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Vulnerabilidade do lugar vs.

vulnerabilidade
sociodemográfica: implicações metodológicas
de uma velha questão*

Eduardo Marandola Jr.**


Daniel Joseph Hogan***

A pergunta “vulnerabilidade a que?” é primária nos estudos sobre riscos


e perigos. Nos estudos populacionais, essa pergunta se direciona a grupos
demográficos que estão sujeitos a determinados perigos, que podem estar
relacionados às características da dinâmica demográfica ou à sua situação
socioeconômica, ligadas ao ciclo vital, à estrutura familiar ou às características
migratórias do grupo. O campo de população e ambiente acrescentou a dimensão
espacial à problemática, considerando a posição e a situação (relacionais e
relativas) componentes dos elementos que produzem perigos ou que fornecem
condições de enfrentá-los. Notam-se, de um lado, a influência de uma abordagem
ecológica, que entende o meio como um conjunto físico-social que influencia e é
influenciado pela população, e, de outro, a presença de postulados materialistas,
que concebe a relação sociedade-natureza como um devir histórico-social que
se pauta pela produção contraditória e desigual do espaço e da sociedade. Em
ambientes fortemente modificados pelo homem, como as grandes cidades, a
matriz causal de riscos e de elementos que podem interferir na vulnerabilidade é
consideravelmente maior, tornando difícil apreender relações de causalidade entre
determinados perigos e certas características do grupo demográfico. Em vista
disso, olhar para os perigos e para a vulnerabilidade do lugar é uma estratégia
que permite, em microescala, captar os elementos que interferem na produção,
aceitação e mitigação dos riscos. A dimensão ecológica é re-significada ao
incorporar a dimensão existencial e fenomênica do lugar, entendendo os grupos
demográficos em sua relação de envolvimento e pertencimento ao seu espaço
vivido. A partir de uma série de trabalhos empíricos desenvolvidos nos últimos
anos, este artigo reflete sobre as possibilidades dessa perspectiva teórico-
metodológica, que utiliza uma prática qualitativa de campo e uma orientação
geográfica na construção de um diálogo mais estreito entre Geografia e os estudos
populacionais, a partir do campo População e Ambiente.

Palavras-chave: Riscos. Cidade. Espaço. Metodologias qualitativas. Geografia


da população.

“What makes people vulnerable?” Esta & people (HILHORST; BANKOFF, 2004, p.1),
é a pergunta que abre a introdução do livro a qual é, sem dúvida, uma das mais impor-
Mapping vulnerability: disasters, development tantes questões contemporâneas: como

* Uma primeira versão deste texto foi apresentada no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Abep, realizado
em Caxambu – MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008, na Sessão Temática “População em risco e
vulnerabilidade socioambiental”, organizada pelo Grupo de Trabalho População, Espaço e Ambiente.
** Geógrafo, Núcleo de Estudos de População, da Universidade Estadual de Campinas (Nepo/Unicamp).
*** Demógrafo e sociólogo, professor do Departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
e pesquisador do Núcleo de Estudos de População (Nepo), ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

R. bras. Est. Pop., Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 161-181, jul./dez. 2009


Marandola Jr., E. e Hogan, D.J. Vulnerabilidade do lugar vs. vulnerabilidade sociodemográfica

compreender os mecanismos e processos produção dos perigos e na composição


que produzem riscos e perigos, tornando as da matriz causal da vulnerabilidade. En-
pessoas vulneráveis? contramos diferentes soluções e aportes
Desde que vulnerabilidade, risco e pe- teórico-metodológicos para o estudo de
rigo tornaram-se termos fundamentais para tais fenômenos, que em outros trabalhos
compreender e discutir as transformações (HOGAN; MARANDOLA Jr., 2005; MARAN-
na sociedade contemporânea, tem havido DOLA Jr.; HOGAN, 2006b) identificamos
uma busca tanto por uma melhor com- enquanto ligados a uma tradição de análise
preensão teórica acerca dos processos e sociológica, que se relaciona aos estudos
significados que conformam situações de sobre a pobreza, e outra linha que é herdeira
risco, quanto por métodos de medida e ava- das primeiras preocupações modernas com
liação dos recursos que permitem diminuir os impactos do ambiente sobre a sociedade,
ou aumentar a vulnerabilidade de diferentes mais geográfica, ligada aos perigos naturais
grupos. Por outro lado, a importância da e que, mais recentemente, se configuraram
espacialidade (localizações e situações) enquanto questão ambiental. Embora não
também tem sido discutida, especialmente haja um corte necessariamente disciplinar
nos espaços urbanos e em questões am- nessa leitura, a influência de uma aborda-
bientais, situações em que é mais evidente gem que prioriza os fatores ecológicos e es-
a dimensão espacial da existência social. paciais é mais evidente entre os segundos,
Os lugares, portanto, também podem ser enquanto as estruturas sociais são prepon-
entendidos como vulneráveis ou expostos derantes entre os primeiros. O resultado são
a riscos. duas abordagens da vulnerabilidade que se
No contexto dos estudos de população distanciam ou se tocam em certos pontos,
e ambiente, os dois lados da questão (es- priorizando um e outro ângulo: vulnerabili-
pacialidade e produção social) aparecem dade ambiental ou do lugar e vulnerabilidade
na seguinte formulação: o foco está nas social ou sociodemográfica.
pessoas (demografia) ou no espaço (geo- Esse debate é extremamente perti-
grafia)? Esta dúvida reproduz um antigo nente para o contexto dos estudos sobre
debate da relação homem-meio, que tem população e ambiente, na medida em
seus primeiros registros com Hipócrates e que a questão que o anima é a mesma.
acompanha toda a filosofia e ciência ociden- Compreender como se dá, em determi-
tal (RATZEL, 1990; HASSINGER, 1958). A nado espaço-tempo, a relação de grupos
Geografia, ciência que tradicionalmente se demográficos específicos com seu am-
coloca nessa interface, tem se esforçado em biente passa, necessariamente, por uma
construir teorias e estratégias conceituais e concepção da natureza dessa relação, nem
empíricas de trabalhar com essas esferas sempre explicitada mas efetivamente cons-
sem dicotomizá-las, embora nem sempre truída a partir do instrumental metodológico
com sucesso. Com o advento das ciências e conceitual utilizado nas análises. Nos
sociais, no entanto, a esfera humano-social estudos de população e ambiente, temos
foi apropriada como sendo de sua alçada, notado influências da economia política, da
marcando uma ruptura que seria transgre- ecologia humana, da sociologia ambiental
dida em alguns raros momentos, o que e da própria geografia (MARANDOLA Jr.;
propiciou uma leitura mais conjuntiva da HOGAN, 2007). Essas influências, no en-
sociedade em seu ambiente. tanto, pouco dialogam e permanecem re-
A velha questão está na natureza dessa lativamente paralelas. Entendemos que, do
relação: população (P) vs. ambiente (A)? O ponto de vista metodológico, é fundamental
sentido da flecha de ação é PàA ou AàP? que haja maior discussão dessas matrizes
Seriam os lugares que mudam as pessoas para que se possa avançar em termos de
ou as pessoas que mudam os lugares? No uma construção mais robusta e consistente
contexto dos estudos sobre vulnerabilidade, desse campo de investigação.
essas questões retornam com muita força Este artigo é fruto de inquietações que
por conta dos fatores que interferem na têm permeado nosso trabalho no Núcleo

