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Arquiteta, Doutora em Demografia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, pesquisadora colaboradora no
Núcleo de Estudos Populacionais – Nepo, da Unicamp, e do Núcleo de Economia Social Urbana e Regional do instituto de
Economia da Unicamp.
1
Termos utilizados como títulos de textos escritos por Campos, N. e Gouvêa, L.A. (Paviani , 1991).
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A Constituição Federal, ao atribuir aos Estados a institucionalização de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões, não previu a possibilidade de o fenômeno metropolitano envolver mais de uma UF. Por esse motivo, o Congresso
Nacional, em 1998, instituiu nova figura jurídica – a Região Integrada de Desenvolvimento (Ride), para possibilitar a articulação de
ações envolvendo a gestão de território em áreas que incluem mais de uma UF. Além da Ride-DF, criada em 1998, atualmente
existem a Ride Terezina-Timon (PI e MA) e a Ride Petrolina-Juazeiro (PE e BA).
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Além destes, deverá ser incluído, na área da região institucionalizada, o município mineiro de Cabeceira Grande, desmembrado
de Unaí em 1997 e que é limítrofe ao Distrito Federal, provavelmente excluído por engano.
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Para maiores detalhes, ver Guimarães e Leme (2002).
TABELA 1
População e taxas de crescimento
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1970-2000
5
Neste artigo será considerado intra-urbano o espaço interior à Ride, formado pelo DF e municípios diretamente envolvidos no
processo de expansão urbana. Esta conceituação baseia-se na formulação de Villaça (2001), sendo uma expressão criada para
diferenciar os enfoques específicos do processo de estruturação interna das cidades e metrópoles, diferenciando-o assim da
expressão espaço urbano utilizada pelas teorias e estudos sobre estruturação espacial regional.
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Até 2003 eram 19 RAs (RA I Brasília, RA II Gama, RA III Taguatinga, RA IV Brazlândia, RA V Sobradinho, RA VI Planaltina, RA VII
Paranoá, RA VIII Núcleo Bandeirante, RA IX Ceilândia, RA X Guará, RA XI Cruzeiro, RA XII Samambaia, RA XIII Santa Maria, RA XIV
São Sebastião, RA XV Recanto das Emas, RA XVI Lago Sul, RA XVII Rancho Fundo, RA XVIII Lago Norte e RA XIX Candangolândia).
Naquele ano, foram criadas quatro novas – Águas Claras (até então fazia parte da RA de Taguatinga), Varjão (fazia parte do Lago
Norte), Sudoeste (fazia parte da RA do Cruzeiro) e Riacho Fundo II –, perfazendo um total de 23. Em 2004, foi criada a RA do Park
Way (24ª), desmembrada do Núcleo Bandeirante.
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Não se pode confundir metrópole com região metropolitana. Metrópole é um conjunto de municípios que apresentam intensa
integração de funções urbanas (trabalho, habitação, lazer, educação, etc.) e integração da malha urbana, enquanto região
metropolitana é a denominação constitucional de uma das formas de organização territorial dos Estados. É importante esclarecer
que a Constituição Federal previu, no parágrafo 3º do artigo 25, que “os estados poderão, mediante lei complementar, instituir
regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituída de agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar
a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.” (BRASIL, 1988). Em outras palavras, a
Constituição Federal não previu a possibilidade de organização territorial envolvendo mais de um Estado. Por esse motivo, foi
criada nova figura jurídica denominada Região Integrada de Desenvolvimento.
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Segundo os dados da Rais/MT, em 2000, 94,22% das pessoas empregadas pelo mercado formal da região tinham como local de
emprego o DF e, no interior do DF, a RA de Brasília concentrava 76,92% dos empregos do DF. As RAs mais periféricas, de ocupação
recente e que apresentaram maiores taxas de crescimento, detinham, em 1991, pouco mais de 0,51% dos empregos: Recanto
da Emas (0,23%); Riacho Fundo (0,06%); Santa Maria (0,24%); e São Sebastião (0,08%).
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Em 1999, segundo os dados da Rais/MT, trabalhados por Holanda et al. (2000), o Plano Piloto concentrava 76,9% dos empregos,
enquanto Taguatinga abrigava 10% e Guará 4,4% do total.
