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O Parlamento e a política externa

- por José Ribeiro e Castro (*)

[EXPRESSO, 9-abr-2011 – texto original, integral]

No início da legislatura, em 23 de Janeiro de 2010, Mota Amaral escreveu nestas páginas um


artigo com este mesmo título. Começava por estranhar que a presidência da Comissão
Parlamentar de Negócios Estrangeiros tivesse sido atribuída ao CDS, interpretando o facto
como uma “desvalorização” da política externa pelos “dois maiores partidos”. E, com a
autoridade da sua longa experiência como deputado e ex-presidente da Assembleia da
República, alinhava preocupações sobre a importância em geral da política externa e, em
especial, nas linhas da construção europeia, da Aliança Atlântica, da lusofonia e dos direitos
humanos. Quero, por isso, prestar contas aos leitores do EXPRESSO do meu mandato como
Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, que agora
termina.
Em 35 anos de história desta Comissão fui, na verdade, apenas o terceiro presidente
indicado pelo CDS – os anteriores foram Lucas Pires e Adriano Moreira, ambos no período
de 1981 a 1983, no quadro da Aliança Democrática e respectiva maioria. A raridade dá frutos.
E, modéstia à parte, creio que, apesar de terminar abruptamente, esta legislatura marcou
diferenças que, espero, se consolidem e aprofundem no futuro.
Desde logo, no funcionamento da Comissão. Por minha proposta, a Comissão assumiu
novas competências no domínio da Língua Portuguesa, que deve ser cada vez mais um eixo
de referência da nossa política externa. Procurei também quebrar com a tradição
estabelecida das reuniões sempre à porta fechada, embora a resistência conservadora da
maioria não permitisse ainda que a abertura fosse tão grande quanto considero desejável –
não conseguiremos fazer respirar a política externa como um dos grandes temas da política
nacional e do debate democrático, enquanto continuarmos a confiná-la no plano
parlamentar a um enquadramento tipo Grémio Literário ou de tertúlia exclusiva e
confidencial. As reuniões à porta fechada – que, sem dúvida, se justificam – deverão passar
a ser a excepção, pontual e sempre devidamente justificada, em lugar de constituírem o
regime-regra. Essa evolução, aliás, é ditada pela boa leitura da letra do Regimento. E
iniciámos também, embora tardiamente, por inércia e inadvertência, o novo regime de
debate em Comissão dos tratados e acordos internacionais, que lhes poderá dar a
visibilidade e o fôlego político que têm faltado de um modo geral.
Outra reforma essencial e do maior alcance correspondeu às novas reuniões com os nossos
embaixadores. A boa relação com o ministro Luís Amado e a abertura que revelou, bem
como o bom espírito e o sentido de Estado de todos os deputados da Comissão, permitiu
iniciar esta nova prática, com grande sentido prático nas marcações: reuniões directas da
Comissão com embaixadores de Portugal em exercício nas capitais e organizações
multilaterais que correspondem às principais prioridades definidas, bem como, aquando
dos movimentos diplomáticos, com alguns em início de funções. Esta novidade não tem
obviamente o impacto das míticas audições no Senado norte-americano, nem pode
corresponder a uma invasão parlamentar de competências constitucionais que são
exclusivas do Governo e do Presidente da República. Mas correspondeu, ainda assim, a uma
inovação muito interessante de diálogo diplomático-parlamentar, de que decorreram
benefícios mútuos, cujos ecos testemunhámos.
Na mesma linha de diálogo diplomático, abrimos a Comissão aos diplomatas estrangeiros.
Recebi dezenas de embaixadores e participei em debates das suas associações, para que fui
convidado como orador. Recebemos delegações relevantes, como a que veio discutir
connosco a revisão do conceito estratégico NATO. Procurei descentralizar, indo reunir
também com os cônsules sedeados no Porto e no Funchal, o que foi outra novidade.
Reunimos – o que foi também uma estreia – com a CPLP, ao mais alto nível, na sua sede. E
lançámos os “Colóquios Diplomáticos”, modelo por que recebemos como oradores na
Assembleia da República embaixadores acreditados em Portugal, para nos falarem ou de
temas das relações bilaterais ou de questões próprias que devemos conhecer melhor. Estes
colóquios foram outro sucesso, que, todavia, carece de reformulação e maior empenho a
fim de não perderem impacto e utilidade.
Como marca ficaram a extraordinária visita a Angola (um novo padrão nas relações
bilaterais), o colóquio internacional sobre o Serviço Europeu de Acção Externa, o colóquio
diplomático-parlamentar sobre a Parceria Especial União Europeia/Cabo Verde e a série de
audições temáticas nos eixos definidos para a legislatura: Língua Portuguesa (em que
ouvimos quase todos os órgãos de comunicação social com projecção internacional,
incluindo os portais internet) e lusofonia, diplomacia económica e internacionalização da
economia, União Europeia, novos fluxos de emigração.
Em síntese, não cumprimos só as nossas obrigações e rotinas; soubemos inovar. A
Comissão chegou-se à frente e deve prosseguir nesse caminho.
Tenho pena de não concluir dois pontos: a instituição do Prémio CNECP e, sem quebra da
respectiva autonomia, uma melhor articulação com as diferentes delegações parlamentares
e grupos de amizade parlamentar, por que se desdobra a actividade internacional da
Assembleia da República.
Partilho com Mota Amaral a visão de que a política externa é um grande instrumento da
afirmação e reconstrução da centralidade de Portugal e que a sua visibilidade e
protagonismo parlamentares são peça essencial desse caminho. E partilho também com ele
o discurso que tem feito em prol do pilar interparlamentar na nova construção europeia.
Mas, por isso mesmo, lamento que PS e PSD, com o peso da sua maioria, não me tenham
acompanhado e ao CDS em duas decisões recentes de grande relevância e simbolismo: a
defesa intransigente do estatuto europeu da língua portuguesa no dossier das patentes; e a
prudente preservação do papel exclusivo dos parlamentos nacionais na tutela europeia da
PESC, incluindo a PCSD.
Quebrar o vício PS/PSD trouxe saudáveis novidades à dinâmica parlamentar dos Negócios
Estrangeiros. Digo-o com satisfação pessoal e brio CDS.
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( )
* – Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas

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