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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

GUSTAVO PINHEIRO MARTINEZ TORRES

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO QUASE VAZIO SEGUNDO


EXPERIÊNCIAS RECENTES (OU GIRANDO AO REDOR DO VAZIO SEM NELE
TOCAR)

RIO DE JANEIRO – RJ
2018
GUSTAVO PINHEIRO MARTINEZ TORRES
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO QUASE VAZIO SEGUNDO
EXPERIÊNCIAS RECENTES (OU GIRANDO AO REDOR DO VAZIO SEM NELE
TOCAR)

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais, Escola de Belas Artes,
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Artes Visuais.

Aprovada em ____/____/____

_____________________________________________________________
Prof.ª Dra. Livia Flores Lopes – Orientadora
Universidade Federal do Rio de Janeiro

_____________________________________________________________
Prof. Dr. Jean Pierre Cardoso Caron - Co-orientador
Universidade Federal do Rio de Janeiro

_____________________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Raclaw Basbaum
Universidade Federal Fluminense
_____________________________________________________________
Prof.ª Dra. Patrícia Leal Azevedo Correa
Universidade Federal do Rio de Janeiro

RIO DE JANEIRO – RJ
2018

“E se lançarmos uma objeção quanto à dificuldade de uma


compreensão completa, estamos pedindo muito pouco da arte”
(Allan Kaprow)
Life goes on very much like a piece of Morty Feldman. Someone may object that the
sounds that happened were not interesting. Let him. Next time he hears the piece, it will
be different, perhaps less interesting, perhaps suddenly exciting. Perhaps disastrous. A
disaster for whom? For him, not for Feldman.
(John Cage)

AGRADECIMENTOS

Lívia Flores por me acompanhar nesse percurso com compreensão e paciência; J.-P.
Caron pela amizade, generosidade e parceria; Mayana Redin pelo companheirismo,
risadas e comidas; Vladimir Ribeiro pela interlocução de fora; Patricia Correa e Enrique
Iwao pela interlocução convergente; Lucas Sargentelli e Pedro Moraes pela
interlocução divergente; Luana Manhães pelo auxilio burocrático; Paulo Dantas e
Antonio Grosso pelo upgrade na audição; Gabriela Mureb por
rrrrrrrrrptzzzzzzzzzzmmmmmmm; Erick Araújo “por várias ‘paradas’”; Renata
Perissinotto por compartilhar descrença na academia; Lucas Bevilaqua pelos designs
necessários; Marcos Moraes por tornar possível a experiência que originou este texto;
Rafaela Foz, Pontogor, Camilla Martins, André Damião, Carla Boregas e Igor Souza
por tornarem a estada em São Paulo mais prazerosa; Cezar Bartholomeu, Patricia
Correa, Ricardo Basbaum e Fernando Cocchiarale pela disponibilidade e interesse em
me examinar e; aos meus pais por tornaram materialmente possível empregar tempo
em algo sem retorno financeiro suficiente.

RESUMO

Partindo de experiência de uma residência artística, o presente texto pretende


entrincheirar, uma na outra, teoria e prática, para que forneçam elementos para se
pensar a respeito do vazio e do silêncio, suas promessas e impossibilidades. A
experiência estética aparece como problema central, indicando o modo com que obras
esvaziadas existem e de que maneira se relacionam com um público.
ABSTRACT
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

PRIMEIRA PARTE - primeiro evento de open studio

INTERLÚDIO - tradições periféricas e outras obras relacionadas

SEGUNDA PARTE - segundo evento de open studio

TERCEIRA PARTE - registrando os painéis “vazios”


BIBLIOGRAFIA

INTRODUÇÃO
Certos empreendimentos em arte encontram sua melhor apresentação na forma
do relato - como uma segunda chance de existência, que difere da primeira pela
possibilidade de pensar o que já foi feito e elaborar as consequências do que passou.
Na condição de artista, apresentarei um breve relato sobre a construção de uma
situação artística em que o esvaziamento da forma/conteúdo das obras fez da
experiência estética seu problema central. A pesquisa teórica que se desenvolve
entrelaçada aos relatos práticos não pretende fornecer uma explicação “do porquê”,
mas disponibilizar elementos que contribuam para o pensamento acerca das obras.
No primeiro semestre de 2017, fui um dos artistas a participar da Residência
Artística da Fundação Armando Alvares Penteado (ou FAAP), na cidade de São Paulo.
Tendo planejado, para esse período, a continuação de minhas pesquisas acerca do
esvaziamento sensível, do vazio e da negatividade, segui com minha produção nesta
direção. Como prática comum em residências artísticas, os artistas residentes
apresentam suas produções em eventos de open studio, em que o público é convidado
a visitar o espaço de trabalho de cada artista e em que este, o artista, também
encontra-se disponível. Foram dois desses eventos, e é deles que parte o texto.
A escolha da forma do texto pretendeu preservar certa coerência em relação ao
caráter “aberto” das obras sobre as quais nos debruçamos, orientando-nos sobre
formulações que devem ser conectadas por quem as lê. Como todo texto que pretende
pensar um objeto por diferentes vias, as ideias, originalmente dispersas em suas fontes
de origem, são reapresentadas em um estado estruturado, combinadas entre si em um
sistema. A ordenação dos elementos está para direcionar o pensamento em direção ao
que nos interessa, porém, dentro do que nos interessa, está a possibilidade de se
pensar para além e através do que está apresentado, para isso a estrutura de manteve
porosa e penetrável.

Evitamos, o tanto quanto possível, conclusões definitivas, apresentando idéiaideias


divergentes e por vezes contrastando a prática e a teoria, pondo uma à prova da outra.
Este texto não busca teorizar uma prática artística, tão menos o que é aqui
apresentado não são as consequências práticas de uma teoria, o que construiu este
texto foi a relação dialética entre estas duas instâncias, onde o desenvolvimento de
uma forneceu subsídios para o desenvolvimento da outra, e assim circularmente. As
obras com maior destaque aqui foram pensadas, produzidas e apresentadas em meio
às pesquisas teóricas, o texto foi esboçado em meio a produção e apresentação
dessas obras. Do mesmo modo, o formato da escrita pretende, assim como nosso
objeto, se manter suficientemente aberto sem ser vago, sintético sem ser hermético e
propositivo sem ser positivo. Se queremos que este texto funcione, em algum grau,
como funciona as obras que ele apresenta é porque queremos que seja, também ele,
uma dessas obras.

Se aqui se pretende refletir sobre um conjunto de obras e as experiências decorrentes


dessas obras, qual seria o papel da introdução nesse texto? O que se espera é que a
introdução seja o lugar de apresentar sumariamente a totalidade do texto: tema,
problema, hipótese, objetivo, justificativa, metodologia…, para que o leitor possa ter
uma idéiaideia geral do que o espera. Algo que poderia ser dito, então, é que este texto
apresenta obras onde a expectativa frustrada, ou mesmo um grau de surpresa,
possuem um importante papel na constituição das experiências que nelas se originam.
Se queremos um texto que funcione como essas obras, ele não poderia antecipar seu
conteúdo, já que ao fazê-lo com sucesso, criaria uma expectativa que seria
prontamente correspondida. O que podemos fazer, então, é expor sua estrutura formal,
o que já foi feito e continuaremos a fazer.

Como chave de leitura, é importante sabermos do que se trata as divisões no texto. As seções
identificadas por algarismos romanos apresentam o relato das obras e seus consequentes
acontecimentos, e estão, quando necessário, divididas em subseções identificadas pelas 4
primeiras letras do alfabeto latino, cada uma designando especificamente uma obra: A:
Declaração de Apropriação (Metrô de São Paulo); B: Cartaz Preto Caído; C: Vontade de Nada ≠
Nada de Vontade e; D: Sem Título (Amplificador Ligado Sem Sinal no Input). As seções
apresentadas por numerais indo-arábicos se referem à pesquisa teórica. Eventualmente, em meio
aos aforemos numerados, há aforismos entre parênteses, estes sano comentários que por vezes se
descarrilham no trilho do texto. Apesar do formato fragmentado, algo como aforismos, o texto
segue uma ordenação lógica -temporal, para o relato, e de raciocínio, para a pesquisa- e deve ser
lido na ordem em que é aqui apresentado. A primeira e segunda partes se referem,
respectivamente, ao primeiro e segundo eventos de open studio, enquanto que na terceira parte é
apresentada uma ação sistemática de registrar e catalogar as estruturas publicitárias “quase-
vazias” do Metrô de São Paulo. Entre a primeira e a segunda partes há um interlúdio que
pretende apresentar uma certa tradição, difusa e periférica, de obras que se conectam pela
idéiaideia de vazio e silêncio.
PRIMEIRA PARTE
primeiro evento de open studio
A parte inicial do texto pretende apontar, (des)ordenadamente, algumas
questões a respeito de quatro obras produzidas durante fevereiro, março e primeira
semana de abril de 2017, período correspondente à primeira metade de minha
participação na Residência Artística da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP),
concluída ao final de Junho de 2017.
As obras em questão foram pensadas e/ou executadas sob influência de minha
já iniciada pesquisa de mestrado, cujo interesse central, na época, era pensar o lugar
do que entendo por negatividade na arte e as operações que a têm como ponto de
partida.
Obras: A - Declaração de Apropriação (Metrô de São Paulo); B - Sem Título
(Cartaz Preto Caído); C - Vontade de Nada ≠ Nada de Vontade; D - Sem Título
(Amplificador Ligado Sem Sinal no Input).

I.
A) Declaração de Apropriação (Metrô São Paulo). Como seu título indica, é uma
declaração por escrito, um texto que anuncia a apropriação de painéis de
anúncios e backlights vazios das estações e trens do Metrô de São Paulo,
estipulando que, por determinado período de tempo (de 1º de março a 30 de
junho de 2017), tais estruturas devem ser consideradas como obras de arte de
minha autoria. Além disso, informo o procedimento a ser utilizado para intitular a
cada uma dessas estruturas enquanto obras de arte e que, se seguido, gerará
títulos com códigos alfanuméricos indicativos do local onde cada estrutura se
encontra.

B) Sem Título (Cartaz Preto Caído). Um cartaz com a frente preta e o verso branco
é colado na parede apenas pela sua extremidade inferior, fazendo com que a
parte superior caia e revele o verso branco, ou em branco - mesma cor da
parede. Desta maneira, o cartaz permanece visível, porém com sua frente - o
lado que contêm a informação impressa – oculta; e, ao mesmo tempo em que
está caído, continua pendurado. Além disso, o cartaz é afixado em uma altura
convencional, na altura do olhar de um humano de estatura média - uma
determinação expográfica. Esta altura é determinada pela posição virtual do
cartaz não caído: quando o mesmo cai, ocupa uma posição inferior àquela
convencional. Contudo, a iluminação do cartaz se mantém fiel à sua posição
virtual quando não caído, afirmando as mesmas convenções expográficas.

C) Vontade de Nada ≠ Nada de Vontade. Diferente das demais obras, que podem ser
consideradas objetos, trata-se de uma instalação composta por um sofá, uma
mesa de centro, um cartaz branco colado na parede atrás do sofá e um livro
grande de páginas em branco sobre a mesa de centro.

D) Sem Título (Amplificador Ligado Sem Sinal no Input). Um amplificador de


guitarra é ligado no volume máximo, sem que haja nenhum emissor de sinal
conectado à sua entrada (input). Todos os controles de frequência também são
colocados no máximo. O que se ouve é o som do funcionamento do próprio
equipamento e alto-falantes.

II.

A) gênese da ideia de Declaração de Apropriação (Metrô São Paulo) se encontra


na experiência empírica e no entendimento teórico de uma mudança de
paradigma publicitário que se deu quando, em 2014, participando da residência
artística Red Bull Station, observei as estratégias publicitárias adotadas pela
empresa promotora da residência. No lugar da divulgação de um produto
através de imagens intrusivas como painéis, outdoors, anúncios em mídia
televisiva e impressa, etc., o marketing mais contemporâneo adota estratégias
de inserção na vida dos consumidores. As imagens publicitárias são substituídas
pela presença material e ativa da marca, da empresa e do produto na vida
cotidiana dos consumidores ou futuros consumidores. Deste modo, a quantidade
sempre grande de painéis de anúncio e backlighs vazios, ou seja, não
contratados por nenhum anunciante, é um índice do processo da mudança de
um paradigma publicitário para outro.

B) Há uma imagem que guardo há alguns anos: quatro negativos de 120mm que,
organizados, formam quatro quadrantes. Neles, temos, em uma paisagem
desértica: 1) a visão lateral de um guindaste, formando uma linha diagonal; 2) a
visão frontal do mesmo guindaste formando uma linha quase horizontal; 3) um
homem de pé; e 4) apenas a mesma paisagem, sem nenhuma figura. Ao
finalmente imprimi-la (mesmo que a título de teste, em uma impressão não
apropriada para os detalhes da imagem) e fixá-la na parede, a imagem se tornou
desinteressante. Pretendendo dar outras chances a mim mesmo e à imagem,
deixei que ela permanecesse afixada à parede por algumas semanas. A pouca
quantidade de fita adesiva utilizada fez com que a parte superior do cartaz se
desgrudasse da parede, caindo sobre sua parte inferior, e permanecendo
pendurado, e ao mesmo tempo, caído. Finalmente, a impressão se tornou
interessante, e aí estava se formando Sem Título (Cartaz Preto Caído).
Posteriormente, o cartaz foi trocado por outro, contendo um lado impresso
totalmente preto e o verso em branco.

C) Pouco mais de 12h antes do evento de open studio em que Vontade de Nada ≠
Nada de Vontade foi apresentada, decidi que um cartaz totalmente em branco que
havia sobrado de outra obra ficaria bom afixado na parede atrás do sofá, e que
comporia bem com o livro totalmente em branco já presente na mesa de centro
em frente ao mesmo sofá. Estes objetos em branco ou com seu conteúdo
esvaziado ocupam espaços que, por excelência, pertencem a obras-adorno,
uma convenção da ordem da decoração: a obra de arte enfeite pendurada na
parede atrás do sofá, e o livro sobre um grande artista sobre a mesa de centro,
elementos essenciais para uma sala de estar respeitável.

D). No dia do evento supracitado, resolvi deixar ligado meu amplificador de guitarra
sem que nada estivesse conectado à sua entrada. Esta também é uma vontade antiga:
ligar vários amplificadores no volume máximo, sem nenhum emissor de sinal sonoro
conectado às suas entradas. Na ocasião, em que o espaço se apresentava como um
misto de apartamento e galeria, apenas um amplificador me pareceu suficientemente
convincente, pareceu funcionar no contexto das demais obras e do espaço onde as
mesmas se inseriam. Aí estava Sem Título (Amplificador Ligado Sem Sinal no Input).
III.

(A experiência do público com as obras se deu no já citado evento de open studio,


exceto Declaração de Apropriação (Metrô São Paulo), que, apesar de participar deste
mesmo evento, foi e continua sendo apresentada em outros meios e ocasiões.)

A). Até o momento, a divulgação da declaração foi feita apenas em ambientes


artísticos (feiras de publicações e eventos de open studio, onde a declaração era
distribuída no tamanho A3) e no âmbito dos contatos pessoais virtuais (e-mail e redes
sociais). Para as pessoas que perguntavam, levemente assustadas, se eu faria “isso”
(referindo-se à titulação e consequente catalogação, utilizando as instruções listadas
no texto da declaração), minha resposta padrão era: “Fazer o quê? Já está feito” (ou
variáveis incrivelmente pacientes). Para uma resposta por e-mail que dizia que, após o
contato com a declaração, o remetente estaria experimentando “várias miragens no
metrô” e uma curta referência a “Fata Morgana” (uma miragem provocada por inversão
térmica), pude responder apenas “: )”. Foram poucas as respostas por e-mail ou redes
sociais, sendo a maioria elogios de apenas uma palavra ou onomatopeias positivas.
Houve, porém, uma resposta questionadora devolvida à minha caixa de e-mails: “?”.

B/C). Uma listagem das reações mais comuns ocorridas durante o evento de
open studio: atravessar a porta de entrada apenas com a cabeça, olhar rapidamente,
movendo o pescoço para ter uma visão panorâmica, retornar com a cabeça para fora
do estúudio e seguir a vida; entrar, percorrer o estúdio como se estivesse vazio; entrar
e olhar rapidamente para Sem Título (Cartaz Preto Caído) e Vontade de Nada ≠ Nada de
vontade, e então se dirigir à mesa onde havia dois computadores; “quais são suas obras?”; “o
que você faz?”; “você está aqui há pouco tempo, né?”. As respostas variavam, mas
havia a decisão de não me referir diretamente às obras ali expostas, exceto na ocasião
de uma conversa teórica/conceitual em que fosse importante apontá-las.

D). Em frente ao amplificador, havia uma mesa onde estava a Declaração de


Apropriação (Metrô São Paulo) e dois computadores. Em um dos computadores estava
aberto para consulta meu website/portfólio; no outro, estava tocando, em fones de
ouvido, uma peça composta por mim, em colaboração com J.-P. Caron, chamada ~Ø
(não-vazio) música para sons de suportes tecnológicos não gravados e/ou gravados
com o próprio processo de gravação. Durante metade desta peça, é possível ouvir
apenas sons muito baixos e algo parecido com estática. Uma visitante perspicaz disse
que, em alguns momentos, esteve em dúvida se o som que ouvia tinha origem nos
fones em sua cabeça ou no amplificador ligado à sua frente.

1.

1.1. Dentre as diversas contribuições de Duchamp para o pensamento artístico


contemporâneo, encontramos o conceito de “coeficiente artístico”, que, em suas
palavras, é a “relação aritmética entre o que permanece inexpresso, embora
intencionado, e o que é expresso não-intencionalmente”. (Duchamp - o ato criativo)

1.2 . O artista, assim como qualquer outro indivíduo, possui o domínio de suas
expressões tal como elas são e tal como se apresentam. O que é expresso pelo artista
reside completo em sua integridade, pois, a respeito da expressão individual desse que
primeiro produz a obra, não há nada que falte:, pois já está lá está tudo o que poderia
estar. Não há nada lá por acaso ou que careça de intencionalidade, pois aquele que se
expressa, expressa sua expressão total possível correspondente às circunstâncias
colocadas. Talvez não haja expressão não intencional.

1.3 . A expressão individual do artista, o percurso conceitual, o processo necessário


para se chegar àa obra, importa apenas para o artista, sem o qual não seria possível
chegar aonde se chegou. Para aquele que se põe em contato com a obra, interessa
apreender o que é importante, e o importante é aquilo que importa unicamente a ele.
1.4 . A obra de arte, o objeto artístico, não garante o entendimento da expressão
artística. O entendimento é produzido por aquele que se põe em contato com a obra,
tendo nela própria um ponto de partida. Em uma obra não há nada “inexpresso embora
intencionado”, ou “expresso não-intencionalmente”;, o que há são elementos que se
põem à disposição de um público, e dessa relação se extrai algo, que se se pretende
chamar de expressão, é melhor que a considere sendo do público.

1.5 . Ainda assim, é no conceito duchampiano de coeficiente artístico duchampiano que


onde podemos entrever uma mudança de paradigma fundamental para nosso objeto de
estudo: o deslocamento do foco da obra de arte, da produção para a recepção, da obra
de arte.. “O ato criador toma outro aspecto quando o espectador experimenta o
fenômeno da transmutação; pela transformação da matéria inerte numa obra de arte,
uma transubstanciação real processou-se, e o papel do público é determinar qual o
peso da obra de arte na balança estética.” (Duchamp)

1.6 . Na esteira de Duchamp, com a importante mediação de John Cage, há toda uma
tradição engajada na eliminação da expressão artística do indivíduo artista,
promovendo uma mudança do locus: da produção para a recepção;, uma mudança do
expressar para o olhar (ou, mais precisamente, do expressar para o contato).

1.7 . Cage se utiliza de um trocadilho para se referir ao lugar ocupado pelo público:
“response ability”, que se refere tanto àa “responsabilidade” do público implicado na
tarefa de significar a obra, quanto a uma “habilidade de resposta” no momento em que
ambos estes entram em contato.

1.8 . Robert Morris, para definir o que é arte de acordo com o entendimento da arte
como recepção, dirá que arte é ”uma situação em que alguém assume que a sua
reação às às suas percepções é arte.”

1.9. .
2.

2.1 . “O deslocamento do foco da obra de arte - da produção para a recepção - aparece


aqui menos como uma estratégia e mais como um fato inescapável: de todo modo, a
experiência do público está fora do escopo de trabalho do artista… não caberia ao
artista mais do que ressaltar que a obra só pode ser o que o público quiser que ela
seja; o artista nada dá ao observador porque nada pode dar-lhes.” (Corrêa). Se
podemos dizer que é um fato inescapável que o público de arte considere à sua
maneira cada obra de acordo com sua própria subjetividade, também é correto afirmar
que o entendimento desta condição possibilitou o deslocamento consciente da criação
para o momento da recepção, levando um grande número de artistas ao empenho de
produzir o que Morris chamou de “Blank Form”, forma vazia, formas abertas o
suficiente para que sejam trabalhadas pelo público.

