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Memória Jurisprudencial
MINISTRO VICTOR NUNES
CDD-341.4191081
Ministro Victor Nunes
APRESENTAÇÃO
Foi uma grande honra para mim ter sido convidado a desenvolver este
trabalho, tendo por objeto a produção jurisprudencial de Victor Nunes Leal,
nesta série que se propõe ao estudo e à divulgação da história do Supremo Tribu-
nal Federal por meio de sua jurisprudência mais relevante.
É também uma enorme satisfação poder aprofundar-me nos votos do ju-
rista e homem público cuja obra doutrinária é muito presente em meus estudos
acadêmicos e por quem sempre cultivei profunda admiração e respeito.
Com efeito, Victor Nunes Leal personifica tanto a dignidade do Supre-
mo Tribunal Federal, tendo desempenhado com absoluta integridade sua mis-
são constitucional em período tão delicado para a democracia brasileira1,
como a excelência da atuação do Tribunal, tendo proferido votos que aliam,
com profundidade, saber jurídico, sensibilidade política e conhecimento da
realidade socioeconômica brasileira2.
A proposta deste trabalho não é produzir uma biografia de Victor Nunes
Leal nem uma análise de sua obra doutrinária. O objetivo que procurei alcançar
foi trazer ao conhecimento do leitor alguns dos que me pareceram ser seus votos
mais relevantes como Ministro do STF.
Nesse sentido, tive em mente ser fiel ao pensamento de Victor Nunes
Leal, evitando contaminá-lo com idéias minhas, ainda que caiba bem frisar que,
na grande maioria dos casos, concordo com suas conclusões e admiro o rigor e a
clareza de seu pensar.
Por outro lado, foram de minha responsabilidade a escolha e a análise dos
julgados a seguir apresentados. Recebi da Secretaria de Documentação do STF,
em meio eletrônico, arquivos de imagens de todos os acórdãos nos quais Victor
Nunes Leal proferiu votos: desde votos como Relator, até simples manifestações
de sua concordância com a posição de outros Ministros. Isso totalizava aproxi-
madamente 10.000 acórdãos.
Adotei alguns critérios para a seleção do material que resultou nesta obra.
Em primeiro lugar, busquei acórdãos em que a manifestação de Victor
Nunes Leal se mostrasse relevante para a solução da questão. Assim, não traba-
lhei com votos muito sucintos ou de simples concordância, ainda que se referis-
sem a casos interessantes.
1 Victor Nunes Leal, que fora Chefe da Casa Civil do Governo Juscelino Kubitscheck,
foi Ministro do STF de dezembro de 1960 a janeiro de 1969.
2 Destaca-se, ainda, como fundamental contribuição do Ministro Victor Nunes Leal, a
iniciativa em propor a adoção, pelo Tribunal, do mecanismo da Súmula. Ver, nesse senti-
do, a análise do RE 54.190, que dá início a esta obra.
Em segundo lugar, procurei escolher acórdãos que comportassem discussão
relevante em termos de Direito, ou discussão que se referisse a situação de fato
de interesse histórico, ou ainda que expressassem o modo pelo qual Victor
Nunes Leal posicionava-se política ou institucionalmente. Não aproveitei
acórdãos, ainda que contendo votos mais extensos e trabalhados, que acentuada-
mente se referissem a questões de fato, ou que cuidassem de matéria jurídica
sem maior repercussão.
Mesmo com a aplicação desses dois critérios, selecionei um conjunto de
aproximadamente mil acórdãos — número excessivo para os propósitos da obra.
Adotei, então, um corte temático, considerando áreas do Direito que mais se
aproximassem da produção científica de Victor Nunes Leal, sendo, ao mesmo
tempo, minha área de especialização: Direito Constitucional (incluídas questões
institucionais relativas ao STF e ao Poder Judiciário em geral, e questões com
maior conteúdo político) e Direito Administrativo (excluídas questões relativas
a servidores públicos).
Aplicados esses critérios, resultaram os 104 acórdãos que compõem a obra.
A partir de sua análise, pareceu-me mais adequado comentar cada qual indivi-
dualmente, classificados por temas e, quando possível, identificando tendências
e evoluções jurisprudenciais.
Interessante recordar que o período de Victor Nunes Leal no STF trans-
correu em parte sob a vigência da Constituição de 1946 e em parte sob a de
1967, sofrendo ainda o impacto político e jurídico do Regime de 1964 e de seus
cinco primeiros Atos Institucionais.
Trata-se de período em que as competências do STF eram diversas das
atuais — por exemplo, incluindo o julgamento, via recurso extraordinário, de
questões que envolvessem violação de leis federais (Constituição de 1946, art.
101, III; Constituição de 1967, art. 114, III) — e sofreram importantes transfor-
mações, sobretudo com a criação da representação de inconstitucionalidade, no
modelo de controle abstrato de constitucionalidade das normas, introduzido
pela Emenda n. 16, de 19653.
Igualmente, a composição numérica do STF sofreu alterações: passou dos
originais onze membros para dezesseis, com a edição do AI 2, em outubro de
1965, retornando a onze apenas com o AI 6, em fevereiro de 1969, quando
Victor Nunes Leal já fora aposentado.
Ainda em sede desta apresentação, cabem algumas observações quanto à
forma.
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7 Curiosamente, os dois Ministros que, juntamente com o Ministro Victor Nunes, inte-
gravam a Comissão de Jurisprudência do Tribunal, por ocasião da introdução da Súmula.
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8 Em que pese vencida nesse caso, a opinião do Ministro Victor Nunes sobre interpre-
tação de súmula é presente até hoje nos debates travados no Supremo Tribunal Federal.
Verifiquem-se, por exemplo, as ponderações do Ministro Sepúlveda Pertence no Habeas
Corpus 85.185, julgado pelo Plenário do Tribunal, em 10-8-2005.
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10 Esse tema volta a aparecer, nitidamente, em outros casos, tais como: MS 8.693, MS
8.651 e MS 8.802.
11 Cf. análise do RE 54.190.
12 Cf., para ilustrar, observações feitas no MS 8.651.
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que vierem nos autos, da evidência com que deles possa emergir o
abuso, que é de si mesmo noção pouco precisa”.
E conclui não vislumbrar abuso no desmembramento do cartório, mas sim na
regra que estabeleceu a prioridade para o provimento, pois “o legislador, nas pró-
prias palavras com que enunciou seu pensamento, revestidas de vigor inusitado
em leis dessa natureza, deixou escapar o seu propósito de puro favoritismo”.
Acompanha, assim, o Relator e a maioria, pelo provimento parcial do
recurso, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do dispositivo que criava a
prioridade para preenchimento da nova serventia. Há cinco votos15 pelo provi-
mento integral do recurso, entendendo igualmente inconstitucional o dispositivo
que promovia o desmembramento do ofício. Já o Ministro Gonçalves de Oli-
veira não vê direito líquido e certo do impetrante16 a legitimá-lo a impugnar o
provimento da serventia, tal como se deu, razão pela qual vota pela negativa do
recurso.
15 Ministros Eloy da Rocha, Prado Kelly, Adalicio Nogueira, Hermes Lima e Candido
Motta. Houve, em alguns desses votos, também o argumento de que a vitaliciedade
impediria a criação de nova serventia, sem preferência para seu preenchimento pelo titular
da serventia cindida. Na época, eram necessários nove votos para o reconhecimento de
inconstitucionalidade.
16 “Esse remédio (mandado de segurança) não protege mera expectativa de direito que
tem todo cidadão de ver um cargo vago e poder ser o candidato a seu provimento.”
17 No mesmo sentido, ver MS 9.411.
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20 O Ministro Ribeiro da Costa, por exemplo, interpreta restritivamente o citado art. 120,
entendendo-o exceção à regra constitucional quanto ao papel do Supremo Tribunal e
afirmando que a Constituição é superior ao próprio STF, de modo que este, em face do
texto constitucional, de clareza inequívoca, não poderia interpretá-lo de modo diverso.
21 Note-se que o entendimento do STF é de que, constatada a não-violação da Constitui-
ção, o resultado é o não-conhecimento do recurso, e não seu não-provimento. Nas pala-
vras do Ministro Relator Gonçalves de Oliveira, “se o recurso, embora fundado na Cons-
tituição, vem ao Supremo Tribunal, mas este verifica que não há violação da Constitui-
ção, então não se conhece do recurso.”
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23 De toda a gleba, vez que o título de propriedade dos autores não continha os limites
do imóvel dividendo.
24 Observando que não há, no caso, questionamento por parte dos confrontantes da
gleba integral quanto aos seus limites e que o argumento da necessidade da prévia ação
demarcatória foi levantado apenas pelos réus co-proprietários — que não teriam real
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Mas segue argumentando que, ante a novidade trazida pela EC 16/65, não
pode prevalecer a jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Federal, nem
mesmo aplicar-se o raciocínio norte-americano, posto não existir lá semelhante
instrumento de controle de constitucionalidade:
“Realmente, a ampla representação de inconstitucionalidade
que o nosso Direito Constitucional agora abriga põe a questão sob
uma nova luz, que me leva a não insistir nos votos proferidos anterior-
mente. A interpretação advogada pelos impetrantes tem uma sólida
contextura lógica e contribui, notavelmente, para o aperfeiçoamento
jurídico do nosso regime de poderes limitados e divididos, sob a vigi-
lância do Judiciário, que é o fiel da Constituição.
Teremos, assim, um mecanismo coordenado e harmônico no que
respeita à inconstitucionalidade das leis. O Presidente da República
manifestará o seu entendimento por meio do veto e, se este for rejeitado,
poderá reiterá-lo por meio da representação de inconstitucionalidade,
a ser formulada pelo Procurador-Geral, titular de sua imediata
confiança. O Congresso, por sua vez, dará o seu pronunciamento,
primeiro, quando votar o projeto e, depois, quando tiver de apreciar
o veto. Finalmente, o Judiciário, guarda do equilíbrio dos Poderes,
solucionará a controvérsia, pela voz do Supremo Tribunal, ao julgar a
representação.
Se é conclusiva, nessa matéria, a decisão do Supremo Tribunal,
o lógico é que essa decisão seja provocada antes de se descumprir a
lei. Anteriormente à EC 16/65, não podíamos chegar a essa conclu-
são por via interpretativa, porque não havia um meio processual sin-
gelo e rápido que ensejasse o julgamento prévio do Supremo Tribu-
nal. Mas esse obstáculo está arredado, porque o meio processual foi
agora instituído no próprio texto da Constituição.”
Na seqüência, frisa que esse novo posicionamento “dá novo vigor à pre-
sunção da constitucionalidade das leis”, já reforçada, desde a Constituição de
1934, pela regra de que os Tribunais só podem declarar a inconstitucionalidade
pela maioria absoluta de votos dos seus juízes, e recorda ainda que o Supremo
Tribunal Federal herdara, da jurisprudência norte-americana, a regra do “other
clear ground, que manda evitar a declaração de inconstitucionalidade
quando a causa puder ser decidida por outros fundamentos.”
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28 Vide, atualmente, o que dispõem, no Brasil, a Lei 9.868/99, art. 27, e a Lei 9.882/99, art. 11.
29 Acompanhando o voto, o Ministro Evandro Lins observa que, negando execução a
lei, o Presidente pode eventualmente incidir em crime de responsabilidade; e o Ministro
Vilas Boas proclama, em defesa da relevância da lei em nosso sistema, que “o símbolo da
ordem jurídica é a lei e não apenas a Constituição”. E, respondendo a questão de ordem
suscitada pelo Procurador-Geral da República, pondera o Ministro Victor Nunes que não
poderia, em sede do mandado de segurança — que não pode ter efeitos de representa-
ção —, apreciar a constitucionalidade, em tese, da lei controvertida.
30 Com fundamento na jurisprudência passada e em argumentos como: a nulidade abso-
luta das leis inconstitucionais; a supremacia da Constituição; o dever do Presidente da
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Esta questão, dita inédita no âmbito do Supremo Tribunal Federal pelo Mi-
nistro Pedro Chaves, deriva de situação de fato bastante incomum na prática
institucional.
O Supremo Tribunal Federal julgara inconstitucional, em outro processo, via
recurso extraordinário, dispositivo do Código de Impostos e Taxas do Estado de
São Paulo (Decreto 22.022/53) que estabelecia hipóteses de incidência do imposto
sobre transações.
A inconstitucionalidade então reconhecida decorria do disposto em uma
alínea que arrolava algumas atividades — “construção, reforma e pintura de
prédios e obras congêneres, por administração ou empreitada” — como
integrantes da hipótese de incidência.
Naquela ocasião, determinado arquiteto, contratado para fiscalizar obra exe-
cutada por conta do proprietário, sustentou não ser devido o imposto sobre seus
honorários. Com efeito, entendera, assim, o Supremo Tribunal Federal, decidindo
não ser fato gerador da cobrança a renda auferida em virtude de contrato de
locação de serviços — RE 38.538, com decisão prolatada em 19-8-60. Tal decisão
foi posteriormente (21-8-62) encaminhada ao Senado Federal, para fins de eventual
suspensão de execução e, em 25-3-65, o Senado efetivamente decidiu, por meio da
Resolução 32, suspender a execução da alínea objeto do citado RE.
Ocorre que o Governador do Estado de São Paulo, em face da decisão do
Senado Federal, em 15-9-65, apresentou representação àquela Casa Legislativa
com base em interpretação fixada pela Fazenda estadual, pretendendo que a
anterior decisão do Supremo Tribunal Federal apenas houvesse tido por efeito
considerarem-se inconstitucionais situações de fato idênticas à do arquiteto então
recorrente. Posta desse modo a questão, em tese seriam possíveis outras aplica-
ções constitucionais da mesma alínea.
Ante a Representação, o Senado Federal, em 14-10-65, editou nova Reso-
lução, de número 93, revogando a anterior Resolução 32, e suspendendo a execução
da norma estadual paulista apenas para a hipótese de locação de serviços profis-
sionais, nos termos da situação concreta submetida ao Supremo Tribunal Federal
no Recurso Extraordinário 38.538.
Contra essa nova Resolução do Senado Federal é que foi impetrado, origi-
nariamente, no Supremo Tribunal Federal, o mandado de segurança que ora se
comenta.
Dentre os argumentos apresentados pelos impetrantes (vinte e sete em-
presas construtoras), destacam-se:
.
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32 De todo modo, os Ministros Pedro Chaves, Evandro Lins e Luiz Gallotti já adiantavam,
em interessante raciocínio que privilegiava a análise de mérito, com relativo desapego às
formalidades, que conheceriam qualquer meio de defesa de direito dos interessados:
mandado de segurança, reclamação ou representação.
33 A representação de inconstitucionalidade, recentemente introduzida no sistema
constitucional e ainda sofrendo construção jurisprudencial quanto ao seu procedimento,
posto que não disciplinada no plano legal.
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por exemplo, os votos do Ministro Victor Nunes em: RE 54.491, RMS 8.533, RMS 10.939,
RE 39.296, RE 40.206, RE 41.517, RMS 13.341e RMS 17.443.
35 Além de argumento inspirado por forte senso de questões sociais.
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36 Poder-se-ia observar que essa tese se harmoniza com as idéias expostas no capítulo
“Interpretação”, na Teoria Pura do Direito, por Hans Kelsen.
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37 Igualmente quanto à aplicação da Súmula 400, ver, entre outros, o RE 28.797, relatado
pelo Ministro Victor Nunes.
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O Ministro Victor Nunes conclui seu voto no RMS 14.710 (cf. supra) ,“ren-
dendo tributo” à jurisprudência anterior ao RMS 15.212.
De fato, foi a partir desse precedente, envolvendo a mesma questão de mérito
discutida no RMS 14.710, que o Supremo Tribunal Federal alterou seu entendimento
quanto à necessidade de recurso — sob pena de trânsito em julgado —, antes da
decisão final do litígio, de decisão do Plenário de tribunais inferiores, em matéria
constitucional.
Naquela ocasião, além de apresentar argumentos em igual sentido dos já
acima expostos42, o Ministro Victor Nunes ponderara:
“A decisão que a maioria está tomando hoje não atende a essa
conveniência43, porque protela o julgamento da questão constitucio-
nal por esta Corte. Ela já estará decidida por outro Tribunal, em
Plenário, mas só virá ao Supremo depois que a Turma ou Câmara
daquele Tribunal proferir outra decisão, que de resto será absoluta-
42 Apesar da precedência temporal do RMS 15.212, optou-se pela análise dos argumen-
tos do Ministro Victor Nunes a partir do RMS 14.710, posto que neste caso foram apresen-
tados (ou reiterados) com maior detalhamento.
43 “A conveniência pública de serem as questões constitucionais dirimidas o quanto
antes.”.
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Discussão sobre a ocorrência de inconstitucionali-
dade ou revogação de lei anterior que conflita com nova
Constituição — Conseqüências.
Registre-se ainda mais um caso, de interesse em matéria de controle de
constitucionalidade. Faz-se, todavia, apenas esta breve referência, porquanto re-
lativamente reduzida a participação do Ministro Victor Nunes nos debates.
A questão de fato consistia na discussão sobre a inconstitucionalidade de
ato do Governador do Estado do Rio Grande do Sul, que, ao nomear o Diretor-
Geral da Secretaria da Corte de Apelação da Justiça Militar daquele Estado,
havia ofendido o princípio da independência dos Poderes e violado garantias do
Poder Judiciário.
Deixando, por ora, de lado a questão de fundo e a solução do caso concreto,
vale transcrever, do sucinto voto do Ministro Victor Nunes, este trecho que bem situa
a tese jurídica discutida em questão preliminar, levantada pelo Ministro Eloy da Rocha:
“É, realmente, controvertido o problema de saber se é inconstitu-
cional, ou se está revogada, a lei anterior com a qual conflita a Cons-
tituição.
Em outra oportunidade, escrevi um comentário, optando pela
tese da revogação, o que teria conseqüências práticas de relevo.
Sendo o caso de revogação, e não de inconstitucionalidade, não
será, por exemplo, necessária a maioria qualificada para que os
Tribunais declarem a invalidade de uma lei, em tais condições.
Parece que a maioria do Tribunal se inclinou pela tese da
inconstitucionalidade. Por enquanto, fico com a opinião que já
enunciei anteriormente. Por isso, adoto a conclusão do Sr. Ministro
Eloy da Rocha, declarando prejudicada a representação no que
respeita à primeira nomeação, e procedente quanto à segunda.”
Com efeito, quanto a esse aspecto da representação, ao qual se aplicava a
discussão sobre a situação da lei anterior em conflito com a nova Constituição,
apenas os Ministros Victor Nunes e Eloy da Rocha julgaram-na prejudicada.
1.3 Federalismo
Recurso em Mandado de Segurança 11.687
47 O Ministro Victor Nunes, ao relatar esse argumento, já lhe aponta contradições, até
porque, na seqüência, vem a admitir a censura federal sob certos aspectos.
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gerais federais, etc.). No sistema de 1946, além do disposto no art. 18, § 1º, acima já
transcrito, cuidava da matéria o art. 6º: “A competência federal para legislar sobre as
matérias do art. 5º, n. XV, letras b, e, d, f, h, j, o e r, não exclui a legislação estadual
supletiva ou complementar”.
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doutíssimos votos” que acabara de ouvir, “não seria necessário trazer novas
considerações”. Mas, pela relevância do processo, pareceu-lhe “conveniente
comprovar que vários aspectos que ele oferece ao nosso exame já têm sido
apreciados por este Tribunal. Não estamos desbravando floresta virgem,
mas palmilhando caminho pavimentado pela jurisprudência”.
Em primeiro lugar, discutiu-se a competência originária do Supremo Tribu-
nal, porque o Presidente da República negara categoricamente qualquer partici-
pação pessoal nos acontecimentos de Goiás.
Porém, a competência do Tribunal para conhecer de habeas corpus em
casos urgentes, mesmo que a autoridade coatora não esteja sob sua jurisdição,
está sedimentada desde a Lei 221, de 1894, posteriormente assentando-se sobre
fundamento constitucional desde 1934; e dispunha, então, a Constituição de 1946,
em seu art. 101, I, h, in fine, sobre competência originária do Supremo Tribunal
Federal para processar e julgar:
“o habeas corpus, quando o coator ou paciente for Tribunal,
funcionário ou autoridade cujos atos estejam diretamente sujeitos à
jurisdição do Supremo Tribunal Federal; quando se tratar de crime
sujeito a essa mesma jurisdição em única instância; e quando hou-
ver perigo de se consumar a violência, antes que outro Juiz ou Tribu-
nal possa conhecer do pedido”.
Nesse sentido, cita célebres julgados, entre eles o Habeas Corpus 4.781,
julgado em 1919, assegurando a Rui Barbosa e seus correligionários a liberdade
de reunirem-se para promover atos de sua campanha presidencial.
Em segundo lugar, lembra inúmeros julgados do Tribunal, para afirmar que,
segundo a interpretação do disposto no art. 141, § 23, da Constituição de 194650,
sobre habeas corpus preventivo, não é necessário que se comprove a realidade
da violência iminente; “bastam fundados motivos ou razões fundadas para
recear a violência”. Ou seja, não é necessário que se prove a iminência da
coação, mas sim que se justifique o receio.
Um terceiro aspecto que menciona, com base na jurisprudência daquela
Corte, é ser de competência federal legislar sobre crimes de responsabilidade dos
titulares de elevadas funções públicas, entre eles os Governadores de Estado.
Já afirmara o Tribunal em algumas ocasiões, desde o início do Século XX —
HC 2.385, de 1906; HC 4.116, de 1917; Rp 97, de 1947; Rp 111, de 1948; RMS
4.928, de 1957 —, a competência federal para a matéria. Desse modo, seria
50 “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de
poder. Nas transgressões disciplinares, não cabe o habeas corpus”.
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constitucional a Lei federal 1.079/50, restando aos Estados dispor sobre aspectos
específicos, como o órgão jurisdicional competente para o julgamento.
Na seqüência, o quarto aspecto analisado, em decorrência da aplicação,
ao caso, da Lei 1.079/50, é a necessidade de antecedência do processo de
impeachment quanto a eventual processo perante a justiça comum, nos crimes
de responsabilidade dos titulares dos poderes políticos.
Para sustentar a tese da precedência do julgamento político nos crimes de
responsabilidade, remonta à doutrina de Pimenta Bueno e a expressos dispositivos
constitucionais, desde a Constituição de 189151, assim como à jurisprudência do
Tribunal (citando expressamente a aplicação da tese quanto aos Prefeitos, deci-
dida nos casos acima analisados — cf. RHC 39.708).
O quinto ponto desenvolvido dizia respeito ao enquadramento, no rol de
crimes de responsabilidade definido pela Lei 1.079/50, da “atividade subversiva”
de que era acusado, no caso, o Governador.
Essa mesma atividade, nos termos da Lei de Segurança Nacional, recairia
na competência da Justiça Militar.
Todavia, consoante a Lei 1.079/50, o julgamento dos crimes de responsabi-
lidade dos Governadores se desdobra em dois juízos: o de acusação ou pronúncia,
pela Assembléia Legislativa; e o de julgamento, pelo órgão indicado pela Consti-
tuição estadual, ou, em sua falta, pelo tribunal misto, regulado na Lei 1.079/50. No
caso, como visto, a Constituição goiana previa a competência, para julgamento, da
própria Assembléia Legislativa; ou, fosse crime comum, do Tribunal de Justiça.
Um penúltimo aspecto abordado referia-se ao argumento de que a Constitui-
ção do Estado, ao dar competência ao Tribunal de Justiça para julgar o Governador
“nos crimes comuns”, não incluiria os crimes militares; o mesmo raciocínio seria
aplicado à Lei 1.079/50, ao ressalvar a competência da justiça comum (art. 78).
Contudo, mostra o Ministro Victor Nunes que, em tais normas as expres-
sões “crime comum” e “justiça comum” estão empregadas em oposição a “crime
de responsabilidade” e “juízo político”. “A expressão justiça comum abrange,
portanto, todos os ramos da justiça, que não sejam de caráter político,
inclusive a Justiça Militar, e a expressão crimes comuns, todos os crimes
que não sejam de responsabilidade, sem excluir os militares”.
51 Assim previa a Constituição de 1946, art. 88: “O Presidente da República, depois que
a Câmara dos Deputados, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, declarar
procedente a acusação, será submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal
Federal nos crimes comuns, ou perante o Senado Federal nos de responsabilidade”.
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Esse dispositivo foi tido por inconstitucional pelo Ministro Relator, Amaral
Santos, acompanhado pela maioria, por violação da norma constitucional federal
que vedava a vinculação de tributos a determinado órgão, fundo ou despesa (art.
65 da Constituição de 1967).
O Ministro Victor Nunes, a seu turno, entendia que o dispositivo impugnado
não violava a Constituição Federal. Nesse sentido, lembra que o próprio art. 6554 já
relativizava o princípio da não-vinculação da arrecadação de tributos.
Mas o argumento definitivo é o de que a Constituição estadual não estaria
criando vinculação de tributo a despesa determinada — “o que nele [no disposi-
tivo da Constituição Federal] parece vedado é a vinculação da receita, no
momento em que é criada” —, e sim disciplinando o modo de se distribuir a
despesa, tomando por referência a despesa passada, do exercício anterior.
Ou seja, a Constituição estadual não estaria impondo que determinado tri-
buto tivesse a receita decorrente de sua arrecadação vinculada a determinada
despesa. Diferentemente disso, estaria, sim, determinando que, do montante ge-
ral de despesas, uma certa porcentagem deveria corresponder ao Fundo Estadual
de Educação e Cultura. E conclui com considerações de ordem política:
“A Constituição só proíbe que se vincule determinada receita,
ainda assim com várias exceções por ela previstas. Por isso, não me
parece que seja manifestamente inconstitucional o dispositivo impug-
nado. A Constituição adotou um critério político-administrativo. Pôs
ênfase nos serviços de educação, para impedir que o legislador ordi-
nário seja negligente a esse respeito.55
Fala-se muito em desenvolvimento. O professor Jacques Lambert,
que escreveu notável estudo sobre a sociedade dualista, incluindo nesse
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Representação 775
Este caso, tratado em acórdão bastante sucinto, traz, ainda que de passa-
gem, referência a tese relevante para a matéria de competências dos entes fede-
rativos.
Discute-se a inconstitucionalidade de norma da Constituição do Estado do
Espírito Santo que fixara, genericamente para todas as “cidades litorâneas” do
Estado, exceto a Capital, limitações quanto a localização e gabaritos de edifica-
ções nas proximidades do mar.
Sustentava-se na representação que tal norma violava a autonomia muni-
cipal, por invadir sua competência em matéria de disciplina das edificações. Esse
argumento foi acolhido pelo Ministro Relator, Lafayette de Andrada.
O Ministro Victor Nunes acompanha o Relator, por entender incabível tal in-
terferência de norma estadual, de modo amplo e genérico, na matéria em questão.
Todavia, na motivação de seu voto, faz ressalva no sentido de que poderia
haver hipóteses nas quais o exercício de competências constitucionais pelos Esta-
dos ou pela União acarretasse, legitimamente, restrição à competência municipal
em matéria de edificações urbanas.
da direção das sociedades de economia mista e quis exprimir, mas a língua não o
ajudou, que esse representante seria designado pela oposição parlamentar”, mas não
que fosse um parlamentar.
57 Já os Ministros Thompson Flores e Themistocles Cavalcanti consideravam o disposi-
tivo integralmente inconstitucional.
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Representação 676
58 E compara com procedimentos análogos, por exemplo, para ingresso na carreira diplo-
mática, via curso do Instituto Rio Branco, ou em carreiras militares, via as respectivas
escolas.
93
Memória Jurisprudencial
94
Ministro Victor Nunes
59 “São estáveis os atuais servidores da União, dos Estados e dos Municípios, da admi-
nistração centralizada ou autárquica, que, à data da promulgação desta Constituição,
contem, pelo menos, cinco anos de serviço público.”
60 Art. 168, § 3º “A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas: (...)
V - o provimento dos cargos iniciais e finais das carreiras do magistério de grau médio
e superior será feito, sempre, mediante prova de habilitação, consistindo em concurso
público de provas e títulos quando se tratar de ensino oficial”.
61 Art. 168. “A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: (...) VI - para o
provimento das cátedras, no ensino secundário oficial e no superior oficial ou livre,
exigir-se-á concurso de títulos e provas”.
95
Memória Jurisprudencial
96
Ministro Victor Nunes
pela maioria dos Ministros, ao longo dos debates: “Perdoem os caros colegas
certa veemência do meu voto, que reflete minha preocupação com esse pro-
blema. A maioria está fechando a porta ao legislador federal, que poderia
dispensar o concurso no ensino primário em atenção às condições do país,
pois está dizendo que, por força da Constituição, qualquer cargo público
de ensino primário só pode ser preenchido mediante concurso”.
O Ministro Victor Nunes propõe então ao Tribunal que se conclua pela
inconstitucionalidade da norma, mas que se deixe margem para que posterior-
mente seja produzida “mais profunda reflexão” sobre o problema do concurso
no ensino primário.
Assim, além do argumento da competência do legislador federal para tra-
tar da matéria na LDB, o Ministro Victor Nunes ainda lembra outro fundamento
para a procedência da representação de inconstitucionalidade: a norma pernam-
bucana tem por efeito efetivar “candidatos reprovados em concurso que a lei
estadual ao tempo já exigia. Essa aprovação dos reprovados é que conflita
com o sistema constitucional dos concursos”.
E conclui: “Meu voto é este: acompanho a conclusão do eminente
Relator, mas pela razão que acabei de mencionar. Entendo, como o Sr. Mi-
nistro Evandro Lins, que a Constituição Federal não obriga os Estados a
realizarem concurso para o magistério primário. Este assunto ficou ao cri-
tério dos Estados, ressalvado o que dispuser a lei federal, que pode definir
as diretrizes e bases da educação nacional”.
A representação é, enfim, julgada procedente, contra apenas o voto do
Ministro Evandro Lins.
Representação 669
97
Memória Jurisprudencial
98
Ministro Victor Nunes
Representação 467
Repartição constitucional de competências — Teo-
ria dos poderes implícitos — Observância de parâmetros
do Distrito Federal pelos Estados — Criação de Tribunal
de Contas.
62 Curioso notar que o novo Procurador-Geral da República, em seu parecer, afirma en-
tender ser a representação infundada; todavia não apresenta desistência formal em home-
nagem a seu antecessor e ainda porque o Supremo Tribunal Federal poderia não concor-
dar com os fundamentos de sua opinião.