10
Taguatinga e Ceilândia, cidades-satélites vizinhas e conurbadas, concentravam, em 2000, 518 mil habitantes, 28,7% da população
do DF.
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A análise do processo de ocupação do DF e entorno teve por base as conclusões da pesquisa Gestão do Uso do Solo e Disfunções
do Crescimento Urbano, realizada em 1997 (Ipea, USP, UnB, UFRJ 2001).
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A Constituição de 1891 estabeleceu que as terras devolutas da União passariam a pertencer aos Estados, exceto as áreas
incluídas no perímetro de 14.400km2 destinado à implantação da capital no Planalto Central, a serem demarcadas futuramente.
Um Decreto-Lei promulgado em 1967 determinou que fossem respeitados os direitos dos proprietários particulares, cujas posses
constassem nos registros paroquiais, ou fossem baseadas em ações de usucapião até 01/01/1917, ou em documento de venda
ou doação feita pela União após a Constituição de 1891. Assim, a implantação do DF não extinguiu a propriedade privada da terra,
resultando na existência de diferentes naturezas de propriedade, com terras públicas, via desapropriação; terras particulares; e
terras públicas e particulares em comum.
TABELA 2
Componentes do crescimento demográfico
Distrito Federal – 1960-2000
Fonte: Nogalles (2004). Estimativa baseada nas taxas de natalidade e mortalidade da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
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Pergerb – Programa Especial da Região Geoeconômica de Brasília, criado através da Emenda Ministerial– E.M. 04/1975, e
Polocentro – Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (1975) – programa de ação regional do II PND, que teve como principais
medidas a concessão de crédito subsidiado e a construção de infra-estrutura básica, como estradas e eletrificação rural. Hogan
(2002).
14
O Guará e o Núcleo Bandeirantes até então integravam a RA de Brasília.
15
Sobre a expansão urbana no DF, ver Anjos (1991).
16
Ver Paviani (1987).
população de renda média, com prestações que o número de postos de trabalho é bas-
variando de 1 a 2 salários mínimos.17 Estes tante reduzido).
três conjuntos deram origem a desmembra-
mentos, na década de 90, constituindo-se A dinâmica migratória na Região Integrada
em três municípios de mesmo nome: Cidade de Desenvolvimento do Distrito Federal e
Ocidental, Valparaíso de Goiás e Novo Gama. entorno20
Além da formação de cidades-satélites
para assentamento de população removida Como já mencionado anteriormente, a
de áreas de invasão, no início da ocupação ocupação do Distrito Federal e entorno foi
de Brasília, em período mais recente, atra- fortemente condicionada pela afluência de
vés da criação do Programa Habitacional grandes fluxos migratórios atraídos, no
de Assentamentos de Baixa Renda, em oito início do processo, pelas oportunidades de
anos (1987-1995) foram distribuídos emprego geradas pela construção da ca-
109.128 lotes residenciais, atendendo cerca pital federal. A falta de opção de acesso
de 607.616 habitantes,18 através da incor- aos empregos e à renda em suas áreas de
poração de novas áreas a alguns núcleos origem e as fortes expectativas de novas
já existentes e da criação de novos núcleos oportunidades em função da magnitude do
periféricos, que deram origem às RAs de projeto nacional de desenvolvimento,
Samambaia, Riacho Fundo, Santa Maria e representada pela construção de uma
Recanto das Emas, que apresentaram as cidade a partir de um território desocupado,
maiores taxas de crescimento demográfico foram responsáveis pela constante che-
do DF, no período de 1996 a 2000. Estas gada de pessoas à região, movimento que
RAs localizam-se próximas à divisa com os se mantém até os dias atuais.
municípios goianos, que constituem o Apesar de ser um fenômeno caracterís-
entorno regional, reforçando assim o eixo tico do processo de urbanização brasileiro,
de expansão periférica. no caso do DF diferencia-se pela magnitude
Por estes motivos, a busca por moradias e por sua manutenção, apesar do arrefeci-
pode ser apontada como o principal elemento mento na década de 80 e da estabilização
condicionante do processo de periferização no período mais recente (anos 90). A oferta
na região e como principal elemento ma- de terra urbana para moradia, representada
croestrutural condicionante da migração pela ausência de ocupação anterior, deve
intrametropolitana em direção ao entorno. ter contribuído para a expectativa de melho-
Além disso, a periferização na região foi ria na qualidade de vida da população
impactada pela busca por melhores possi- migrante.
bilidades de auferir renda, ainda que não Desde o início do processo de imigra-
seja através de empregos19 formais (uma vez ção para Brasília, os fluxos de nordestinos,
17
Idem.
