Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RIO DE JANEIRO – RJ
2018
GUSTAVO PINHEIRO MARTINEZ TORRES
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO QUASE VAZIO SEGUNDO
EXPERIÊNCIAS RECENTES (OU GIRANDO AO REDOR DO VAZIO SEM NELE
TOCAR)
Aprovada em ____/____/____
_____________________________________________________________
Prof.ª Dra. Livia Flores Lopes – Orientadora
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Jean Pierre Cardoso Caron - Co-orientador
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Raclaw Basbaum
Universidade Federal Fluminense
_____________________________________________________________
Prof.ª Dra. Patrícia Leal Azevedo Correa
Universidade Federal do Rio de Janeiro
RIO DE JANEIRO – RJ
2018
AGRADECIMENTOS
Lívia Flores por me acompanhar nesse percurso com compreensão e paciência; J.-P.
Caron pela amizade, generosidade e parceria; Mayana Redin pelo companheirismo,
risadas e comidas; Vladimir Ribeiro pela interlocução de fora; Patricia Correa e Enrique
Iwao pela interlocução convergente; Lucas Sargentelli e Pedro Moraes pela
interlocução divergente; Luana Manhães pelo auxilio burocrático; Paulo Dantas e
Antonio Grosso pelo upgrade na audição; Gabriela Mureb por
rrrrrrrrrptzzzzzzzzzzmmmmmmm; Erick Araújo “por várias ‘paradas’”; Renata
Perissinotto por compartilhar descrença na academia; Lucas Bevilaqua pelos designs
necessários; Marcos Moraes por tornar possível a experiência que originou este texto;
Rafaela Foz, Pontogor, Camilla Martins, André Damião, Carla Boregas e Igor Souza
por tornarem a estada em São Paulo mais prazerosa; Cezar Bartholomeu, Patricia
Correa, Ricardo Basbaum e Fernando Cocchiarale pela disponibilidade e interesse em
me examinar e; aos meus pais por tornaram materialmente possível empregar tempo
em algo sem retorno financeiro suficiente.
RESUMO
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
Certos empreendimentos em arte encontram sua melhor apresentação na forma
do relato - como uma segunda chance de existência, que difere da primeira pela
possibilidade de pensar o que já foi feito e elaborar as consequências do que passou.
Na condição de artista, apresentarei um breve relato sobre a construção de uma
situação artística em que o esvaziamento da forma/conteúdo das obras fez da
experiência estética seu problema central. A pesquisa teórica que se desenvolve
entrelaçada aos relatos práticos não pretende fornecer uma explicação “do porquê”,
mas disponibilizar elementos que contribuam para o pensamento acerca das obras.
No primeiro semestre de 2017, fui um dos artistas a participar da Residência
Artística da Fundação Armando Alvares Penteado (ou FAAP), na cidade de São Paulo.
Tendo planejado, para esse período, a continuação de minhas pesquisas acerca do
esvaziamento sensível, do vazio e da negatividade, segui com minha produção nesta
direção. Como prática comum em residências artísticas, os artistas residentes
apresentam suas produções em eventos de open studio, em que o público é convidado
a visitar o espaço de trabalho de cada artista e em que este, o artista, também
encontra-se disponível. Foram dois desses eventos, e é deles que parte o texto.
A escolha da forma do texto pretendeu preservar certa coerência em relação ao
caráter “aberto” das obras sobre as quais nos debruçamos, orientando-nos sobre
formulações que devem ser conectadas por quem as lê. Como todo texto que pretende
pensar um objeto por diferentes vias, as ideias, originalmente dispersas em suas fontes
de origem, são reapresentadas em um estado estruturado, combinadas entre si em um
sistema. A ordenação dos elementos está para direcionar o pensamento em direção ao
que nos interessa, porém, dentro do que nos interessa, está a possibilidade de se
pensar para além e através do que está apresentado, para isso a estrutura de manteve
porosa e penetrável.
Como chave de leitura, é importante sabermos do que se trata as divisões no texto. As seções
identificadas por algarismos romanos apresentam o relato das obras e seus consequentes
acontecimentos, e estão, quando necessário, divididas em subseções identificadas pelas 4
primeiras letras do alfabeto latino, cada uma designando especificamente uma obra: A:
Declaração de Apropriação (Metrô de São Paulo); B: Cartaz Preto Caído; C: Vontade de Nada ≠
Nada de Vontade e; D: Sem Título (Amplificador Ligado Sem Sinal no Input). As seções
apresentadas por numerais indo-arábicos se referem à pesquisa teórica. Eventualmente, em meio
aos aforemos numerados, há aforismos entre parênteses, estes sano comentários que por vezes se
descarrilham no trilho do texto. Apesar do formato fragmentado, algo como aforismos, o texto
segue uma ordenação lógica -temporal, para o relato, e de raciocínio, para a pesquisa- e deve ser
lido na ordem em que é aqui apresentado. A primeira e segunda partes se referem,
respectivamente, ao primeiro e segundo eventos de open studio, enquanto que na terceira parte é
apresentada uma ação sistemática de registrar e catalogar as estruturas publicitárias “quase-
vazias” do Metrô de São Paulo. Entre a primeira e a segunda partes há um interlúdio que
pretende apresentar uma certa tradição, difusa e periférica, de obras que se conectam pela
idéiaideia de vazio e silêncio.
PRIMEIRA PARTE
primeiro evento de open studio
A parte inicial do texto pretende apontar, (des)ordenadamente, algumas
questões a respeito de quatro obras produzidas durante fevereiro, março e primeira
semana de abril de 2017, período correspondente à primeira metade de minha
participação na Residência Artística da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP),
concluída ao final de Junho de 2017.
As obras em questão foram pensadas e/ou executadas sob influência de minha
já iniciada pesquisa de mestrado, cujo interesse central, na época, era pensar o lugar
do que entendo por negatividade na arte e as operações que a têm como ponto de
partida.
Obras: A - Declaração de Apropriação (Metrô de São Paulo); B - Sem Título
(Cartaz Preto Caído); C - Vontade de Nada ≠ Nada de Vontade; D - Sem Título
(Amplificador Ligado Sem Sinal no Input).
I.
A) Declaração de Apropriação (Metrô São Paulo). Como seu título indica, é uma
declaração por escrito, um texto que anuncia a apropriação de painéis de
anúncios e backlights vazios das estações e trens do Metrô de São Paulo,
estipulando que, por determinado período de tempo (de 1º de março a 30 de
junho de 2017), tais estruturas devem ser consideradas como obras de arte de
minha autoria. Além disso, informo o procedimento a ser utilizado para intitular a
cada uma dessas estruturas enquanto obras de arte e que, se seguido, gerará
títulos com códigos alfanuméricos indicativos do local onde cada estrutura se
encontra.
B) Sem Título (Cartaz Preto Caído). Um cartaz com a frente preta e o verso branco
é colado na parede apenas pela sua extremidade inferior, fazendo com que a
parte superior caia e revele o verso branco, ou em branco - mesma cor da
parede. Desta maneira, o cartaz permanece visível, porém com sua frente - o
lado que contêm a informação impressa – oculta; e, ao mesmo tempo em que
está caído, continua pendurado. Além disso, o cartaz é afixado em uma altura
convencional, na altura do olhar de um humano de estatura média - uma
determinação expográfica. Esta altura é determinada pela posição virtual do
cartaz não caído: quando o mesmo cai, ocupa uma posição inferior àquela
convencional. Contudo, a iluminação do cartaz se mantém fiel à sua posição
virtual quando não caído, afirmando as mesmas convenções expográficas.
C) Vontade de Nada ≠ Nada de Vontade. Diferente das demais obras, que podem ser
consideradas objetos, trata-se de uma instalação composta por um sofá, uma
mesa de centro, um cartaz branco colado na parede atrás do sofá e um livro
grande de páginas em branco sobre a mesa de centro.
II.
B) Há uma imagem que guardo há alguns anos: quatro negativos de 120mm que,
organizados, formam quatro quadrantes. Neles, temos, em uma paisagem
desértica: 1) a visão lateral de um guindaste, formando uma linha diagonal; 2) a
visão frontal do mesmo guindaste formando uma linha quase horizontal; 3) um
homem de pé; e 4) apenas a mesma paisagem, sem nenhuma figura. Ao
finalmente imprimi-la (mesmo que a título de teste, em uma impressão não
apropriada para os detalhes da imagem) e fixá-la na parede, a imagem se tornou
desinteressante. Pretendendo dar outras chances a mim mesmo e à imagem,
deixei que ela permanecesse afixada à parede por algumas semanas. A pouca
quantidade de fita adesiva utilizada fez com que a parte superior do cartaz se
desgrudasse da parede, caindo sobre sua parte inferior, e permanecendo
pendurado, e ao mesmo tempo, caído. Finalmente, a impressão se tornou
interessante, e aí estava se formando Sem Título (Cartaz Preto Caído).
Posteriormente, o cartaz foi trocado por outro, contendo um lado impresso
totalmente preto e o verso em branco.
C) Pouco mais de 12h antes do evento de open studio em que Vontade de Nada ≠
Nada de Vontade foi apresentada, decidi que um cartaz totalmente em branco que
havia sobrado de outra obra ficaria bom afixado na parede atrás do sofá, e que
comporia bem com o livro totalmente em branco já presente na mesa de centro
em frente ao mesmo sofá. Estes objetos em branco ou com seu conteúdo
esvaziado ocupam espaços que, por excelência, pertencem a obras-adorno,
uma convenção da ordem da decoração: a obra de arte enfeite pendurada na
parede atrás do sofá, e o livro sobre um grande artista sobre a mesa de centro,
elementos essenciais para uma sala de estar respeitável.
D). No dia do evento supracitado, resolvi deixar ligado meu amplificador de guitarra
sem que nada estivesse conectado à sua entrada. Esta também é uma vontade antiga:
ligar vários amplificadores no volume máximo, sem nenhum emissor de sinal sonoro
conectado às suas entradas. Na ocasião, em que o espaço se apresentava como um
misto de apartamento e galeria, apenas um amplificador me pareceu suficientemente
convincente, pareceu funcionar no contexto das demais obras e do espaço onde as
mesmas se inseriam. Aí estava Sem Título (Amplificador Ligado Sem Sinal no Input).
III.
B/C). Uma listagem das reações mais comuns ocorridas durante o evento de
open studio: atravessar a porta de entrada apenas com a cabeça, olhar rapidamente,
movendo o pescoço para ter uma visão panorâmica, retornar com a cabeça para fora
do estúudio e seguir a vida; entrar, percorrer o estúdio como se estivesse vazio; entrar
e olhar rapidamente para Sem Título (Cartaz Preto Caído) e Vontade de Nada ≠ Nada de
vontade, e então se dirigir à mesa onde havia dois computadores; “quais são suas obras?”; “o
que você faz?”; “você está aqui há pouco tempo, né?”. As respostas variavam, mas
havia a decisão de não me referir diretamente às obras ali expostas, exceto na ocasião
de uma conversa teórica/conceitual em que fosse importante apontá-las.
1.
1.2 . O artista, assim como qualquer outro indivíduo, possui o domínio de suas
expressões tal como elas são e tal como se apresentam. O que é expresso pelo artista
reside completo em sua integridade, pois, a respeito da expressão individual desse que
primeiro produz a obra, não há nada que falte:, pois já está lá está tudo o que poderia
estar. Não há nada lá por acaso ou que careça de intencionalidade, pois aquele que se
expressa, expressa sua expressão total possível correspondente às circunstâncias
colocadas. Talvez não haja expressão não intencional.