99
Memória Jurisprudencial
Representação 477
63 O Ministro Victor Nunes, para rebater o argumento de autoridade do Relator, que citou
(cf. supra), em defesa de sua tese, pronunciamento do próprio San Tiago Dantas, trans-
creve outro trecho do mesmo discurso: “Todo ato que esta Assembléia praticar para
ampliar o seu mandato, quer quanto ao prazo, quer quanto ao conteúdo, constitui
103
Memória Jurisprudencial
violação da lei federal, que condiciona limites à sua competência, e se resolve numa
usucapião de poderes”. De todo modo, para o Ministro Victor Nunes, reitere-se, a ques-
tão não é o conflito da Constituição estadual com a lei federal, mas com a Constituição
Federal.
104
Ministro Victor Nunes
Representação 602
106
Ministro Victor Nunes
dias a contar do seu recebimento na Câmara dos Deputados e de igual prazo no Senado
Federal; caso contrário, serão tidos como aprovados.
107
Memória Jurisprudencial
Por fim, cita trecho de polêmico artigo, de autoria de Carlos Lacerda, pu-
blicado no calor dos debates e das movimentações políticas contrárias à posse do
então Presidente eleito, Juscelino Kubitschek. E o Ministro Victor Nunes65 o cita
elegante e ironicamente.66 É que Carlos Lacerda, ao tempo de 1955, cobrava o
Judiciário por supostas omissões no exercício de suas importantes atribuições
políticas; e agora era o Governador interessado em sustentar a impossibilidade de
o Judiciário apreciar a questão suscitada. Eis o texto de Lacerda:
“Não estamos sozinhos, quando afirmamos que o Poder Judi-
ciário foi omisso em todas as crises que envolveram o Brasil. Não.
Quem conosco pensa é o mesmo homem que lutou, na Constituinte de
91, para que se desse ao Poder Judiciário a função de terceiro poder,
nos moldes da constituição americana (...) O que há de grave na
crise brasileira (...) é que a legalidade vigente não encontra saída
para as dificuldades brasileiras. E não encontra não porque faltem
leis, ou porque as existentes sejam precárias. Absolutamente. O que
nos tem faltado sempre é compreensão, por parte do Poder Judiciário,
de que a ele compete a guarda e a interpretação da Constituição, se-
gundo determinação constitucional. O que falta ao Poder Judiciário,
como órgão, como instituição, para desempenhar o papel de terceiro
poder político, compondo os conflitos entre o Executivo e o Legislativo,
dentro do sistema de freios e contrapesos estabelecido na Constituição.
O defeito é do órgão que, despreparado, se descuida e despreza a
sua função política, limitando-se a decidir e compor conflitos entre
particulares. É o grande ausente nas crises brasileiras, vivendo como
que à margem da vida política brasileira, parecendo não perceber
que tem gravíssimas atribuições políticas a desempenhar como intér-
prete e guardião da Constituição”.
A representação foi julgada procedente, por unanimidade.
Recurso Extraordinário 58.50567
Observância de princípios da Constituição Federal por
Constituição estadual e lei orgânica de Municípios — Eleição
de prefeito em caso de vacância — Posição do Município na
Federação brasileira — Autonomia municipal.
65 Recorde-se que Victor Nunes fora o Ministro Chefe da Casa Civil do Governo Jusce-
lino Kubitscheck, enquanto Carlos Lacerda liderara os movimentos golpistas visando a
impedir a posse do Presidente, sendo destacado opositor daquele Governo.
66 “Certamente, Sr. Presidente, estas palavras não saíram da pena de um constitucio-
nalista, mas são agora muito adequadas, porque a sua autoria nominal pode ser encon-
trada na Tribuna da Imprensa de 19 de outubro de 1955”.
67 Julgado em conjunto com o RMS 15.207.
108
Ministro Victor Nunes
68 Interessante citar registro feito pelo Ministro Relator, Pedro Chaves, em “acréscimo ao
voto”: “Senhor Presidente, não quero encerrar o meu voto sem manifestar a emoção de
um velho juiz e sua admiração pelo que se encerra neste processo. Em última análise é
uma homenagem que o Rio Grande do Sul presta à ordem legal. Esse lendário Rio
Grande, onde as paixões políticas são conhecidas, notórias, vivas, e vão até as armas,
abandonou, neste caso, as lanças dos seus gaúchos e entregou o pleito à inteligência
dos seus advogados, à cultura de seus juízes, numa verdadeira manifestação de prestí-
gio à ordem jurídica, o único caminho, Senhor Presidente, pelo qual a Nação brasileira
há de recuperar os seus passos para o progresso e a glória, no futuro.”
110
Ministro Victor Nunes
111
Memória Jurisprudencial
do Rio Grande do Sul (aliás, diferindo das Constituições dos outros Estados) para
que a Câmara Municipal regule essa matéria —, posto que o Município teria usado
sua competência de auto-organização com o mesmo vício de inconstitucionalidade,
estabelecendo eleição indireta para sucessão de Prefeito a partir de vacância na
primeira metade do mandato.
Ante a inconstitucionalidade da Constituição estadual e da Lei Orgânica
do Município, aponta o Ministro Victor Nunes que a matéria deve ser regida pela
norma federal — o Código Eleitoral, harmônico, de resto, com a Constituição
Federal —, promovendo-se eleição direta para Prefeito e Vice-Prefeito.
Tal fora a decisão, ora objeto de recurso, proferida pelo Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul, que o Ministro Victor Nunes confirma. Porém, como visto,
essa posição não prevaleceu no Supremo Tribunal Federal.
Representação 718
O Governo do Estado do Rio Grande do Norte, por decreto, com base não
em lei estadual, mas na Lei federal 4.132/62, que dispõe sobre desapropriação
para reforma agrária, editou decreto expropriatório de terras (Decreto 4.527/65),
explicitando que as terras seriam desapropriadas para posterior doação, alienação
ou locação, com preferência garantida aos seus ocupantes.
O Ministro Relator, Gonçalves de Oliveira, invocando jurisprudência da
Terceira Turma do Supremo Tribunal Federal, manifesta entendimento de que a
União tem competência exclusiva para desapropriar, por interesse social, para
fins de reforma agrária.
Esse ponto estaria implícito no regime de 1946, tendo sido posteriormente
explicitado pela Emenda Constitucional 10, e ainda expressamente previsto no
art. 157 da Constituição de 1967:
“Art. 157. A ordem econômica tem por fim realizar a justiça
social, com base nos seguintes princípios: (...) § 1º Para os fins pre-
vistos neste artigo, a União poderá promover a desapropriação da
propriedade territorial rural, mediante pagamento de prévia e justa
indenização em títulos especiais da divida pública, com cláusula de
exata correção monetária, resgatáveis no prazo máximo de vinte
.
114
Ministro Victor Nunes
115
Memória Jurisprudencial
Representação 515
Cuida-se de caso que gerou extenso debate e votação disputada, com o voto
de desempate do Presidente, no sentido do acolhimento da representação.
Questões processuais à parte, discutia-se a constitucionalidade de uma
emenda que a Assembléia Legislativa promovera na Constituição do Estado do
Rio de Janeiro, passando a vigorar a regra de que, na vacância dos cargos de
Governador e Vice-Governador, ou mesmo na vacância simplesmente do cargo
de Vice-Governador, por ter assumido o cargo de Governador ou por qualquer
motivo, a Assembléia elegeria, de modo indireto, portanto, um segundo Vice-
Governador.
No caso concreto, o então Governador, Roberto Silveira, falecera, e o
Vice, Celso Peçanha, assumira o cargo, vindo, no entanto, a renunciar, mas após
a introdução da nova regra pela Emenda.
116
Ministro Victor Nunes
O Ministro Relator, Ari Franco, inicia seu voto com interessante digressão
sobre a história política do Rio de Janeiro73 e sobre virtudes do parlamentaris-
mo74, ressaltando, no entanto, que os Estados permaneciam no regime presiden-
cial.
Situa a controvérsia constitucional a partir da regra de que os Estados
devem reger-se por suas constituições e leis, respeitados princípios estabelecidos
no art. 18 da Constituição Federal de 1946, princípios esses enumerados no art.
7º, dentre os quais a “forma republicana representativa” (inciso VII, a).
Entende o Ministro Relator que a eleição indireta do Vice-Governador, nos
termos da Emenda à Constituição do Estado, viola a forma republicana represen-
tativa. Haveria, assim, que se aplicar a regra anterior à emenda, segundo a qual,
vagando ambos os cargos, faz-se eleição direta, se na primeira metade do man-
dato; indireta, se na segunda — não havendo a figura da eleição indireta de Vice-
Governador caso o anteriormente eleito assuma o cargo de Governador.
A esse argumento, o Ministro Pedro Chaves acrescenta o de que a Cons-
tituição do Estado do Rio de Janeiro teria quebrado a ordem de sucessão fixada
na Constituição Federal, introduzindo entre o Vice-Governador e o Presidente da
Assembléia mais um Vice-Governador. “Pouco se nos dá, diante dos termos
da Constituição, que tenha havido ou não tenha havido pactos. Os pactos,
mesmo dos partidos, não prevalecem contra a Constituição.”
O Ministro Victor Nunes votou vencido, sendo o primeiro voto divergente
a ser declarado.
Inicia por frisar que a Emenda se dera antes da renúncia do Vice-Gover-
nador, portanto, sem violar qualquer direito do então Presidente da Assembléia,
posto não se haver ainda implementado a condição constitucional para que se
pudesse considerar Governador. Assim, entende legítimo o momento para altera-
ção da ordem sucessória. E lembra, por analogia, o que se passara nos Estados
Unidos, quando se alterara a ordem sucessória para Truman substituir Roosevelt,
em 1947.
Quanto ao argumento central, pondera que a Constituição Federal não
define o que seja “forma republicana representativa”, o que se interpreta a partir
de outros dispositivos constitucionais. E o modelo federal, assim considerado,
73 Criticando lapsos de imaturidade política demonstrada em casos de “dualidade de
Assembléias”.
74 “Todas as convulsões do Brasil resultaram sempre das eleições presidenciais” —
ainda que se mostre decepcionado com o parlamentarismo então praticado no Brasil, dito
“híbrido” pelo próprio Primeiro Ministro —, “deixando de lado tudo aquilo que esperá-
vamos constituísse tranqüilidade para a Nação”.
117
Memória Jurisprudencial
Representação 600
119
Memória Jurisprudencial
Representação 561
Representação 753
76 “Art 188. Os Estados reformarão suas Constituições dentro em sessenta dias, para
adaptá-las, no que couber, às normas desta Constituição, as quais, findo esse prazo,
considerar-se-ão incorporadas automaticamente às cartas estaduais”.
121
Memória Jurisprudencial
Representação 494
77 Esse tema ganha hoje novos contornos com a Lei 11.107/2005, sobre consórcios
públicos.
123
Memória Jurisprudencial
Representação 505
Representação 654
78 Essa questão, presentemente, vem sendo objeto de discussão; em São Paulo, por
exemplo, tendo a Prefeitura da Capital pretendido sustentar essa tese, acabou por preva-
lecer o entendimento de caber ao Estado a atividade. No caso, porém, estavam envolvidos
argumentos de maior complexidade, como o abastecimento de toda a região metropolita-
na, com mais de vinte milhões de habitantes e com mananciais situados fora do território
da Capital. A matéria encontra-se atualmente em discussão no STF, por força da ADI 2.077.
126
Ministro Victor Nunes
Representação 503
127
Memória Jurisprudencial
128
Ministro Victor Nunes
82 Nesse caso, a tese sustentada pelo Relator, Ministro Luiz Gallotti, acompanhada pela
unanimidade de votos do Tribunal Pleno, é a mesma que o Ministro Victor Nunes agora
defende no RHC 39.708. Todavia, naquela ocasião, ao acompanhar o Relator, o Ministro
Victor Nunes ressalva sua posição, que entende não ser então oportuno desenvolver, no
sentido de que determinadas regras do regime próprio do Presidente de República não se
aplicam aos Prefeitos. Isso a seguir será exposto.
129
Memória Jurisprudencial
Representação 423
83 Esse último aspecto, mais político, do voto é especificamente elogiado pelo Ministro
Gonçalves de Oliveira, que registra: “Morei muito tempo no interior e, quando o Prefeito
está em oposição ao Governo do Estado, destaca-se um Delegado para a cidade e
começa ele a abrir inquéritos absurdos, não permitindo mais que continue a adminis-
tração regular do Município”.
84 Note-se que há outro recorrente, também paciente no habeas corpus, quanto ao qual
é negado provimento ao recurso, por não lhe assistirem as prerrogativas de Prefeito.
130
Ministro Victor Nunes
favor não tinha, por si só, o necessário requisito demográfico de dez mil habitan-
tes, a reforçar a invalidade da lei que consagrou a criação do novo Município.
O Ministro Victor Nunes, reiterando sua posição original, vota pelo acolhi-
mento dos embargos, para julgar improcedente a representação. Em sua mani-
festação, situa a controvérsia em torno de ter a lei impugnada, de criação do novo
Município, violado a autonomia municipal. Passa então a analisar essa autonomia
tal como tratada em três níveis: Constituição Federal, Constituição do Estado e
Lei Orgânica dos Municípios (lei estadual).
Quanto à Constituição Federal, inicialmente reitera argumento de que não
se aplica ao caso de desmembramento de Municípios a regra do art. 2º, que trata
da impossibilidade de se abolir a Federação, erigindo-se o Estado Federal como
unidade intangível.
Em segundo lugar, lembra que a autonomia municipal é definida no art. 28
da Constituição Federal, em função do peculiar interesse do Município. “E nunca
se sustentou, em boa doutrina, que a criação de novos municípios fosse
assunto do peculiar interesse deste ou daquele município”. Trata-se de inte-
resse, em princípio, de todo o Estado.
Como terceiro ponto, afasta a idéia de que um distrito “não poderá ser
privado de sua vinculação política a determinado município, sem seu con-
sentimento”, sendo vítima de espécie de “imperialismo” de distritos maiores.
Assim, observa que a criação de novo Município não resulta de ato de distrito,
mas de lei estadual, que fala pelo Estado, eliminando-se, pois, a idéia do “imperia-
lismo distrital”.
Quanto à Constituição do Estado, a criação do Município em discussão
também não conteria vícios. Fora ouvida a população do território do novo
Município, tal como exige o texto da Constituição estadual, sem descer ao
detalhe de se a consulta será feita em conjunto ou separadamente em cada
distrito.
Por fim, quanto à lei estadual que trata da matéria, afasta um primeiro
argumento que, analogicamente, invocava a regra de que dois Municípios têm
que ser ouvidos isoladamente no caso de sua fusão. Ora, no presente caso,
trata-se de um Município só — nem seriam, porventura, dois distritos situados em
Municípios diversos.
Nega também a aplicação, ao caso, da norma da Lei Orgânica dos Municí-
pios, lei estadual que trata da fusão de distritos, o que pressupõe que passem a
formar um distrito só. Ocorre que, no caso, os distritos não se fundiram; continuam
distritos distintos, porém integrando Município novo.
.
132
Ministro Victor Nunes
Por fim, argumenta que, ainda que tivesse havido contrariedade à Lei
Orgânica dos Municípios — o que nega —, esse problema estaria superado pelo
fato de a lei que aprovou a criação do novo Município ser igualmente lei estadual,
posterior àquela e de mesma hierarquia, ainda que trate individualmente de caso
especial.85
No entanto, mesmo com nova composição do Tribunal, a posição do Ministro
Victor Nunes resta vencida, agora acompanhada de mais quatro Ministros, tendo
sido os embargos rejeitados com o voto de desempate do Ministro Presidente.
Representação 583
85 Nesse passo, ao ser argüido pelo Ministro Relator, Luiz Gallotti, pronunciou-se, em
observação que merece registro, manifestando relevante opinião: “Então, cada vez que
se criar um município em desconformidade com a lei orgânica, esta ficará alterada (...)”
(Ministro Luiz Gallotti). “Não há, no Direito Constitucional brasileiro — a não ser
agora, com a lei institucional do regime parlamentarista, prevista no Ato Adicional, de
2-9-1961 —, qualquer distinção entre as leis ordinárias, no sentido de se colocar
qualquer delas acima das outras. E falo com a maior insuspeição, porque tenho defen-
dido a necessidade de haver, no Brasil, essa diferenciação. Escrevendo a respeito da
133
Memória Jurisprudencial
134
Ministro Victor Nunes
Representação 632
Representação 657
Representação 507
87 Há debates renovados no voto do Ministro Eloy da Rocha, que não alteram, contudo,
o entendimento majoritário.
136
Ministro Victor Nunes
Representação 534
137
Memória Jurisprudencial
Representação 586
Representação 574
Representação 513
89 O que entende ser prova suficiente, não havendo, nos autos, o documento específico
com a deliberação da Câmara Municipal. Registre-se, ainda que não seja relevante deta-
lhar, para a compreensão da tese discutida nesse processo, o extenso debate entre os
Ministros Evandro Lins e Victor Nunes sobre ter ou não a Câmara Municipal de Goianinha
consentido com a criação do Município de Piau, havendo dúvida se o consentimento se
referia ao Município de Tibau do Sul.
139
Memória Jurisprudencial
Representação 617
90 Nesse caso, há rápido mas interessante debate entre três Ministros, acerca da conve-
niência política da criação de novos Municípios: “Sr. Presidente, vou abrir uma exceção
para acompanhar o voto do eminente Sr. Ministro Relator, acolhendo a representação.
Sou muito a favor da divisão dos Municípios para que melhor defendam os benefícios
recebidos da União, os quais de maneira mais eficaz chegam a eles com essa
retalhação” (Ministro Vilas Boas). “Estamos com mais de três mil Municípios, a maior
parte dos quais não se pode manter” (Ministro Hahnemann Guimarães). “Um bom crité-
rio seria talvez não dar a quota do imposto de renda senão aos Municípios que tivessem
dez anos de existência” (Ministro Gonçalves de Oliveira). “Acolho a representação no
caso” (Ministro Vilas Boas ). Vale observar a extrema atualidade das ponderações do
Ministro em face dos 5.564 Municípios hoje existentes.
140
Ministro Victor Nunes
142
Ministro Victor Nunes
92 “Art. 2º, § 1º: A alegação do fim ou motivo político não impedirá a extradição,
quando o fato constituir, principalmente, uma infração comum da lei penal, ou quando
o crime comum, conexo dos referidos no inciso VII (infração puramente militar, contra
a religião, crime político ou de opinião), constituir o fato principal.”
143
Memória Jurisprudencial
144
Ministro Victor Nunes
145
Memória Jurisprudencial
Competência:
Esse ponto fora levantado pela Alemanha, impugnando a competência da
Áustria para pleitear a extradição, mediante o princípio da nacionalidade ativa: ao
tempo dos crimes, Stangl era alemão, em virtude do regime do Anchluss, e a
reaquisição da nacionalidade austríaca só teria ocorrido por força de lei de 1945,
sem efeito retroativo.
Conclui, no entanto, o Ministro Victor Nunes que a competência da Áustria
não se vê abalada por esse argumento, por dois motivos.
Em primeiro lugar, o regime imposto com a anexação da Áustria acar-
retou uma nacionalização compulsória; uma vez restabelecida a soberania aus-
tríaca, deu-se a restauração da nacionalidade dos austríacos que já a tinham
antes do Anchluss. Admitir que os tribunais austríacos, em julgamentos que
envolvam nacionalidade, tivessem de discriminar três períodos, separando-os
em dois blocos — de um lado, o período da ocupação; de outro, o período
anterior e o posterior —, levaria, ao menos para efeitos penais, a conseqüências
extravagantes.
Nem se argumente com o princípio da irretroatividade da naturaliza-
ção, prestigiado pelo Direito brasileiro, no sentido de se evitar que a natura-
lização seja usada como fraude para beneficiar-se da regra da não-extradi-
ção de nacionais. Ora, no caso, a naturalização, no regime do Anchluss, fora
compulsória.
Em segundo lugar, a regra — sustentada em Direito extradicional — que
leva ao julgamento do acusado no país de que é nacional fundamenta-se na maior
garantia que provavelmente encontrará em sua própria Justiça. E essa regra só
faz sentido considerando-se a atual nacionalidade do réu, não eventual nacionali-
dade pretérita.
Sendo, pois, austríaco o extraditando, incontestável a competência da Áustria
para o pedido.
Por outro lado, esse fato não afasta a competência da Alemanha, incidindo
aqui outro princípio, posto que o extraditando teria praticado seus atos a serviço
do governo alemão, seja na qualidade de estrangeiro, seja, como pretendeu o
regime da época, na qualidade de alemão.
Esgotando o ponto, o Ministro Victor Nunes observa que “a extraterrito-
rialidade das leis da Alemanha e da Áustria, fundada no princípio da nacio-
nalidade ativa, não destoa do Direito brasileiro”.
.
147
Memória Jurisprudencial
E, ainda, nenhum desses países está disputando sua jurisdição com o Brasil.
A Justiça brasileira poderia, eventualmente, ser tida por competente em função
do princípio da universalidade, pretendidamente aplicável em casos de genocídio.
Porém, tal princípio nem foi adotado integralmente pela Lei brasileira, que remete
a matéria para convenções internacionais, nem constitui ele norma obrigatória de
Direito internacional.
Genocídio:
A questão suscitada neste ponto diz com a invocação do princípio da
irretroatividade das leis em matéria penal.
Isso porque, após a prática dos atos, os crimes imputados ao extraditando
vieram a ser qualificados como “genocídio”, em Convenção que foi ratificada,
entre outros países, pelo Brasil — Lei 2.889/56.
“A conceituação nova, na categoria de violação do Direito
Penal internacional, resulta da gravidade sem par desses crimes,
que ofendem a própria humanidade e são cometidos em massa,
freqüentemente por inspiração e com o auxílio da máquina governa-
mental”.
No entanto, “na tipificação do crime de genocídio estão compreendi-
das outras figuras delituosas — especialmente o homicídio, que já se en-
contrava nos códigos de todos os povos civilizados”.
A extradição de Stangl é pedida com fundamento no homicídio qualificado,
que sempre esteve previsto, tanto na legislação brasileira, como na dos Estados
requerentes.
Julgamento regular:
Lembra, a propósito, o Ministro Victor Nunes que “a isenção do Estado
requerente, para garantia de um julgamento regular, é sem dúvida impor-
tante no Direito extradicional”, tanto que o Supremo Tribunal Federal já negara
extradição por considerar que, de fato, a situação política e social do Estado
requerente não oferecia garantias suficientes — foi justamente o caso de Cuba,
acima analisado (Ext 232).
Porém, no presente caso, Alemanha, Áustria e Polônia “têm tribunais regu-
lares, funcionando normalmente”, levando à “presunção de julgamento regular”.
Pondera ainda o Ministro Victor Nunes que a “possibilidade de julga-
mento parcial ou irregular só é impedimento à extradição quando resulte
evidente”.
.
.
148
Ministro Victor Nunes
Não fosse assim, nunca haveria extradição, posto que qualquer dos princí-
pios envolvidos na definição do país legitimado a requerê-la, em alguma medida,
levaria à suposição de parcialidade: a) no caso do princípio da territorialidade,
poder-se-ia cogitar que o abalo social é maior nos próprios lugares em que se
cometeu o crime; b) no caso do princípio do Estado que sofreu os efeitos do
crime, poder-se-ia supor faltar imparcialidade; c) quanto ao princípio da naciona-
lidade, caberia indagar se não haveria julgamento favorecido ao nacional.
Por força dessas cogitações teóricas, há quem defenda a competência de
Estados neutros para julgar, o que, concretamente, não é admitido pelo Direito
brasileiro. Enfim, o Ministro Victor Nunes observa que pareceria a solução mais
adequada a jurisdição de tribunais internacionais, a qual, contudo, não fora ainda
instituída.
Levando ao extremo todos os argumentos cogitados, o Brasil teria de ne-
gar a extradição, chegando, no entanto, em face da falta de sua própria compe-
tência, à solução absurda de uma concessão de asilo político, deixando impunes
os crimes praticados pelo extraditando — que, de resto, não se enquadram na
categoria de crimes políticos, a ensejar asilo, como será visto a seguir.
Desse modo, conclui o Ministro Victor Nunes que o ponto do “julgamento
regular” não é, no caso, impeditivo da extradição.
Crime político:
Também não cabe, no caso, a exceção do crime político, admitida pelo
Direito brasileiro.
Em primeiro lugar, rebate um argumento da defesa no sentido de que a
Convenção sobre o Genocídio, que veda a caracterização de genocídio como
crime político, seria posterior aos atos praticados pelo extraditando, de modo a
não poder ser aplicada no caso, dado o princípio do nullum crimen, nula poena
sine lege.
Quanto a isso, observa o Ministro Victor Nunes que nem a extradição
pode ser considerada pena96, para fins de aplicação do tal princípio, nem é neces-
sário, como já visto, invocar a tipificação de genocídio para que se caracterizem
como crimes os atos do extraditando.
Ainda por outras razões, tais atos não podem ser considerados, no caso
concreto, crime político: a alegada motivação política do agente e o fato de ter
96 O Ministro Victor Nunes cita Hildebrando Accioly: “a extradição não é uma pena,
traduzindo, no mais das vezes, o reconhecimento, pelo Estado concedente, de sua falta
de competência para julgar a infração”.
149
Memória Jurisprudencial
Prescrição:
Na seqüência de seu voto, após percorrer e superar tópicos — Suficiên-
cia da acusação e Documentação — que diziam respeito a questões formais do
processo e parecem menos interessantes para esta análise, o Ministro Victor
Nunes passa a analisar, detalhadamente, a prescrição quanto ao pedido de cada
requerente.
A propósito, vale lembrar que sua análise é feita à luz do direito comum,
sem reflexo do tratamento convencional e legal do crime de genocídio, posterior
aos fatos. Fosse o caso de genocídio, surgiria a questão de o Brasil ter abolido a
prescrição — interpretação com a qual, de todo modo, o Ministro Victor Nunes
não concorda.
A análise quanto à prescrição envolve a consideração da regra vigente no
Direito brasileiro, buscando-se no Direito dos países requerentes os institutos
equivalentes aos que aqui interrompem a prescrição e investigando-se, no caso
concreto, o desenrolar de cada processo, relativo a cada grupo de crimes.
Dada a minúcia a que desce o voto, analisando o Direito brasileiro da
época e as regras do Direito alemão, polonês e austríaco, assim como os detalhes
dos processos contra o extraditando naqueles Estados, é o caso apenas de regis-
trar as conclusões: a) quanto ao pedido da Alemanha, que envolve os crimes
praticados em Treblinka, verificou-se não ter incidido a prescrição; b) no caso do
pedido da Polônia, reconheceu-se ter havido prescrição, julgando-se o pedido
improcedente; c) quanto ao pedido da Áustria, reconheceu-se a prescrição no
que diz respeito aos processos pelos crimes de Treblinka e Sobibór, restando
apenas não atingidos pela prescrição os crimes de Hartheim.
Preferência:
Resta, para concluir o voto, analisar, entre os requerentes Áustria e Ale-
manha — uma vez que já se verificara a improcedência do pedido da Polônia, por
prescrição —, quem teria a preferência para receber o extraditando.
Preliminarmente, o Ministro Victor Nunes define posição quanto a ser com-
petência do Supremo Tribunal Federal decidir sobre a preferência, discordando do
Procurador-Geral da República, que entendia ser competência do Executivo —
que, no caso, a teria transferido ao Tribunal, ao encaminhar os pedidos sem
defini-la. O Ministro Victor Nunes faz a interpretação do texto constitucional —
Constituição de 1967, art. 114, I, g —, que prevê a competência do Supremo
Tribunal Federal para “julgar” a extradição, como incluindo toda a matéria perti-
nente à legalidade, aí englobada a decisão sobre a preferência, conforme os cri-
térios legais.
.
151
Memória Jurisprudencial
152
Ministro Victor Nunes
98 “Art. 146. A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e
monopolizar determinada indústria ou atividade. A intervenção terá por base o inte-
resse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição.”
99 Em debates com o Ministro Victor Nunes, o Ministro Pedro Chaves observa: “de
concessão em concessão, vamos abolindo todos os direitos individuais garantidos pela
Constituição”, apontando que, como próximo passo, o governo passaria a “regular o
dinheiro que está depositado nos bancos e dá-lo-ia aos pobres ou emprestá-lo-ia a
juros módicos”.
153
Memória Jurisprudencial
Este caso traz um acórdão sucinto, em que declarou voto apenas o Relator,
Ministro Victor Nunes. De todo modo, comporta uma interessante aplicação da
liberdade de ensino e de pensamento.
Tratava-se de curso de enfermagem, teórico, por correspondência, que teve
seu funcionamento proibido pelo Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina.
O ato baseou-se em parecer da Consultoria Jurídica do Ministério da Edu-
cação e Cultura, sustentando-se em dois principais fundamentos: a) o curso era
dirigido por um químico e um bacharel em Direito — portanto, em desacordo com
a formação profissional exigida pelo Decreto 27.426/49; b) o curso poderia ser
até perigoso, por ludibriar a boa-fé de terceiros.
É de se notar que o Serviço Nacional de Educação Sanitária não vira, em
parecer anteriormente expedido, inconveniente na realização do curso.
155
Memória Jurisprudencial
100 “Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não
autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, III, da Constituição Federal”
(de 1946).
156
Ministro Victor Nunes
101 Candidato a Deputado Estadual no Rio Grande do Sul, pelo Partido Republicano, o
qual, ante anulação de votos pela Justiça Eleitoral, teria restado sem direito a nenhuma
cadeira na Assembléia Legislativa.
102 “O mandado de segurança é, lato sensu, um recurso constitucional e pode ser
impetrado quando há direito líquido e certo a amparar”.
158
Ministro Victor Nunes
103 Vale referência aos votos dos Ministros Cunha Mello, Candido Motta e Pedro Chaves.
104 Note-se que o Decreto-Lei não cuida do concurso, mas de elemento anterior: a
habilitação profissional, cuja comprovação, posteriormente, se exige no concurso.
160
Ministro Victor Nunes
161
Memória Jurisprudencial
162
Ministro Victor Nunes
108 No caso em exame, nota-se que já havia mulheres na carreira de fiscal de rendas, o que
é invocado por alguns Ministros para ilustrar a arbitrariedade da autoridade administrativa
em convocar concurso que vedasse a entrada de mais mulheres, mas é usado por outros
Ministros para argumentar ser a experiência que tenha levado o administrador a mudar a
orientação de subseqüentes concursos de ingresso.