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de Estudos de População,1 especialmente principal, encarando a experiência espacial


no contexto de um projeto interdisciplinar,2 como a principal mediação do indivíduo com
na senda de uma interlocução mais estreita o ambiente (TUAN, 1983). Este é entendido
entre Geografia e Demografia, que envolve de forma ampla, incluindo o mundo de
estas questões em tela, passando pelos es- significados onde a pessoa está inserida,
tudos sobre vulnerabilidade, especialmente desde as esferas mais imediatas (família,
na perspectiva ambiental e urbana, mas grupo, bairro, cidade) até as mais distantes
com foco na reflexão metodológica. Ao se (país, etnia, mundo). É uma perspectiva que
aproximarem duas ciências com diferentes busca interligar as esferas sociais a partir da
tradições e formas de ver/ler o mundo, a experiência, permitindo abordar as questões
dificuldade de adequação, em primeiro lu- nem pelo ambiente nem pela sociedade,
gar, vem da necessidade de afinar o “como mas a partir de sua relação. Esse é um dos
ver” e o “como analisar”. Tendo o campo de grandes desafios postos aos estudos de
população e ambiente como a seara comum população e ambiente (LUTZ; PRSKAWETZ;
de investigação, nossos trabalhos têm pro- SANDERSON, 2002), e esta trilha se apre-
curado uma trilha que permita não apenas senta como promissora.
compartilhar um caminho ou uma pesquisa, Este artigo é um balanço dos resultados,
mas aproveitar o que de melhor um estudo potencialidades e limitações de nossas pes-
interdisciplinar pode propiciar: a interpene- quisas por esta abordagem. Colocam-se em
tração de temas, conceitos e perspectivas, discussão algumas premissas e caminhos
que devem se coadunar numa abordagem que o grupo de pesquisa tem desenvolvido,
conjuntiva do ponto de vista metodológico. refletindo sobre seu alcance e possibilida-
Seguimos assim a sugestão de Hauser des em permitir uma análise de mão dupla
e Duncan (1959), que indicaram a impor- PßàA, sem prevalência de um polo sobre
tância de compreender a Demografia para o outro. A expectativa é poder contribuir
além de seu núcleo duro, abrindo-se para para o debate dessa velha questão, apre-
análises qualitativas que se desenvolvem sentando possibilidades de interlocução e
nas suas fronteiras com outras ciências. Os lacunas que ainda precisam ser enfrentadas
autores afirmam que nessa área fronteiriça pelos estudiosos de população e ambiente,
é necessário um diálogo metodológico em de maneira geral, e pelos interessados nos
busca de soluções para problemas comuns, estudos sobre riscos, perigos e vulnerabili-
ocorrendo a interpenetração das temáticas dade, de modo particular.
e métodos. População e ambiente é uma
das fronteiras de interação entre Geografia Lugar e população na análise da
e Demografia por excelência, permitindo o vulnerabilidade
desenvolvimento de uma demografia espa-
cial e ambiental, com enfoque qualitativo A pergunta “vulnerabilidade a que?” é
significativo. primária nos estudos sobre riscos e perigos.
Em vista disso, temos trabalhado Nos estudos populacionais, essa pergunta
com uma abordagem qualitativa a partir se direciona a grupos demográficos que
da Geografia Humanista e Cultural, de estão sujeitos a determinados perigos, ou
filiação fenomenológica, como arcabouço seja, as “populações em situação de risco”.
teórico-metodológico no estudo da vul- Estes podem estar relacionados às caracte-
nerabilidade (ENTRIKIN, 1980; HOLZER, rísticas da dinâmica demográfica ou à sua
1996; BONNEMAISON, 2005), o que coloca situação socioeconômica, ligadas ao ciclo
a experiência dos fenômenos como foco vital, à estrutura familiar ou aos aspectos

1 A equipe que desenvolveu estes estudos contou com a participação de vários alunos de Iniciação Científica Pibic/
CNPq, SAE/Unicamp e Fapesp, entre os quais: Fernanda Cristina de Paula, Majore de Souza, Adriana Lopes Rodrigues,
Gabrielle Mesquita Alves Rosas, Luiz Tiago de Paula e Thais Fogliarini.
2  Trata-se do Projeto Vulnerabilidade – Dinâmica intra-metropolitana e vulnerabilidade sociodemográfica nas metrópoles
do interior paulista: Campinas e Santos. <http://www.nepo.unicamp.br/vulnerabilidade>.

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migratórios do grupo. O campo de população interação social e até para planejamento e


e ambiente acrescentou a dimensão espacial empoderamento da população (SAMPSON;
à problemática, considerando a posição e a MORENOFF; GANNON-ROWLEY, 2002;
situação (relacionais e relativas) componen- Atkinson, 2006).
tes dos elementos que produzem perigos Segundo Freiler (2004, p.3), existem
ou que fornecem condições de enfrentá-los. três principais razões para a ênfase nos
Notam-se, de um lado, a influência de uma bairros e sua retomada nos últimos anos: (1)
abordagem ecológica, que entende o meio “Concern about growing neighborhood con-
como um conjunto físico-social que influencia centrations of poverty and disadvantage and
e é influenciado pela população, e, de outro, their effects on individuals and the broader
a presença de postulados materialistas, community”; (2) “Increasing recognition
que concebe a relação sociedade-natureza that cities and urban regions are socially,
como um devir histórico-social pautado pela environmentally, and economically critical
produção contraditória e desigual do espaço to the well-being of individuals, regions and
e da sociedade. countries”; e (3) “The ‘discovery’ of social
Na sociologia urbana, os estudos capital and its potential as a building block
ecológicos datam já de quase um século, for social cohesion and to finding local so-
influenciados pelas contribuições seminais lutions to problems”. Embora a teoria dos
da chamada Escola de Chicago (PARK; capitais seja um dos arcabouços movimen-
BURGESS; McKENZIE, 1925; BURGESS; tados para o estudo da vulnerabilidade tanto
BOGUE, 1964; SHORT, 1971). Nesses nos estudos ecológicos/espaciais quanto
estudos, a importância da localização e nos sociais/demográficos (WATTS; BOHLE,
da posição relativa é trazida para o estudo 1993; CUNHA et al., 2006), é interessante
social na medida em que revelam ou pro- notar que, entre os primeiros, ainda há
movem relações e posições ecológicas que pouca utilização do enfoque no estudo de
tanto expressam uma organização quanto comunidades e bairros.
favorecem uma situação. Posição e situa- Os efeitos de vizinhança possuem re-
ção, noções caras à geografia tradicional lações para além de aspectos econômicos
francesa (DOLFUSS, 1973), são entendi- ou de mera proximidade, potencializando
das pelos sociólogos da ecologia humana relações e interações que têm natureza
como componentes do chamado efeito de espacial. As variáveis ecológicas não se
vizinhança, que envolve a dimensão propria- limitam a aspectos racionais que podem
mente ecológica da estrutura e do entorno ser contabilizados, mas envolvem também
do bairro, bem como de sua posição e rela- simbolismos e identidades construídas em
ção com a estrutura da cidade. O efeito de torno de lugares que, mesmo degradados
vizinhança está na base da constituição das social ou economicamente, podem manter
identidades, comunidades e na promoção sua capacidade aglutinadora e atratora de
de coesão social e cultural. população (FIREY, 2006). Alguns dos mais
Estes estudos, ligados a uma visão bem-sucedidos processos de recuperação
organicista da cidade, revelaram a densi- de bairros se deram a partir de movimentos
dade e a coesão de vários bairros que se culturais iniciados pelos próprios mora-
constituíam em verdadeiras comunidades dores, numa deliberada recondução da
devido a uma identidade étnica, histórica ou orientação e da morfologia de seus bairros
migratória. A sociologia urbana americana (JACOBS, 2000). Associar pobreza e de-
deu muita envergadura e atenção a estes gradação urbanística com vulnerabilidade,
estudos e à importância de tais comunida- portanto, pode ser uma relação causal
des na manutenção de valores, no enfren- simplista, que não se sustenta quando se
tamento de situações econômicas e sociais presta atenção aos efeitos da vizinhança na
adversas ou mesmo na explicação da po- capacidade das pessoas de lidarem com os
breza e de outros fatos sociais (BLOKLAND, perigos a que estão expostas.
2003). O bairro foi considerado unidade de Em vista disso, estudos que buscam
análise privilegiada para a compreensão da uma abordagem qualitativa em uma escala

