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A DIALÉTICA MATERIALISTA HISTÓRICA NA

PESQUISA EM EDUCAÇÃO1

William José Lordelo Silva2

Resumo

O presente texto discute a dialética materialista histórica na pesquisa em educação e


expõe, em linhas gerais e de acordo com alguns interlocutores do marxismo no campo
da pesquisa educacional, como o trabalho de realizar uma pesquisa dialética da
educação, de base materialista histórica, implica mais do que escolher um método de
pesquisa ou investigação, pois esse método é em si uma concepção de mundo, um
método de análise e uma práxis. Por fim, discute com base nos estudos de Sílvio
Sanchez Gamboa, como é possível a superação do falso dualismo construído
historicamente entre as técnicas de pesquisa (quantitativas e qualitativas). Discussão que
tem como principal objetivo levantar elementos concretos para superar o senso comum
de que o método dialético trabalha só com análises qualitativas.

Palavras-chave: Marxismo, Dialética, Método e Pesquisa Educacional.

Introdução

A necessidade de discutir no campo da investigação educacional a dialética


materialista histórica, ou, mais precisamente, o materialismo histórico, não é uma
necessidade tão recente entre os pesquisadores interessados em investigar os problemas
da educação brasileira, pois a literatura especializada aponta que estudos dessa natureza
vêm sendo realizados por esses pesquisadores desde meados da década de 70 chegando
até os dias atuais. Mas, é principalmente uma necessidade que se justifica pelo fato do
materialismo histórico demarcar a ruptura entre a ciência da história e as análises
metafísicas de diferentes matizes e níveis de compreensão do real – que vão do

1
Texto produzido para ser entregue como avaliação final da disciplina EDC557 – Abordagens e Técnicas
de Pesquisa em Educação, coordenada pela professora Dr.ª Dora Leal Rosa e pelo professor Dr.º Robert
Evan Verhine.
2
Licenciado em Educação Física pela UEFS; Professor da rede pública de ensino do Estado da Bahia;
Estudante do Curso de Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da
FACED/UFBA. E-mail: lilolordelo@yahoo.com.br.

1
empiricismo ao positivismo, idealismo, materialismo vulgar e estruturalismo
(FRIGOTTO, 1999).
Essa literatura especializada ressalta inclusive como se deu historicamente o
processo de inserção e consolidação da dialética enquanto uma tendência teórico-
metodológica na pesquisa educacional brasileira. Onde, as abordagens dialéticas
presentes na pesquisa educacional, surgem como uma das alternativas críticas em
relação às abordagens empírico-analíticas (empirista, positivista, sistêmica,
funcionalista), que dominavam a produção científica da área (GAMBOA, 1999).
No entanto, como sinaliza o título desse trabalho, não temos o interesse em
estudar todas as abordagens dialéticas, mais, sobretudo, a dialética materialista histórica
ou a nova dialética. Pois é a essa nova perspectiva da dialética que se deve a vinculação
entre a dialética e à pesquisa. Contudo, para se explicitar na dialética fundada no
materialismo histórico, a base filosófica da dialética percorre um imenso caminho do
próprio pensamento filosófico, que vai de Heráclito a Hegel e de Hegel para todo o
pensamento marxista que historicamente explicita uma nova dialética, a dialética
marxista (SANFELICE, 2005).
Neste sentido, Bottomore (2001) apresenta a seguinte síntese acerca da dialética
na tradição do pensamento marxista:

A dialética é tematizada na tradição marxista mais comumente enquanto (a) um


método e, mais habitualmente um método científico: a dialética
epistemológica; (b) um conjunto de leis ou princípios que governam um setor
ou a totalidade da realidade: a dialética ontológica; e (c) o movimento da
história: dialética relacional (BOTTOMORE, 2001, p. 101).

