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A Injustiça ambiental e a responsabilização indevida dos pobres pelas ocupações

irregulares

Henri Acselrad
IPPUR/UFRJ

A chamada “desordem urbana” das cidades brasileiras configura a ordem espacial própria
do capitalismo brasileiro de baixos salários, que nunca computou o custo da moradia nos
salários regularmente pagos. Assim é que a industrialização com baixos salários sempre
articulou-se logicamente com a autoconstrução de moradias populares em lotes precários e
irregulares em morros e áreas protegidas. Este foi processo específico de produção social da
“ilegalidade” por parte dos pobres – uma irregularidade que foi sempre consentida pelo
próprio Estado para favorecer os capitais. Foi este o mecanismo que permitiu a estes
capitais acumular rapidamente sem ter que arcar com os custos de uma força de trabalho
que fosse melhor alojada, o que requereria para tanto o pagamento de maiores salários. A
ocupação informal de áreas ambientalmente sensíveis foi o modo pelo qual os trabalhadores
puderam se ajustar à oferta de empregos nas condições precárias que o capitalismo
brasileiro sempre ofereceu. Por um lado, a população trabalhadora viu-se obrigada a morar
em condições particulares de risco ambiental, em encostas perigosas e desprovidas de infra-
estrutura de saneamento. Por outro lado, os impactos indesejáveis da ocupação de tais áreas
estenderam-se para toda a sociedade, configurando para todos o preço coletivo a ser pago
às economias salariais indiretas realizadas pelos capitais nas condições próprias ao modelo
de desenvolvimento brasileiro. Assim é que a injustiça social e ambiental afetou a
população trabalhadora por intermédio de vários mecanismos articulados: um risco
ambiental sofrido mais que proporcionalmente em relação ao conjunto da sociedade, a
necessidade de arcar com os custos da autoconstrução das próprias moradias e o ônus de ter
de responder à acusação de ocuparem áreas irregularmente, sendo responsabilizados,
particularmente pelas campanhas de imprensa voltadas para justificar políticas de remoção
de favelas, pelos males derivados do ganhos que foram , efetivamente, obtidos pelos
agentes do capitalismo brasileiro com baixos salários.

Bibliografia:

Maricato, E., As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias - planejamento urbano no
Brasil, in O. Arantes, C. Vainer, E. Maricato, A cidade do pensamento único –
desmanchando consensos, Vozes, 2000, p. 121-192.

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