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menor de análise têm sido reclamados como os próprios perigos urbanos (MARANDOLA
necessários para melhor compreensão Jr.; 2008a).
da vulnerabilidade, tanto para entender a Em vista disso, olhar para os perigos e
dimensão sociocultural e demográfica de a vulnerabilidade do lugar é uma estratégia
sua composição, quanto para aprofundar que permite, em microescala, apreender
a compreensão da importância do lugar e os elementos que interferem na produção,
das comunidades territorialmente centradas. aceitação e mitigação dos perigos. A dimen-
Comunidade não é o mesmo que bairro, são ecológica é re-significada ao incorporar
é evidente. Este termo tem sido usado desde a dimensão existencial e fenomênica do
a sociologia clássica, em geral de forma lugar, entendendo os grupos demográficos
vaga e imprecisa. Serviu a diversos fins em em sua relação de envolvimento e perten-
diferentes contextos, carregando as noções cimento ao seu espaço vivido.
de desintegração, integração e coesão, A partir de uma série de trabalhos
desde o sentido da intimidade, da profundi- empíricos desenvolvidos no Projeto Vulne-
dade emocional, do envolvimento moral, da rabilidade, do Nepo/Unicamp, procuramos
coesão social, até, mais recentemente, da discutir as possibilidades dessa perspectiva
sustentabilidade (BLOKLAND, 2003). Faz-se teórico-metodológica, que utiliza uma prá-
uma conexão imediata e rasteira entre co- tica qualitativa de campo e uma orientação
munidade e bairro-vizinhança, embora sua geográfica na construção de um diálogo
efetivação não seja tranquila nem simplista. mais estreito entre Geografia e os estudos
Apesar de vivermos uma época de ênfase populacionais, a partir do campo População
no local (BORDIN, 2001), isso na verdade é e Ambiente.
um paradoxo que se coloca à medida que a
busca pela comunidade é a própria denún- Vulnerabilidade do lugar enquanto
cia de que ela está escassa na experiência proposta metodológica de pesquisa
contemporânea.
Qual a relação entre bairro, comunidade A abordagem do lugar, no estudo dos
e vulnerabilidade, principalmente nas gran- perigos ambientais, possibilita uma análise
des cidades contemporâneas? integrada dos elementos físicos e sociais,
Em ambientes intensamente modi- considerando a relação população-ambien-
ficados pelo homem, a matriz causal de te e não um ou outro polo. Incorporam-se
riscos e de elementos que podem interferir à mesma discussão a mensuração do risco
na vulnerabilidade é consideravelmente biofísico (ambiental), a produção social do
maior, dificultando a apreensão de rela- risco e as capacidades de resposta, tanto
ções de causalidade entre determinados da sociedade (grupos sociais) quanto dos
perigos e certas características do grupo indivíduos (CUTTER, 1996). Parte-se de um
demográfico. Vivemos um enfraquecimento contexto social e geográfico onde o perigo
do bairro e da vizinhança. O estilo de vida ocorreu ou é potencial. Risco, as ações de
contemporâneo, fluido ou líquido, para usar mitigação (respostas e ajustamentos) e a
a expressão de Bauman (2007) acerca do vulnerabilidade do lugar são o resultado da
atual estágio da modernidade, é pautado na interação particular destes elementos nos
não-permanência, na mudança constante e termos daquele espaço-tempo.
na alta mobilidade. Essa tendência diminui O aumento das ações mitigadoras
a pausa necessária para a experiência e poderá significar a diminuição do risco e,
a densificação dos lugares (TUAN, 1975), consequentemente, implicará a redução da
alterando a forma como as pessoas se vulnerabilidade do lugar. Por outro lado, o
relacionam com o espaço urbano. A terri- risco poderá aumentar se houver alterações
torialização, necessária para atingir a segu- no contexto geográfico ou na produção
rança existencial, tem que ocorrer tanto em social, que poderão incorrer no crescimento
movimento quanto no lugar, transformando da vulnerabilidade biofísica e social e da
as estratégias de proteção e os riscos as- vulnerabilidade do lugar. Esse processo
sumidos, redesenhando a vulnerabilidade e poderá ser iniciado também por meio do

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aumento do perigo potencial, que tanto contexto geográfico pode ser tanto o ecos-
pode ser resultado quanto condicionante da sistema, as dinâmicas de formação e trans-
elevação ou diminuição da vulnerabilidade formação da geomorfologia (topografia) e da
(MARANDOLA Jr.; HOGAN, 2005). hidrologia (drenagem), a dinâmica climática
A importância desse enfoque reside ou até geológica (terremotos, vulcanismo,
no fato de permitir um olhar propriamente etc.), quanto os atributos particulares do
geográfico da vulnerabilidade, e não ape- lugar, como o rio que passa por ali, um
nas sua “espacialização” (utilizada como bosque, um morro, etc.
sinônimo de localização). Esta abordagem Podemos entender a vulnerabilidade
parte das dinâmicas que configuram uma como neutra: não é negativa em si mesma,
dada espacialidade e procura circunscrever mas refere-se à interação risco-perigo em
sua escala (uma região, uma cidade, um um determinado lugar, onde certos grupos e
ecossistema, um bairro), identificando nas coletividades serão afetados (MARANDOLA
interações sociedade-natureza os riscos e Jr., 2008a). São os recursos e as estratégias
perigos que atingem o lugar. Não se trata que estes terão para responder ao perigo
de entender esta espacialidade enquanto (próprios ou externos, coletivos), absorven-
substrato físico independente da sociedade. do seus impactos e danos, que determina-
Antes, a abordagem busca na delimitação rão como aquele perigo afetará o espaço.
escalar-espacial uma unidade de referência Quando o perigo supera a habilidade
para compreender o contexto da produção da população ou do lugar em responder ao
social do perigo em conexão com o contexto evento, pode configurar-se um desastre. A
geográfico. O resultado desta relação – suas partir deste, a vida normal é quebrada e há
tensões, aberturas, estruturas de proteção e necessidade de recompor as perdas e da-
risco – permite identificar a vulnerabilidade nos. Essa recomposição (retornar ao estado
(MARANDOLA Jr.; HOGAN, 2006a). de vida normal) dependerá de capacidade
A vulnerabilidade é, portanto, um acumulada para tal regeneração, que é
qualitativo, ou seja, envolve as qualidades chamada de resiliência, um dos conceitos
intrínsecas (do lugar, das pessoas, da co- fortes que surgiram na década de 1990 nos
munidade, dos grupos demográficos) e os estudos sobre vulnerabilidade.
recursos disponíveis (na forma de ativos) Outra resposta ao desastre é a adapta-
que podem ser acionados nas situações ção, tanto individual quanto social, já que em
de necessidade ou emergência. Assim, muitos casos há necessidade de adaptar a
tanto o contexto social quanto o geográfico forma de construção, o padrão de ocupação
possuem atributos que fornecem elementos do solo, os hábitos em determinadas situa-
para pessoas e lugares estabelecerem seus ções, adoção de protocolos de emergência,
sistemas de proteção. A relação entre o etc. (Janssen; Ostrom, 2006). Ambas
coletivo (o que não está ao alcance direto visam retomar o dia-a-dia pré-desastre,
de intervenção individual, pois é produzido reordenando o território e recuperando a
socialmente e historicamente) e o particular chamada vida normal (WISNER et al., 2004).
(aquilo que pessoas e lugares podem cons- Contudo, em nossa sociedade contemporâ-
truir de forma direta) é uma chave importante nea, a normalidade parece ser o risco: não
para compreender o desenho das diferentes há vida sem a ameaça. Em muitos lugares e
vulnerabilidades. para muitas pessoas, conviver com o risco
Nem o contexto social nem o geográfico é a vida normal (Figura 1).
são completamente coletivos ou individuais. Nossa leitura de lugar está atrelada ao
Ambos interferem diretamente nas duas entendimento humanista que contribuiu para
escalas, fragilizando ou protegendo. O pri- o seu redimensionamento na ciência geográ-
meiro pode ser tanto de longo prazo e de fica. Uma leitura de autores como Edward
influência nacional, quanto as características Relph (1976), Yi-Fu Tuan (1975, 1980 e 1983)
próprias do ciclo vital, classe social, família e Anne Buttimer (1980) leva a uma compre-
ou das escolhas do padrão de mobilidade ensão fenomenológica do lugar enquanto
que uma família faz. Da mesma forma, o categoria de análise geográfica. Compondo

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FIGURA 1
Diagrama conceitual risco-perigo-vulnerabilidade

Fonte: Marandola Jr. (2008a, p. 57).