2.2 . Blank Form - forma vazia, branca, neutra, inexpressiva, não preenchida ou sem
interesse - é, segundo a perspectiva de Morris, a obra de arte em que onde temos
quase nada a olhar (ou quase nada a ouvir). “Reduzir o estímulo para próximo a nada e
trazer o foco para o indivíduo é como dizer ‘o que quer que você tenha vivido no
passado, de todo o modo o traz consigo, então agora trabalhe realmente nisso’”.
(Morris). Ao oferecer quase nada, a Blank Form acentua a sua dependência de uma
situação e de uma reação. A obra torna-se contingente ao que está em seu entorno,
temporal e espacial, ao passo em que oferece uma condição privilegiada para que o
público confronte-se com a sua “habilidade de resposta”.

2.3 . “...o impulso virtual de quase toda a vanguarda ou utopia moderna tem sido o fato
de que a prática dos artistas profissionais servia para liberar o potencial de realização
artística presente em cada indivíduo, compartilhado pela raça humana, potencial cuja a
base era estética, mas cujo o objetivo era político. … valores passados tiveram que ser
abandonados ou destruídos, e a arte teve que ser reconsiderada sob o ponto de vista
de alguma faculdade presente em todos os homens e mulheres, ainda que
independente de herança cultural ou privilégios sociais.” (De Duve)

2.4 . Joseph Beuys, apesar de ter construído imageticamente e discursivamente sua


figura como artista (vide seus posters), tornando-se uma das mais importantes figuras
da arte a partir dos anos 60, dizia que sua tese fundamental, aquilo de mais importante
em seus objetos, era a noção de que “todo ser humano é um artista”, e, ainda, “Homem
e mulher é o ser criativo” (Beuys in De Duve), sendo essa, segundo ele, sua
contribuição para a história da arte. Beuys, mesmo reconhecendo a importância de
Duchamp para o desenvolvimento da arte do qual ele próprio se considerava parte,
nutria algumas críticas a seu predecessor. Uma delas era de que “Ele fez aquele objeto
(o urinol) entrar no museu e percebeu que seu deslocamento de um lugar para o outro
o transformava em arte. Falhou, entretanto, por não chegar àa conclusão clara e
simples de que todo o homem é artista” (Beuys in De Duve).

2.5 . Acontece que, o “fato” de que “todo homem é artista” não poderia ser uma
consequência do readymade ou algo que o mesmo deveria buscar alcançar.
Acreditando nessa noção, esse “fato” era sua condição de existência. Não era
necessário afirmá-la:, a mesma operação que tornava um readymade arte, revelaria a
condição de artista daquele que o via. “Duchamp, ao contrário, nunca foi um utópico.
Nada poderia estar mais afastado de seu modo de pensar do que a crença na
criatividade universal. Seu tipo particular de arte, o readymade, não surgiu nem da
crença, nem da esperança de que todos podem ou deveriam poder ser artistas. Em vez
disso, reconheceu - e bem razoavelmente - o ‘fato’ de que todos já tinham se tornado
artistas. Diante de um readymade, não existe mais qualquer diferença técnica entre
fazer e apreciar arte. Uma vez apagada essa diferença, o artista abriu mão de qualquer
privilégio técnico em relação ao leigo. A profissão de artista foi esvaziada do todo seu
métier, e, se o acesso aà ela não é limitado por alguma barreira -seja institucional,
social ou financeira -, deduz-se que qualquer um pode ser artista se assim desejar.”
(De Duve).
2.6 . Como determinou Kant, gosto é a faculdade do juízo estético e gênio é a
faculdade das ideéias estéticas. Para julgar objetos, considerando-os belos, ou não,
enquanto tais, é preciso requer-se gosto; mas a produção desses objetos demanda
gênio. Dessa maneira, para apreciar obras de arte é necessário a presença de juízo
estético, ou gosto, enquanto que para ser artista é preciso possuir gênio. O readymade
condensa a ação de julgar e produzir arte em um mesmo e único ato, fazendo com que
gosto e gênio se fundam em uma mesma e única faculdade.

2.7 . Clement Greenberg, uma das peças mais influentes da pintura moderna e grande
defensor do juízo estético, teve de reconhecer, apesar de sua resistência, o estatuto de
arte desse tipo de obra que, se utilizando-se de objetos ordinários, cortou seus laços
com a tradição e o fazer específico da pintura ou escultura, denominando-a de “arte
genérica”. “Se qualquer coisa e todas as coisas podem ser intuídas esteticamente,
então qualquer coisa e todas as coisas podem ser intuídas e experimentadas
esteticamente…. Se assim é, parece então que chegamos a algo tal como arte em
geral: arte que é ou pode ser realizada em qualquer lugar e por qualquer um”
(Greenberg in De Duve)

2.8 . Para Benedetto Croce, gênio e gosto são substancialmente idênticos:, “…a
atividade de julgamento que critica e reconhece o belo é idêntica àquilo que o produz.
A única diferença repousa na diversidade das circunstâncias,…”(Croce in De Duve). A
confusão iniciada pelos readymades reside, justamente, na questão das
“circunstâncias”, que perdem seu plural: não há circunstâncias diferentes e apartadas
para gosto e gênio;, o objeto se apresenta inteiro, íntegro, em uma única circunstância,
irremediavelmente no presente.

2.9 . O mesmo pode ser dito da Blank Form de Morris, do silêncio de Cage e demais
experiências do vazio ou da abertura:, de que condensam gosto e gênio. Mas para
continuar, seria necessário acreditar nas formulações kKantianas e, principalmente,
desconsiderar que tais proposições artísticas se realizaram, e foram reconhecidas
como arte, pelo seu desenvolvimento em um campo conceitual, e não por qualidades
estéticas. Obras desse tipo, conceituais a grosso modo, contrariam a noção Kkantiana
de que arte, em suas delimitações estéticas, sua produção e apreciação, são intuições
puras, indemonstráveis e inapresentáveis sob o domínio da razão, e de que não há
como arte se transformar em conhecimento. Mas, de certo, concordando ou não com
Beuys, o esvaziamento da obra é um gatilho para a criatividade.

(A arte não deveria ser o domínio por excelência da criatividade ou da experiência


estética. De certo, ela é o campo especializado para uma determinada espécie de
criatividade, justificada institucionalmente ao que é determinado Arte. No limite, o
exercício da faculdade criativa, em geral, não encontra na arte nem mesmo um campo
favorável, tendo em vista que a restrição a um campo em específico significa restringi-
la a um modo específico de operar, segundo determinações e regras inauditas. A
experiência estética, por sua vez, deveria ser incentivada para fora dos limites da arte,
incentivando a experimentação estética da vida comum fora dos pressupostos da Arte.
Ao considerar a arte o campo privilegiado para a experiência estética, cegamo-nos em
relaçãoões às outras práticas esteéticamente mediadas em intensa atividade no nosso
cotidiano. Se é possível criar experiências estéticas no campo da política, do
marketing, do consumo, do controle, é necessário entender seus elementos estéticos
para evitar, o tanto quanto possível, deixar-se levar pelo efeito da sensação.)

3.

3.1 . Quase nada a olhar ou quase nada a ouvir. A decepção de não encontrar o que se
esperava inverte o jogo da arte. A recepção de quase nada é mais trabalhosa e
acontece às custas do público. Porém, é a reflexividade própria desse tipo de
experiência que o incentiva a tal empenho. Para além de uma reflexividade, podemos
pensar num movimento que teria o formato de um cone. A obra de arte quase-nada,
localizada na extremidade mais estreita do cone, estaria diante de um movimento de
expansão, seria um germe que contêm potências a vir a ato, ou não.

3.2 . “Do ponto de vista subjetivo, não existe algo como o nada - Blank Form mostra
isso, tanto quanto o faria qualquer outra situação de privação” (Morris). Do ponto de
vista objetivo, o mesmo pode ser dito, pois, “Não existe coisa alguma como o silêncio.
Tire um som e haverá sempre outro - mais fraco, ou mais nuançado ou neutro, ou
simplesmente tão regular ao ponto de se fundir ao ambiente. Elimine esses sons mais
fracos e você abrirá caminho para outros: o ruído quase imperceptível de circuitos
elétricos; os zumbidos ambientes que habitam os cômodos antes mesmo de nós, a
respiração do espaço. Continue até o limite de escutar a si mesmo” (Dworkin).

3.3 . “But since everything’s changing, art’s now going in and it is of the utmost
importance not to make a thing but rather to make nothing. And how is this done? Done
by making something which then goes in and remind us of nothing. It is important that
this something be just something, finitely something; then very simply it goes in and
becomes infinitely nothing.” (cage) A “imagem do nada” não é o equivalente àà
representação do nada, tampouco é o nada em si. A “imagem do nada” é aquilo que
possibilita entrever o nada. No “quase vazio” encontramos a “imagem do nada”,
acompanhada da mais diversa sorte de ruídos e fragmentos do mundo.

3.4 . Em um processo reducionista no qual o objetivo é, cada vez mais, chegar próximo
ao nada, há uma limite lógico, porém inexato. Não sendo possível chegar ao nada, ao
se chegarchegando-se próximo ao nada, qual seria o passo seguinte? O “quase zero”
intencionado por Morris seria como que o último estágio possível para um artista que
busca o vazio. O passo seguinte seria chegar a zero, ou seja, ao nada. Não há “nada”
em Arte.

3.5 . “Não existe algo como um espaço vazio ou um tempo vazio. Sempre há algo para
se olhar, algo para se ouvir” (Cage). Em uma descrição da série de pinturas brancas de
Rauschenberg, Cage se refere a elas como “aeroportos para sombras e poeira”,
continuando até a conclusão de que ali, o que se apresentava àà sua experiência
eram, “não idéiaideias, mas fatos”. Visto da perspectiva certa, à distância correta,
qualquer superfície ostensivamente em branco é, de fato, inconsistente, variável,
flutuante e marcada. “O insight de Cage sobre as pinturas brancas deriva de sua
capacidade de ver através do conceito até sua forma material. (...) olhando com uma
atenção cuidadosa para a obra, ao invés de olhar através da obra, até sua mensagem
ostensiva, paradoxalmente permitiu a Cage capturar um melhor vislumbre das ideias
em jogo nas pinturas brancas. (…) o olhar paciente de Cage revelou que as superfícies
das pinturas de Rauschenberg não eram puramente ou meramente acromáticas, mas
sim maculada com pontos minúsculos.” (Dworkin).

3.6 . As Pinturas Brancas de Raouschenberg são uma demonstração de seu esforço


por eliminar da obra a representação, o simbolismo e qualquer traço de sua própria
personalidade. Como diria Cage, “Rauschenmberg is practical. He goes along with
things just as they are”. O mesmo Cage, em uma de suas típicas afirmações esquisitas,
também teria dito que Rauschenmberg é um presenteador (giver of gifts), mas que
seus presentes são coisas que nós já possuímos. Ao que parece, Rauschenmberg
concorda: ,“I always thought of the white paintings as being not passive, but very-well,
hypersensitive. So that one could look at them and almost see how many people were
in the room by shadows cast, or what time of day it was.” Há nessas afirmações uma
clara defesa da indeterminação, uma mudança do fazer para o aceitar, uma abertura
da obra ao que acontece. Desse modo, o artista deve apenas fornecer as condições
para que a produção artística aconteça, afastando, o tanto quanto possível, suas
expectativas e gostos pessoais em favorecimento prol de um acontecimento que se
quer contingente, resultante da mobilização do acaso. . Afirmar não ser possível a
existência do silêncio, nesse contexto, é o mesmo que afirmar a emersão da
indeterminação possibilitada pelo esvaziamento da obra., Aa apresentação do vazio
seria uma manifestação do indeterminado. Predispostos àa intromissão da
indeterminação, o silêncio e o vazio se tornam elementos de infinita variabilidade.
3.7 . Se é verdade que 4’33” deve ser considerada uma das peças mais importantes na
históoria da múusica, um violento ponto de virada, indispensável para que pudéssemos
chegar aonde estamos, também devemos dar atenção ao que, talvez, seja mais
importante e, certamente, mais de acordo com a ideéia de silêncio cageano:, a
importância, e talvez o peso, da peça para a experiência sonora de mundo de um
indivíduo. O próprio Cage, em entrevista deem 1982, conta como sua peça teve forte
influência sobre sua vida. Apesar de se tratar do autor da peça, sua declaração é feita
de outro lugar -, é um Cage ouvinte do mundo. “I don’t sit down and do it; i turn my
attention towards it. I realize that it’s going on continuously. So more and more, my
attention, as now, is on it. More than anything else, it’s the source of my enjoyment of
life”

3.8 . “The mediation of art by the artist is rejected in favor of direct experience. In the
silent piece [4’33”], Cage frees the traditional concertgoing audience from its own
captive silence, essentially encouraging noise in order to firmly reject the idea that any
form requires total reverence for the artist.”(Jenni Sorkin). Essa é uma crença
recorrente, a de que a indeterminação acabaria por vez com a mediação;, porém, ao
que me parece, toda prática artística destinada a um público se apresenta através de
uma mediação, em que alguém -(artista)- apresenta algo (-obra)- em determinado lugar
(-espaço expositivo)- e em determinada ocasião (-evento artístico)-. “Artista”, “obra”,
“espaço expositivo” e “evento artístico” são instâncias de mediação que se interpõem
entre o público e a arte em geral. Para que seja entendida como arte, qualquer obra ou
situação artística deve se inserir no, e por tanto ser mediada pelo, mundo da arte, de
acordo com suas configurações e exigências. 4’33” é um bom exemplo:, se na ocasião
da apresentação da peça se ouve-se ruídos, os ruídos são apreendidos como matéria
artística apenas na condição de estarem subordinados aà determinado evento ou
espaço artístico *(-o concerto e a sala de concerto)- e onde a própria audição de ruídos
já está prevista. Para ser percebida como obra e para gerar o efeito pretendido por
Cage,, 4’33” necessita de um contexto de fruição estética, caso contrário não haveria
porque prestar atenção a tais sons do cotidiano espontaneamente. O artista Steve
Roden nos fornece uma boa observação a respeito de um modo peculiar de
mediação da peça de Cage: “4’33” demands looking and, in fact, part of its
strenght as a performance comes from seeing the performer’s actions, which
shows the audience that the sound we are hearing were not generated by the
performer” (Ssteve Rroden)., dDe modo que, para considerar igualmente ruídos não
intencionais e sons intencionalmente produzidos por um artista, é necessário o
contexto artístico e toda sua parafernália.

3.9 . Henry Flynt identificou uma operação recorrente nas obras de Cage: “In Cage ́s
compositions of the fifties, the audience perceived an event from which neither the
composer ́s intentional procedures nor the performers ́ intentional process could be
inferred. “ “I find a principle running through these cases which I call constitutive
dissociation. Constitutive dissociation presupposes a genre with a standard protocol. In
the genre, situations are established by ordainments. (A reality exists because
somebody ́s rule.) Moreover, it is customary in the genre for situations to have certain
aims. A constitutively dissociated situation comes about because the instigator of the
situation alters the aims of the genre from the customary aims, without declaring so.
Since the traditional aims are foregone, the instigator can evade or replace standard
protocol with an inscrutable protocol (a contrived enigma).”(flynt in caron) “… Aa obra
de Cage, ao se constituir no interior de uma prática de música de concerto, estabelece
certas expectativas que informariam o processo de conformação morfológica de seus
resultados. Ao se colocar no interior de uma prática de música de concerto,”(caron) a
obra adquire para si os mesmos pressupostos, e portanto gera as mesmas
expectativas, que qualquer peça composta e apresentada nestas condições.

A descrição de Moholy-Nagy, professor na Bauhaus, de “Branco Sobre Branco”,


de Malevich: "A superfície branca lisa, que constituía um plano ideal para luz cinética e
efeitos de sombra que, tendo origem no ambiente, caíia sobre ele. Desta forma, o
quadro de Malevich representava uma tela de cinema em miniatura". Apesar da ficção
persistente, nós nunca escrevemos em uma página em branco, mas em uma que já
contém uma inscrição. Embora possa parecer diferente, a página em branco é
culturalmente inscrita com um texto indelével.

(O nada, o vazio, o silêncio, o grau zero, são conceitos ideais e ilusórios, são
experimentos, provocativos e inverificáveis. São noções limite, elementos de uma
discurso artísticoa inexequível. São experiências que determinam, e confirmam, sua
própria impossibilidade de efetuação. Como insistiu Cage: “não existe o silêncio.
Sempre há alguma coisa acontecendo que provoca um som”. Como o mesmo
descobriu, na já consagrada visita a uma câmara anecóica:, na ausência de qualquer
som do mundo, escuta-se a si próprio, o funcionamento de seu próprio corpo, o
bombeamento do sangue etc. Da mesma forma, não existe o espaço vazio:, na medida
em que o olho humano está observando, sempre há algo a ser visto.)

(Ou a linguagem é tudo o que temos, ou é um vício. Por vezes, reconhece-se o


imperativo do silêncio, mas continua-se a falar da mesma forma. Quando se descobre
que não se tem nada a dizer, procura-se uma maneira de se dizer isso. É uma arte que
consiste na “expressão de que nada há a expressar, nada do que expressar, nenhum
poder a expressar, nenhum desejo de expressar, além da obrigação de expressar”
(Beckett in Sontag). Em “Lecture On Nothing”, Cage apresenta uma conferência pública
onde o texto, lido ritmicamente por ele, não nos diz nada além do fato de que não há
nada a ser dito, se valendo de um movimento tautológico onde o ato de dizer que não
há nada a se dizer e o aparato necessário (o texto e sua forma) se tornam,
consequentemente, um assunto.)

(“Enquanto propriedade da obra de arte em si, o silêncio pode existir apenas num
sentido arquitetado ou não literal, sendo o silêncio apenas um elemento nela. Em lugar
do silêncio puro ou alcançado encontram-se vários movimentos no sentido de um
sempre retrocedente horizonte de silêncio - movimentos que, por definição, jamais
podem ser plenamente consumados.” “A exemplar opção do artista moderno pelo
silêncio raramente é levada a tal ponto de simplificação final, de forma que se torne
literalmente silencioso.” “O silêncio é uma profecia e as ações dos artistas podem ser
compreendidas como uma tentativa de, concomitantemente, cumpri-la e revertê-la.” “…
deve vaticinar o fim, ver o dia chegar, sobreviver a ele e então marcar uma nova
data…” “Uma vez que o artista não pode literalmente abraçar o silêncio e permanecer
artista, o que a retórica do silêncio indica é uma determinação em perseguir suas
atividades de forma mais errática que antes. Uma maneira é indicada pela noção da
“imagem plena” de Breton. O artista é recomendado a se devotar ao preenchimento da
periferia do espaço artístico, deixando em branco a área central de uso.” (Sotang))

(De que modo o silêncio poderia existir literalmente na arte? O Silêncio existe como
uma decisão, no suicídio exemplar do artista, na renúncia total da arte enquanto
atividade humana. Desde o abandono da pintura, Duchamp esteva empenhado em
exercer um mínimo de ação, gradualmente. Em 1930 ele oficialmente abandona sua
vida de artista e passa a dedicar seus dias ao xadrez. “O silêncio é a melhor arte que
se pode produzir: é sem assinatura e em benefício de todos” (Duchamp in Kamps). )

4.

4.1 . Para Baudrillard, a obscenidade é uma espécie de exibicionismo onde tudo se


torna transparente e imediatamente visível, onde tudo é “exposto àa luz dura e
inexorável da informação e da comunicação”. “O obsceno é aquilo que põe um fim a
todo olhar, a toda imagem, a toda representação. … não se trata da obscenidade do
que está escondido, reprimido ou obscurecido; é a obscenidade do que não possui
mais segredos, daquilo que se dissolve na informação e na comunicação” (Dworkin).

4.2 . O que se apresenta como vazio, na maioria das vezes, na verdade, apresenta seu
suporte, destituído de sua função original: ser veículo de uma informação própria, e
específica, que depende de sua materialidade para obter circulação social. Quando
certas inscrições não ocorrem como esperado, a atenção se volta ao que, em outras
condições, seria da ordem do residual: - o substrato material inerente a toda obra. Na
ausência de inscrição, o substrato pode ser visto não como um significante
transparente, mas como um objeto em si próprio, completo, com suas propriedades
materiais e históricas.