18
Os números fazem parte de um estudo realizado pelo Ipea, com base nos dados do IPDF /GDF (Ipea, 2000).
19
A análise dos dados indica que o DF concentrava, em 1999, cerca de 95% dos empregos formais da região, sendo que, desses,
76,4% estavam localizados na RA de Brasília, que abriga o centro principal (Dados Rais/MT).
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Na análise sobre a migração, foi necessária uma opção metodológica diferenciada para os dados dos Censos Demográficos
IBGE 1980 e 1991 e os do Censo 2000. Nos casos em que não for possível identificar a residência anterior (origem por municípios),
será adotada a informação referente à data fixa. Para efeito de comparabilidade, nesses casos, será utilizada, para os censos 80
e 91, a informação referente à residência anterior, para os migrantes com menos de cinco anos de residência, e, para o censo 2000,
a informação referente ao município de residência em 31/07/1995. Apesar de reconhecer que as informações não são comparáveis
em termos de volumes, principalmente nos casos de múltiplos movimentos no período intercensitário, a opção foi feita por ser a
única possibilidade de identificar o município de origem dos fluxos migratórios para o censo 2000. A informação referente à data
fixa tem como vantagem formal, nos dados demográficos, a determinação clara do período referente à migração. No entanto, no
caso da migração intrametropolitana, movimento em que são mais freqüentes as reimigrações de curto prazo, a informação de
data fixa tem como desvantagem a perda dos movimentos ocorridos no primeiro qüinqüênio, além do fato de essa informação
considerar apenas as pessoas maiores de cinco anos, o que gerou a necessidade de excluir aquelas com idade inferior a essa faixa
etária, nos dados referentes aos censos de 1980 e 1991. Para mais detalhes sobre as diferenças entre esses dois tipos de informação,
ver Carvalho (1998).
TABELA 3
Volume e taxa média anual de migração, segundo local da residência anterior
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1970-2000
21
Antes mesmo da inauguração da capital, durante o processo de sua construção, o recrutamento de trabalhadores que tornariam
realidade o projeto do governo federal deu origem a um intenso fluxo migratório, baseado em expectativas supervalorizadas de
empregos e melhores condições de vida. As condições especiais do mercado de trabalho e os salários eram o principal atrativo
para a população que não encontrava condições satisfatórias de vida em seus Estados de origem. Essas expectativas
fundamentavam-se na grande oferta de empregos, em salários mais elevados do que nos locais de origem, na não limitação de
trabalho em horas extras e no fato de o treinamento ser realizado no próprio local de trabalho, o que dispensava experiência
anterior e possibilitava rápida ascensão profissional, em função das habilidades recém-adquiridas (Holston, 1993).
22
Goiás havia recebido grande fluxo de migrantes na década anterior, pela expansão da fronteira agrícola, o que certamente
favoreceu nova etapa migratória em direção à Brasília.
23
A taxa de migração estabelece uma relação entre o volume do fluxo migratório e a população média da região.
GRÁFICO 1
Participação da migração interestadual
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1970-2000
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1970, 1980, 1991 e 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).
MAPA 1
Principais fluxos de migração em direção à Ride
1990-2000
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).
24
O programa tinha como objetivo o desenvolvimento regional abrangendo toda a área de influência de Brasília, numa tentativa
de reter a população potencialmente migrante, em seu lugar de origem. O objetivo mais específico era dinamizar as regiões
potencialmente exportadoras de população para o DF, como o oeste da Bahia e de Minas Gerais e o sul do Maranhão e Piauí. No
entanto, em função da morosidade na implantação das medidas que deveriam dinamizar a economia daquelas regiões, os
investimentos em infra-estrutura viária realizados com esse objetivo acabaram por facilitar o acesso dos migrantes ao DF. Ao que
tudo indica, as expectativas de melhoria de vida da população potencialmente migrante nos locais de origem deu lugar à frustração
gerada pela incapacidade de produzir resultados visíveis no curto prazo, resultando assim em efeito inverso.