a partir das diferentes contribuições, teremos ambiente. É o que Jöel Bonnemaison (2002)
uma definição mais ou menos complexa e chamou de geossímbolos.
abrangente, passando a entender o lugar Essa cumplicidade entre o eu e o mundo
como a menor célula espacial, na escala do foi expressa por Eric Dardel (1952) pela sua
corpo, que se relaciona com a casa, o confi- noção de geograficidade estabelecida seja
namento, a proteção e a identidade. entre a comunidade e o lugar, seja entre o in-
O lugar é conceituado na dimensão da divíduo e o seu meio. Mais tarde, Tuan (1961),
experiência, perpassando as escalas indivi- claramente influenciado por Dardel, desenvol-
dual e coletiva, nas suas diversas esferas, e veu a noção bachelardiana de topofilia, que
consubstanciando também as escalas espa- expressa os laços afetivos e de envolvimento
ciais de ocorrência dos fenômenos físicos, do homem com o ambiente, constituindo-se,
sociais e identitários. O lugar é, portanto, a partir deste envolvimento, o lugar.
centro da afetividade e da razão sensível, No entanto, esse entendimento do lugar
constituindo-se no foco da experiência hu- não o limita a uma dimensão existencial ou
mana. No entanto, o lugar também possui afetiva. A ênfase nessa dimensão torna-se
uma dimensão coletiva, que diz respeito fundamental no contexto científico de en-
às relações históricas que a comunidade tão, em que o positivismo e o cientificismo
estabelece e demarca no espaço. Em vista haviam retirado qualquer possibilidade de
disso, monumentos, ruas, edifícios, parques, considerar tais fenômenos essencialmente
rios, árvores, florestas, bancos de praça, um humanos na investigação científica, em ge-
mastro ou mesmo uma paisagem podem ral, e geográfica, em particular. As demais
constituir lugares relacionados à historici- dimensões da vida humana também tinham
dade, à memória e à identidade de certo seu lugar, principalmente a partir da noção
grupo. As experiências históricas são assim de mundo vivido, trazida por Buttimer (1976)
compartilhadas tanto pela religiosidade ou da fenomenologia de Husserl:
mística do lugar, quanto pelos fatos vincu- The place-environment component of the
lados ou impressos naquela paisagem ou lifeworld may be equal in value to the social,

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economic, and psychological dimensions é articular escalas de ocorrência e análise


that have received more academic attention dos fenômenos e suas dimensões.
in the last several decades. In short, one can
again say without embarrassment that people
are as much geographical beings as they Lugares e perigos na Região
are social, cultural, or economic. (SEAMON, Metropolitana de Campinas
1980, p.194, grifo do autor)

Ênfase maior em outros aspectos da rela- Entendendo os lugares como unidades


ção do homem com seu ambiente também foi espaciais densas que são construídas na
dada na obra de Relph (1976) e na sua con- intersubjetividade, historicidade e geogra-
ceituação dos placeless e placelessness.3 ficidade, uma região se torna um conjunto
O autor complexifica a discussão sobre o de lugares hierarquizados, de diferentes
lugar, pensando medidas diferenciadas de naturezas, que estabelecem ou não relações
relacionamento com ele (posições em rela- entre si (FRÉMONT, 1980). Desse ponto de
ção ao lugar) e na sua própria constituição. vista, quando se tem como referência uma
Para isso, Relph diferencia lugares de place- região metropolitana, que possui aspectos
lessness a partir dos conceitos filosóficos de institucionais que a delimitam, procuramos
autenticidade e inautenticidade. enfocar sua dimensão experiencial, vivida.
Para compreender a autenticidade dos Para nós, independente da discussão que
lugares, Relph prioriza a produção do es- se possa desenvolver em torno do recorte
paço, principalmente por meio da ação do oficial, é importante compreender as tramas
poder público, que cria e produz lugares. espaciais que constroem aquela região en-
Estes, quando representam uma descon- quanto um espaço vivido, o que nos permite
tinuidade em relação à historicidade da pensar os lugares dentro desse contexto. Em
comunidade, rompem a relação orgânica vista disso, o primeiro desafio foi compre-
de produção da cidade e de construção de ender a Região Metropolitana de Campinas
lugares, constituindo-se, segundo o autor, (RMC), nosso campo de análise, enquanto
em uma atitude inautêntica, manifesta pela uma região vivida, interligada no âmbito do
ruptura e pela não preocupação com o sen- cotidiano, nos espaços de vida e na lida diária
tido do lugar. Em situações como essa, com das pessoas (MARANDOLA Jr., 2005, 2006;
a fraca aderência entre pessoas e lugar, a MARANDOLA Jr.; DE PAULA; PIRES, 2006).
vulnerabilidade pode ser potencializada pela Essa perspectiva da experiência nos
sua própria formação material e simbólica. permitiu olhar para a região como um con-
Olhando para o lugar, nas suas várias junto orgânico, um espaço heterogêneo de
escalas, tem-se uma unidade de análise densidades variadas, composto por cami-
que permite abordar os riscos e perigos nhos, trajetos, lugares, conexões. Alguns
em sua dimensão fenomênica, ou seja, em espaços são mais densos e intensos, outros
sua unidade essencial. Essa abordagem é mais dispersos e rarefeitos. As cidades e
importante para aumentar a compreensão seus fragmentos não pulsam no mesmo rit-
da vulnerabilidade em sua concretização mo, mas há regiões que estão sintonizadas
na vida das pessoas. As teorias sociais, na mesma frequência. A dinâmica que anima
enquanto teorias, servem para estimular essas variações está associada a formas
nosso pensar sobre a realidade, mas não específicas de relação população-ambiente,
podemos abdicar de uma discussão empí- com níveis diferentes de peso de um e de
rica dos riscos e perigos. O grande desafio outro lado.

3 Não existe uma palavra correspondente para placeless ou placelessness em português. O segundo é o negativo do lugar,
ou seja, que não corresponde à experiência da historicidade e geograficidade na sua delimitação, possuindo elementos
inautênticos. O primeiro é o processo ou a característica que marca a formação deste placelessness. Autores brasileiros
têm utilizado pelo menos duas opções de tradução: “deslugar” e “não-lugar” (MELLO, 2003; HOLZER, 2006). O primeiro
termo é excessivamente vago para a sua adoção. Por sua vez, o segundo, além de não corresponder exatamente ao
significado da palavra, remete ao conhecido conceito non-place, do antropólogo Marc Augé, cujo significado está muito
marginalmente relacionado ao placelessness (Augé, 1994). Em vista disso, preferimos manter os termos no original
(MARANDOLA Jr.; MELLO, 2005).

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Marandola Jr., E. e Hogan, D.J. Vulnerabilidade do lugar vs. vulnerabilidade sociodemográfica

O resultado são situações e posições lho (ZALUAR, 1986; LAPLATINE, 1988). Mas,
específicas que permitem compreender o para o estudo da vulnerabilidade, uma maior
lugar em uma perspectiva contextual. A es- densidade era necessária.
colha de alguns lugares para pesquisa pro- De fato, pode-se dizer que, para uma
curava selecionar diferentes situações que abordagem qualitativa do espaço, de qual-
trariam questões pertinentes para a análise quer temática, a etapa de conhecimento e
do lugar em si (seus atributos e relações) e envolvimento é o primeiro e crucial passo.
para a compreensão da região (aquilo que Nessa fase, delinear-se-á a base sobre a
ele possui de exemplar). Como se trata de qual o pesquisador irá construir sua pes-
uma região com mais de dois milhões de quisa. Se essa primeira etapa for queimada,
habitantes, qual recorte delimitaria lugares substituindo-se a construção experiencial em
com maior aderência a uma identificação campo por revisão bibliográfica, informações
individual, sem abstrações? O bairro nos secundárias ou de terceiros, grande parte do
pareceu uma boa unidade de trabalho, por potencial de uma investigação baseada no
constituir aquele meio imediato à casa, o vivido será perdida, pois a base continuará
lugar por excelência, não raro tornando-se sendo aquela mediada, construída de fora
extensão da própria residência enquanto para dentro. O esforço nesse tipo de trabalho
foco principal da experiência urbana, o pon- é deixar que o lugar se revele, que a experi-
to zero de todo o espaço de vida. Por outro ência do pesquisador em campo contribua
lado, compreender a formação dos bairros fundamentalmente para a produção do co-
e as questões referentes à sua inserção na nhecimento. Esta é a postura fenomenológi-
cidade e na região congregaria outros as- ca de pesquisa, que busca o conhecimento
pectos relacionados à organização espacial tal como aparece na experiência (MERLEAU-
da metrópole, suas possibilidades e riscos, PONTY, 1971; HEIDDEGER, 2002).
conectando a dimensão mais íntima (casa, Pensar o lugar enquanto unidade de
vida privada) à social (comunidade, vizi- estudo da vulnerabilidade, portanto, passa
nhança), permitindo-nos ampliar o diálogo inicialmente por se perguntar acerca da
com toda a tradição de estudos da ecologia constituição fenomenológica daquele lu-
humana e seus trabalhos sobre bairros e gar, que envolve tanto os atributos físicos
comunidades (Figura 2). quanto a produção social e simbólica da
O primeiro local estudado foi a Ponte intersubjetividade.
Preta, bairro consolidado de Campinas, ao O trabalho de campo experiencial
lado da região central, componente dos anti- foi tomado como referência em todas as
gos arrabaldes da cidade (DE PAULA, 2005; pesquisas desenvolvidas. Este se insere
MARANDOLA Jr.; DE PAULA; FERNANDEZ, na tradição de estudos fenomenológicos
2007). Esse estudo foi fundamental para aju- em Geografia e nas ciências sociais, cujo
dar a delinear muitos dos aspectos que se- fundamento é a compreensão da experi-
riam importantes nas pesquisas seguintes. ência vivida (ROWLES, 1978; BERGER;
Um primeiro aspecto importante foi per- LUCKMAN, 1979; MANEN, 1990), aliando
ceber que, para a discussão qualitativa da uma perspectiva hermenêutica (interpre-
vulnerabilidade e dos riscos, seria necessá- tativa) dos relatos orais (narrativas) com a
rio um primeiro estágio de pesquisa em que descrição fenomenológica da experiência
a aproximação e o envolvimento com o lugar (GEORGE; STRATFORD, 2005). Isso impli-
teriam que ser buscados. Sem uma certa ca transcender a separação sujeito-objeto,
imersão e intimidade com a dinâmica do promovendo o entrelaçamento do ser com
lugar, seu “balé” (SEAMON, 1980), não seria o outro (homem, lugar, ambiente). A meta
possível compreender as tramas espaciais destas pesquisas é a compreensão do
que envolvem a forma como as pessoas li- mundo vivido, ou seja, a experiência vivida,
dam com as situações a que estão expostas. que envolve a volição, a intencionalidade e o
Esta prática é reconhecida como essencial conhecimento intuitivo, imediato, oriundo do
nos estudos qualitativos, o que nos permitiu encontro do ser cognoscente com o mundo
uma base de apoio metodológico de traba- (MERLEAU-PONTY, 1971).

