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DISNEY MADE IN BRAZIL: ANOS 1970 - PATO DONALD

RESUMO

No decorrer da década de 1970 a Editora Abril se tornou uma das maiores produtoras de histórias
em quadrinhos Disney do mundo, superando, em quantidade de HQs, até mesmo a produção do
próprio estúdio Disney. Entre as quase 2000 histórias brasileiras do período metade são estreladas
pelo Pato Donald ou por personagens correlatos ao seu universo, como as bruxas Maga & Min,
Prof. Pardal e os Irmãos Metralhas, criadas, em grande parte, pelos trainees da "Escolinha Disney",
um programa interno de treinamento de novos talentos, coordenado pelo italo-brasileiro Primaggio
Mantovi. O grande destaque, porém, são as HQs do Tio Patinhas, Pato Donald e Peninha na redação
do jornal A Patada e seus desdobramentos, entre os quais o alter-ego do Peninha, Morcego
Vermelho, inspirado em uma ilustração do italiano Giovan Battista Carpi e desenvolvido no Brasil
pelo roteirista Ivan Saidenberg e pelo desenhista Carlos Edgard Herrero. O objetivo do artigo é
esmiuçar e contextualizar a produção local do período e creditar, quando possível, seus autores. O
método utilizado neste artigo é a pesquisa bibliográfica e documental, listando exatamente o que foi
produzido no Brasil, sua motivação e importância, por meio de entrevistas e análise das revistas
Disney.

PALAVRAS-CHAVE: Walt Disney; quadrinhos; 1970.

INTRODUÇÃO

Este trabalho é uma análise da produção de histórias em quadrinhos Disney da


Editora Abril, com recorte nos anos 1970 e dá continuidade a outros artigos anteriores e a
uma pesquisa deste autor sobre a autoria das histórias em quadrinhos (HQs) produzidas no
Brasil (por muitos anos anônimas) disponibilizadas continuamente no I.N.D.U.C.K.S.,
banco de dados mundial sobre quadrinhos Disney, desde 2000. As HQs Disney são
publicadas com um código de identificação, normalizados na base de dados citada, e são
utilizados neste texto para facilitar a busca posterior por mais informações sobre cada
história.
Figura 1 – História: The Disputed Computed Banker (S 68075).
Fonte: Tio Patinhas nº 55. Arte: Waldyr Igayara de Souza.

Em The Disputed Computed Banker (S 68075), publicada em 1970, Tio Patinhas


compra um computador para ajudá-lo a tomar decisões importantes. O que ele não sabia é
que dentro da máquina estava o Peninha, que sugere contratá-lo como gerente de seu banco,
com resultados desastrosos. Com desenhos de Waldyr Igayara de Souza, esta foi a primeira
de uma centena de outras HQs com argumentos americanos desenhadas por artistas
brasileiros para o Disney Studio Program (1962-1990), uma iniciativa do estúdio de suprir a
demanda por novas HQs do mercado exterior. À partir de 1972, além do Zé Carioca e da
produção para o estúdio, a Editora Abril passou a produzir regularmente HQs de outras
turmas Disney. Segundo Igayara:

Essa possibilidade de criar argumentos, adveio do fato da gente ter feito um


teste pra desenhar para os Estados Unidos, ter que ser aprovado por Burbank,
numa história que eu fiz de onze páginas, e que nos deu a possibilidade de
desenhar histórias escritas pelos americanos. Então eles, durante uns quatro
anos, mandaram roteiros para a Abril e nós desenhávamos sobre roteiros
americanos. Eram roteiros de Mickey e de Pato e só. Então não havia uma
história do Pateta, uma história do Prof. Pardal, nenhuma história diferente.
Era aquela repetição sobre mesmos temas, então eu um dia eu alertei os
diretores da Abril de que nós deveríamos gerar histórias de outros
personagens pra atender a diversificação de revistas que a Abril publicava.
Tio Patinhas e Almanaque Disney tinha histórias diferenciadas, então eles
autorizaram e numa conversa com os americanos, que eu também participei,
ficou combinado que a gente também produziria os próprios argumentos1.