TABELA 4
Migração de nordestinos, segundo local de residência atual
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1970-2000
Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).
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Nesse item foram considerados migrantes intrametropolitanos as pessoas maiores de cinco anos e que declararam moradia em
municípios diferentes dos de residência à época da coleta, nas datas fixas investigadas nos censos de 1980, 1991 e 2000, e que
vieram de outros municípios da Ride. Diante da ausência de informações sobre o município de residência anterior, no censo 2000,
optou-se por utilizar, na análise sobre a migração intrametropolitana, a informação referente à data fixa, o que delimita os dados
a períodos de cinco anos (1975-1980, 1988-1991 e 1995-2000).
também pela redução da chegada de mi- desagregados para os três recortes espaciais
grantes vindos dos demais municípios de demonstram que o aumento da participação
Goiás e Minas Gerais. O crescimento da da migração intrametropolitana pode ser
participação da emigração do DF em atribuído à sua intensificação para os muni-
direção aos municípios da região, inclusive cípios do entorno que não integram o Entorno
os que não integram o Entorno Imediato, Imediato (Gráfico 2).
reduziu as participações das migrações No caso do Entorno Imediato, a migração
entre municípios vizinhos que até então interestadual ganha maiores proporções em
predominava naqueles não diretamente função da migração direta de nordestinos,
envolvidos no processo de expansão enquanto a participação da migração vinda
urbana, indicando a intensificação das da região arrefece um pouco, embora os vo-
relações entre o DF e o Entorno Distante. lumes de migrantes vindos do DF continuem
As participações das migrações segun- aumentando, como demonstram os dados
do o local de origem e de destino alteraram- sobre migração entre as localidades que
se ao longo do período 1975-2000. Os dados integram a Ride (Tabela 5).
GRÁFICO 2
Evolução da migração intrametropolitana
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1975-2000
Fonte: IBGE Censos Demográficos 1980, 1991 e 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).
Caiado, M.C.S.
TABELA 5
Migração intrametropolitana, por local de residência anterior
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1975-2000
R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 22, n. 1, p. 55-88, jan./jun. 2005
MAPA 2
Principais fluxos de migração intrametropolitana saídos do Distrito Federal – 1995-2000
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).
Como já foi dito, o fluxo de migração Imediato. Outra tendência observada para
intrametropolitana mais significativo se dá a o período foi a intensificação das trocas
partir do DF em direção ao Entorno Imediato. entre municípios do Entorno Imediato e os
No período 1975-1980, 33.866 pessoas demais da região.
deixaram o DF e foram para municípios que Para os três recortes espaciais, obser-
integram este recorte, principalmente para vou-se crescimento da participação da
aqueles localizados no sudoeste da Ride migração vinda de municípios do Entorno
(Santo Antônio do Descoberto, Luziânia e Imediato (ainda que os números sejam
seus desmembramentos: Águas Lindas de pouco expressivos), indicando um novo
Goiás, Cidade Ocidental, Novo Gama e aspecto da redistribuição populacional na
Valparaíso de Goiás). Nos períodos região associado à capacidade de absorver
seguintes, os volumes desse fluxo elevaram- população por parte daqueles municípios.
se para 46.162 (1986-1991) e 80.942 Nas trocas populacionais intra-
pessoas (1995-2000). regionais são significativos apenas os
Os demais municípios do entorno, fluxos representados pela emigração do DF
excluídos os que integram o Entorno Ime- em direção aos municípios que integram o
diato, têm registrado redução da migração Entorno Imediato, ainda que possam ser
vinda dos outros municípios vizinhos e identificadas outras tendências redistri-
aumentado a participação daquela prove- butivas de população no interior da Ride
niente do DF e dos municípios do Entorno (Mapa 2).