Com o objetivo de elucidar como se dá essa vinculação entre a dialética


materialista histórica e a pesquisa educacional, foram selecionados os trabalhos de
alguns pesquisadores nacionais (FRIGOTTO, 1999; SANFELICE, 2005; entre outros)
que são referencias no debate acerca da dialética marxista na pesquisa em educação,
trabalhos que apresentam entre si algumas divergências na forma de abordar essa
temática, mas que em síntese convergem no entendimento da dialética materialista
histórica

2
Enquanto uma postura, ou concepção de mundo; enquanto um método que
permite a apreensão radical (que vai à raiz) da realidade e, enquanto práxis, isto
é, unidade de teoria e prática na busca da transformação e de novas sínteses no
plano do conhecimento e no plano da realidade histórica (FRIGOTTO, 1999,
p.73).

É evidente que essas dimensões que compõe uma mesma unidade, o


materialismo histórico, foram apresentadas e/ou abordadas de diferentes formas pelos
respectivos autores. Contudo, é sobre essas dimensões que vamos, na medida do
possível, tentar nos aproximar por entendermos que são essas dimensões que garantem
o materialismo histórico dialético como uma teoria consistente e/ou filosofia de máximo
grau de abrangência e universalidade que nos arma para investigar e enfrentar enquanto
pesquisadores os problemas da educação brasileira, e em especial os problemas da
educação nordestina.
Por fim, neste estudo trataremos apenas pontualmente de algumas possíveis
soluções criadas por alguns pesquisadores que se propuseram a tarefa de em suas
pesquisas superar o falso dualismo construído historicamente no campo das pesquisas
educacionais entre as técnicas quantitativas e qualitativas de coletas, tratamento e de
análises de dados. Sendo assim, levantaremos alguns elementos a partir desses estudos
com o claro objetivo de superar o senso comum de que o materialismo histórico
trabalha apenas com as técnicas qualitativas.

1. A dialética materialista histórica: uma postura ou concepção de mundo, um


método de análise e uma práxis.

A separação que iremos fazer dessas dimensões (concepção de mundo, método


de análise e práxis) dessa mesma unidade - o materialismo histórico -, deve ser
entendida neste estudo apenas como um recurso de exposição formal, como nos adverte
tanto Frigotto (1999), como Sanfelice (2005).

A dialética marxista enquanto uma concepção ou visão de mundo.

3
Essa dimensão da dialética materialista histórica, enquanto uma postura só pode
ser percebida, segundo Frigotto (1999) quando partimos da “análise da história do
pensamento humano”, pois esta revela que para responder a grande questão,
fundamental em toda a filosofia moderna, a saber, “a... relação do pensamento com o
ser, do espírito com a natureza... a questão de saber qual é o elemento primordial, se o
espírito ou a natureza...” (LENIN, 2003, p. 16), ou seja, de como se deu o
desenvolvimento do mundo, encontramos duas concepções opostas construídas pelo
homem: uma metafísica e a outra materialista histórica.
Segundo Frigotto (1999), a concepção metafísica, “parte de uma compreensão
organicista e fisicalista da realidade social, das idéias e do pensamento”. Enquanto que a
outra perspectiva, a materialista histórica, “funda-se na concepção de que o pensamento
humano, as idéias são o ‘reflexo’, no plano da organização nervosa superior, das
realidades e das leis que se passam no mundo exterior”.
Para Gamboa (1999) essas concepções da realidade, expressas nas pesquisas
educacionais - apresentadas explícita ou implicitamente pelos pesquisadores em suas
pesquisas - definem duas grandes tendências: 1) aquela que privilegia uma visão
dinâmica e conflitiva da realidade a partir das categorias materialistas de conflito e de
movimento (a perspectiva materialista histórica); e 2) aquela que prefere uma visão
fixista, funcional, pré-definida e predeterminada da realidade (a concepção metafísica
da realidade).
Sendo assim, a visão de mundo metafísica, “orienta os métodos de investigação
de forma linear, a - histórica, lógica e harmônica”. Apresentando-se sob o pressuposto
de que os fenômenos sociais se regem por leis ‘do tipo natural’ e, dessa forma, passíveis
de observação neutra e objetiva. Logo, defende como necessária à objetividade das
pesquisas, que se fundamentam nesse pressuposto, a separação entre fatos e valores,
ideologia e ciência e entre o sujeito e objeto a ser investigado. Esse pressuposto
consolida-se “na pesquisa por uma metodologia que reduz o objeto de estudo a
unidades, individualidades, fatores ou variáveis isoladas, autônomos e mensuráveis”
(FRIGOTTO, 1999, p. 74 -75).
Já a concepção materialista histórica, por entender que a realidade objetiva
existe independentemente das idéias e do pensamento humano, e que essa mesma
realidade tem suas leis específicas. Entende que a dialética, situa-se, “no plano da
realidade, no plano histórico, sob a forma de uma trama de relações contraditórias,