1.6 . Na esteira de Duchamp, com a importante mediação de John Cage, há toda uma
tradição engajada na eliminação da expressão artística do indivíduo artista,
promovendo uma mudança do locus: da produção para a recepção;, uma mudança do
expressar para o olhar (ou, mais precisamente, do expressar para o contato).
1.7 . Cage se utiliza de um trocadilho para se referir ao lugar ocupado pelo público:
“response ability”, que se refere tanto àa “responsabilidade” do público implicado na
tarefa de significar a obra, quanto a uma “habilidade de resposta” no momento em que
ambos estes entram em contato.
1.8 . Robert Morris, para definir o que é arte de acordo com o entendimento da arte
como recepção, dirá que arte é ”uma situação em que alguém assume que a sua
reação às às suas percepções é arte.”
1.9. .
2.
2.2 . Blank Form - forma vazia, branca, neutra, inexpressiva, não preenchida ou sem
interesse - é, segundo a perspectiva de Morris, a obra de arte em que onde temos
quase nada a olhar (ou quase nada a ouvir). “Reduzir o estímulo para próximo a nada e
trazer o foco para o indivíduo é como dizer ‘o que quer que você tenha vivido no
passado, de todo o modo o traz consigo, então agora trabalhe realmente nisso’”.
(Morris). Ao oferecer quase nada, a Blank Form acentua a sua dependência de uma
situação e de uma reação. A obra torna-se contingente ao que está em seu entorno,
temporal e espacial, ao passo em que oferece uma condição privilegiada para que o
público confronte-se com a sua “habilidade de resposta”.
2.3 . “...o impulso virtual de quase toda a vanguarda ou utopia moderna tem sido o fato
de que a prática dos artistas profissionais servia para liberar o potencial de realização
artística presente em cada indivíduo, compartilhado pela raça humana, potencial cuja a
base era estética, mas cujo o objetivo era político. … valores passados tiveram que ser
abandonados ou destruídos, e a arte teve que ser reconsiderada sob o ponto de vista
de alguma faculdade presente em todos os homens e mulheres, ainda que
independente de herança cultural ou privilégios sociais.” (De Duve)
2.5 . Acontece que, o “fato” de que “todo homem é artista” não poderia ser uma
consequência do readymade ou algo que o mesmo deveria buscar alcançar.
Acreditando nessa noção, esse “fato” era sua condição de existência. Não era
necessário afirmá-la:, a mesma operação que tornava um readymade arte, revelaria a
condição de artista daquele que o via. “Duchamp, ao contrário, nunca foi um utópico.
Nada poderia estar mais afastado de seu modo de pensar do que a crença na
criatividade universal. Seu tipo particular de arte, o readymade, não surgiu nem da
crença, nem da esperança de que todos podem ou deveriam poder ser artistas. Em vez
disso, reconheceu - e bem razoavelmente - o ‘fato’ de que todos já tinham se tornado
artistas. Diante de um readymade, não existe mais qualquer diferença técnica entre
fazer e apreciar arte. Uma vez apagada essa diferença, o artista abriu mão de qualquer
privilégio técnico em relação ao leigo. A profissão de artista foi esvaziada do todo seu
métier, e, se o acesso aà ela não é limitado por alguma barreira -seja institucional,
social ou financeira -, deduz-se que qualquer um pode ser artista se assim desejar.”
(De Duve).
2.6 . Como determinou Kant, gosto é a faculdade do juízo estético e gênio é a
faculdade das ideéias estéticas. Para julgar objetos, considerando-os belos, ou não,
enquanto tais, é preciso requer-se gosto; mas a produção desses objetos demanda
gênio. Dessa maneira, para apreciar obras de arte é necessário a presença de juízo
estético, ou gosto, enquanto que para ser artista é preciso possuir gênio. O readymade
condensa a ação de julgar e produzir arte em um mesmo e único ato, fazendo com que
gosto e gênio se fundam em uma mesma e única faculdade.
2.7 . Clement Greenberg, uma das peças mais influentes da pintura moderna e grande
defensor do juízo estético, teve de reconhecer, apesar de sua resistência, o estatuto de
arte desse tipo de obra que, se utilizando-se de objetos ordinários, cortou seus laços
com a tradição e o fazer específico da pintura ou escultura, denominando-a de “arte
genérica”. “Se qualquer coisa e todas as coisas podem ser intuídas esteticamente,
então qualquer coisa e todas as coisas podem ser intuídas e experimentadas
esteticamente…. Se assim é, parece então que chegamos a algo tal como arte em
geral: arte que é ou pode ser realizada em qualquer lugar e por qualquer um”
(Greenberg in De Duve)
2.8 . Para Benedetto Croce, gênio e gosto são substancialmente idênticos:, “…a
atividade de julgamento que critica e reconhece o belo é idêntica àquilo que o produz.
A única diferença repousa na diversidade das circunstâncias,…”(Croce in De Duve). A
confusão iniciada pelos readymades reside, justamente, na questão das
“circunstâncias”, que perdem seu plural: não há circunstâncias diferentes e apartadas
para gosto e gênio;, o objeto se apresenta inteiro, íntegro, em uma única circunstância,
irremediavelmente no presente.
2.9 . O mesmo pode ser dito da Blank Form de Morris, do silêncio de Cage e demais
experiências do vazio ou da abertura:, de que condensam gosto e gênio. Mas para
continuar, seria necessário acreditar nas formulações kKantianas e, principalmente,
desconsiderar que tais proposições artísticas se realizaram, e foram reconhecidas
como arte, pelo seu desenvolvimento em um campo conceitual, e não por qualidades
estéticas. Obras desse tipo, conceituais a grosso modo, contrariam a noção Kkantiana
de que arte, em suas delimitações estéticas, sua produção e apreciação, são intuições
puras, indemonstráveis e inapresentáveis sob o domínio da razão, e de que não há
como arte se transformar em conhecimento. Mas, de certo, concordando ou não com
Beuys, o esvaziamento da obra é um gatilho para a criatividade.
3.
3.1 . Quase nada a olhar ou quase nada a ouvir. A decepção de não encontrar o que se
esperava inverte o jogo da arte. A recepção de quase nada é mais trabalhosa e
acontece às custas do público. Porém, é a reflexividade própria desse tipo de
experiência que o incentiva a tal empenho. Para além de uma reflexividade, podemos
pensar num movimento que teria o formato de um cone. A obra de arte quase-nada,
localizada na extremidade mais estreita do cone, estaria diante de um movimento de
expansão, seria um germe que contêm potências a vir a ato, ou não.
3.2 . “Do ponto de vista subjetivo, não existe algo como o nada - Blank Form mostra
isso, tanto quanto o faria qualquer outra situação de privação” (Morris). Do ponto de
vista objetivo, o mesmo pode ser dito, pois, “Não existe coisa alguma como o silêncio.
Tire um som e haverá sempre outro - mais fraco, ou mais nuançado ou neutro, ou
simplesmente tão regular ao ponto de se fundir ao ambiente. Elimine esses sons mais
fracos e você abrirá caminho para outros: o ruído quase imperceptível de circuitos
elétricos; os zumbidos ambientes que habitam os cômodos antes mesmo de nós, a
respiração do espaço. Continue até o limite de escutar a si mesmo” (Dworkin).
3.3 . “But since everything’s changing, art’s now going in and it is of the utmost
importance not to make a thing but rather to make nothing. And how is this done? Done
by making something which then goes in and remind us of nothing. It is important that
this something be just something, finitely something; then very simply it goes in and
becomes infinitely nothing.” (cage) A “imagem do nada” não é o equivalente àà
representação do nada, tampouco é o nada em si. A “imagem do nada” é aquilo que
possibilita entrever o nada. No “quase vazio” encontramos a “imagem do nada”,
acompanhada da mais diversa sorte de ruídos e fragmentos do mundo.
3.4 . Em um processo reducionista no qual o objetivo é, cada vez mais, chegar próximo
ao nada, há uma limite lógico, porém inexato. Não sendo possível chegar ao nada, ao
se chegarchegando-se próximo ao nada, qual seria o passo seguinte? O “quase zero”
intencionado por Morris seria como que o último estágio possível para um artista que
busca o vazio. O passo seguinte seria chegar a zero, ou seja, ao nada. Não há “nada”
em Arte.
3.5 . “Não existe algo como um espaço vazio ou um tempo vazio. Sempre há algo para
se olhar, algo para se ouvir” (Cage). Em uma descrição da série de pinturas brancas de
Rauschenberg, Cage se refere a elas como “aeroportos para sombras e poeira”,
continuando até a conclusão de que ali, o que se apresentava àà sua experiência
eram, “não idéiaideias, mas fatos”. Visto da perspectiva certa, à distância correta,
qualquer superfície ostensivamente em branco é, de fato, inconsistente, variável,
flutuante e marcada. “O insight de Cage sobre as pinturas brancas deriva de sua
capacidade de ver através do conceito até sua forma material. (...) olhando com uma
atenção cuidadosa para a obra, ao invés de olhar através da obra, até sua mensagem
ostensiva, paradoxalmente permitiu a Cage capturar um melhor vislumbre das ideias
em jogo nas pinturas brancas. (…) o olhar paciente de Cage revelou que as superfícies
das pinturas de Rauschenberg não eram puramente ou meramente acromáticas, mas
sim maculada com pontos minúsculos.” (Dworkin).
3.8 . “The mediation of art by the artist is rejected in favor of direct experience. In the
silent piece [4’33”], Cage frees the traditional concertgoing audience from its own
captive silence, essentially encouraging noise in order to firmly reject the idea that any
form requires total reverence for the artist.”(Jenni Sorkin). Essa é uma crença
recorrente, a de que a indeterminação acabaria por vez com a mediação;, porém, ao
que me parece, toda prática artística destinada a um público se apresenta através de
uma mediação, em que alguém -(artista)- apresenta algo (-obra)- em determinado lugar
(-espaço expositivo)- e em determinada ocasião (-evento artístico)-. “Artista”, “obra”,
“espaço expositivo” e “evento artístico” são instâncias de mediação que se interpõem
entre o público e a arte em geral. Para que seja entendida como arte, qualquer obra ou
situação artística deve se inserir no, e por tanto ser mediada pelo, mundo da arte, de
acordo com suas configurações e exigências. 4’33” é um bom exemplo:, se na ocasião
da apresentação da peça se ouve-se ruídos, os ruídos são apreendidos como matéria
artística apenas na condição de estarem subordinados aà determinado evento ou
espaço artístico *(-o concerto e a sala de concerto)- e onde a própria audição de ruídos
já está prevista. Para ser percebida como obra e para gerar o efeito pretendido por
Cage,, 4’33” necessita de um contexto de fruição estética, caso contrário não haveria
porque prestar atenção a tais sons do cotidiano espontaneamente. O artista Steve
Roden nos fornece uma boa observação a respeito de um modo peculiar de
mediação da peça de Cage: “4’33” demands looking and, in fact, part of its
strenght as a performance comes from seeing the performer’s actions, which
shows the audience that the sound we are hearing were not generated by the
performer” (Ssteve Rroden)., dDe modo que, para considerar igualmente ruídos não
intencionais e sons intencionalmente produzidos por um artista, é necessário o
contexto artístico e toda sua parafernália.