26
Foram consideradas migrantes intrametropolitanos as pessoas maiores de cinco anos de idade, com menos de cinco anos de
residência no município e que migraram entre municípios da Ride. Foram considerados não-migrantes os naturais e as pessoas
com mais de cinco anos de residência no município.
27
A variável renda será utilizada em função do reconhecimento como principal determinante, mas não o único, do nível de bem-
estar da população. No entanto, é preciso reconhecer sua limitação para classificar níveis de qualidade de vida de uma população,
devendo ser considerados, para tanto, outros indicadores, tais como acesso a bens e serviços públicos, infra-estrutura básica, entre
outros (ver Rocha, 2003).
TABELA 6
Distribuição dos chefes de família, por condição migratória e renda per capita familiar
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1991-2000
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações espaciais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).
migrantes, caindo em 2000 para, respecti- percentual diminui para 43,9% no DF e man-
vamente, 43,9% e 38,2%. teve-se em 63% no entorno (variação de
Quando a análise sobre a distribuição 19,5 pontos percentuais favorecendo o DF).
da renda focaliza as faixas da população Uma relação semelhante pode ser verifi-
que apresentam renda mais elevada, cada para as famílias migrantes com renda
surgem os maiores diferenciais entre a acima de cinco salários mínimos per capita
população do DF segundo a condição mi- residentes no DF, em relação aos demais
gratória, e entre esta e a população dos municípios do entorno metropolitano.
demais municípios do entorno, em relação Outro aspecto que merece ser ressal-
seja às participações das diferentes faixas tado refere-se aos diferenciais segundo a
de rendimentos, seja aos níveis de melhoria condição migratória das famílias residentes
no total do período. Em 1991, as famílias nos diferentes espaços regionais. Chama
migrantes residentes no DF com rendimen- atenção as condições mais favoráveis da
tos per capita acima de cinco salários população migrante em relação à não-
mínimos representavam 3,8%, enquanto as migrante, para os residentes no entorno
não-migrantes correspondiam a 11% do total (Entorno Imediato e Entorno Distante), com
de famílias da mesma condição migratória. menores participações nas faixas de
A redução dos níveis de pobreza atingiu as rendimentos de até um salário mínimo per
famílias residentes no DF independente- capita e maiores naquelas acima de cinco
mente da sua condição migratória e, em salários mínimos, nos dois anos que
2000, os migrantes desta faixa de rendi- integram o período estudado, ainda que os
mentos passaram a representar 11% e os diferenciais sejam desfavoráveis para esta
não-migrantes 19,6% do total da população população em relação à mesma condição
de condição migratória idêntica. migratória de residentes no DF. Isto
A análise dos dados sobre as condi- certamente pode estar associado ao baixo
ções de vida da população sob o aspecto nível de rendimento auferido pelos mora-
da renda familiar per capita levanta algumas dores não-migrantes desses municípios, o
questões que merecem maior atenção. que faz com que a população que migrou
Apesar de a redução esperada nos níveis recentemente para estas regiões tenha
de pobreza atingir a população total da rendimentos mais elevados, embora ainda
Ride,28 a intensidade foi maior para aquela muito baixos se comparados aos auferidos
residente no DF, acentuando os diferenciais pelos habitantes do DF.
entre esta população e a do entorno me- Apesar de a população migrante que
tropolitano. Esta redução foi ainda mais se dirige para o entorno metropolitano
acentuada para os migrantes intrametro- apresentar condições de acesso à renda
politanos, que apresentavam, em 1991, per capita familiar mais favorável do que as
maiores participações na faixa de renda do segmento não-migrante, trata-se de um
familiar inferior a um salário mínimo per movimento característico de famílias de
capita em relação aos municípios do baixa renda, com elevadas participações
entorno, principalmente aqueles que inte- daquelas com até um salário mínimo per
gram o Entorno Imediato. No período 1986- capita (63% para o fluxo em direção ao
1991, 70,8% das famílias dos chefes migran- Entorno Imediato e 66,4% para os demais
tes intra-regionais residentes no DF pos- municípios do entorno) e com renda bem
suíam renda per capita de até um salário inferior à população que reside no Distrito
mínimo, enquanto no Entorno Imediato esta Federal, região de origem deste fluxo (38%
participação era de 63% (variação de 7,8 para a população não-migrante do DF). O
pontos percentuais favorecendo o entorno). fato de as famílias migrantes estarem em
No período seguinte (1995-2000), esse condições mais favoráveis em relação à
28
Estudos recentes sobre evolução da pobreza no Brasil indicam redução de seus níveis durante o período 1993-1995, em função
dos efeitos distributivos do Plano Real, e manutenção deste patamar na segunda metade da década de 90 (Rocha, 2003).