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Marandola Jr., E. e Hogan, D.J. Vulnerabilidade do lugar vs. vulnerabilidade sociodemográfica

FIGURA 2
Lugares estudados – Região Metropolitana de Campinas

Autor: Eduardo J. Marandola Jr.


Elaboração: Marina Piazzon Teixeira.
Base cartográfica: Emplasa, 2003.

Neste contexto, a descrição é um pro- A pesquisa engloba, portanto, a ex-


cedimento que não se refere a uma enume- periência dos pesquisadores, que estão
ração banal. Antes, envolve o cuidado de comprometidos com o conhecer espacial-
permitir ao objeto aparecer, ou seja, ser re- mente os lugares estudados, implicando um
velado tal como é vivido (HUSSERL, 1986). envolvimento que vai além da verificação ou
A descrição fenomenológica implica um de meras impressões (MANEN, 1990). Os
trabalho de escavação dos sentidos mais significados são compartilhados – a inter-
originais em busca de sua essência, mesmo subjetividade (SCHUTZ, 1979) –, estando
que se mantenha a dúvida sobre o êxito final a pesquisa fenomenológica atenta à forma
de alcançá-los (ALES BELO, 1998). não só como estes sentidos são construí-

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Marandola Jr., E. e Hogan, D.J. Vulnerabilidade do lugar vs. vulnerabilidade sociodemográfica

dos, mas, sobretudo, como eles aparecem tintos da constituição dos lugares e procu-
em experiências vividas. rando abarcar diferentes bairros para poder
Estes pressupostos epistemológicos, ampliar o escopo das questões. Se a Ponte
convertidos em prática de campo, trazem Preta nos mostrou que os espaços públicos,
implicações latentes, tais como as discuti- como a Praça das Águas, são fundamentais
das por Rowles (1978): envolvimento com para compreender um lugar e que um bairro
os participantes; investimento de longo pode conter uma unidade simbólica sob a
tempo; pequeno número de participantes toponímia, mas não as mesmas condições
(pesquisados e pesquisadores); e inferência de vida (a fragmentação da paisagem pro-
indutiva. Estas implicações refletem-se tanto duz diferentes lugares dentro de um bairro),
na condução (uma atitude diante da pes- o São Bernardo trouxe um exemplo mais
quisa e dos temas em questão) quanto na bem acabado da fragmentação intrabairro.
forma de apresentar os resultados oriundos Dividido em dois, internamente, Alto e Baixo
dela. Por serem experiências vividas e pela São Bernardo compõem lugares diferentes
presença significativa da indução, muitas para os-de-dentro, embora sejam vistos
das questões levantadas não são passíveis como um bairro só para os-de-fora. Com
de mensuração nem de experimentação. A territórios vividos de forma distinta, são
pesquisa reverbera os fenômenos estuda- paisagens específicas separadas e que
dos tal como aparecem (o sentido da palavra não se misturam. E são justamente seus
fenomenologia) na experiência, buscando espaços públicos que expressam a diferen-
nas camadas de mediação e de sentidos, ça entre as duas vizinhanças: as praças e
nas quais estamos todos imersos, os senti- ruas do Alto São Bernardo não dão abrigo
dos originais e permanentes que constroem, aos seus moradores, ao contrário do Bai-
coletivamente, o significado dos fenômenos xo São Bernardo, que tem ruas e praças
(MARANDOLA Jr., 2005a). sempre ocupadas pelas pessoas do lugar.
Para adensar alguns aspectos referentes Nesta área, o espaço público é extensão
à vulnerabilidade na Ponte Preta, realizamos do espaço privado da casa, incorporado à
pesquisa sobre a Praça das Águas, um dos proteção, enquanto na parte alta o espaço
poucos espaços públicos do bairro, inaugu- público é o lugar do risco, separado por
rado durante a pesquisa. Foi muito importan- grades altas e sistemas de segurança do
te acompanhar o processo de abertura de um espaço privado (DE PAULA; MARANDOLA
espaço em meio à densidade construída e Jr.; HOGAN, 2007a).
de ruas estreitas do bairro, sua apropriação A diferença de uso e característica
intensa no início e o subsequente declínio do espaço público, na verdade, expressa
(MARANDOLA Jr., 2005b). formas distintas de proteção e interação
Hoje, a praça encontra-se muito aban- social, qualidades intrínsecas aos lugares
donada e a necessidade de incorporar o es- e paisagens dos dois fragmentos do bairro.
paço público ao espaço privado das casas e Mas qual a natureza da constituição
apartamentos foi superada pelo medo e pela desses diferentes fragmentos territoriais? O
repulsa que a condição deteriorada da praça estudo sobre os DICs (Distritos Industriais
causou. O que no início foi um feliz encontro de Campinas) nos permitiu avançar nesse
com o espaço tornou-se em pouco tempo sentido, identificando nos diferentes territó-
um reencontro com o risco, e as críticas ao rios vividos elementos comuns que davam
projeto e à forma de gestão daquele lugar ao conjunto dos DICs (na verdade, um con-
superaram a necessidade que o bairro tinha junto de pequenos bairros planejados pela
dele. A intervenção de cima-para-baixo, Cohab-Campinas e várias invasões) uma
produzindo um placelessness, mostrou-se, unidade enquanto sentido de vizinhança. A
no final, uma pretensão governamental por identidade territorial é construída a partir da
não ter incorporado as demandas sociais memória urbana e da experiência coletiva de
do lugar. um devir histórico e geográfico comum, que
Nossos estudos subsequentes levaram se estabelece no desenvolvimento do bairro
em conta isso, aprofundando aspectos dis- e liga a história pessoal à história urbana.