PATÓPOLIS

Figura 2 - História: No Morro do Ermitão (B 72008)


Fonte: O Pato Donald nº 1068. Arte: Carlos Edgard Herrero.

Nas primeiras histórias dos Patos desenvolvidas no Brasil é clara a influência da


escola Disney americana, em especial de Carl Barks, tanto nas tramas quanto nas artes. São
exemplos No Morro do Ermitão (B 72008 - O Pato Donald nº 1068), com desenhos de
Carlos Edgard Herrero, em que Tio Patinhas e Pato Donald procuram um tesouro seguindo
as pistas de uma antiga gravação, Milionário de 2ª Classe (B 71005a - Almanaque Disney

1
Depoimento ao autor em abril de 2000.
nº 12), também desenhada por Herrero, em que Tio Patinhas contrata Gastão para lhe trazer
sorte e derrotar um milionário rival e Quanto Sofre Uma Bruxa (B 72010 - Tio Patinhas nº
83), com desenhos de Sérgio Lima, em que Maga Patalógika toma o lugar da nova faxineira
da caixa-forte. Veterano das editoras Outubro e GEP, onde produziu capas e histórias em
quadrinhos de terror, romance e aventura, Lima também desenhou, para a editora Prelúdio,
Simãozinho, o macaquinho (1968), Juvêncio, o justiceiro (1968-1969) e uma biografia de
Silvio Santos, escrita por Rubens Francico Lucchetti (1969)2.

A influência de Barks também aparece nos primeiros roteiros de Ivan Simões


Saidenberg: em O Grande Conquista... Dor (B 72021 - Mickey nº 238), com desenhos de
Lima, Donald perde Margarida para Gastão e tenta reconquistá-la ouvindo os conselhos do
Ciúme, o monstro de olhos verdes, que havia aparecido anteriormente em The Master
Rainmaker (W WDC 156-01 - Walt Disney's Comics and Stories nº 156) e em Uma Vez
Patinhas... Sempre Patinhas (B 72026 - O Pato Donald nº 1082), com desenhos de Lima,
Tio Patinhas desembarca com os sobrinhos sem querer em uma ilha onde enganou os
nativos durante a juventude, semelhantes aos locais da história The Status Seeker (W US
41-02 - Uncle Scrooge nº 41).

Também as histórias do estúdio Disney do Peninha e das bruxas Maga Patalógika &
Madame Min e 00-ZÉro inspiraram os autores brasileiros. Em O Aprendiz de Bruxa (B
72095 - O Pato Donald nº 1118), com desenhos de Lima, Peninha se matricula no curso de
bruxaria da Maga & Min. Em Companhia Teatral Peninha (B 74028 - Almanaque Disney nº
36), com roteiro de Saidenberg e desenhos de Herrero, Peninha funda a Companhia Teatral
Peninha e transforma a casa Donald em um teatro. A Marca do Zorrinho (B 74097 -
Almanaque Disney nº 39), com roteiro de Saidenberg e desenhos de Irineu Soares
Rodrigues, marca a estreia dos Zorrinhos, identidade secreta dos sobrinhos do Pato Donald
que fingem ser apenas um só em suas disputas com os Metralhinhas. Também é de
Saidenberg o roteiro de Gato e Sapato (B 74222 - O Pato Donald nº 1194), em que Ronrom

2
Coleção do autor.
arruina uma feira industrial, primeira história do jovem desenhista Euclides Kiyoto
Miyaura, então aluno da Escolinha Disney.

Logo os temas das HQs brasileiras começam a variar: Em A Invasão de Peninhas (B


74236 - Almanaque Disney nº 41), com roteiro de Izomar Camargo Guilherme e desenhos
de Herrero, Peninha é atingido por uma máquina de duplicar do Prof. Pardal, para desespero
de Tio Patinhas, em A Lenda das Amazonas (B 74248 - Almanaque Disney nº 42), com
roteiro e desenhos de Herrero (auxiliado no texto por Eduardo Octaviano), Tio Patinhas
encontra a cidade das Amazonas, as lendárias mulheres guerreiras e em O Rei das Praias (B
74317 - Almanaque Disney nº 42), Pato Donald disputa com Gastão uma corrida de ralí na
praia, primeira HQ Disney do desenhista Eli Marcos M. Léon, também aluno da Escolinha
Disney.