população não-migrante que reside nestes politanos nas fases iniciais do seu ciclo vital
municípios, certamente, está associado à familiar.
hipótese de re-imigração29 desta população Com relação ao tipo de arranjo domés-
originária do DF, o que pode significar me- tico constituído pelas famílias, segundo a
lhores condições de inserção profissional condição migratória dos chefes, a análise
e de acesso à renda, em função de uma dos dados indica que, no caso específico
maior adaptação à realidade local e do dos migrantes intra-regionais residentes no
tempo de residência mais elevado no inte- DF, as maiores participações estão nos
rior da região. arranjos do tipo “estendidos” e “outros”. A
Estes aspectos observados no compor- terceira maior participação das famílias
tamento da variável renda familiar per capita, migrantes no DF foi apresentada pelos
na Ride, podem estar associados a algumas arranjos do tipo individual, para as faixas
características demográficas, tais como acima de três salários mínimos per capita
idade e composição familiar destes chefes (Tabela 8).
migrantes, o que e será investigado a seguir. Para os migrantes intra-regionais em
No que se refere ao cruzamento da direção ao Entorno Imediato, somente para
variável renda familiar per capita com a a faixa de rendimento mais elevado, acima
estrutura etária dos chefes na região, é pos- de dez salários mínimos, a migração indi-
sível observar que, independente da vidual superou a participação das famílias
condição migratória e do local de residência, constituídas por casais com ou sem filhos.
as maiores participações nas faixas de baixa Para os municípios do Entorno Distante,
renda concentram-se nas idades mais os arranjos do tipo individual foram mais
jovens desta população. À medida que a representativos para todas as faixas de
idade se eleva, diminuem as participações renda, se comparados aos dados para o
nestas faixas, o que certamente está rela- Entorno Imediato, apesar da predomi-
cionado à inserção no mercado de trabalho, nância dos arranjos do tipo casal com e
independente do grau de formalidade das sem filhos, exceto para as faixas entre três
relações trabalhistas. A partir dos 60 anos, e cinco e acima de dez salários mínimos,
as participações nas faixas de renda mais em que predomina a migração individual,
baixa voltaram a subir, possivelmente devi- embora os fluxos sejam numericamente
do à redução nos rendimentos, associada pouco significativos.
à retirada do mercado de trabalho dos Os efeitos das mudanças no mercado
indivíduos desta faixa etária (Tabela 7). de trabalho na última década, tais como a
No que se refere à elevação da renda redução dos postos de trabalho e dos
familiar per capita dos chefes migrantes rendimentos auferidos, atingiram mais
intrametropolitanos e à redução do dife- diretamente indivíduos com menores
rencial entre migrantes e não-migrantes no qualificações, relacionadas aos anos de
período 1991-2000, para a população resi- estudo. 30 Certamente a população da
dente no DF, os dados sobre a distribuição região foi afetada por estas tendências,
por idade revelam que 70,7% dos que rece- sendo que os diferenciais segundo a
biam mais de dez salários mínimos tinham condição migratória e a direção dos fluxos
até 34 anos, mostrando que a melhoria no no interior da região podem ajudar na
acesso à renda atingiu mais diretamente identificação dos condicionantes e das
as famílias com chefes migrantes intrametro- respostas sociodemográficas relacionadas
29
Os dados sobre a naturalidade dos migrantes intrametropolitanos originados no DF em direção aos municípios do Entorno
Imediato demonstraram a grande participação de nordestinos, o que gera a hipótese de que esses fluxos sejam uma segunda
etapa migratória daquelas pessoas que vieram para o DF e que não conseguiram se inserir no mercado habitacional do DF, re-
imigrando para a periferia na busca por moradia.