3.9 . Henry Flynt identificou uma operação recorrente nas obras de Cage: “In Cage ́s
compositions of the fifties, the audience perceived an event from which neither the
composer ́s intentional procedures nor the performers ́ intentional process could be
inferred. “ “I find a principle running through these cases which I call constitutive
dissociation. Constitutive dissociation presupposes a genre with a standard protocol. In
the genre, situations are established by ordainments. (A reality exists because
somebody ́s rule.) Moreover, it is customary in the genre for situations to have certain
aims. A constitutively dissociated situation comes about because the instigator of the
situation alters the aims of the genre from the customary aims, without declaring so.
Since the traditional aims are foregone, the instigator can evade or replace standard
protocol with an inscrutable protocol (a contrived enigma).”(flynt in caron) “… Aa obra
de Cage, ao se constituir no interior de uma prática de música de concerto, estabelece
certas expectativas que informariam o processo de conformação morfológica de seus
resultados. Ao se colocar no interior de uma prática de música de concerto,”(caron) a
obra adquire para si os mesmos pressupostos, e portanto gera as mesmas
expectativas, que qualquer peça composta e apresentada nestas condições.
(O nada, o vazio, o silêncio, o grau zero, são conceitos ideais e ilusórios, são
experimentos, provocativos e inverificáveis. São noções limite, elementos de uma
discurso artísticoa inexequível. São experiências que determinam, e confirmam, sua
própria impossibilidade de efetuação. Como insistiu Cage: “não existe o silêncio.
Sempre há alguma coisa acontecendo que provoca um som”. Como o mesmo
descobriu, na já consagrada visita a uma câmara anecóica:, na ausência de qualquer
som do mundo, escuta-se a si próprio, o funcionamento de seu próprio corpo, o
bombeamento do sangue etc. Da mesma forma, não existe o espaço vazio:, na medida
em que o olho humano está observando, sempre há algo a ser visto.)
(“Enquanto propriedade da obra de arte em si, o silêncio pode existir apenas num
sentido arquitetado ou não literal, sendo o silêncio apenas um elemento nela. Em lugar
do silêncio puro ou alcançado encontram-se vários movimentos no sentido de um
sempre retrocedente horizonte de silêncio - movimentos que, por definição, jamais
podem ser plenamente consumados.” “A exemplar opção do artista moderno pelo
silêncio raramente é levada a tal ponto de simplificação final, de forma que se torne
literalmente silencioso.” “O silêncio é uma profecia e as ações dos artistas podem ser
compreendidas como uma tentativa de, concomitantemente, cumpri-la e revertê-la.” “…
deve vaticinar o fim, ver o dia chegar, sobreviver a ele e então marcar uma nova
data…” “Uma vez que o artista não pode literalmente abraçar o silêncio e permanecer
artista, o que a retórica do silêncio indica é uma determinação em perseguir suas
atividades de forma mais errática que antes. Uma maneira é indicada pela noção da
“imagem plena” de Breton. O artista é recomendado a se devotar ao preenchimento da
periferia do espaço artístico, deixando em branco a área central de uso.” (Sotang))
(De que modo o silêncio poderia existir literalmente na arte? O Silêncio existe como
uma decisão, no suicídio exemplar do artista, na renúncia total da arte enquanto
atividade humana. Desde o abandono da pintura, Duchamp esteva empenhado em
exercer um mínimo de ação, gradualmente. Em 1930 ele oficialmente abandona sua
vida de artista e passa a dedicar seus dias ao xadrez. “O silêncio é a melhor arte que
se pode produzir: é sem assinatura e em benefício de todos” (Duchamp in Kamps). )
4.
4.2 . O que se apresenta como vazio, na maioria das vezes, na verdade, apresenta seu
suporte, destituído de sua função original: ser veículo de uma informação própria, e
específica, que depende de sua materialidade para obter circulação social. Quando
certas inscrições não ocorrem como esperado, a atenção se volta ao que, em outras
condições, seria da ordem do residual: - o substrato material inerente a toda obra. Na
ausência de inscrição, o substrato pode ser visto não como um significante
transparente, mas como um objeto em si próprio, completo, com suas propriedades
materiais e históricas.
4.6 . Para postular que os limites de cada disciplina são definidos por suas
características indispensáveis e não compartilhadas com outras disciplinas, Greenberg
precisou ir ao limiar na pintura, autorizando uma tela em branco (não pintada) a ser
considerada uma pintura, “though not necessarily a success one” (Ggreenberg in Dde
Dduve), pois compartilhava com todas as demais pinturas existentes uma mesma e
indispensável característica:, a tela. A salvaguarda de Greenberg contra a arte genérica
não estava em suas características formais, mas num certo teste da experiência
estética, no qual, nesse caso, separaria as pinturas bem sucedidas das insuficientes.
Provavelmente, Greenberg autoriza o estatuto de arte deà uma tela em branco
acreditando em seu insucesso diante do teste da experiência estética, se tornando-se
uma pintura mal sucedida. É iImportante notar o fato de que sua autorização era uma
conformação aà uma disciplina, a pintura, e não uma livre consideração como “objeto
artístico”;, do mesmo modo, sua autorização pressupunha um interesse estético (a ser
julgado) indispensável àa categoria pintura. Entretanto, uma obra precisa estar
conectada à história da arte ou de alguma disciplina específica para ser uma candidata
plausível à apreciação estética, demonstrando que, anteriormente ao julgamento
estético, o que determina o estatuto de obra de arte é o contexto social em que a
mesma se insere. Sendo assim, não há porque considerar uma tela em branco como
sendo exclusivamente uma pintura, ao invés, por exemplo, de ser um objeto ready-
made. Seu caráter extremamente genérico, o fato de ser produzido em série, excluindo
qualquer gesto artístico se coaduna perfeitamente a recente disciplina, instaurada a
força, por Duchamp.
Em seu texto “Counter Avant-Garde”, Greenberg escreve: “All art depends in one way
or another on context, but there’s a great difference between an aesthetic and a non-
aesthetic context. The latter can range from the generally cultural through the social and
the political to the merely sexual. From the start avant-gardism art resorted extensively
to effects depending on an extra-esthetic context. Duchamp’s first Readymade, his
bicycle wheel, his bottle rack, and later on his urinal, were nor new at all in
configuration; they startled when first seen only because they were presented in a fine
art context, which is a purely cultural and social, not an aesthetic or artistic context.”
(Greenberg - in Dde Dduve)
4.9 . Duchamp nos apresenta um jogo quando ocupa o espaço da Arte com um objeto
da vida cotidiana. Se, nesse movimento, ele retira a aura e a autoridade do objeto
artístico, ele o faz em um lance de adesão às às regras do mundo da arte. Mesmo
quando eliminada a transcendência relativa à à expressão artística e seus
consequentes aspectos emotivos e do espírito, a própria condição doe objeto de arte
necessita de fatores externos que o identifiquem como arte.
5.
5.1. William Kennick imaginou um armazém onde obras de arte seriam postas junto a
objetos da vida cotidiana e que, ao adentrar em tal armazém, uma pessoa comum teria
considerável êxito em identificar quais seriam as obras de arte, e quais não -. Mmesmo
que, segundo Kennick, “como os próprios estetas admitiriam, a pessoa não contéêm
uma definição satisfatória de arte em termos de algum denominador comum”.
5.2 . Wittgenstein afirmava que todos nós somos capazes de aplicar os conceitos e
identificar as diferenças mesmo sem o domínio do tipo de definições que o pensamento
especializado, supostamente, teria a incumbência de fornecer.
5.3 . Danto, a partir da leitura de Kennick, levantará a hipótese de que, se esses novos
objetos de arte, que pouco ou nada se diferem de objetos comuns, fossem postos em
um armazém junto a objetos da vida cotidiana, dificilmente seria possível cumprir a
tarefa proposta por Kennick: “Agora instruiremos alguém a entrar no armazém e trazer
todas as obras de arte lá contidas”.
5.4 . A função artística desses objetos, agentes duplos ontológicos - que são ao mesmo
tempo pedaços de arte e meras coisas reais -, coincide com a demonstração de sua
circunstancialidade, não de sua substancialidade. Esses objetos só podem ser
identificados como arte tendo em vista sua participação no que Danto chamou de “O
Mundo da Arte”. Uma vez que estão dentro do mundo da arte, os objetos podem
ganhar um novo significado para além de seu uso comum. Eles fazem parte de uma
nova categoria, a “Arte", e ganham uma mensagem que pode ser diferente de seu uso
ou valor de troca.
5.5 . A respeito do urinol de Duchamp, por exemplo, como diz Danto, tornou-se "sobre
algo", não mais um objeto útil. - Eera, antes de tudo, um objeto dotado de significado. A
operação duchampiana não era simplesmente a de nomear um objeto ou mostrar sua
função:, o que se fazia ali era uma declaração sobre a Arte.
5.6 . A contrapelo de Cage e sua imanência, Gerard Gennet apresenta o que ele
chama de “paratexto”: - aqueles documentos que estão além do limite da obra
propriamente dita, como etiquetas de parede de galeria, ensaios de catálogos,
entrevistas e falas de artistas, etc. Na mesma direção de Gennet, Derrida nos traz o
conceito de “Parergon”: algo que, à primeira vista, parece ser um complemento
externo à obra, mas, de fato, participa como uma parte necessária e essencial do
próprio trabalho. Em suas palavras, “um Parergon se encontra, ao lado e em adição ao
Ergon - com o trabalho feito, com a obra em si - um não se afasta do outro; se tocam e
cooperam, (…) . Não é simplesmente exterior nem simplesmente interior.”
5.7 . Para sua exposição Le Vide (“O Vazio”), na Galeria Iris Clert (Paris, 1958), Yves
Klein esvaziou o espaço expositivo e repintou a parede, já branca, com um branco
ainda mais branco*. Contrastando com o vazio da galeria, Klein explorou as
determinações implicadas no ritual de abertura de uma exposição, exagerando suas
convenções: Imprimiu 3500 convites convites, comissionou encomendou um texto para
um crítico de arte, determinou a cobrança de ingresso para a entrada, fez um discurso
de abertura, foram servidos drinks e haviam seguranças. Klein não apenas se
conformou às regras e políticas institucionais da arte, mas, assim como seu branco era
ainda mais branco, as tornou mais evidente. A radicalidade dessa exposição não está
tanto no esvaziamento da galeria, mas em como essa esvaziamento construiu uma
situação de exacerbação do operacional do mundo da arte, destacando as práticas
sociais, não artísticas, que influenciam a experiência estética, ou fornecem subsídios
para ela, a experiência estética.
5.8 . As condições de exibição de uma obra de arte são também sua afirmação
enquanto objeto artístico. Paratexto, Parergon, obra de arte, não apenas dependem do
Mundo da Arte para existirem, mas, mais importante, são componentes estruturantes
do próprio Mundo da Arte, formando um jogo tautológico em queonde fins e meios
coincidem no interior de uma formulação circular e ininterrupta.
5.9 . A questão a ser colocada, então, não é mais quais são as obras de arte, mas qual
é a nossa percepção de algo se a vemos como arte.
IV.