163
Memória Jurisprudencial
164
Ministro Victor Nunes
Representação 696
110“Anistia” assume, aqui, acepção ampla, como esclarecido na ementa do acórdão, para
incluir também faltas disciplinares de servidores públicos.
167
Memória Jurisprudencial
Representação 465
111A Constituição de 1946 assim dispunha: “Art 67. A iniciativa das leis, ressalvados os
casos de competência exclusiva, cabe ao Presidente da República e a qualquer membro
ou Comissão da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. (...) § 2º Ressalvada a
competência da Câmara dos Deputados, do Senado e dos Tribunais Federais, no que
concerne aos respectivos serviços administrativos, compete exclusivamente ao Presi-
dente da República a iniciativa das leis que criem empregos em serviços existentes,
aumentem vencimentos ou modifiquem, no decurso de cada Legislatura, a lei de fixação
169
Memória Jurisprudencial
das forças armadas”. Todavia, não havia, no regime de 1946, antes do primeiro Ato
Institucional, de 1964, regra expressa — como a atual previsão do art. 63, I, da CF — no
sentido de vedar ao Legislativo, por emenda, aumentar despesa em projeto de iniciativa
exclusiva do Executivo.
170
Ministro Victor Nunes
Representação 468
112 Essa tese é acolhida pelo Ministro Relator, Candido Motta, em extenso voto, rico em
doutrina sobre possibilidade de emendas parlamentares e sobre as competências do
Poder Legislativo.
171
Memória Jurisprudencial
Representação 687
113 Interessante debate se segue a partir desse argumento: “Essas considerações, que
tive oportunidade de ouvir, no Congresso, uma vez, eu as classifico como a ‘teologia do
empreguismo’” (Ministro Hermes Lima). “É possível, Sr. Ministro Hermes Lima. Mas o
empreguismo do Congresso faz tanto mal quanto o do Executivo. Sabe V. Exa. que, nas
autarquias, os cargos são criados sem intervenção do Legislativo, e há muito empre-
guismo nas autarquias” (Ministro Victor Nunes Leal). “Sou contra o empreguismo do
Executivo e do Legislativo e, às vezes, também até do Judiciário” (Ministro Hermes
Lima) (...) “O mal é mais profundo. Está vinculado às nossas condições sociais” (Minis-
tro Victor Nunes Leal).
114 Ver a indicação de outros julgados no mesmo sentido na análise da Rp 700, infra.
172
Ministro Victor Nunes
Representação 700
115 Registre-se que essa tese o Ministro Victor Nunes já aventara ao votar na Rp 727.
Todavia, naquele caso, por outro fundamento, nem houvera oportunidade para um
pronunciamento final sobre esse ponto. Aquela representação, em que se discutia
igualmente limites ao poder de emenda do Legislativo, acabou julgada procedente em
parte, em face da violação de dispositivo específico da Constituição do Estado do Rio
Grande do Sul e do AI 2, tendo o Ministro Victor Nunes acompanhado o voto vencedor
do Relator, Ministro Prado Kelly.
174
Ministro Victor Nunes
Representação 741
116 Nesse caso, o Ministro Relator, Pedro Chaves, apresenta boa síntese da tese, que é
esposada pelo Ministro Victor Nunes: a emenda só é “admissível sem extravasamento do
assunto constante da proposição, sem quebra da unidade da proposta e sem violação
dos propósitos do projeto”.
175
Memória Jurisprudencial
Representação 762
117 Como se percebe da leitura da íntegra dos votos constantes do Apêndice desta obra,
não é no HC 40.400, mas no HC 40.398, que formalmente se encontra em toda sua extensão
o voto do Ministro Victor Nunes. Contudo, optou-se pela referência ao primeiro, por ser
caso em que o Ministro Victor Nunes atuou como Relator. Quanto ao HC 40.382, em que
igualmente o Ministro Victor Nunes foi Relator, nele discutia-se questão decorrente do
mesmo fato, porém abordada de modo mais restrito. Estando tal questão contida e reitera-
da no julgamento dos HCs 40.400 e 40.398, foi feita apenas breve referência ao HC 40.382,
que, todavia, tem seu voto também transcrito no apêndice.
177
Memória Jurisprudencial
118 Quanto à regularidade do flagrante, aliás, nem muito enfatizada pelo impetrante, o
Ministro Victor Nunes lembra que qualquer autoridade, assim como qualquer do povo,
pode — ou deve, no caso da autoridade — prender em flagrante.
178
Ministro Victor Nunes
179
Memória Jurisprudencial
Inquérito Policial 2
121 E, mais adiante em seu voto, complementa: “A questão, como disse no início, não tem
relevância, porque ser julgado pelo Superior Tribunal Militar, no fundo, é a mesma
coisa. Todos são juízes dignos, para acertar ou errar, porque o erro é da própria contin-
gência humana. Mas a questão é processual, e parece que a Constituição atual não faz
distinção. Ela quis dar ênfase, maior garantia, maior certeza de decisão acertada e foi
por isso que cometeu ao mais Alto Tribunal do País a competência para julgar as altas
autoridades, entre as quais, o Presidente da República”. Por certo o Relator, nas entre-
linhas da aparente neutralidade das ponderações “técnico-jurídicas”, reconhecia a rele-
vância política do caso e a diversa conseqüência das possíveis soluções. Note-se que,
não prevalecendo a competência do Supremo Tribunal, por crimes contra a segurança
nacional, o julgamento seria pela Justiça Federal Militar; e, por outros crimes comuns, pela
Justiça Federal Comum.
180
Ministro Victor Nunes
caso do ex-Presidente João Goulart, que, portanto, deixaria de ter foro junto ao
Supremo Tribunal Federal para ser julgado pelos crimes de que era acusado.
Ocorre que tal processo se desenrolava após o início da vigência da Constitui-
ção de 1967, havendo o AI 2 cessado sua vigência em 15 de março daquele ano122.
No entanto, a Constituição de 1967, ao mesmo tempo que explicitara
(art. 114) a prerrogativa do foro para os Presidentes da República junto ao STF,
em julgamento por crimes comuns, aprovara e afastara da apreciação judicial
(art. 173) os atos praticados pelo “Comando Supremo da Revolução”, assim
como pelo Governo Federal, com base nos Atos Institucionais 2, 3 e 4.
A compor, ainda, o espectro do Direito aplicável à matéria, havia a Súmula
394 do STF: “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a
competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou
a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”.
Considerando esses elementos, o Ministro Relator, Gonçalves de Oliveira,
apresenta argumentos que o levam a concluir pela competência do STF para o
julgamento do ex-Presidente. Nesse sentido, fundamenta-se na nova norma
constitucional a estabelecer tal foro.
De outro lado, entende que a regra especial trazida pela Constituição, quan-
to à aprovação de determinados atos praticados pelo governo, não tem por conse-
qüência afastar a aplicação de regra de competência para julgamento: “ora, a
norma que estabelece o foro para o processo penal não pode ser erigida
como pena, é mandamento de ordem constitucional processual”.
E ainda argumenta que não haveria sentido em dar tratamento diverso, em
matéria de foro de julgamento, a ex-Presidentes processados após o término de
seus mandatos, discriminando a causa da cessação dos mandatos (por exemplo:
suspensão de direitos políticos, renúncia ou simples término do mandato em seu
termo regular). Essa distinção não encontraria acolhida do texto constitucional.123
Na seqüência dos votos, o Ministro Djaci Falcão124, divergindo do Relator,
reitera argumentos apresentados em caso que anteriormente relatara (Ação Pe-
nal 158).
Em suma, entende que a suspensão dos direitos políticos, por força do AI 2,
produz como efeito imediato a cessação da competência por prerrogativa de função.
181
Memória Jurisprudencial
182
Ministro Victor Nunes
126 O Ministro Victor Nunes sustentava posição minoritária no sentido de tal norma
dever ser considerada revogada (cf. supra comentários à Rp 725).
183
Memória Jurisprudencial
127 Não é pertinente, no entanto, aqui adentrar nessa análise do mérito, posto que esse
mandado de segurança restou não conhecido e o Ministro Victor Nunes não abordou tais
aspectos em seu voto.
128 “Art. 173. Ficam aprovados e excluídos de apreciação judicial os atos praticados
pelo Comando Supremo da Revolução de 31 de março de 1964, assim como: I - pelo
Governo Federal, com base nos Atos Institucionais n. 1, de 9 de abril de 1964; n. 2, de 27
186
Ministro Victor Nunes
Eis a parte da ementa do acórdão que dizia respeito a essas questões preli-
minares: “1 – Não é admissível mandado de segurança contra o Decreto-Lei
128, de 31-1-67, como lei em tese (Súmula 266). 2 – São válidas, constitucio-
nais e estão salvaguardadas pelas Disposições Transitórias da Constituição
de 1967 os 115 decretos-leis expedidos entre 24-1-67 e 15-3-67, data de
promulgação e início de vigência dessa Carta Política”.
Em seu voto, o Ministro Victor Nunes sustenta posição divergente quanto
a essas duas questões.
Quanto à primeira, admite, com o Relator, que esse Decreto-Lei deve, sim,
ser enquadrado no sentido de lei em tese, dada a generalidade de seu comando129.
No entanto, apresenta lúcida ponderação quanto a determinadas leis, ainda
que tomadas em tese, serem passíveis de impugnação via mandado de segurança.
Isso se dá com as leis proibitivas, cujo comando já produza efeitos diretos supos-
tamente violadores de direito líquido e certo, sem depender da edição de qualquer
ato administrativo (v.g. autorização, licença130) de execução da lei.
Nesses casos, entende o Ministro Victor Nunes cabível o mandado de segu-
rança contra a “lei”, afastando sua incidência de determinado caso concreto131.
Quanto ao segundo ponto, o Ministro Victor Nunes interpreta a norma do
art. 173 da Constituição de 1967 como não impeditiva da análise da compatibilidade
das normas a que se refere com o regime estabelecido pela própria Constituição.
“Não podemos extrair do texto constitucional a conclusão de
que o Poder Revolucionário imunizou todo o conteúdo da legislação
pré-constitucional, mesmo nas partes a que contrarie a própria
Constituição. Isso seria um contra-senso.
187
Memória Jurisprudencial
132 “Art. 173. Ficam aprovados e excluídos de apreciação judicial os atos praticados
pelo Comando Supremo da Revolução de 31 de março de 1964, assim como: I - pelo
Governo Federal, com base nos Atos Institucionais n. 1, de 9 de abril de 1964; n. 2, de
27 de outubro de 1965; n. 3, de 5 de fevereiro de 1966; e n. 4, de 6 de dezembro de 1966,
e nos Atos Complementares dos mesmos Atos Institucionais; II - as resoluções das Assem-
bléias Legislativas e Câmaras de Vereadores que hajam cassado mandatos eletivos ou
declarado o impedimento de Governadores, Deputados, Prefeitos e Vereadores, funda-
dos nos referidos Atos Institucionais; III - os atos de natureza legislativa expedidos com
base nos Atos Institucionais e Complementares referidos no item I; IV - as correções que,
até 27 de outubro de 1965, hajam incidido, em decorrência da desvalorização da
moeda e elevação do custo de vida, sobre vencimentos, ajuda de custo e subsídios de
componentes de qualquer dos Poderes da República.”
191
Memória Jurisprudencial
Relator, ainda que com outros argumentos —, que os juízes substitutos não teriam
direito, por acesso, a preencher, sem concurso ou sem observar o rito decorrente
da Constituição de 1967133, os cargos de juiz federal.
Teriam direito, no entanto, à substituição dos cargos de juiz federal — que
os Ministros Evandro Lins e Victor Nunes entendem estejam vagos —, até que,
regularmente, por concurso, sejam investidos novos juízes.
Nesse sentido, o Ministro Victor Nunes acompanha o voto do Ministro
Evandro Lins, concedendo parcialmente a segurança, restando vencidos, junta-
mente com o Ministro Hermes Lima. A maioria decidiu pela denegação da segu-
rança.
Trata-se de caso no qual o Ministro Victor Nunes produz longo voto, con-
tendo rica argumentação e fundamentação doutrinária e jurisprudencial. Neste
caso, o Ministro busca prestigiar precedentes do Supremo Tribunal Federal e, ao
mesmo tempo, firma entendimento que voltará a ser invocado em outros julga-
mentos.
A questão discutida mostra-se bastante atual, no contexto da discussão do
regime especial de determinadas autarquias, particularmente das ditas agências
reguladoras, no tocante à fixação de prazo para a investidura de seus dirigentes.
Este mandado de segurança foi impetrado por Murillo Gondim Coutinho,
ocupante de cargo no Conselho Administrativo do Instituto de Aposentadorias e
193
Memória Jurisprudencial
Pensões dos Industriários, do qual fora exonerado por ato do Presidente da Re-
pública, Jânio Quadros, em que pese a previsão legal de investidura com o prazo
certo134 de quatro anos.
O Ministro Relator, Ribeiro da Costa, produz extenso voto, negando a
segurança.
O Ministro Victor Nunes sistematiza seu voto abordando, em três fases,
argumentos de ordem constitucional, legal e político-administrativa.
Inicia pelo plano constitucional. Aqui, quatro argumentos favoráveis à po-
sição da autoridade coatora são analisados e rebatidos.
O primeiro argumento a ser superado é o de que a Constituição de 1946,
ao prever que compete ao Presidente da República “prover, na forma da lei e
com as ressalvas estatuídas por esta Constituição, os cargos públicos fe-
derais”, teria deixado implícito, no poder de nomear, o de destituir.
De plano, o Ministro Victor Nunes observa que tal entendimento levaria à
conseqüência de que “a Constituição democrática de 1946 dá mais poderes
ao Presidente da República, em certos setores, do que a Constituição auto-
ritária de 1937”.
Pretendiam os defensores dessa tese que a expressão constitucional “na
forma da lei” importasse em que a lei apenas pudesse dispor sobre a “forma” do
exercício do poder em questão.
Já, por força da expressão “com as ressalvas estatuídas por esta
Constituição”, as restrições e condicionamentos possíveis ao poder de no-
mear — e, implicitamente, de destituir — seriam apenas os previstos constitu-
cionalmente.
O Ministro Victor Nunes demonstra que essa interpretação não é a mais
adequada. Em primeiro lugar, a expressão “na forma da lei”, freqüente na reda-
ção legislativa, nunca quis dizer “de acordo com as formalidades estabelecidas
na lei”, mas sempre foi entendida no sentido mais amplo de “na conformidade da
lei, consoante a lei, segundo a lei, segundo o que dispuser a lei”, tanto em
termos de forma, como em termos de conteúdo, respeitadas, por óbvio, as normas
constitucionais.
Já a referência constitucional a “ressalvas” diria respeito a outros casos de
provimentos de cargos, previstos na Constituição, porém fora do âmbito do Exe-
cutivo, ou seja, cargos no Congresso ou nos Tribunais.
134 O Ministro Victor Nunes, com precisa argumentação, critica o uso da expressão “man-
dato” nesses casos, como mais adiante se vai esclarecer. Os demais Ministros empregam,
sem maiores ressalvas, essa expressão, aliás corrente ainda hoje.
194
Ministro Victor Nunes
135 “Demissão” é a palavra usada pela Constituição de 1946, querendo dizer não neces-
sariamente “demissão” no sentido técnico corrente de punição, mas, sim, o que tecnica-
mente se diz “exoneração”.
136 Aliás, a clara noção da distinção das funções dos três Poderes, no contexto de um
regime democrático, marca o pensamento do Ministro Victor Nunes neste e em tantos
outros casos. Mais adiante, neste voto, esse aspecto voltará a ser abordado.
195
Memória Jurisprudencial
137 E, registrando estranhar a ironia com que alguns colegas de Tribunal trataram,
anteriormente, a invocação da experiência dos Estados Unidos, lembra, além desses
argumentos, que “grandes juristas brasileiros, entre eles Rui Barbosa, o maior dos
que já pleitearam perante o Supremo Tribunal, nunca se pejaram de recorrer às fontes
norte-americanas”.
196
Ministro Victor Nunes
E prossegue:
“o objetivo da nova doutrina, que a Corte Suprema anunciou
de maneira explícita, foi justamente garantir o exercício das funções
e atribuições dos mencionados órgãos autônomos com a necessária
independência, em face do Poder Executivo, para que pudessem
cumprir, a salvo de injunções, a política ou orientação traçada pelo
Poder Legislativo, ao instituir tais entidades autônomas”.138
Nesse ponto, o Ministro Relator, Ribeiro da Costa, objeta não guardar a
situação invocada pertinência com o Direito brasileiro, ao que o Ministro Victor
Nunes responde que, “nos Estados Unidos, o que se chamam funções quase-
judiciárias e quase-legislativas é, precisamente, o que nós chamamos, aqui,
funções normativas e jurisdicionais de órgãos administrativos”. No caso, os
conselhos pertinentes ao sistema previdenciário brasileiro cumprem funções
equivalentes às regulatory agencies norte-americanas, decidindo “sobre direitos
das partes interessadas” e expedindo “normas reguladoras da aplicação
das leis da previdência”.
Um segundo argumento — ainda de ordem constitucional — apresentado
pela tese favorável à autoridade impetrada é o de que, derivando do poder de
nomear, o poder de destituir lhe seria co-extensivo.
O Ministro Victor Nunes não concorda com a conclusão: ainda que derive
do poder de nomear, o poder de destituir pode ser mais amplo — por exemplo:
exoneração, diretamente pelo Presidente, de titulares de cargos cuja investidura
depende de aprovação pelo Senado — ou menos amplo que aquele — como a
aplicação da teoria dos motivos determinantes. O caso dos autos — cargos com
investidura por prazo certo — recairia no rol de situações em que o poder de
destituir é mais restrito do que o de nomear: “a Constituição não ampara a
interpretação napoleônica do Executivo no caso presente”.
O terceiro argumento que o Ministro Victor Nunes rebate em seu voto é o
de que a impossibilidade de destituição do impetrante criaria caso de estabilidade
temporária, não admitido pela Constituição.
Porém, tal argumento parte de pressuposto equivocado: a assimilação da
estabilidade com a garantia do exercício do cargo por prazo certo. Trata-se de
institutos com finalidades distintas: “a estabilidade visa, sobretudo, à proteção
da pessoa do servidor; a investidura de prazo certo, o que protege, através
da permanência do servidor no cargo, é o interesse mais alto, da continui-
138 Extrai-se do caso Humphrey: “Pois é inequivocamente evidente que quem exerce o
cargo somente enquanto agrada a outro, não pode, por isso mesmo, manter uma atitude
de independência ante a vontade desse outro”.
197
Memória Jurisprudencial
de servidor nomeado com prazo certo pressupõe a prática de falta grave, apura-
da em processo disciplinar. Num e noutro caso, portanto, não está em jogo a
simples discricionariedade do suposto mandante.
Por outro lado, a figura que conceitualmente deveria ser invocada pela
tese oposta seria a do recall, por meio da qual os próprios eleitores retiram o
mandato conferido ao seu representante. O recall, porém, não pode ser “admiti-
do como implícito na própria noção de mandato político”. Assim, a adoção
da revogabilidade do mandato político dependeria de previsão em norma constitu-
cional ou legal, o que não há no Brasil. O mesmo se diga, nessa analogia, do
regime de investidura e vacância dos cargos públicos.
Quanto ao mandato de Direito privado, a tese oposta à do Ministro Victor
Nunes invoca a assimilação ao mandato de Direito privado, para sustentar a
aplicação da regra de sua revogabilidade pelo mandante, no caso, o Presidente da
República.
O equívoco aqui, demonstra o Ministro Victor Nunes, também é concei-
tual. “O uso impróprio do vocábulo mandato não pode mudar o preto em
branco, para fazer surgir, em tais casos, a figura jurídica do mandato”.
Pela norma do Código Civil139, tem-se o mandato “quando alguém rece-
be de outrem poderes, para, em seu nome, praticar atos, ou administrar
interesses”. Daí resulta que a atividade a ser exercida pelo mandatário pertence,
originalmente, ao mandante, sendo-lhe por este delegada.
Mas “nada disso acontece nas nomeações de prazo certo. No caso
dos autos, por exemplo, quem pode pretender que as atribuições exercidas
pelo nomeado fossem, originalmente, do Presidente da República, de modo
a constituir-se aquele em mandatário deste?”
Em verdade, no caso das nomeações por prazo certo, as atribuições de
funções decorrem da lei, sendo inerentes ao cargo e não à transferência feita por
ato de quem nomeia.
Nem se pretenda que a nomeação envolva delegação de poderes. Concei-
tualmente, não há. E, de todo modo, delegação exige estrutura hierarquizada; há
hierarquia entre o Presidente da República e integrantes da administração direta,
mas não em relação a integrantes de órgãos dotados de autonomia — como as
autarquias —, nos quais se justifica haver nomeações por prazo certo.
Ainda outro aspecto, no plano dos argumentos de legalidade, é abordado pelo
Ministro Victor Nunes, respondendo a intervenções dos Ministros Hahnemann
Guimarães e Ribeiro da Costa. A Lei da Previdência Social, ao dispor sobre o
199
Memória Jurisprudencial
200
Ministro Victor Nunes
aos trabalhos da Comissão podem ser levados a efeito mais eficazmente com pessoal de
minha própria escolha”), assim se manifestou: “Sei que o senhor está consciente de que
o seu pensamento e o meu não se ajustam, nem sobre a política, nem sobre a administra-
ção da Comissão Federal do Comércio, e, falando com franqueza, acho que será melhor
para o povo deste país que haja plena confiança em mim”.
141 Nesse passo, lembra o Ministro Victor Nunes voto vencido do Juiz Brandeis no caso
Myers: “A doutrina da separação de poderes foi adotada pela Convenção de 1787, não
para promover a eficiência, mas para prevenir o exercício do poder arbitrário”.
201
Memória Jurisprudencial
E conclui:
“Estou, portanto, convencido de que, mesmo do ponto de vista
da conveniência administrativa e política, seria um mal, não um bem,
o retorno ao sistema dos despojos, que ainda prevalece, largamente,
em nosso país e que, neste processo, se pretende reimplantar nas áreas
reduzidas em que a lei procurou cerceá-lo”.
Numa observação final, pondera que suas observações, feitas a propósito
do regime presidencialista, têm maior adequação ao parlamentarismo, em que
recentemente se ingressara142, porque, neste, à posição preeminente que assume
o Congresso, diante do Executivo, há de corresponder maior prestígio da lei.
Vota, desse modo, o Ministro Victor Nunes pela concessão da segurança,
anulando o ato demissório e fazendo retornar o impetrante ao cargo que ocupava.
E vota vencido, juntamente com os Ministros Gonçalves de Oliveira143, Vilas
Boas e Luiz Gallotti. O Tribunal, por maioria, acompanha o Relator144, negando
a segurança.
A mesma questão debatida no MS 8.693 é objeto de outros casos, dos
quais vale destacar os dois seguintes145.
202
Ministro Victor Nunes
maioria de votos (vencido o Ministro Marco Aurélio), medida liminar para suspender
eficácia de artigo de lei estadual gaúcha que previa a possibilidade de destituição de
membros de conselho de uma agência reguladora, no curso de seus mandatos, por deci-
são da Assembléia Legislativa, ressalvando o Tribunal, ao assim decidir, que tal suspen-
são de eficácia se dava “sem prejuízo de restrições à demissibilidade, pelo Governador
do Estado, sem justo motivo, conseqüentes da investidura a termo dos Conselheiros da
Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do
Sul – AGERGS”.
146 Ver nota n. 145.
147 Ver, nos comentários ao caso anterior, a crítica do Ministro Victor Nunes ao uso dessa
expressão. No entanto, o Ministro Relator a emprega, citando o Decreto de regência da
matéria.
203
Memória Jurisprudencial
argumento nem se faz necessário, posto que o Decreto 24.427/34 não se refere a
tal qualificação, senão ao “mandato” de cinco anos.
E, quanto à expressão “mandato”, o Ministro Victor Nunes demonstra,
como antes já o fizera, que não deve ser entendida em sentido próprio, senão no
sentido de “duração”.
A reforçar essa tese, no caso específico, há o fato de que o citado Decreto
distingue claramente duas situações: a do Presidente da Caixa, demissível ad
nutum, e a dos diretores, investidos por prazo certo. Essa distinção legislativa
naturalmente há de ser interpretada de modo a levar a situações diversas.
Após renovar debate, particularmente com o Ministro Hahnemann Guima-
rães, sobre o não-cabimento do conceito de mandato ao caso e sobre a questão
da eventual discordância política entre o Chefe do Executivo e o servidor nome-
ado com prazo certo, o Ministro Victor Nunes, considerando que fundamentava
sua conclusão na norma legal que disciplina o cargo em questão, afirma: “não
sou juiz do legislador. O Presidente da República não tem o monopólio da
política do País”.
E conclui seu voto com dois trechos de enorme densidade de idéias e
bastante ilustrativos de seu pensamento.
O primeiro, quanto à função política dos três ramos do Poder Público:
“Não é só política administrativa. A Constituição Federal in-
cumbe a definição da política do país aos três ramos do Poder públi-
co, aos três Poderes, ao Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário.
Incluo o Judiciário, porque o Supremo Tribunal Federal exerce fun-
ção política relevante, quando interpreta a Constituição e as leis e
quando, por exemplo, apreciando as conseqüências que resultam da
sua execução, altera a sua própria jurisprudência. Quanto à função
política do Congresso, nem há necessidade de acrescentar uma só
palavra. Como, pois, argumentar como se o Executivo tivesse o mo-
nopólio da política nacional?
Se a lei, ao instituir um órgão autônomo, quer proteger seus
dirigentes do arbítrio ou capricho de quem os nomeou, o que ela faz
é definir uma política que não podemos neutralizar em nome da polí-
tica do Executivo.
Negar validade às normas legais de nomeação a termo, Sr. Pre-
sidente, é golpear, nos alicerces, o princípio da autonomia adminis-
trativa. Realmente, esse problema só surge em função dos órgãos
autônomos; se negamos validade às nomeações a termo, por mais
que a lei queira dotá-los de autonomia, eles não o serão, porque seus
.
204
Ministro Victor Nunes
205
Memória Jurisprudencial
Este outro caso, julgado aproximadamente um ano depois dos dois anterio-
res, traz novamente à discussão os cargos com investidura de prazo certo148.
O cargo aqui em questão era de membro do Conselho de Administração
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, cujo ocupante, José
Toqueville de Carvalho Filho, foi destituído pelo Presidente da República antes de
findo seu “mandato”149 de três anos.
Em seu voto, o Ministro Relator, Pedro Chaves, apresenta argumentos
para a negativa da segurança, lembrando ainda votos anteriormente proferidos
pelo Ministro Ribeiro da Costa (Relator do MS 8.693) e pelo Ministro Candido
Motta, este interpretando politicamente o sentido do prazo fixo como uma espécie
de limite, que impõe termo máximo (hipótese em que se há de cogitar renovação
ou não), mas que não impede sua interrupção, por falta de confiança, em especial
ante a mudança do Presidente da República.
O Ministro Victor Nunes, a seu turno, invoca seus argumentos expostos no
MS 8.693, aprofundando dois aspectos.
Em primeiro lugar, apresenta e discute caso da jurisprudência norte-ameri-
cana — Caso Morgan —, que fora citado pelo Ministro Candido Motta por oca-
sião daquele julgamento, como contrário e posterior ao Caso Humphrey. O Mi-
nistro Victor Nunes mostra, entretanto, que, no caso em que o Presidente
Roosevelt demitira Morgan do cargo de Presidente da Tenesse Valley Authority,
o fizera com justa causa, legalmente prevista para a demissão150.
Em segundo lugar, também respondendo à referência do Ministro Candido
Motta quanto a críticas que nos Estados Unidos se fazem à autonomia das agên-
cias reguladoras151, aponta “tendências recentes”, naquele país, “a respeito das
regulatory agencies”.
Nesse sentido, o Ministro Victor Nunes passa a relatar experiência que
teve, em março de 1961, visitando os Estados Unidos e tendo contato com
projetos de governo do Presidente Kennedy, particularmente o “Plano Landis”,
sobre reforma das agências independentes.
.
148 Ver nota n. 145.
149 Lembrar as críticas apropriadas ao uso da expressão: cf. voto do Ministro Victor
Nunes no MS 8.693.
150 No caso, recusa de fornecer provas em relação à má conduta de membros da agência.
151 O Ministro Candido Motta citara artigo doutrinário em que se afirmava que o sistema
de autonomia das “comissões” (ou agências) do Poder Executivo estava tirando de tal
forma desse Poder sua competência que “os Estados Unidos se estavam transformando
num país sem cabeça, completamente sem diretivas, o que é uma crise do Executivo
americano”.
206
Ministro Victor Nunes
207
Memória Jurisprudencial
Aqui mais um caso em que se tratava de cargo com investidura por prazo
certo, tendo o Presidente da República pretendido destituir, antes do prazo, seu
ocupante.
Cuidava-se do Reitor da Universidade Rural de Pernambuco, exonera-
do por Decreto do Presidente João Goulart, no curso de seu mandato de três
anos.
No mandado de segurança, argumentou o Reitor que sua exoneração foi
ilegal por basear-se em norma do Estatuto dos Funcionários Públicos aplicável
aos ocupantes de cargos de confiança, mas não aos Reitores das Universidades.
A estas seriam aplicáveis as regras de seus Estatutos, em face da sua autonomia;
daí decorreria a competência do Conselho Universitário para destituí-lo, ou do Con-
selho Federal de Educação para suspendê-lo.
Em seu voto, o Ministro Relator, Victor Nunes, tratando genericamente
dos cargos com investidura de prazo certo, reitera seu posicionamento nos MS
8.693, 8.651 e 8.802 (acima examinados).
Mas, no caso concreto, acresce estar sendo violada regra própria das
universidades, dado seu regime de “autonomia didática, administrativa, fi-
nanceira e disciplinar”, fixada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional.
Mais do que isso, é interessante notar que o Ministro Victor Nunes apresenta
fundamento constitucional, no regime de 1946, para a autonomia universitária: a
liberdade de cátedra, prevista no art. 168, VII: “Art. 168. A legislação do
208
Ministro Victor Nunes
152 Note-se que em 1946 não havia regra explícita sobre a autonomia universitária, como
há na Constituição de 1988, art. 207: “As universidades gozam de autonomia didático-
científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princí-
pio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
209
Memória Jurisprudencial
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
Por fim, ante aparte do Ministro Relator, Evandro Lins, apontando outros
fundamentos já declarados para que o Presidente da República houvesse negado o
título à impetrante, o Ministro Victor Nunes retifica seu voto e nega a segurança.
