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Pedro Heitor Barros Geraldo e Roberto Kant de Lima.

A ética dos operadores do Direito


e o espírito da Lava jato. InEAC, Rio de Janeiro, 5 mar. 2021. Disponível em: <A ética
dos operadores do Direito e o espírito da Lava Jato (uff.br)>; acesso em 13 abr. 2021.

A primeira se relaciona com o modelo de organização da justiça e como ele se


produz e reproduz através das práticas dos operadores do direito; a segunda se refere à
identificação do erro profissional pelos agentes judiciários.

O código de processo penal francês indica como devem ser as relações entre os
diferentes atores no processo como o juiz, o promotor, o “officier du ministère public”
(um policial indicado pelo promotor para substituí-lo na audiência judicial na primeira
instância); o juiz de instrução; o juiz da detenção e das liberdades; e a polícia judiciária.
E em quais circunstâncias as decisões podem ser proferidas e supervisionadas.

Para os juristas franceses, o processo deve ter um limite para a constituição dos
fatos. O “Tribunal de Police” é a primeira instância da justiça francesa com apenas um
juiz, uma exceção nas formas de organização da justiça francesa. Nesta jurisdição, o
“officier du ministère public” (um policial indicado pelo promotor) realiza os atos
jurisdicionais de requerer a pena (GERALDO; BARÇANTE, 2017). Os requerimentos
devem seguir uma política persecutória institucional definida pelo “Procureur da
République” que se faz substituir e em nome de quem agem os demais promotores
franceses, que não têm muita autonomia.

O erro judiciário é um inconveniente tratado sempre através de práticas de


culpabilização; e, em consequência, uma ausência de responsabilização dos agentes pelo
mau desempenho sistemático de tarefas claramente diferenciadas para que os erros não
se repitam. A naturalização dos poderes de juízes e magistrados brasileiros na utilização
de critérios particulares, de seu livre convencimento, para identificar quais são os fatos,
qual é o procedimento e quais são os significados das regras de direito não produz
limites que definam responsabilidades no trabalho (MENDES, 2012). O problema do
erro profissional, assim, se apresenta como um desafio institucional. Afinal, estas
práticas ordinárias dos operadores do direito são naturalizadas nos fóruns e tribunais
brasileiros. No entanto, são tratadas sempre como um problema de culpabilização, em
que basta eliminar da instituição aquele que praticou o erro e o caso está resolvido.
Entretanto, as condições de produção do que pode ser entendido como erro continuam.
A discussão sobre o erro profissional na França passa necessariamente por uma
discussão sobre o modelo de organização da justiça e forma de distribuição explícita das
diferentes funções dos agentes, que permitem a sua proteção, bem como a dos
jurisdicionados, em casos dos eventuais – e inevitáveis – erros profissionais. O aumento
do “capital político” dos juízes e promotores associado às práticas inquisitoriais tornam
o problema do erro ainda mais complexo, uma vez que a própria organização da justiça
impede que as questões sejam formuladas desta maneira. O que parece e faz a sociedade
crer que estes profissionais não erram. Se de um lado a força tarefa se desmonta, por
outro o espírito da Lava Jato continua presente nas práticas comuns no cotidiano dos
fóruns.

Estes limites passam a ser vistos como obstáculos para a realização da justa
repressão. Ora, a explicitação da especialização funcional surgiria aqui como um
recurso para preservar a tradição inquisitorial brasileira de garantir muita autonomia de
organização do trabalho cotidiano dos agentes judiciários, limitando, no entanto, a
absoluta independência para julgar aos juízes, já que não há, em nosso processo,
critérios explícitos e transparentes para limitá-la, além de sua própria moralidade e
reputação corporativa (LUPETTI BAPTISTA, 2013).

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