguém como nosso Senhor, em uma ocasião
como esta, diante de uma crise tão misteriosa de sua vida, é melhor sermos
cautelosos. O lugar em que estamos pisando “é terra santa”.
Em todos os casos, um estimulante pensamento se destaca com clareza
nesta famosa expressão. Nossas almas repousam sobre uma obra consumada,
se confiamos na obra de Jesus Cristo, nosso Senhor. Não precisaremos
temer se Satanás ou a lei procurarem nos condenar no último dia. Podemos
descansar no pensamento de que temos um Salvador que fez, pagou e
consumou tudo que é necessário para nossa salvação; e apropriar-nos das
desafiadoras palavras do apóstolo: “Quem os condenará? É Cristo Jesus
quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e
também intercede por nós” (Rm 8.34). Quando consideramos nossas
próprias obras, certamente podemos nos sentir envergonhados por causa
de suas imperfeições. Mas, quando consideramos a obra consumada de
Cristo, sentimos paz. Se cremos, estamos aperfeiçoados nEle (Cl 2.10).
Por último, devemos observar nesses versículos a veracidade e a
realidade da morte de Cristo. O texto bíblico nos diz: “Mas um dos soldados
lhe abriu o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água” . Este incidente,
embora à princípio pareça insignificante, fornece provas concretas de que
o coração de nosso bendito Senhor havia parado e, consequentemente, sua
vida terminara. Ele não apenas desmaiara, perdera todos os sentidos ou
entrara em coma, assim como alguns têm ousado insinuar. Seu coração
realmente cessou de bater, e Ele, de fato, morreu. Sem dúvida, a importância
deste acontecimento é imensa. Refletindo por breve momento, devemos
todos perceber que sem uma verdadeira morte não haveria um genuíno
sacrifício e uma autêntica ressurreição; por conseguinte, sem uma verdadeira
morte e ressurreição, todo o cristianismo seria uma casa edificada sobre a
areia, sem qualquer alicerce. Certamente, aquele imprudente soldado
romano não tinha qualquer idéia de que se tornaria um poderoso auxílio
para o verdadeiro cristianismo, quando ele com a lança traspassou o lado
de nosso Senhor.
“Sangue e água”, mencionados na passagem, têm um profundo
significado espiritual. O próprio apóstolo João, em sua primeira epístola,
parece referir-se a estes vocábulos como possuindo uma denotação bastante
significativa: “Este é aquele que veio por meio de água e sangue, Jesus
Cristo” (1 Jo 5.6). Durante toda a sua existência, a igreja tem se mostrado
unânime em manter a idéia de que estas palavra são figuras de significados
espirituais. Entretanto, o significado exato de “sangue e água” é um assunto
sobre o qual os cristãos jamais concordaram e sobre o qual nunca chegarão
a um acordo até à volta do Senhor.
João 19.28-37 249
—
sangue da expiação, paz entre os homens por meio da infusão de graça e
amor propagar esta paz seria a obra da igreja. Qualquer religião, tal
como o islamismo, que faz adeptos através da espada não procede dos céus
e sim da terra. Qualquer tipo de cristianismo que mata os homens em fo¬
gueiras, a fim de promover seu próprio sucesso, traz consigo a estampa de
apostasia. O verdadeiro cristianismo é aquele que se esforça ao máximo a
fim de propagar a verdadeira paz, a paz de Cristo.
Também devemos observar a notável evidência deixada por nosso
Senhor em referência à sua própria ressurreição. Ele graciosamente apelou
aos sentidos de seus temerosos discípulos, mostrando-lhes “as mãos e o
lado”. Ordenou que, com seus próprios olhos, vissem que Ele tinha um
verdadeiro corpo físico e não era um fantasma ou um espírito. De acordo
com Lucas, Jesus disse: “Apalpai-me e verificai, porque um espírito não
tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho”. Sem dúvida, grande foi
a condescendência de nosso bendito Senhor, em humilhar-se perante a
inconsistente fé manifestada pelos onze apóstolos! Porém, grande também
—
foi o princípio que Ele estabeleceu para sua igreja utilizar em todas as
épocas, até que Ele volte nosso Senhor não exige que creiamos em na¬
da contrário aos nossos sentidos. Coisas que estão acima de nossa capaci¬
dade de entender temos de encontrar em uma religião que procede das
alturas, mas não coisas que são contrárias ao nosso raciocínio.
Devemos sustentar com firmeza este grande princípio e nunca esquecer
de utilizá-lo. Em especial, tenhamos cuidado em aplicá-lo à maneira como
avaliamos os efeitos das ordenanças e da obra do Espírito Santo. Exigir
que as pessoas acreditem que certos homens possuem o poder de vivificar
exclusivo do Espírito Santo, quando nossos olhos nos mostram que tais
homens estão vivendo em constante indolência e pecado ou crêem que o
pão e o vinho, na Ceia do Senhor, tomam-se o verdadeiro corpo e sangue
de Cristo — isto equivale a exigir mais crença do que o próprio Senhor
Jesus exigiu de seus discípulos; corresponde a exigir aquilo que é contrário
à razão e ao bom senso. Cristo jamais fez tais exigências. Não procuremos
ser mais sábios do que nosso Senhor.
Por último, devemos observar nesses versículos a maravilhosa
comissão que nosso Senhor outorgou aos seus onze apóstolos. Ele lhes
disse: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio. E, havendo
dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Se de
alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são
retidos”.