160 SPHAN, hoje com o nome alterado para IPHAN, substituindo-se “Serviço” por “Ins-
tituto”.
217
Memória Jurisprudencial
161 Essa falta de consulta ao SPHAN é também lembrada pelo Ministro Victor Nunes para
afastar o argumento de que fora tardia a intervenção daquele órgão federal. O Ministro
questiona de que forma a intervenção poderia ser tardia, se o órgão não fora previamente
consultado quanto à construção, não sendo razoável supor que pudesse ter ciência, por
iniciativa própria, de todos os fatos ocorridos no território nacional, nas proximidades de
bens tombados.
162 Explicitaram esse entendimento Hahnemann Guimarães e Gonçalves de Oliveira.
218
Ministro Victor Nunes
220
Ministro Victor Nunes
2.3 Concessão
165 Por não se ter conseguido arcar com aumentos salariais definidos em acordo coletivo.
O Ministro Aliomar Baleeiro, conhecedor da realidade da Bahia, faz fortes críticas a pro-
blemas históricos do Porto de Ilhéus.
.
221
Memória Jurisprudencial
222
Ministro Victor Nunes
166 Essa distinção é reconhecida, discutindo-se, no caso, qual a figura a ser aplicada.
223
Memória Jurisprudencial
Poder Executivo, não pode agora ser invocada para alargar os po-
deres do Presidente da República. Ela foi promulgada precisamente
para limitar esses poderes, pois se argumentava, no Congresso, que a
legislação anterior era de cunho ditatorial”.
Daí afirmar, em relação ao caso concreto, que poderia o Governo facil-
mente, pelos poderes que tem, alterar o Código de Telecomunicações, mas nunca
aplicá-lo contra o particular — justamente quem o Código quis proteger —, invo-
cando poderes que o Código não lhe dá.
O Código revogou todo o sistema de penalidades da legislação anterior,
Decreto de 1932, na qual se encontrava, para a transferência não autorizada de
ações, a pena de caducidade da concessão. Pelo Código, essa mesma infração é
punida com pena de suspensão.
Em aparte, lembra o Ministro Relator, Vilas Boas, ser, nos termos do Código,
vinculada a validade da transferência de ações à autorização do Governo. Ao que
responde o Ministro Evandro Lins que a validade ou não da operação não tem
relação com a penalidade imposta. E daí conclui o Ministro Victor Nunes:
“a conseqüência, portanto, é a seguinte: inválida que seja a
transferência de ações, delas continuam a ser titulares, por esta lei,
os alienantes. Restaura-se o status quo anterior. Se os alienantes não
têm capacidade econômica, ou técnica, ou legal, para continuarem o
serviço, então, sim, o Governo, verificada essa situação, aplicará a
pena de cassação”.
Lembra ainda o Ministro Victor Nunes — respondendo novamente ao
Relator, que observou que o ato do Governo, ora impugnado, fora de declaração
de caducidade e não de cassação — que o Código mantivera, pelo prazo de dez
anos, as concessões dos serviços em funcionamento, não havendo que falar, pois,
em caducidade.
Em mais um aparte, o Relator observa o fato de que, em que pese a previ-
são legal da invalidade da transferência de ações, a Rádio está operando em
outras mãos, violando o intuitu personae do contrato. A isso responde o Ministro
Victor Nunes que “a lei não considerou os contratos existentes intuitu
personae, porque prorrogou a concessão de todos os serviços que estives-
sem em funcionamento”.
Mostra, por fim, o Ministro Victor Nunes que a hipótese, ventilada nos
autos, de que a Rádio impetrante estaria praticando atividades subversivas pode-
ria levar a penalidades — por exemplo: dissolução de sociedade, suspensão de
atividades —, por força de normas de defesa da segurança nacional, mas não do
Código de Telecomunicações.
.
225
Memória Jurisprudencial
Por essas razões, vota, acompanhando o Ministro Evandro Lins, pela con-
cessão da segurança, visando à anulação do decreto que declarou a caducidade
da concessão outorgada à impetrante. Restam vencidos os dois Ministros, tendo
os demais votado com o Relator, pela denegação da ordem.
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Ministro Victor Nunes
227
Memória Jurisprudencial
172 Decreto-Lei 3.365/41, art. 35: “Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda
Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do
processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em per-
das e danos.”; Código Civil (1916), art. 1.150: “A União, o Estado, ou o Município ofere-
cerá ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço por que o foi, caso não
tenha destino, para que se desapropriou.” Hoje o Código Civil (2002) assim trata da
matéria no art. 519: “Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade
pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não
for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferên-
cia, pelo preço atual da coisa.”
173 Súmula 111: É legítima a incidência do imposto de transmissão inter vivos sobre a
restituição, ao antigo proprietário, de imóvel que deixou de servir à finalidade da sua
desapropriação.
.
228
Ministro Victor Nunes
Sobre esse ponto, o Ministro Victor Nunes considera que o texto do art.
1.150 do Código Civil, que se referia a “ex-proprietário”, tem que ser entendido
como se referindo a “sujeito passivo da desapropriação”, o que inclui os titulares
de domínio útil — caso dos recorrentes —, até porque o domínio útil pode ser
isoladamente objeto de desapropriação, sem que se afete o domínio pleno ou a
nua propriedade.
Vota, assim, pelo provimento do recurso, para que se devolva o processo
ao TFR, a fim de que julgue o mérito: direito do expropriado de reaver a propri-
edade ou apenas direito de pedir indenização.
Assim vota a maioria, vencido o Relator, Ministro Vilas Boas, que negava
provimento ao recurso.
Vale ainda um comentário a partir de questão levantada pelo Ministro
Victor Nunes. A desapropriação foi amigável, o que pode fazê-la assemelhada a
uma compra e venda. Nesse sentido, o Ministro Victor Nunes atenta para detalhes
da escritura — que foi de simples composição de preço e não de acordo quanto
à vontade de vender —, concluindo que a transferência de domínio se originou na
vontade unilateral expressa no decreto expropriatório e não no acordo das partes.
Ficasse caracterizada compra e venda, não haveria que cogitar de retrocessão
com base nos dispositivos legais invocados.
229
Memória Jurisprudencial
174 Consta da ementa do acórdão: “O mandado de segurança não deve ser manejado
como a clava nas mãos dos bárbaros possuídos de todas as iras. É remédio jurídico cuja
força drástica tem limitações postas pelo legislador bem avisado” .
175 “Art. 20. A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou
impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta.”
176 Que o Ministro Victor Nunes considera a questão fundamental do caso.
177 Sustentava a expropriada que o Governo deveria ter desapropriado a ferrovia e os
serviços a ela conexos.
230
Ministro Victor Nunes
Se ela foi reduzida por lei posterior; se o Estado a diminuiu em dez mil
hectares, amanhã a reduziria em outros dez, depois, mais dez, e poderia
acabar confinando os índios a um pequeno trato, até ao território da
aldeia, porque ali é que a ‘posse’ estaria materializada nas malocas.
Não foi isso que a Constituição quis”.
Nesse sentido, nega provimento ao recurso, declarando inconstitucional a
referida lei estadual que restringiu o parque indígena. E foi acompanhado pela
maioria, vencidos os Ministros Ribeiro da Costa e Pedro Chaves.
178 A de 1967. Já a Constituição de 1946 não trazia tal previsão, apenas se referindo ao
respeito à “posse” dos índios, como visto no caso anteriormente analisado.
232
Ministro Victor Nunes
233
APÊNDICE
Ministro Victor Nunes
INQUÉRITO POLICIAL 2 — GB
(Tribunal Pleno — Matéria Constitucional)
Por força do art. 16, I, do AI 2, de 27-10-65, com efeito
retro-operante, a suspensão dos direitos políticos acarreta,
simultaneamente, a cessação da competência por prerroga-
tiva de função. A cessação da competência ratione personae
constitui efeito imediato da suspensão dos direitos políticos.
Os efeitos da suspensão dos direitos políticos, taxativamente
enumerados no art. 16 do AI 2, aprovados pelo art. 173 da CF,
que os procurou resguardar, hão de viger no decurso do prazo
da suspensão. Inaplicabilidade do art. 144 da CF de 1967.
A norma ínsita no art. 114, I, a, da Carta Política de 1967,
não se aplica àqueles que tiveram suspensos seus direitos
políticos.
Competência da Justiça Federal do Estado da Guanabara
para processar e julgar o ex-Presidente João Goulart.
VOTO
O Sr. Ministro Victor Nunes: Já esclareci, em aparte, que, ao ser julgado o
pedido de remessa da AP 157 à Justiça Militar, em 13-3-67, a questão, que ora se
discute, não tinha sido focalizada.
Certa vez, o eminente Ministro Lafayette de Andrada observou em tom
amistoso: O Ministro Victor Nunes, em vez de julgar o processo, fica suscitando
problemas!
Na AP 157, procurei não incidir nessa censura. Como de outras vezes o
Tribunal havia atendido a requerimento idêntico do Procurador, deixei para apre-
ciar a matéria, ora em debate, quando ela fosse discutida nos autos.
Se a questão tivesse sido posta naquela oportunidade, eu teria votado
como agora se pronunciou o Senhor Ministro Gonçalves de Oliveira. Lembro a
respeito as considerações que fiz, incidentemente, na sessão de 6-12-67, ao
julgarmos o MS 17.957, impetrado a este Tribunal pelo ilustre advogado Dr.
Sabóia de Medeiros.
Argumentei, então, que a Constituição havia aprovado os atos do Governo
revolucionário e, portanto, teria aprovado o ato contra cujos efeitos a impetrante
se insurgira, ponderando que esses efeitos se chocavam com o princípio constitu-
cional do direito adquirido. Disse eu naquela oportunidade:
“Não desejo prolongar mais... (lê voto escrito) ...não é possível
haver, simultaneamente, duas regras constitucionais”.
237
Memória Jurisprudencial
Essa mesma observação foi feita, há pouco, pelo Sr. Ministro Themistocles
Cavalcanti. Prossigo na leitura daquele meu voto:
“(...) não é possível haver, simultaneamente, duas regras
constitucionais... (lê voto escrito) ...espírito da Constituição”.
No caso presente, o que se pretende é fazer sobreviver, em face da Cons-
tituição em vigor, um ato normativo incompatível com ela, o qual, por seu caráter
de exceção, tinha vigência por prazo predeterminado.
Dir-se-á que a suspensão de direitos, ora em discussão, resultou de um ato
pretérito, que se deve ter por aprovado, mesmo em face das considerações que
fiz na sessão de 6 de dezembro.
A objeção não procederia, porque aqui não estamos discutindo a validade do
ato de suspensão de direitos políticos. O que estamos discutindo é um problema
de competência para julgar processo que ainda está pendente.
Em matéria de competência, só se pode falar em ato consumado quando a
autoridade o tenha praticado no tempo em que tinha tal competência. Se o pre-
sente processo tivesse sido julgado pela Justiça Militar antes da vigência da atual
Constituição, teríamos uma situação consumada, porque a competência teria sido
exercida legitimamente, ao tempo em que o ato institucional a conferia à Justiça
Militar e não ao Supremo Tribunal. Mas, ainda não julgado o processo, que nem
se iniciou por não ter havido denúncia, prevalece integralmente a competência
originária do Supremo Tribunal, que a Constituição de 67 restabeleceu, sem dis-
tinguir entre acusados com direitos políticos suspensos ou na plenitude dos seus
direitos políticos.
Acompanho, Sr. Presidente, o voto do eminente Ministro Relator, enrique-
cido pelas brilhantes considerações dos Srs. Ministros Themistocles Cavalcanti,
Adaucto Cardoso, Evandro Lins e Hermes Lima.
VOTO
(Questão de ordem)
O Sr. Ministro Victor Nunes: De começo, eu me inclinava pela necessida-
de da maioria especial, mas fui alertado pelo Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira
para o fato de estar sendo confrontada com a Constituição outra norma — de ato
institucional —, a que geralmente se tem atribuído a categoria de norma constitu-
cional. Não há problema de inconstitucionalidade no confronto de duas normas
de categoria constitucional. A inconstitucionalidade pressupõe o exame de uma
norma subordinada em face da Constituição.
Acompanho os Srs. Ministros Gonçalves de Oliveira e Thompson Flores.
238
Ministro Victor Nunes
VOTO
(Questão de ordem levantada pelo Senhor Ministro Themistocles Cavalcanti
sobre inconstitucionalidade).
O Sr. Ministro Victor Nunes: Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem.
O eminente Ministro Themistocles Cavalcanti está agora dando relevo a
um ponto que, realmente, constava da fundamentação do seu voto, mas que ficou
um pouco obscurecido pela discussão em torno de haver ou não argüição de
inconstitucionalidade que só pudesse ser acolhida por nove votos.
Ao votar pela dispensa da maioria qualificada, observei que estavam em
confronto duas normas da mesma categoria, já que os atos institucionais, no entendi-
mento corrente, estão no plano das normas constitucionais.
Mas a ponderação, em que acaba de insistir o eminente Ministro
Themistocles Cavalcanti, me leva a reconsiderar meu voto. Os atos institucionais
têm sido considerados de categoria constitucional no período de sua plena vigên-
cia. Aqui se discute se tais normas sobrevivem na vigência da nova Constituição;
e também, no caso de sobreviverem, em que categoria deverão ser situadas.
Parece-me incontestável que elas não podem sobreviver como normas
constitucionais, como sustentei no caso das Docas da Bahia, onde salientei a
impossibilidade de coexistirem dois sistemas constitucionais colidentes. Portan-
to, Sr. Presidente, ao sobreviverem essas normas pretéritas, constantes dos
atos institucionais, terão elas de ficar situadas em categoria inferior à da Cons-
tituição. Já não teremos normas de mesma hierarquia, que era o pressuposto do
meu voto.
Reconsidero, pois, o meu pronunciamento, entendendo que é necessário o
voto de nove juízes para ser declarada a inconstitucionalidade.
239
Memória Jurisprudencial
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Victor Nunes: O Governo de Cuba solicitou ao do Brasil a
extradição do cidadão cubano Arsenio Pelayo Hernandez Bravo, nos termos da
seguinte carta rogatória do Juiz de Instrução de Sancti-Spiritus (fl. 34):
“Em cumprimento ao disposto no Processo número 1993, de 1959,
por delito de assassinato, tenho a honra de passar-lhe a presente
Rogatória para que, se a acolher, se digne dar-lhe o curso correspondente,
para os fins de se solicitar, pelo Governo Revolucionário da República de
Cuba ao da República do Brasil a extradição do processado no referido
processo, Arsenio Pelayo Hernández Bravo, para o que se faz constar o
seguinte:
Primeiro: que o delito imputado ao acusado, cuja extradição se
pretende e pelo que foi processado no dito Processo, por auto de data de
19 de março 1960, com exclusão de toda fiança para gozar de liberdade
provisória, é o de assassinato, previsto no artigo 431-A-2-3-4-5-8-9 do
Código de Defesa Social, que diz: É réu de assassinato quem matar a
outrem concorrendo alguma das seguintes circunstâncias: 2) Ter cometido
o delito em virtude de ordem arbitrária da autoridade ou de seus agentes.
3) Ter usado de perfídia. 4) Ter empregado assanhamento. 5) Ter agido
com premeditação patente. 8) Ter agido por impulsos sádicos ou de
240
Ministro Victor Nunes
241
Memória Jurisprudencial
Contra o extraditando, citado por edital (fl. 41v), fora expedida, em 19-3-
1960, a seguinte ordem judicial de prisão preventiva (fl. 48):
“Auto do Juiz, Senhora Doutora Lydia M. Yiock Gutierrez. Sti-
Spiritus, 19 de março de 1960. Dada conta: Resultando: Que do autuado
até agora no presente sumário, número 1993 de 1959, pelo delito de
homicídio, aparece que no dia 24 de outubro de 1957, quando o Dr. Jorge
Ruiz Ramírez, vizinho que era do povoado de Taguasco, neste Distrito,
vinha em direção a esta cidade procedente do referido povoado, no
automóvel de Agapito Moya Soriano, com o propósito de internar numa
clínica o jovem Pedro Rodríguez Palmero, que se achava ferido, foram
interceptados antes de chegar a esta cidade por membros do Exército da
derrocada Tirania, sob o comando do acusado, então Tenente do dito
corpo Armando Campos León, cujas generalidades constam, os quais já
tinham notícias do transporte do ferido por um aviso telefônico feito de
Taguasco pelo também acusado Isidro D. Figueroa, sendo conduzidos ao
quartel desta cidade, onde foi assassinado o Dr. Ruiz Ramírez e levado
seu cadáver posteriormente e junto com o motorista e o jovem ferido até
um lugar próximo de Jiquima de Pelaez, onde foram metralhados os dois
últimos, juntamente com o cadáver do primeiro, deixando-os abandonados
no referido lugar, participando ademais desses eventos os também
acusados José González e Arsenio Hernández Bravo. Resultando: que
instruído de acusações, o acusado Armando Campos León negou-as e
declarou o que achou conveniente, não assim os demais acusados por não
ser havidos. Considerando: que os fatos anteriormente relatados
revestem os caracteres de um delito de homicídio, previsto e sancionado
segundo o artigo 431-2-3-4-5-8 e 9 do Código de Defesa Social e que do
autuado até agora existem indícios racionais de criminalidade contra os
acusados Armando Campos León, José González González, Arsenio
Hernandez Bravo e Isidro D. Figueros, pelo que se está no caso de dirigir
contra os mesmos este processo, consoante o disposto no art. 384 da Lei
de Processo Criminal. Considerando: que em atenção à natureza do
delito e sanção que em definitivo se possa impor aos acusados, o que
resolve estima necessária sua prisão preventiva com exclusão de toda
fiança. Considerando: que toda responsabilidade criminal origina outra
civil. Vistos os artigos 1, 15, 17, 25, 27, 51 e demais concordantes do
Código de Defesa Social, os 502, 503, 529 e 589 da Lei de Processo
Criminal e a Ordem 109 de 1899. Declara-se público o presente
sumário, e processados pelo delito de homicídio os acusados Armando
Campos Leon, branco, filho de Rogelio e de Mariana, natural de
Cabaiguán, de 56 anos de idade, casado, ex-tenente do Exército, com
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VOTO
O Sr. Ministro Victor Nunes (Relator): Nego a extradição. Cumpro, inicial-
mente, o dever de louvar o ilustre Dr. Claudio Lacombe pela notável defesa que
produziu; este reconhecimento público é a única retribuição que recebe, em tais
casos, o advogado ad hoc.
Não posso, todavia, perfilhar integralmente a sua argumentação, o que me
obriga a motivar mais explicitamente este voto.
—I—
O crime imputado ao extraditando é punido, segundo a lei cubana, com
vinte anos de prisão, no mínimo, e, no máximo, com a morte (fl. 56v), constando
dos autos que o chefe da patrulha responsabilizada pelo assassinato das três
vítimas já foi fuzilado (fls. 41 e 42v).
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Memória Jurisprudencial
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julgamento por tribunal de exceção. Tendo em vista a razão de ser de tais motivos
excludentes, parece que nossa lei veda a extradição por crime relacionado com
atividades políticas e punido com a morte, quando a situação revolucionária do
país interessado faz temer pelas garantias de correto julgamento perante os pró-
prios tribunais ordinários e abalam a confiança no compromisso que o Governo
requerente assumisse de comutar a pena de morte a ser eventualmente aplicada.
No caso em exame, o Governo brasileiro concedeu ao extraditando asilo
diplomático, a seguir transformado em asilo territorial, porque o mesmo, na pala-
vra do Sr. Ministro das Relações Exteriores (fl. 104), “se encontrava em perigo
de ser privado de sua liberdade por motivos de perseguição política”. Esse depo-
imento do Governo brasileiro, que resulta das informações de seu representante
diplomático em Havana, é da maior importância na fundamentação do meu voto.
Não compartilho, porém, da opinião da defesa no sentido de que a concessão do
asilo acarreta um compromisso irrevogável para o nosso País. Em primeiro lugar,
podendo o asilo ser dado não apenas a quem comete crime político mas também
aos perseguidos políticos, não envolve necessariamente um pronunciamento do
agente diplomático sobre a natureza política do delito porventura atribuído ao
asilado. Em segundo lugar, a lei reserva ao Supremo Tribunal dizer a última pala-
vra sobre a qualificação política do delito (Decreto-Lei 394, art. 2º, § 3º, e art. 10)
para efeito de caracterizar a excludente de extradição, prevista no art. 141, § 33,
da Constituição. Aliás, se a lei dissesse o contrário, subordinando o julgamento do
Supremo Tribunal ao prévio pronunciamento do Executivo, seria manifestamente
ofensiva dos arts. 101, I, g, e 141, § 4º, da própria Constituição.
As considerações precedentes são bastantes, a meu juízo, para se negar a
extradição, na conformidade, aliás, do parecer da douta Procuradoria-Geral da
República (fl. 106).
— II —
Baseou-se a defesa, igualmente, em que se trata de crime político, o que
também exclui a extradição, nos termos do art. 141, § 33, da Constituição Federal,
e do art. 2º, VII, c, do Decreto-Lei 394. Esse argumento foi acolhido pela douta
Procuradoria-Geral da República, quando pondera (fl. 106): “Como (...) conce-
der a extradição do mesmo preso político que a nossa Embaixada reconheceu
estar perseguido tão só por crime político?”
Embora não seja indispensável discutir esse aspecto do problema para
fundamentar a conclusão do meu voto, sinto-me no dever de analisá-lo não só
pela relevância do assunto como também porque a excludente do crime político
poderá ser, eventualmente, aceita pela maioria do Tribunal ou por alguns dos
eminentes colegas.
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por uma ou outra das partes”, que também são excluídas do conceito de crime
político, quando “constituam atos de barbaria e vandalismo proibidos pelas leis
de guerra”.
Sobre essa conceituação, a Comissão Jurídica Interamericana emitiu o
seguinte comentário (p. 22):
“Esta definição tem duas grandes desvantagens: exagerado
casuísmo e critério excessivamente restritivo.
Se fosse aceita totalmente, conduziria ao fim do asilo. No entanto,
proporciona alguns elementos que foram recolhidos pela jurisprudência
americana.
Parece comumente aceito o princípio de que a teoria da predo-
minância do delito não é tecnicamente perfeita nem praticamente
aceitável.
É muito difícil verificar se o elemento político está em situação
inferior em relação ao comum, ou vice-versa.
Entretanto, é necessário reconhecer que quando o delito, embora
tenha fim político, é crudelíssimo ou bestial, constitui um caso dúbio em
que o interesse afetado não é o de determinada ordem política, mas o da
própria humanidade.
Os atos de barbaria ou vandalismo, a que faz referência o último
parágrafo da mencionada definição, afetam o espírito humanitário dos
povos americanos, espírito que constitui a essência ética do asilo nos
países latino-americanos.
É evidente que não se pode premiar com a impunidade, que
representa o benefício de uma instituição criada para salvar o homem nos
momentos de inclemência, os que menosprezam desapiedadamente a
dignidade humana.
Em outras palavras, o delinqüente que o asilo busca proteger é o
indivíduo cuja atitude implica numa violação da ordem legal, destinada a
produzir sua alteração.
Muito distante desta orientação está o que comete barbaria, pois a
mesma indica uma das formas mais abjetas da criminalidade comum.”
Conclui a Comissão o seu magnífico trabalho, sugerindo à XI Conferência
Interamericana “os seguintes elementos de apreciação”:
“1) São delitos políticos as infrações contra a organização e
funcionamento do Estado.
254
Ministro Victor Nunes
VOTO
O Sr. Ministro Afrânio Costa: Sr. Presidente, estou de acordo com o emi-
nente Ministro Relator e também indefiro a extradição, principalmente porque o
regime caótico atualmente existente em Cuba, conforme é ciência comum, a
meu ver, não permite um julgamento imparcial e sereno, dentro dos princípios de
Justiça a que o Brasil está acostumado; não oferecendo, outrossim, o Governo
cubano garantias para o cumprimento de nossa decisão, caso fosse deferida a
extradição.
VOTO
O Sr. Ministro Pedro Chaves: Sr. Presidente, sem me vincular a todas as
considerações, de grande profundidade, do voto do eminente Relator, adiro à
conclusão de S. Exa. e também nego a extradição, pedindo licença, Sr. Presidente,
para acrescentar uma consideração de ordem pessoal.
Repugnaria à minha consciência de juiz conceder uma extradição para
um país debaixo de um regime antidemocrático, onde não existe um corpo
255
Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Senhor Presidente, pelo que verifico
do relatório do eminente Ministro Victor Nunes, houve um asilo dado pelo Gover-
no brasileiro ao extraditando. O Brasil não tem tratado de extradição com Cuba,
de sorte que o encaminhamento do pedido de extradição ficou entregue ao crité-
rio do Itamarati, e é lamentável que o Itamarati, que tinha propugnado pelo asilo
do extraditando, haja encaminhado esse pedido do Governo cubano.
Eu me inspiro nos votos dos eminentes Ministros Relator, Afrânio Costa e
Pedro Chaves. Também estou em que o Governo cubano não oferece garantias
de ordem democrática bastantes para lhe entregar um homem a quem o Governo
brasileiro entendeu de dar asilo diplomático.
O Sr. Ministro Ary Franco: Há um equívoco por parte do Ministro Gonçalves
de Oliveira: o Itamarati não merece essa censura. A extradição foi fundada no
Código Bustamante, de sorte que tinha de encaminhá-la. Procedeu com toda a
dignidade, não pode fugir à convenção que assinou, faltaria à sua palavra.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Se reconheceu que o extraditando é
um perseguido político e se, pela Constituição brasileira, não se dá extradição em
caso de crime político, não devia encaminhar o pedido.
O Sr. Ministro Ary Franco: Quem dá a última palavra no crime em extra-
dição é o Supremo Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Reafirmo o meu ponto de vista: o
Itamaraty não fica obrigado a encaminhar todos os pedidos de extradição, porque
o princípio internacional é o da reciprocidade. Não havendo tratado, não havendo
reciprocidade de ordem contratual, o Itamarati não é obrigado a encaminhar o
pedido. No caso concreto, o processo devia ter ficado mornando nos arquivos do
Itamarati. Pela lei de 1911, o Governo brasileiro somente encaminhava os pedidos
256
Ministro Victor Nunes
DECISÃO
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: negaram a extradição,
unanimemente.
Presidência do Exmo. Sr. Ministro Ribeiro da Costa, na ausência justificada
do Exmo. Sr. Presidente Barros Barreto.
Relator, o Exmo. Sr. Ministro Victor Nunes.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
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Memória Jurisprudencial
260
Ministro Victor Nunes
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Victor Nunes Leal: São submetidos ao exame do Supremo
Tribunal Federal três pedidos de extradição: da República Federal da Áustria
(Ext 272), da República Federal da Alemanha (Ext 274) e da República Popular
da Polônia (Ext 273), e bem assim o HC 44.074, que fora requerido sem o conhe-
cimento do extraditando (Ext 272, v. 3, fl. 793).
Embora processados separadamente, o Relator sugere seu julgamento
conjunto, porque se referem à mesma pessoa, Franz Paul Stangl, de nacionalida-
de austríaca; tratam em grande parte dos mesmos fatos e poderão suscitar o
problema da preferência, se o Tribunal julgar que os pedidos de mais de um país
são atendíveis, como sustenta o Dr. Procurador-Geral.
I - Os Fatos
Pesa sobre o extraditando a acusação de co-autoria em crimes de homicí-
dio, praticados em massa, no instituto de extermínio de Hartheim, instalado na
Áustria, em 1940; no campo de extermínio de Sobibór, construído em 1942, no
mês de abril (Ext 272, v. 1, fl. 18), ou a partir de março (Ext 273, fl. 80v), na
Comarca de Chalm, Distrito de Lublin, na Polônia, e destruído em novembro de
1943, após o levante de prisioneiros de meados de outubro (Ext 274, fl. 80v);
finalmente, no campo de extermínio de Treblinka, construído a partir de 1-6-42
(Ext 273, fl. 73), nas proximidades da aldeia desse nome, cerca de 80 km a
nordeste de Varsóvia, o qual foi parcialmente incendiado na revolta de prisionei-
ros de 2-8-43 e totalmente destruído em novembro daquele ano (Ext 272, v. 1, fl.
21; Ext 273, fl. 73v, 79). Passamos a sumariar a atividade criminosa atribuída ao
extraditando, consoante os diversos pedidos.
Hartheim aparentava ser um instituto médico. Na verdade, esse estabele-
cimento integrava a rede da chamada Ação Brak, iniciada na Alemanha em
1939 e estendida à Áustria em 1940. Destinava-se à eliminação coletiva e metó-
dica de insanos mentais e de pessoas idosas, fracas ou incapacitadas para o
trabalho, bem como das consideradas politicamente perigosas (Ext 272, v. 1, pp.
46 ss).
Variava o método de extermínio: veneno, injeções mortíferas, inalação de
gás. Em Harthein, foi instalada um câmara de gás, e se incineravam os corpos
em forno apropriado, depois de despojados dos dentes de ouro.
Não foi possível determinar exatamente o grande número de vítimas de
Hartheim. Às vezes, se amontoavam os cadáveres, a ponto de “apodrecerem” os
de baixo antes da incineração. Um índice comparativo é tomado do sanatório
congênere de Niedernhart, onde, segundo o depoimento do Dr. Bohm, o número
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Memória Jurisprudencial
262
Ministro Victor Nunes
pessoal servia sob sua dependência, cabendo-lhe, inclusive, a chefia das equipes
de vigilância, tanto da alemã como da ucraniana (Ext 272 v. 1, fl. 24). Acrescenta
a acusação que ele, certa vez, em Sobibór, ordenou pessoalmente o fuzilamento
de uma judia, que fora visitar o marido no campo de serviço; de outra feita, deixou
enforcar um prisioneiro, para servir de exemplo (Ext 273, fl. 24).
Treblinka também era, especificamente, um campo de extermínio. O assas-
sinato em massa teve início, ali, segundo a Áustria e a Polônia, em 23-7-42, com
um transporte de 5.000 pessoas chegadas de Varsóvia (Ext 272, v. 1, fl. 21; Ext 273,
fl. 73); pelo pedido da Alemanha, teria começado na véspera (Ext 274, fl. 36).