4.3 . Esta opacidade que desvela a técnica exibindo seu funcionamento,


consequentemente encaminha a apreensão da obra para o campo da tautologia.
Daquilo que é tautológico, espera-se que apenas apresente a si mesmo ou, no limite,
permite-se que apresente problemas indissociáveis deà sua existência. Sobre uma
leitura estritamente tautolóogica, um projetor de película projetando apenas luz é um
projetor de película projetando apenas luz, um filme em branco é um filme em branco,
um papel em branco onde havia um desenho que foi apagado é um papel em branco
onde havia um desenho que foi apagado e o silêncio, bem, é apenas silêncio. Ou, no
limite de sua liberdade, a leitura tautológica nos dirá que estes são problematizações
referentes aos meios empregados: oO projetor sem filme e a película em branco
estariam discutindo, por exemplo, o estatuto da imagem no cinema;, a ação de apagar
um desenho de um importante artista seria um discurso sobre os cânones da Arte, o
silêncio que se contrapõe àa música seria a problematização da relação entre estas
partes. Esse tipo de leitura rígida acaba por reduzir aos meios o significado das coisas.

4.4 . Para sucesso de uma tautologia estrita e excludente, é necessário que o


significante esteja totalmente sobre controle, em tamanho grau de controle que não
seja possível ver ou ouvir nada além dele próprio, ou então nada além daquilo que nos
direciona exclusivamente a ele mesmo. Porém, não é difícil ver como a experiência da
obra elimina de imediato a vontade tautológica em limitá-la, sobredeterminá-la a um
sistema fechado e sobre seu controle. No contato com a obra, para o público,
principalmente para o público não especializado, pouco importam os problemas
referentes aos meios e suas subsequentes discussões, suas convenções, tradições ou
reviravoltas históricas. Para ele, interessa apreender o que é importante, e o importante
é aquilo que importa unicamente a ele. Dito de outra maneira:, para o público, interessa
pegar o que lhe serve, aquilo com que ele possa trabalhar segundo seus próprios
pressupostos, encontrar aquela entrada por onde é possível avançar pela obra sem se
deixar subjugar pela mesma.

4.5 . Greenberg definiu o modernismo como um movimento de intensificação e


exacerbação de uma tendência autocrítica que se utilizava das características
especificas de uma disciplina para criticar a si própria, com a intenção, não de
subversão, mas depara se entrincheirar cada vez mais em sua área de competência. A
especificidade do meio é central ao modernismo na arte, segmentando-a em disciplinas
de acordo com o que pode ser definido como sua característica única e não
compartilhada com outras disciplinas. Desse modo, segundo um pensamento
ontológico, a disciplina pintura é definida por suas "necessidades" mínimas, formais e
materiais, excluindo qualquer assunto simbólico. “The essential norms or conventions
of painting are also the limiting conditions with which a marked-up surface must comply
in order to be experienced as a picture. Modernism has found that these limiting
conditions can be pushed back indefinitely before a picture stops being a picture and
turns into an arbitrary object; but it has also found that the further back these limits are
pushed the more explicitly they have to be observed” (Greenberg in de duve)

4.6 . Para postular que os limites de cada disciplina são definidos por suas
características indispensáveis e não compartilhadas com outras disciplinas, Greenberg
precisou ir ao limiar na pintura, autorizando uma tela em branco (não pintada) a ser
considerada uma pintura, “though not necessarily a success one” (Ggreenberg in Dde
Dduve), pois compartilhava com todas as demais pinturas existentes uma mesma e
indispensável característica:, a tela. A salvaguarda de Greenberg contra a arte genérica
não estava em suas características formais, mas num certo teste da experiência
estética, no qual, nesse caso, separaria as pinturas bem sucedidas das insuficientes.
Provavelmente, Greenberg autoriza o estatuto de arte deà uma tela em branco
acreditando em seu insucesso diante do teste da experiência estética, se tornando-se
uma pintura mal sucedida. É iImportante notar o fato de que sua autorização era uma
conformação aà uma disciplina, a pintura, e não uma livre consideração como “objeto
artístico”;, do mesmo modo, sua autorização pressupunha um interesse estético (a ser
julgado) indispensável àa categoria pintura. Entretanto, uma obra precisa estar
conectada à história da arte ou de alguma disciplina específica para ser uma candidata
plausível à apreciação estética, demonstrando que, anteriormente ao julgamento
estético, o que determina o estatuto de obra de arte é o contexto social em que a
mesma se insere. Sendo assim, não há porque considerar uma tela em branco como
sendo exclusivamente uma pintura, ao invés, por exemplo, de ser um objeto ready-
made. Seu caráter extremamente genérico, o fato de ser produzido em série, excluindo
qualquer gesto artístico se coaduna perfeitamente a recente disciplina, instaurada a
força, por Duchamp.

Em seu texto “Counter Avant-Garde”, Greenberg escreve: “All art depends in one way
or another on context, but there’s a great difference between an aesthetic and a non-
aesthetic context. The latter can range from the generally cultural through the social and
the political to the merely sexual. From the start avant-gardism art resorted extensively
to effects depending on an extra-esthetic context. Duchamp’s first Readymade, his
bicycle wheel, his bottle rack, and later on his urinal, were nor new at all in
configuration; they startled when first seen only because they were presented in a fine
art context, which is a purely cultural and social, not an aesthetic or artistic context.”
(Greenberg - in Dde Dduve)

4.7 . A perspectiva cageana é materialista na medida em que implica a eliminação de


toda e qualquer estrutura transcendente ou idealista que sirva para alienar a arte do
plano da existência cotidiana.

4.8 . Para pensarmos o Rreadym Made duchampiano como antecessor histórico da


mesma operação que encontramos na Blank Form de Morris, é necessário pensar em
retrospecto: em - como Blank Form nos fornece uma forma específica de entendimento
do rReady-mMade. O que encontramos, então, é a “estratégia duchampiana de
esvaziar o dualismo metafísico da arte através da demonstração de sua fundamental
convencionalidade” e “formas convencionais, culturalmente dadas (…) cujo sentido
artístico igualmente depende de seu agenciamento circunstancial.” (Corrêa).

4.9 . Duchamp nos apresenta um jogo quando ocupa o espaço da Arte com um objeto
da vida cotidiana. Se, nesse movimento, ele retira a aura e a autoridade do objeto
artístico, ele o faz em um lance de adesão às às regras do mundo da arte. Mesmo
quando eliminada a transcendência relativa à à expressão artística e seus
consequentes aspectos emotivos e do espírito, a própria condição doe objeto de arte
necessita de fatores externos que o identifiquem como arte.

5.

5.1. William Kennick imaginou um armazém onde obras de arte seriam postas junto a
objetos da vida cotidiana e que, ao adentrar em tal armazém, uma pessoa comum teria
considerável êxito em identificar quais seriam as obras de arte, e quais não -. Mmesmo
que, segundo Kennick, “como os próprios estetas admitiriam, a pessoa não contéêm
uma definição satisfatória de arte em termos de algum denominador comum”.

5.2 . Wittgenstein afirmava que todos nós somos capazes de aplicar os conceitos e
identificar as diferenças mesmo sem o domínio do tipo de definições que o pensamento
especializado, supostamente, teria a incumbência de fornecer.

5.3 . Danto, a partir da leitura de Kennick, levantará a hipótese de que, se esses novos
objetos de arte, que pouco ou nada se diferem de objetos comuns, fossem postos em
um armazém junto a objetos da vida cotidiana, dificilmente seria possível cumprir a
tarefa proposta por Kennick: “Agora instruiremos alguém a entrar no armazém e trazer
todas as obras de arte lá contidas”.
5.4 . A função artística desses objetos, agentes duplos ontológicos - que são ao mesmo
tempo pedaços de arte e meras coisas reais -, coincide com a demonstração de sua
circunstancialidade, não de sua substancialidade. Esses objetos só podem ser
identificados como arte tendo em vista sua participação no que Danto chamou de “O
Mundo da Arte”. Uma vez que estão dentro do mundo da arte, os objetos podem
ganhar um novo significado para além de seu uso comum. Eles fazem parte de uma
nova categoria, a “Arte", e ganham uma mensagem que pode ser diferente de seu uso
ou valor de troca.

5.5 . A respeito do urinol de Duchamp, por exemplo, como diz Danto, tornou-se "sobre
algo", não mais um objeto útil. - Eera, antes de tudo, um objeto dotado de significado. A
operação duchampiana não era simplesmente a de nomear um objeto ou mostrar sua
função:, o que se fazia ali era uma declaração sobre a Arte.

5.6 . A contrapelo de Cage e sua imanência, Gerard Gennet apresenta o que ele
chama de “paratexto”: - aqueles documentos que estão além do limite da obra
propriamente dita, como etiquetas de parede de galeria, ensaios de catálogos,
entrevistas e falas de artistas, etc. Na mesma direção de Gennet, Derrida nos traz o
conceito de “Parergon”: algo que, à primeira vista, parece ser um complemento
externo à obra, mas, de fato, participa como uma parte necessária e essencial do
próprio trabalho. Em suas palavras, “um Parergon se encontra, ao lado e em adição ao
Ergon - com o trabalho feito, com a obra em si - um não se afasta do outro; se tocam e
cooperam, (…) . Não é simplesmente exterior nem simplesmente interior.”

5.7 . Para sua exposição Le Vide (“O Vazio”), na Galeria Iris Clert (Paris, 1958), Yves
Klein esvaziou o espaço expositivo e repintou a parede, já branca, com um branco
ainda mais branco*. Contrastando com o vazio da galeria, Klein explorou as
determinações implicadas no ritual de abertura de uma exposição, exagerando suas
convenções: Imprimiu 3500 convites convites, comissionou encomendou um texto para
um crítico de arte, determinou a cobrança de ingresso para a entrada, fez um discurso
de abertura, foram servidos drinks e haviam seguranças. Klein não apenas se
conformou às regras e políticas institucionais da arte, mas, assim como seu branco era
ainda mais branco, as tornou mais evidente. A radicalidade dessa exposição não está
tanto no esvaziamento da galeria, mas em como essa esvaziamento construiu uma
situação de exacerbação do operacional do mundo da arte, destacando as práticas
sociais, não artísticas, que influenciam a experiência estética, ou fornecem subsídios
para ela, a experiência estética.

5.8 . As condições de exibição de uma obra de arte são também sua afirmação
enquanto objeto artístico. Paratexto, Parergon, obra de arte, não apenas dependem do
Mundo da Arte para existirem, mas, mais importante, são componentes estruturantes
do próprio Mundo da Arte, formando um jogo tautológico em queonde fins e meios
coincidem no interior de uma formulação circular e ininterrupta.

5.9 . A questão a ser colocada, então, não é mais quais são as obras de arte, mas qual
é a nossa percepção de algo se a vemos como arte.

IV.

A . Os suportes de anúncio implicados na realização da obra, os suporte vazios, em


nada diferem dos suportes que contêm anúncios, exceto pela presença, ou ausência,
daquilo que os preenche, mas que, todavia, não participa de sua composição primária,
de sua estrutura. “Suporte” é, de fato, a palavra mais adequada para definir estas
estruturas, tendo em vista que sua função é justamente a de suportar em seu interior
tal material publicitário e, como todo o suporte, deve se fazer o menos perceptível
possível, como suporte, ao passo que concentra a atenção no que ele suporta, em seu
conteúdo. Não havendo diferença física e/ou visível entre os suportes vazios e os
preenchidos, o que os difere? A condição de arte atribuída aos suportes esvaziados
tem origem em uma declaração arbitrária que as define como arte, na qual onde,
apesar de se utilizar da diferença visual da apreensão da totalidade do conjunto
[suporte + conteúdo publicitário], o que está em jogo não é seu aspecto visual, porém
conceitual,. Aaquilo que não é diretamente acessível ao olhar. Estes suportes são
obras de arte não pela qualidade estética de seus interiores esvaziados, mas por uma
determinação de base conceitual. Ao definií-las como arte, parece-me que,
automaticamente, apesar do objetivo e esforço, os atributos artísticos convencionais
surgem e preenchem o espaço vazio. Beleza, forma, qualidades de cor e geometria
ocupam o espaço deixado pela propaganda para fazer publicidade de si mesma e da
moral artística que a circunscreve e a justifica. O “bom gosto” do design minimalista
garante o prazer estético da obra.

B/C . A folha de papel ofício é um objeto facilmente reconhecível e, apesar dos usos
desviantes possíveis, suas funções são historicamente determinadas., Ppor exemplo:
deve-se inserir graficamente aquilo que se deseja armazenar ou mostrar para outros,
mas não se deve utilizá-la como chapéu ou assento. Suas dimensões podem ser um
indicativo de seu uso específico apropriado: papéis muito pequenos podem ser senhas
de chamada em fila;, aqueles um pouco maiores podem ser panfletos comerciais;
aqueles, ainda um pouco maiores podem ser fichas cadastrais ou a folha utilizada em
uma impressora doméstica;, e os maiores ainda podem ser cartazes. Suas proporções
também estão neste jogo significativo: um quadrado poderia ser um encarte de CDcd
ou, (se maior,) o encarte de um disco. Além disso, há padrões localmente
determinados que contribuem ainda mais para o rápido reconhecimento da folha de
papel como objeto. (O padrão Internacional ISO 216 é vigente na maioria dos países do
globo, enquanto que EUA e Canadá utilizam o padrão ANSI). Sendo assim, podemos
dizer que uma folha de papel ofício na proporção e dimensão A0 (841cm x 1189cm)
ocupa um lugar determinado no imaginário de todos nós. Arrisco dizer que é
reconhecida como um cartaz. Da mesma maneira, a experiência da vida nos diz que
um cartaz só é um cartaz quando nos mostra algo em sua superfície, e então pode ser
posto na parede sob função de informação ou adorno. O que se passa no contato de
alguém com um cartaz em branco? Se sustenta como cartaz mesmo contrariando as
regras que o afirmam como cartaz, ou simplesmente se torna um pedaço de papel
branco colado na parede? Agora, se estae mesma folha de papel em branco participa
do Mundo da Arte, sua relação com quem a vê opera sob outros parâmetros, e nos
permite dizer que tal folha de papel em branco de tacho A0 só é notável por causa do
Paratexto que lhea confere um status especial, distinguindo-a de qualquer outra folha
de papel e lançando uma aura sobre ela. De qualquer maneira, “Uma folha vazia
significa mais do que uma escrita [ou impressa], apenas o significado está ausente”
(Herman de Vries in Dworkin).

D . O som persiste, mesmo quando não desejamos escutá-lo. Diferente da visão, onde
(podemos desviar o olhar ou simplesmente fechar os olhos), deixar de escutar algo é
mais trabalhoso:, envolve se distanciar mais, tanto quanto for suficiente, do local de
emissão do som em questão, e isso nem sempre é possível. Atualmente, há em
desenvolvimento tecnologias bloqueadoras de som, que nos possibilitariam bloquear
totalmente o som ou algumas frequências específicas. No desenvolvimento dos
equipamentos produtores e reprodutores sonoros, sempre foise teve como parte do
objetivo a atenuação ou eliminação total dos ruídos de fundo, aqueles sons
indesejáveis, os quais ninguém deveria ouvir, pois, não fazendo parte da informação
sonora reproduzida, evidenciam o funcionamento do próprio equipamento. É desejável
o silêncio do equipamento para a pura audição da informação sonora nele reproduzida.
Do que se trata então eleger o som próprio do funcionamento de um amplificador de
guitarra como obra de arte? O que seria melhor, determinar que o ruído de fundo é
uma obra de arte ou que o equipamento sonoro é uma obra de arte porque emite um
ruído de fundo? De todo modo, há um amplificador e há seu ruído de fundo.

6.

6.1 . No interior da idéiaideia de Ready-Madereadymade encontramos os esforços de


Duchamp no combate ao que o mesmo denominou “arte-retiniana”, aquela que se
dirige unicamente ao sentido da visão. A busca de Duchamp era por exercitar outros
aspectos da obra de arte, aqueles que, segundo Danto, o olho não pode “desvendar”
(descry), o aspecto não-visual das artes visuais.

6.2 . É possível entender, se divertir, gostar e sentir prazer, (ou o oposto disso), por
obras conceituais sem realmente vê-las:, é necessário apenas saber o funcionamento
de sua lógica interna. É o mesmo que dizer que suas qualidades perceptuais são
indiferentes. O readymadeReady-Made opera uma mudança da estética para o pensar,
o que, posteriormente, servirá de base para toda arte em que a função principal da
forma não é mais afetar um público vidente, mas fornecer as condições necessárias
para a apresentação de um conceito para um público pensante.

6.3 . O interesse nestes objetos, do ponto de vista conceitual, só é possível pela


posição dupla que ocupam, e pela negação de ambas as posições. É arte somente na
medida em que não é arte, é o que não é - e é por isso que é o que é: uma obra de arte
que não é realmente uma obra de arte, um objeto cotidiano que não é apenas um
objeto cotidiano. Sua mensagem artística particular depende de sua condição não
artística, ao passo em que, é somente porque é arte que possui uma mensagem. A
esse tipo de contradição, dá-se o nome de Dialetheia. “A categoria do objeto é ‘arte’, e
como arte, tem uma mensagem. Neste caso, a sua mensagem é sobre a sua própria
categoria: diz ao espectador ‘isto não é arte’. A Dialetheia surge porque a mensagem
requer a própria categoria que rejeita, a arte, e porque esta rejeição é a sua mensagem
dentro desta categoria. A rejeição de seu status como uma obra de arte é o que a torna
uma obra de arte, que ele rejeita - e assim por diante.” (Priest and Young).

6.4 . A contradição é a essência do gesto nominativo que produz o readymade: “se se


transforma em obra de arte, malogra o gosto de profanação; se preserva a sua
neutralidade, converte o gesto em obra.” (PazAZ) A tradicional adoração ao objeto
artístico se converte em uma adoração ao gesto que produz o readymade como objeto
artístico. O Rreadym-Made é arte com um valor conceitual superior ao estético. Mas
esse julgamento só é possível porque é arte. Porque é uma parte do Mundo da Arte, e
capaz de ser avaliada, entre outras coisas, pelo seu valor estético.

6.5 . Os objetos prontos da vida cotidiana que adentram no Mundo da Arte, no geral,
são produzidos em escala industrial, tornando-os indistinguíveis de seus pares de linha
de produção. A operação iniciada por Duchamp reduz o ato criativo a um nível
extremamente rudimentar: uma decisão única, intelectual, alegadamente aleatória, de
nomear objetivamente este ou aquele objeto de “arte”.

6.6 . “Em tanto que [a forma] se perpetua e se desdobra como objeto no campo de
percepção do sujeito, o sujeito reage de muitas e particulares maneiras quando a
chamo de arte. Ele reage de outras maneiras quando não a chamo de arte. Arte é
basicamente uma situação em que alguém assume uma atitude de reação a alguma de
suas percepções como arte” (Morris).

6.7 . Os ready-mades são objetos anônimos que o gesto gratuito do artista, pelo único
fato de escolhê-los, converte em obras de arte. Se o objeto é anônimo, não o é aquele
que o escolheu. A firma do artista faz entrar o objeto no mundo dos nomes, na esfera
dos significados, no Mundo da Arte. “Não se pode argumentar que algo é arte
simplesmente porque é chamado assim pelos membros do Mundo da Arte. Eles
chamam de arte porque é o tipo adequado de coisa, no momento e lugar adequados -
e exibido pelo tipo certo de artista.” (Priest and Young).

6.9 .

7.
7.1 . Para George Maciunas, a arte não seria um recinto especial do real, senão uma
forma de experimentar qualquer coisa. “Se o homem pudesse ter uma experiência do
mundo concreto que o cerca, da mesma maneira que tem a experiência da arte, não
haveria mais a necessidade de arte…” Brandon W. Joseph nos diz que, se em algum
momento as proposições cageanas (assim como Ffluxuos e outros neo-dadáas)
advogaram pela estetização do mundo, do cotidiano e das coisas comuns, o resultado
alcançado, na verdade, pode ser visto em termos de uma desestetização da arte.
Entretanto, a desestetização descrita por Joseph não pode ser integral. Mesmo em
obras determinadas, majoritariamente, por conceitos, onde a forma é tida como
elemento secundário, ou está mais a trabalho operacional determinado pelo conceito
do que promovendo alguma afetação estética por parte do público, ainda temos a
forma de algo, e esse algo está sob juízos de gosto que determinam a própria afetação
do público. A forma de um objeto Rready-Mmade, a forma da apresentação de uma
instrução para uma ação, a forma da leitura de um texto. A forma, e sua estetização,
são inescapáveis.

7.2 . Duchamp afirmava que seus readymades jamais eram escolhidos tendo em vista
seu próprio deleite estético ou o do público. Ao contrário, sua escolha era baseada na
ideéia de indiferença visual, numa total ausência de bom ou mau gosto. Duchamp diz:
“Quando descobri os readymades, pensei em desencorajar a estética” (Duchamp in
De Duve).