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Marandola Jr., E. e Hogan, D.J. Vulnerabilidade do lugar vs. vulnerabilidade sociodemográfica

A mobilidade e a permanência são ele- do lugar e dos moradores mais antigos, o


mentos centrais para compreender esses que expõe cada grupo a riscos e perigos
processos, já que o bairro foi constituído diferentes e resulta, consequentemente, em
enquanto periferia no seu sentido pejorativo, vulnerabilidades distintas.
com todas as carências sociais e infraestru- Esses estudos foram avanços no sen-
turais, mas mesmo assim foi capaz de reter tido de melhor compreender a importância
sua população ao longo do tempo. Esta do lugar na constituição das diferentes
encara como vitoriosa sua permanência, vulnerabilidades. Contudo, precisávamos
pois o lugar foi densificado e significado ao aprofundar estas questões, o que foi feito
longo do tempo, recebendo atributos (físi- tomando-se novas localidades como foco
cos, sociais e afetivos) que lhe dão condição da vulnerabilidade do lugar.
de território capaz de fornecer segurança a Escolhemos três lugares na RMC que
seus moradores (DE PAULA; MARANDOLA pudessem trazer diferentes questões re-
Jr., 2007; DE PAULA; MARANDOLA Jr.; ferentes aos riscos e perigos e à própria
HOGAN, 2007b). natureza dos lugares: Jardim Amanda,
Discutimos o reverso dessa perma- em Hortolândia; o bairro Mansões Santo
nência a partir de pesquisa realizada Antonio, em Campinas; e o trecho da Via
no condomínio Residencial Parque dos Anhanguera entre Campinas e Sumaré.
Sabiás, localizado na cidade de Sumaré Agora na segunda etapa do estudo, estes
(MARANDOLA Jr., 2008b). Esse condomí- lugares nos ajudaram a dissipar as dúvidas
nio de classe média reúne uma população que restavam sobre as variáveis ecológi-
de maioria migrante com alta rotatividade. cas da vulnerabilidade, trazendo novas e
Grande parte mudou-se para a cidade por importantes orientações metodológicas.
motivo de trabalho e tem todo seu espaço Em primeiro lugar, projetos idênticos foram
de vida organizado a partir das rodovias tomando rumos próprios, obedecendo às
que cortam a região. A opção por um con- particularidades dos lugares.
domínio, mesmo que não de alto padrão, O Jardim Amanda é um conhecido bair-
é justificada pela segurança, já que, por ro que carrega a imagem de periférico no
não conhecerem a cidade, acabam não se município de Hortolândia, que, por sua vez,
sentindo seguros em escolher residências também possui esta imagem no imaginário
nos bairros. O condomínio não oferece ne- da RMC. Ali, à semelhança dos DICs, um
nhum item de segurança além dos muros e bairro com acentuadas carências sociais
da guarita, mas esta condição é suficiente passa por um processo de consolidação,
para justificar sua escolha. ainda não concluído, que melhora sensi-
A partir desse estudo, pudemos perce- velmente as condições de vida do bairro e
ber melhor que o conhecimento espacial torna-o passível de retenção de população.
do lugar é fundamental na constituição da Com aproximadamente 50.000 habitantes,
vulnerabilidade, já que os migrantes (os de é um bairro de proporções de cidade que
fora) não possuem referências espaciais mantém elevados índices de pendularidade,
locais para orientar-se, o que torna todos principalmente para o centro metropolitano
os lugares potencialmente perigosos, dife- (DE PAULA, 2008; DE PAULA, MARANDOLA
rente dos estabelecidos, que, utilizando-se Jr.; HOGAN, 2008). No entanto, pela sua
da tradição e da memória, já possuem posição (fica descolado do centro de Hor-
os lugares seguros preestabelecidos ou tolândia e às margens da rodovia que liga
construídos ao longo do tempo, podendo Campinas à cidade de Monte Mor), é prová-
usufruir de uma condição herdada que lhes vel que seus moradores tenham padrões de
oferece estratégias e recursos (sociais, físi- mobilidade variados em diferentes direções.
cos e existenciais) de alcançar a segurança. Além da importância da memória e
Migrantes de estratos médios e superiores da história migratória no desenho das
tendem a buscar os lugares de segurança vulnerabilidades, o estudo do bairro tem
no circuito metropolitano de lugares globais, revelado outros aspectos que se referem à
mantendo-se não raro à parte do sistema condição duplamente periférica (cidade e

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Marandola Jr., E. e Hogan, D.J. Vulnerabilidade do lugar vs. vulnerabilidade sociodemográfica

bairro) e aos processos sociais e espaciais apenas na sua percepção do risco, mas
do próprio lugar em se transformar e em também na sua vulnerabilidade.
promover, ao longo do tempo, segurança, Por fim, o terceiro lugar que estamos
fatores especificamente demográficos que investindo nesse momento é o trecho me-
ainda estão sendo investigados (DE PAU- tropolitano da Rodovia Anhanguera entre
LA; MARANDOLA Jr., 2009). Campinas e Sumaré, que constitui a parte de
O estudo do bairro Mansões Santo An- maior intensidade de conexão e interações
tônio traz outros elementos que enriquecem espaciais na região, com conurbação e o
as análises. Local de contaminação do solo convívio de dois trânsitos: o regional e o
por uma indústria de solventes desativada local-orgânico. Propomos pensar a Anhan-
em meados dos anos 1990, essa bem guera como lugar por conta de seu papel
localizada área de Campinas tem sofrido simbólico e estrutural no espaço urbano das
nos últimos dez anos um intenso processo duas cidades, especialmente no de Sumaré.
de incorporação e especulação imobiliária. A Anhanguera estrutura o espaço da cidade,
Sua paisagem, de chácaras de lazer ou sendo mais central para a maior parte dos
pequenas moradias, tem se modificado in- seus mais de 230.000 habitantes. Por todo
tensamente, com o surgimento de edifícios o trajeto entre as duas cidades, a rodovia
residenciais de alto padrão que marcam o corta a área do município, organizando
skyline da cidade. não apenas o trânsito e a malha viária dos
O caso da contaminação veio à tona bairros, mas também a vida cotidiana. Ela é
quando a construção de um edifício foi re- o grande eixo que liga os bairros das áreas
alizada sobre o terreno da antiga indústria, do Matão, Maria Antônia, Área Cura, Nova
acumulando gases na garagem do prédio. A Veneza e Dallorto, exercendo mais centrali-
imprensa acompanhou o processo, gerando dade do que o próprio centro tradicional. Em
muita especulação sobre os altos investi- virtude da distância, esses bairros possuem
mentos na região. No entanto, a exemplo de uma ligação muito próxima com o centro de
outros casos de contaminação, há um hiato Campinas, que é acessado pela rodovia, o
entre a identificação do risco, a percepção que faz dela o grande eixo estruturador da
da população e a sua comunicação, as região (MARANDOLA Jr., 2008a).
quais obedecem a diferentes lógicas. A vul- Contudo, ao mesmo tempo em que
nerabilidade do lugar não pode ser apenas conecta e permite aglutinar, a rodovia exer-
a equação das análises de risco, devendo ce um papel desagregador e segregador
considerar também a questão do estigma e (ROSAS, 2008; ROSAS; HOGAN, 2009).
da própria desvalorização econômica. Bairros de um lado e do outro da Via Anhan-
Assim como em Cubatão ou em Adria- guera são lugares distintos, sem conexão.
nópolis, onde as populações negaram a As várias passarelas ou viadutos não são
contaminação entendendo que admiti-la ou suficientes para promover a integração dos
dar-lhe ênfase seria uma forma de denegrir fragmentos, o que resulta em diferentes
seu próprio lugar (HOGAN, 1993; DI GIULIO, condições de acessibilidade que, em áreas
2006), também no bairro Mansões Santo An- de urbanização dispersa, podem significar
tônio o risco associado à contaminação não acesso a bens, serviços ou até ao mercado
é valorizado por seus moradores, que não de trabalho. Em vista dessa fragmentação,
consideram o fato um problema ou preferem a experiência da rodovia é muito diferencial
não dar destaque a ele (FOGLIARINI, 2008). para aqueles que moram no seu entorno e
A vulnerabilidade do lugar, ali, precisa incor- para aqueles que apenas passam por ela
porar o processo de comunicação do risco (ROSAS; MARANDOLA Jr.; HOGAN, 2008).
e a sua construção social em pelo menos O meio de transporte utilizado é a diferença
dois contextos: dos moradores antigos do central, trazendo distintos perigos depen-
bairro (que ainda estão nas chácaras) e dos dendo do tipo, frequência e até horário em
novos moradores que chegaram depois. O que se utiliza a rodovia. Nesse caso, apro-
envolvimento dos dois grupos com o lugar fundar as possibilidades de envolvimento
é evidentemente outro, e isso interfere não com o lugar-rodovia é fundamental para