30
Segundo Rocha (2003), o agravamento dos níveis de pobreza nas regiões metropolitanas teve como principal condicionante as
mudanças no mercado de trabalho, em que a redução do número de postos e dos rendimentos obtidos pelo trabalho é maior para
a população menos qualificada, com menos de quatro anos de estudo, o que agrava a má distribuição de renda no país.
TABELA 7
Distribuição dos chefes de família, por condição migratória e faixa de renda per capita familiar, segundo a idade do chefe
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1986-2000
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).
Nota: Migrantes intrametropolitanos: pessoas com menos de cinco anos de residência no município e que migraram entre municípios
da Ride.
31
A metodologia básica utilizada foi desenvolvida pelo Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal (Ippur/UFRJ – Fase),
no âmbito da pesquisa “Metrópole, Desigualdades Socioespaciais e Governança Urbana: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte”.
Foi necessária, entretanto, uma adaptação para os objetivos deste estudo, principalmente em relação aos dados do censo 2000,
em função das alterações na categorização das ocupações e setores de atividades introduzidas na pesquisa. As categorias
socioocupacionais foram definidas através da combinação de variáveis sobre trabalho e rendimentos extraídas dos censos de 1991
e 2000, tais como ocupação principal, posição na ocupação, porte da empresa, rendimentos da ocupação e setor de atividade no
qual a ocupação é exercida. A metodologia buscou a criação de uma estrutura ocupacional que expressasse a hierarquia da
sociedade urbana/metropolitana brasileira e, através da sua localização no espaço da Ride, pudesse constituir um mapeamento
da estrutura socioespacial da região. Os princípios utilizados na divisão das variáveis buscaram identificar as relações entre: capital
e trabalho – identificando empregadores e empregados; grande e pequeno capital – utilizando-se o porte da empresa como
referência (empresas com mais e menos de dez empregados); autonomia e subordinação – separando autônomos e empregados;
manuais e não-manuais; controle e execução – critério visando identificar a hierarquia ocupacional entre as ocupações não-
manuais, segundo o maior ou menor grau de responsabilidade; secundário e terciário – separação entre ocupações manuais por
setor de atividade; e moderno e tradicional – divisão estabelecida para as ocupações manuais da indústria, segundo sua inserção
nos setores que fazem parte da chamada segunda revolução industrial (petroquímica, metalurgia, bens de consumo duráveis, etc.).
Caiado, M.C.S.
TABELA 8
Distribuição dos chefes de família, por condição migratória e tipo de arranjo familiar, segundo idade média do casal
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1991-2000
R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 22, n. 1, p. 55-88, jan./jun. 2005
Caiado, M.C.S.
Estruturação intra-urbana na região do Distrito Federal e entorno
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).
79
Nota: (1) Migrantes intrametropolitanos: pessoas com menos de cinco anos de residência no município e que migraram entre municípios da Ride.
Caiado, M.C.S. Estruturação intra-urbana na região do Distrito Federal e entorno
TABELA 9
Distribuição dos chefes de família, por condição migratória e nível de estudo
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno - 1991/2000
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações espaciais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).
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Segundo os autores responsáveis pela elaboração da metodologia, colocar esta categoria no grupo da elite dirigente deveu-se
à compreensão de que, no Brasil, essas profissões foram historicamente exercidas pelos filhos da elite; são as profissões que melhor
se organizaram enquanto corporação e são identificadas como de mais elevado status social. São, portanto, as ocupações que se
estruturam em torno do controle e da valorização de um capital social.
TABELA 10
Distribuição dos chefes de família, por condição migratória e inserção socioocupacional
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1991-2000
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).
