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Sem dúvida, a questão não pode ser simplificada, dada a complexidade das
variáveis que envolve. Além disso, não podemos esquecer que temos cerca de
50 milhões de jovens entre 15 e 29 anos − um potencial gigantesco para que
se pense em políticas de inclusão tanto para os governos quanto para a
sociedade civil em geral. Nesse cenário, a disputa pelos caminhos para a
democratização do ensino superior no país tem ocupado lugar de destaque no
debate educacional.
Um dos aspectos que mais têm contribuído para o acirramento desse debate é
o fato de a aposta de expansão ter se concentrado na ampliação de vagas por
meio do ensino privado, com a criação do Programa Universidade para Todos
– ProUni (Lei n. 11.096/2005), em 2004. Desde então, o governo federal tem
sido convocado a construir argumentos que dialoguem com um conjunto
controverso de questões, de modo a esclarecer em que medida o ProUni tem
se apresentado como um instrumento de democratização da educação superior
no Brasil, considerando, sobretudo, a crítica que se faz à qualidade de ensino
oferecida pelas instituições privadas e a possibilidade de que estaria servindo,
exclusivamente, para estimular o crescimento dessas instituições. Para muitos
críticos, a abertura de acesso ao ensino superior tem sido assistencialista,
confirmando uma cidadania de segunda classe aos contemplados.
O debate se aquece com os resultados de estudos que revelam que, para
muito dos jovens que acessam o ProUni ou mesmo para adultos que retornam
ao processo de escolarização, os percursos, as trajetórias e as estratégias de
permanência acabam se configurando como uma verdadeira “corrida de
obstáculos”, demonstrando que, para além do acesso, as políticas devem
garantir uma permanência digna e que “caiba na vida” dessa população, que,
para elevar seus níveis de escolaridade, precisa, prioritariamente, conciliar a
educação com o mundo do trabalho. Segundo pesquisa recente do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada − Ipea (2012), 52% dos universitários brasileiros
trabalham e estudam, o que se confirma no fato de que 74% dos bolsistas do
ProUni em 2012 frequentavam cursos noturnos. Assim, o conjunto de
desigualdades sociais vivenciadas por essa população ainda se reflete
intensamente nas formas de acesso e permanência no sistema de ensino
(repetência, evasão, afastamentos, retornos etc.), demandando políticas
públicas consistentes, que contribuam para mudar tal realidade.
Mas, afinal, quem o ProUni tem atingido? Segundo o Inep, em 2012, 52% eram
mulheres, 49% pretos e pardos, 1% com deficiência, 1% professores de
educação básica pública, 74% frequentando cursos noturnos e 4% cursos de
turno integral e, por fim, 51% na região Sudeste, 19% na Sul, 15% na
Nordeste, 10% na Centro-Oeste e 5% na Norte. E a população, o que pensa do
ProUni? O Ipea, por meio do Sistema de Indicadores de Percepção Social
(Sips), criado em 2011, com foco na educação, perguntou à população qual
encaminhamento deveria ser dado ao ProUni. Para a maioria, o programa
deveria ser mantido (24%) ou ampliado (73,4%). Além disso, entre os
programas governamentais, foi o que apresentou maior visibilidade social, com
61% dos entrevistados afirmando conhecê-lo; 84,2% consideram as vagas
ofertadas insuficientes.
Outro dado relevante e que deve ser considerado para pensar as políticas é o
fato de os jovens das camadas mais pobres verem a universidade pública
como uma difícil e remota possibilidade. Pesquisa realizada com alunos do
ProJovem (ensino fundamental) no Brasil, em 2011, solicitou que eles fizessem
um exercício de projetar o futuro, discriminando quais experiências de
escolarização estariam no seu rol de possibilidades. Dos que apontaram o
ingresso no ensino superior como possibilidade, a grande maioria citou a
universidade privada, por meio de programas de bolsas como o ProUni ou até
mesmo pelo pagamento por meio do seu próprio trabalho, indicando que,
muitas vezes, para os jovens das camadas pobres, estudar só é possível na
articulação com o trabalho. De modo geral, a explicação apresentada para
justificar a opção pelo ensino privado é o fato de não se considerarem capazes
de concorrer com os jovens que carregam trajetórias escolares lineares e
previsíveis e que podem, por exemplo, eleger cursos de maior prestígio social,
os quais, em grande parte, exigem dedicação em horário integral, como
Medicina, praticamente fora do rol de possibilidades de muitos desses jovens
pesquisados. É interessante também observar que, embora tenham uma
avaliação bastante crítica do ensino que será oferecido pelas universidades
privadas na comparação com as públicas, acionam o esforço pessoal para
ultrapassar os riscos que essa “escolha” pode proporcionar.
Sem dúvida, para atingir a meta do Plano Nacional de Educação – que até
2020 deve elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a
taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos –, a participação do setor
privado ainda não pode ser descartada. Justifica-se, mas deve-se atentar
sobretudo para que o foco esteja no complexo arranjo equidade-qualidade-
relevância social. Para o governo, fica o desafio de enfrentar, de forma
enérgica, o debate com as universidades privadas, para que promovam uma
política de acesso à educação superior centrada na preocupação com a
qualidade do ensino e permanência do estudante, o que implica a criação de
suportes e redes de experimentação e possibilidades para os bolsistas. O
esforço, sem dúvida, deve ser sustentado e ampliado, pois, afinal, conforme
revelou o relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE), com dados de 2010, ainda existem 88% de jovens
brasileiros entre 25 e 34 anos que não conseguiram acessar o curso
universitário. No mais, a grande aposta ainda deve estar concentrada na oferta
pública, a base efetiva que pode dar sustentação para transformar a educação
em um dos maiores bens públicos do país. E o maior ganho, sem dúvida, é que
o processo em curso, mesmo repleto de contradições e controvérsias, vem
afetando valores, expectativas e, sobretudo, ampliando e deslocando desejos
desses jovens, na perspectiva de experimentar outros percursos de vida.
Eliane Ribeiro
01 de Março de 2013