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Marandola Jr., E. e Hogan, D.J. Vulnerabilidade do lugar vs. vulnerabilidade sociodemográfica

podermos compreender as diferentes situa- espaciais e permitem olhar para a região a


ções de risco e as estratégias e capacidades partir da experiência, ajudando a conectar
de resposta aos perigos. experiências individuais a construções
Todos esses trabalhos tinham uma liga coletivas. Os territórios, construídos entre
comum: estavam concentrados na sede e lugares (pausas) e trajetos (mobilidades),
numa porção da RMC que, por vários mo- são fundamentais para compreender a
tivos e critérios, pode ser encarada como constituição da segurança-insegurança com
a mais intensa e de relação mais orgânica bases espaciais, individuais e coletivas. A
– a microrregião noroeste. O estudo dessa casa, nesse contexto, apresenta-se como
região nos permitiu produzir um amálgama elemento importante na medida em que é
entre os estudos dos lugares, contextua- o ponto zero de onde partem os desloca-
lizando cada um num todo, numa escala mentos e o lugar a partir do qual organiza-
mais próxima daquela primeira perspectiva mos todo nosso cotidiano. Por outro lado,
da experiência da RMC como um todo. a tendência de que ela se torne o único
Essa microrregião, centralizada por ponto fixo da metrópole (ASCHER, 1998)
Americana e composta por Nova Odessa, aumenta sua importância na constituição
Santa Bárbara d’Oeste e Sumaré, apresenta da vulnerabilidade, sendo fundamental
relações orgânicas mais fortes internamente olhar para ela, em todas as suas dimensões,
do que com o centro metropolitano. Os es- para podermos pensar a vulnerabilidade
paços de vida nessas cidades conformam num sentido que ultrapasse o estritamente
um mesmo conjunto de trajetos e itinerários, físico ou populacional, permitindo buscar a
apresentando-se como um todo urbano relação orgânica entre eles.
único, onde as funções e equipamentos são
complementares entre as cidades. Apesar Novas questões e uma agenda de
de ter um centro e de manter as relações pesquisa
com Campinas, como maior referência, no
âmbito da experiência há pouca hierarquia Mesmo que esses estudos tenham
entre elas, apresentando-se como alterna- apontado aspectos importantes para a
tivas igualmente viáveis dependendo da compreensão da vulnerabilidade do lugar,
situação (MARANDOLA Jr., 2008a). notamos dificuldade em operacionalizar,
De fato, a potencialidade da mobili- em cada caso, aspectos mais fortes ou mais
dade não é apenas um dos pontos-chave evidentes que fossem diretamente ligados à
que conduziram a microrregião à sua atual vulnerabilidade. Isso se mostrou, para nós,
integração e conurbação, mas é sobretudo como uma indicação de que é provável que
um dos seus pontos ambivalentes de risco- o problema seja a forma como estávamos
proteção mais significativos. A mobilidade, encarando a vulnerabilidade. Em primeiro
ao invés de se constituir enquanto risco lugar, não se estuda a vulnerabilidade, algo
(desagregação do lugar, enfraquecimento intangível e conceitual. Ela se revela por
dos laços comunitários e de vizinhança, meio de outros elementos que, estes sim,
fragilização da casa e da família), é tam- são escrutinados pela pesquisa. Riscos
bém estratégia de segurança, à medida e perigos são o foco, as estruturas e os
que permite aproximar e mobilizar recursos qualitativos disponíveis para que o lugar
(sociais, físicos e simbólicos) distantes no (pessoas, comunidades) possa movimentar-
espaço. Assim como o lugar não é mais a se quando em risco ou em face do perigo.
única forma de estar seguro, a mobilidade Assim, a discussão sobre vulnerabilidade
também não significa mais o risco total sempre nos conduz a pensar sobre insegu-
(MARANDOLA Jr., 2008a; 2008b). rança e sistemas de proteção, que abrem
Pensando a região como espaço vivido uma perspectiva fundamental para que
e a mobilidade como contraponto ao lugar, possamos identificar elementos que ajudam
temos assim uma possibilidade de interlocu- a compor a vulnerabilidade.
ção entre os diferentes lugares estudados. A ideia de um atlas de lugares pode
Os espaços de vida estruturam as interações ajudar a pensar áreas grandes em termos

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de sua vulnerabilidade. Se estudos que prio- entendida como qualitativo, neutra portanto,
rizam a escala grande conseguem abarcar característica própria dos fenômenos diante
grandes áreas a partir da simplificação dos de todas as situações.
fatores envolvidos, estudos em pequena Mas para que isso se efetive, é necessá-
escala conseguem aprofundar elementos ria profundidade no estudo dos lugares. O en-
específicos em cada caso, permitindo, a par- volvimento característico de pesquisas qua-
tir da compreensão do fenômeno, pensá-los litativas exige tempo e constância para que
enquanto essências, ou seja, enquanto fatos o processo do pesquisador de ultrapassar
do mundo. Uma amplitude considerável a linha imaginária que separa os-de-dentro
de lugares com diferentes características e e os-de-fora possa se efetivar, conseguindo
situações, amarrados por um plano espacial compreender os lugares pelo olhar do outro,
mais amplo comum (como a região), per- daquele que o experiencia diretamente.
mite esse tipo de análise, por compartilhar Em termos analíticos, entendemos que
um mesmo contexto espacial e essencial alguma forma de organizar os lugares a par-
(circunstancialidade) que lhes dá coesão. tir de tipos ideais seria de valia na tentativa
Por outro lado, o lugar pode ser aden- de encontrar traços essenciais que possam
sado à medida que aumentamos nossa ajudar a compreender os processos de
capacidade analítica em outros campos. maneira mais ampla. Nesses primeiros es-
Em cada estudo que temos feito, há uma di- tudos, podemos ensaiar uma aproximação
mensão demográfica pouco explorada, tais preliminar com uma tipificação dos lugares
como as composições etárias, a organiza- estudados, conforme o Quadro 1. Os temas
ção da família e o ciclo vital. Estas variáveis escolhidos para a tipologia permitem dar
são componentes essenciais dos lugares e ênfase a certos aspectos, tornando visíveis
ajudam na sua compreensão ecológica. As diferenças ou semelhanças. É evidente
comunidades ou os territórios são fenôme- que olhar por vários ângulos nos ajudará
nos, o que implica uma perspectiva holística a identificar elementos diferentes revelados
e integrativa na sua leitura, que focaliza a pelas especificidades dos lugares. Por ou-
relação entre os elementos naquele determi- tro lado, a identificação daquilo que é mais
nado contexto em sua circunstancialidade. essencial em cada um é importante para
Esta é fundada numa dupla característica de balizar as classificações, não caindo num
singular e universal que permite olhar para montar e desmontar de um quebra-cabeça
lugares enquanto exemplares e ao mesmo sem sentido.
tempo únicos, permitindo à pesquisa avan- Utilizamos variáveis ecológicas num
çar a partir de casos específicos. Mas, para esforço de identificar aspectos comuns que
isso, é necessário abrir as possibilidades de permitam a discussão dos lugares a partir
incorporação de matrizes causais a perigos de suas semelhanças e diferenças. Em
específicos. Mas quais riscos selecionar? vista disso, nesse primeiro esboço, há uma
Tomando a postura metodológica aqui prevalência de aspectos que caracterizam,
desenvolvida, é necessário não delimitar no sentido da produção e organização do
os perigos a priori. Isso fecharia as possi- espaço, os lugares. Esses aspectos (como
bilidades das inter-relações relevantes e a situação quanto à incorporação, a posi-
de identificar os fatores que interferem na ção na cidade e na região e o próprio uso
constituição da vulnerabilidade. Talvez essa do solo) expressam a espacialidade, ou
seja a maior diferença em orientar a pes- seja, os aspectos materiais da reprodução
quisa pela perspectiva da vulnerabilidade social, que compõem a matriz causal da
do lugar e não da vulnerabilidade social ou vulnerabilidade, servindo também de con-
sociodemográfica. O lugar circunscreve uma textualização para uma análise dos lugares.
situação da relação população-ambiente, Contudo, orientando-se pela fenomenolo-
permitindo acompanhar suas interações gia, essa espacialidade é re-significada a
em dado espaço-tempo social e cultural. partir da própria experiência, a qual atribui
A pergunta “vulnerabilidade a que?” não valores e redefine as distâncias e os ritmos
é feita no início, pois a vulnerabilidade é utilizando outras lógicas e racionalidades.