O resgate de personagens esquecidos ou obscuros logo se torna uma das principais


características do prolífico roteirista Ivan Saidenberg: em A Sopa de Pedra (B 74350 -
Almanaque Disney nº 42), com desenhos de Herrero, Primo Nadinhas ensina ao Tio
Patinhas uma receita de sopa de pedra. Em A Volta de 00-ZÉro (B 74372 - Almanaque
Disney nº 44), com desenhos de Primaggio Mantovi, 00-Zéro resgata Donald que havia sido
capturado pela BRONKA. E em O Grande Gênio (B 74391 - Mickey nº 269), com
desenhos de Herrero, Peninha é o novo gênio da agência de propaganda do Pato Eurico.
Primaggio Mantovi começou sua carreira na Rio Gráfica Editora (RGE) em 1964, onde
desenhou capas e histórias de personagens como Rocky Lane e Recruta Zero. Em 1972 a
RGE lançou sua criação, o palhaço Sacarrolha, então a única revista em quadrinhos da
Abril a vender mais do que cem mil exemplares por edição, o que lhe valeu um convite para
trabalhar na editora por parte dos diretores Claudio de Souza e Waldyr Igayara, assumindo
o cargo de coordenador do centro criativo3.

Na história A Mosca (B 760002 - Zé Carioca nº 1299), Pato Donald tenta ajudar Tio
Patinhas a se livrar de uma mosca irritante. A comédia pastelão, escrita por Júlio de

3
MANTOVI, Primaggio. A Saga do Sacarrolha. Sacarrolha 40 Anos (de Palhaçadas) nº 1, p.18, editora Kalaco, janeiro
2012.
Andrade Filho, também aluno da Escolinha, caiu como uma luva para o desenhista Kimura,
artista que passou pela Abril como um furacão, produzindo poucas histórias, mas sempre
com traço expressivo, detalhado e cheio de ângulos inusitados. Outras histórias do período
incluem O Embrulhão (B 760320 - Mickey nº 299), com roteiro de Paulo Paiva de Lima,
desenhos de Irineu Rodrigues, arte-final de Selma Maria Bertolino, letras de José Belmiro
Monteiro e cores de Elizabeth Tarta San Martins, em que Peninha trabalha em uma loja de
departamentos e O Pássaro Não Identificado (B 770278 - Zé Carioca nº 1399), com roteiro
de Ivan Saidenberg e desenhos de Luiz Podavin, em que os Escoteiros-Mrins promovem
um torneiro de observação de pássaros.

Ao final da década de 1970 os roteiristas e artistas brasileiros já tinham


desenvolvido sua própria escola de estilo, mas ainda tinham verdadeira devoção por Carl
Barks, como pode ser observado nestes roteiros de Ivan Saidenberg com elementos das
histórias do Homem dos Patos: em O Preço das Suiças (B 770076 - Almanaque Disney nº
79), com desenhos de Miyaura, Tio Patinhas conta aos sobrinhos uma história sobre como
suas suiças o salvaram do perigo, em Patinhas, o Generoso (B 780195 - Tio Patinhas nº
161), com desenhos de Herrero, Tio Patinhas recorda uma história de generosidade dos
tempos do Klondike e em Um Gosto e Três Cruzeiros (B 790164 - Tio Patinhas nº 171),
com desenhos de Miyaura, Vovô Metralha tenta roubar o dinheiro que Tio Patinhas ganhou
como engraxate.

A PATADA
Figura 3 - História: Que Peninha (B 72024)
Fonte: O Pato Donald nº 1078. Arte: Primaggio Mantovi.

Em High Society (S 69041), Tio Patinhas contrata seus desastrados sobrinhos Pato
Donald e Peninha como repórteres para cobrir uma apresentação de ópera para seu novo
jornal, A Patada. Publicada pela primeira vez em 1970, com roteiro de Dick Kinney,
desenhos de Tony Strobl e arte-final de Steve Steere, esta foi a primeira de uma longa série
de histórias em quadrinhos da Patada produzidas pelo estúdio Disney.