Não podemos negar que o verdadeiro significado destas solenes
palavras tem sido, durante séculos, motivo de controvérsia e discórdia. É
João 20.19-23 261
—
coisas com os nossos olhos. A igreja de Cristo precisa de todos os tipos de
servos e instrumentos facas e espadas, machados e martelos, formões e
serrotes, Marta e Maria, Pedro e João. A nossa regra áurea deve ser: “A
266 João 21.1-14
—
coisas com os nossos olhos. A igreja de Cristo precisa de todos os tipos de
servos e instrumentos facas e espadas, machados e martelos, formões e
serrotes, Marta e Maria, Pedro e João. A nossa regra áurea deve ser: “A
João 21.1-14 267
graça seja com todos os que amam sinceramente a nosso Senhor Jesus
Cristo” (Ef 6.24).
Por último, devemos observar nesses versículos a abundante evidência
que as Escrituras fornecem sobre a ressurreição do Senhor Jesus. Nesta,
assim como em outras passagens bíblicas, achamos uma incontestável prova
de que nosso Senhor ressuscitou em um corpo físico, uma prova que um
grupo de homens maduros viram com seus próprios olhos, ao mesmo tempo.
Este relato nos mostra o Senhor Jesus comendo e bebendo na praia do mar
da Galiléia, por um considerável período de tempo. O sol matutino da pri¬
mavera brilhava sobre o pequeno grupo. Estavam sozinhos à beira do fa¬
moso lago da Galiléia, bem distantes do barulho e das multidões de Jeru¬
salém. Em seu meio, tendo os espetos em suas mãos, assentava-se o Senhor,
o próprio Senhor, a quem eles haviam seguido por três anos e que pelo
menos um deles vira na cruz. Não podiam estar enganados. Alguém ousaria
afirmar que precisaria ser apresentada uma prova ainda maior do fato que
Jesus ressuscitou dos mortos? Sabemos que Pedro ficou satisfeito e con¬
vencido, pois disse: “Nós... comemos e bebemos com ele, depois que res¬
surgiu dentre os mortos” (At 10.41). Aqueles que, em nossa época, dizem
não estarem convencidos também podem afirmar que estão determinados a
não acreditar em qualquer evidência.
Devemos agradecer a Deus porque temos uma grande nuvem de
testemunhas, para comprovar que nosso Senhor ressuscitou. A ressurreição
de Cristo é uma das grandes provas de sua missão divina. Ele disse aos
judeus que não precisavam acreditar que Ele era o Messias, se não res¬
suscitasse ao terceiro dia. Â ressurreição de Cristo é o clímax da obra de
redenção. Ela comprovou que Cristo terminou a obra que viera realizar e,
como nosso Substituto, venceu a morte. A ressureição é um milagre que
nenhum homem pode explicar. Se quiserem, os homens podem contestar e
criticar, os relatos sobre Balaão em seu jumento e Jonas no ventre do
grande peixe; mas, até provarem que Cristo não ressuscitou, perma¬
neceremos inabaláveis. Acima de tudo, a ressurreição de Cristo é a garantia
de nossa própria ressurreição. Assim como a sepultura não podia deter a
Cabeça, assim também não deterá os membros do corpo. Com certeza,
podemos afirmar juntamente com Pedro: “Bendito o Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou
para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre
os mortos” (1 Pe 1.3).
268 João 21.15-17
minhas ovelhas”. Podemos duvidar que este encargo, repetido por três
vezes, estava repleto de significado? Tinha o objetivo de novamente
comissionar Pedro a realizar a obra de um apóstolo, apesar de seu recente
tropeço. Mas isto era apenas uma parte do significado, que tinha como
alvo ensinar a Pedro e a toda a igreja a majestosa lição de que ser útil aos
outros é a grande prova de amor e de que trabalhar para Cristo é a grande
comprovação de que realmente O amamos. A evidência de que alguém é
um verdadeiro discípulo de Cristo não é o falar com entusiasmo ou a
simples afirmação de que cremos nEle, nem o zelo impetuoso e ocasional,
nem a prontidão de pegar a espada e lutar; é o persistente, árduo e paciente
esforço para fazer o bem às ovelhas de Cristo espalhadas por este mundo
pecaminoso. Este é o genuíno segredo da grandeza de um cristão. Está
escrito: “Quem quiser tomar-se grande entre vós, será esse o que vos
sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o
Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a
sua vida em resgate por muitos” (Mt 20.26-28).
Este último encargo entregue por nosso bendito Senhor deve perma¬
necer em nossas consciências e tomar-se uma prática de nossas vidas diárias.
Podemos estar certos de que não foi em vão que essas coisas foram relatadas
para nosso ensino, um poucos antes de nosso Senhor ter deixado o mundo.
Devemos almejar uma religião repleta de amor, realização, utilidade, serviço
árduo, altruísmo e bondade despretensiosa. Nosso desejo diário deve ser
pensar nos outros, cuidar deles, fazer-lhes o bem, para amenizar a tristeza
e aumentar a alegria deste mundo pecaminoso. Agir desse modo equivale
a cumprir o grande princípio que nosso Senhor, através desta ordem, ten¬
cionava ensinar a Pedro. Trabalhando e procurando conduzir nossas vidas
desse modo, descobriremos que são abundantemente verdadeiras as pa¬
lavras: “Mais bem-aventurado é dar que receber” (At 20.35).
******
As Meditações no Evangelho de João fazem parte de
uma série de quatro comentários devocionais sobre os
evangelhos, que tem sido amada e compartilhada por
gerações de cristãos, desde 1879. Estas leituras diárias
contêm meditações de uma simplicidade e espiritualidade
que as tornaram o comentário devocional clássico sobre
os evangelhos, na opinião de inúmeros leitores.
Nesta nova edição, especialmente preparada para o leitor
moderno, esta grande obra aparece em um formato mais
popular. O texto foi reformulado, seguindo um estilo
mais atual de apresentação, mas as exposições permane¬
cem completas, provendo uma visão geral do ministério
de nosso Senhor Jesus Cristo na terra, com riqueza e
maestria.