B/C . A folha de papel ofício é um objeto facilmente reconhecível e, apesar dos usos
desviantes possíveis, suas funções são historicamente determinadas., Ppor exemplo:
deve-se inserir graficamente aquilo que se deseja armazenar ou mostrar para outros,
mas não se deve utilizá-la como chapéu ou assento. Suas dimensões podem ser um
indicativo de seu uso específico apropriado: papéis muito pequenos podem ser senhas
de chamada em fila;, aqueles um pouco maiores podem ser panfletos comerciais;
aqueles, ainda um pouco maiores podem ser fichas cadastrais ou a folha utilizada em
uma impressora doméstica;, e os maiores ainda podem ser cartazes. Suas proporções
também estão neste jogo significativo: um quadrado poderia ser um encarte de CDcd
ou, (se maior,) o encarte de um disco. Além disso, há padrões localmente
determinados que contribuem ainda mais para o rápido reconhecimento da folha de
papel como objeto. (O padrão Internacional ISO 216 é vigente na maioria dos países do
globo, enquanto que EUA e Canadá utilizam o padrão ANSI). Sendo assim, podemos
dizer que uma folha de papel ofício na proporção e dimensão A0 (841cm x 1189cm)
ocupa um lugar determinado no imaginário de todos nós. Arrisco dizer que é
reconhecida como um cartaz. Da mesma maneira, a experiência da vida nos diz que
um cartaz só é um cartaz quando nos mostra algo em sua superfície, e então pode ser
posto na parede sob função de informação ou adorno. O que se passa no contato de
alguém com um cartaz em branco? Se sustenta como cartaz mesmo contrariando as
regras que o afirmam como cartaz, ou simplesmente se torna um pedaço de papel
branco colado na parede? Agora, se estae mesma folha de papel em branco participa
do Mundo da Arte, sua relação com quem a vê opera sob outros parâmetros, e nos
permite dizer que tal folha de papel em branco de tacho A0 só é notável por causa do
Paratexto que lhea confere um status especial, distinguindo-a de qualquer outra folha
de papel e lançando uma aura sobre ela. De qualquer maneira, “Uma folha vazia
significa mais do que uma escrita [ou impressa], apenas o significado está ausente”
(Herman de Vries in Dworkin).
D . O som persiste, mesmo quando não desejamos escutá-lo. Diferente da visão, onde
(podemos desviar o olhar ou simplesmente fechar os olhos), deixar de escutar algo é
mais trabalhoso:, envolve se distanciar mais, tanto quanto for suficiente, do local de
emissão do som em questão, e isso nem sempre é possível. Atualmente, há em
desenvolvimento tecnologias bloqueadoras de som, que nos possibilitariam bloquear
totalmente o som ou algumas frequências específicas. No desenvolvimento dos
equipamentos produtores e reprodutores sonoros, sempre foise teve como parte do
objetivo a atenuação ou eliminação total dos ruídos de fundo, aqueles sons
indesejáveis, os quais ninguém deveria ouvir, pois, não fazendo parte da informação
sonora reproduzida, evidenciam o funcionamento do próprio equipamento. É desejável
o silêncio do equipamento para a pura audição da informação sonora nele reproduzida.
Do que se trata então eleger o som próprio do funcionamento de um amplificador de
guitarra como obra de arte? O que seria melhor, determinar que o ruído de fundo é
uma obra de arte ou que o equipamento sonoro é uma obra de arte porque emite um
ruído de fundo? De todo modo, há um amplificador e há seu ruído de fundo.
6.
6.2 . É possível entender, se divertir, gostar e sentir prazer, (ou o oposto disso), por
obras conceituais sem realmente vê-las:, é necessário apenas saber o funcionamento
de sua lógica interna. É o mesmo que dizer que suas qualidades perceptuais são
indiferentes. O readymadeReady-Made opera uma mudança da estética para o pensar,
o que, posteriormente, servirá de base para toda arte em que a função principal da
forma não é mais afetar um público vidente, mas fornecer as condições necessárias
para a apresentação de um conceito para um público pensante.
6.5 . Os objetos prontos da vida cotidiana que adentram no Mundo da Arte, no geral,
são produzidos em escala industrial, tornando-os indistinguíveis de seus pares de linha
de produção. A operação iniciada por Duchamp reduz o ato criativo a um nível
extremamente rudimentar: uma decisão única, intelectual, alegadamente aleatória, de
nomear objetivamente este ou aquele objeto de “arte”.
6.6 . “Em tanto que [a forma] se perpetua e se desdobra como objeto no campo de
percepção do sujeito, o sujeito reage de muitas e particulares maneiras quando a
chamo de arte. Ele reage de outras maneiras quando não a chamo de arte. Arte é
basicamente uma situação em que alguém assume uma atitude de reação a alguma de
suas percepções como arte” (Morris).
6.7 . Os ready-mades são objetos anônimos que o gesto gratuito do artista, pelo único
fato de escolhê-los, converte em obras de arte. Se o objeto é anônimo, não o é aquele
que o escolheu. A firma do artista faz entrar o objeto no mundo dos nomes, na esfera
dos significados, no Mundo da Arte. “Não se pode argumentar que algo é arte
simplesmente porque é chamado assim pelos membros do Mundo da Arte. Eles
chamam de arte porque é o tipo adequado de coisa, no momento e lugar adequados -
e exibido pelo tipo certo de artista.” (Priest and Young).
6.9 .
7.
7.1 . Para George Maciunas, a arte não seria um recinto especial do real, senão uma
forma de experimentar qualquer coisa. “Se o homem pudesse ter uma experiência do
mundo concreto que o cerca, da mesma maneira que tem a experiência da arte, não
haveria mais a necessidade de arte…” Brandon W. Joseph nos diz que, se em algum
momento as proposições cageanas (assim como Ffluxuos e outros neo-dadáas)
advogaram pela estetização do mundo, do cotidiano e das coisas comuns, o resultado
alcançado, na verdade, pode ser visto em termos de uma desestetização da arte.
Entretanto, a desestetização descrita por Joseph não pode ser integral. Mesmo em
obras determinadas, majoritariamente, por conceitos, onde a forma é tida como
elemento secundário, ou está mais a trabalho operacional determinado pelo conceito
do que promovendo alguma afetação estética por parte do público, ainda temos a
forma de algo, e esse algo está sob juízos de gosto que determinam a própria afetação
do público. A forma de um objeto Rready-Mmade, a forma da apresentação de uma
instrução para uma ação, a forma da leitura de um texto. A forma, e sua estetização,
são inescapáveis.
7.2 . Duchamp afirmava que seus readymades jamais eram escolhidos tendo em vista
seu próprio deleite estético ou o do público. Ao contrário, sua escolha era baseada na
ideéia de indiferença visual, numa total ausência de bom ou mau gosto. Duchamp diz:
“Quando descobri os readymades, pensei em desencorajar a estética” (Duchamp in
De Duve).
7.3 . “O grande problema era o ato de escolher. Tinha que eleger um objeto sem que
este me impressionasse e sem a menor intervenção, dentro do possível, de qualquer
ideéia ou propósito de deleite estético. Era necessário reduzir meu gosto pessoal a
zero. É dificílimo escolher um objeto que não nos interesse em absoluto, e não só no
dia em que o elegemos, mas para sempre e que, por fim,. não tenha a possibilidade de
tornar-se algo belo, agradável ou feio…” (Duchamp em Paz). O mesmo Duchamp,
contraditoriamente, diz: “Retirei o objeto da terra para entrar no planeta da estética”
(Duchamp in De Duve). A indiferença visual absoluta, por mais desejável que seja por
um artista que pretende trabalhar o conceito para além do domínio da estética, parece
impraticável.
7.5 . “Qualquer coisa pode converter-se em algo muito belo se o gesto se repete com
frequüência, por isso o número de meus readymade é muito limitado…” (Duchamp
inem Paz). Apesar da perspicácia em negar a repetição por ver nela a possibilidade de
consolidação de uma atividade, e nesse caso, da cognicibilidade do objeto gerado por
tal atividade enquanto objeto artístico e seu consequente julgamento estético, os
esforços de Duchamp para escapar do “gosto como tal” resultou em nada mais do que
um novo episódio da história do gosto. “Os neo-dadaíistas [(Pop Aart, Nouveau
réalisme, parte do Fluxus, etc.)] pegaram meus readymades e neles encontraram
beleza estética. Atirei-lhes o Porta-Garrafas e o Urinol como desafio, e, agora, eles o
admiram por sua beleza estética.” (Duchamp in De Duve).
7.6 . “Blank Form ainda pertence àa grande tradição da fraqueza artística - gosto. Isso
quer dizer que a prefiro - especialmente o conteúdo”. “Alguns de nós estão realmente
tentando dizer nada de maneira elegante.” (Morris).
7.7 .
7.8 .
7.9 .
V.
Como fica claro, prevaleceu a tendência a não perceber a presença das obras ou,
talvez, de não perceber a presença das obras como obras. A expectativa comum a
essas ocasiões é a de se ver algo, de que o suporte físico apresente algo em sua
superfície que não a si próprio. Não me refiro a expectativa comum, da parte de um
público mais amplo, por ver algo belo, agradável ou inspirador, me refiro aqui apenas
àa expectativa pela existência de um simples algo, alguma coisa qualquer, para onde
possa se pudesse olhar ou a que se pudesseossa ouvir. A expectativa frustrada torna-
se experiência frustrada.
O que nossa experiência demonstra é que, para ver algo como arte, é necessário uma
instituição da percepção que garanta o reconhecimento de algo como arte, e que esta
instituição apenas pode operar por generalidades nem sempre capazes de realizar sua
tarefa.
Se obras que apresentam quase nada, o quase vazio, que tendem a zero, necessitam
do trabalho da experiência estética ou do pensamento de um público, que a partir de
suas próprias sensibilidades formulam seu entendimento, para que isso possa ocorrer,
é necessário que as obras sejam percebidas como obras. Como vimos, há elementos
parcialmente externos às obras que facilitam seu entendimento como obra;, Paratexto
e Parergon participam da instituição da definição de arte e sua consequente
compreensão como tal. Ao que parece, uma obra não percebida, ou uma obra não
percebida como obra, não produz uma experiência especificamente relacionada àa
obra., Nno máximo, produz uma experiência vaga por via da frustração.
INTERLÚDIO
tradições periféricas e outras obras relacionadas
Os exemplos acima são capazes de, ao mesmo tempo, se apresentarem quase iguais
e constituírem-se de maneiras bastante diversas. Morfologicamente, se apresentam
como folhas em branco;, se postas lado a lado, sem título, sem assinatura, destituídas
de qualquer referencialidade a algo que os antecede (uma proposição, um objetivo,
uma origem…) poderiam ser tidas como uma mesma coisa, ou como coisa alguma; e,
se empilhadas, formariam uma pilha de folhas em branco quaisquer. O que diferencia
um conjunto de folhas brancas de outro, ou uma unidade de folha em branco de outra,
não é o que elas apresentam visualmente, mas o conceito que opera em sua
contiguidade, inscrevendo-as em diferentes linhas de pensamento. Como exemplo
fácil, vale pensar a relação dos livros em branco com seus títulos e observar de que
modo os títulos orientam o conceito de cada um desses livros. É fácil reconhecer essa
diferença se compararmos Nudisme, de Cégest e Two Volumes of Ostensibly Blank
Books, de Kostelanetz. Apesar da leitura óbvia de que ambos os títulos se referem ao
médium livro - o livro desnudo da linguagem que apresenta nada mais que sua
materialidade e o livro que, ao estar em branco, ostensivamente se refere àa sua
estrutura material - é possível dizer que Nudisme vai além da discussão material de
seu meio e avança em assuntos sociais outros, enquanto que o livro de Kostelanetz se
pretende tautológico. Outro exemplo, mais interessante, é a relação entre 1000 Hours
of Staring de Tom Friedman e Rationalized Re-enactment de Conny Boom. Se
Friedman alegremente se manteve por 1000 horas “encarando” uma única folha de
papel em branco, Boom decide por racionalizar essa operação e, poupando tempo,
“encara” 1000 folhas de papel em branco pelo tempo de uma hora. Não se trata apenas
de uma inversão de quantidades , (unidades físicas x tempo), mas de uma inversão de
ordem conceitual, ou mesmo ideológica, que tem na utilização do tempo, na
contemplação para Friedman e na otimização no caso de Boom, sua peça chave: - que
sociedade é essa que permite ou não a contemplação? Oou, que sociedade é essa que
exige ou não a otimização do tempo?