7.3 . “O grande problema era o ato de escolher. Tinha que eleger um objeto sem que
este me impressionasse e sem a menor intervenção, dentro do possível, de qualquer
ideéia ou propósito de deleite estético. Era necessário reduzir meu gosto pessoal a
zero. É dificílimo escolher um objeto que não nos interesse em absoluto, e não só no
dia em que o elegemos, mas para sempre e que, por fim,. não tenha a possibilidade de
tornar-se algo belo, agradável ou feio…” (Duchamp em Paz). O mesmo Duchamp,
contraditoriamente, diz: “Retirei o objeto da terra para entrar no planeta da estética”
(Duchamp in De Duve). A indiferença visual absoluta, por mais desejável que seja por
um artista que pretende trabalhar o conceito para além do domínio da estética, parece
impraticável.

7.4. Os esforços de Duchamp por encontrar e apresentar objetos neutros dificilmente


poderiam encontrar sucesso. Não somente pela impossibilidade de extinguir o gosto do
olhar (inclusive de seu próprio olhar), mas também pela impossibilidade de separar a
natureza física dos objetos de seu funcionamento como signo em uma malha social
mais ampla que o campo artístico. “Duchamp não escolheu arbitrariamente seu urinol.
As qualidades extremamente específicas deste objeto contribuíram para sua
mensagem.” (Priest and Young).

7.5 . “Qualquer coisa pode converter-se em algo muito belo se o gesto se repete com
frequüência, por isso o número de meus readymade é muito limitado…” (Duchamp
inem Paz). Apesar da perspicácia em negar a repetição por ver nela a possibilidade de
consolidação de uma atividade, e nesse caso, da cognicibilidade do objeto gerado por
tal atividade enquanto objeto artístico e seu consequente julgamento estético, os
esforços de Duchamp para escapar do “gosto como tal” resultou em nada mais do que
um novo episódio da história do gosto. “Os neo-dadaíistas [(Pop Aart, Nouveau
réalisme, parte do Fluxus, etc.)] pegaram meus readymades e neles encontraram
beleza estética. Atirei-lhes o Porta-Garrafas e o Urinol como desafio, e, agora, eles o
admiram por sua beleza estética.” (Duchamp in De Duve).

7.6 . “Blank Form ainda pertence àa grande tradição da fraqueza artística - gosto. Isso
quer dizer que a prefiro - especialmente o conteúdo”. “Alguns de nós estão realmente
tentando dizer nada de maneira elegante.” (Morris).

7.7 .

7.8 .

7.9 .
V.

No decorrer do primeiro evento de open studio, minha experiência se tornou a


experiência do público. Com isso, não quero dizer que minha experiência e a do
público eram uma única e mesma experiência (não é possível falar em uma
homogeneidade da experiência estética da abstração “público”), tampouco que minha
experiência encontrava lugar na experiência de cada um desses indivíduos. O que
quero dizer é que, o que me ocupou foi fazer da minha experiência a observação da
resposta desse público à sua experiência estética, ou talvez a observação da ausência
de uma experiência, ou quase.

Como fica claro, prevaleceu a tendência a não perceber a presença das obras ou,
talvez, de não perceber a presença das obras como obras. A expectativa comum a
essas ocasiões é a de se ver algo, de que o suporte físico apresente algo em sua
superfície que não a si próprio. Não me refiro a expectativa comum, da parte de um
público mais amplo, por ver algo belo, agradável ou inspirador, me refiro aqui apenas
àa expectativa pela existência de um simples algo, alguma coisa qualquer, para onde
possa se pudesse olhar ou a que se pudesseossa ouvir. A expectativa frustrada torna-
se experiência frustrada.

O que nossa experiência demonstra é que, para ver algo como arte, é necessário uma
instituição da percepção que garanta o reconhecimento de algo como arte, e que esta
instituição apenas pode operar por generalidades nem sempre capazes de realizar sua
tarefa.

Ironicamente, nossa expectativa também foi frustrada. O que deveria garantir a


presença visual das obras e, consequentemente, produzir uma frustração direcionada
aà um objeto específico, falhou. A essa incapacidade de cumprir uma promessa
teórica, a essa falha operacional, adveio, ao que parece, uma frustração generalizada:
“Não há nada aqui”.

Se obras que apresentam quase nada, o quase vazio, que tendem a zero, necessitam
do trabalho da experiência estética ou do pensamento de um público, que a partir de
suas próprias sensibilidades formulam seu entendimento, para que isso possa ocorrer,
é necessário que as obras sejam percebidas como obras. Como vimos, há elementos
parcialmente externos às obras que facilitam seu entendimento como obra;, Paratexto
e Parergon participam da instituição da definição de arte e sua consequente
compreensão como tal. Ao que parece, uma obra não percebida, ou uma obra não
percebida como obra, não produz uma experiência especificamente relacionada àa
obra., Nno máximo, produz uma experiência vaga por via da frustração.
INTERLÚDIO
tradições periféricas e outras obras relacionadas

Páginas totalmente (ou quase) em branco, (ou quase), compondo livros,


publicações ou em avulso, se tornaram uma espécie de tradição periférica que
atravessa algumas disciplinas como literatura, poesia, artes visuais, periódicos, etc.
Alguns exemplos de empreendimentos desse gênero podem ser encontrados nos livros
Book About Nothing, de Jiri Valoch; A condensed History of Nothing, de Barrie
Nichols; Nudisme, de Jacques de Cégeste; White on White, de Brandon Joseph; Two
Volumes of Ostensibly Blank Books, de Richard Kostelanetz; Une Épreuve
Viergeos, de Fréderic laé; os vários livros em branco com títulos diversos de Herman
de Vries; e, nos permitindo um grau de heterodoxia, quando Marcel Broodthaers apaga
um livro de Charles Baudelaire e quando Jessica Smith apaga Assim Falou
Zarathustra, de Friederich Nietzsche. Em folhas soltas podemos citar Poem of the
End, de Vasilisk Gnedov; 271 Blank Sheets of Paper Corresponding to 271 Days of
Concepts Rejected, de Christine Kozlov; 1000 Hours of Staring, de Tom Friedman e;
e Rationalized Re-enactment, de Conny Boom. Mas também experiências em
periódicos como o número 10 do Jornal Gorrona e a edição de setembro de 1916 da
revista Little Review que, por motivos e com objetivos diferentes, publicaram sus
respectivas edições com as páginas totalmente em branco.

Os exemplos acima são capazes de, ao mesmo tempo, se apresentarem quase iguais
e constituírem-se de maneiras bastante diversas. Morfologicamente, se apresentam
como folhas em branco;, se postas lado a lado, sem título, sem assinatura, destituídas
de qualquer referencialidade a algo que os antecede (uma proposição, um objetivo,
uma origem…) poderiam ser tidas como uma mesma coisa, ou como coisa alguma; e,
se empilhadas, formariam uma pilha de folhas em branco quaisquer. O que diferencia
um conjunto de folhas brancas de outro, ou uma unidade de folha em branco de outra,
não é o que elas apresentam visualmente, mas o conceito que opera em sua
contiguidade, inscrevendo-as em diferentes linhas de pensamento. Como exemplo
fácil, vale pensar a relação dos livros em branco com seus títulos e observar de que
modo os títulos orientam o conceito de cada um desses livros. É fácil reconhecer essa
diferença se compararmos Nudisme, de Cégest e Two Volumes of Ostensibly Blank
Books, de Kostelanetz. Apesar da leitura óbvia de que ambos os títulos se referem ao
médium livro - o livro desnudo da linguagem que apresenta nada mais que sua
materialidade e o livro que, ao estar em branco, ostensivamente se refere àa sua
estrutura material - é possível dizer que Nudisme vai além da discussão material de
seu meio e avança em assuntos sociais outros, enquanto que o livro de Kostelanetz se
pretende tautológico. Outro exemplo, mais interessante, é a relação entre 1000 Hours
of Staring de Tom Friedman e Rationalized Re-enactment de Conny Boom. Se
Friedman alegremente se manteve por 1000 horas “encarando” uma única folha de
papel em branco, Boom decide por racionalizar essa operação e, poupando tempo,
“encara” 1000 folhas de papel em branco pelo tempo de uma hora. Não se trata apenas
de uma inversão de quantidades , (unidades físicas x tempo), mas de uma inversão de
ordem conceitual, ou mesmo ideológica, que tem na utilização do tempo, na
contemplação para Friedman e na otimização no caso de Boom, sua peça chave: - que
sociedade é essa que permite ou não a contemplação? Oou, que sociedade é essa que
exige ou não a otimização do tempo?

Apesar de as termos agrupado junto aos exemplos de obras de páginas em branco, há


uma diferença evidente entre uma página apagada e outra que sempre esteve em
branco. Apagar algo como gesto, demonstrando este gesto, é uma ação conceitual.
Certa vez, André Breton e Francis Picabia realizaram uma ação durante a qualonde
Picabia desenhava algo em uma folha e, logo na sequüência, Brenton apagava este
mesmo desenho, tudo realizado em frente ao público. O foco estava na ação negativa
de apagar, fazer desaparecer uma obra de arte;, sendo assim, nenhum registro desta
ação foi produzido, e o papel queonde continha o desenho, provavelmente, foi
descartado ou reutilizado para outros fins. O mesmo não pode ser dito de Erased de
Kooning Drawing, onde em que Rauschenberg faz exatamente o que o título anuncia,
apaga um desenho de Willem de Kooning, que havia sido seu professor na Black
Mountain College. Apesar da existência de uma ação, sem a qual a obra não poderia
ter sido produzida, aquilo que no caso de Breton e Picabia se torna-se um excremento
da ação, em Rauschenberg se constitui como objeto de arte (a saber, a folha de papel),
emoldurado e cuidadosamente preservado. Deve-se enxergar a ação negativa,
iconoclasta, presente em ambos os atos: apagar uma obra de arte de um artista
reconhecido pelo establishment artístico (no caso de Rauschenberg, o desafio é ainda
maior, pois se Picabia representava um parceiro/amigo para Breton, de Kooning
ocupava a posição de mestre/professor em relação a Rauschenberg). Contudo, é
necessário também reconhecer, como já demonstrado, que, apesar da grande
semelhança, há decisivas diferenças nas relações produtivas em cada uns dos atos.
Breton e Picabia efetuam uma ação destrutiva;, Rauschenberg procura produzir um
resultado tangível a partir de uma ação aparentemente destrutiva.

Contudo, Raouschenberg recusa a leitura de que seu ato tenha tido qualquer coisa de
uma negação agressiva;, o mesmo explica: “I erased de Kooning not out of any
negation response. I was working on the all-white and all-black paintings. I loved the
draw and i did erasure drawings. It just didn’t make much sense for me to erase my own
marks” (in dworkin). Fica clara sua intenção positiva em produzir uma obra;, do mesmo
modo, indica as razões que o levaram a não apagar completamente o desenho.,
Ccomo Dworkin pontua, “As Rauschenberg left it, the surface bears traces of ink
and crayon, with a shadow de Kooning’s drawing still clearly visible”. Se há uma
intenção produtiva positiva na ação de Rauschenberg, não há porque não haver uma
recepção igualmente positiva e produtiva por parte de um público. Não é difícil imaginar
a situação: apreciadores da obra de de Kooning se esforçando para reconstituir ou
imaginar que desenho poderia figurar naquele papel, que tamanho, como seriam as
linhas ou as cores. De antemão, estes espectadores especializados, já detêm o
conhecimento das características formais de um desenho de de Kooning:, para eles, a
folha em branco de Rauschenberg na verdade, apesar de objetivamente não conter
desenho algum, é a síntese de todos os desenhos já realizados por de Kooning e,
ainda, de todos os desenhos que o mesmo poderia realizar.

Algo parecido ocorre em minha obra Disco Contendo o Som de Sua Própria
Gravação, onde acontece exatamente o que o título anuncia: é apresentado um disco
que contém apenas o som de seu próprio processo de gravação, e nada mais. Porém,
quando tocado, no lugar de não escutarmos nada, ouvimos pequenos sons, estalos e
outras variedades sonoras quase imperceptíveis. É necessáriao uma escuta atenta
para que não deixemos que estes sons passem despercebidos. Verdadeiramente,
estes pequenos sons gravados no disco estão presentes em todos os discos de vinil,
porém são encobertos pelas músicas, gravadas em um volume mais alto. Trata-se de
uma especificidade do processo de gravação e reprodução desta mídia, que a
evolução do aparato de gravação e reprodução de discos de vinil teve como um de
seus objetivos sua supressãosuprimir. São sons considerados ruídos indesejáveis, que
atrapalhavam a escuta ideal da música ali gravada. A observação de relatos de escuta
deste disco nos mostra a necessidade de parte do público de enquadrar o que foi
escutado em alguma categoria musical. Ao que parece, a necessidade por justificar a
escuta em categorias preé existentes é uma tentativa depor entender o som presente a
partir de uma perspectiva dada de antemão. Para esta parcela do público, os estalos e
demais sons eventualmente se organizam ritmicamente, assemelhando-se aà algo
como uma música eletrônica lenta e minimal. Para eles, era isso que estavam
escutando.

Como em uma operação de um software de inteligência artificial, os possíveis são


determinados pelas ocorrências anteriores vinculadas a um mesmo e determinado
objeto. O desenho apagado de de Kooning se limita a aparentar perfeitamente a um
desenho de de Kooning ou, ao menos, corresponder às suas características
catalogadas;, o disco gravado com o som de seu próprio processo de gravação deve
ser ouvido por um ouvido musical, à procura de qualquer coisa que possa ser
enquadrado nessa categoria.

Tudo nos leva a pensar na inescapável presença do meio (ou suporte) no interior de
qualquer mensagem. Se podemos considerar a mensagem como uma inscrição em
determinado meio, o meio, por sua vez, se reinscreve por entre a mensagem quando
da sua transmissão. Nesse processo o meio se evidencia, apresenta suas marcas.
Apresentar o suporte vazio não é de exclusividade daàs folhas de papel;,
paralelamente, encontramos nessa mesma tradição outros suportes esvaziados, como
discos de vinil e películas cinematográficas.

A impossibilidade da existência do silêncio é determinada pelas circunstâncias da


apresentação de sua proposição:, em uma situação de concerto, por exemplo, “ao
vivo”, é o som ambiente aquele que imediatamente acusa sua impossibilidade. Em
obras realizadas em suportes físicos, a impossibilidade da existência do silêncio, ou do
vazio, é imediatamente denunciada pelo próprio suporte:, em toda míedia há uma
condição a priori. Quando na função de suporte estão discos de vinil e películas
cinematográfica, além destes, seus próprios aparatos de produção e reprodução
adquirem tal função reveladora. Essas máaquinas, responsáveis pela fabricação e
apresentação desses suportes, apresentam a si mesmas na forma de ruídos de fundo,
originários tanto no momento da confecção/gravação do suporte, quanto no momento
de sua reprodução:, texturas (sonoras e visuais) constantes se sobrepõem ao
“silêncio”, ocupando o espectro que propositivamente deveria estar vazio, lançando
nossa atenção sobre o próprio processo de produção e reprodução destes materiais.
Nas míedias digitais essa relação se altera, já que, muitas vezes, não há como separar
míedia/suporte e aparato, sejando um vídeo, ou uma faixa sonora ou um arquivo
computacional. De todo modo, esses suportes-aparatos igualmente inscrevem-se nos
vídeos e faixas sonoras que reproduzem tanto por erros de reprodução,
compressão/descompressão, processamento e interferências no recebimento de sinal
remoto quanto pelo ruído do funcionamento do equipamento -, muito mais silencioso
que os anteriores, porém ainda presentes com suas ventoinhas, discos rígidos e etc.

Exemplos de discos “de silêncio” são: Zen for record, de Ken Friedman; Record
Without a Groove, de Christian Marclay; Silent Prayer, de John Cage e; The best of
Marcel Marceao (sic), de Marcel Marceau. O último, (com seus dois lados decom 19
minutos de silêncio seguidos por 1 minuto de aplausos) e o penúultimo, existindo
apenas como uma proposta oferecida àa Companhia Muzak, empresa de discos
responsável pela sonorização de ambientes públicos. Excetuandoo o disco de Cage,
que nunca existiu materialmente, assim como em Disco Contendo o Som de Sua
Própria Gravação, em todas essas obras podemos, ouvir, além dos ruídos oriundos de
seu próprio processo de produção, os sons produzidos no momento de sua execução:
o sempre presente “hum” de qualquer aparelho elétrico-sonoro, os ruídos
característicos do contato da agulha com os sulcos dos discos, seus eventuais
tropeços e estalos.
O mesmo ocorre com filmes (em película) que se pretendem vazios, como Zen For
Film, de Nam June Paik, Hurlements en faveur de Sade, de Guy Debord e No Title
(Transparent Film#2), de Christine Kozlov. Ao contrário do filme de Debord, que está
divididos entre fotogramas transparentes e fotogramasfas pretos, os outros filmes,
ambos, apresentam-se transparentes em toda a sua duração. Há, porém,Porém há
uma diferença fundamental entre eles:, Kozlov apresenta seu filme como um objeto, um
rolo de película transparente em uma caixa aberta, enquanto que Paik projeta de seu
filme, também inteiramente transparente, como qualquer outro filme, utilizando um
projetor. A diferença mais importante se dá no que concerne à verificabilidade da ideéia
de vazio presente em ambas as proposições, pois, se Transparent Film#2 não é
projetado por um projetor, se seus fotogramas não são traspassados por uma luz e
alargados por uma lente, se não visualizamos seus fotografas, não podemos refutar a
idéiaideia de que eles de fato estão vazios. Do outro lado, temos o filme de Paik,
projetado continuamente, em loop, por horas, no qualonde podemos ver a leve
opacidade da película, qualquer e todos os erros e engasgos do mecanismo do
projeçãotos, algum atraso do obturador, provocando uma piscada na projeção, a poeira
e demais sujeiras na lente e, de maneira mais contundente, as imperfeições da
película, seus arranhões provocados pelo próprio projetor que o exibe, marcando-a
cada vez mais a cada vez que a película passa por seus mecanismos.

Há dois aspectos importantes a se notar nessas obras. O primeiro, que se refere àa


sua intencionalidade: como as diferentes obras em papel em branco, o que marca a
diferença entre os vários discos de silêncio, assim como entre os filmes vazios, não
corresponde aos seus aspectos formais, mas conceituais, onde e o título da obra tem
um importante papel no direcionamento de seu entendimento. Tais atos de nomeação,
ainda que de formas diversas, possuem uma função em comum: é na relação da obra
com seu título que um observador interessado pode realizar a operação de ajuste
conceitual entre título e objeto, inferindo a partir daí as intenções do autor. Sendo
assim, seria correto afirmar que é a intenção do autor que faz com que obras
aparentemente iguais se diferenciemiram. Porém, para que essa afirmação se
confirme, seria necessário algo que garantisse a compreensão da intenção do autor
que, por mais clara que possa parecer, corre o risco de não ser compreendida. Desse
modo, uma intenção e a possibilidade de inferi-la a partir de certos dados não seria
suficiente:, a diferenciação dessas obras depende do reconhecimento e interpretação
desses dados, por parte de um público.

Ademais do título, a situação de exibição, a operação social na qual essas obras se


engendram, determinam em grande parte o funcionamento de seu conceito. Silent
Prayer, o disco de Cage, por exemplo, caso fosse fabricado e reproduzido nas
condições para as quais foi pensado, não poderia ser entendido como um disco de
silêncio para o público ao qual se destinava (frequentadores de lojas e demais espaços
públicos onde a Companhia Muzak atuava), pois estes simplesmente desconheceriam
sua existência. Porém o disco teria um efeito nesse público, já que sua presença
implica na não presença de outro disco contendo informação musical;, sendo assim,
Silent Prayer subtrai uma música ambiente (que trabalha no intuito de evitar o tédio) e,
ao estilo de Cage, deveria abrir a percepção sonora aos sons do mundo (ou
simplesmente deixar que o tédio apareça, o que seria péssimo para as compras).
Sendo assim, fica bastante clara a diferença conceitual, já na proposição, de um disco
como o de Cage e o disco de Marcel Marceau, que, como comediante, estava
interessado na piada (não que o disco de Cage não pudesse ser encarado como uma
piada;, e se assim fosse, poderia ser uma ótima piada, porém certamente não era sua
intenção). Já o segundo aspecto se refere à sua recepção: há um jogo dialético entre
teoria e prática, entre a promessa do vazio e a presença ativa do suporte. Por um lado,
há a expectativa por uma experiência uniforme, uma uniformidade possível apenas na
constância e plenitude do vazio, a expectativa de ver nada e ouvir nada;. Ppor outro
lado, o que se apresenta é a realidade inextricável do suporte e de seus respectivos
aparatos, sua materialidade e seus indissociáveis ruídos visuais e sonoros.