Assimilada pelos roteiristas e desenhistas brasileiros, a série se tornou, com o passar


dos anos, um retrato criativo da redação Disney. A primeira HQ brasileira foi Que Peninha
(B 72024 - O Pato Donald nº 1078), escrita por Júlio de Andrade com desenhos de
Primaggio Mantovi, em que Donald e Peninha são assaltados pelo ladrão objeto de sua
própria reportagem. Em Paz, Amor e Glória (B 72051 - Zé Carioca nº 1099), escrita por
Ivan Saidenberg, Peninha falta ao trabalho para conhecer Glória, uma pata hippie com
quem vinha conversando ao telefone. Outra história de destaque da época é A Propaganda É
A Alma do Negócio (B 73064 - O Pato Donald nº 1126), com roteiro de Júlio e desenhos de
Moacir Rodrigues Soares, em que Peninha, demitido da Patada, cria sem querer uma
campanha publicitária arrasadora sobre uma torta de quiabo ("não comi e não gostei"),
obrigando Tio Patinhas a comprar a agência para ter o "gênio" de volta.

Criada para promover o lançamento do Manual do Peninha (1973), a HQ Minha


Vida Daria Um Livro (B 73182 - Mickey nº 253), dá início à sub-série Quadrinhos do
Peninha, em que Ivan Saidenberg e Carlos Edgard Herrero mostram o lado criativo do
primo trapalhão como quadrinista do jornal A Patada. A HQ começa com Peninha tentando
escrever, durante o expediente, seu livro de terror "O Barão, o Porão e a Assombração",
mas Tio Patinhas não quer saber e o manda cobrir um incêndio, onde acaba salvando um
papagaio do fogo. Peninha então decide reunir toda a sua experiência jornalística em um
manual.

Em O Barão, O Porão e A Assombração (B 74008 - Mickey nº 259), Peninha


transforma sua história de terror, rejeitada pelo exigente editor, em uma HQ. Em
Quadrinhos e Adivinhos (B 74141 - O Pato Donald nº 1188), Tio Patinhas demite o
astrológo do jornal e decide publicar HQs no lugar do horóscopo, dando assim
oportunidade para que Donald e Peninha criem Pena Kid, alter ego do próprio Peninha, e
seu cavalo, Alazão-de-Pau. O ponto alto acontece em Pena Kid e Xaxam (B 74144 - O Pato
Donald nº 1190), em que as HQs que o Pato Donald e o Peninha produzem fazem tanto
sucesso em Patópolis que geram uma competição entre os jornais do Tio Patinhas e do
Patacôncio digna da disputa Pulitzer X Hearst. Enquanto Patacôncio contrata vários times
de artistas (caricaturas da prória redação Disney), Tio Patinhas demanda mais e mais séries
dos seus sobrinhos.

Outras histórias da Patada incluem Bruxo Por Acaso (B 74090 - Tio Patinhas nº
109), escrita por Joerly Nascimento dos Santos com desenhos de Herrero, em que Peninha
tem que entrevistar as bruxas Maga Patalógika & Madame Min, A Mudança (B 790078 -
Almanaque Disney nº 102), escrita por Gérson Luiz Borlotti Teixeira com desenhos de
Irineu Rodrigues em que Tio Patinhas troca de lugar no escritório com Donald e Peninha e
Sem Receita e Sem Sociedade (B 780290 - Edição Extra nº 102), escrita pro Márcio Tadeu
Cordeiro Uchoa com desenhos de Verci de Mello, em que Peninha cria um doce
maravilhoso mas acaba perdendo a receita.

MORCEGO VERMELHO:

Figura 4 - História: Quem É O Morcego Vermelho? (B 72041P)


Fonte: Edição Extra nº 53. Arte: Carlos Edgard Herrero.