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Foram consideradas variáveis relativas a abastecimento de água (adequado para os domicílios ligados à rede geral), destinação
e tratamento de resíduos sólidos (esgoto adequado para os municípios ligados à rede geral ou com fossas sépticas e lixo adequado
para os domicílios com coleta direta ou indireta), condições da habitação (sobre a espécie: adequado para os domicílios particulares
permanentes; sobre as instalações sanitárias: adequado para os domicílios com a existência de banheiros; e sobre a densidade
de moradores: adequado para menos de dois habitantes por dormitório) e localização da residência (adequado para domicílios
localizados em casas ou apartamentos fora de aglomerados subnormais). Os domicílios sem nenhuma inadequação foram
considerados adequados e os demais classificados segundo os diferentes níveis de inadequação, conforme a quantidade de itens
inadequados (baixa inadequação – uma variável inadequada; média inadequação – duas variáveis inadequadas; alta inadequação
– três variáveis inadequadas; e totalmente inadequados – as quatro variáveis inadequadas).
TABELA 11
Distribuição dos chefes de família, por condição migratória e condição de habitação do domicílio
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – Ride – 1991-2000
Fonte: IBGE. Censos Demográficos 1991 e 2000 (tabulações especiais Maria Célia Silva Caiado/Nepo-Unicamp).
domicílio. Enquanto 15,5% dos chefes mi- domicílios decresceu para 9,0% entre os
grantes têm domicílios totalmente adequa- migrantes.
dos, entre os não-migrantes este percentual Alguns municípios do Entorno Imediato,
chega a 60,8%. Quando os dados são desa- no entanto, apresentaram altas participações
gregados para os três recortes espaciais, é de domicílios adequados, tais como Cidade
possível verificar o diferencial entre o DF e Ocidental, Novo Gama e Valparaíso de Goiás,
os demais municípios, uma vez que 77,0% em função de parte da ocupação ter ocorrido
dos chefes não-migrantes e 57,2% dos mi- através da construção de conjuntos habita-
grantes residentes no DF estão em domicílios cionais, o que demonstra os diferenciais no
com condições adequadas de infra-es- interior do entorno, relacionados à precarie-
trutura, instalações sanitárias e localização dade da ocupação periférica através do
(Tabela 11). binômio lotes populares/autoconstrução.
No Entorno Imediato, os domicílios com É importante ressaltar que para a maio-
condições adequadas correspondiam a ria dos municípios que registraram algum
apenas 11,3%, para os chefes migrantes, e grau de inadequação, a falta do serviço de
13,5%, para os não-migrantes intra-regio- coleta e tratamento de esgotos é deter-
nais, situação que aparenta ser ainda mais minante, podendo ou não vir associada a
grave para os demais municípios do entor- outras carências relacionadas ao provi-
no, onde a proporção de adequação dos mento de infra-estrutura urbana.
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Neste item, os dados sobre os fluxos pendulares foram analisados agregados para os três recortes espaciais (DF, Entorno
Imediato e Entorno Distante), em função dos desmembramentos de municípios ocorridos no período entre 1980 e 2000.
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Infelizmente os dados censitários não permitem medir os fluxos pendulares entre as Regiões Administrativas de localização
periférica e o Plano Piloto, o que certamente elevaria os volumes verificados.
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Segundo os dados da PED para julho de 2003, a taxa de desemprego era de 23% da PEA, sendo o volume de desempregados
estimado em 263,1 mil pessoas.
Abstract
Intraurban structuring in the Brazilian Federal District and surrounding region: mobility and
socio spatial segregation of the population
The objective of this article is to evaluate changes in the distribution and spatial mobility of a
population, changes which can be associated with the process of urbanization and with the
intra-urban structuring in the RIDE Region (Integrated Development Region of the Brazilian
Federal District). This large area includes not only the Federal District itself, but other nearby
municipalities belonging to the states of Goiás and Minas Gerais as well. Specific characteristics
related to the process of economic development, territorial occupation and urban administration,
are discussed, aspects that distinguish it from the other large urban areas in the country and
from the so-called metropolitan areas, especially in aspects related to the possibilities of the
influence of the states on urban administration, due to the peculiarities of the process of the
territorial occupation of the Federal District. The Federal District began expanding in the 1950s
as a planned city destined to be a center of development as well as the seat of the Federal
Government. These specific characteristics, however, were unable to promote any equal
appropriation of different areas in the urban space, causing the socio-spatial configuration of
the RIDE to resemble those found in general in the other urban regions in the country, especially
concerning the inequalities in the socio-spatial distribution of the population.
Key words: Intraurban mobility. Spatial distribution of the population. Urban structuring.