O mais alto índice de mortes corresponde ao período de agosto a novem-
bro de 1942 (dentro da administração de Stangl). Decresceu de dezembro desse
ano até fevereiro de 1943, e subiu de novo nos meses subseqüentes, até 2 de
agosto de 1943, data em que se verificou o levante de prisioneiros. Como essa
revolta houvesse destruído parcialmente o campo, os transportes posteriores, até
outubro, tinham menores proporções, e as novas vítimas também foram assassi-
nadas, pois as câmaras de gás haviam ficado incólumes.
Através de testemunhos e de documentos da estrada de ferro, que levava
ao campo, as autoridades polonesas estimaram em cerca de 700.000 o número
de pessoas assassinadas em Treblinka (Ext 272, v. 1, fl. 22). Para sermos mais
exatos, a estimativa da Comissão Central de Investigação dos Crimes Alemães
na Polônia foi de “pelo menos 731.600 pessoas”, tomando por base a quantidade
de vagões utilizados e a média de 100 pessoas por vagão (Ext 273, fl. 78). A
Alemanha calcula o número de mortos, só no período do comando de Stangl, “em
pelo menos 300.000”(Ext 274, fl. 35). A Áustria, referindo-se em sua correspon-
dência diplomática com o Brasil à responsabilidade de Stangl, nos três estabeleci-
mentos de extermínio, ora fala em “mais de cem mil pessoas”, ora em “várias
centenas de milhares” (Ext 272, v. 1, fl. 3; v. 3, fl. 840).
O transporte em comboios ferroviários fechados, bem como o saque siste-
mático e o extermínio pelo gás de escape, com o disfarce do banho, reproduziam
o método utilizado em Sobibór. As próprias cavidades do corpo eram investigadas
à procura de objetos valiosos. Em Treblinka, entretanto, foram construídas câma-
ras de gás em maior número, ao todo 13 (Ext 273, fl. 374), sendo as da segunda
etapa planejadas de modo a terem maior produtividade.
Os cadáveres, até à primavera de 1942, eram sepultados coletivamente,
em covas amplas (Ext 274, fl. 38), mas foram depois exumados e cremados —
como as vítimas posteriores — em uma grande grelha de 25 a 30 metros de com-
primento, construída com trilhos de ferrovia e bases de concreto (Ext. 274, fl. 36).
A queima dos cadáveres em massa começou, segundo a Comissão polonesa de
investigação, após a visita de Himler a Treblinka, em fevereiro ou março de 1943
(Ext 273, fl. 373v).
263
Memória Jurisprudencial
264
Ministro Victor Nunes
Mais tarde, Grobocnic dava conta de sua tarefa, em carta a Himler: “Ter-
minei em 19-10-43 a Ação Reinhard, que executei no Governo Geral, tendo
dissolvido todos os campos” (Ext 273, fl. 31).
Nos interrogatórios a que procedi (Ext 272, v. 3, fl. 792; 273, fl. 167; 274, fl.
130), declarou o extraditando: que nasceu na Áustria, em 26-3-1908, residindo por
último em São Paulo, onde trabalhava como técnico-mecânico da Volkswagen; que
tinha conhecimento do processo instaurado em Linz (Áustria) pelos fatos de
Hartheim e no qual se lhe atribuíam “responsabilidades que não tinha”; que não
eram verdadeiras as acusações, explicando-as pelo possível desejo dos acusado-
res de lançar responsabilidades alheias sobre um foragido que supunham não
seria encontrado; que ignorava qualquer outro processo instaurado contra ele,
seja na Áustria, na Alemanha ou na Polônia, bem como qualquer ordem de prisão
oriunda da Justiça alemã; que serviu no campo de Sobibór em 1942, sem poder
precisar os meses, e no de Treblinka, pelo período aproximado de um ano, que
terminou em agosto de 1943; que em Sobibór fora responsável pela construção
do campo, tendo Wirth assumido o comando em seguida, a título provisório; que
ali ainda permaneceu algum tempo, depois de sua substituição, para prestar con-
tas; que ignorava ter sido seu nome incluído na lista de criminosos de guerra das
Nações Unidas; que, desde 1930 até agosto de 1943, incluindo todo o período de
seu serviço em Sobibór e Treblinka, exerceu exclusivamente funções policiais,
nunca tendo dado ordens para assassinar qualquer pessoa; que preferia ser de-
fendido por advogado designado pelo Tribunal.
Constam dos autos as folhas de anotações da Polícia Federal de Linz, de
7-5-47, e de Wels, de 10-5-47, sem antecedentes criminais (Ext 272, v. 1, fls. 80,
86). A última faz referência a antigas declarações por ele prestadas, em 3-10-38,
e ao relato autobiográfico firmado na mesma data. Ambas essas peças estão
transcritas (fls. 74, 87). Foram igualmente trasladados os interrogatórios a que o
submeteu o Juiz de instrução de Linz, sobre os fatos de Hartheim, em 21-7-47 e
nos dias 12 e 15-9-47 (fls. 74-79).
Constam ainda dos autos (Ext 272, v. 3, fls. 771, 779, 783) os depoimentos
prestados por Stangl na Polícia de São Paulo, em 1-3-67, e na Polícia Federal, em
Brasília, nos dias 2 e 4-3-67. Lê-se nesses depoimentos que ele entrou no País
em 8-8-51 e obteve a carteira de identidade de estrangeiros de n. 348.587 — RG
1.536.069, expedida com o nome de Paul Stangl. Este documento também está
anexado ao processo (fl. 778).
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
b) Alemanha
Com referência aos crimes de Treblinka, o Promotor-Geral junto ao Tribu-
nal Regional de Düsseldorf requereu, em 3-5-60, que a instrução criminal em
curso fosse estendida, entre outros, a Franz Stangl, cujo paradeiro era desconhe-
cido. Também solicitou, no mesmo ato, se expedisse ordem de prisão contra ele e
contra Kuettner, “considerando o vulto de sua participação nos atos puníveis”
(Ext 274, fl. 277).
O Juiz Schwedersky, no dia seguinte (4-5-60), estendeu a instrução, como
fora requerido. Afirmou, em seu despacho (Ext 274, fl. 279), que “os acusados
supraditos estão suficientemente sob suspeitas de em vários atos independentes
um do outro terem matado seres humanos com intenção de matar (animus
necandi) ou por outros motivos torpes, nos anos de 1941 até 1944, nos campos
de Treblinka I, respectivamente, de Treblinka II e na região de Treblinka, com
emprego de meios insidiosos e cruéis, agindo singularmente ou em concurso de
delinqüentes” (§§ 211, 47 e 74 do Código Penal alemão).
No dia imediato (5-5-60), o mesmo Juiz expediu a ordem de prisão (fl. 21).
Nova ordem de prisão, para fins de extradição, foi assinada por aquele Juiz no dia
17-3-67 (fls. 35-43). Veio, afinal, o pedido de extradição.
c) Polônia
Informa a Embaixada da Polônia que, já em 1945, seu Governo havia soli-
citado a entrega de Franz Stangl às autoridades daquele país pela prática de
genocídio (Sobibór e Treblinka), tendo sido ele, em conseqüência, colocado na
lista internacional dos criminosos de guerra (Ext 273, fls. 5-6). Em 30-3-46
(reproduzimos a tradução oficial), “o delegado dos assuntos criminais de
guerra junto à Missão Militar Polonesa, funcionando junto ao Conselho
da Aliança de Controle na Alemanha, enviou (...) uma internacional carta
rogatória atrás de Stangl” (fl. 20).
Em 17-3-67, o Procurador-Geral determinou, fundamentadamente, a pri-
são provisória de Stangl. A medida seria revogada — diz a tradução — “se no
prazo de 3 meses, a contar do dia da entrega de Franz Stangl à disposição
das autoridades polonesas, não entrar a apresentação de uma acusação
ou de prolongamento da prisão” (fl. 21).
Foi encaminhado, finalmente, pedido de extradição ao Governo brasileiro.
267
Memória Jurisprudencial
Justiça ao Supremo Tribunal com ofício de 7 de abril, protocolado no dia 11 (fl. 1).
O pedido formal de extradição, datado de 3 de abril, deu entrada no Itamarati no
dia 5 (v. 3, fl. 840) e foi encaminhado pelo Ministério da Justiça ao Supremo
Tribunal com ofício de 4 de maio, protocolado no dia 5 (v. 3, fl. 839). Com este
segundo expediente, veio nova tradução oficial dos textos pertinentes do direito
austríaco (v. 3, fl. 842).
O extraditando foi interrrogado em 13-4-67 (v. 3, fl. 792). No dia 18 (fl.
802), apresentou sua defesa o Prof. F. M. Xavier de Albuquerque, defensor
dativo, que falou sobre os novos documentos, no dia 9 de maio (fl. 850v).
O advogado do Governo da Áustria, Dr. George F. Tavares, admitido em
28-4-67 (fl. 833), ofereceu memorial em 9 de maio (fls. 879, 880).
O segundo processo, da Alemanha, refere-se aos fatos de Treblinka. Ao
pedido de prisão, datado de 7-3-67 e reiterado em 22 e 29 do mesmo mês (Ext
274, fls. 4, 5), seguiu-se o pedido formal de extradição, de 12 de abril, que deu
entrada no Itamarati no dia 14 (fls. 11, 17), tendo sido tais documentos enviados
ao Supremo Tribunal pelo Ministro da Justiça, com ofício de 18 de abril,
protocolado no dia 20 (fl. 1). Novos documentos, pelos quais houvera protesto,
foram remetidos ao Tribunal, mediante ofício do Ministro da Justiça, de 4 de maio,
protocolado no dia 5 (fl. 161). A Embaixada alemã anunciou, então (fl. 23), que
enviaria, “dentro em breve, outro requerimento de extradição”, pelos fatos de
Sobibór. Este outro pedido veio mais tarde (Ext 275), mas ainda não está em
condições de ser julgado.
O extraditando foi interrogado no dia 27 de abril (fl. 130) e o defensor
dativo apresentou a defesa em 8 de maio (fl. 138), tendo falado sobre os novos
documentos no dia 12 (fl. 302).
O advogado do Governo da Alemanha, Dr. Antônio Evaristo de Morais
Filho, admitido em 28 de abril (fl. 135), distribuiu memorial (5-6-67), instruído com
parecer do Ministro Nelson Hungria e com um extrato do julgamento dos co-réus
de Stangl em Düsseldorf.
O terceiro processo, da Polônia, diz respeito a Sobibór e Treblinka. A co-
municação prévia, de 27-3-67 (Ext 273, fl. 5), deu entrada no Itamarati no dia 3
de abril (fl. 3 ), juntamente com o pedido formal de extradição, firmado em 17 do
mesmo mês pelo Procurador-Geral daquele país (fls. 3, 7, 18). Essa documenta-
ção foi enviada ao Supremo Tribunal com o já citado ofício de 18 de abril, do
Ministro da Justiça, protocolado no dia 20 (fl. 1). Novos documentos, pelos quais
a Polônia tinha protestado, foram remetidos ao Tribunal com o ofício de 4 de
maio, também já citado, do Ministro da Justiça (fl. 216).
O extraditando foi interrogado no dia 27 de abril (fl. 167), e o defensor dativo
ofereceu defesa em 8 de maio (fl. 180), tendo falado sobre os novos documentos
no dia seguinte (fl. 223v).
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Código austríaco, § 135, inciso 3, como pelo Código brasileiro, art. 121, § 2º. A
prescrição, portanto, nos dois países, é de 20 anos (pena in abstracto), e foi
regularmente interrompida em 1948, consoante os critérios legais da Áustria e do
Brasil.
Argumentação semelhante desenvolve o memorial do advogado da Áustria.
Sustenta ele, ademais, que somente o direito do Estado requerente deve regular
os casos de interrupção de prescrição.
Quanto aos efeitos da abertura da instrução criminal, na Áustria, estende-
se o Procurador-Geral, em seu parecer, na demonstração de que ela equivale ao
nosso recebimento da denúncia, que interrompe a prescrição. Mais abaixo volta-
remos a esse tema.
10. Sobibór e Treblinka (Pedido da Polônia). Sustenta a Polônia que,
pelo seu direito (inclusive pelo Decreto de 22-4-64, sobre os crimes hitleristas da
Segunda Grande Guerra), não ocorreu a prescrição.
Argumenta, porém, a defesa que o Brasil não editou lei especial sobre a
prescrição nos crimes de guerra ou de genocídio, nem dispôs a respeito em trata-
do, sendo, pois, aplicável o direito comum. Assim é, em face da própria Conven-
ção sobre Genocídio, que ratificamos. Uma vez que não se praticou, na Polônia,
qualquer ato ao qual, pela lei brasileira, se possa atribuir efeito interruptivo da
prescrição, esta se consumou, inequivocamente.
O Procurador-Geral manifestou-se de acordo com a defesa, quanto a essa
prescrição, em face da lei brasileira (20 anos). Ainda — diz ele — que se atribu-
ísse efeito interruptivo a depoimentos prestados contra Stangl, perante o Juiz de
instrução do Tribunal polonês de Sielce, em 9-10-45 e em 3-12-45, o prazo
prescricional ter-se-ia completado em 3-12-65.
11. Treblinka (Pedido da Alemanha). O memorial da Alemanha e o pare-
cer do Ministro Nelson Hungria argumentam longamente no sentido de que a
acusação do Ministério Público, apresentada em 3-5-60, e a sua aceitação, no dia
seguinte, pelo Juiz de instrução de Düsseldorf, equivale, no nosso direito, ao ofe-
recimento e recebimento da denúncia, com efeito interruptivo da prescrição. Pelo
Código alemão, por outro lado, é indiscutível esse efeito, pois ele se contenta (§ 68)
com “qualquer ato do juiz dirigido contra o acusado em razão do crime cometido”.
O Ministério Público assim se expressara: “Acuso os acima citados de
terem eliminado seres humanos (...)”, etc. A esse ato — diz o Ministro Nelson
Hungria — o art.170 do Código processual alemão chama Antrag. Ele
corresponde à denúncia (ou aditamento à denúncia), por ser um pedido de aber-
tura da instrução criminal, que é indeclinável nos processos do júri, em cuja com-
petência se inclui o homicídio. Ao ato de acusação posterior (a Anklageschrift),
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Memória Jurisprudencial
previsto ali para tais processos, o que se assemelha em nosso direito não é a
denúncia, mas o libelo acusatório.
Na mesma linha, acentua o memorial da Alemanha que o ato de iniciativa
da ação penal, equiparável à denúncia do direito brasileiro, assume, na Alemanha,
ou a forma de “requerimento de instrução” do processo, ou a forma de “acusa-
ção” apresentada ao Tribunal. A primeira forma — o requerimento da instrução
prévia — é obrigatória em se tratando de homicídio, que é da competência do júri
(Lei de Organização Judiciária, § 80; Código Processual, §§ 170 e 178). Foi o
que se verificou no caso de Stangl.
Em sentido coincidente desenvolve-se o parecer do Professor Haroldo
Valadão, estabelecendo paralelo entre o nosso processo do júri, que tem denún-
cia e libelo, e o processo por homicídio perante o júri alemão, que tem,
correspondentemente, o Antrag (ou a Anzeige) e a Anklageschrift (Ext 274, fls.
224 ss). Essa mesma argumentação foi por ele deduzida, no pedido da Áustria,
em relação aos crimes de Hartheim (Ext 272, v. 3, fls. 874 ss).
A defesa também discute esse problema extensamente. Observa que, no di-
reito brasileiro, o despacho de recebimento da denúncia — que interrompe a prescri-
ção — é “ato rigorosamente decisório, ou de verdadeira jurisdição”. Entretan-
to, o ato praticado pelo Juiz de Düsseldorf, estendendo a instrução criminal a
Stangl, a pedido do MP, tem caráter simplesmente ordinatório. Se fosse
decisório, teria sido intitulado Urteil, mas foi oficialmente denominado Beschluss
(decreto). Esse vocábulo, do mesmo modo que Verfügung (ordem), não traduz o
exercício de verdadeira jurisdição.
Socorre-se a defesa, neste passo, do comentário de Fernand Daguin (Code
de Proc. Pén. Allem., 1884, p. 25, nota 1). Segundo seu ensinamento, o vocábulo
alemão designativo das decisões em sentido genérico é Entscheidung. Para a
decisão que encerra os debates em primeira instância, ou que é proferida em
grau de recurso ou revisão, usa-se Urteil. As decisões que determinam medidas
de instrução, ou regulam a marcha do processo, ou deixam de receber um recur-
so, têm o nome de decreto (Beschluss), ou ordem (Verfügung), sendo tomadas
geralmente por juiz singular (Mem., pp. 40-41).
O Professor Haroldo Valadão observa, entretanto, que a palavra decisão,
na citada passagem de Daguin, compreende aquelas três formas de atos judiciais,
identificando-os a todos como atos de jurisdição. E contrapõe à defesa outro
excerto do mesmo autor (ob. cit., p. 103), segundo o qual, através de uma ordem,
ou ordennance (portanto, Beschluss ou Verfügung), é que o juiz, considerando
admissíveis as conclusões apresentadas pelo Ministério Público, determina a
abertura da instrução. Equivale, pois, esse ato, indiscutivelmente, ao nosso rece-
bimento da denúncia, com efeito interruptivo da prescrição.
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SUSTENTAÇÃO DE PARECER
O Sr. Procurador-Geral da República (Professor Haroldo Valladão):
Exmo. Sr. Presidente e Srs. Ministros do Egrégio Supremo Tribunal Federal, são
três os pedidos de extradição: um, da Áustria, onde a pena não é de prisão perpé-
tua (era de morte, passou para prisão perpétua e atualmente, conforme consta
dos autos, por uma lei recente é no máximo de 20 anos; está nos autos o texto
legal); o segundo é o da Polônia, onde a pena é de morte; e o terceiro é o da
Alemanha, onde a pena é de prisão perpétua com trabalhos forçados.
Antes de examinar, rapidamente, um por um, qual fiz no meu parecer escrito,
desejo responder a algumas objeções que acabam de ser aqui apresentadas.
Primeiramente, quanto ao pedido de extradição da Polônia, porque quanto
ao da Áustria houve plena concordância do seu ilustre advogado com a opinião
da Procuradoria-Geral.
Na argumentação do ilustre advogado da Polônia, S. Exa. disse, após citar
a Declaração de Chaputelpeck, que a Convenção de Genocídio das Nações Uni-
das, ratificada pelo Brasil e pela Polônia, não se referira à extradição. No meu
parecer, citei-a, cláusula VII. A Declaração de Chaputelpeck não é Tratado nem
Convenção. A Convenção que está em vigor entre o Brasil e a Polônia é a antes
referida Convenção de Genocídio e diz o seguinte, no caput da cláusula 7ª: “O
genocídio e os outros atos enumerados no art. 3º não serão considerados crimes
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Não há, pois, debates, julgamento. Mas há a instrução. É o que diz outro
texto:
Art. 327. Dans les cas autres que ceux prévus par l’article 319,
les débats ne seront point ouverts contre un absent(2). La procédure
introduite contre l’absent aura uniquement pour but de conserver
intactes les preuves, pour le cas où il comparaîtrait ultérieurement.” Op.
cit., p. 172.
Portanto, quanto ao ausente, nos casos graves, de prisão, pode haver e há
instrução, não, porém, debates, julgamento.
De modo que houve uma confusão manifesta entre instrução e julgamento.
Nesse sentido foi claro Daguin em nota àquele texto:
“(2)Cette disposition n’est que la consácration du principe général
posé par le législateur allemand, principe en vertu duquel il ne peut être
procédé au jugement de l’accusé, lorsque celui-ci ne comparaîft pas.”
Igualmente no Brasil para o julgamento, no direito imperial, e hoje, para o
julgamento do Júri, é indispensável a presença do réu, Código de Processo Penal,
art. 413.
Não sei se há mais algum assunto que ficou em branco, mas, antes de
passar à prioridade, diremos, em síntese, que, na Áustria, não está prescrito, nem
para Hartheim, onde o processo foi até o libelo e ele fugiu em 1948, nem para
Treblinka e Sobibor, porque, tendo havido ato do Juiz de instrução, em 21 de
março de 1962, determinando a prisão do réu, evidentemente, esse ato decorreu
de abertura de instrução criminal feita com denúncia antes, e após a fuga, em
1948.
Na Alemanha, não está prescrita. A denúncia é de maio de 1960, imediata-
mente recebida.
A Áustria é competente porque é o lugar da infração, e competente porque
está punindo seu nacional que cometeu crime no estrangeiro.
A Alemanha só é competente porque está punindo, pelas suas leis, um
estrangeiro que cometeu, no estrangeiro, um crime na qualidade de funcionário
da Alemanha.
Quanto à questão da falta de reciprocidade, o advogado de defesa fez,
data venia, confusão no seu memorial e sobretudo na introdução ao memorial.
O assunto é simplíssimo.
No Direito brasileiro, no tempo do Império, a Extradição era ato adminis-
trativo, quer dizer, o Judiciário não intervinha. O Governo prendia e entregava.
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Ministro Victor Nunes
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
vinte anos, pouco importa que sejam dez, vinte ou trinta homicídios. Nosso Código
Penal não manda prescrever pela soma de tempo da prisão. Portanto, o número de
fatos criminosos não altera a gravidade da pena.
Nem há aplicar disposições outras, do nosso Código de Processo Penal,
por exemplo, art. 78, que dá preferência, sempre ao lugar da infração, e, no
caso, não se trata de preferência entre lugares dos crimes.
Assim, em face da lei brasileira, há igualdade de pena. Ora, diz a letra b do
parágrafo 2º:
“b) e do Estado em que primeiro lugar tiver solicitado a entrega, no
caso de igual gravidade; se os pedidos forem simultâneos, o Estado de
origem ou, na sua falta, o do domicílio.”
A Áustria solicitou a prisão preventiva em 27 de fevereiro, mas deu entrada
ao pedido formal de extradição no dia 5 de abril, e a Alemanha no dia 14 de abril.
Não há a menor dúvida, está no processo a nota da Áustria.
De forma que, nestas condições, entendendo como entendo que há igual-
dade de pena, eu daria preferência à Áustria, porque o pedido da Áustria entrou
no dia 5 de abril, e estou argumentando com o protocolo do Itamarati, com o
documento constante dos autos. O pedido da Alemanha entrou no dia 14 de abril,
não há a menor dúvida, está aqui a nota da Alemanha. Há também uma pequena
nota prévia em que ela diz que entraria oportunamente com o pedido formal.
A Alemanha fez questão de dizer que desvinculava o seu pedido de extra-
dição do pedido de extradição da Áustria; declarou-o positivamente na sua nota.
A afirmativa do ilustre advogado da Alemanha de que o extraditando é alemão
não tem a cobertura da própria Alemanha, que o declara presumidamente
austríaco e pediu extradição por ser ele estrangeiro a serviço da Alemanha.
Se, entretanto, o Tribunal denegar o pedido da Áustria para Treblinka e
Sobibor, a preferência caberá à Alemanha, pois a Áustria não reextradita os
seus nacionais.
Nesta conformidade, Sr. Presidente, termino pedindo desculpas ao Egrégio
Tribunal por ter falado longamente, pois tive de debater com vários e ilustres
advogados. Estou pronto a dar qualquer informação aos Srs. Ministros, porque
estudei com muito carinho os autos.
Minha conclusão, portanto, é que são legais os pedidos da Áustria e da
Alemanha. Aliás, em tese, acho que quem deve resolver sobre a preferência é o
Governo. Mas, como o Governo mandou os vários pedidos a este Tribunal, quem
deve resolvê-los é o Tribunal.
293
Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Victor Nunes (Relator): Sr. Presidente, começarei pelas
questões que interessam a mais de um dos pedidos de extradição submetidos ao
nosso julgamento. A seguir, examinarei as que se referem especificamente a um
ou outro.
I - Reciprocidade
A declaração de reciprocidade, na falta ou deficiência de tratado, é fonte
reconhecida do direito de extradição (André Mercier, “L’Extradiction”, Récueil
des Cours, 1930, III, p. 185). Esse princípio já fora adotado em nosso país, no
Império, pela circular de 4-2-1847, do Ministério dos Negócios Estrangeiros;
também foi mencionado, quanto à extradição de nacionais, na Lei 2.416, de 28-6-
1911 (art. 1º, § 1º), e a lei atual o consagra (DL 394, 28-4-38, art. 6º, § 3º, c/c art.
9º), segundo o entendimento do Supremo Tribunal (Ext 232, 9-10-61, DJ de 4-4-
63, p. 70; Ext 288, 7-12-62, RF 205/288, voto do Sr. Ministro Gonçalves de
Oliveira; Ext 251, 30-9-63, DJ de 5-12-63, p. 1238, voto do Sr. Ministro Evandro
Lins). Não ficou derrogada a nossa lei nessa matéria, pois não tem esse alcance
a circunstância de ser hoje necessário o referendum parlamentar para “atos in-
ternacionais” (Constituição de 1967, art. 83, VIII), diferentemente da Constitui-
ção anterior, que só o exigia para tratados e convenções.
O melhor entendimento da Constituição é que ela se refere aos atos inter-
nacionais de que resultem obrigações para o nosso País. Quando muito, portanto,
caberia discutir a exigência da aprovação parlamentar para o compromisso de
reciprocidade que fosse apresentado pelo Governo brasileiro em seus pedidos de
extradição. Mas a simples aceitação da promessa de Estado estrangeiro não
envolve obrigação para nós.
Nenhum outro Estado, à falta de norma convencional, ou de promessa
feita pelo Brasil (que não é o caso), poderia pretender um direito à extradição,
294
Ministro Victor Nunes
exigível do nosso País, pois não há normas de direito internacional sobre extradi-
ção obrigatórias para todos os Estados (Mercier, ob. cit., p. 182). Dar ou recusar
a extradição é direito inerente à soberania do Estado requerido (Coelho
Rodrigues, A Extradição, v. 1, 1930, p. 42). Ele não tem obrigação internacional
de a conceder senão no limite dos seus compromissos (Mercier, ob. cit., p. 180).
Nem a Convenção sobre o genocídio teria criado tal obrigação em face dos Esta-
dos não signatários (L. C. Green. “Political Offences, War Crimes and
Extradiction”. The International and Comparative Law Quarterly, abril,
1962, p. 329).
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Aí é para que o Executivo proponha
o pedido ao Poder Judiciário, ao Supremo Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Victor Nunes (Relator): Dizia eu que, não havendo tratado,
não há obrigação, para o Estado requerido, de conceder extradição. Aceitar pro-
posta de reciprocidade não pode criar para ele essa obrigação.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Digo o seguinte: o Governo brasileiro
não se pode comprometer a dar extradição, porque a competência é do Supremo
Tribunal. O que ele pode é submeter ou não ao Supremo Tribunal Federal o pedido
do Estado estrangeiro.
O Sr. Ministro Victor Nunes (Relator): Não me referia ao Governo no
sentido estrito de Poder Executivo, mas ao Estado brasileiro, envolvendo todos os
órgãos que interferem no procedimento da extradição. A decisão favorável do
Supremo Tribunal é, sem dúvida, condição prévia, sem a qual não se pode dar a
extradição. Mas o Supremo Tribunal também aprecia cada caso em face dos
compromissos internacionais porventura assumidos pelo Brasil.
Mesmo que o Tribunal consinta na extradição — por ser regular e legal o
pedido —, surge outro problema, que interessa particularmente ao Executivo:
saber se ele estará obrigado a efetivá-la. Parece-me que essa obrigação só existe
nos limites do direto convencional, porque não há, como diz Mercier, “um direito
internacional geral de extradição”.
Em conseqüência, a simples aceitação da oferta de reciprocidade não cria
obrigação para o Brasil, não dependendo essa aceitação de referendum do Con-
gresso. Da promessa de reciprocidade resulta obrigação para o Estado requeren-
te, não para o Estado requerido.
Vou mais longe ainda: mesmo nos casos em que o Brasil seja o ofertante,
uma vez que a reciprocidade já está prevista em lei e no costume internacional,
que a nossa lei manda observar (DL 394/38, art. 9º, c/c o art. 20, in fine; Código
Penal, art. 4º), não se compreenderia fosse necessária nova chancela do Con-
gresso para tal fim.
295
Memória Jurisprudencial
II - Comutação de Pena
Parece-nos procedente a argumentação da defesa quando sustenta que o
compromisso assumido pelos Estados requerentes, de comutar a pena de morte
(já abolida na Áustria e na Alemanha), teria de incluir o compromisso de reduzir
para prisão temporária a pena de prisão perpétua, em razão de ser esta última
igualmente vedada pela Constituição do Brasil (art. 159, § 11).
Há valiosas opiniões em contrário, baseadas em que o compromisso de
comutação — freqüente no direito extradicional — seria de todo independente do
direito substantivo, mesmo o de assento constitucional (Haroldo Valadão, parecer,
Ext 273, fl. 313; Nelson Hungria, parecer anexo ao memorial da Alemanha).
Não podemos, data venia, aceitar esse ponto de vista sem reserva. É certo
que o direito extradicional, ao dispor de tal modo, inspira-se no sentimento de
humanidade, mas também não é por outro motivo que o direito constitucional rene-
ga tais ou quais penalidades: “As penas perpétuas (...) vão-se limitando aos chama-
dos incorrigíveis, como supostos refratários a todo tratamento”, observa Roberto
Lyra, citando a seguir esta conclusão do Congresso Penitenciário de Washington:
“Nenhum indivíduo, quaisquer que sejam sua idade e antecedentes, deve ser consi-
derado incapaz de emenda” (Comentários ao Código Penal, v. 2, p. 59).
Acresce que o condicionamento da extradição a normas de direito penal
interno já foi admitido por uma decisão do Supremo Tribunal (Ext 241,18-5-62,
RTJ 24/247). A extradição só foi concedida com a condição de ser comutada a
pena de trabalhos forçados, repudiada pelo direito brasileiro.
Em outro caso, onde a pena era de degredo, a extradição foi concedida,
mas fiquei vencido, em companhia dos Srs. Ministros Ary Franco e Hahnemann
Guimarães (Ext 230, 8-9-61, RF 201/253). Mestre Hahnemann já havia votado
de igual modo, com Orosimbo Nonato, Nelson Hungria e Rocha Lagoa, na Ext
165 (26-1-53), RF 153/382. A minoria, em que formávamos, concedia a extradição,
mas subordinada à não-aplicação da pena de degredo.