Lançada em 1972 pela Editora Abril a coleção Enciclopédia Disney trazia em um


dos fascículos um desenho do Peninha, feito pelo genovês Giovan Battista Carpi, vestido
como um super-herói morcego. Surpreso que os italianos tivessem se limitado àquela
ilustração o diretor Claudio de Souza solicitou ao roteirista Ivan Saidenberg que
desenvolvesse a ideia do Peninha como super-herói, agora batizado como Morcego
Vermelho pelo desenhista Carlos Edgard Herrero. A estreia ocorre com pompa no ano
seguinte na revista Ediçao Extra nº 53, que trazia a origem do herói e também um pôster do
novo personagem: demitidos do jornal A Patada, Pato Donald e Peninha resolvem recuperar
o emprego fazendo a cobertura jornalística de uma festa a fantasia beneficiente, vestidos
respectivamente de gorila e de morcego. A lenda nasce quando Peninha captura sem querer
os Irmãos Metralha, também fantasiados de gorilas para roubar os convidados.
As histórias, organizadas em arco, mostram uma série de conflitos e ganchos que
aproximam o personagem dos super-heróis "sérios": Pato Donald é o único que sabe que o
Peninha é o Morcego Vermelho, Patacôncio quer revelear a identidade do herói no seu
jornal A Patranha, Prof. Pardal disponibiliza suas invenções para o novo herói, os
malfeitores estão tão espantados que não percebem a natureza desastrosa do Morcego
Vermelho, uma estátua do herói é erguida e malhada várias vezes na praça da cidade,
Peninha corre o risco de perder seu emprego no jornal por estar ausente enquanto atua como
Morcego Vermelho e, finalmente, Glória (agora com seu visual definitivo) está apaixonada
pelo Morcego Vermelho, sem saber que ele é na verdade seu próprio namorado.

Uma série de gags, publicadas em diversas edições, apresenta aos leitores suas
principais armas de combate ao crime: Lata de Lixo Morcego (B 72045P - Edição Extra nº
53), Pula-Pula Morcego (B 72046P - Edição Extra nº 53), Moto Morcego (B 72042P -
Edição Extra nº 53), Corda-Morcego (B 72044P - Edição Extra nº 53), Telefone-Morcego
(B 73157 - Edição Extra nº 56) e Carro-Morcego (B 72043P - Edição Extra nº 58). Além
dos já tradicionais vilões de Patópolis, como os Irmãos Metralha (B 72041P - Edição Extra
nº 53), Mancha-Negra (B 72087 - Edição Extra nº 53) e o Prof. Gavião (B 72089 - Edição
Extra nº 53), a dupla de quadrinistas criou dezenas de novos vilões para o Morcego
Vermelho, entre os quais os Alienígenas Transmorfos (B 73019 - Tio Patinhas nº 96), um
grupo de alienígenas invasores que se assemelham a grandes bichos-da-seda, Dr. Zung (B
73150 - Edição Extra nº 56), um químico baixinho e careca cuja fórmula secreta o
transforma em um monstro louco por bolos e a Quadrilha Fantasma (B 73177 - Edição
Extra nº 56), uma gangue de quatro ladrões idênticos que usam máscaras de meias verdes.

O adversário mais recorrente porém é o Sr. X, um ladrão sagaz porém azarado, e


seus asseclas, os porcos X-1, X-2, X-3 e o corvinho X-8 (os outros "X" aparentemente
viraram comida...), que aparecem pela primeira vez em O Rei do Crime (B 73297 - Edição
Extra nº 58), com roteiro de Oscar Kern e desenhos de Herrero e que também seriam
adotados por Saidenberg e os demais roteiristas.
Duas histórias de Saidenberg refletem a popularidade do personagem no período:
em O Clube do Morcego Vermelho (B 75110 - Tio Patinhas nº 125), o Morcego acaba
destruindo a sede do próprio clube, fundado por um grupo de crianças grudentas. O clube
de fato existiu, bolado por um garoto de Campinas4. Já em A Coqueluche-Morcego (B
75204 - Almanaque Disney nº 58), Patópolis está passando por uma moda de Morcego
Vermelho e os Irmãos Metralha tiram proveito para cometer crimes, também vestidos como
Morcego Vermelho. O sorvete do Morcego Vermelho, mostrado na história, existiu de fato,
lançado em 1975 pela Gessy Lever5. O personagem também daria as caras nas tampinhas da
coleção Bingola Disney e em artigos de festa da Indústria Inajá6.

MAGA & MIN:

Figura 5 - História: A Praga Máxima (B 72009)


Fonte: Tio Patinhas nº 84. Arte: Jorge Kato.