*
Por ausência, entende-se a falta de algo que ali já esteve ou que ali deveria
estar. Portanto, ausência de imagem não se refere a uma situação na qual não há
imagem alguma, mas, sim, a uma ocorrência da falta, ausência, de uma imagem
esperada ou que acreditávamos que ali encontraríamos. Desse modo, podemos falar
em uma imagem da ausência da imagem. A imagem da ausência da imagem é uma
imagem. Já não é possível para nós, videntes, uma situação destituída de imagem. O
olhar, sendo nosso instrumento mais perspicaz de dominação, subjuga a seu sistema
sensório tudo que é possível ver. O mundo concreto é uma coleção de imagens, de
frames, quadros e enquadramentos, e o tempo, a duração de um fade. Se o tempo
existe entre uma e outra imagem, nós já existimos no interior de cada imagem, de
todas as imagens, em cada uma e a cada instante. Se o mundo é este conjunto de
imagens, o Espetáculo, segundo Guy Debord, são as relações que se dão entre estas
partes do mundo, entre estas imagens;, é a mediação das relações sociais pelas
imagens. “Oo espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre
pessoas, mediada por imagens” (Debord 1997, p.14)

Em Hurlements en Faveur de Sade (filme de 1952, precedendo em 15 anos a


publicação de A Sociedade do Espetáculo), Debord apresenta um filme, um longa-
metragem de uma hora e quatro minutos, sem nenhuma imagem. A película 16mm que
serve de suporte para o filme contém apenas grupos de frames transparentes e grupos
de frames negros., Aa tela do cinema varia entre dois2 estados: iluminada e/ não
iluminada, ou “branco” e /“preto”, ou com luz e /sem luz. Na esteira da recente tradição
do cinema letrista, grupo a qual Debord participou ativamente no início dos anos 50,
sua preocupação mais imediata é com a radicalização do que os letristas chamaram de
montage discrepant, a disjunção entre imagem e som, uma operação realizada pela
montagem, na qual onde os elementos que constituem o filme, (a imagem e a banda
sonora), se tornam independentes e autossuficientes. O problema da ausência da
imagem não aparece tanto como uma problematização da categoria de imagem, mas
como a possibilidade última de radicalização, e, por isso, uma contribuição para o
desenvolvimento, do Cinema. Aqui, o problema da ausência da imagem é nosso, e o
desenvolvimento do Cinema não nos interessa.
Como dito, Hurlements en Faveur de Sade varia entre grupos de frames
transparentes (luz na tela) e grupos de frames negros (sem luz na tela). Os frames
transparentes eram acompanhados de áudio, ao passo que, nos frames negros não
havia nenhum som gravado. Ambos os momentos revelam possibilidades da imagem
da ausência de imagem, porém, promovem experiências distintas. Tradicionalmente,
quando iluminada, a tela se transforma num receptáculo de imagens:, sua superfície é
tomada pelas projeções de luz provenientes dos diversos dispositivos de exibição de
imagem existentes. O mesmo acontece quando Debord se utiliza de frames
transparentes, sem imagem aparente, que permitem que a luz os ultrapasse sem
nenhuma perda de luminosidade, enquanto escutamos o áudio de leituras de
fragmentos de cartas, livros e jornais. Mesmo que a intenção dos letristas com a prática
do conceito de montage discrepant fosse a disjunção absoluta entre imagem e áudio,
em Hurlements en Faveur de Sade, Debord acaba por sobredeterminar a
apresentação luminosa de uma imagem da ausência da imagem às vozes gravadas na
banda sonora do filme. As vozes adquirem o estatuto de instrução para a imaginação,
delimitam seu campo de atuação de modo a circunscrever tão somente as informações
trazidas pelas vozes. Contrariando os objetivos letristas (e também de Debord), esta
experiência da tela luminosa preenchida de vozes apresenta maior afinidade com o
experimento dialético apresentado décadas antes por Lev Kuleshov (fFalamos aqui do
que foi denominado por Efeito Kuleshov, que consiste na montagem justaposta de
imagens com a intenção de construir um significado que não está presente em
nenhuma das imagens quando isoladas) do que com a proposta de montage
discrepant.

O mesmo não ocorre quando da apresentação dos conjuntos de frames negros.


Quando escura, a tela deixa de planificar a imaginação, não ocupa mais uma posição
tão privilegiada no direcionamento do olhar, pois, por mais que as poltronas insistam
em manter nosso corpo virado para a tela, a sala inteira está escura, o pescoço agora
pode virar e procurar outras coisas. Agora, ao contrário de antes, o público se encontra
no escuro, e os únicos sons que podem ser ouvidos são aqueles produzidos
acidentalmente, ou não, pelo próprio público. Uma vez cessada a incidência de
qualquer projeção sobre a tela que pudesse justificar algum interesse, do que se
tratava a experiência, ou qual o objetivo de ali permanecer? Talvez possamos
encontrar as intenções de Debord nesse fragmento de uma carta enviada a Isidore
Isou, mas também presente na banda sonora de Hurlements en Faveur de Sade:
“The cinema is dead. There can be no more film. Let us proceed, if you like, to the
debates” (Cabañas 2014, p.14).

Diferente da maioria das obras aqui apresentadas, o espaço de apresentação de


Hurlements en Faveur de Sade não é a galeria de arte, seu momento de
apresentação é da ordem do coletivo: dezenas de pessoas, separadas umas das
outras por apenas alguns centímetros. Talvez Debord tenha intencionado gerar uma
tensão tal entre o público que o mesmo se sentiria impelido aem iniciar um debate.
Apesar dos frequentes embates causados pelas apresentações dos filmes letristas
entre seus realizadores e o circuito fFrancês de cinema, a tradição francesa dos
cineclubes desempenhou um importante papel na construção do pensamento de
Debord. Majoritariamente, as sessões de filmes realizadas em cineclubes eram
acompanhadas de debates posteriores, contando ou não com a presença dos
realizadores dos filmes apresentados na ocasião., Eera o momento de todos os
presentes falarem sobre o que tinham acabado de ver e /ouvir. Nos parece claro que, a
intenção de Debord quando faz cessar a luz da projeção, apresentando o escuro e
abrindo o campo sonoro para uma possível intervenção do público, é justamente
instaurar uma situação propícia para o debate do que havia sido visto e /ouvido ahá
pouco. Desrespeitarndo as convenções sociais do espaço Cinema, no qual a prática do
debate se insere, por excelência, como o momento da fala, posterior àa exibição do
filme, garantindo o silêncio da sessão, da apresentação do filme, que a precede.
Debord parece querer inserir o debate por entre o filme, como um movimento
preliminar, tendo em vista a dissolução do próprio filme.

As últimas três falas presentes na banda sonora: “I have nothing more to say to you”;
“Once again, after all the untimely answers and the aging of youth, night falls from on
high” (3 minutos de silêncio/escuro) e; “Like lost children we live our unfinished
adventures” (terminando com 24 minutos de silêncio/escuro). Debord se recusa a
proporcionar um espetáculo, esvazia seu filme de tudo, ou quase tudo, que poderia
servir para capturar espectadores, optando por instaurar uma distância entre esses e
seu filme, provocando-os a deixar a passividade. Apesar de sua atitude buscar o limite
do cinema para dele se retirar e atestar sua insuficiência, seu filme funciona de modo
semelhante ao Pharmakon, segundo Derrida (in Bullot), que opera segundo uma
ambivalência de propósitos: seria, ao mesmo tempo, o veneno que arruíina o objeto e o
remédio que o salva. A contemplação da negação ou da destruição de um objeto pode
fornecer uma experiência que revigora esse próprio objeto, garantindo sua
continuidade e desenvolvimento. Debora, ao produzir um filme para dizer que já não é
mais necessário produzir filmes, acaba por fornecer elementos para que o cinema
prossiga em sua jornada de progressos.

Há uma cena no filme Paisagem na Neblina (Topio Stin Omichli), do diretor grego
Theodoros Angeolopoulos, que merece nossa atenção especial. Neste filme, de 1988,
vemos a odisseia de um casal de irmãos, crianças que fogem de sua casa na Grécia
em busca do pai que, segundo a mãe, vive na Alemanha. O filme nos mostra um sem
número de paisagens desoladoras onde não há muito o que se ver, e cenas onde
acontece muito pouco. Já na segunda metade do filme, depois de já terem percorrido
algumas milhas, de já terem deixado bastante para trás, há o acontecimento que serve
de chave de leitura para todo o filme, que fornece a instrução necessária ao público na
tarefa de apreensão daquelas imagens: andando por algumas ruelas escuras e
desertas, as crianças encontram no meio do lixo um pedaço de filme 35mm contendo
alguns fotogramas, aparentemente em branco. Orestes, um amigo feito pelo caminho,
ergue o pedaço de filme e diz para que olhem com atenção, que por trás da neblina
elas verão uma árvore. Por alguns segundos os três se mantêm compenetrados em tal
tarefa, até que Orestes, rindo, desmente o que havia dito, assumindo que não há nada
impresso naquele filme. O que parece uma brincadeira inocente, revela uma atitude
poderosa. É esta a atitude necessária, indicada por Angeolopoulos, para se ver o filme,
visualizar o mínimo com esforço, adentrar na espessa camada de neblina buscando
enxergar o que muitas vezes não está lá. O aparente estado de inércia provoca, no
espectador, a necessidade de pôr o pensamento em movimento, formular a imaginação
que preencha de maneira satisfatória o campo aberto da potência.

Para que a idéiaideia de potência seja possível, é necessário recorrer a noção de


nous, em Aristóteles. Para ele, o nous, o intelecto ou pensamento em potência, é
como uma tabuleta para escrever onde nada ainda está escrito. O preenchimento desta
tabuleta caberia ao homem, que, dotado de faculdades e tomado por uma vontade
própria e/ou coletiva, se daria a este empreendimento. Ao contrário da tabuleta de
Aristóteles, obras esvaziadas não estão em branco esperando uma escritura inicial;,
estas obras são sua própria escritura inicial;, a potência que conservam neste início já
definido ée uma potência contingencial, que depende dos elementos que lá já estão.

Em 1968, Hollis Frampton apresentava pela primeira vez o que denominou de


Uma Conferência, uma conferência-performance-filme na qual havia um texto gravado
em áudio e instruções para a manipulação de um projetor 16mm. Destas duas
instâncias, o áudio gravado do texto e a projeção resultante da manipulação do
projetor, apresentados em um cinema, se fazia o filme. A projeção predominante deste
filme, quando não havia nenhum filtro ou objeto posto na frente da lente, era o
retângulo de luz branca, a incidência direta da luz da lâmpada do projetor, passando
pela janela do obturador e pela lente, até chegar à tela. No áudio do texto gravado, era
possível ouvir algumas declarações sobre o cinema, seus princípios fundamentais mais
básicos e sua materialidade. Dentre estas, “é só um retângulo de luz branca, mas isso
são todos os filmes. Não podemos nunca mais ver mais nesse retângulo, só menos .”;,
“então, se não gostamos desse filme em particular, não deveríamos dizer ‘ não há o
suficiente aqui, eu quero ver mais’. Deveríamos dizer: ‘Tem muito aqui, eu quero ver
menos’.”; e “o nosso retângulo branco não é ‘absolutamente nada’. Ele é, no fim das
contas, tudo o que temos. Esse é um dos limites da arte do cinema” (Frampton, 2015).

Frampton projeta um pensamento particular sobre o que é o cinema, sugerindo que o


retângulo de luz branca projetado pelo projetor na tela de cinema é ao mesmo tempo
elemento inicial, mas também o que há de mais completo. Segundo esta visão do que
é cinema, a apresentação de imagens cinematográficas se dá por subtração;, o filme, e
o que nele está impresso, age pela obstrução da luz total deste retângulo inicial, ou
seja, apenas pela subtração parcial da luz emitida pelo projetor é possível apresentar
imagens na tela. Frampton estava promovendo um cinema anterior, mas também
posterior, à imagem e advogando, principalmente, por seu caráter potencial, para onde
era possível olhar sem se ter algo definido a ver, mas que continha todas as imagens já
realizadas, assim como todas as imagens por realizar.

Esta abordagem, que desloca o processo de criação para o momento do olhar,


destituindo a exclusividade do fazer artístico sobre a criatividade, como toda tentativa
de liberdade, nutre seus próprios perigos. Se é proposta uma arte que se mantenha
aberta o suficiente para permitir a intervenção da imaginação de quem a vê, é
necessário ter em vista que o processo de subjetivação do indivíduo e sua
consequente (a)singularidade são responsáveis por construir as vias para a
imaginação. Se a subjetividade está dominada por forças estranhas, se a singularidade
está em crise, o que será desta imaginação? O pintor Francis Bacon já nos disse que
uma tela em branco nunca, de fato, assim, está. No lugar de um aparente vazio ou no
monocromatismo inicial de uma tela ainda a ser trabalhada, antes mesmo do pincel do
pintor tocar sua superfície, seu olhar trataria de preenchê-la com os clichês daquele
que ainda está misturando a tinta. Nessa relação, o olhar se transforma em instrumento
internalizado de governo, pacificador das forças criativas, porque pacificado. O clichê,
aquilo que opera o agenciamento entre as instâncias de controle, nos faria repetir os
mesmos ordenados já constituídos, nos permitiria apenas a recognição de objetos já
conhecidos. Neste cenário, na imaginação caberia apenas aquilo que já existe.

Minha obra de 2013, o que aparece é bom, o que é bom aparece, apresenta
um projetor super-8 onde cujo momento de sua apresentação corresponde ao
momento posterior à exibição de um filme;, sendo assim, a obra se inicia após a
exibição de um rolo de filme. O público tem acesso à obra apenas após a exibição,
quando vemos a projeção direta da luz sobre a parede, e o filme, que já foi exibido,
girando em falso no carretel traseiro do projetor (carretel no qual o filme se enrola após
a exibição), com sua ponta acertando o chão e o ar. O que foi dito acima , também
poderia ser dito de o que aparece é bom, o que é bom aparece:, que o retângulo de
luz projetado pelo projetor não passa de um campo aberto para fincarmos nossos
clichês. O que não seria mentira. Porém, Aa experiência do público diante da obra,
porém, possibilitou pensar por outras vias. Não apenas a projeção dos clichês, mas
mesmo, e principalmente, a impossibilidade de qualquer projeção diante de algo que
aparentemente estava fora de ordem.

A primeira apresentação pública de o que aparece é bom, o que é bom aparece se


deu em um evento curto, com duração de uma noite, o que me permitiu vigiar a obra
acontecendo e a consequente reação do público. A resposta imediata dos que lhe
davam atenção era a de que havia algo errado, que a obra não estava funcionando
devidamente. Estes procuravam a organização do evento com a intenção de informar
que a obra estava quebrada, que deveria ser consertada. Outros me procuravam para
me avisar que o filme se rompeu ou terminou, que eu deveria colocá-lo novamente.
Percebemos aí uma clara frustração por não poder ver o que se esperava, ou seja,
uma imagem, pois todo o projetor deve projetar uma imagem. A impossibilidade de
visualizar a imagem presente no filme que ali girava mobilizou o público a resolver um
problema, em certa medida, da ordem do comunitário, pois consertar a obra era em
benefíicio do evento, da comunidade temporária que ali se instaurava. CPorém
consertar, neste caso, porém, significa pôr em ordem, fazer funcionar de acordo com o
esperado, e essa expectativa também é socialmente construída. Neste sentido a
afirmação feita acima, de que o retângulo de luz projetado pelo projetor torna-se um
campo aberto para fincarmos nossos clichês, se confirma, porém de outra maneira. No
lugar de pessoas projetando seus próprios clichês pertinentes àquela tela, temos a
vontade depor consertar a obra, que parte da necessidade depor adequá-la às regras
estabelecidas: todo projetor projeta imagens, todo filme deve apresentar imagensm.

A disputa entre uma imaginação criadora e a mera reprodução de clichês se dá no seio


de cada obra. A relação que se estabelece entre obra e público pode facilitar para um
lado ou para outro, sem que isso signifique um direcionamento. Cada indício mínimo de
qualquer coisa indefinida pode ser um atrativo, para um lado ou para o outro. Mas,
também, a relação que a obra estabelece com outras obras ao seu redor, a relação que
estabelece com o espaço, com a arquitetura, com o tempo, com a história :, tudo é fator
de influência sobre a apreensão da obra e o sucesso ou não do empreendimento da
imaginação, Porém, tal poder de determinação se encontra, sobretudo, no público.
Dizer isso não é apenas afirmar o caráter central ocupado pelo espectador, mas,
principalmente, destituir a obra de arte de qualquer atribuição salvadora, revolucionária,
etc. e afins. Se há algo dessa natureza nestas obras, é sua operação como exercício
de singularidade, que depende, invariavelmente, da atuação de outras práticas e
forças, antes e depois.

Para realizar a obra vontade de nada ≠ nada de vontade, foi necessáriao uma folha de papel no
tamanho A0 (um cartaz) em branco. Utilizando os recursos disponíveis na residência da FAAP
(2017), ao invés de adquirir uma folha de papel neste tamanho, utilizei a cota de impressão que
nos era disponibilizada em uma impressora plotter;, portanto, um rolo de papel que é impresso e
depois cortado no tamanho necessário. Decidi por “imprimir” uma quantidade de papel
equivalente a uma folha A0 sem nenhum conteúdo, totalmente em branco, porém não obtive
sucesso. Ao enviar o arquivo totalmente em branco para a impressora, a mesma o reconhecia,
porém não executava nenhuma atividade, permanecia imóvel. Parece óbvio dizer que não havia
porquêe a impressora entrar em atividade, já que, se uma impressora, a grosso modo, libera tinta
em um papel de acordo com a informação presente no arquivo que é recebido, se não há
informação no arquivo, não há porque se mover, já que não há motivos para liberar tinta.
OPorém, outra perspectiva, porém, é possível: se a impressora é um aparelho que tem como
função gerar uma cópia física análoga a um arquivo digital, para executar esse função ela deveria
liberar uma quantidade de papel em branco equivalente às dimensões determinadas pelo arquivo,
mantendo suas tintas em repouso.

Para solucionar de maneira rápida o problema, inseri um pequeno ponto preto no


centro da página do arquivo, de modo que a impressora imprimiu o ponto e liberou a
quantidade de papel equivalente à uma folha A0. Depois dessa experiência, uma
questão me deixou curioso: qual seria a menor porcentagem necessária de uma cor (a
princípio cinza), para fazer uma impressora se mover (e liberar tinta)? Ao que pude
constatar até o momento, esses valores variam entre os modelos e marcas de
impressora. Um teste e pesquisa mais acurada deverá ser realizada em breve.

Para a exposição SITIO II (2015), Bruno Drolshagen e eu fizemos uma


colaboração: eu levaria alguns objetos e ele faria pinturas a partir desses objetos,
utilizando-os como modelos, e ,juntos, apresentaríamos uma instalação contendo
ambos, os objetos e as pinturas, articulando-se no espaço. Levei para que Bruno
pintasse: uma TV com antena ligada em uma estação qualquer;, dois toca- fitas
quebrados e ruidosos;, um balde de metal com uma máaquina de cortar cabelos ligada
dentro;, um amplificador de som bastante esquisito; e, o único objeto que não emitia
som, uma tela de pintura em branco. Esta tela não estava totalmente em branco;, era
uma tela de pintura branca suja, que fora encontrada no lixo do prédio onde moro há 5
anos e ,desde então, foi mantida pendurada na parede da sala de minha casa. Bruno
utilizou minha tela branca suja como modelo para pintar uma tela, originalmente, em
branco. Por razões próprias, Bruno optou por pintar minha tela branca suja em um
ambiente (o mesmo espaço onde a instalação seria apresentada), por tanto, o que
vemos em sua pintura é minha tela encostada na parede. É iImportante notar que
Bruno precisou sujar sua tinta branca para alcançar um tom que fosse ao mesmo
tempo diferente do branco original de sua tela e ao mesmo tempo satisfatório para
representar a cor da tela branca suja. Em decorrência da sujeira excessiva no espaço
onde estavam expostas, ambas as telas ficaram ainda mais sujas. Atualmente, ambas
as se encontram penduradas em diferentes paredes na sala de minha casa, sendo as
únicas telas penduradas em minha casa.

Em 2017, Pontogor me mostrou dois dados totalmente em branco, sem


numerações ou marcações, que ele havia encontrado por acaso em uma loja
especializada em jogos de tabuleiro. Ficamos intrigados comsobre a utilidade de tais
dados, especulando finalidades sem sentido e planejando pegadinhas absurdas.
Sabendo onde se localizava a loja, fui adquirir um par desses dados vazios. Após
comprá-los, perguntei para a atendente para que serviam aqueles dados, ao que ela
responde que eles eram em branco para que fosse possível marcá-los ou numerá-los
da maneira que fosse necessário.
SEGUNDA PARTE
segundo evento de open studio
Na segunda parte, será apresentado um experimento que teve lugar durante o segundo
open studio da Residência Artística da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP),
realizado em três de jJunho de 2017.