Contudo, Raouschenberg recusa a leitura de que seu ato tenha tido qualquer coisa de
uma negação agressiva;, o mesmo explica: “I erased de Kooning not out of any
negation response. I was working on the all-white and all-black paintings. I loved the
draw and i did erasure drawings. It just didn’t make much sense for me to erase my own
marks” (in dworkin). Fica clara sua intenção positiva em produzir uma obra;, do mesmo
modo, indica as razões que o levaram a não apagar completamente o desenho.,
Ccomo Dworkin pontua, “As Rauschenberg left it, the surface bears traces of ink
and crayon, with a shadow de Kooning’s drawing still clearly visible”. Se há uma
intenção produtiva positiva na ação de Rauschenberg, não há porque não haver uma
recepção igualmente positiva e produtiva por parte de um público. Não é difícil imaginar
a situação: apreciadores da obra de de Kooning se esforçando para reconstituir ou
imaginar que desenho poderia figurar naquele papel, que tamanho, como seriam as
linhas ou as cores. De antemão, estes espectadores especializados, já detêm o
conhecimento das características formais de um desenho de de Kooning:, para eles, a
folha em branco de Rauschenberg na verdade, apesar de objetivamente não conter
desenho algum, é a síntese de todos os desenhos já realizados por de Kooning e,
ainda, de todos os desenhos que o mesmo poderia realizar.
Algo parecido ocorre em minha obra Disco Contendo o Som de Sua Própria
Gravação, onde acontece exatamente o que o título anuncia: é apresentado um disco
que contém apenas o som de seu próprio processo de gravação, e nada mais. Porém,
quando tocado, no lugar de não escutarmos nada, ouvimos pequenos sons, estalos e
outras variedades sonoras quase imperceptíveis. É necessáriao uma escuta atenta
para que não deixemos que estes sons passem despercebidos. Verdadeiramente,
estes pequenos sons gravados no disco estão presentes em todos os discos de vinil,
porém são encobertos pelas músicas, gravadas em um volume mais alto. Trata-se de
uma especificidade do processo de gravação e reprodução desta mídia, que a
evolução do aparato de gravação e reprodução de discos de vinil teve como um de
seus objetivos sua supressãosuprimir. São sons considerados ruídos indesejáveis, que
atrapalhavam a escuta ideal da música ali gravada. A observação de relatos de escuta
deste disco nos mostra a necessidade de parte do público de enquadrar o que foi
escutado em alguma categoria musical. Ao que parece, a necessidade por justificar a
escuta em categorias preé existentes é uma tentativa depor entender o som presente a
partir de uma perspectiva dada de antemão. Para esta parcela do público, os estalos e
demais sons eventualmente se organizam ritmicamente, assemelhando-se aà algo
como uma música eletrônica lenta e minimal. Para eles, era isso que estavam
escutando.
Tudo nos leva a pensar na inescapável presença do meio (ou suporte) no interior de
qualquer mensagem. Se podemos considerar a mensagem como uma inscrição em
determinado meio, o meio, por sua vez, se reinscreve por entre a mensagem quando
da sua transmissão. Nesse processo o meio se evidencia, apresenta suas marcas.
Apresentar o suporte vazio não é de exclusividade daàs folhas de papel;,
paralelamente, encontramos nessa mesma tradição outros suportes esvaziados, como
discos de vinil e películas cinematográficas.
Exemplos de discos “de silêncio” são: Zen for record, de Ken Friedman; Record
Without a Groove, de Christian Marclay; Silent Prayer, de John Cage e; The best of
Marcel Marceao (sic), de Marcel Marceau. O último, (com seus dois lados decom 19
minutos de silêncio seguidos por 1 minuto de aplausos) e o penúultimo, existindo
apenas como uma proposta oferecida àa Companhia Muzak, empresa de discos
responsável pela sonorização de ambientes públicos. Excetuandoo o disco de Cage,
que nunca existiu materialmente, assim como em Disco Contendo o Som de Sua
Própria Gravação, em todas essas obras podemos, ouvir, além dos ruídos oriundos de
seu próprio processo de produção, os sons produzidos no momento de sua execução:
o sempre presente “hum” de qualquer aparelho elétrico-sonoro, os ruídos
característicos do contato da agulha com os sulcos dos discos, seus eventuais
tropeços e estalos.
O mesmo ocorre com filmes (em película) que se pretendem vazios, como Zen For
Film, de Nam June Paik, Hurlements en faveur de Sade, de Guy Debord e No Title
(Transparent Film#2), de Christine Kozlov. Ao contrário do filme de Debord, que está
divididos entre fotogramas transparentes e fotogramasfas pretos, os outros filmes,
ambos, apresentam-se transparentes em toda a sua duração. Há, porém,Porém há
uma diferença fundamental entre eles:, Kozlov apresenta seu filme como um objeto, um
rolo de película transparente em uma caixa aberta, enquanto que Paik projeta de seu
filme, também inteiramente transparente, como qualquer outro filme, utilizando um
projetor. A diferença mais importante se dá no que concerne à verificabilidade da ideéia
de vazio presente em ambas as proposições, pois, se Transparent Film#2 não é
projetado por um projetor, se seus fotogramas não são traspassados por uma luz e
alargados por uma lente, se não visualizamos seus fotografas, não podemos refutar a
idéiaideia de que eles de fato estão vazios. Do outro lado, temos o filme de Paik,
projetado continuamente, em loop, por horas, no qualonde podemos ver a leve
opacidade da película, qualquer e todos os erros e engasgos do mecanismo do
projeçãotos, algum atraso do obturador, provocando uma piscada na projeção, a poeira
e demais sujeiras na lente e, de maneira mais contundente, as imperfeições da
película, seus arranhões provocados pelo próprio projetor que o exibe, marcando-a
cada vez mais a cada vez que a película passa por seus mecanismos.
*
Por ausência, entende-se a falta de algo que ali já esteve ou que ali deveria
estar. Portanto, ausência de imagem não se refere a uma situação na qual não há
imagem alguma, mas, sim, a uma ocorrência da falta, ausência, de uma imagem
esperada ou que acreditávamos que ali encontraríamos. Desse modo, podemos falar
em uma imagem da ausência da imagem. A imagem da ausência da imagem é uma
imagem. Já não é possível para nós, videntes, uma situação destituída de imagem. O
olhar, sendo nosso instrumento mais perspicaz de dominação, subjuga a seu sistema
sensório tudo que é possível ver. O mundo concreto é uma coleção de imagens, de
frames, quadros e enquadramentos, e o tempo, a duração de um fade. Se o tempo
existe entre uma e outra imagem, nós já existimos no interior de cada imagem, de
todas as imagens, em cada uma e a cada instante. Se o mundo é este conjunto de
imagens, o Espetáculo, segundo Guy Debord, são as relações que se dão entre estas
partes do mundo, entre estas imagens;, é a mediação das relações sociais pelas
imagens. “Oo espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre
pessoas, mediada por imagens” (Debord 1997, p.14)
As últimas três falas presentes na banda sonora: “I have nothing more to say to you”;
“Once again, after all the untimely answers and the aging of youth, night falls from on
high” (3 minutos de silêncio/escuro) e; “Like lost children we live our unfinished
adventures” (terminando com 24 minutos de silêncio/escuro). Debord se recusa a
proporcionar um espetáculo, esvazia seu filme de tudo, ou quase tudo, que poderia
servir para capturar espectadores, optando por instaurar uma distância entre esses e
seu filme, provocando-os a deixar a passividade. Apesar de sua atitude buscar o limite
do cinema para dele se retirar e atestar sua insuficiência, seu filme funciona de modo
semelhante ao Pharmakon, segundo Derrida (in Bullot), que opera segundo uma
ambivalência de propósitos: seria, ao mesmo tempo, o veneno que arruíina o objeto e o
remédio que o salva. A contemplação da negação ou da destruição de um objeto pode
fornecer uma experiência que revigora esse próprio objeto, garantindo sua
continuidade e desenvolvimento. Debora, ao produzir um filme para dizer que já não é
mais necessário produzir filmes, acaba por fornecer elementos para que o cinema
prossiga em sua jornada de progressos.
Há uma cena no filme Paisagem na Neblina (Topio Stin Omichli), do diretor grego
Theodoros Angeolopoulos, que merece nossa atenção especial. Neste filme, de 1988,
vemos a odisseia de um casal de irmãos, crianças que fogem de sua casa na Grécia
em busca do pai que, segundo a mãe, vive na Alemanha. O filme nos mostra um sem
número de paisagens desoladoras onde não há muito o que se ver, e cenas onde
acontece muito pouco. Já na segunda metade do filme, depois de já terem percorrido
algumas milhas, de já terem deixado bastante para trás, há o acontecimento que serve
de chave de leitura para todo o filme, que fornece a instrução necessária ao público na
tarefa de apreensão daquelas imagens: andando por algumas ruelas escuras e
desertas, as crianças encontram no meio do lixo um pedaço de filme 35mm contendo
alguns fotogramas, aparentemente em branco. Orestes, um amigo feito pelo caminho,
ergue o pedaço de filme e diz para que olhem com atenção, que por trás da neblina
elas verão uma árvore. Por alguns segundos os três se mantêm compenetrados em tal
tarefa, até que Orestes, rindo, desmente o que havia dito, assumindo que não há nada
impresso naquele filme. O que parece uma brincadeira inocente, revela uma atitude
poderosa. É esta a atitude necessária, indicada por Angeolopoulos, para se ver o filme,
visualizar o mínimo com esforço, adentrar na espessa camada de neblina buscando
enxergar o que muitas vezes não está lá. O aparente estado de inércia provoca, no
espectador, a necessidade de pôr o pensamento em movimento, formular a imaginação
que preencha de maneira satisfatória o campo aberto da potência.
Minha obra de 2013, o que aparece é bom, o que é bom aparece, apresenta
um projetor super-8 onde cujo momento de sua apresentação corresponde ao
momento posterior à exibição de um filme;, sendo assim, a obra se inicia após a
exibição de um rolo de filme. O público tem acesso à obra apenas após a exibição,
quando vemos a projeção direta da luz sobre a parede, e o filme, que já foi exibido,
girando em falso no carretel traseiro do projetor (carretel no qual o filme se enrola após
a exibição), com sua ponta acertando o chão e o ar. O que foi dito acima , também
poderia ser dito de o que aparece é bom, o que é bom aparece:, que o retângulo de
luz projetado pelo projetor não passa de um campo aberto para fincarmos nossos
clichês. O que não seria mentira. Porém, Aa experiência do público diante da obra,
porém, possibilitou pensar por outras vias. Não apenas a projeção dos clichês, mas
mesmo, e principalmente, a impossibilidade de qualquer projeção diante de algo que
aparentemente estava fora de ordem.