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Apesar dessa diferença, a espacialida- isso, considerar as variáveis ecológicas,


de é parte integrante dos lugares, ajudando numa perspectiva relacional, nos permitirá
na composição da trama que os anima. Por discutir as relações referentes a população
outro lado, aspectos importantes como o e ambiente a partir de questões que sejam
tempo de residência nos lugares são funda- pertinentes ao bem-estar e à qualidade
mentais para podermos compreender os la- de vida das pessoas, a preocupação que
ços de envolvimento espacial das pessoas. acompanha e motiva tais estudos.
Em vista disso, definir melhor a condição Nossa velha questão, portanto, recebe
de migrante do próprio bairro (predominam outra dimensão. Pensar a flecha causal
migrantes ou não-migrantes?) e das pes- PàA ou AàP, hoje, envolve pensar a rela-
soas (quantos anos são necessários para ção sociedade-natureza em seu significado
consolidar relações no lugar?) é necessário humano radicalizado. O ambiente vivido,
para melhor entender as condições e re- tecnificado e mediado não é aquele das
cursos que as pessoas dispõem para lidar relações regionais em ecossistemas tra-
com os perigos. dicionais. A realidade brasileira apresenta
Outro aspecto a ser considerado desafios mais complexos aos estudos
refere-se ao fato de que as questões am- de população, que, mesmo nas grandes
bientais propriamente ditas dificilmente regiões agrárias ou florestais, têm de lidar
aparecem como relevantes sem que haja com a presença da sociedade urbana. A
uma dedicação específica do pesquisador velha questão, portanto, parece ter sido
ou alguma situação muito significativa no invertida na medida em que a influência
lugar. Isso se deve principalmente à forma do ambiente sobre os homens é vista na
como ainda lidamos com o ambiente, forma de males (riscos e perigos). Nos
que, apesar dos progressos em termos ambientes metropolitanos, foco de nossa
de tomada de consciência, ainda não faz investigação e reflexão, a espacialidade e
parte da principal pauta de preocupações a abordagem ecológica (trabalhada nos
das pessoas. moldes fenomenológicos) têm apontado
Isso, de fato, não chega a ser um pro- caminhos para pensar a relação P-A em seu
blema, desde que tomemos o ambiente duplo movimento, indicando a importância
no seu sentido mais amplo, envolvendo o da abordagem do lugar por focar-se na
ambiente construído tanto quanto aquele circunstancialidade das interações P-A em
da natureza. As cidades são os ambientes dado contexto espaço-temporal, geográfico
humanos por excelência nesse século. Por e demográfico.

QUADRO 1
Lugares pesquisados de acordo com variáveis ecológicas
Condição
predominante
da população
Centro Residencial-comercial- Violência,
Ponte Preta Bairro Central Bairro histórico Não-migrante
metropolitano industrial bairro de passagem
Centro Residencial-comercial- Fundos de vale,
São Bernardo Bairro Central Bairro consolidado Não-migrante
metropolitano industrial violência
Centro Residencial (comércio Bairro em Mobilidade, fundos
DICs Bairro Periférica Não-migrante
metropolitano local) consolidação de vale, invasões
Contaminação do
Mansões Santo Centro Residencial-industrial Bairro em
Bairro Central Migrante solo, especulação
Antônio metropolitano (comércio local) consolidação
imobiliária
Entorno Residencial (comércio Bairro em Mobilidade, acesso
Jardim Amanda Bairro Periférica Migrante
metropolitano local) consolidação ao Estado
Consolidado em
Rodovia Centro-entorno Industrial-residencial- Mobilidade, poluição
Trajeto Periférica transformações Migrante
Anhanguera metropolitano comercial do ar, trânsito
recentes
Espaço Centro Lazer e cultura,
Praça das Águas Central Lazer Em degradação Não-migrante
público metropolitano violência

Residencial Entorno Mobilidade,


Condomínio Periférica Residencial Consolidado Migrante
Parque dos Sabiás metropolitano qualidade de vida

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Mesmo que não tenhamos novas res- sentido do habitar contemporâneo, expres-
postas à velha questão, problematizá-la já são maior da relação da população em seu
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Resumen

Vulnerabilidad del lugar vs. vulnerabilidad sociodemográfica: implicaciones metodológicas


de una vieja cuestión

La pregunta “¿vulnerabilidad a qué?” es primaria en los estudios sobre riesgos y peligros. En


los estudios poblacionales, esta pregunta se dirige a grupos demográficos que están sujetos
a determinados peligros, que pueden estar relacionados a las características de la dinámica
demográfica o a su situación socioeconómica, ligadas al ciclo vital, a la estructura familiar o
a las características migratorias del grupo. El campo de población y ambiente aumentó la
dimensión espacial a la problemática, considerando la posición y la situación (relacionales y
relativas) componentes de los elementos que generan peligros o que suministran condiciones

180 R. bras. Est. Pop., Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 161-181, jul./dez. 2009
Marandola Jr., E. e Hogan, D.J. Vulnerabilidade do lugar vs. vulnerabilidade sociodemográfica

para enfrentarlos. Se advierten, por un lado, la influencia de un abordaje ecológico, que entiende
al medio como un conjunto físico-social que influencia y es influenciado por la población, y
por otro, la presencia de postulados materialistas, que concibe la relación sociedad-naturaleza
como un devenir histórico-social que está pautado por la producción contradictoria y desigual
del espacio y de la sociedad. En ambientes fuertemente modificados por lo hombre, como
las grandes ciudades, la matriz causal de riesgos y de elementos que pueden interferir en la
vulnerabilidad es considerablemente mayor, tornando difícil aprehender relaciones de causalidad
entre determinados peligros y ciertas características del grupo demográfico. En vista de ello,
mirar hacia los peligros y hacia la vulnerabilidad del lugar es una estrategia que permite, en
micro-escala, captar los elementos que interfieren en la producción, aceptación y mitigación
de los riesgos. La dimensión ecológica es re-significada al incorporar la dimensión existencial y
fenoménica del lugar, entendiendo los grupos demográficos en su relación de involucramiento
y pertenencia a su espacio vivido. A partir de una serie de trabajos empíricos desarrollados en
los últimos años, este artículo reflexiona sobre las posibilidades de esa perspectiva teórico-
metodológica, que utiliza una práctica cualitativa de campo y una orientación geográfica en la
construcción de un diálogo más estrecho entre Geografía y los estudios poblacionales, a partir
del campo Población y Ambiente.
Palabras-clave: Riesgos. Ciudad. Espacio. Metodologías cualitativas. Geografía de la población.

Abstract
Place vulnerability vs. sociodemographic vulnerability: methodological implications of a very
old issue

The question of “vulnerability to what?” is standard in studies on risks and dangers. In


demographic studies the issue comes up in regard to demographic groups that are subject to
dangers that can be related to the characteristics of the demographic dynamics or to the groups’
socioeconomic situation, which have to do with their life course, family structure or migratory
characteristics. The field of population and environment added the spatial dimension to the
issue, considering position and situation, which are components of the elements that produce
dangers or that provide the conditions to face them. On the one hand, one can note the influence
of an ecological approach, which sees the environment as a physical-social set that influences
and is influenced by the population and, on the other, the presence of materialistic postulates,
which conceive the relationships between society and nature as a social and historical factor
regulated by the contradictory and unequal production of space and society. The causal matrix
of risks and elements that can interfere in vulnerability is considerably higher in environments
strongly modified by human beings, such as large cities. This fact makes it difficult to grasp the
causal relationships between certain dangers and certain characteristics of the demographic
group. In view of this, observing dangers and the vulnerability of places is a strategy that, on a
micro scale, enables one to detect the factors that interfere in the production, acceptance and
mitigation of risks. The ecological dimension is re-signified when it incorporates the existential
and phenomenic dimensions of places and considers demographic groups in their relationships
of involvement and belonging to the surrounding space. On the basis of a number of empirical
texts published in recent years, this article reflects on the possibilities of this theoretical and
methodological perspective, which uses qualitative field practice and a geographic orientation
in constructing a closer dialogue between geography and demographic studies, based on the
field of population and environment.
Keywords: Risks. City. Space. Qualitative methodologies. Geography of the population.

Recebido para publicação em 05/05/2009.


Aceito para publicação 10/07/2009.

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