Para proveito da pesquisa, o segundo evento de ateliê aberto teve um caráter de


experimento. Se o primeiro, em seu decorrer, se tornou um experimento, o segundo foi
pensado, desde seu princípio, com esse objetivo. O segundo evento foi a
reapresentação do primeiro: os registros das obras foram afixados no mesmo local
onde anteriormente foram apresentadas. As configurações técnicas e espaciais já
citadas foram mantidas (canhão de luz, sofá, mesa...), garantindo uma presença
indicial do referente e, portanto, contribuindo para atestar a veracidade do registro e
sua compreensão. O objetivo era observar a diferença com que o público se
relacionava com ambas, as obras e seus registros.

Obras: B - Sem Título (Cartaz Preto Caído) e C - Vontade de Nada ≠ Nada de Vontade.

I.
Ambas as obras foram fotografadas com a intenção de registrar sua presença no
espaço;, era necessário manter esta relação -– obra/-espaço -, para garantir a
permanência das facilitações conceituais em relação à percepção, as quais
anteriormente chamamos de Paratexto e Parergon -, as informações de ordem visual,
social e institucional geradas pela sua localização no espaço e sua relação com o
significado conhecido destes elementos. Desse modo, se fez-se importante não apenas
registrar a obra enquanto objeto, mas a obra em relação ao espaço, como as obras se
aplicam ao espaço e como se utilizam de elementos próprios deste espaço para se
tornarem o que são. Dito de outra maneira: ambas as obras necessitam da informação
visual e social gerada pela sua localização no espaço e sua relação com o significado
conhecido destes elementos.

B . Além do elemento material já exposto pelo título, um cartaz, Sem Título (Cartaz
Preto Caído) , se utilizava-se de um canhão de luz direcional que iluminava a parede
acima do cartaz, jogandova um foco de luz no local onde um cartaz (não caído) deveria
estar, na altura dos olhos de um ser humano de altura mediana, na altura média
convencionada pela expografia de quadros (e cartazes). Talvez o objeto canhão de luz
não tenha uma grande importânciaante visual para a obra, visto que, idealmente, como
todo aparato expográfico, não lhe é conferidao atenção nenhuma em expografias
tradicionais. Por outro lado, sua funcionalidade, a luz fornecida por ele, é de
fundamental importância conceitual e, primeiramenteo, visual. Para além da forma do
papel e sua dobra/curvatura que indica a condição de queda, a luz é o elemento- chave
que demonstra a deficiência da condição presente e um suposto estado anterior, ideal,
em que aquele objeto se encontrava. Para registrar a obra, era necessário registrar o
objeto cartaz, sua posição na parede e a luz da qual escapava.

C . Vontade de Nada ≠ Nada de Vontade não apenas depende da relação do objeto


com o espaço que o contêmcontém:, a obra é o próprio espaço, uma intervenção num
espaço preé existente, reconfigurando-o e inserindo-o num outro campo de discurso,
de sua condição como mobiliário e ambiente residencial à sua afirmação como obra de
arte. A pequena sala de estar não contéêm a obra, e sim é a obra. O cartaz branco e o
livro com páginas em branco operam como agenciadores entre o caráter ordinárioa
ordinariedade do significado usual de uma cena amplamente conhecida, por um lado, e
seu deslocamento para uma situação de arte onde o que temos não são objetos
separados dispostos em um mesmo ambiente, mas uma configuração espacial que, ao
ser vista, se faz situação artística. Nada mais necessário que, ao registrar esta obra,
registre-se a cena completa: chão, mesinha de centro, livro com páginas em branco,
sofá, cartaz branco e a parede ao fundo.

1.

1.1 . Barthes nos disse que a fotografia é a representação visual de um acontecimento


de que se pode afirmar apenas que existiu. Por certo, esta já foi uma definição
suficiente para a empresa da criação de imagens fotográficas, principalmente quando
seu processo se mantinha físico e, por tanto, analógico em todos os sentidos. Com a
revolução digital, ou mesmo antes, em processos rudimentares de manipulação
fotoquímica, a veracidade do que é visto na imagem fotográfica deve ser posta em
suspeitadesconfiança:, o meio se tornou facilmente manipulável.

1.2 . Salto Para o Vazio (1960) de Yves Klein é um bom exemplo de manipulação
fotográfica rudimentar. Na já icônica imagem, vemos Klein saltar do alto de um muro
(talvez de uma casa), de braços e peitos abertos, em direção àa rua, onde, segundo a
imagem, deve cair chapado no asfalto. Na verdade, Klein saltou em direção a uma lona
erguida por vários homens, o que garantiu sua integridade física. Posteriormente, a
metade inferior da fotografia, onde era possível ver os homens segurando a lona, foi
substituída por outra fotografia realizada na mesma rua, exatamente com a mesma luz
e enquadramento, porém sem nenhum dos personagens citados. Os inúmeros casos
de manipulação fotográfica digital na vida social contemporânea são amplamente
conhecidos e já se tornaram hábito. Isso não nos interessa aqui.

1.3 . É evidente que toda a ação de registrar algo, fotograficamente ou por qualquer
outro meio tecnológico, é composta por uma infraestrutura técnica que, apesar da
promessa de integridade a realidade, apresenta suas características próprias, àas
quais podemos atribuir o caráter de falha (ao falhar em ser exatamente o mesmo que o
objeto registrado). A fotografia pode acentuar certos aspectos do original, acessíveis à
objetiva, ajustável e capaz de selecionar arbitrariamente seu ângulo de observação,
luminosidade, contraste, etc. No processo de realização de um registro, está implicado
o fator humano: um conjunto grande de decisões são tomadas tendo como objetivo um
registro de qualidade adequada, o que significa a presença da subjetividade do
realizador em cada escolha do processo, pois, “qualidade adequada”, depende dos
gostos e intenções dos envolvidos.

1.4 . “Fotografar um quadro é um modo de reprodução; fotografar num estúdio um


acontecimento fictício é outro. No primeiro caso, o objeto reproduzido é uma obra de
arte, e a reprodução não o é. Pois o desempenho do fotógrafo manejando sua objetiva
tem tão pouco a ver com a arte como o de um maestro regendo uma orquestra
sinfônica.”. (Benjamin), (É necessário levar em conta que Benjamin afirmou o que está
no trecho acima, presente em seu célebre ensaio “A Obra de Arte na Era da
Reprodutibilidade Técnica”, em 1936, antes do aparecimento da arte conceitual, antes
do desenvolvimento do apropriacionismo em larga escala;, porém, não antes, porém,
dos primeiro readymades de Duchamp, que datam de 1912 e 1913 e foram,
responsáveis pelo subsequente aparecimento do apropriacionismo e da arte conceitual
algumas décadas mais tarde.).

1.5 . Pensando sobre diferentes disciplinas artísticas na busca de uma definição para
falsificação, Nelson Goodman traça diferentes categorias que o auxiliam nessa tarefa.
Autográfica e holográfica de um lado, monofásica e difásica de outro:, essas categorias
seriam comutáveis, as primeiras com as segundas, sem que houvessem relações
obrigatórias. Apesar de Goodman não analiszar diretamente a fotografia, nos dá
subsídios para a analisarmos-la segundo seus pressupostos. Para ele, a fotografia
seria autográfica e difásica;, isso significa que há um objeto de autoria que pode ser
copiado com intenções deà falsificação -autográfica.- e, Aao mesmo tempo, esse
objeto não é único:, é reprodutível a partir e uma matriz (o negativo) -– difásico, pois
possui duas fases: o negativo e a cópia impressa. No entanto, a fotografia é uma
disciplina artística que tem a capacidade de emular visualmente as demais. De certo,
uma fotografia não tem a capacidade de falsificar uma pintura (autográfica e
monofásica), mas pode produzir uma reprodução que será compreendida como
reprodução. Goodman nos faz pensar que a diferença estética entre um original e uma
falsificação, onde não é possível identificar diferenças a olho nu, é tudo menos, de fato,
estética: “(…) as propriedade estéticas de uma imagem incluem não apenas as que
encontramos ao olhar para ela, mas também as que determinam como olhamos para
ela.” Desse modo, ele aponta que o que determina a superioridade estética de um
original é da ordem de um discursividade histórica -, um elemento social, não visual.
“Uma falsificação de uma obra de arte é um objecto que finge ter a história de produção
que se requer da (ou de uma) obra de arte original.” (Goodman).

1.6 . “Mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora
da obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra.”; “O aqui e
agora do original constitui o conteúdo da sua autenticidade, e nela se enraíza uma
tradição que identifica esse objeto, até os nossos dias, como sendo aquele objeto,
sempre igual e idêntico a si mesmo.”; “Mesmo que essas novas circunstâncias deixem
intacto o conteúdo da obra de arte, elas desvalorizam, de qualquer modo, o seu aqui e
agora.” (Benjamin).

1.7 . Para Benjamin, o advento tecnológico que proporcionou a reprodutibilidade


técnica de uma obra de arte desestabilizou um sistema de crenças tido por cristalizado.
“A autenticidade de uma coisa é a quintessência de tudo o que foi transmitido pela
tradição, a partir de sua origem, desde sua duração material até o seu testemunho
histórico. Como este depende da materialidade da obra, quando ela se esquiva do
homem através da reprodução, também o testemunho se perde, Sem dúvida, só esse
testemunho desaparece, mas o que desaparece com ele é a autoridade da coisa, seu
peso tradicional..” O que se atrofia, então, junto a idéiaideia de autenticidade, é a noção
de aura, possível apenas na existência única de uma obra de arte, o seu “aqui e
agora”. Sendo assim, a perda da aura significa a perda da “figura singular, composta
de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais
perto que ela esteja.”.

1.8 . Sabemos que Benjamin se referia, majoritariamente, ao cinema e àa imagem


fotográfica quando escreveu estas palavras;, contudo, a título qude prognóstico,
devemos ler “A obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma obra de
arte criada para ser reproduzida.” (Benjamin) como a antecipação da idéiaideia do
readymade duchampiano, e seu subsequente desenvolvimento (minimalismo, arte
conceitual, pop, novo realismo, fluxus etc). Para Benjamin, a reprodutibilidade técnica,
e para Duchamp, seus readymades, “põem de lado numerosos conceitos tradicionais -
como criatividade e gênio, validade eterna e estilo, forma e conteúdo.” (Benjamin). A
“obra de arte criada para ser reproduzida” pode ter encontrado sua força motriz
primeiro na fotografia, e sua radicalização no cinema, mas é na prática do readymade
onde encontra sua realização máxima. A possibilidade de reprodução dessas imagens
fotoquímicas não implica em nenhuma obrigatoriedade por fazê-la;, é possível produzir
um único exemplar de uma fotografia ou de um filme,, descartando seu negativo. Já o
readymade, ao invés de permitir sua reprodutibilidade técnica, existe apenas em
consequência do desenvolvimento industrial que permitiu e aprimorou a própria
reprodutibilidade técnica. Se a fotografia e o cinema permitem sua reprodutibilidade, o
readymade, como idéiaideia ou gesto, é a própria (idéiaideia de) reprodutibilidade.

1.9 . A suposta qualidade de verdade de todo registro artístico é rapidamente aceita,


tendo em vista suas intenções honestas e culturalmente positivas de expansão,
democratização e facilitação. Expansão do alcance da arte, democratização ao acesso
a bens culturais e, mais importante, facilitação nas diversas movimentações e
transações do circuito-mercado de arte. Porém, tudo que é de um jeito, pode ser de
outro, sem que seus motivos e intenções sejam demonstrados. Será necessário que
vocês acreditem em mim e em meus registros. Não posso lhes oferecer nenhuma
garantia, apenas este pedido e a promessa de que, acreditando, poderemos avançar
no texto.

2.

2.1 . A fotografia de registro de obras de arte tem a função de evidência, prova da


existência de um objeto ou da ocorrência de uma situação, ou mesmo de reconstituição
de uma ação que se desenvolveu no tempo. As intenções ao se fazer e apresentar um
registro costumam ser claras, tornar uma obra de arte visível sem que a mesma esteja
presente.

2.2 . A operação lógica necessária para a existência de um registro: tornar ausente


algo do mundo e reapresentá-lo num suporte físico. A substituição da coisa pela
imagem da coisa é o que faz do registro um signo, procedimento elementar de toda a
linguagem. Algo é tornado signo pela operação de transferência que enquadra um
objeto, mas essa imagem-signo tem natureza tanto material quanto formal e visual
distintas da materialidade do objeto a que se refere. O objeto-signo, agora reconhecível
pela sua qualidade icônica e compreendido pela sua disposição simbólica, é
apresentado como imagem em um novo contexto expositivo que, apesar de ser o
mesmo de onde se origina a imagem-registro, marca sua diferença pelo fator tempo. Já
não é mais a mesma ocasião, e temos a garantia da veracidade dessa informação
justamente pela operação que tornam as obras ausentes e faz emergir seus registros
(a obra agora signo). (Luiz Claudio da Ccosta -– introdução, p.ag 27).

2.3 . Os registros se relacionam com o passado. O observador se pergunta quando e


quem teria visto as obras quando apresentadas em seu contexto original, de que
maneira sua experiência é diferente da experiência daqueles que a viram quando
primeiro apresentadas. Trata-se de tempo, uma vez que as imagens técnicas
produzem imagens temporais. Apesar do signo do registro fotográfico apostar no
presente imediato, ou seja, na possibilidade de retorno de uma presença reincidente do
objeto duplicado, o registro, a ação que cria o signo, é o processo do pensamento
artístico que se desdobra no tempo e não uma obra que se conforma a um meio físico
-, e, por tanto, ao presente. Quanto mais subordinado o registro for àa obra, mais
verdadeira se torna essa afirmação.

2.4 . A apresentação do registro, a obra tornada imagem tornada signo, adquire


diferentes contornos a depender da dada situação. Um livro de história não é o mesmo
que um catálogo, que não é o mesmo que um artigo acadêmico, que não é o mesmo
que um folder de divulgação de uma exposição, que não é o mesmo que um tumblr,
que não é o mesmo que uma camiseta, que não é o mesmo que uma projeção em uma
sala de aula, que por sua vez não é o mesmo que um registro pessoal de visita ao
museu ou uma selfie na qual,onde ao fundo, vemos a obra.

2.5 . A apreensão do signo é situacional, contingente ao meio em que é veiculada, ao


contexto onde é empregada e dependente do conhecimento prévio de quem a vê. O
auto retrato de Van Gogh em uma propaganda do banco holandês ABN-AMRO no
aeroporto de Taipei não opera da mesma forma que a imagem do tubarão de Damian
Hirst na capa de um livro onde o texto questiona os rumos da arte contemporânea ou a
imagem de alguma obra de qualquer artista em um livro dedicado ao mesmo.

2.6 . “Generalizando, podemos dizer que a técnica da reprodução destaca do domínio


da tradição ([ou, para nós, simplesmente, de sua origem)] o objeto reproduzido. Na
medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência única da obra por sua
existência serial. E, na medida em que essa técnica permite à reprodução vir ao
encontro do espectador, em todas as situações.”; “Hoje, essa imagem especular se
torna transportável para um lugar em que ela possa ser vista.”; “A reprodução técnica
pode colocar a cópia do original em situações impossíveis para o próprio original. Ela
pode, principalmente, aproximar do indivíduo a obra…” (Benjamin).

2.7 . É curioso notar que, grande parte dos estudantes de arte e dos artistas tem uma
relação com a história da arte estabelecida por meio de imagens impressas e virtuais.
Principalmente para os que estão fora da Europa e América do Norte, a educação e
pesquisa artística (da “arte mundial”) dependem da tríade expansão-democratização-
facilitação oferecida pelo registro.

2.8 . “Cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o objeto, de tão perto
quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua reprodução. Cada dia fica
mais nítida a diferença entre reprodução, …,(...) e a imagem. Nesta, a unidade e a
durabilidade se associam tão intimamente como, na reprodução, a transitoriedade e a
receptibilidade.” (Benjamin).

2.9 . Em um sociedade informacional, “é comum que ocorra a antecipação do signo


sobre a coisa: antes de ter sido exposta , a obra, ou mais precisamente seu signo, já
circula nos circuitos da rede”. (Cauquelin).

3.

3.1 . Entre várias possíveis, duas2 acepções:


PrimeiraAacepção 1: O registro faz desaparecer a obra, duas vezes, em sua
escritura supostamente própria, como objeto. A primeira, porque se torna uma condição
segura para o desaparecimento da obra, ao passo que garante sua permanência
espectral (- o registro já está feito, pode guardar a obra). A segunda, porque a obra se
tornou uma experiência presencial e impertinente, lhe falta-lhe praticidade e economia (
- já temos o registro, mantenha a obra guardada).
Segunda Aacepção 2: “O registro pode potencializar a plasticidade e as ações de
um trabalho artístico no mundo pela diferenciação, ao inscrevê-lo na imagem como
uma de suas situações de visibilidade.” (Ccosta 89),

3.2 . A poteêncialização da plasticidade de uma obra talvez tenha sua origem na


inevitável escolha de como se registrar algo. Em uma obra tridimensional, por exemplo,
é necessário escolher ângulos, posicionar luzes, executar montagens, etc. APorém a
consciência do inevitável, porém, pode provocar uma excessiva estetização do registro,
tornando-o, muitas vezes, uma imagem independente da obra.

3.3 . A poteêncialização das ações de uma obra, seu alcance e circulação, é conferida
pelas facilidades materiais implicadas na migração do suporte (ou aplicação em um
novo suporte), multiplicando sua visibilidade, diminuindo custos, aumentando sua
circulação. Porém, quando esta imagem adentra em certos mercados de consumo,
perde seu referente, tornando-se independente.

3.4 . Porque pode potencializar ordens de visibilidade de um trabalho artístico, os


registros têem papel singular na construção da reflexividade crítica de uma obra,
tornando-se séries reflexivas da obra na condição de permanecerem subordinadas àa
mesma. As unidades das séries reflexivas são como cópias mal feitas, mantêém seu
referente àa vista ao mesmo tempo em que se deslocam levemente em outras
direções. A relação entre as unidades ou a série completa pode ser considerada como
uma rede de respostas auto deformante, porém subordinada a seu referente. Porque
subordinada, suas deformações podem atingir seu referente, transformando-o e,
novamente, transformando a própria constituição do registro, e assim por diante.

3.5 . As acepções 1 e 2 não são concorrentes;, coexistem potencialmente em todo


registro. As circunstâncias e contextos específicos de cada ação de registrar e sua
circulação definem a medida na balança.

3.6 .
3.7 .

3.8 .

3.9 .

4.

4.1 . “O princípio de base é o seguinte: uma obra não é visível por ela mesma como
pela força natural das coisas (que, como as coisas que se fazem sozinhas, possuem
um ar de magia), e ela não é, sobretudo, jamais inteiramente visível, no sentido em que
nós não pretenderíamos tudo (fazer) ver ou perceber de uma obra, qualquer que seja a
transparência de seu modo de apresentação”. (Vinçon in Ffervaza, p.ag 54).

4.2 . “Para nós, o espaço de apresentação é aquele que surge no entrecruzamento dos
movimentos orientados pelos gestos e os fenômenos de indicar e fazer ver, isto é,
aquele que se instauram no entrecruzamento de diferentes operações, gestos e
sistemas de indicação. Sua referência imediata é o campo artístico, mas sua
manifestação abarca todas as situações e atividades em que medeia uma relação na
qual se enfatiza a possibilidade de certo olhar, no sentido amplo do termo. A
apresentação é uma indicação que produz, como uma ênfase, um relevo no olhar” .
(Fervenza).

4.3 . A formação do visível tem como consequüência a determinação de zonas de


invisibilidade. O que é visível só o é em detrimento do que não o é, ou ainda, fazer ver
uma coisa é impedir a visibilidade de outras. Essa é operação da arte: elencar o que no
mundo deve ser visto com atenção e o que deve passar despercebido. Para se
apresentar algo em um contexto artístico é necessário ter em conta essa ordenação da
visibilidade e articular engenhosamente o aparato disponível para garanti-la. A luz deve
iluminar o que importa, a obra de arte. Se há uma placa de identificação ao lado,
merece atenção. A altura e posicionamento devem favorecer a rápida apreensão. Faça
silêncio, não distraia os demais. Está numa galeria, é importantee. Estamos entrando
no museu, prestemos mais atenção.

4.4 . A história das artes equivale à descoberta e formulação de um repertório de


objetos sobre aos quais dispensar atenção. É possível traçar exata e ordenadamente
como o olho da arte garimpou o nosso meio ambiente, “nomeando”, efetuando sua
seleção limitada de coisas que as pessoas passam a perceber então como entidades
significativas, agradáveis e complexas. “Oscar Wilde salientou que as pessoas não
viam os nevoeiros antes que cegos poetas e pintores do século XIX lhes ensinassem
como fazê-lo; e pode-se dizer que ninguém via tanto da variedade da sutileza do
semblante humano antes da era do cinema.” (Ssontang).