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conflitantes, de leis de construção, desenvolvimento e transformação dos fatos”
(FRIGOTTO, 1999, p. 75).
Neste sentido, tanto Frigotto (1999), como Gamboa (1999) defendem que, esse
conhecimento sobre as diferentes visões de mundo é fundamental para os pesquisadores
que querem se dedicar a investigar os problemas da realidade educacional, sobretudo,
pelo fato de ser a concepção de mundo quem orienta o método de investigação de uma
determinada proposta de trabalho. É baseado neste entendimento que Frigotto (1999)
afirma que “a postura antecede o método”. Sobre essa afirmação Gamboa acrescenta:

A visão de mundo, entendida como uma percepção organizada da realidade


que orienta a produção da pesquisa, se constrói através da prática cotidiana do
pesquisador e das condições concretas da sua existência. Isto é, a visão de
mundo, que organiza, como categoria mais complexa e abrangente, os diversos
elementos implícitos na concreticidade de uma determinada opção
epistemológica, é a responsável pelas opções de caráter técnico, metodológico,
teórico, epistemológico e filosófico que o pesquisador faz durante o processo
de investigação. (GAMBOA, 1999, p.107).

Como síntese pode-se afirmar que a dialética materialista histórica, funda-se na


concepção materialista da realidade, por conseguinte, no imperativo do modo humano
de produção social. Sendo assim, no processo dialético de produção do conhecimento
são utilizadas em termos de categorias básicas as categorias totalidade, contradição,
mediação, ideologia, práxis, etc. Enquanto que a concepção metafísica edifica-se sob a
linearidade, harmonia, fator e a-historicidade.

A dialética marxista enquanto um método de investigação e análise da realidade

Um primeiro pressuposto do método de análise, na perspectiva do materialismo


histórico é o fato de este estar ligado intimamente a uma concepção da realidade, de
mundo e de vida no seu conjunto, a concepção materialista da história (FRIGOTTO,
1999). Pois se assim não fosse seria muito difícil distinguir a dialética materialista
histórica, da dialética idealista Hegeliana, devido ao fato de ambas partirem de uma
lógica da contradição para entender a realidade concreta.
Essa distinção se faz necessária devido à literatura especializada (KONDER
1981; BOTTOMORE, 2001 e SANFELICE, 2005) destacar que é do pensamento de

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Hegel que Marx toma e desenvolve o método dialético de investigação da realidade,
agora tomado não mais sob as bases do pensamento idealista (Hegel), mas, sob os
alicerces da concepção materialista da história. Sendo assim, Lênin (2003) destaca que,
na concepção de Marx:

A dialética compreende aquilo que hoje se chama teoria do conhecimento ou


gnoseologia, teoria que deve também encarar o seu objeto do ponto de vista
histórico, estudando e generalizando a origem e o desenvolvimento do
conhecimento, a passagem da ‘ignorância’ ao conhecimento (LENIN, 2003,
p.18).