Essa decisão, entretanto, não prejudica a tese mais geral, que estamos
sustentando, de se condicionar a extradição, pelo menos, à vedação constitucio-
nal de certas penas, pois a maioria se baseara no fundamento de não ser a pena
de degredo vedada pela Constituição. A contrario sensu, tal premissa admitia a
vinculação do direito extradicional nos termos acima indicados.
Em outro caso (Ext 234, 15-3-65), que se referia especificamente à prisão
perpétua, o Supremo Tribunal nada determinou, porque a extradição já tinha sido
concedida em julgamento anterior, proferido mais de quatro anos antes (2-10-61).
Apesar dessas ponderações, reconheço que o compromisso apresentado
nestes autos, sem cláusula de se converter em temporária a prisão perpétua, não
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Ministro Victor Nunes
III - Competência
Não foi contestada pela defesa, nem pela Procuradoria-Geral da República,
a competência dos Estados requerentes. Um deles — a Alemanha — é que
impugnou a da Áustria, mas reconhece que, embora omisso o pedido quanto à
norma legal de competência, o § 36 do Código Penal da Áustria consagra o
princípio da nacionalidade ativa, o qual já vinha — notou o prof. Haroldo
Valadão — do Código de 1803. A objeção da Alemanha consiste em que o
extraditando era alemão, e não austríaco, na época dos crimes, pois a Áustria se
achava sob o regime do Anchluss.
Esse argumento é, em parte, contraditório, porque um dos fundamentos
alegados, pela Alemanha, para firmar a própria jurisdição, tinha sido o § 4º, art. 3º,
n. 1, do seu Código Penal, que se refere a crime praticado no estrangeiro, por
estrangeiro, no exercício de função do governo germânico. A ordem de prisão
expedida pela Justiça alemã (Ext 274, fl. 21) funda-se, quanto à competência,
naquele mesmo dispositivo legal, como observou o Procurador-Geral da República,
e o pedido de extradição diz que Stangl era “presumidamente austríaco” (Ext
274, doc. de fl. 23).
Essa contradição não prejudica o pedido da Alemanha, porque ela tem,
igualmente, jurisdição sobre crime praticado por súdito alemão no estrangeiro
(Código Penal, § 3º). Portanto, seja Stangl considerado alemão ou austríaco, a
jurisdição da Justiça alemã será, de qualquer modo, inatacável.
É, pois, desnecessário discutir, agora, se estava sob a soberania alemã
aquela parte do território polonês, que a Alemanha ocupava na época dos crimes.
297
Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
gas” (Mercier, ob. cit., p. 229). Vê-se, pois, que a idéia da proteção do nacional
está presente no problema que estamos discutindo. E essa proteção pressupõe
que seja atual a nacionalidade do réu, pois não seria razoável que estivesse vin-
culada a uma nacionalidade pretérita.
A própria Alemanha não estaria muito segura do seu argumento, pois não
o apresentou no pedido de extradição, mas tão-somente no memorial de seu ilus-
tre advogado, distribuído há três dias. E essa nova colocação do problema da
nacionalidade não objetiva um reforço da jurisdição da Alemanha, já bastante
sólida, mas a conquista de mais um ponto no concurso de preferência com a
Áustria.
É incontestável, portanto, a jurisdição da Áustria, por ser o extraditando de
nacionalidade austríaca. Também é incontestável a jurisdição da Alemanha, pelo
outro motivo mencionado: o extraditando, ao tempo dos crimes de Treblinka, es-
tava a serviço do governo alemão e os teria praticado nessa qualidade.
Não só a exterritorialidade das leis da Alemanha e da Áustria, fundada no
princípio da nacionalidade ativa, não destoa do direito brasileiro (Código Penal,
art. 5º, II, b), como também nenhum desses países está disputando sua jurisdição
com o Brasil. Pelos fatos de que se trata, nossa justiça só seria competente para
julgar Stangl em razão do princípio da universalidade, que foi sustentado, sem
êxito, nas discussões promovidas pela ONU sobre a repressão do genocídio
(Jean Graven, “Les Crimes contre 1’Humanité”, Récueil des Cours, 1950, I, p.
516 ss). Mas nem a lei brasileira adota esse princípio em termos irrestritos, pois
remete a matéria para as convenções internacionais (Código Penal, art. 5º, II, a),
nem constitui ele norma obrigatória de direito internacional (Cybichowski, ob. cit.,
p. 283; B.V.A. Roling., “The Law of War and the National Jurisdiction Since
1945”, Récueil des Cours, 1960, II, p. 360).
IV - Genocídio
Os crimes imputados ao extraditando estão hoje qualificados como
genocídio, em Convenção que foi ratificada, entre outros, pelo Brasil e pela
Polônia, e ambos esses países promulgaram leis a respeito (Dec. polonês de
13-8-44; Lei brasileira n. 2.889, de 1-10-56). Esta circunstância, entretanto, não
permite contrapor-se o princípio da irretroatividade ao exame dos presentes pedi-
dos de extradição, pois na tipificação do crime de genocídio estão compreendidas
outras figuras delituosas — especialmente o homicídio — que já se encontravam
nos códigos de todos os povos civilizados.
A conceituação nova, na categoria de violação do direito penal internacio-
nal, resulta da gravidade sem par desses crimes, que ofendem a própria humani-
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
V - Julgamento Regular
Também não prejudica os pedidos em exame a possível falta de isenção dos
tribunais dos Estados requerentes, que sofreram mais intensamente os efeitos dos
crimes de que é acusado o extraditando. A isenção do Estado requerente, para
garantia de um julgamento regular, é, sem dúvida, importante no direito
extradicional. Recusamos, em 1963, uma extradição pedida pelo Governo de
Cuba, onde faltava essa garantia (Ext 232 cit.), e nossa lei não permite que o
extraditando seja submetido a “tribunal ou juízo de exceção” (art. 2º, VI). Mas,
no que toca aos Estados ora requerentes, que têm tribunais regulares, funcionan-
do normalmente, havemos de admitir a presunção de julgamento regular.
A possibilidade de julgamento parcial ou irregular só é impedimento à extradi-
ção quando resulte evidente. Em caso contrário, o princípio da territorialidade não
teria primazia, como tem, no direito extradicional da maioria dos países, pois o abalo
social é maior nos próprios lugares em que se cometeu o crime. De igual modo, o
princípio da competência do Estado que sofreu os efeitos do crime praticado em outro
também não poderia ser aceito, por ser, presumivelmente, o menos imparcial dos dois.
Entretanto, essa regra é adotada em muitas legislações (Cybichowski, ob. cit., p.
284), inclusive na do Brasil, nos casos por ela previstos (Código Penal, art. 5º, I).
Ao revés, o princípio da nacionalidade ativa faz presumir que o julgamento
seja mais favorável ao réu em seu próprio país, o que também seria um afasta-
mento do critério da completa isenção.
301
Memória Jurisprudencial
VI - Crime Político
Também não cabe, no caso, a exceção do crime político, prevista em nossa
lei (art. 2º, VII, c) e no Código Bustamante, que é o documento internacional mais
abrangente a que nessa matéria está vinculado o Brasil (art. 356). A Convenção
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Ministro Victor Nunes
sobre o Genocídio (art. VII) e a lei brasileira baixada em conseqüência dela (Lei
2.889, de 1-10-56, art. 6º) são explícitas no dizer que o genocídio não se considera
crime político para efeito de extradição.
A aplicação imediata de tais normas a pedidos de extradição fundados em
crimes anteriores não viola o princípio nullum crimen sine lege. É bem verdade
que o Código Penal Internacional, adotado em Convenção de 1940, firmada pelo
Brasil em Montevidéu, estabelece regra de vigência somente para o futuro, mes-
mo quanto às suas normas de direito extradicional (art. 52), mas não chegamos a
ratificar esse tratado (Hildebrando Accioly, Tratado de Direito Internacional
Público, v. 1, 2ª ed., p. 423). Além disso, nas palavras de Mercier, “a extradição
não é uma pena”, traduzindo, no mais das vezes, o reconhecimento, pelo Estado
concedente, da sua falta de competência para julgar a infração. Também “não é
a aplicação de uma pena”, encargo e responsabilidade que “incumbem ao Estado
requerente” (ob. cit., p. 177).
Ainda que a Convenção sobre o Genocídio, ou a Lei 2.889, de 1956, não
fossem aplicáveis, no ponto que estamos discutindo, a solução seria a mesma. A
doutrina mais autorizada, embora o tema seja controvertido, repele a conceituação
de crime político fundada exclusivamente na motivação política do agente. De
igual modo, a alegação de ter sido o crime cometido contra particulares por instru-
ções de um governo não tem bastado para beneficiar o autor com a excusa do
crime político (Green, ob. cit., p. 330). O genocídio — afirma Drost — “é tanto
crime do Estado como crime comum” (ob. cit., v. 2, p. 201).
Além de outros elementos de configuração, com os quais a doutrina mais
moderna procura combinar as teorias subjetiva e objetiva, leis e convenções in-
ternacionais, especialmente no campo do direito extradicional, têm recusado a
conceituação de político ao crime cometido com especial perversidade ou cruel-
dade, ou àquele em que predominam os elementos do crime comum. Nossa lei,
que assim dispõe (art. 2º, § 1º), menciona, entre outros, o terrorismo (art. cit., §
2º). E o Comitê Jurídico Interamericano, em seu estudo de 1959, não considera
políticos “os crimes de barbaria e vandalismo” e, em geral, as infrações “que
excedam os limites lícitos do ataque e da defesa” (Isidoro Zanotti, La
Extradición, p. 238).
Do mesmo modo, a Corte Suprema da Argentina, em decisão de 1966,
concedeu à Alemanha a extradição de Gerhard J. B. Bohne, acusado do extermí-
nio em massa de doentes mentais, negando caráter político, segundo seus prece-
dentes, a “fatos particularmente graves e odiosos por sua natureza bárbara” (La
Ley, 1-11-66, p. 1).
Também pelo caráter cruel do crime — assassinato de prisioneiros indefe-
sos, inclusive o médico chamado a socorrer um deles, que estava ferido — nega-
303
Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
elemento subjetivo do crime, ele deve ser presumido em certos casos (Glaser, ob.
cit., p. 492, 519 ss). E Stangl era um graduado servidor da polícia judiciária, que,
em razão do cargo, não deveria desconhecer a legislação da Alemanha sobre
homicídio. Por outro lado, as providências tomadas pelos alemães, para manter
as vítimas inscientes do seu destino e para eliminar os vestígios materiais da
carnificina, é presunção mais forte ainda de que os dirigentes e executores dessa
política não ignoravam a criminalidade do seu procedimento.
O problema, portanto, desliza da justificativa respondeat superior para a
coação moral, cujo teste jurídico é a possibilidade de escolha, aplicado também
pelos tribunais internacionais do após-guerra. Discute-se, na doutrina e na juris-
prudência, quanto ao ônus da prova em tais casos. De qualquer modo, caiba a
prova do erro de direito ou da coação moral à defesa, ou caiba à acusação a
prova contrária, o que se tem é um problema de prova, cujo exame compete ao
juízo da ação penal e não ao da extradição (DL 394/38, art. 10, caput, in fine).
Se tivéssemos, porém, de levantar um pouco o véu da prova, a conclusão
seria desfavorável ao extraditando. Ele ingressou no Partido Nazista antes da
guerra, antes mesmo de ser admitido no quadro policial, como consta do seu
depoimento de 1938 (Ext 272, v. 1, fl. 74, 87). E fez uma rápida carreira. De
diretor-substituto passou a diretor da Secretaria do Hartheim (1941), e daí ao
comando de Sobibór e Treblinka (1942). Que faz o comandante de um campo de
extermínio de vidas humanas? Pelo menos, mantém o funcionamento dessa
máquina de matar. E o Coronel Globocnik, ao insistir pela promoção de Stangl,
recomendava-o como seu melhor chefe de campo de concentração (Ext 273, fl.
134v).
Tais circunstâncias nos impedem de acolher, muito menos de ofício, a justi-
ficativa do cumprimento de ordem superior, em termos de coação moral, que só o
juízo da ação penal poderá apreciar devidamente, pelo conjunto das provas que
lhe forem apresentadas.
305
Memória Jurisprudencial
IX - Documentação
Também não acolho a alegação do defensor dativo contra a juntada ulterior
de documentos, por parte dos Estados requerentes. Esses elementos — incluindo o
pedido formal de extradição da Áustria e algumas peças essenciais dos pedidos da
Alemanha e da Polônia — deram entrada em tempo oportuno, pois o Tribunal
poderia, a requerimento do Procurador-Geral, suspender este julgamento e conce-
der prazo de até 45 dias aos Estados requerentes para suplementação dos seus
documentos (DL 394/38, art. 10, § 2º; Ext 270, 19-4-67; vd. art. 6º do Projeto do
Comitê Jurídico Interamericano e comentário de Renato Ozores, La Extradición
en el Derecho Interamericano, 1958, p. 25).
Sobre a nova documentação foi aberta vista ao ilustre defensor, que sobre
ela se manifestou. Pode, portanto, ter havido sacrifício pessoal para S. Exa.,
que se desincumbiu do seu munus, com grande brilho, cumprindo exemplar-
mente o encargo que lhe confiou o Relator, sem pedir uma única prorrogação
de prazo. Somente um profissional de sua categoria, festejado professor de
Processo Penal, teria dado ao extraditando a eficiente assistência que ele teve.
Se houve sacrifício do defensor, repito, não houve sacrifício da defesa, do ponto
de vista legal. Não há, pois, nulidade ou inépcia dos pedidos de extradição a ser
declarada.
X - Prescrição
O relatório esclarece bem, conquanto resumidamente, os termos da con-
trovérsia posta nestes autos, na matéria que agora passamos a examinar, com
mais desenvolvimento.
a) Polônia
O Procurador-Geral e o defensor dativo demonstraram a inadmissibilidade
do pedido da Polônia, por se ter verificado a prescrição da ação penal daquele
país, de acordo com a lei brasileira. Assim se manifestou, em seu parecer, o Prof.
Haroldo Valadão (DJ de 26-5-67, p. 1541):
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Ministro Victor Nunes
b) Alemanha
Quanto aos crimes de Treblinka, demonstrou igualmente o Procurador-
Geral, Prof. Haroldo Valadão, que a prescrição foi interrompida na Alemanha,
por ato do Juiz de instrução do Tribunal de Düsseldorf, de 4-5-60 (Ext 274, fl. 279).
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Memória Jurisprudencial
Esse ato foi praticado, antes de decorridos 20 anos — que é prazo prescricional
do Código alemão (§ 67, art. 1, n. 1) e do brasileiro (art. 109, I), a contar da época
em que o extraditando deixou o comando de Treblinka (agosto de 1943 — Ext
274, fls. 35, 38), pois os crimes ali praticados têm indiscutível caráter de continui-
dade (Código Penal brasileiro, art. 111, c).
O ato do magistrado alemão, de 4-5-60, que acolheu promoção acusatória
do Ministério Público, ajuizada na véspera (Ext 274, fl. 227), e ao qual se seguiu,
no dia imediato, a ordem de prisão expedida pelo mesmo Juiz (Ext 274, fl. 2), tem
no processo penal alemão a finalidade e o efeito de abrir a instrução criminal, que
é de natureza judiciária.
A ação penal por homicídio doloso é, na Alemanha, da competência do júri
(Código de Organização Judiciária, § 80), como no Brasil, e começa, obrigatoria-
mente, pela promoção em que o Ministério Público, formulando a acusação com
as indicações necessárias, solicita a abertura da instrução criminal (Código de
Processo Penal, §§ 170 e 178). Esse ato equivale, em nosso País, à denúncia
(Código Penal brasileiro, art. 102, § 1º; Código de Processo Penal, arts. 24 e 41),
que o Promotor apresenta ao Juiz-Presidente do Tribunal do Júri.
Há, na Alemanha, outra acusação, mais formalizada, que o Ministério
Público apresenta posteriormente, depois de colhida a prova perante o Juiz de
instrução. Esse novo ato acusatório corresponde, mais propriamente, ao libelo
acusatório (Código de Processo Penal, arts. 416 e 417) do nosso processo do júri,
com a diferença de preceder ao nosso libelo a sentença de pronúncia (Código de
Processo Penal, art. 408).
Essa diferença, para o fim que temos em vista, não se reveste de maior
significação, pois o que importa acentuar é que aquele segundo ato de acusação
do Ministério Público germânico não corresponde ao primeiro ato de acusação do
processo criminal brasileiro — a denúncia —, mas ao segundo, que é o libelo. O
correspondente da nossa denúncia é, na Alemanha, o primeiro ato de acusação,
onde o Ministério Público solicita a abertura da instrução criminal nos processos
da competência do júri.
Em conseqüência, o ato judicial que, na Alemanha, acolhe o pedido de
abertura — ou de extensão — da instrução criminal tem exata correspondência
com o nosso despacho de recebimento da denúncia (Código de Processo Penal,
art. 394), que também abre a instrução judicial e produz, pelo nosso Código, o
efeito de interromper a prescrição (Código Penal, art. 117, I ).
A demonstração que a esse respeito fez o Prof. Haroldo Valadão foi cor-
roborada pelo parecer do Ministro Nelson Hungria, prestigiando as alegações do
advogado da Alemanha.
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Ministro Victor Nunes
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Memória Jurisprudencial
c) Áustria
1. Hartheim. Pelas mesmas razões anteriormente aduzidas, também não
prescreveu a ação penal em que se funda o pedido de extradição da Áustria,
com relação aos crimes de Harheim. A instrução criminal já estava instaurada
em Linz (Ext 272, v. 1, fls. 45, 46), e dela tivera ciência pessoal o acusado, em
19-5-48 (Ext 272, v. 1, fl. 53), como antes já tinha sido cientificado da instrução
do processo e da sua prisão preventiva (21-7-47 — Ext 272, v. 1, fl. 45). Dias
depois de intimado da acusação, conseguiu evadir-se para lugar incerto e não
sabido (30-5-48 — Ext 272 v. 1, fls. 53, 115). Por motivo da fuga, e de acordo
com a lei, foi suspenso o processo (vol. cit., fl. 151). Só se poderia suspender o
que já estivesse iniciado. Não me parece, pois, que essa questão suscite maior
controvérsia.
Alega, porém, a defesa que o prazo da prescrição seria de quinze anos, e
não de vinte. Argumenta que a prisão comunicada ao extraditando, em 21-7-47,
fundava-se no § 5 do Código Penal austríaco, que se refere exclusivamente à
cumplicidade. À pena prevista para a cumplicidade, sendo somente de 5 a 10
anos de prisão (§137), correspondia o prazo prescricional de 5 anos (§ 228, b, in
fine). Esse prazo já estaria consumado ao iniciar-se a instrução, em 21-7-47, pois
o extraditando deixara o serviço de Hartheim em agosto de 1941.
Seria ilegítima, prossegue a defesa, a alteração que, em 19-5-48, fez o
Ministério Público naquela classificação inicial, procurando inculpar o réu, não
como cúmplice, mas como co-autor de homicídio, sujeito então à prescrição de 20
anos. Essa modificação seria legalmente inadmissível, em primeiro lugar, por ser
tardia, pois, àquela data, já estava prescrita a ação penal, pela classificação ante-
rior; em segundo lugar, porque a própria narrativa dos fatos, que então fez o
Ministério Público, só poderia conduzir à acusação de cumplicidade e não de co-
autoria.
O Procurador-Geral respondeu satisfatoriamente a essa argumentação. A
acusação ou denúncia do Ministério Público — e não a ordem de prisão anterior —
é que classifica o crime, de onde se deduz a pena correspondente, para efeito do
cálculo da prescrição. A ordem de prisão anterior à denúncia continha uma
classificação provisória, que o Ministério Público poderia manter, ou não, na
denúncia.
Entre nós, pela Constituição (art. 150, § 12), a detenção ou prisão de qual-
quer pessoa deve ser imediatamente comunicada ao juiz competente, que a rela-
xará, se não for legal. Mas não é a classificação provisória contida nesse ato, ou
na decisão que o juiz sobre ele vier a proferir, que servirá de base ao cálculo da
prescrição. Esta se regula pela classificação posterior da denúncia (salvo os
casos de abuso), ou então, nas condições previstas em lei, pela pena imposta na
sentença.
310
Ministro Victor Nunes
311
Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
XI - Preferência
a) Competência
Tendo concluído pela legalidade e procedência do pedido da Alemanha, e
bem assim de um dos pedidos da Áustria, passamos agora ao exame da prefe-
rência, pois a decisão dessa matéria parece-me caber ao Supremo Tribunal, e
não ao Poder Executivo.
313
Memória Jurisprudencial
Na falta de tratado (art. 6º, § 3º), nossa lei estabelece diversos critérios de
preferência (art. cit., caput e § 1º), estipulando afinal que, “nos demais casos, a
preferência fica ao arbítrio do Governo” (art. cit., § 1º, b, in fine). Parece que, na
opinião do ilustre Procurador-Geral, o exame da preferência caberia ao Governo
em qualquer caso.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: O Procurador-Geral, aqui no Plená-
rio, disse que cabe ao Supremo Tribunal Federal.
O Sr. Ministro Victor Nunes (Relator): Para S. Exa. parece que, em qual-
quer caso, o exame da preferência caberia ao Governo. Entretanto, como o Go-
verno não exerceu essa prerrogativa, mandando os três pedidos ao Supremo
Tribunal, o exame da preferência teria sido, então, transferido para nós.
O Sr. Procurador-Geral da República (Prof. Haroldo Valadão): Achei que
cabia ao Governo, mas que, se o Governo mandou os três pedidos para cá, já não
cabe mais. Acho, aliás, que a atitude do Governo foi muito nobre, porque poderia
o Supremo denegar um e não os três.
O Sr. Ministro Victor Nunes (Relator): V. Exa. corrobora a minha impressão.
Prossigo na leitura do meu voto.
À primeira vista, não seria desarrazoado interpretar-se que, em qualquer
caso, a deliberação caberia ao governo, e não ao Tribunal; bastaria, para isso, pôr
ênfase no vocábulo “arbítrio”, que se lê no citado dispositivo. Desse modo, nos
casos previstos na lei, o Governo resolveria o assunto, mas sem arbítrio, isto é,
consoante os critérios legais; “nos demais casos”, a deliberação do Governo ficaria
ao seu arbítrio, isto é, sem vinculação a qualquer critério legal.
Entretanto, não nos parece que essa seja a melhor interpretação. Em pri-
meiro lugar, porque a Constituição (art. 114, I, g) incumbe ao Supremo Tribunal
“processar e julgar originariamente (...) a extradição requisitada por Estado es-
trangeiro”. Nessa atribuição de julgar, que pressupõe a apreciação de quaisquer
aspectos de legalidade, está incluída a competência para decidir, havendo mais de
um Estado requerente, qual deles, pelos critérios que a lei define, tem prioridade
para receber o extraditando.
Em segundo lugar, em face da própria lei, cuja interpretação em termos
conclusivos cabe ao Supremo Tribunal, chegar-se-ia à mesma conclusão. Um
dos critérios de preferência, que a lei estabelece, é a gravidade da infração (art.
6º, § 1º); o caráter da infração influi na sua gravidade, e pelo art. 2º, § 3º, da Lei,
compete “exclusivamente” ao Tribunal “a apreciação do caráter da infração”.
Esse dispositivo está incluído na parte da lei que se refere aos crimes cujo
“caráter” pode constituir obstáculo à extradição. Mas o mesmo preceito vem repeti-
do no art. 10, quando veda ao Governo atender a qualquer pedido de extradição
314
Ministro Victor Nunes
b) Territorialidade
Pela nossa lei, na ausência de tratado, cabe a prioridade ao Estado “em
cujo território a infração foi cometida” (art. 6º, caput). Esse critério favorece a
Áustria, quanto aos fatos de Hartheim, mas está afastado, quanto aos crimes de
Treblinka (território polonês), já que, em relação a eles, apenas consideramos
procedente o pedido da Alemanha.
Entretanto, a Alemanha, como já foi assinalado, procurou socorrer-se do
princípio da territorialidade. Alegou, citando a Convenção de Haia sobre leis e
costumes da guerra terrestre (18-10-1907), que, ao tempo em que foram come-
tidos os crimes de Treblinka, estava aquele território sob a “soberania de Reich
alemão, na qualidade de potência de ocupação” (Ext 274, fl. 19).
Observou o Procurador-Geral que o único dispositivo citado na Convenção,
em que se poderia fundar a pretensão da Alemanha, é o seu art. 43, que permite
à potência ocupante, a cujas mãos se transferiu de fato a autoridade do poder
legal, tomar todas as providências que visem a garantir, tanto quanto possível, a
ordem e a vida pública no território ocupado. Mas, diz ele, não se pode inferir
desse dispositivo, nem de qualquer outra norma de direito internacional, que o
território da Polônia, ocupado durante a guerra, tivesse sido anexado à Alema-
nha, e muito menos que se devesse considerar território alemão para todos os
feitos.
Parece-nos de inteira procedência a objeção do Procurador-Geral. Em primei-
ro lugar, não se trata de ocupação consentida (Leo Strisower, “L’Exterritorialité et
ses Principales Applications”, Récueil des Cours, 1925, p. 272). Em segundo, a
exterritorialidade das forças invasoras só se pode fundar, juridicamente, na au-
sência das autoridades locais. Nessa contingência, alguma outra autoridade teria
de fazer suas vezes. Afora esse fundamento jurídico, a potência ocupante atua
como poder de fato (Strisower, ob. e loc. cit.; Despagnet, cit. por Francesco
Capotorti, L’ Occupazione nel Diritto di Guerra, 1949, p. 45), entendendo al-
guns autores que coexistem dois ordenamentos estatais válidos durante a ocupa-
ção (Capotorti, ob. cit., p. 57).
315
Memória Jurisprudencial
c) Gravidade da Infração
Segue-se o critério do art. 6º, § 1º, letra a, ou seja, a preferência do Estado,
cujo pedido “versar sobre a infração mais grave, segundo a lei brasileira”.
Na legislação brasileira, como de regra nas outras legislações, há corres-
pondência entre a gravidade da infração e a gravidade da pena, e a pena, em
nosso direito, não é rigidamente tabelada. Para dosá-la, o Juiz levará em conta
(Código Penal, art. 42) os antecedentes e a personalidade do agente, a intensida-
de do dolo, o grau da culpa, os motivos, as circunstâncias e conseqüências do
crime. O Código de Processo Penal, por sua vez (art. 78, II, letra b), adota, entre
outros critérios, o “do lugar em que houver ocorrido maior número de infrações”,
para determinar a competência, no caso de mais de um juízo serem competentes.
A conjugação desses dois dispositivos mostra que o conceito de gravidade
da infração, a que se refere o nosso direito extradicional, para se determinar a
preferência entre os Estados requerentes, não se refere apenas ao tipo do delito
cometido mas também, se o confronto for entre delitos do mesmo tipo, à gravida-
de in concreto. No caso dos autos, verifica-se essa última hipótese.
Tendo-se em vista os elementos previstos em nossa lei para a dosagem da
pena, que em grande parte está em correspondência com a gravidade do delito
cometido, é indiscutível que as infrações penais cometidas em Treblinka foram
muito mais graves que as de Hartheim, inclusive, como foi observado no
316
Ministro Victor Nunes
XIII - Conclusão
Concluo o meu voto, Sr. Presidente, autorizando a entrega do extraditando à
Alemanha, mediante o compromisso de ser convertida a pena de prisão perpétua —
se essa lhe for aplicada — em pena de prisão temporária, e de ser o extraditando
entregue, ulteriormente, à Justiça da Áustria, observandas as demais condições
do Decreto-Lei 394/38, especialmente as do art. 12. Em conseqüência, julgo pre-
judicado o HC 44.074.
VOTO
O Sr. Ministro Adaucto Cardoso: Sr Presidente, são realmente admirá-
veis os trabalhos do eminente Sr. Ministro Relator e do Dr. Procurador-Geral
da República, e a minha difícil situação de primeiro vogal tem que ser justificada,
porque, acompanhando, como acompanhei, o voto do eminente Sr. Ministro
Victor Nunes, e dando a ele quase que integral solidariedade, tenho que justificar-
me de discrepar de S. Exa., rogando-lhe que para isso me dê a vênia necessária
quanto à prescrição e à preferência.
Eu entendo, Sr. Presidente, que, depois que o homicídio passa a se chamar
“morticínio”, não se poderá distinguir entre o mais grave e o menos grave. O
morticínio tem sempre...
O Sr. Ministro Hahnemann Guimarães: Genocídio.
O Sr. Ministro Adaucto Cardoso: Eu fujo ao neologismo: genocídio, para
me referir, apenas, àquilo que já era da nossa lei penal, antes da Lei 1.088.
Morticínio, houve em Hartheim ou em Treblinka; dificilmente se poderá dizer qual
deles terá sido o mais grave.
Por outro lado, em tenho dificuldade em deixar de concordar com o Dr.
Procurador-Geral da República, no seu admirável trabalho, no sentido de que o
extraditando estava sob prisão preventiva, como reconhece o próprio eminente
Sr. Ministro Relator. Fugiu durante a instrução criminal.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Djaci Falcão: Sr. Presidente, Srs. Ministros. Da leitura do
minucioso relatório distribuído pelo eminente Sr. Ministro Victor Nunes, do
exaustivo e erudito parecer do eminente Professor Haroldo Valadão, do confron-
to dos brilhantes trabalhos oferecidos pelos ilustres advogados e, já agora, após a
análise percuciente feita pelo eminente Sr. Ministro Relator, guardo a tranqüila
convicção da presença dos pressupostos materiais e formais que legitimam o
deferimento da extradição solicitada pela Alemanha e pela Áustria.
Dúvida não padece de que ao extraditando é imputada a prática de homi-
cídio qualificado, nos campos de extermínio de seres humanos, da Áustria, da
Polônia e da Alemanha.
Nos pedidos, são descritos crimes, com indicação de lugar, de mês e de
ano, nos quais a marcante participação do extraditando Stangl, como diretor e
colaborador, surge a cada passo dos processos.
Em relação aos crimes praticados em Hartheim, na Áustria, desde que
houve abertura da instrução criminal, como se infere dos atos processuais deter-
minados pelo Tribunal de Linz, ou sejam, prisão preventiva, ato de acusação ou
libelo, verificados em julho de 1948 — tem-se interrompido, assim, o curso do
prazo prescricional, que é de 20 anos, inclusive em face da legislação penal bra-
sileira — art. 109, inc. I, do nosso Código Penal. Isso, sem a necessidade de se
aludir à convocação, por decisão do Tribunal de Viena, ocorrida a 21 de março de
1962, na persecutio criminis da ação penal. Ademais, ali, nos dias que correm, a
pena é tão-só privativa da liberdade.