Para realizar a obra vontade de nada ≠ nada de vontade, foi necessáriao uma folha de papel no
tamanho A0 (um cartaz) em branco. Utilizando os recursos disponíveis na residência da FAAP
(2017), ao invés de adquirir uma folha de papel neste tamanho, utilizei a cota de impressão que
nos era disponibilizada em uma impressora plotter;, portanto, um rolo de papel que é impresso e
depois cortado no tamanho necessário. Decidi por “imprimir” uma quantidade de papel
equivalente a uma folha A0 sem nenhum conteúdo, totalmente em branco, porém não obtive
sucesso. Ao enviar o arquivo totalmente em branco para a impressora, a mesma o reconhecia,
porém não executava nenhuma atividade, permanecia imóvel. Parece óbvio dizer que não havia
porquêe a impressora entrar em atividade, já que, se uma impressora, a grosso modo, libera tinta
em um papel de acordo com a informação presente no arquivo que é recebido, se não há
informação no arquivo, não há porque se mover, já que não há motivos para liberar tinta.
OPorém, outra perspectiva, porém, é possível: se a impressora é um aparelho que tem como
função gerar uma cópia física análoga a um arquivo digital, para executar esse função ela deveria
liberar uma quantidade de papel em branco equivalente às dimensões determinadas pelo arquivo,
mantendo suas tintas em repouso.
Obras: B - Sem Título (Cartaz Preto Caído) e C - Vontade de Nada ≠ Nada de Vontade.
I.
Ambas as obras foram fotografadas com a intenção de registrar sua presença no
espaço;, era necessário manter esta relação -– obra/-espaço -, para garantir a
permanência das facilitações conceituais em relação à percepção, as quais
anteriormente chamamos de Paratexto e Parergon -, as informações de ordem visual,
social e institucional geradas pela sua localização no espaço e sua relação com o
significado conhecido destes elementos. Desse modo, se fez-se importante não apenas
registrar a obra enquanto objeto, mas a obra em relação ao espaço, como as obras se
aplicam ao espaço e como se utilizam de elementos próprios deste espaço para se
tornarem o que são. Dito de outra maneira: ambas as obras necessitam da informação
visual e social gerada pela sua localização no espaço e sua relação com o significado
conhecido destes elementos.
B . Além do elemento material já exposto pelo título, um cartaz, Sem Título (Cartaz
Preto Caído) , se utilizava-se de um canhão de luz direcional que iluminava a parede
acima do cartaz, jogandova um foco de luz no local onde um cartaz (não caído) deveria
estar, na altura dos olhos de um ser humano de altura mediana, na altura média
convencionada pela expografia de quadros (e cartazes). Talvez o objeto canhão de luz
não tenha uma grande importânciaante visual para a obra, visto que, idealmente, como
todo aparato expográfico, não lhe é conferidao atenção nenhuma em expografias
tradicionais. Por outro lado, sua funcionalidade, a luz fornecida por ele, é de
fundamental importância conceitual e, primeiramenteo, visual. Para além da forma do
papel e sua dobra/curvatura que indica a condição de queda, a luz é o elemento- chave
que demonstra a deficiência da condição presente e um suposto estado anterior, ideal,
em que aquele objeto se encontrava. Para registrar a obra, era necessário registrar o
objeto cartaz, sua posição na parede e a luz da qual escapava.
1.
1.2 . Salto Para o Vazio (1960) de Yves Klein é um bom exemplo de manipulação
fotográfica rudimentar. Na já icônica imagem, vemos Klein saltar do alto de um muro
(talvez de uma casa), de braços e peitos abertos, em direção àa rua, onde, segundo a
imagem, deve cair chapado no asfalto. Na verdade, Klein saltou em direção a uma lona
erguida por vários homens, o que garantiu sua integridade física. Posteriormente, a
metade inferior da fotografia, onde era possível ver os homens segurando a lona, foi
substituída por outra fotografia realizada na mesma rua, exatamente com a mesma luz
e enquadramento, porém sem nenhum dos personagens citados. Os inúmeros casos
de manipulação fotográfica digital na vida social contemporânea são amplamente
conhecidos e já se tornaram hábito. Isso não nos interessa aqui.
1.3 . É evidente que toda a ação de registrar algo, fotograficamente ou por qualquer
outro meio tecnológico, é composta por uma infraestrutura técnica que, apesar da
promessa de integridade a realidade, apresenta suas características próprias, àas
quais podemos atribuir o caráter de falha (ao falhar em ser exatamente o mesmo que o
objeto registrado). A fotografia pode acentuar certos aspectos do original, acessíveis à
objetiva, ajustável e capaz de selecionar arbitrariamente seu ângulo de observação,
luminosidade, contraste, etc. No processo de realização de um registro, está implicado
o fator humano: um conjunto grande de decisões são tomadas tendo como objetivo um
registro de qualidade adequada, o que significa a presença da subjetividade do
realizador em cada escolha do processo, pois, “qualidade adequada”, depende dos
gostos e intenções dos envolvidos.
1.5 . Pensando sobre diferentes disciplinas artísticas na busca de uma definição para
falsificação, Nelson Goodman traça diferentes categorias que o auxiliam nessa tarefa.
Autográfica e holográfica de um lado, monofásica e difásica de outro:, essas categorias
seriam comutáveis, as primeiras com as segundas, sem que houvessem relações
obrigatórias. Apesar de Goodman não analiszar diretamente a fotografia, nos dá
subsídios para a analisarmos-la segundo seus pressupostos. Para ele, a fotografia
seria autográfica e difásica;, isso significa que há um objeto de autoria que pode ser
copiado com intenções deà falsificação -autográfica.- e, Aao mesmo tempo, esse
objeto não é único:, é reprodutível a partir e uma matriz (o negativo) -– difásico, pois
possui duas fases: o negativo e a cópia impressa. No entanto, a fotografia é uma
disciplina artística que tem a capacidade de emular visualmente as demais. De certo,
uma fotografia não tem a capacidade de falsificar uma pintura (autográfica e
monofásica), mas pode produzir uma reprodução que será compreendida como
reprodução. Goodman nos faz pensar que a diferença estética entre um original e uma
falsificação, onde não é possível identificar diferenças a olho nu, é tudo menos, de fato,
estética: “(…) as propriedade estéticas de uma imagem incluem não apenas as que
encontramos ao olhar para ela, mas também as que determinam como olhamos para
ela.” Desse modo, ele aponta que o que determina a superioridade estética de um
original é da ordem de um discursividade histórica -, um elemento social, não visual.
“Uma falsificação de uma obra de arte é um objecto que finge ter a história de produção
que se requer da (ou de uma) obra de arte original.” (Goodman).
1.6 . “Mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora
da obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra.”; “O aqui e
agora do original constitui o conteúdo da sua autenticidade, e nela se enraíza uma
tradição que identifica esse objeto, até os nossos dias, como sendo aquele objeto,
sempre igual e idêntico a si mesmo.”; “Mesmo que essas novas circunstâncias deixem
intacto o conteúdo da obra de arte, elas desvalorizam, de qualquer modo, o seu aqui e
agora.” (Benjamin).
2.
2.7 . É curioso notar que, grande parte dos estudantes de arte e dos artistas tem uma
relação com a história da arte estabelecida por meio de imagens impressas e virtuais.
Principalmente para os que estão fora da Europa e América do Norte, a educação e
pesquisa artística (da “arte mundial”) dependem da tríade expansão-democratização-
facilitação oferecida pelo registro.
2.8 . “Cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o objeto, de tão perto
quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua reprodução. Cada dia fica
mais nítida a diferença entre reprodução, …,(...) e a imagem. Nesta, a unidade e a
durabilidade se associam tão intimamente como, na reprodução, a transitoriedade e a
receptibilidade.” (Benjamin).
3.
3.3 . A poteêncialização das ações de uma obra, seu alcance e circulação, é conferida
pelas facilidades materiais implicadas na migração do suporte (ou aplicação em um
novo suporte), multiplicando sua visibilidade, diminuindo custos, aumentando sua
circulação. Porém, quando esta imagem adentra em certos mercados de consumo,
perde seu referente, tornando-se independente.
3.6 .
3.7 .
3.8 .
3.9 .
4.
4.1 . “O princípio de base é o seguinte: uma obra não é visível por ela mesma como
pela força natural das coisas (que, como as coisas que se fazem sozinhas, possuem
um ar de magia), e ela não é, sobretudo, jamais inteiramente visível, no sentido em que
nós não pretenderíamos tudo (fazer) ver ou perceber de uma obra, qualquer que seja a
transparência de seu modo de apresentação”. (Vinçon in Ffervaza, p.ag 54).
4.2 . “Para nós, o espaço de apresentação é aquele que surge no entrecruzamento dos
movimentos orientados pelos gestos e os fenômenos de indicar e fazer ver, isto é,
aquele que se instauram no entrecruzamento de diferentes operações, gestos e
sistemas de indicação. Sua referência imediata é o campo artístico, mas sua
manifestação abarca todas as situações e atividades em que medeia uma relação na
qual se enfatiza a possibilidade de certo olhar, no sentido amplo do termo. A
apresentação é uma indicação que produz, como uma ênfase, um relevo no olhar” .
(Fervenza).
4.6 . Talvez o olhar tenha sido educado por familiaridade e expectativa. Eenxergamos
de maneira mais clara aquilo que já conhecemos, percebemos com mais facilidade
aquilo que esperamos encontrar. Para liberar o olhar é necessário desedu caca-lo.
Liberar o olhar, nesse sentido, se faz em benefício de objetivos aparentemente
dissonantes: 1) tornar visíveis obras de arte que se utilizam de materiais ordinários fora
de contextos expositivos; e; 2) deixar que o olhar se perca em toda a sorte de coisas
existentes no mundo. O primeiro, expande a arte;, o segundo, a dilui.
4.7 . A dupla de artistas Ian e Elaine Baxter identificou e nomeou duas tendências na
arte conceitual. ACT, (Aesthetically Claimed Things, (“Coisas Esteticamente
Reivindicadas”), se refere a “trabalhos que buscavam produzir ou induzir experiências
estéticas, sem, no entanto, reivindicar que devessem ser consideradas arte ou estar
em um contexto considerado artístico.” (Dde Dduve). Exemplos dessa tendência
menos teórica, porém mais utópica, da arte conceitual, podem ser vistos nas práticas
de artistas vinculados ao Fluxus, em suas instruções para ações e peças;, mas,
principalmente, em sua reivindicação da ordinariedade cotidiana como situação
potencialmente estética, propondo uma apreensão estética do mundo como um todo,
com a intenção de apagar a diferença entre Arte e vida. Como consequência lógica, se
a denominação “arte” deveria ser retirada do trabalho, a denominação “artista” deveria
também ser retirada do autor, em favor de uma livre apreensão, sem mediação, do
mundo como ambiente estético.
4.8 . Já sabemos que, desde os anos 60-70, 1) se tornou uma operação de praxe que
assegura o domínio especializado da arte, um prolongamento da instituição Arte que
não permite que nada a escape. Enquanto 2) se consolidou rapidamente como uma
utopia superada e desacreditada como ingenuidade juvenil. “Desnecessário dizer que,
essa utopia [ACT] estava destinada ao fracasso, pois, a menos que a experiência em
questão seja de alguma forma registrada e comunicada ao universo da arte, ninguém
jamais tomaria conhecimento de que ‘algum tipo de arte que não quer ser considerada
arte’ foi produzido” (De Duve).