Mas como assinala Freitas (2003) o método de pesquisa em Marx, conhecido


“como o método dialético do abstrato ao concreto”, possui no plano conceptual,
momentos distintos que fazem parte do processo dialético de construção do
conhecimento, o primeiro momento é o da ‘representação’ do empírico (o movimento
do concreto-empírico ao abstrato), que não é em si o conhecimento, mas o início do
conhecimento que ganha corpo a partir de determinações abstratas que, analiticamente
permite formular conceitos simples (FREITAS, 2003, p.75).
O outro momento segundo o mesmo autor, “consiste em enfatizar as relações das
‘parte’ com o ‘todo’, num caminho inverso ao realizado pela abstração analítica. Esta é
a passagem do abstrato à totalidade concreta geral – como concreto-pensado”
(FREITAS, 2003, p. 76).
Desta forma, o marxismo - através da dialética - apresenta-se como uma
concepção de mundo que entende a realidade como totalidade concreta, historicamente
construída pelo homem, donde o homem é o principal agente construtor e transformador
dessa realidade. Tendo a dialética materialista como seu principal objetivo à destruição
da pseudoconcreticidade, e à busca da “coisa em si”.

A DIALÉTICA trata da “coisa em si”. Mas a “coisa em si” não se manifesta


imediatamente ao homem. Para chegar à sua compreensão, é necessário fazer
não só um certo esforço, mas também um détour3. Por este motivo o

3
Segundo Frigotto (1994), esse détour implica necessariamente ter como ponto de partida os fatos
empíricos que nos são dados pela realidade. Implica, em segundo lugar, superar as impressões primeiras,
as representações fenomênicas desses fatos empíricos e ascender ao seu âmago, às suas leis fundamentais.
O ponto de chegada será não mais as representações primeiras do empírico, ponto de partida, mas o
concreto pensado. Essa trajetória demanda do homem, enquanto ser cognoscente, um esforço e um
trabalho de apropriação, organização e exposição dos fatos.

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pensamento dialético distingue entre representação e conceito da coisa, com
isso não pretendendo apenas distinguir duas formas e dois graus do
conhecimento da realidade, mais especialmente e sobre tudo duas qualidades
da práxis humana. (KOSIK, 2002, p.13).

Neste sentido, com relação aos trabalhos realizados no campo da pesquisa em


educação, que tomam como base para a produção do conhecimento o método de
investigação materialista histórico ou o método da economia política, a análise feita por
Kuenzer (1998) da produção do Grupo de Trabalho – Trabalho e Educação da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED, destaca
que o problema que tem se manifestado “é o insuficiente domínio do método da
economia política”, o que tem resultado em insuficientes formas de articulação entre
parte e totalidade, concreto e abstrato, objeto e sujeito, histórico e lógico, conteúdo e
forma, pensamento e realidade.
É visando superar esse problema que se justifica investigar não só a dialética
materialista histórica enquanto método de investigação e análise da realidade, mas o
materialismo histórico em todas as suas dimensões. Pois como será exposto no próximo
tópico “a reflexão teórica sobre a realidade não é uma reflexão diletante, mas uma
reflexão em função da ação para transformar” (FRIGOTTO, 1999, p, 81).

A dialética materialista histórica enquanto uma práxis

Para a teoria materialista histórica, é a práxis, o ponto de partida do


conhecimento enquanto esforço reflexivo de analisar criticamente a realidade. Pois o
materialismo histórico sustenta que o conhecimento se da na e pela práxis. Logo, a
práxis se constitui no aspecto básico da concepção materialista do conhecimento
(FRIGOTTO, 1999).
Para Frigotto, um aspecto fundamental da práxis é que esta expressa na
perspectiva da dialética materialista, justamente, a unidade indissolúvel de duas
dimensões distintas, diversas no processo de produção do conhecimento: a teoria e a
ação.

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Mas, para que essa reflexão teórica sobre a realidade assuma nas pesquisas em
educação a postura de uma reflexão em função da ação de transformar essa realidade -
no caso, a realidade educacional -, a intenção de transformar o real tem que estar
presente nas pesquisas desde o momento de investigação do fenômeno educativo, por
ocasião das decisões metodológicas que se processam no transcurso de toda a pesquisa
(KUENZER, 1999).
Desta forma, apresentadas as diferentes dimensões que compõe a dialética
materialista histórica em sua totalidade, ou seja, enquanto uma tríade: concepção de
mundo, método de análise e práxis. Debruçaremos-nos agora sobre o polêmico debate
entre as técnicas quantitativas e qualitativas da pesquisa científica, com o escopo de
superar o senso comum de que o método dialético trabalha apenas com análises
qualitativas.