No que tange ao pedido formulado pela Polônia, em razão de crimes co-
metidos em Sobibór e Treblinka, não está positivada, na verdade, a existência de
qualquer ato de abertura judicial de processo, de modo a caracterizar a interrup-
320
Ministro Victor Nunes
ção do prazo prescricional, que começou a fluir nos idos de 1943 e de que já
resultou a extinção da ação penal, pelo decurso de prazo superior a vinte anos.
Ademais, a figura da entrega, argüida pelo ilustre Advogado da Polônia,
foge, evidentemente, ao alcance do instituto da extradição.
E, no que diz respeito à Alemanha, inatacável é a jurisdição da Justiça
alemã, por se tratar de estrangeiro a serviço da própria Nação, da Alemanha.
Por outro lado, a provocação do Ministério Público, através de requeri-
mento de instrução do processo, firmado a 3 de maio de 1960, a toda evidência,
interrompeu o prazo de prescrição dos crimes de Treblinka, tanto em face da lei
alemã (§ 68 do Código Penal) como à vista do Código Penal brasileiro (art. 117,
inc. I), eis que os delitos ocorreram nos anos de 1942 e 1943.
Finalmente, não há cogitar de crime de natureza política, consoante ressal-
vou, com invejável acerto conceitual, o eminente Sr. Ministro Relator.
Acolho, também, o voto de S. Exa., quanto ao entendimento de prioridade
da Justiça alemã.
Com essas singelas considerações, concluo, pois, com o eminente Sr. Ministro
Relator, pela entrega do extraditando à Alemanha e à Áustria, sucessivamente, des-
de que não há Tribunal internacional para julgar os crimes que lhe são imputados.
VOTO
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: Sr. Presidente, estou de acordo, na quase
totalidade, com a fundamentação do brilhante voto do eminente Ministro Relator e
não vou senão fazer, ainda, uma ou outra ponderação, sobre alguns dos pontos princi-
pais, e, por último, manifestar minha divergência, no tocante à preferência do pedido.
A primeira questão, posta no voto, como nos debates, é constitucional, a
saber, a falta de declaração ou promessa de reciprocidade, que, para a defesa,
deveria existir, na forma do art. 83, inc. VIII, da Constituição de 1967. Não aco-
lho a alegação, já pelos fundamentos expostos pelo eminente Relator. Tenho
como certo que essa declaração de reciprocidade, no caso, não se compreende
no preceito constitucional que confere ao Presidente da República, privativamen-
te, competência para celebrar tratados, convenções e atos internacionais, ad
referendum do Congresso Nacional. Não se cuida, aqui, de celebrar ato internacio-
nal. Cuida-se, somente, de receber declaração — manifestada de conformidade
com a lei do Estado requerente —, no processo de extradição, cujo julgamento,
pela Constituição, cabe ao Supremo Tribunal Federal. A Constituição, no art. 114,
inciso I, letra g, ao dispor que ao Supremo Tribunal Federal compete processar e
julgar a extradição dá-lhe o poder de apreciar o pedido na totalidade.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sr. Presidente, acredito que o eminente
Ministro Edgar Costa, quando tiver de completar sua preciosa obra sobre os casos
célebres do Supremo Tribunal Federal, por certo incluirá o julgamento desta tarde.
324
Ministro Victor Nunes
Pelas horas que consumi esta noite, até madrugada, e toda a manhã, só em
ler os memoriais — e não consegui devorá-los todos —, posso avaliar a corvéia
terrível, que desempenhou com todo o brilho e êxito o eminente Relator. Aliás,
todos os que participaram do julgamento, os ilustres advogados, o Dr. Procurador-
Geral da República, todos cumpriram admiravelmente seu dever. Quero fazer
referência especial ao advogado dativo que o eminente Relator nomeou ao extra-
ditando. Raras vezes, na história do foro brasileiro, terá um advogado cumprido o
seu dever com tanto zelo, tanta abnegação, numa causa tão dura e tão ingrata.
Isso deve honrar o foro de Brasília, e servirá de exemplo a todos os jovens que
aqui tão dignamente exercem sua missão.
Acredito que este desempenho do Professor Xavier de Albuquerque se
poderá comparar àqueles casos famosos, a que se referiu Rui Barbosa nos dis-
cursos que proferiu na Ordem dos Advogados, em 1911 e em 1914.
Mas, Sr. Presidente, já o assunto foi completamente analisado, dissecado,
retalhado, e acredito que este acórdão servirá de uma espécie de consolidação
de várias teses, que em outros processos de extradição já foram aflorados.
No final das minhas leituras desta manhã, calculei como iria votar, e me
felicito de ver que meu voto coincidiu com o do eminente Relator. Tive dúvidas a
respeito de Hartheim. Pareceu-me que os crimes ali cometidos estavam prescri-
tos. Mas creio que houve algo como um libelo, algo como uma etapa para o
julgamento imediato, quando o extraditando fugiu, em 1948. Nesse caso não se
completaram os vinte anos.
Quanto à questão da reciprocidade, também fiquei profundamente vaci-
lante, não que fosse insensível aos argumentos do eminente Procurador-Geral
da República, que analisa os problemas da preferência, da reciprocidade e até
mesmo sobre certos aspectos de ordem prática. Parece-me que o mais líquido
dos casos, sobre interrupção de prescrição, é aquele da Justiça de Düsseldorf,
em 4-5-62.
Acompanho em toda linha o voto do eminente Relator, com as mesmas
cautelas, condições e limites, inclusive, no que se refere à reciprocidade. Parece-me
que isso está no pensamento de S. Exa, embora na conclusão não houvesse
referência ao compromisso da reciprocidade.
VOTO
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira: Sr. Presidente, eu não ousaria, nesta
altura da discussão que se travou, em torno deste processo, aditar quaisquer
considerações de ordem jurídica ao brilhante voto do eminente Relator, com
quem declaro estar, em todos os aspectos da questão ventilada.
325
Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Evandro Lins e Silva: Quero pôr em destaque, como antigo
advogado que fui, na especialidade criminal, durante muitos anos, a atuação dos
advogados nesta causa, mas quero dar um relevo especial ao trabalho do Prof.
Xavier de Albuquerque, impecável na forma e magistral na técnica. Ressalto
a dignidade, a altitude, a elevação com que enfrentou uma causa ingrata e
impopular...
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira: Peço licença a V. Exa. para declarar
que sou solidário às suas palavras, nesse ponto.
O Sr. Ministro Evandro Lins e Silva: ... elevando-se à altura dos grandes
exemplos de advogados que, em todos os tempos, têm sabido pôr além do seu
talento, também, a sua bravura e a sua capacidade de sacrifício na defesa dativa,
desinteressada, de um acusado de crimes repugnantes.
Acho que a ata dos nossos trabalhos deve registrar esse esforço, esse
trabalho prestado, de ofício, à Justiça, com o estudo e a preocupação de
326
Ministro Victor Nunes
desincumbir-se da sua tarefa, para que, amanhã, não se diga, num julgamento
desta importância, num caso de repercussão universal, que a Justiça brasileira
não deu ao extraditando um advogado à altura da sua defesa, sabidamente difícil
e arriscada.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Muito bem!
O Sr. Ministro Evandro Lins e Silva: É claro que não preciso elogiar o Dr.
Procurador-Geral da República pela sua atuação no processo.
Mas ao que quero dar ênfase, nesta hora, é ao trabalho do advogado de
defesa, embora divergindo da sua argumentação num ponto: é quando S. Exa.
diz que, na lei brasileira, a interrupção da prescrição só se dá através de atos
decisórios. O art. 117 do Código Penal também faz interromper a prescrição
“pelo início ou continuação do cumprimento da pena” e “pela reincidência”.
Nenhuma dessas hipóteses é ato decisório. Parece-me que, neste ponto, o
entusiasmo do Advogado levou-o a fazer uma afirmação contrária ao que se
contém em nossa legislação positiva. A reincidência, que não é ato decisório, e,
sim, um novo crime praticado pelo próprio réu, interrompe a prescrição. Assim
também acontece com o início do cumprimento da pena. Vê-se, pois, que a
prescrição pode interromper-se com a existência de um fato que não importa
em decisão do juiz.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: O ilustre advogado queria referir-se
à ação penal antes do julgamento.
O Sr. Ministro Evandro Lins e Silva: Os atos de interrupção, previstos no art.
117 do Código Penal, são esses. E quanto ao ato de recebimento da denúncia — o
próprio advogado sabe, tão bem quanto nós, e o eminente Relator pôs isso em desta-
que —, há controvérsia sobre se é um ato decisório, ou se meramente ordenatório.
Com relação à preferência, acho que há um argumento decisivo em apoio
à conclusão do eminente Relator. O crime não foi cometido apenas no território
polonês, ou apenas no território alemão. A preferência decorre de que, entre
vários atos, talvez o principal — a deliberação para a execução do crime —
ocorreu na Alemanha, na cidade de Berlim. Foi lá que um grupo se reuniu para
deliberar a “solução final”, eufemismo para o extermínio e liquidação da raça
judaica. O crime foi cometido, principalmente, na Alemanha, quer dizer, o seu
planejamento partiu todo de Berlim. A sua execução material é que se deu em
Treblinka, Sobibór e Hartheim, e em outros lugares. Os co-réus no processo
estavam na Alemanha e já foram, vários deles, julgados pela Justiça desse País.
A preferência, de acordo com a nossa lei, está em que o crime foi cometido
também em território alemão. Além disso, o extraditando era funcionário do Go-
verno alemão, na época do crime, e agia nessa qualidade. A maior gravidade,
com a devida vênia do eminente Ministro Adaucto Cardoso, me parece que é,
327
Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Sr Presidente, também estou de
acordo com o douto, brilhante e substancioso voto do eminente Ministro Relator.
Estou, também, de acordo com S. Exa. quando exige do Estado requerente que
não imponha ao extraditando uma pena perpétua. Esta cautela, de resto, a meu
ver, resulta da interpretação do art. 12, letra a, na nossa Lei de Extradição, De-
creto-Lei 394, quando diz:
“A entrega não será efetuada sem que o Estado requerente assuma
os compromissos seguintes:
a) não ser detido o extraditado em prisão, nem julgado, por infração
diferente da que haja motivado a extradição e cometida antes desta, salvo
328
Ministro Victor Nunes
VOTO
O Sr. Ministro Candido Motta Filho: Estou de acordo como o voto do emi-
nente Relator em todos os seus termos, acrescentando, ainda, as palavras do
eminente Ministro Evandro Lins, a propósito do ilustre advogado dativo, a quem
rendo minha homenagens.
VOTO (Retificação)
O Sr. Ministro Adaucto Cardoso: Sr. Presidente, mais importante do que as
minhas convicções é a unanimidade do Tribunal. Prestei ao admirável trabalho do
eminente Procurador-Geral da República a homenagem do meu voto, com o re-
conhecimento de prioridade para o pedido da República Federal da Áustria. Ago-
ra, presto homenagem a este Tribunal, rogando que V. Exa. proclame a decisão
como unânime, já que, para isso, acompanho a conclusão do eminente Relator.
EXTRATO DA ATA
Ext 272/Áustria — Relator: Ministro Victor Nunes. Requerente: Governo
da Áustria (Advogado: George Tavares). Extraditando: Franz Paul Stangl (Advo-
gado: Francisco Manuel Xavier de Albuquerque).
Ext 273/Polônia — Relator: Ministro Victor Nunes. Requerente: Repúbli-
ca Popular da Polônia (Advogado: Alfredo Tranjan). Extraditando: Franz Paul
Stangl (Advogado: Francisco Manuel Xavier de Albuquerque).
Ext 274/Alemanha — Relator: Ministro Victor Nunes. Requerente: Repú-
blica Federal da Alemanha (Advogado: Antonio Evaristo de Moraes Filho). Extra-
ditando: Franz Paul Stangl (Advogado: Francisco Manuel Xavier de Albuquerque).
329
Memória Jurisprudencial
330
Ministro Victor Nunes
essa unidade, criando uma dualidade que poderia retirar ao Supremo Tribunal a
sua própria razão de ser? O Supremo Tribunal nasceu à imagem da Corte Suprema
dos Estados Unidos, cuja tarefa fundamental, nunca mais posta em dúvida depois
do caso Marbury v. Madison, é a de dar a última palavra sobre a Constituição. O
Ministro Felix Frankfuster, quando professor de Direito Constitucional, usando
uma vigorosa imagem, costumava dizer aos seus alunos que a Corte Suprema é a
Constituição.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: A Constituição é o que a Corte Suprema diz
que é.
O Sr. Ministro Hahnemann Guimarães: A Constituição é o que a lei ordiná-
ria diz que ela é. A lei ordinária é que regula o funcionamento da Corte Suprema.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Mas, quando se trata de interpretar a Cons-
tituição, a competência da Corte Suprema resulta da própria Constituição, com o
sentido que ela mesma lhe deu, e não da lei ordinária.
Retomando o meu raciocínio, teria a Constituição brasileira quebrado o
sistema, permitindo que dois órgãos judiciários pudessem dizer a última palavra
em torno de um texto da Constituição? Parece-me que não. E suponho, falando
com todo o respeito, que o entendimento até aqui preponderante pode conduzir a
esse resultado.
Veja V. Exa., Senhor Presidente. A mesma questão de direito pode ser
enquadrada em recurso eleitoral, stricto sensu, e em mandado de segurança.
Suponhamos que, no recurso eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral tenha proferi-
do decisão no sentido da validade de uma lei, considerando-a compatível com a
Constituição. Suponhamos que essa mesma questão jurídica, posta em mandado
de segurança, negado pelo Tribunal Superior Eleitoral, venha ao Supremo Tribu-
nal, e aqui afirmemos que aquela mesmíssima lei, declarada constitucional pelo
Tribunal Superior Eleitoral, é inconstitucional. Que benefício haverá para o regi-
me o fato de dois Tribunais dizerem a última palavra sobre a constitucionalidade
da mesma lei no exame da mesma questão jurídica? Se há essa aparente
duplicidade na Constituição, em face do seu art. 120, temos de recorrer a outros
dispositivos constitucionais para sabermos a quem cabe a prioridade, porque não
deve, nem poder haver, em nosso sistema, dois Tribunais que interpretem o Direito
Constitucional de modo final ou conclusivo.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Mas, enquanto no mandado de segurança a
Constituição dá recurso ordinário da decisão denegatória, nos outros casos ela
condiciona a que se trate de invalidade de lei ou ato contrário à Constituição,
estabelecendo como regra a irrecorribilidade (art. 120).
331
Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
O Sr. Ministro Hahnemann Guimarães: Este conflito seria entre uma deci-
são do Supremo Tribunal e outra do Tribunal Superior Eleitoral, nos termos da
Constituição, em matéria eleitoral.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Note-se que a Constituição, no art. 120,
estabelece como regra a irrecorribilidade das decisões do Tribunal Superior
Eleitoral.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Não estou discutindo o problema no plano da
interpretação das leis ordinárias, porque não me parece necessário acrescentar
coisa alguma às considerações do eminente Ministro Gonçalves de Oliveira. Estou
discutindo no plano da interpretação da Constituição. Figurei o exemplo de haver
uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral que seja contrária à Constituição,
embora tenha declarado a validade de uma lei. Ao validar a lei, teria violado, ele
próprio, a Constituição, como já a teria violado o Poder Legislativo, ao votar a lei.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Realmente, neste caso, não seria possível o
recurso, porque a Constituição, no art. 120, fala em declaração de invalidade da
lei ou ato.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Senhor Presidente, os apartes com que fui
honrado quebraram um pouco o fio do meu raciocínio. Para concluir meu voto,
lembro que figurei um exemplo. Nesse exemplo, haveria um conflito entre deci-
sões do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal. Aquele teria declarado
a lei válida, em face da Constituição; o Supremo teria declarado a lei inválida.
Interviria, depois, o Senado Federal, dando prevalência à nossa interpretação,
jungido aos termos do art. 64.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: É um pouco difícil que uma lei eleitoral viesse
ao Supremo, num pleito comum. O art. 120, entretanto, permitiria a solução em
recurso de mandado de segurança.
O Sr. Ministro Victor Nunes: O art. 120 o permite: recurso de decisão
denegatória de mandado de segurança. Estou figurando esse exemplo.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Aí estou de acordo e solucionaria o caso pelo
mandado de segurança. Para não violar o art. 120, e como a Constituição diz que
caberá o mandado de segurança, seja qual for a autoridade responsável pela ilega-
lidade ou abuso de poder (art. 141, § 24), eu resolveria o caso com esse remédio.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Mas pode haver conflito de decisões.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: É muito mais fácil, então, o Supremo
Tribunal tomar conhecimento em recurso ordinário. Se admitirmos mandado de
segurança nas decisões terminativas do Tribunal Superior Eleitoral, vamos
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poder que convoca a Assembléia Constituinte pode, ou não, limitar o seu campo
de ação. Essa discussão não tem o mesmo alcance quanto ao chamado poder
constituinte estadual. Não há — diga-se de passagem — impropriedade na ex-
pressão, porque a Assembléia Constituinte estadual, se vai organizar ou constituir
o Estado, pode receber o qualificativo de Constituinte.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Apenas, não é soberana.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Não sendo soberano, sendo apenas autônomo,
esse poder constituinte estadual, como ponderou o eminente Ministro Candido
Motta, citando os doutores, é um poder constituinte de segundo grau, um poder
derivado, um poder constituído e condicionado pela Constituição Federal.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: É só limitado por ela.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Espero poder mostrar que a Assembléia
Constituinte estadual violou a Constituição Federal, não apenas a Lei Santiago
Dantas. Como essa Assembléia é constituinte apenas de segundo grau, não
podia instituir o poder de representação ab ovo. Não nasce do constituinte
estadual o poder de representação do eleitorado; preexiste, porque já se acha
inscrito na Constituição Federal. E pela Constituição Federal, não há mandato
político sem limite de prazo. A Assembléia Constituinte instalou-se em mandato
de prazo certo porque não podia receber mandato de prazo indeterminado.
Essa determinação do termo final do seu mandato era uma imposição da pró-
pria Constituição Federal.
O Sr. Ministro Ribeiro da Costa: Mas onde a Constituição Federal diz que
não podia ser alterado o prazo? Não há limitação para isso.
O Sr. Ministro Victor Nunes: A Constituição diz, da maneira mais clara e
peremptória, o que estou afirmando.
O Sr. Ministro Ribeiro da Costa: V. Exa. diz que houve ofensa à Consti-
tuição. Não há, na Constituição, dispositivo que proíba aquilo que foi feito.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Permita-me V. Exa. afirmar o contrário. A
Constituição o diz da maneira mais enfática, porque o faz logo no art. 1º, naquele
em que define o regime político vigente: “Os Estados Unidos do Brasil mantêm,
sob o regime representativo, a Federação e a República. Todo poder emana do
povo e em seu nome será exercido”.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti (Relator): Emanou do povo, no caso. Os depu-
tados constituintes foram eleitos pelo povo.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Não emanou.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Se o mandato fosse por tempo
indeterminado, não teria emanado certamente.
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qualquer que seja a amplitude dos seus poderes em relação à matéria da organi-
zação do Estado. Mas, em relação aos seus próprios poderes, o mandato da
Assembléia terminará em 31 de janeiro de 1963. Desse dia em diante, a Assem-
bléia torna-se-á incompetente ratione temporis, porque, daí por diante, os depu-
tados são incompetentes, não na razão da matéria, mas do tempo, porque ter-se-
á esgotado o período dentro do qual o eleitorado lhe permitiu exercer o mandato.
Os exemplos do Direito norte-americano, citados da Tribuna, sobre a orga-
nização dos estados, corroboram, a meu ver, data venia, a tese do meu voto. A
Constituinte estadual organiza, autonomamente, o Estado, significando isso que
tem de respeitar os princípios constitucionais da organização nacional, e o mais
fundamental desses princípios, o que define o próprio regime representativo, é
que não há mandato sem manifestação expressa do eleitor. Se esta manifestação
foi para determinado prazo, além dele não há mandato.
O exemplo do Vice-Governador do Ceará não destrói a tese, porque a
Constituinte do Ceará — e o exemplo não recomenda — teria desrespeitado
apenas a forma da eleição, permitindo que se fizesse uma eleição indireta: a
Assembléia cearense, que tinha recebido poderes constituintes do eleitorado, ele-
geu o Vice-Governador.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti (Relator): A Assembléia recebeu poderes para
fazer uma Constituição com os limites estabelecidos pela Constituição Federal.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Não estou aplaudindo o exemplo do Ceará,
embora houvesse, na época, o precedente do constituinte federal, que assim pro-
cedera, elegendo, indiretamente, o Vice-Presidente da República. A Assembléia
cearense elegeu outro titular; não foi o Vice-Governador que se elegeu a si
mesmo. Se esse fosse o caso, o Supremo Tribunal Federal talvez lhe tivesse
cassado o mandato...
O Sr. Ministro Luiz Gallotti (Relator): Aqui, a Constituinte fixou, como lhe
cumpria e sempre se fez, o mandato, que antes não fora validamente fixado,
porquanto era um novo Estado que surgia, com o poder de organizar-se, só
estando sujeito aos limites estatuídos na Constituição Federal, conforme o manda-
mento expresso desta.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Eu disse, de começo, que o problema de se
poder limitar o poder constituinte...
O Sr. Ministro Ary Franco: O eminente Sr. Ministro Relator acha que a
Constituinte federal fez bem?
O Sr. Ministro Luiz Gallotti (Relator): Sim, porque era constituinte.
O Sr. Ministro Victor Nunes: ...se tem colocado, legitimamente, na doutrina,
no tocante ao poder constituinte federal.
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II
Argüi-se, em primeiro plano, que, implícito no poder de nomear, a Consti-
tuição de 1946 confere ao Presidente da República o poder de demitir, com am-
plitude muito maior do que o haviam feito as Constituições republicanas anterio-
res, inclusive a outorgada, de 1937.
O art. 87, V, da atual atribui, privativamente, ao Presidente da República
“prover, na forma da lei e com as ressalvas estatuídas por esta Constituição, os
cargos públicos federais”. Esta norma, segundo a argumentação de que, data
venia, divirjo, só admitiria, quanto ao poder de nomear do Presidente da República,
as condições e restrições que constam, expressamente, da própria Constituição. Ao
legislador ordinário, porém, não seria facultado condicionar ou regular o exercício
desse poder, mas apenas estabelecer a forma pela qual há de ser exercitado.
A prerrogativa do Presidente da República não seria tão ampla nas Cons-
tituições de 34 e 37, porque estas definiam a competência para prover os cargos
federais, ressalvando “as exceções previstas na Constituição e nas leis” (respec-
tivamente, art. 56, n. 14, e art. 74, letra l). Em outras palavras, as Constituições
de 34 e 37 teriam facultado à lei, isto é, ao legislador ordinário, restringir o poder
de nomear do Presidente da República; a de 1946 só lhe permitiria estabelecer a
forma do exercício desse poder.
Funda-se o argumento em que a vigente Constituição emprega o vocá-
bulo restrições em correspondência com ela própria, fazendo supor que so-
mente as restrições constantes do texto Constitucional seriam legítimas. O ar-
gumento, venia concessa, não atenta para uma circunstância: o art. 87, n. V,
da Constituição, o que define é a competência do Presidente para prover car-
gos públicos. Em conseqüência, as limitações ali contidas são endereçadas ao
Poder Executivo, e não ao Legislativo; em outros termos, a alusão, ali feita, às
restrições estabelecidas na Constituição compreende os casos em que a com-
petência para prover cargos públicos federais não pertence ao Presidente, mas
a outros poderes, isto é, ao Congresso e aos Tribunais, no que se refere às
respectivas secretarias.
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III
Concluída a discussão no plano constitucional, passemos aos argumentos
de natureza legal. Já aludimos à impropriedade da denominação mandato, que se
tem dado à investidura administrativa de prazo certo. Entretanto, essa errônea
extensão do vocábulo resultou da aproximação de tais situações, não com o man-
dato de direito comum, porém com o mandato de direito político, isto é, com o
mandato político-representativo. E o ponto de afinidade consiste, justamente, em
que um e outro são de prazo irredutível.
Afirmou, na primeira assentada deste julgamento, o eminente Procurador-
Geral que o mandato político é revogável, ao arbítrio do mandante, pois a tanto
equivale o processo de impeachment. Com a devida vênia, não é o impeachment o
instituto de direito político em que se traduz a noção de revogabilidade do mandato
representativo; é o recall, através do qual os próprios eleitores retiram o mandato
conferido ao seu representante. Mas nunca se afirmou, ao que eu saiba, pudesse
o recall ser admitido como implícito na própria noção de mandato político, isto é,
que se pudesse adotar, sem norma constitucional ou legal, o princípio da
revogabilidade do mandato político.
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IV
Findo o exame do assunto sob o aspecto legal, vejamos os argumentos de
natureza administrativa e política. Ponderou-se que não seria justo ficar o novo
Presidente vinculado às nomeações do antecessor; seria mesmo estranhável que
o Presidente, prestes a sair, pudesse fazer nomeações, cuja duração se prolon-
gasse pelo seguinte período presidencial, numa espécie de manobra política de
ação retardada.
O argumento, data venia, é de natureza puramente circunstancial. Coin-
cidiu que as nomeações impugnadas foram feitas nos últimos tempos do Governo
anterior. Sendo, porém, o prazo em causa de quatro anos, bem poderia ocorrer
que a investidura começasse e terminasse na gestão do mesmo Presidente. Esta
possibilidade tira, portanto, ao argumento, qualquer validez de ordem teórica.
O que há, porém, a observar, a esse respeito (sem falar no reverso da
medalha, que seriam as nomeações do novo Presidente, no fim do seu mandato,
alcançando, assim, o período do sucessor), é que a cautela tomada pelo legislador,
ao instituir a investidura de prazo certo, não se dirige, especificamente, contra
este ou aquele governante, particularmente considerado. É uma garantia de inde-
pendência do exercício das funções dirigentes do órgão autônomo contra qual-
quer ocupante da chefia do Poder Executivo, mesmo contra o Presidente que
tiver feito as nomeações.
Também se objeta que permanência desses titulares nomeados pelo Gover-
no anterior pode acarretar falta de entrosamento com o novo governo, prejudi-
cando a sua ação administrativa. Este foi, aliás, o argumento usado pelo Presi-
dente Roosevelt para demitir Humphrey, da Comissão Federal do Comércio, e
pelo Presidente Eisenhower, para afastar Wiener, da Comissão de Reclamações
de Guerra. Eis como o Justice Sutherland relata o primeiro episódio:
“Em 25 de julho de 1933, o Presidente Roosevelt endereçou uma
carta ao conselheiro (comissioner), pedindo sua resignação, com funda-
mento em que “os objetivos e propósitos da administração relativamente
aos trabalhos da Comissão podem ser levados a efeito mais eficazmente
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com pessoal de minha própria escolha”, solução que, todavia, “não signifi-
cava qualquer restrição à pessoa do conselheiro, nem aos seus serviços”.
O conselheiro respondeu, solicitando tempo para consultar os amigos.
Depois de alguma correspondência ulterior sobre o assunto, o Presidente,
em 31 de agosto de 1933, escreveu ao conselheiro, expressando o desejo
de que a resignação fosse apresentada a seguir, e disse: “Sei que o Senhor
está consciente de que o seu pensamento e o meu não se ajustam, nem
sobre a política, nem sobre a administração da Comissão Federal do Co-
mércio, e, falando com franqueza, acho que será melhor para o povo deste
país que haja plena confiança em mim”. O conselheiro não resignou, e, em
7 de outubro de 1933, o Presidente lhe escreveu: “A partir desta data, o
Senhor está demitido do cargo de Conselheiro da Comissão Federal do
Comércio”.
Do mesmo modo, o Presidente Eisenhower, para afastar Wiener, assim se
expressou: “Considero de interesse nacional completar a administração da Lei de
Reclamação de Guerra de 1948 (...) com pessoal de minha própria escolha”.
Entretanto, a Corte Suprema teve por mais valioso do que essa alegada
conveniência administrativa o princípio da independência do órgão dotado, por lei,
de autonomia.
Sem dúvida, o bom entendimento entre o Chefe do Governo e os dirigentes
e executores da política do Estado é, em tese, um bem para a administração
pública. Mas isso é falar não a linguagem da lei, mas a da conveniência adminis-
trativa. O legislador há de ter ponderado a desvantagem do eventual desencontro
de pontos de vista, com o benefício, por ele considerado mais relevante, de garantir
continuidade e independência na execução das tarefas confiadas ao órgão autô-
nomo. Quem há de pesar as vantagens e inconvenientes de cada uma das duas
soluções não é o Judiciário, que não faz lei, mas o Legislativo. E este manifestou
a sua opção nitidamente, quando insistiu a investidura de prazo certo.
O argumento, que ora examinamos, por mais valioso que seja no plano da
ciência da administração, constitui, do ponto de vista jurídico, uma razão exata-
mente contrária a que terá inspirado o legislador. Para bem interpretar a lei, são
as razões do legislador, e não as que a elas se opuserem, que o aplicador deve
levar em conta. São muito adequadas as palavras de Brandeis, votando vencido
no Caso Myers: “A doutrina da separação de poderes — disse ele — foi adotada
pela Convenção de 1787, não para promover a eficiência, mas para prevenir o
exercício do poder arbitrário”.
Objeta-se, com razão, que poderão tais titulares, garantidos contra sua
demissão antes do termo, abusar das funções. Essa possibilidades também há de
ter sido pesada pelo legislador; por isso, a lei institui, ao lado da investidura de
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O Sr. Ministro Victor Nunes: Por ocasião de minha visita aos Estados
Unidos, em março de 1961, tive conhecimento da intenção do Presidente
Kennedy de propor ao Congresso alterações na legislação a respeito das comis-
sões independentes; como as notícias faziam referência ao Plano de Prática e
Processo Administrativo, da Comissão Judiciária do Senado, para verificar em
que consistiam as modificações sugeridas e se essas modificações chegavam a
eliminar o critério de investidura por prazo certo dos dirigentes dessas comissões.
O Sr. Ministro Candido Motta: V. Exa. há de se recordar que na própria
Revista Administrativa há um longo artigo de autor americano que se refere a
essa matéria da competência das comissões do Poder Executivo e, em que ele
afirma justamente o que eu disse: que isso estava tirando, de tal forma, do Poder
Executivo sua competência, que os Estados Unidos estavam se transformando
num país sem cabeça, completamente sem diretivas, o que é — acentuo — uma
crise do Executivo americano.