4
SAIDENBERG, Lucila. O Clube do Morcego Vermelho. Disponível em
<https://historiascomentadas.wordpress.com/2016/06/09/o-clube-do-morcego-vermelho/>. Acesso em: 16 de setembro de
2018.
5
Começa no Anhembi o 15° salão da criança Folha de São Paulo N. 17.013, Caderno Ilustrada, página 41, 10 outubro de
1975, página 41.
6
Coleção do autor.
Foi na na história Madam Mim Meets Magica De Spell (S 65051), com desenhos de
Jim Fletcher e arte-final de Ellis Eringer, que as bruxas Maga Patalógika e Madame Min
juntaram forças pela primeira vez para tentar se apossar da Moedinha Nº 1 do Tio Patinhas.
Surgiu então uma divertida série de histórias sobre o dia-a-dia das feiticeiras, logo adotada
pelos autores brasileiros.

Assim, em A Praga Máxima (B 72009 - Tio Patinhas nº 84), com desenhos de Jorge
Kato, Maga Patalógika viaja para a Escócia para conseguir um dente de um dragão negro
para um feitiço, mas acaba sendo extorquida por ele. Em Bruxarias Modernas (B 72047 -
Zé Carioca nº 1091), com roteiro de Carlos Alberto Paes de Oliveira, o Xalberto, e
desenhos de Sérgio Lima, um vendedor convence Madame Min a comprar um aspirador
para substituir sua vassoura quebrada. E em ...Casamentos à Parte! (B 72060 - O Pato
Donald nº 1094), com desenhos de Lima, Maga Patalógika tenta seduzir Tio Patinhas com
um perfume raro e o convence a sair para jantar.

Em 1973 chegam às bancas o Manual da Maga & Min e HQs como Além da
Imaginação (B 73100 - Tio Patinhas nº 96), com roteiro de Ivan Saidenberg e desenhos de
Lima, ajudam a promover o lançamento. Na trama as bruxas recebem, sem solicitar, ajuda
para redigir o manual de vários magos, duentes e seres mitológicos de todos os tipos,
incluindo a Bruxa Vanda e sua vassoura Jezebel, a Fada Azul e o Bruxinho Peralta. Esse
tipo de "crossover" continuaria a aparecer em outras histórias, como em Lágrimas Para Min
(B 73136 - Tio Patinhas nº 99), com roteiro de Xalberto e desenhos de Lima, em que
Madame Min procura lágrimas para fazer um feitiço e acaba encontrando a Branca de
Neve.

Outra temática aparece em A Faculdade de Bruxedos (B 74114 - Mickey nº 263),


com roteiro de Saidenberg e desenhos de Lima, em que Maga & Min abrem uma faculdade
de bruxedos e tem como alunos os terríveis Bruxinho Peralta e Perereca. Já em Um Conto
de Bruxas (B 74348 - O Pato Donald nº 1212), com roteiro de Saidenberg e desenhos de
Lima, Maga Patalógika conta sua versão de João e Maria para Magali. As bruxinhas
Perereca e Magali finalmente aparecem juntas em A Corrida de Vassouras (B 74420 - Tio
Patinhas nº 115), escrita por Saidenberg com desenhos de Carlos Edgard Herrero, só que na
verdade ambas são a mesma personagem! A explicação é que a série produzida pelos
estúdios Disney contavam com dois desenhistas, o já citado Jim Fletcher e Glenn Schmitz,
que tinham diferentes estilos e interpretações de como desenhar a filhinha da Bruxa
Malvada do Oeste, que acabou ganhando nomes diferentes nas versões brasileiras. Ou
talvez essa multiplicação seja coisa de magia negra...

Na mesma HQ aparece Tantã, um aprendiz das bruxas também criado pelo estúdio
Disney. Ele voltaria em "Bruxo-Padrinho" (B 74383 - O Pato Donald nº 1214), escrita por
Saidenberg com desenhos de Herrero, em que Tantã se torna um padrinho do Tio Patinhas
por acidente, frustrando os planos da Maga Patalógika em pegar a moedinha. Perereca e
Magali (ou Witch Child, como no original), apareceriam juntas mais uma vez em O Exame
Final (B 760006 - Almanaque Disney nº 61), escrita por Saidenberg com desenhos de Lima,
que mostra o dia de prova final na escola de bruxas.