2. O falso dualismo entre as técnicas (quantitativas e qualitativas) e a contribuição


do materialismo histórico na sua superação.

Estudos que tem se dedicado a investigar a história das pesquisas em educação


no Brasil, como Gamboa (1999), demonstram claramente que a uma tendência muito
forte entre os pesquisadores, em restringir as abordagens metodológicas a apenas um
tipo de técnica (quantitativa e qualitativa) de pesquisa. Como se estas fossem
excludentes entre si.
Tal tendência é possível de ser observada em Gamboa (1999), quando este
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apresenta o resultado da análise epistemológica que realizou sobre o “nível técnico”
das pesquisas dos discentes dos cursos de pós-graduação do Estado de São Paulo, onde
destaca que:
1) As pesquisas empírico-analíticas apresentam em comum à utilização de
técnicas de coleta, tratamento e análise de dados marcadamente quantitativas
com uso de medidas e procedimentos estatísticos;

4
É importante ressaltar que nesse estudo Gamboa, não restringe sua análise epistemológica apenas ao
nível técnico das pesquisas, abordando também outros níveis de articulação lógica, como os níveis:
teórico e epistemológico.

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2) As pesquisas fenomenológico-hermenêuticas utilizam técnicas não-
quantitativas como entrevistas, depoimentos, vivências, narrações, técnicas
bibliográficas, histórias de vida e análise de discurso;
3) As pesquisas crítico-dialéticas, além das técnicas utilizadas pelas pesquisas
fenomenológico-hermenêuticas, utilizam a “pesquisa-ação” e a “pesquisa-
participante”.

Essa tendência em vincular determinada técnica de coleta, tratamento e análise


de dados, nível técnico, a um tipo específico de abordagem sem fazer a articulação
desse nível com os demais níveis da pesquisa, tem gerado, no campo da pesquisa
educacional, vários problemas, como “o falso dualismo entres as técnicas quantitativas e
qualitativas” ressaltado por Gamboa (1999 e 2002), e o “certo senso comum de que o
materialismo histórico trabalha só com análises qualitativas” (FRIGOTO, 1999).
A literatura especializada na pesquisa em educação propõe diferentes formas
para a superação desse falso conflito entre técnicas quantitativas e qualitativas, mas,
coerentes com a temática maior que nos propomos a trabalhar nesse texto, a dialética
materialista histórica e as suas contribuições para a pesquisa em educação, optaremos
pelos estudos realizados por Gamboa (2002), sobretudo, pelo fato deste pesquisador
apontar o materialismo histórico como o enfoque epistemológico que propõe uma forma
de superação concreta para esse falso dualismo quantidade-qualidade.
Sendo assim, para Gamboa esse dualismo quantidade-qualidade é construído
historicamente pelo reducionismo dessa discussão ao nível técnico, resultante da forma
como se colocam as alternativas da pesquisa, considerando apenas as opções técnicas,
desligadas de outros aspectos níveis que integram a pesquisa científica.
Por esse motivo, é que o autor vai destacar que a discussão alcançou um outro
patamar, mais avançado, quando se começou a admitir entre os pesquisadores a
distinção entre os diferentes níveis técnicos, metodológicos, teóricos e epistemológicos,
e a se procurar racionalizar as formas de articulação entre esses níveis.
É nesse sentido, que Gamboa afirma que para superar esse falso dualismo
quantidade-qualidade, é necessário que as alternativas sejam colocadas no nível das
grandes tendências epistemológicas que fundamentam não somente as técnicas, os
métodos, e as teorias, mas também a articulação desses níveis entre si e desses níveis
com seus pressupostos filosóficos.