4.5 . A apresentação de objetos artísticos fora de instituições, ambientes ou eventos


que controlam a visibilidade em benefício “do que interessa” enfrenta o desafio da
educação restritiva do olhar. A arte tende a se perder fora de seus limites:, na ausência
de diretrizes bem delimitadas, e claramente identificáveis, a tarefa de identificar uma
obra de arte se complica.

4.6 . Talvez o olhar tenha sido educado por familiaridade e expectativa. Eenxergamos
de maneira mais clara aquilo que já conhecemos, percebemos com mais facilidade
aquilo que esperamos encontrar. Para liberar o olhar é necessário desedu caca-lo.
Liberar o olhar, nesse sentido, se faz em benefício de objetivos aparentemente
dissonantes: 1) tornar visíveis obras de arte que se utilizam de materiais ordinários fora
de contextos expositivos; e; 2) deixar que o olhar se perca em toda a sorte de coisas
existentes no mundo. O primeiro, expande a arte;, o segundo, a dilui.
4.7 . A dupla de artistas Ian e Elaine Baxter identificou e nomeou duas tendências na
arte conceitual. ACT, (Aesthetically Claimed Things, (“Coisas Esteticamente
Reivindicadas”), se refere a “trabalhos que buscavam produzir ou induzir experiências
estéticas, sem, no entanto, reivindicar que devessem ser consideradas arte ou estar
em um contexto considerado artístico.” (Dde Dduve). Exemplos dessa tendência
menos teórica, porém mais utópica, da arte conceitual, podem ser vistos nas práticas
de artistas vinculados ao Fluxus, em suas instruções para ações e peças;, mas,
principalmente, em sua reivindicação da ordinariedade cotidiana como situação
potencialmente estética, propondo uma apreensão estética do mundo como um todo,
com a intenção de apagar a diferença entre Arte e vida. Como consequência lógica, se
a denominação “arte” deveria ser retirada do trabalho, a denominação “artista” deveria
também ser retirada do autor, em favor de uma livre apreensão, sem mediação, do
mundo como ambiente estético.

4.8 . Já sabemos que, desde os anos 60-70, 1) se tornou uma operação de praxe que
assegura o domínio especializado da arte, um prolongamento da instituição Arte que
não permite que nada a escape. Enquanto 2) se consolidou rapidamente como uma
utopia superada e desacreditada como ingenuidade juvenil. “Desnecessário dizer que,
essa utopia [ACT] estava destinada ao fracasso, pois, a menos que a experiência em
questão seja de alguma forma registrada e comunicada ao universo da arte, ninguém
jamais tomaria conhecimento de que ‘algum tipo de arte que não quer ser considerada
arte’ foi produzido” (De Duve).

4.9 . As noções de silêncio, vazio e redução delineiam novas receitas para os atos de
olhar, ouvir etc., as quais enfrentam a obra de arte de uma maneira mais consciente e
conceitual. Há de se considerar uma relação entre a ordem de uma redução de meios e
efeitos na arte, cujo horizonte é o silêncio, e a faculdade da atenção. Talvez a
qualidade da atenção que se aplica a alguma coisa seja melhor (menos distraída) se se
oferece menos, nos permitindo vencer a frustrante seletividade de atenção. Idealmente,
seríamos assim capazes de prestar atenção em todas as coisas.
4.10 . “I am trying to check my habits of seeing, to counter them for the sake of greater
freshness. I am trying to be unfamiliar with what i’m doing”. (Ccage).

4.11 . A outra tendência observada por Ian e Elaine foi denominada por ART,
(Aesthetically Rrejected Tthings, (“Coisas Esteticamente Rejeitadas”). “Em “ART
encontramos trabalhos que provocam a possibilidade de serem categorizados
enquanto arte, quando toda e qualquer qualidade estética é deles retirada, como
Erased de Kooning Drowning (1953) de Robert Rauschenberg e On AeEsthetic
Withdrawal (1963), de Robert Morris” (de Duve). Em cada um desses casos, a
remoção da qualidade estética era parte da questão, entretanto, chamáa-los de arte
também, são objetos que inegavelmente possuem propriedades visuais que os
colocam a mercê de uma apreciação estética. Sendo assim, ART “contraditoriamente,
“depende da instituição a existência do sempre-repetido esforço de retirar toda a
materialidade visual de uma obra, para comunicar essa retirada ao universo da arte em
si, e de considerar essa mesma obra,, autoreferencialmente (atitude muito modernista),
como algo que a instituição da arte não pode possuir ou mesmo exibir.” (de Duve).

II.

Na ocasião do segundo open studio, os registros fotográficos das obras


apresentadas no primeiro open studio foram afixados exatamente no mesmo lugar
onde as obras foram haviam sido exibidas. As configurações técnicas e espaciais já
citadas foram mantidas (canhão de luz, sofá, mesa…), garantindo uma presença
indicial do referente e, por consequüência, contribuindo para atestar a veracidade do
registro. Não havia nenhuma obra nova, apenas o registro daquelas anteriormente
apresentadas. Apesar de, no primeiro open studio, haver outras obras e elementos, a
mesa com computadores e Declaração de Apropriação (Metrô de São Paulo), e Sem
Título (Amplificador Ligado Sem Sinal no Input), o experimento proposto encontrou sua
exequibilidade visual e conceitual nas duas obras àas quais aqui nos atemos.

Para que as imagens de registro não deixassem seu lugar como registro de uma obra
para ocupar o lugar de uma obra independente, era necessário que sua feitura
correspondesse a uma qualidade intermediária. Um rigor intermediário intencional deve
ser mais rigoroso que aquele que busca a melhor qualidade. A imagem consequente
do registro não poderia possuir uma excelente qualidade fotográfica e de impressão,
tamão pouco ser péssima, de baixa resolução, pixelada ou fotocopiada. Se muito boa,
poderia se transformar em uma boa fotografia de qualquer coisa sem importância;, se
muito ruim, poderia ser vista como uma alteração visual ou intervenção em uma
imagem preexistente. Em ambos os casos, se tornariam obras independentes. A
imagem e sua impressão deveriam ser competentes, no sentido de cumprirem sua
função como forma de apresentação da obra, mas nunca como uma obra de arte. A
escolha por manter o formato convencional de uma folha de papel A4 e sua borda
branca tinha como objetivo contribuir com o aspecto mediano da imagem, para
demonstrar um procedimento quase irrelevante -, uma impressão comum num papel
comum, conectado com a forma de apresentação, mas não com a arte.

O objetivo do segundo evento de open studio foi observar a diferença da experiência


do público em ambos os eventos -, a diferença na recepção das obras e de seus
registros, e, se, e de que maneira, os registros contribuíiam para a produção de um
pensamento sobre e a partir das obras ou, o que parece mais importante, um
pensamento sobre e a partir do grande experimento aqui relatado. Se, no primeiro
evento de open studio, as obras passaram despercebidas, no segundo seus registros
se fizeram suficientemente visíveis para ocupar o tempo e a atenção dos que lá
entravam.

B/C . Tudo se tratou de um jogo: observar e expor ao diferença do tratamento dado


pelo público àas obras e aos seus registros. Se, no primeiro open studio, as obras
passaram despercebidas, no segundo seus registros se fizeram suficientemente
visíveis para ocupar o tempo e a atenção daqueles que entravam no estúudio. Se
partirmos do princípio que as obras não foram vistas em seu contexto original, não era
fácil entender seus registros como registro:, na maioria das vezes, os registros foram
tidos como uma obra independente, e a relação espacial, de fotografar o espaço e
apresentar a fotografia neste mesmo espaço, pareceu mais interessante, para o
público, do que a existência de elementos que não mais se encontravam presentes.
Era necessário explicar: “estes são registros;, as obras, que podem ser vistas nas
fotografias, estavam aqui, mas você não a viu quando esteve aqui da última vez.
Porém, agora está com sua atenção voltada para esta imagem da obra, o registro
fotográfico”. As respostas mais comuns foram reações de espanto, riso e indiferença.
Minha pergunta, frequentemente feita em aberto era: “por que o registro de uma obra
‘quase vazia’ torna a obra mais visível que ela mesma?”mesma?”. Certamente, o fato
de se ter algo facilmente reconhecível como imagem, uma fotografia de um espaço,
tem lugar fundamental em qualquer resposta possível.

5.

5.1 . Tender a zero, esvaziar o conteúdo ou a duração, são tentativas de eliminar a


possibilidade de experiência (fenômeno), para dar lugar ao conceito. Este, não é
apreensível, senão de modo abstrato, não-experimental. “O termo ‘experiência’ se
refere ao processo entre sujeito e objeto que transforma a ambos - o objeto, na medida
em que é apenas na, e através da, dinâmica de sua experiência que se torna obra de
arte;, e o sujeito, na medida em que assume uma forma auto-reflexiva, sua própria
performatividade ". (Juliet Rebemntisch in Malik).

5.2 . Que a realidade só possade ser apreendida pelo pensamento ou pela sua
consciência, é a dependência, ou injunção, que Quentin Meillassoux identificou,
sobretudo na filosofia kantiana, como “correlacionismo”. As questões do pensar e do
ser estão indissoluvelmente correlacionadas, não sendo possível considerar
subjetividade e objetividade independentemente uma da outra:, o ser existe apenas
como um correlato entre a mente e o mundo. De acordo com o pensamento
correlacionista, se as coisas existem, elas existem apenas para nós:, “não há objetos,
eventos, leis ou entes que não estão sempre correlacionados com um ponto de vista,
um acesso subjetivo”(Meillassoux)., Nnão se admite a existência de um “fora do
sujeito” e de seu acesso ao objeto.

5.3 . “O problema com o correlacionismo é que todas os relatosas contas(accounts) de


realidade são necessariamente contas/relatos(accounts)relatos de como a realidade é
pensada ou conhecida. A realidade não pode ser conhecida ‘em si’, uma vez que
sempre é pensada ou apreendida pela consciência… “What you know is always what
YOU know.” (Malik)

5.4 . Atualmente há uma tendência filosófica, identificada sobre o termo guarda-chuva


“Realismo Especulativo” (há controvéersias sobre o termo -, ver Bressier in
Wwolfendale), em quonde seus autores, de maneiras diversas, reivindicam a posição
de que o real deve ser apreendido sem distorção antropocêntrica ou antropomórfica,
fora das condições da experiência subjetiva, somente pelo pensamento racional.
Superar o hábito de pensar sobre as coisas apenas em termos dos efeitos que elas
provocam em nós e pensar a realidade para além do nosso pensamento. Disso decorre
um cabal descentramento de quaisquer formas de antropocentrismo, abrindo um
campo para a forma como os objetos existem para eles próprios, e não apenas para
nós.

5.5 . Ao ter a experiência estética como condição, a arte atual é correlacionista. As


qualidades sensoriais sempre envolvem "uma relação, ao invés de uma propriedade
inerente à coisa" (Meillassoux in ?). A crítica ao correlacionismo não é a generalização
da experiência estética, mas, pelo contrário, uma demonstração de que pode haver um
conhecimento que nunca é ou foifoi(é) experienciadoexperimentado. Uma arte que
segue este imperativo teórico seria indiferente à experiência, uma arte que em nada se
relaciona com a dimensão estética. O objetivo é a destruição da experiência estética
como condição ou termo da arte. A condição e o horizonte de tal arte não é que ela
seja sentida, afirmando o espectador em suas sensibilidades e capacidade de
julgamento. Indiferente à experiência estética, é uma arte do conhecimento racional,
“(…) é conceitualmente e sistematicamente organizada, imaterialmente determinada,
subjetivamente indiferente, esteticamente redundante, racionalmente convincente. Não
precisa ser experimentada.” (Malik).

5.6 . De maneira pouco compreensível, ao tratar de gêneros (musicais), Ray Brassier


defende a ideia de que “arte sem experiência” depende de “um hiato no que é
reconhecível como experiência”, nos fazendo pensar que, para ele, se
experimentaencia algo apenas na condição de já conhecer, este algo -, por tanto,
reconhecendo-o. Segundo seu raciocínio, a experiência se daria apenas no momento
da recognição do que, de antemão, já é conhecido (determinado gênero socialmente
estabelecido), e a fuga da experiência se daria apenas na impossibilidade de
enquadrar determinado objeto em um gênero a priori.

5.7 . “Taste develops as a context of expectations based on experience of previously


surprised expectations. The Fuller the experience of this kind, the higher, the more truly
sophisticated the taste…. Surprise demands a context. According to the record, new
and surprising ways of satisfying in art have always been connected closely with
immediately previous ways, no matter how much in opposition to these ways they look
or actually have been.” (Greenberg, - “Counter-Avant-Garde” in De Duve)

5.8 . Para De Duve, o anúncio de Kosuth do “o fim da filosofia e o início da arte” é uma
pressuposição que possui dois significados em paralelo. Sendo a estética uma
disciplina filosófica, o “fim da filosofia” indica a separação absoluta entre arte e estética.
Arte, fora do domínio filosófico, se identifica exclusivamente com a teoria da arte,
enquanto a estética é relegada ao reino do gosto. Ao traçar um alinha, onde uma coisa
termina e outra se inicia, Kosuth demonstra sua crença irreparável em um
acontecimento histórico em absoluto responsável por tal divisão, o readymade
duchampiano que, segundo ele, teria “mudado a natureza da arte de uma questão de
morfologia para uma questão de função”. A função da arte, ou sua “razão de ser”,
nesses termos, diz respeito àa garantia de sua própria existência enquanto arte, sendo
bem sucedida, enquanto objeto funcional se sua lógica de funcionamento corresponde
ao movimento tautológico necessário para se afirmar que “...arte existe apenas para
seu próprio bem.”; “A única exigência da arte é com a arte. A arte é a definição da
arte.”, pois, ““Um trabalho de arte é uma tautologia na medida em que apresenta a
intenção do artista, isto é, ele está dizendo que aquele trabalho de arte em particular é
arte, o que significa uma definição de arte. Sendo assim, o fato de ser arte é uma
verdade a priori.” (Kosuth).

5.9 . “É necessário separar a estética da arte porque a estética lida com opiniões sobre
a percepção do mundo em geral. No passado, um dos dois destaques da função da
arte era seu valor como decoração. Assim, qualquer ramo da filosofia que lidasse com
a ‘beleza’, e, portanto, com o “gosto”, era inevitavelmente obrigados a discutir também
a arte. A partir desse ‘hábito’, surgiu a noção de que havia uma conexão conceitual
entre a arte e a estética, o que não é verdade.”. “Quando objetos são apresentados no
contexto da arte (e até recentemente os objetos eram sempre usados), eles são
passíveis de considerações estéticas assim como quaisquer objetos no mundo, e uma
consideração estética de um objeto existente no reino da arte significa que a existência
do objeto, ou o funcionamento em um contexto de arte, é irrelevante para o juízo
estético.” (Kosuth).

(“Um exemplo de objeto puramente estético é um objeto decorativo, uma vez que a
função primordial da decoração é ‘acrescentar algo de modo a tornar mais atrativo;
adornar; ornamentar’, e isso se relaciona diretamente com o gosto.” (Kosuth). Nessa
afirmação, Kosuth ignora, o que é fundamental para o funcionamento, e entendimento,
de Vontade de Nada ≠ Nada de Vontade:, as implicações sociais dos objetos que
excedem, mesmo que por vezes advnhamém, de sua condição estética formal como
decoração. Certamente, “a função primordial da decoração é ‘acrescentar algo de
modo a tornar mais atrativo’”, porém a atração não se restringe ao domínio estético
daquilo que é considerado adorno ou ornamento, a atração se constitui como caráter
social na representação, por exemplo, de uma classe social. Não possuir, e apresentar,
a decoração correta corresponde não apenas a não fornecer uma experiência estética
adequada aos visitantes, mas, em adição a isso, compromete a identificação do
anfitrião aà determinadoa grupo social. É possível dizer que demonstrações materiais
de bom gosto, requinte, intelectualidade, despojo, elegância, e limpeza…, podem
oferecer um reconhecimento social sem necessariamente ofertar uma experiência
estética.)

6.

6.1 . Kosuth, leitor de A.J. Ayer, que por sua vez leitor de Kant, acredita que trabalhos
de arte são proposições analíticas, pois “sua validade depende unicamente das
definições dos símbolos que ela contém”(Ayer in Kosuth), não fornecendo nenhuma
informação sobre algo que se encontra fora do objeto, ou da Arte. Para Kosuth, o
objeto artístico e a Arte, a idéiaideia de arte ou a arte enquanto instituição Arte, são
uma e a mesma coisa;, por tanto, “um trabalho de arte é uma tautologia, na medida em
que é uma apresentação da intenção do artista, ou seja, ele está dizendo que um
trabalho de arte em particular é arte, o que significa: é uma definição de arte.”(Kosuth)
Desse modo, a arte opera dentro de uma lógica, “a validade das proposições artísticas
não é dependente de qualquer pressuposição empírica, muito menos de qualquer
pressuposição estética (…).. Pois o artista, (…), se preocupa apenas com o modo 1)
como a arte é capaz de desenvolver-se conceitualmente, e 2) como as suas
proposições são capazes de seguir logicamente esse desenvolvimento. (…) Eelas não
descrevem o comportamento de objetos físicos, nem mesmo mentais; elas expressam
definição de arte, ou então as consequüências formais das definições de arte.”
(Kosuth),
(“(…) uma obra de arte é um tipo de proposição apresentada dentro do contexto de
arte, como um comentário sobre arte.” (Kosuth). A atitude circular da arte conceitual
articula mais que o objeto em si mesmo ou sua relação com uma entidade abstrata que
pode ser identificada como “universo artístico”. A arte conceitual, da forma como
proposta por Kosuth, engendra um certo número de aparatos sociais, ideológicos e
funcionais., Qquando Kosuth se refere a “contexto”, está claro que significa “Mundo da
Arte” (artworld, para - Danto) e sua teia institucional. Kosuth, ao negar a estética, e,
portanto, a filosofia, defende, tautologicamente, a teoria da arte: -a Arte deve dar conta
da arte. Essa circularidade teórica se torna, também, circularidade institucional. A arte
conceitual, portanto, necessita da instituição Arte, pois sua existência está
condicionada à sua participação nas transações do Mundo da Arte, que se afirma
institucionalmente ao fornecer um abrigo, nominal e afirmativo, às práticas conceituais.
Sendo assim, De Duve parece correto ao afirmar que “(…) grande parte da arte
conceitual - Kosuth em primeiro lugar - nunca conseguiu escapar das armadilhas da
política mesquinha do Mundo da Arte projetada para si mesma.” (De Duve)).

6.2 . Ao contrário do que acredita Malik, Kosuth e outros, não parece possível criar uma
obra de arte que vá contra a noção de experiência. Henrique Iwao parece mais
consciente das possibilidades limitadas do campo artístico quando propõe obras cuja a
experiência consistiria na apreensão da tentativa de anular a experiência. A respeito
disso, ele diz:, “Wittgenstein fala sobre a morte: ela não seria experienciada porque
não vivida (‘a morte não é um evento da vida’). Mas existiria a possibilidade de
simbolizar a morte, e de experienciar seu conceito, pensar sua possibilidade .”; “A arte,
tal como a filosofia no caso da morte, absorve a não-experiência, porque esta,
enquanto diferença, provoca o pensamento, nos faz pensar. E no pensar, sentir.”. Por
acreditar “não ser possível de fato eliminar a experiência”, Iwao se propõe o “exercício
de habitar as bordas da arte e da experiência”, realizando obras que, ora pela
esvaziamento e unidades temporais mínimas, ora pela saturação do material sensível,
procuram criar dificuldades para a experiência, ou mesmo produzir uma experiência
que proporcione as condições para que se pense sobre a experiência. Silêncio digital
(Éter), faixas de áudio com durações de milisegundos (§6.4311 e Éter 2) ,
sobreposições de centenas de músicas (Not As Offcial an Artist As Cildo Meireles),
etc. Talvez haja dois movimentos: eExperienciar o conceito enquanto conceito na
condição deste “nos fazer pensar, e no pensar, sentir”. (eEste seria a experiência da
impossibilidade da experiência);. eE, o segundo, simbolizar o conceito em termos
experienciáveis, fazendo da não-experiência um fenômeno.

6.3 . Se a arte é correlacionista, é porque existe em correlação ao humano. Essa


correlação determina que, se a arte é endereçada aà nós, nós seriamos os
responsáveis pelo seu significado. Se há um esforço por liberar o pensamento das
limitações da fenomenologia humana, esse esforço não deve ser entendido como um
aniquilamento da experiência, mas como um movimento por pensar os efeitos da
experiência. Se para a arte não é possível superar completamente o fenômeno, se
faz-se necessário considerar a diferença entre experiência e as condições para a
experiência, para pensar como a arte seria capaz de fornecer um fenômeno de forma a
atingir as condições de possibilidade do mesmo;, uma experiência que confronta as
condições da experiência, assim, questionando os alicerces da própria experiência.