PROF. PARDAL

Figura 6 - História: Pardal, Ama-Seca (B 72020)


Fonte: Tio Patinhas nº 84. Arte: Carlos Edgard Herrero.
A genial criação de Carl Barks, o Prof. Pardal (W WDC 140-02 - Walt Disney's
Comics and Stories nº 140) e seu assistente Lampadinha (W US 15-03 - Uncle Scrooge nº
15) eram alguns dos personagens mais populares das histórias em quadrinhos Disney nos
anos 1970. Além do Manual do Professor Pardal (1972), criado no Brasil, o atrapalhado
inventor também estrelou várias HQs brasileiras, entre as quais: Pardal, Ama-Seca (B
72020 - Mickey nº 237), com roteiro de Ivan Saidenberg e desenhos de Carlos Edgard
Herrero, em que o Prof. Pardal cria inventos para tomar conta de um bebê deixado na sua
porta, Mais Vale Um Lampião à Mão... (B 72067 - O Pato Donald nº 1100), com desenhos
de Sérgio Lima, onde o Prof. Pardal mostra ao Gansolino as modernidades da cidade e Na
Idade da Pedra (B 73040 - Tio Patinhas nº 94), com roteiro de Saidenberg e desenhos de
Herrero, onde o Prof. Pardal volta à pré-história para tentar descobrir como as primeiras
invenções foram criadas, mas acaba ele mesmo ensinando aos macacos como usar as
primeiras ferramentas.

Também de Saidenberg estão histórias sobre novas invenções, como Laurinha


Filamento, namoradinha do Lampadinha, que surge em Amor, A Quanto Me Obrigas (B
73066 - Almanaque Disney nº 24), e Bonifácia, a empregada-robô mais interessada em
novelas do que em limpeza, que aparece em Precisa-se de Uma Empregada (B 73074 -
Mickey nº 248), ambas com desenhos de Herrero. O roteirista também bolou Essas
Crianças... (B 74246 - O Pato Donald nº 1194), com desenhos de Euclides Miyaura, que
marca o retorno do sobrinho Pascoal, e Férias Por Amizade (B 73017 - Zé Carioca nº 1117),
com desenhos de Herrero, que mostra a volta do atrapalhado Tio Sabiá.

Em Restaurando O Restaurante (B 73170 - O Pato Donald nº 1144), com roteiro de


Saidenberg e desenhos de Lima, Prof. Pardal resolve ajudar Ermengarda, a namorada criada
em 1966 por Vic Lockman e Tony Strobl (W WDC 310-05 - Walt Disney's Comics and
Stories nº 310), com seu novo restaurante. Já em Ajudante do Gavião (B 780273 - Edição
Extra nº 93), com desenhos de Herrero, surge Escurinho, o robô malvado, criado pelo Prof.
Gavião com os planos roubados do Lampadinha.
Outro destaque dos anos 1970 é a série Prof. Pardal na Atlântida (56 páginas/Edição
Extra nº 74). Na história, com roteiro de Saidenberg e desenhos de Herrero, Prof. Pardal,
Lampadinha e o gato Ronrom unem forças contra os Atlantes, o povo aquático morador da
região do Triângulo das Bermudas que escravizaram Tio Patinhas, Pato Donald, Peninha,
Gastão e Margarida, após uma expedição fracassada.

IRMÃOS METRALHA

Figura 7 - História: Que Papelão! (B 73057)


Fonte: O Pato Donald nº 1136. Arte: Carlos Edgard Herrero.