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Contudo, Gamboa, ressalta que a articulação desses elementos depende de cada
enfoque epistemológico, onde em cada enfoque as técnicas são utilizadas de formas
diferentes. Segundo o autor isso, explica por que os instrumentos de coleta, tratamento e
organização de dados e informações são, ou não, destacados de acordo com cada
perspectiva epistemológica.
Para exemplificar essa questão o autor demonstra como os enfoques empírico-
analíticos (positivistas) e os enfoques etnográficos e fenomenológicos destacam de
diferentes formas suas técnicas e os instrumentos de pesquisa. Pois, enquanto os
enfoques positivistas priorizam as técnicas quantitativas, negam a importância de outras
formas de coleta e tratamento de dados, que poderiam comprometer o rigor e a
objetividade do processo.
Os enfoques fenomenológicos e etnográficos limitam a importância dos dados
quantitativos, pelo seu “reducionismo matemático”, embora os aceitando apenas como
indicadores que precisam ser interpretados à luz dos elementos qualitativos e
intersubjetivos, sendo assim, esses enfoques destacam os instrumentos e as técnicas que
permitem a descrição densa de um fato, a recuperação do sentido, com base nas
manifestações do fenômeno e na recuperação dos contextos de interpretação.
Entretanto, Gamboa (2002) adverte que quando remetemos a discussão da falsa
dicotomia entre as técnicas da pesquisa em educação, para os enfoques epistemológicos,
podemos cair numa dicotomia epistemológica, ao reduzirmos as alternativas a um ou
outro enfoque epistemológico, e excluímos outras opções.
Nesse sentido, ao investigar os autores que abordam o debate sobre as técnicas
de pesquisa no contexto das concepções mais amplas de método e ciência, Gamboa,
identifica duas tendências entre esses autores:
1) Os que desqualificam a discussão sobre as tendências metodológicas por
defenderem a existência de um único método científico, os quais se aderem
os princípios da ciência empírico-analítica e do positivismo lógico que
dificilmente aceitam outras formas de elaborar conhecimento senão aquelas
que se ajustam aos critérios dos procedimentos experimentais e estatísticos e
ao raciocínio hipotético-dedutivo;
2) Os que aceitam a existência de dois métodos científicos, um apropriado para
as ciências exatas e naturais e outro para as ciências humanas e sociais, pois
questionam a unidade da ciência e a transferência automática dos métodos
das ciências naturais para as ciências humanas e defendem a necessária

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especificidade das ciências humanas e sociais no que se refere à presença da
subjetividade.

Sendo assim, Gamboa argumenta que essa exigência de uma especificidade


metodológica para as ciências sócias pode dirigir as discussões sobre as alternativas da
pesquisa a uma falsa dicotomia epistemológica, se expressando em duas distintas
vertentes: a vertente que destaca o tratamento da subjetividade (enfoques cuja matriz
comum está na fenomenologia), e a vertente que prioriza a objetividade dos processos,
fundada nos parâmetros da ciência empiríco-analítica (os conhecidos enfoques
positivistas).
Para Gamboa, reduzir as alternativas da pesquisa em ciências sociais a duas
abordagens epistemológicas, fundadas nas tradições fenomenológicas e positivista,
expressas alguns ricos, dentre os quais destaca: 1) o risco de “situar num mesmo campo,
e de forma indiscriminada, diferentes concepções de ciência”, onde é lugar comum
chamar de positivismo tudo aquilo que não se enquadrar dentro dos requisitos do
enfoque etnográfico ou fenomenológico englobando num mesmo grupo o materialismo
histórico, o empirismo, o positivismo, etc. e da mesma forma, “considerar como
subjetivista, e portanto concepções ‘pouco rigorosas’ ou ideológicas”, os enfoques
existencialistas, historicistas, fenomenológicos, inclusive os dialéticos; e 2) o risco,
“conseqüência do anterior, de em excluir terceiras opções” (GAMBOA, 2002, p. 96).
Sendo assim, Gamboa fulmina: “segundo essa forma de pensar, cada enfoque se
acredita o mais científico, valido ou o mais apropriado para o tratamento dos fenômenos
sociais”. E completa “essa parece ser a argumentação que, em entrelinhas, é defendida
quando se confrontam os métodos qualitativos versus quantitativos ou os enfoques
positivistas versus etnográficos” (GAMBOA, 2002, p. 97).
É partindo dessa dicotomia epistemológica, que parece desqualificar e coibir as
possibilidades de síntese entre os elementos qualitativos e quantitativos num mesmo
processo metodológico, que Gamboa vai defender o materialismo histórico, enquanto
uma possibilidade de enfoque epistemológico que consegue realizar a síntese entre esses
diferentes elementos. Pois o mesmo destaca que o materialismo histórico, propõe a
síntese como uma das suas categorias balizares, devido ao fato do materialismo
histórico já ser uma síntese de grandes correntes do pensamento filosófico e científico.
Como podemos observar nessa passagem:

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Ao longo da sua história, a dialética materialista tem recuperado a contribuição
de outras tendências filosóficas e científicas. Desde sua elaboração, como
abordagem científica (Marx), a dialética constitui-se com base nas
contribuições do empirismo inglês e do idealismo alemão, apropriando-se de
algumas categorias geradas e desenvolvidas nessas grandes tendências
filosóficas e transformando-as numa nova concepção filosófica e científica
(GAMBOA, 2002, p.103).

É partindo dessa referência que se torna possível superar o senso comum de que
a dialética materialista histórica, e mais especificamente o materialismo histórico,
trabalha apenas com as técnicas de qualitativas de análise, pois como afirma Freitas, “na
definição de uma determinada forma de trabalho, tem precedência a teoria do
conhecimento empregada e não suas técnicas particulares de coleta de dados”
(FREITAS, 2003, p. 73).

Considerações finais

A partir dos argumentos apresentados nesse trabalho verificou-se que a dialética


materialista histórica, ou mais especificamente o materialismo histórico, se apresenta
dentre as diferentes alternativas de enfoques epistemológicos disponíveis aos
pesquisadores em educação, enquanto uma sólida teoria do conhecimento, que se
entendida na sua tríade: concepção de mundo, método de análise e práxis, tem uma
grande contribuição a dar a produção científica no campo das ciências sociais, em
especial a investigação com a clara intenção em superar os graves problemas
educacionais brasileiros.
De acordo com os autores pesquisados, pode-se concluir que nos dias atuais
qualquer avanço na dialética materialista histórica, alimenta-se além de seu próprio
desenvolvimento, da capacidade de assimilar as contribuições da fenomenologia
contemporânea e do moderno empirismo. Sendo assim, superando o falso dualismo
apresentado entre as técnicas de pesquisa quantitativas e qualitativas.

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Referências

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CHEPTULIN, Alexandre. A dialética Materialista: categorias e leis da dialética. São


Paulo: Editora Alfa-Omega, 1982. (coleção filosofia).

FREITAS, Luiz Carlos de. Crítica da Organização do Trabalho Pedagógico e da


Didática. 6ª ed. São Paulo: Papirus, 2003. (coleção magistério formação e trabalho
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contexto. In: FAZENDA, Ivani. (Org.). Metodologia da Pesquisa Educacional. 3ª ed.
São Paulo: Cortez, 1999, p. 69-90. (Biblioteca da Educação, Série 1, Escola; v. 11).

________. Quantidade-Qualidade: para além de um dualismo técnico e de uma


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Cortez, 2002. (Coleção Questões da Nossa Época; v. 42).

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monografias, dissertações e teses. 2a ed. Ver. e ampl. Salvador: EDUFBA, 2003.
(revisão e sugestões de Isnaia Veiga Santana).

KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 1981.

KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. 7a ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

KUENZER, Acácia Z. Desafios Teórico-Metodológicos da Relação Trabalho-Educação


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contemporâneos. – Campinas, SP: Autores Associados: HISTEDBR, 2005.

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