6.4 . Sobre seu quadro, Quadrado Negro Sobre Fundo Branco, Malevitch afirmou:
“não foi um simples quadro vazio que eu expus, mas sim a experiência da ausência do
objeto.”. “O quadrado é pintura, ele está ali, como diz Malevitch, para confrontar a
‘experiência da ausência’. Ele não é, portanto, um símbolo, ele não é exatamente uma
imagem, ele é uma ausência: raela, opaca, espessa, ‘palpável’. Malevitch dá forma a
ausência. A ausência do objeto como tal. A ausência pintada.” (WajcmanAJCMAN in
Andrade).

6.4 . “O silêncio não existe, porém, num sentido literal, como a experiência de um
público. Isso significaria que o espectador não tinha ciência de nenhum estímulo ou
que era incapaz de elaborar uma resposta. Mas tal não pode acontecer; tampouco
pode ser induzido programaticamente. A não-ciência de nenhum estímulo e a
incapacidade para elaborar uma resposta somente podem resultar de uma presença
deficiente da parte do espectador, ou de uma má compreensão de suas próprias
reações (induzidas em erro por idéiaideias restritivas sobre qual deveria ser uma
resposta “relevante”). Sendo o público, por definição, constituído por seres sensíveis
um uma dada “situação”, é-lhe impossível não ter resposta alguma.” (Ssontag).

6.5 . Por outro lado, ao contrário de uma proposição analítica, uma proposição é
“sintética quando a sua validade é determinada pelos fatos da experiência.” (Ayer in
Kosuth). “O estado sintético (…) não leva a um movimento circular de volta a um
diálogo com a estrutura mais ampla de questões acerca da natureza da arte, mas lança
para fora da ‘órbita’ da arte, para o ‘espaço infinito’ da condição humana” (Kkosuth). É
necessário abandonar a estrutura de aspecto tautológico da arte e considerar
informações “de fora”;, a proposição (obra de arte) necessita ser verificada pelo mundo
fora da Arte, o qual atestará ou não sua validade -ou não, esta não sendo puramente
formal, mas contingente, e portanto, dependente das considerações de contextos que
extrapolam o Mundo da Arte.

6.6 . “The fact that its conceptual content cannot be linguistically recoded in any kind of
digestible propositional form doesn’t mean that it doesn’t have conceptual meaning. (…)
. If concepts are understood in terms of their functional role, then perhaps what
distinguishes the thinking peculiar to art consists in constructing non propositional
functions by making materials - linguistic, sonic, plastic, etc. - do things we don’t expect
in ways we couldn’t have anticipated. Art is the construction of function, as opposed to
then relaying of reestablished function. (…) . By obliging you to conceptualize its non
propositional content, art may make you think about status of sensation, about what
hearing is or what seeing is, and ultimately, that feeling is… . Its seems to me that
modernism in art is the idea that by challenging clichéd ways of perceiving, you can
encourage people to think about the way they see things, rather than continue to see
the world as it is generally accepted to be. This is to begin to understand things
differently, but also to expose the various invisible mechanisms that condition habitual
perception. (…) it can challenge our beliefs about ourselves and our world in a way that
invites us to remake both without having to enunciate this as a propositional injuction”.
(Brassier).

6.7 . Há algum tempo, notei algo recorrente em concertos de música experimental e


apresentações noise (“música de ruído”): o público não envolvido diretamente com a
feitura/manipulação de som costuma abordar os fazedores de som para relatar sua
experiência diante da apresentação que acabara de ocorrer, trazendo um sem número
de sensações, impressões sensoriais como “me senti em um nevoeiro”, “parecia que
estava me afogando naquele som”, “aquele som agudo fez com que eu sentisse
ansiedade, seguido de um pouco de raiva”, “me lembrei disso e daquilo outro…”, “senti
no estômago!”;. aAo passo que outros fazedores de som se preocupam em abordar
questões físicas (da materialidade do som) ou técnicas como “puta sonzera!”, “bem
elabora, a composição”, “és um baita improvisador”, “não estava alto o suficiente, mas
a duração me pareceu ótima”, “a reverberação da sala foi fundamental”, e por aí vai...

6.9 . O quase vazio, como uma proposição artística, não tem em vista a realização do
vazio, pois admite sua incapacidade de alcançá-lo, tanto quanto sua impossibilidade de
efetuação do puro conceito. O quase vazio é a experiência do conceito não realizado,
ou a não-experiência da possibilidade de existir o vazio. Quase vazio é uma condição
incomensurável e inatestável. Se “vazio” é uma abstração não possível de ser
realizada, como comprovar sua proximidade ou medir seu grau? Se há um fosso entre
conceito e sensação, o quase vazio não pretende aterrá-lo, tão pouco construir uma
ponte que anulasse a separação. Planar por sobre o fosso sem a menor intenção de
aterrissagem é seu único compromisso.
TERCEIRA PARTE
Registrando os painéis “vazios”
A terceira e última parte do texto, contéêm o relato da atividade de catalogar e registrar
os painéis sem anúncios publicitários do Metrô de São Paulo e observações que pude
fazerconstatar durante essa tarefa.

Obra: A - Declaração de Apropriação (Metrô de São Paulo).


I.

A . Durante a última semana de vigência da Declaração de Apropriação, onde


determinei, por escrito, que “todos os painés e back lights de anúûncio vazios do
Metrô de São Paulo” seriam obras de arte de minha autoria durante o período
compreendido entre 1º de Março e 30 de jJunho de 2017, realizei a catalogação e
registro fotográfico dessas estruturas “vazias”. Para a catalogação, segui a instrução
previamente determinado na declaração, na qualonde era indicado que o título do
painel enquanto obra de arte seria um código alfanumérico referente àa sua posição no
mapa metroviário de São Paulo:

“A cada um será atribuído o título de Sem Título, seguido de código alfanumérico


referente aà: a) localização no mapa metroviário: sendo AZ - Linha Azul, VD - Linha
Verde, VM - Linha Vermelha, L - Linha Lilás, P - Linha Prata e AM - Linha Amarela; b)
posição numérica da estação na Linha, contando do Norte para o Sul e do Leste para o
Oeste; c) localização na estação: sendo 1 - espaço anterior às catracas (entradas e
bilheterias), 2 - salões posteriores às catracas, 3 - escadas de acesso às plataformas, 4
- plataformas e; d) posição numérica do painel ou back light em relação à entrada
principal da estação; ex: Sem Título VD 9 2 7 (para as estações de transferência entre
linhas deve-se considerar ambas as linhas e ambas as posições da estação nas
diferentes linhas, ordenando-as no título na ordem em que foram inauguradas - , ex:
Sem Título AZ 11 VM 6 4 5. Os painéis de anúncio localizados dentro dos trens
ganharão a mesma identificação alfanumérica de registro do trem onde se encontram,
seguido do número do vagão e acrescido da posição ocupada no vagão em relação à
direção em que o trem se movimenta -, ex: Sem Título J40 5 1. A cada painel e back
light vazio que for ocupado ou a cada ocupado que se tornar vazio e, para os painéis
no interior dos trens, quando o trem alterar sua direção, os últimos valores deverão ser
atualizados.”

Os títulos das 594 obras produzidas durante esse período foram:

(ainda é necessário organizar e digitalizar a catalogação)


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De 23 à 30 de jJunho, passei a maior parte dos dias debaixo da terra (exceto pelas
estações localizadas no mesmo nível ou acima do nível da ruas e as saídas para
refeições), munido de caderno, caneta e câmera fotográfica. A tarefa era simples,
porém árdua;, a extensão total do Metrô de São Paulo, na época, com suas 66
estações agrupadas em 6 diferentes linhas e, com em média, 115 trens circulando ao
mesmo tempo, exigia tempo e energia. Uma média de 6 horas diárias foram
empregadas em tal tarefa, totalizando algo em torno de 42 horas no interior do sistema
metroviário de São Paulo.

Linha Azul: Tucuruvi, Parada Inglesa, Jardim São Paulo - Ayrton Senna, Santana,
Carandiru, Portuguesa - Tietê, Armênia, Tiradentes, Luz, São Bento, Sé, Liberdade,
São Joaquim, Vergueiro, Paraíso, Ana Rosa, Vila Mariana, Santa Cruz, Praça da
Árvore, Saúde, São Judas, Conceição e Jabaquara.

Linha Verde: Vila Madalena, Sumaré, Clínicas, Consolação, Trianon - Masp, Brigadeiro,
Paraíso, Ana Rosa, Chácara Klabin, Santos - Imigrantes, Alto Ipiranga, Sacomã,
Tamanduateí e Vila Prudente.

Linha Vermelha: Palmeiras - Barra Funda, Marechal Deodoro, Santa Cecília,


República, Anhangabaú, Sé, Pedro II, Brás, Bresser - Mooca, Belém, Tatuapé, Carrão,
Penha, Vila Matilde, Guilhermina - Esperança, Patriarca, Artur Alvim e Corinthians -
Itaquera.

Linha Amarela: Butantã, Pinheiros, Faria Lima, Fradique Coutinho, Consolação,


Paulista, República e Luz.
Linha Lilás: Capão Redondo, Campo Limpo, Vila das Belezas, Giovanni Gronchi, Santo
Amaro, Largo Treze e Adolfo Pinheiro.

Linha Prata: Vila Prudente e Oratório.

O método utilizado foi percorrer as linhas de uma ponta a outra, desembarcando


em cada estação e iniciando a catalogação e registro fotográfico da entrada da estação
em direção à sua plataforma de embarque, nesta ordem: entradas, saguão das
bilheterias, salões posteriores às catracas, escadas de acesso às plataformas de
embarque e salões intermediários e, por último, plataformas de embarque. Em cada um
desses espaços a ordem dos painéis era determinada pela sua proximidade a entrada
principal da estação.

Para os painéis no interior dos trens foi determinado que a catalogação deveria
ter início no primeiro vagão de cada trem, e depois percorrer os demais em direção ao
último. Apesar dos títulos se referirem aos códigos de identificação dos vagões, e este
código ordenar os trens, a escolha foi por iniciar sempre pelo primeiro vagão levando
em consideração a direção do movimento de trem, pois os painéis deveriam respeitar
esta ordem determinada pela direção. Nos trens das linhas Amarela e Prata foi possível
percorrer os vagões sem a necessidade de desembarcar, pois há passagens entre os
vagões no interior dos trens. Nas Linhas Azul, Verde, Vermelha e Lilás foi necessário
desembarcar e utilizar a plataforma de embarque para a transferência entre vagões.
Com a intenção de agilizar o processo, havia uma determinação de ordem prática de
que o tempo gasto em cada vagão deveria ser o mesmo que o tempo de deslocamento
entre uma estação e outra, me permitindo trocar de vagão em cada estação.

II.
A . Não era necessário que as fotografias correspondessem a exigências por
qualidade, não havia interesse em produzir boas imagens. Do mesmo modo em que o
título de cada painélpainel, enquanto obra, ocupa uma função catalogatória, as
fotografias, a princípio, objetivaram trabalhar como um complemento imagético para a
catalogação, ocupando, talvez, um lugar de comprovação, atestação da existência
daquilo que o código alfanumérico afirmava catalogar. Porém, podemos dizer, “nem
tanto”.

Com a intenção de produzir uma publicação contendo a totalidade desses registros,


uma escolha foi feita: deveria primar pela apresentação do espaço vazio no interior de
cada painel, e não pelo registro da estrutura do painel, e deveria, o tanto quanto
possível, eliminar qualquer informação que fornecesse pistas sobre sua localização. O
interesse dessas determinações era o de produzir um catálogo de coisas quase iguais,
aparentemente iguais, ou mesmo iguais, ordenadas não pela sua ordem no mapa
metroviário, como são os títulos, mas por aproximações formais. A generalização do
conteúdo das fotografias é o que diferenciaria esse conjunto de imagens do conjunto
de títulos alfanuméricos previstos na declaração inicial. Se havia uma vontade depor
fotografar, mas as fotografias não estavam previamente autorizadas pela declaração
inicial, era necessário que estas constituíissem algo para além da Declaração de
Apropriação, talvez uma proposição em paralelo.

Mesmo com a já consolidada difusão da fotografia pelo celular, tornando o ato


fotográfico algo diário e corriqueiro, é bastante comum a curiosidade pelo o que está
sendo fotografado, levando os passantes, aqueles que não estão na condição de
fotógrafo, a averiguarem o que está sendo fotografado, para onde a câmera está
apontada. Apesar da trivialidade atual do ato de fotografar, se pressupõe-se que o
determinante de que algo deva ser fotografado é a existência de algum interesse por
parte do fotógrafo., Oo objeto precisa ser interessante para merecer ser fotografado.
Qualquer um pode entender com certa facilidade por que um encontro familiar, um
cachorro fofinho, alguém de aparência bizarra, paisagens lindas, um amigo que há
muito não se via, baleias encalhadas, flores bonitas, uma criança de dois2 anos
tocando uma guitarra de brinquedo que não emite som e obras de arte merecem ser
fotografadas. Aqueles que estão ao redor podem conferir e atestar para si mesmos a
importância do objeto e, dependendo do grau de gentileza, evitar obstruir a visão da
objetiva e ceder espaço para que a fotografia seja realizada com sucesso. Mas , o que
acontece quando o referente, o objeto a ser fotografado, não corresponde à expectativa
por importância socialmente convencionada? Quando, no lugar de um gato fazendo
travessuras ou de uma pessoa famosa, há um paineél de anúncio em branco ou vazio,
ocorre confusão.

III.

A . Mais uma vez, como no primeiro evento de open studio, observar a reação dos
presentes não era o objetivo, porém, as circunstâncias novamente iluminaram tal
aspecto. Como dito, apontar uma objetiva em direção a algo, é afirmar que esse algo é
interessante;, apontar uma objetiva em um lugar repleto da mais variada sorte de
pessoas, é chamar a atenção para algo que se afirma ser interessante. Se isso é
verdade ao utilizar um telefone celular, essa verdade é potencializada na presença de
uma câmera fotográfica. A praticidade multimíédia de um smartphone tornou a
presença de um aparato especializado, a câmera fotográfica, um indicativo de que o
referente é de ainda maior importância.

Evidentemente, nem todos olhavam, mas dentre os que sentiram a necessidade de


averiguar o que estava sendo fotografado, houveram algumas reações frequentes:
dDesviar o olhar rapidamente e, ao descobrir o que estava sendo fotografado, retornar
ao ponto inicial, sem maiores demonstração de importância (presumo que essa seja a
reação mais comum para a maior parte dos passantes ao se deparar com objetos mais
ordinários). Os que se demoravam um pouco mais, me olhavam com uma expressão
de dúvida:, “Por quêe?” (é possível que alguns tenham pensado “deve ser arte”). Por
vezes, se fez-se necessário pedir licença: “com licença, eu preciso fotografar essa
paineél atrás de você., Oobrigado”. No geral, todos foram solícitos, e, apesar das
expressões de dúvida e desconfiança, as convenções de educação e sociabilidade
foram de grande ajuda. Ao que parece (minha má audição me impede de ter certeza),
não houve nenhuma comunicação verbal, reclamação ou falta de bons modos por parte
dos passantes.

Sé é verdade que a ação de fotografar os painéis “vazios” chamou a atenção dos


usuários do Metrô de São Paulo para a presença desses painéis, também o é o fato de
que a própria declaração, para aqueles que a haviam lido, já havia, através de seu
texto, jogado luz sobre esses mesmos painéis para aqueles que a haviam lido. A
atenção que a leitura da declaração atribui aos painéis não necessitava da presença ou
a visão de nenhum painélpainel;, apenas era necessário já ter visto algum desses
painéis desprovidos de material publicitário para que se pudesse entender
conceitualmente a que objeto o texto se referia e, talvez, visualizá-lo pela memória,
tendo em vista não um painel especíifico, mas um painel que fosse o correlato da
idéiaideia geral de “painel de anúûncio vazio do metrô”. Se o entendimento da
proposição contida na Declaração de Apropriação não exigia a experiência de ver tais
painéis (apesar de ser imperativo já ter visto algum), a experiência de vê-los, após a
leitura da declaração, também está no escopo da proposição. Se é na leitura da
declaração em queonde, aos olhos do público, os painéis se tornam obras de arte, é
somente na experiência individual e cumulativa da visualização dos painéis onde é
possível experimentar a relação entre os painéis esvaziados e o cotidiano do espaço
onde estão inseridos e de que maneira o próprio conceito responsável por formular a
declaração se transforma na contingência dessa relação, espacial e social.
IV.

A . Mesmo já tendo observado durante minhas viagens diárias, foi somente ao


percorrer maiores extensões do mapa metroviário que pude atestar com maior
convicção a condição de “não-vazio” destes painéis. Se a condição para que se
tornassem obras de arte era a ausência de material publicitário, o mesmo não significa
ausência de informação visual. Nesse sentido, podemos dividir os painéis “vazios” em
quatro4 categorias:

1). Os menos comuns nas estações, porém os mais comuns no interior dos trens, os
painéis vazios ideais, eram aqueles que, na ausência de material publicitário,
apresentavam uma superfície branca, geralmente um pouco suja. Nos painéis das
estações, os anúncios são colados diretamente nesta placa branca;, nos painéis no
interior dos trens, há um película transparente que funciona como envelope para os
anúûncios (por vezes em painéis sem anúncios, falta esta película tranparente). Os
poucos backlights sem material publicitário também apresentavam uma superfície
branca, com as luzes ligadas ou desligadas e, como os painéis no interior dos trens, à
frente da placa branca apresentavam uma placa transparente, esendo o lugar do
material publicitário estava entre as duas placas. As superfícies brancas de ambos os
tipos de painéis não eram uniformes:, apresentavamndo sujeiras, manchas, a textura
do material, áreas mais iluminadas (para os back lights) e eram responsivas àa
iluminação do espaço, apresentando reflectâncias diversas.

2). Nas plataformas das estações da Linha Amarela, os anúûncios são afixados
diretamente em painéis sem borda que compõem uma estrutura extensa, que
ocupando toda a extensção das paredes e, sendo não é exclusiva para publicidade.
Esta ée dividida em áreas para comunicação institucional e anúûncios publicitários.
AEssa estrutura é branca, e, na ausência de material publicitário, encontra-se desta
cor.
3) . Haviam os painéis em que, na ausência de material publicitárioas e na ausência do
paineél branco, apresentavam a visão da parede ao fundo, onde estavam afixadas. Na
maioria dos casos, havia uma parede de concreto cinza para os painéis no interior das
estações e paredes ladrilhadas de diferentes cores para os que estavam localizados
nas entradas das estações da Linha Azul. Nas plataformas, haviam aqueles afixados
em cima de placas ou estruturas de diversas cores que lá estavam para adornar.

4) . Em diversas plataformas, haviam painéis duplos localizados entre os trilhos dos


trens que corriam em sentidos opostos. Sendo duplos, comportavam dois anúncios
diferentes, um em cada lado, cada um virado para uma plataforma. Na ausência de
material publicitário em ambos os lados, era possível ver através de sua estrutura.
Pareceu adequado considerar cada lado da estrutura como uma unidade de
painélpainel;, sendo assim, cada estrutura comportava dois painéis. A decisão se deu
pelo fato de, quando preenchidos por cartazes publicitário, há duas unidades de
cartazes, uma unidade para cada lado.

- Números

Painéis brancos em estações: 26

Painéis brancos no interior dos trens: 129

Backlights ligados: 3
Backlights desligados: 17

Painéis da Linha Amarela: 29


Painéis que apresentavam a parede cinza ao fundo: 154
Painéis que apresentavam parede ladrilhada ao fundo: 8
Painéis que apresentavam outra estrutura ao fundo: 52
Painéis onde era possível ver através: 116

Outros: 60

TOTAL: 594

V.

A . Foi possível notar, nas estações mais “modernizadas”, (Linha Amarela e Linha
Prata), a ausência de estruturas exclusivas para publicidade e a utilização da infra
estrutura geral para a difusão de material publicitário:, como paredes, portas, escadas e
o exterior dos trens. Já no interior dos trens, não foi visto nenhum anúncio estático,
contudo, havia televisores exibindo curiosidades, vídeos engraçados, horóscopo e
anúncios publicitários. Na falta de estruturas exclusivas para a publicidade, não é
possível a existência de painéis vazios e, por tanto, não é possível constatar a
ausência do material publicitário. É possível especular que, a abolição dessas
estruturas exclusivas objetiva o fim dos painéis vazios, sendo estses índices da
decadência de uma era publicitária que se definha e a passagem gradual, pela
ocupação de áreas comuns, para outro paradigma publicitário que, na contramão dos
intrusivos anúûncios televisivos, outdoors e demais espaços exclusivos, tenciona o
espaço da vida cotidiana como campo para uma publicidade difusa e integrada às
atividades das mais corriqueiras.
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