Também os Irmãos Metralha, criados por Carl Barks em 1951 (W WDC 134-02 -
Walt Disney's Comics and Stories nº 134), estrearam histórias brasileiras no decorrer da
década de 1970, para desespero de Tio Patinhas. Além dos já recorrentes Vovô Metralha,
Titia Metralha, Metralhinhas, Intelectual-176 e Azarado-1313, os roteiristas brasileiros, em
especial Ivan Saidenberg, resgataram da obscuridade outros parentes menos cotados da
família criminosa: Supersensível-666, Tio Zero, Primo Bombinha, Doutor Metralha,
Sherlock Metralha, Primo Cientista 020, Dedo-Duro 123, Tia Honesta Ana, Metralha
Meio-Quilo, Primo Pavio-Curto e Primo Toupeira. Novos membros da família também
foram criados no Brasil: em O Primo Descarado (B 75165 - Zé Carioca nº 1277) surge o
expert em disfarces Descarado-176, e em Paz e Amor, Metralhas! (B 760241 - Zé Carioca
nº 1335) Terceiro Milenio-3000, o primo hippie, ambos roteiros de Ivan Saidenberg com
desenhos de Carlos Edgard Herrero. Já em Durma Com Um Barulho Desses (B 780405 - O
Pato Donald nº 1466) é a vez do Primo Soneca, roteiro de Saidenberg com desenhos de
Roberto Fukue.

Em Memórias do Vovô (B 74237 - Zé Carioca nº 1201), roteiro de Saidenberg e


desenhos de Herrero, Vovô Metralha conta aos netos sobre sua última tentativa de roubo à
caixa-forte do Tio Patinhas. Já em "O Poderoso Metralhão" (B 74491 - Tio Patinhas nº
120), também da mesma dupla de autores, Vovô Metralha conta aos netos sobre o Tio
Metralhão, um antepassado que aterrorizou Patópolis nos anos 1920. Foi o ponto de partida
para uma série de histórias sobre os antepassados da família, os "Metralhas Históricos"
(1975-1982), provando aos leitores que o crime não compensa, tanto no presente quanto no
passado.

Mas não só de atividades ilegais vivem os Metralhas. Em A Moda Metralha (B


780064 - O Pato Donald nº 1402), de Gérson L. B. Teixeira e Carlos Edgard Herrero, um
editor lança o estilo Metralha de se vestir na cidade. Porém, como em toda moda
passageira, a onda passa antes que os Metralhas tenham chance de lucrar honestamente com
a venda de sua imagem.

CONCLUSÃO

Inspirados pela produção americana de quadrinhos Disney da Western Publishing e


do estúdio Disney, os roteiristas e desenhistas brasileiros, veteranos e trainees, da Editora
Abril criaram, no decorrer da década de 1970, uma substanciosa produção de histórias em
quadrinhos do Pato Donald e sua turma. Enquanto os roteiristas, em especial Ivan
Saidenberg, se valeram de personagens secundários esquecidos para preencher a
necessidade das histórias e desenvolver um universo mais variado os artistas, tendo a frente
autores como Carlos Edgard Herrero e Kimura, se libertaram dos model-sheets americanos
e desenvolveram, ano após ano, uma liberdade artística que então só encontrava paralelo na
produção de histórias do Zé Carioca da própria Abril e na produção Disney italiana, da
Editora Mondadori. O levantamento dos créditos destas histórias, resultado desta pesquisa,
não apenas evidencia as diferenças artísticas entre os diversos autores, então anônimos,
como também esclarece como eles se influenciaram entre si, lhes dando, portanto, o devido
mérito por seu trabalho.

REFERÊNCIAS

SAIDENBERG, Lucila Simões. Ivan Saidenberg: o homem que rabiscava. 1 ed. Nova Iguaçu:
RJ: Marsupial Editora, 2014. Série recordatório.

SANTOS, Roberto Elísio dos. Para Reler os Quadrinhos Disney: Linguagem, análise e evolução
de HQs. São Paulo: Paulinas, 2002.

Jornais/Revistas:

Começa no Anhembi o 15° salão da criança. Folha de São Paulo N. 17.013, Caderno Ilustrada,
página 41, 10 outubro de 1975, página 41.

MANTOVI, Primaggio. A Saga do Sacarrolha. Sacarrolha 40 Anos (de Palhaçadas). nº 1, p.18,


editora Kalaco, janeiro 2012.

Internet:

I.N.D.U.C.K.S. - Banco de dados mundial sobre quadrinhos Disney. Disponível em


<https://inducks.org>. Acesso em: 10 de julho de 2019.

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