4.9 . As noções de silêncio, vazio e redução delineiam novas receitas para os atos de
olhar, ouvir etc., as quais enfrentam a obra de arte de uma maneira mais consciente e
conceitual. Há de se considerar uma relação entre a ordem de uma redução de meios e
efeitos na arte, cujo horizonte é o silêncio, e a faculdade da atenção. Talvez a
qualidade da atenção que se aplica a alguma coisa seja melhor (menos distraída) se se
oferece menos, nos permitindo vencer a frustrante seletividade de atenção. Idealmente,
seríamos assim capazes de prestar atenção em todas as coisas.
4.10 . “I am trying to check my habits of seeing, to counter them for the sake of greater
freshness. I am trying to be unfamiliar with what i’m doing”. (Ccage).
4.11 . A outra tendência observada por Ian e Elaine foi denominada por ART,
(Aesthetically Rrejected Tthings, (“Coisas Esteticamente Rejeitadas”). “Em “ART
encontramos trabalhos que provocam a possibilidade de serem categorizados
enquanto arte, quando toda e qualquer qualidade estética é deles retirada, como
Erased de Kooning Drowning (1953) de Robert Rauschenberg e On AeEsthetic
Withdrawal (1963), de Robert Morris” (de Duve). Em cada um desses casos, a
remoção da qualidade estética era parte da questão, entretanto, chamáa-los de arte
também, são objetos que inegavelmente possuem propriedades visuais que os
colocam a mercê de uma apreciação estética. Sendo assim, ART “contraditoriamente,
“depende da instituição a existência do sempre-repetido esforço de retirar toda a
materialidade visual de uma obra, para comunicar essa retirada ao universo da arte em
si, e de considerar essa mesma obra,, autoreferencialmente (atitude muito modernista),
como algo que a instituição da arte não pode possuir ou mesmo exibir.” (de Duve).
II.
Para que as imagens de registro não deixassem seu lugar como registro de uma obra
para ocupar o lugar de uma obra independente, era necessário que sua feitura
correspondesse a uma qualidade intermediária. Um rigor intermediário intencional deve
ser mais rigoroso que aquele que busca a melhor qualidade. A imagem consequente
do registro não poderia possuir uma excelente qualidade fotográfica e de impressão,
tamão pouco ser péssima, de baixa resolução, pixelada ou fotocopiada. Se muito boa,
poderia se transformar em uma boa fotografia de qualquer coisa sem importância;, se
muito ruim, poderia ser vista como uma alteração visual ou intervenção em uma
imagem preexistente. Em ambos os casos, se tornariam obras independentes. A
imagem e sua impressão deveriam ser competentes, no sentido de cumprirem sua
função como forma de apresentação da obra, mas nunca como uma obra de arte. A
escolha por manter o formato convencional de uma folha de papel A4 e sua borda
branca tinha como objetivo contribuir com o aspecto mediano da imagem, para
demonstrar um procedimento quase irrelevante -, uma impressão comum num papel
comum, conectado com a forma de apresentação, mas não com a arte.
5.
5.2 . Que a realidade só possade ser apreendida pelo pensamento ou pela sua
consciência, é a dependência, ou injunção, que Quentin Meillassoux identificou,
sobretudo na filosofia kantiana, como “correlacionismo”. As questões do pensar e do
ser estão indissoluvelmente correlacionadas, não sendo possível considerar
subjetividade e objetividade independentemente uma da outra:, o ser existe apenas
como um correlato entre a mente e o mundo. De acordo com o pensamento
correlacionista, se as coisas existem, elas existem apenas para nós:, “não há objetos,
eventos, leis ou entes que não estão sempre correlacionados com um ponto de vista,
um acesso subjetivo”(Meillassoux)., Nnão se admite a existência de um “fora do
sujeito” e de seu acesso ao objeto.
5.8 . Para De Duve, o anúncio de Kosuth do “o fim da filosofia e o início da arte” é uma
pressuposição que possui dois significados em paralelo. Sendo a estética uma
disciplina filosófica, o “fim da filosofia” indica a separação absoluta entre arte e estética.
Arte, fora do domínio filosófico, se identifica exclusivamente com a teoria da arte,
enquanto a estética é relegada ao reino do gosto. Ao traçar um alinha, onde uma coisa
termina e outra se inicia, Kosuth demonstra sua crença irreparável em um
acontecimento histórico em absoluto responsável por tal divisão, o readymade
duchampiano que, segundo ele, teria “mudado a natureza da arte de uma questão de
morfologia para uma questão de função”. A função da arte, ou sua “razão de ser”,
nesses termos, diz respeito àa garantia de sua própria existência enquanto arte, sendo
bem sucedida, enquanto objeto funcional se sua lógica de funcionamento corresponde
ao movimento tautológico necessário para se afirmar que “...arte existe apenas para
seu próprio bem.”; “A única exigência da arte é com a arte. A arte é a definição da
arte.”, pois, ““Um trabalho de arte é uma tautologia na medida em que apresenta a
intenção do artista, isto é, ele está dizendo que aquele trabalho de arte em particular é
arte, o que significa uma definição de arte. Sendo assim, o fato de ser arte é uma
verdade a priori.” (Kosuth).
5.9 . “É necessário separar a estética da arte porque a estética lida com opiniões sobre
a percepção do mundo em geral. No passado, um dos dois destaques da função da
arte era seu valor como decoração. Assim, qualquer ramo da filosofia que lidasse com
a ‘beleza’, e, portanto, com o “gosto”, era inevitavelmente obrigados a discutir também
a arte. A partir desse ‘hábito’, surgiu a noção de que havia uma conexão conceitual
entre a arte e a estética, o que não é verdade.”. “Quando objetos são apresentados no
contexto da arte (e até recentemente os objetos eram sempre usados), eles são
passíveis de considerações estéticas assim como quaisquer objetos no mundo, e uma
consideração estética de um objeto existente no reino da arte significa que a existência
do objeto, ou o funcionamento em um contexto de arte, é irrelevante para o juízo
estético.” (Kosuth).
(“Um exemplo de objeto puramente estético é um objeto decorativo, uma vez que a
função primordial da decoração é ‘acrescentar algo de modo a tornar mais atrativo;
adornar; ornamentar’, e isso se relaciona diretamente com o gosto.” (Kosuth). Nessa
afirmação, Kosuth ignora, o que é fundamental para o funcionamento, e entendimento,
de Vontade de Nada ≠ Nada de Vontade:, as implicações sociais dos objetos que
excedem, mesmo que por vezes advnhamém, de sua condição estética formal como
decoração. Certamente, “a função primordial da decoração é ‘acrescentar algo de
modo a tornar mais atrativo’”, porém a atração não se restringe ao domínio estético
daquilo que é considerado adorno ou ornamento, a atração se constitui como caráter
social na representação, por exemplo, de uma classe social. Não possuir, e apresentar,
a decoração correta corresponde não apenas a não fornecer uma experiência estética
adequada aos visitantes, mas, em adição a isso, compromete a identificação do
anfitrião aà determinadoa grupo social. É possível dizer que demonstrações materiais
de bom gosto, requinte, intelectualidade, despojo, elegância, e limpeza…, podem
oferecer um reconhecimento social sem necessariamente ofertar uma experiência
estética.)
6.
6.1 . Kosuth, leitor de A.J. Ayer, que por sua vez leitor de Kant, acredita que trabalhos
de arte são proposições analíticas, pois “sua validade depende unicamente das
definições dos símbolos que ela contém”(Ayer in Kosuth), não fornecendo nenhuma
informação sobre algo que se encontra fora do objeto, ou da Arte. Para Kosuth, o
objeto artístico e a Arte, a idéiaideia de arte ou a arte enquanto instituição Arte, são
uma e a mesma coisa;, por tanto, “um trabalho de arte é uma tautologia, na medida em
que é uma apresentação da intenção do artista, ou seja, ele está dizendo que um
trabalho de arte em particular é arte, o que significa: é uma definição de arte.”(Kosuth)
Desse modo, a arte opera dentro de uma lógica, “a validade das proposições artísticas
não é dependente de qualquer pressuposição empírica, muito menos de qualquer
pressuposição estética (…).. Pois o artista, (…), se preocupa apenas com o modo 1)
como a arte é capaz de desenvolver-se conceitualmente, e 2) como as suas
proposições são capazes de seguir logicamente esse desenvolvimento. (…) Eelas não
descrevem o comportamento de objetos físicos, nem mesmo mentais; elas expressam
definição de arte, ou então as consequüências formais das definições de arte.”
(Kosuth),
(“(…) uma obra de arte é um tipo de proposição apresentada dentro do contexto de
arte, como um comentário sobre arte.” (Kosuth). A atitude circular da arte conceitual
articula mais que o objeto em si mesmo ou sua relação com uma entidade abstrata que
pode ser identificada como “universo artístico”. A arte conceitual, da forma como
proposta por Kosuth, engendra um certo número de aparatos sociais, ideológicos e
funcionais., Qquando Kosuth se refere a “contexto”, está claro que significa “Mundo da
Arte” (artworld, para - Danto) e sua teia institucional. Kosuth, ao negar a estética, e,
portanto, a filosofia, defende, tautologicamente, a teoria da arte: -a Arte deve dar conta
da arte. Essa circularidade teórica se torna, também, circularidade institucional. A arte
conceitual, portanto, necessita da instituição Arte, pois sua existência está
condicionada à sua participação nas transações do Mundo da Arte, que se afirma
institucionalmente ao fornecer um abrigo, nominal e afirmativo, às práticas conceituais.
Sendo assim, De Duve parece correto ao afirmar que “(…) grande parte da arte
conceitual - Kosuth em primeiro lugar - nunca conseguiu escapar das armadilhas da
política mesquinha do Mundo da Arte projetada para si mesma.” (De Duve)).
6.2 . Ao contrário do que acredita Malik, Kosuth e outros, não parece possível criar uma
obra de arte que vá contra a noção de experiência. Henrique Iwao parece mais
consciente das possibilidades limitadas do campo artístico quando propõe obras cuja a
experiência consistiria na apreensão da tentativa de anular a experiência. A respeito
disso, ele diz:, “Wittgenstein fala sobre a morte: ela não seria experienciada porque
não vivida (‘a morte não é um evento da vida’). Mas existiria a possibilidade de
simbolizar a morte, e de experienciar seu conceito, pensar sua possibilidade .”; “A arte,
tal como a filosofia no caso da morte, absorve a não-experiência, porque esta,
enquanto diferença, provoca o pensamento, nos faz pensar. E no pensar, sentir.”. Por
acreditar “não ser possível de fato eliminar a experiência”, Iwao se propõe o “exercício
de habitar as bordas da arte e da experiência”, realizando obras que, ora pela
esvaziamento e unidades temporais mínimas, ora pela saturação do material sensível,
procuram criar dificuldades para a experiência, ou mesmo produzir uma experiência
que proporcione as condições para que se pense sobre a experiência. Silêncio digital
(Éter), faixas de áudio com durações de milisegundos (§6.4311 e Éter 2) ,
sobreposições de centenas de músicas (Not As Offcial an Artist As Cildo Meireles),
etc. Talvez haja dois movimentos: eExperienciar o conceito enquanto conceito na
condição deste “nos fazer pensar, e no pensar, sentir”. (eEste seria a experiência da
impossibilidade da experiência);. eE, o segundo, simbolizar o conceito em termos
experienciáveis, fazendo da não-experiência um fenômeno.
6.4 . Sobre seu quadro, Quadrado Negro Sobre Fundo Branco, Malevitch afirmou:
“não foi um simples quadro vazio que eu expus, mas sim a experiência da ausência do
objeto.”. “O quadrado é pintura, ele está ali, como diz Malevitch, para confrontar a
‘experiência da ausência’. Ele não é, portanto, um símbolo, ele não é exatamente uma
imagem, ele é uma ausência: raela, opaca, espessa, ‘palpável’. Malevitch dá forma a
ausência. A ausência do objeto como tal. A ausência pintada.” (WajcmanAJCMAN in
Andrade).
6.4 . “O silêncio não existe, porém, num sentido literal, como a experiência de um
público. Isso significaria que o espectador não tinha ciência de nenhum estímulo ou
que era incapaz de elaborar uma resposta. Mas tal não pode acontecer; tampouco
pode ser induzido programaticamente. A não-ciência de nenhum estímulo e a
incapacidade para elaborar uma resposta somente podem resultar de uma presença
deficiente da parte do espectador, ou de uma má compreensão de suas próprias
reações (induzidas em erro por idéiaideias restritivas sobre qual deveria ser uma
resposta “relevante”). Sendo o público, por definição, constituído por seres sensíveis
um uma dada “situação”, é-lhe impossível não ter resposta alguma.” (Ssontag).
6.5 . Por outro lado, ao contrário de uma proposição analítica, uma proposição é
“sintética quando a sua validade é determinada pelos fatos da experiência.” (Ayer in
Kosuth). “O estado sintético (…) não leva a um movimento circular de volta a um
diálogo com a estrutura mais ampla de questões acerca da natureza da arte, mas lança
para fora da ‘órbita’ da arte, para o ‘espaço infinito’ da condição humana” (Kkosuth). É
necessário abandonar a estrutura de aspecto tautológico da arte e considerar
informações “de fora”;, a proposição (obra de arte) necessita ser verificada pelo mundo
fora da Arte, o qual atestará ou não sua validade -ou não, esta não sendo puramente
formal, mas contingente, e portanto, dependente das considerações de contextos que
extrapolam o Mundo da Arte.
6.6 . “The fact that its conceptual content cannot be linguistically recoded in any kind of
digestible propositional form doesn’t mean that it doesn’t have conceptual meaning. (…)
. If concepts are understood in terms of their functional role, then perhaps what
distinguishes the thinking peculiar to art consists in constructing non propositional
functions by making materials - linguistic, sonic, plastic, etc. - do things we don’t expect
in ways we couldn’t have anticipated. Art is the construction of function, as opposed to
then relaying of reestablished function. (…) . By obliging you to conceptualize its non
propositional content, art may make you think about status of sensation, about what
hearing is or what seeing is, and ultimately, that feeling is… . Its seems to me that
modernism in art is the idea that by challenging clichéd ways of perceiving, you can
encourage people to think about the way they see things, rather than continue to see
the world as it is generally accepted to be. This is to begin to understand things
differently, but also to expose the various invisible mechanisms that condition habitual
perception. (…) it can challenge our beliefs about ourselves and our world in a way that
invites us to remake both without having to enunciate this as a propositional injuction”.
(Brassier).
6.9 . O quase vazio, como uma proposição artística, não tem em vista a realização do
vazio, pois admite sua incapacidade de alcançá-lo, tanto quanto sua impossibilidade de
efetuação do puro conceito. O quase vazio é a experiência do conceito não realizado,
ou a não-experiência da possibilidade de existir o vazio. Quase vazio é uma condição
incomensurável e inatestável. Se “vazio” é uma abstração não possível de ser
realizada, como comprovar sua proximidade ou medir seu grau? Se há um fosso entre
conceito e sensação, o quase vazio não pretende aterrá-lo, tão pouco construir uma
ponte que anulasse a separação. Planar por sobre o fosso sem a menor intenção de
aterrissagem é seu único compromisso.
TERCEIRA PARTE
Registrando os painéis “vazios”
A terceira e última parte do texto, contéêm o relato da atividade de catalogar e registrar
os painéis sem anúncios publicitários do Metrô de São Paulo e observações que pude
fazerconstatar durante essa tarefa.
De 23 à 30 de jJunho, passei a maior parte dos dias debaixo da terra (exceto pelas
estações localizadas no mesmo nível ou acima do nível da ruas e as saídas para
refeições), munido de caderno, caneta e câmera fotográfica. A tarefa era simples,
porém árdua;, a extensão total do Metrô de São Paulo, na época, com suas 66
estações agrupadas em 6 diferentes linhas e, com em média, 115 trens circulando ao
mesmo tempo, exigia tempo e energia. Uma média de 6 horas diárias foram
empregadas em tal tarefa, totalizando algo em torno de 42 horas no interior do sistema
metroviário de São Paulo.
Linha Azul: Tucuruvi, Parada Inglesa, Jardim São Paulo - Ayrton Senna, Santana,
Carandiru, Portuguesa - Tietê, Armênia, Tiradentes, Luz, São Bento, Sé, Liberdade,
São Joaquim, Vergueiro, Paraíso, Ana Rosa, Vila Mariana, Santa Cruz, Praça da
Árvore, Saúde, São Judas, Conceição e Jabaquara.
Linha Verde: Vila Madalena, Sumaré, Clínicas, Consolação, Trianon - Masp, Brigadeiro,
Paraíso, Ana Rosa, Chácara Klabin, Santos - Imigrantes, Alto Ipiranga, Sacomã,
Tamanduateí e Vila Prudente.
Para os painéis no interior dos trens foi determinado que a catalogação deveria
ter início no primeiro vagão de cada trem, e depois percorrer os demais em direção ao
último. Apesar dos títulos se referirem aos códigos de identificação dos vagões, e este
código ordenar os trens, a escolha foi por iniciar sempre pelo primeiro vagão levando
em consideração a direção do movimento de trem, pois os painéis deveriam respeitar
esta ordem determinada pela direção. Nos trens das linhas Amarela e Prata foi possível
percorrer os vagões sem a necessidade de desembarcar, pois há passagens entre os
vagões no interior dos trens. Nas Linhas Azul, Verde, Vermelha e Lilás foi necessário
desembarcar e utilizar a plataforma de embarque para a transferência entre vagões.
Com a intenção de agilizar o processo, havia uma determinação de ordem prática de
que o tempo gasto em cada vagão deveria ser o mesmo que o tempo de deslocamento
entre uma estação e outra, me permitindo trocar de vagão em cada estação.
II.
A . Não era necessário que as fotografias correspondessem a exigências por
qualidade, não havia interesse em produzir boas imagens. Do mesmo modo em que o
título de cada painélpainel, enquanto obra, ocupa uma função catalogatória, as
fotografias, a princípio, objetivaram trabalhar como um complemento imagético para a
catalogação, ocupando, talvez, um lugar de comprovação, atestação da existência
daquilo que o código alfanumérico afirmava catalogar. Porém, podemos dizer, “nem
tanto”.
III.
A . Mais uma vez, como no primeiro evento de open studio, observar a reação dos
presentes não era o objetivo, porém, as circunstâncias novamente iluminaram tal
aspecto. Como dito, apontar uma objetiva em direção a algo, é afirmar que esse algo é
interessante;, apontar uma objetiva em um lugar repleto da mais variada sorte de
pessoas, é chamar a atenção para algo que se afirma ser interessante. Se isso é
verdade ao utilizar um telefone celular, essa verdade é potencializada na presença de
uma câmera fotográfica. A praticidade multimíédia de um smartphone tornou a
presença de um aparato especializado, a câmera fotográfica, um indicativo de que o
referente é de ainda maior importância.
1). Os menos comuns nas estações, porém os mais comuns no interior dos trens, os
painéis vazios ideais, eram aqueles que, na ausência de material publicitário,
apresentavam uma superfície branca, geralmente um pouco suja. Nos painéis das
estações, os anúncios são colados diretamente nesta placa branca;, nos painéis no
interior dos trens, há um película transparente que funciona como envelope para os
anúûncios (por vezes em painéis sem anúncios, falta esta película tranparente). Os
poucos backlights sem material publicitário também apresentavam uma superfície
branca, com as luzes ligadas ou desligadas e, como os painéis no interior dos trens, à
frente da placa branca apresentavam uma placa transparente, esendo o lugar do
material publicitário estava entre as duas placas. As superfícies brancas de ambos os
tipos de painéis não eram uniformes:, apresentavamndo sujeiras, manchas, a textura
do material, áreas mais iluminadas (para os back lights) e eram responsivas àa
iluminação do espaço, apresentando reflectâncias diversas.
2). Nas plataformas das estações da Linha Amarela, os anúûncios são afixados
diretamente em painéis sem borda que compõem uma estrutura extensa, que
ocupando toda a extensção das paredes e, sendo não é exclusiva para publicidade.
Esta ée dividida em áreas para comunicação institucional e anúûncios publicitários.
AEssa estrutura é branca, e, na ausência de material publicitário, encontra-se desta
cor.
3) . Haviam os painéis em que, na ausência de material publicitárioas e na ausência do
paineél branco, apresentavam a visão da parede ao fundo, onde estavam afixadas. Na
maioria dos casos, havia uma parede de concreto cinza para os painéis no interior das
estações e paredes ladrilhadas de diferentes cores para os que estavam localizados
nas entradas das estações da Linha Azul. Nas plataformas, haviam aqueles afixados
em cima de placas ou estruturas de diversas cores que lá estavam para adornar.
- Números
Backlights ligados: 3
Backlights desligados: 17
Outros: 60
TOTAL: 594
V.
A . Foi possível notar, nas estações mais “modernizadas”, (Linha Amarela e Linha
Prata), a ausência de estruturas exclusivas para publicidade e a utilização da infra
estrutura geral para a difusão de material publicitário:, como paredes, portas, escadas e
o exterior dos trens. Já no interior dos trens, não foi visto nenhum anúncio estático,
contudo, havia televisores exibindo curiosidades, vídeos engraçados, horóscopo e
anúncios publicitários. Na falta de estruturas exclusivas para a publicidade, não é
possível a existência de painéis vazios e, por tanto, não é possível constatar a
ausência do material publicitário. É possível especular que, a abolição dessas
estruturas exclusivas objetiva o fim dos painéis vazios, sendo estses índices da
decadência de uma era publicitária que se definha e a passagem gradual, pela
ocupação de áreas comuns, para outro paradigma publicitário que, na contramão dos
intrusivos anúûncios televisivos, outdoors e demais espaços exclusivos, tenciona o
espaço da vida cotidiana como campo para uma publicidade difusa e integrada às
atividades das mais corriqueiras.
BIBLIOGRAFIA.
BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica. In Obras
Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política.
CABAÑAS, Kaira M. Off-screen Cinema: Isidore Isou and the Lettrist Avant-Garde. 1.
ed. Chicago: Universidade de Chicago, 2014
CAGE, John. Silence. 8. ed. Hanover: University Press of New England, 2006
FILIPOVIC, Elena. When Exhibitions Become Form: On the History of the Artist as
Curator. Mousse Magazine #41, Milan, 2013
FRAMPTON, Hollis. Uma Conferência, in: Mourão, Patricia ; Duarte Theo. Cinema
Estrutural. 1. ed. Rio de Janeiro: Aroeira, 2015.
KNABB, Ken (Org.). Guy Debord: Complete Cinematic Works. 1. ed. Oakland: AK
Press, 2003.
KOSUTH, Joseph. A Arte Depois da Filosofia. In Escritos de Artistas Anos 60/70. Org.
FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecilia.
MALIK, Suhail. Reasons to Destroy Contemporary Art. in Realism Materialism Art, Org.
COX, Christoph; JASKEY, Jenny; MALIK, Suhail.