O Sr. Ministro Victor Nunes: V. Exa. citou bem, citou corretamente. Mas
o documento que aqui trago — e que passarei às mãos de V. Exa., se o nobre
colega estiver interessado — é o último documento oficial sobre o assunto, que
exprime o pensamento da Presidência dos Estados Unidos, porque Landis prepa-
rou esse relatório para o então Senador Kennedy, que veio a ser eleito Presidente.
A Comissão Judiciária do Senado mandou publicá-lo como documento oficial,
como subsídio aos trabalhos do Senado. Esse plano encerra, a bem dizer, as
últimas aspirações ou reivindicações do chefe do Poder Executivo dos Estados
Unidos em matéria de reforma dessas comissões independentes.
O que se vê, porém, neste Plano, em matéria de nomeações, é que ele
propõe a livre nomeação e demissão do Presidente da Insterstate Commerce
Commission e da Federal Power Commission (do presidente, nota-se, e não
dos demais diretores), e aumenta os poderes do presidente, justificando a pro-
posta com a necessidade de imprimir maior vigor à sua atuação, à frente de tais
órgãos.
Mas o autor do relatório, referindo-se ao pessoal do nível superior e à
necessidade de atrair homens de valor para o serviço de tais instituições, observa
que a permanência no cargo (tenure) é uma consideração de maior importância
que o próprio salário, porque dessa permanência dependem a independência e a
oportunidade para planejamento a longo termo. Estes são precisamente os dois
objetivos básicos que justificam a nomeação a termo, a qual garante continuidade
administrativa e independência no exercício da função.
Mas há mais no Plano Landis. Justificando a livre demissibilidade do presi-
dente da Interstate Commerce Commission, diz o relatório, a certa altura: “Pode
ser objetado que tal proposta destruiria a independência do órgão” (observe-se
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O Sr. Ministro Ary Franco: Que o mandato é intocável, isso foi defendido
em artigo, que guardo, daquele que mais se pode apavorar com a incorporação da
Câmara dos Vereadores à Assembléia Legislativa, o Senhor Carlos Lacerda.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Meu caro mestre, se não mencionei aquele
artigo foi por estar tratando apenas do aspecto jurídico do problema e o autor não
é constitucionalista. O subsídio é realmente muito valioso, desde que se desloque
o debate do plano jurídico para o político.
O Sr. Ministro Ary Franco: É um condutor da opinião pública. Perdoe-me
pelo aparte.
O Sr. Ministro Victor Nunes: V. Exa. trouxe esclarecimento da maior sig-
nificação, suprindo omissão do meu voto.
O art. 26 da Constituição Federal — veja-se que ainda não toquei na Lei
San Thiago Dantas, permanecendo exclusivamente no plano da Constituição
Federal — dispôs que o Distrito Federal teria Câmara eleita pelo povo com fun-
ções legislativas.
Portanto, a Câmara que existia no antigo Distrito Federal, no momento em
que a Constituição estadual foi promulgada, não era uma Câmara subalterna,
uma Câmara cujo poder se tivesse originado de lei ordinária. Era uma Câmara
que a própria Constituição Federal definia como Assembléia Legislativa, Câmara
a que a Constituição diretamente atribuiu poderes legislativos.
A Lei de Organização do Distrito Federal, prevista no art. 25 da Constitui-
ção, marcou para essa Câmara a investidura de quatro anos, e nesta conformidade
é que foi eleita. A investidura de quatro anos coincidia com a marcada na Emenda
Constitucional n. 2, que dava autonomia política ao antigo Distrito Federal.
Resulta, portanto, dos dispositivos analisados que o mandato de quatro
anos da Câmara do Distrito Federal filiava-se direta e necessariamente à própria
Constituição Federal, seja porque o art. 26 lhe deu atribuições legislativas, com o
prazo de quatro anos, na forma da lei prevista no art. 25, seja porque a Emenda
Constitucional n. 2 reproduziu o mesmo prazo de quatro anos.
Era esta a situação quando sobreveio a Lei San Thiago Dantas. Essa lei
regulou a transformação do Distrito Federal em Estado, tendo em vista a compe-
tência que ao legislador federal atribuiu o citado art. 25. Se ao legislador federal
competia organizar o Distrito Federal, na ausência de qualquer disposição consti-
tucional em contrário, era ele o único competente para regular a transição do
Distrito Federal para outra forma política.
Mas o legislador encontrou um fato real intransponível, que era a existência
de mandatos legítimos em curso. Então, o que fez a lei? Determinou, por autori-
dade própria, que esses mandatos subsistissem? Não. Limitou-se a reconhecer e
proclamar que eles subsistiam (aqui está minha pequena divergência, quanto ao
enunciado, com o eminente Procurador-Geral).
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A Lei San Thiago Dantas nada inovou a respeito, é uma lei puramente
declaratória de uma situação preexistente. Ela explicitou o que resultaria da pura
interpretação da Constituição: havia mandatos em curso, e a lei dispôs que esses
mandatos seriam respeitados. Não podem ser cassados.
A lei disse aquilo que um jurista podia dizer em um parecer, e o parecer seria
tão válido quanto a lei, porque um e outra interpretam a Constituição Federal.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: V. Exa. entende que haveria coincidência de
atribuições entre o mandato de vereador e o de deputado estadual?
O Sr. Ministro Victor Nunes: Senhor Ministro Luiz Gallotti, vou considerar
esse ponto ao tratar de parte da Lei San Thiago Dantas, que deixava à Constituição
estadual regular as funções da Câmara dos Vereadores.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Também entendo que o mandato é intocável e
vou sustentar isso no meu voto. Mas não é possível que, a pretexto da
intocabilidade do mandato, se transforme, por lei ordinária, o titular de um manda-
to em titular de outro, diverso. Não é possível que uma lei possa eleger quem não
foi eleito.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Senhor Ministro Luiz Gallotti, se do desenvol-
vimento de meu voto resulta que a Lei San Thiago Dantas nada determinou, no
ponto em debate, sendo apenas declaratória de uma situação preexistente, já está
em parte respondida a objeção de V. Exa. Refiro-me à intocabilidade do mandato,
com funções legislativas, que tinham esses representantes. O que dispôs a Lei
San Thiago Dantas? Passo a ler:
“Os membros da Assembléia Constituinte e os atuais vereadores
integrarão, a partir da promulgação da Constituição e na forma que esta
estabelecer, a Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara, respeita-
da a situação dos respectivos mandatos.”
O respeito a esse mandato só não seria uma conseqüência necessária da
Constituição Federal na hipótese a que aludiu o eminente Procurador-Geral, se
eles tivessem terminado antes, como havia sustentado tempos atrás o Tribunal
Regional Eleitoral.
Argumentou-se, porém, e com muita razão, que a decisão do Tribunal Re-
gional Eleitoral, proferida em consulta, não era definitiva, nem vinculativa. Todos
conhecemos o célebre precedente do Dr. Ademar de Barros, que depois de se
candidatar a senador pelo então Distrito Federal, baseado em consulta ao Tribunal
Regional, teve sua inscrição cancelada por deliberação posterior.
O Sr. Ministro Ary Franco: Do Tribunal Regional Eleitoral, mantida pelo
Tribunal Superior Eleitoral.
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Ministro Victor Nunes
O Sr. Ministro Victor Nunes: Nas últimas quarenta e oito horas, foi inscrito
pelo partido outro candidato para concorrer às eleições.
Voltando ao meu raciocínio, momentaneamente abandonado: desde que o
mandato anterior era de quatro anos, tinha de ser respeitado, a menos, como
disse eu, que houvesse terminado.
Alegou-se da tribuna, e foi agora lembrado pelo eminente Ministro Luiz
Gallotti, que o mandato teria terminado pela transformação do Distrito Federal
em Estado. Não teria terminado ratione temporis, mas ratione materiae, porque
teria deixado de existir o órgão legislativo distrital.
A esse respeito, quero relembrar pareceres de alguns eminentes juristas,
que por volta de 1959 apreciaram esse mesmo problema e sustentaram que a
transformação do Distrito Federal em Estado não criava uma entidade política
totalmente nova.
O Sr. Ministro Ary Franco: Entre eles, Temistocles Cavalcanti.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Entre eles, Temistocles Cavalcanti, ilustre
deputado à Assembléia Constituinte.
O Sr. Ministro Ary Franco: Tenho em mãos a coleção desses pareceres.
O Sr. Ministro Victor Nunes: E quem mais aprofundou esses estudos, sob o
aspecto que ora considero, foi o professor Francisco Campos. O que ocorreu —
disse ele — foi simples transformação de uma mesma entidade política, sediada
em determinado território e governada por um acervo de leis e de atos adminis-
trativos de toda a natureza. Essa entidade se transformou, perdeu o estatuto
distrital e adquiriu o estatuto estadual, mas não se extinguiu uma unidade política
para dar lugar a outra. Por isso subsiste, em perfeita continuidade, o único poder
representativo que lá existia e que era a então Câmara de Vereadores, na realidade
Assembléia Legislativa, pelos poderes de que se achava investida.
Num regime como o nosso, que erigiu o mandato político em seu dogma
fundamental, quando uma unidade política se transforma, passando do estatuto
distrital para o estadual, não é possível deixar de respeitar o único órgão repre-
sentativo que nela funcione.
O Sr. Ministro Ary Franco: Câmara que legislava em caráter estadual.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Em matéria de organização administrativa e
judiciária, quem legislava era o Congresso Nacional. As atribuições da Câmara
de Vereadores eram mais as da órbita municipal. A situação do Distrito Federal
era sui generis. Em alguns pontos, ele se equiparava aos Estados. Por exemplo,
tinha um Tribunal de Justiça, rigorosamente estadual, e uma Câmara de Verea-
dores, mais municipal do que estadual. Essa a situação. Se essa Câmara fosse
estadual, legislaria sobre a organização administrativa e judiciária. Temos de ver
a realidade.
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Ministro Victor Nunes
dos vereadores. Eis aí a grande sabedoria da Lei San Thiago Dantas, porque se
limitou, volto a insistir, a explicitar, a declarar uma situação preexistente. Essa lei
nada criou, no ponto que nos interessa, apenas respeitou mandatos em curso e
disse: a Assembléia Constituinte, no uso de seus legítimos poderes, determinará
de que forma esses mandatos vão subsistir.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Mandava incorporar os vereadores à Assembléia
Legislativa? V. Exa. considera razoável serem incorporados à Assembléia estadual
vereadores que tinham sobretudo atribuições próprias da órbita municipal?
O Sr. Ministro Victor Nunes: Existe aí uma questão de forma. A Lei San
Thiago Dantas não poderia antecipar-se ao Constituinte estadual nesse ponto.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Não é isso o que os impetrantes pedem. Eles
não pretendem ser tidos como integrantes de uma Câmara Municipal.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Estou desenvolvendo o assunto dentro da
lógica do meu voto, examinando a Lei San Thiago Dantas no conjunto das institui-
ções existentes. A Lei San Thiago Dantas, no ponto que nos interessa, repito,
nada criou, limitou-se a declarar uma situação preexistente. Apenas disse isso:
aqui estão mandatos conferidos legitimamente, mandatos em curso, que não po-
dem ser cassados, que têm de ser respeitados, para exercer que espécie de fun-
ções? Responde a segunda parte do mesmo dispositivo legal: aquelas funções
que forem definidas pela Constituição estadual. E a lei procedeu, a meu ver,
muito corretamente.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Mas não disse assim, admitiu que os mandatos
dos Vereadores continuassem na forma que a Assembléia entendesse, constituindo
um todo; não disse nas funções que ela entendesse.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Mas V. Exa. não deve ser tão rigoroso na
apreciação de uma só palavra da Lei San Thiago Dantas. V. Exa está dando
valor decisivo à palavra “incorporar”, deixando de lado a parte fundamental, que
é a própria Constituição; parte substancial, porque essa é que continha as
virtualidades correspondentes às diversas interpretações que viessem a predominar
na Assembléia Constituinte, ao regular o assunto.
Mas o que fez a Assembléia Constituinte? Por motivos de ordem política, e
não jurídica, nada dispôs a respeito. Pensando a maioria da Assembléia que com
a sua omissão cassava os mandatos, nada dispôs a respeito. Mas os mandatos
não podiam ser cassados, como não podem. Por isso, a incorporação, agora, tem
de se fazer pura e simplesmente. E por quê? Por culpa da própria Assembléia
Constituinte que não definiu quais seriam as novas atribuições daqueles mandatá-
rios, e essas atribuições eram indiscutivelmente legislativas, dizendo respeito a
toda área política e territorial, que é hoje o Estado da Guanabara. Não há a menor
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Memória Jurisprudencial
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O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Ele teria de esperar que se criasse um Muni-
cípio para poder continuar Prefeito.
O Sr. Ministro Victor Nunes: O Distrito Federal é mais do que Município,
é Estado e Município ao mesmo tempo. O antigo Distrito Federal, sob alguns
aspectos, era menos que os Estados, porque sua autonomia não era tão extensa
como a estadual. Sob outros aspectos, o Distrito Federal era mais que os Estados,
porque tinha competência tributária e legislativa em toda a esfera dos Municípios.
Essa competência de decretar impostos privativos dos Municípios e de expedir
leis de caráter edilício não a possuem os Estados.
O Sr. Ministro Candido Motta Filho: Essa competência é exatamente por-
que é menos do que o Estado.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Dois pontos existem em que, indubitavelmente,
o Distrito Federal era menos que um Estado: ter prefeito e não governador, ter
Câmara de Vereadores e não de Deputados.
O Sr. Ministro Victor Nunes: O Distrito Federal tinha menos autonomia.
Em outras palavras, o Distrito Federal tinha autonomia limitada, e o Estado tem
autonomia extensa. Mas se entrasse em vigor a Emenda n. 2, o Distrito Federal
teria autonomia quase tão extensa quanto a dos Estados.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Mas não passaria a Estado.
O Sr. Ministro Victor Nunes: E duvido que alguém sustentasse, de alma
tranqüila, que o prefeito que houvesse sido eleito para um período de 4 anos para
governar o Distrito Federal autônomo, não tivesse direito de continuar como
governador do Estado da Guanabara, também autônomo.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Alma tranqüila para sustentar que um prefeito
se transmuda em governador sem ter sido eleito governador?
O Sr. Ministro Victor Nunes: Seria um prefeito do Distrito Federal em
regime de autonomia, não um prefeito qualquer; seria um prefeito que acumularia
as funções próprias dos governadores e também as dos prefeitos. Só se chamaria
prefeito por amor à tradição brasileira, mas poderia ter outro nome qualquer,
poderia ser chamado governador.
Peço muitas desculpas aos prezados colegas e, particularmente, peço
vênia ao eminente Ministro Pedro Chaves para divergir de seu magnífico voto,
dando provimento ao recurso.
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se discutiu, pelo relatório e voto que mereceram a nossa aprovação unânime, foi
que a autoridade competente podia revogar a licença de exibição do filme ante-
riormente concedida. Peço vênia para transcrever essa passagem do voto do emi-
nente Relator: “Trata-se de uma autorização revista, porque, conforme se verifica
das informações, ela não estava conforme a lei e às exigências do poder de
polícia. Incensurável o acórdão impugnado, pelo que nego provimento ao recurso”.
Se estava em causa um problema de competência estadual, que nem sequer
foi referido na decisão, parece satisfatória a explicação dada no caso presente pelo
parecer da Procuradoria-Geral da República. Com a mudança da Capital para
Brasília, o Governo Federal delegou aos Estados, enquanto aqui não se organizas-
sem devidamente os seus serviços, o exercício da censura cinematográfica. Mas
essa delegação foi, mais tarde, revogada, conforme comunicação do Ministro da
Justiça aos governos estaduais, em dezembro de 1961 (publicação de fl. 18).
O citado precedente, portanto, não aproveita ao Estado de Minas, e em
sentido contrário pode ser rememorada a decisão do RMS 5.630, de 20-8-58,
Relator o eminente Ministro Lafayette de Andrada, onde se negou às autoridades
locais o poder de impedir anúncios comerciais nas telas de cinema, embora pu-
dessem exercer outras atribuições quanto à manutenção da ordem nas salas de
projeção. O que resulta desse acórdão é precisamente a tese da competência
concorrente para a censura dos espetáculos e diversões públicas.
Quero lembrar que o regulamento atualmente em vigor (Decreto 37.008/55,
art. 267) isenta de prévia censura “os filmes produzidos pelos órgãos oficiais”.
Algumas das repartições federais produzem filmes por força de lei. Tal é o caso
do Instituto Nacional de Cinema Educativo e da Agência Nacional.
O Sr. Ministro Hahnemann Guimarães (Relator): V. Exa. deve lembrar-se
que toda essa legislação se baseou na Constituição de 1937, onde se reservavam
à União poderes de censura. Estaria de acordo com V. Exa. se essa legislação
estivesse escoimada de vícios.
O Sr. Ministro Victor Nunes: O poder de censura deixou de ser atribuído,
com exclusividade, à União. Aqui está a nossa divergência, falando com todo o
respeito. É só isso — a supressão da exclusividade — que resulta da Constituição
de 1946.
Como vinha dizendo, os filmes oficiais, produzidos pelo Governo da União,
por nenhuma lógica federativa poderiam ficar sujeitos à censura dos Estados. E
só poderão ficar isentos de censura estadual, se pertencer à União, pelo menos
concorrentemente, o poder de censurar os filmes cinematográficos.
Vejamos, agora, no pressuposto da competência concorrente, se há lei
federal instituindo a censura cinematográfica federal e em que extensão foi esse
poder conferido às autoridades federais. Em primeiro lugar, havemos de examinar
as leis, em seguida, os regulamentos.
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medida, até exigindo publicação no Diário Oficial para que os atos ficassem
solenes e conhecidos, as autarquias criariam inúmeros cargos, até mesmo desne-
cessários.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Como, de começo, fizeram.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Aí é que surgiu um controle do Pre-
sidente da República no sentido de que esses cargos só fossem criados por de-
creto ou com a aprovação presidencial.
O Sr. Ministro Victor Nunes: O esclarecimento do eminente Ministro Gon-
çalves de Oliveira é oportuno, porque relembra a evolução da nossa administra-
ção descentralizada. As autarquias foram criadas com grande autonomia, aten-
dendo-se às peculiaridades de cada uma, pela necessidade ou conveniência de
ser flexibilizado o serviço público. Por isso, as autarquias foram autorizadas a
criar seus próprios cargos. Mas foram muitos os abusos dessa descentralização.
Surgiu, então, o primeiro controle, que consistiu na criação desses cargos por
decreto do Poder Executivo.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Com fundamento no exercício de poder tem-
porário.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Mas em virtude de lei.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Por lei de efeitos transitórios e com limite
certo.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Não podemos garantir que a única lei a tratar
do assunto tenha sido essa a que V. Exa. se refere.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Esta foi a alegada pelo eminente Relator e, por
isso, detive-me no assunto.
O Sr. Ministro Victor Nunes: V. Exa. mencionou uma Lei de 1956.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Quem mencionou foi o eminente Ministro
Relator.
O Sr. Ministro Hahnemann Guimarães: Foi a Lei 2.745, de 1956.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Mas bem antes dessa época, já o Sr. Presi-
dente da República criava cargos nas autarquias, como continuou a fazer. O
assunto foi várias vezes discutido no Congresso por suas implicações políticas.
Não ponho minha mão no fogo, como V. Exa.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Não fui eu que o declarei, foi o eminente
Relator. Meu fundamento é outro. Considero que o suporte do ato é o poder
regulamentar atribuído ao Sr. Presidente da República pelo Congresso. Esta a
tese de meu voto.
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O Sr. Ministro Victor Nunes: Vou concluir meu raciocínio, Sr. Presidente.
Parece-me demonstrado que as duas medidas — a manutenção de alguns decretos
e a revogação de outros — estão vinculadas à mesma razão de ser do Decreto
54.045, que foi proceder à revisão dos quadros da autarquia, nos termos do art.
19 da Lei 4.345. Portanto, essas duas matérias estão completamente vinculadas
à invocação específica do art. 19 da Lei. 4.345, que consta do preâmbulo do
Decreto 54.045.
Mas a Lei 4.345 mudou a sistemática da organização desses serviços
autárquicos: de um lado, vedou ao Presidente da República criar cargos por de-
creto; de outro, manteve a situação pré-existente e autorizou o Presidente, mas
sob certas condições, a rever os quadros e suprimir cargos. As condições a que
tais medidas ficaram sujeitas foram estabelecidas na própria lei.
Pela sistemática da Lei 4.345, a extinção de cargos foi regulada não no art.
19, mas no art. 22, § 1º, que a fez depender de uma regulamentação, bem como
da prévia aprovação de um programa. De acordo com esse programa é que o
Presidente da República poderia extinguir até 50.000 cargos, com o que se alcan-
çaria uma revisão geral dos serviços das autarquias referidas na lei.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Pelo sistema da lei, essa extinção se enquadra-
va na finalidade ampla do mesmo diploma, qual era a revisão dos cargos.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Então, o art. 22 seria inútil.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Não é inútil, porque é limitativo quanto ao
número: 50.000.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Veja V. Exa.: se o Presidente da República
pudesse extinguir quaisquer cargos, seria inútil dizer a lei que ele poderia extinguir
até 50.000.
O Sr. Ministro Prado Kelly: O número limita a faculdade que assistia ao
Governo.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Mas, se a mesma lei não pudesse estabelecer
outras condições, também não poderia fixar limite quanto ao número dos cargos
a serem extintos. Se esta condição do número é válida, também o são as outras.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Aliás, argumentar com redundâncias da lei, em
face da legislação brasileira, não me parece que seja razão decisiva...
O Sr. Ministro Victor Nunes: Mas a mesma lei que pode limitar a ação do
Executivo quanto ao número dos cargos a extinguir, como V. Exa. reconhece,
também a poderia limitar quanto à forma. E foi o que fez.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Essa segunda conclusão é V. Exa. que a ado-
ta; eu não poderia aceitá-la.
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Proferi desde logo o meu voto, na Turma, não aceitando essa tese, mas,
dada a relevância da matéria, os eminentes colegas, então presentes, propuseram
que a matéria fosse submetida ao Pleno, e não houve, até este momento, oportu-
nidade desse pronunciamento. Mas o meu voto já foi exarado e eu peço para ler
a sua parte principal:
Diz o acórdão de São Paulo, em sua fundamentação:
“Não se discute a inconstitucionalidade da Lei 7.851, de 11-3-1963,
mas sim, do ato do Exmo. Sr. Governador do Estado, que negou cumpri-
mento ao art. 5º, III, da referida lei.
Ou, como salientou o impetrante, expressamente: ‘O thema
decidendum não é a inconstitucionalidade da lei que o Executivo se nega
a aplicar, e sim, a inconstitucionalidade dessa atitude negativa. Se o
Judiciário entender inconstitucional o ato do Governador, a segurança
deve ser concedida, pois houve violação a direito subjetivo, assegurado em
lei, através de ato inconstitucional. Objeto da atuação jurisdicional não é,
no caso, a lei que o Executivo entendeu inconstitucional, e sim, o ato
constitucionalmente ilícito que o Governador praticou, deixando de aplicar
a lei e avocando, para si, função que é da exclusiva competência da
Assembléia, após pronunciamento do Judiciário’ (fls. 11/12).
E, sob o prisma acima, pode o Executivo deixar de cumprir a lei, sob
alegação de ser a mesma inconstitucional?
A questão não é nova.
Luiz Eulálio de Bueno Vidigal teve oportunidade de escrever: ‘Se o
ato legislativo não contraria a Constituição, ele não pode ser considerado
ilegal, porque revoga qualquer lei anterior que se lhe contraponha. Se, ao
contrário, ele é inconstitucional, é nulo e não pode, por si só, ferir direitos
particulares.
Neste último caso, nada impede que a autoridade administrativa,
reconhecendo-lhe a inconstitucionalidade, deixe de aplicá-lo’ (Do Mandado
de Segurança, p. 124, § 69, ed. 1953).
Francisco Campos (Direito Constitucional, 1/442-443, ed. 1956)
mostra que os tribunais só opinam sobre a inconstitucionalidade das leis
por ocasião de aplicá-las aos casos concretos; cada Poder, assim, tem a
contar consigo mesmo para dirimir as questões relativas à sua competência;
recusar, por conseguinte, ao Poder Executivo ou Legislativo a faculdade de
interpretar a Constituição e, em virtude de sua interpretação, tomar
decisões, seria instalar nos dois grandes motores da vida política do país
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O Sr. Ministro Pedro Chaves: Sr. Ministro, no meu voto cheguei a dizer
que o Senado não era um mero registrador de decisões do Supremo Tribunal
Federal. Ninguém atribuiu ao Senado Federal a função secundária e deprimente
de dizer amém para aquilo que o Supremo Tribunal diz.
V. Exa. sustentou a opinião do eminente Sr. Ministro Aliomar Baleeiro,
ponto de vista contra o qual nada tenho a impugnar, mas quero salientar que não
fiz essa injúria de dizer que o Senado não é nada, que o Senado é um batedor de
carimbos de borracha das decisões deste Tribunal.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Eu apenas dizia que entendo como o Sr.
Ministro Baleeiro, que o Senado não é um autômato na aplicação do art. 64. O
Senado pode, a meu ver, julgar da oportunidade de suspender ou não a execução
de lei que tenhamos declarado inconstitucional. E há de levar em conta, em tais
circunstâncias, a possível oscilação da jurisprudência do Tribunal, como foi
observado.
Não me refiro, nesse passo, à cláusula constitucional que permite ao Senado
suspender no todo ou em parte a lei declarada inconstitucional, porque me
parece evidente, como disse o Sr. Ministro Adalicio Nogueira, que essa referência
da Constituição está vinculada à extensão do julgado do Supremo Tribunal.
O Senado não pode, por iniciativa própria, suspender a vigência de uma lei
qualquer. Ele só pode suspender uma lei no pressuposto de haver o Supremo
Tribunal decidido contra a sua validade. Está, pois, na contingência de observar
os limites do que o Tribunal decidiu, porque o Senado não pode alterar a nossa
decisão. Se o Senado, ao suspender a vigência de uma lei, pudesse acolher
apenas parte do que decidimos e desprezar o restante, o resultado, em tese,
poderia ser contraproducente, especialmente quando as diversas partes do julgado
fossem indissociáveis.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Por exceção, a Constituição brasileira
concede esse direito.
O Sr. Ministro Victor Nunes: A Constituição não deu ao Senado, no art 64,
o poder de vetar parcialmente as decisões do Supremo Tribunal. Por isso, ele
suspenderá no todo ou em parte a lei, consoante o Tribunal houver declarado a lei
inconstitucional no todo ou em parte.
Mas o Senado terá o seu próprio critério de conveniência e oportunidade
para praticar o ato de suspensão. Se uma questão foi aqui decidida por maioria
escassa e novos Ministros são nomeados, como há pouco aconteceu, é de todo
razoável que o Senado aguarde novo pronunciamento antes de suspender a lei.
Mesmo porque não há sanção específica nem prazo certo para o Senado se
manifestar.
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RELATÓRIO
O Sr. Ministro Djaci Falcão: Em mandado de segurança impetrado por
Nardy Ferreira contra ato administrativo do Exmo. Sr. Governador do Estado de
São Paulo, assim decidiu o egrégio Tribunal de Justiça:
“Acordam, em Quinta Câmara Civil do Tribunal de Justiça, pelo
voto de desempate do Sr. Desembargador Presidente da Sessão, rejeitar a
argüição de inconstitucionalidade do art. 126 e seu parágrafo único da Lei
n. 8.101, de 16 de abril de 1964, e denegar a segurança, no mérito, contra
os votos dos Desembargadores Relator e Pereira Lima; e, por votação
unânime, declarar irrelevante preliminar suscitada pelo impetrado.
l. Havendo a Lei n. 8.101, em seu art. 126, criado, como serventia
autônoma, o Cartório do Registro de Imóveis e Anexos na comarca de
Suzano, e determinado, em seu parágrafo único, a prioridade absoluta de
opção ao atual Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do distrito da
sede, para compensá-lo da perda do anexo de tabelionato, impetrou Nardy
Ferreira esta segurança, contra ato do Sr. Governador do Estado, que,
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VOTO
O Sr. Ministro Djaci Falcão (Relator): O impetrante do mandado de segu-
rança é titular do Cartório do Primeiro Ofício de Notas e Anexos (inclusive o
Registro de Imóveis) da comarca de Suzano. Desmembrando a serventia, assim
dispôs a Lei estadual n. 8.101, de 16-4-1964, no seu art. 126:
“Fica criado, como serventia autônoma, o Cartório do Registro de
Imóveis e Anexos na Comarca de Suzano.”
E, no parágrafo único, estatuiu:
“Ao atual Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do distrito
da sede da referida Comarca, fica assegurada prioridade absoluta de
opção para esse cartório, como compensação pela perda do anexo de
tabelionato decorrente da criação da Comarca, devendo requerer no prazo
de 30 (trinta) dias, a contar da vigência desta lei, ao Secretário da Justiça e
Negócios do Interior”.
Na serventia criada foi provido José Maria de Souza Coutinho, oficial do
Registro Civil das Pessoas Naturais da sede da Comarca de Suzano, nos termos
do citado parágrafo único. Daí resultou o presente mandado de segurança,
impetrado por Nardy Ferreira, titular do cartório do 1º Ofício de Notas e Anexos
(inclusive o Registro de Imóveis, então desmembrado), que objetiva o reconheci-
mento da inconstitucionalidade do art. 126, e seu parágrafo único, da Lei n. 8.101,
por ofensivos ao art. 141, § 1º, da Constituição Federal de 1946, e do art. 93, letra
g, da Constituição estadual; e seja tornado sem efeito o ato do provimento de
José Maria de Souza Coutinho.
Não padece dúvida de que a vitaliciedade dos titulares de ofício de justiça
(art. 187 da Constituição de 1946) não constitui óbice à divisão dos ofícios. Por
isso, não vejo como acoimar de inconstitucional o art. 126, caput, da Lei n. 8.101.
Porém, no que tange à disposição inserida no seu parágrafo único, a mim se
afigura ilegítima ante o princípio consubstanciado no § 1º do art. 141 da Carta
Política de 1946. Ao conferir a chamada “prioridade absoluta” de opção ao “atual
Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais”, para efeito do provimento da
nova serventia, desanexada do Cartório do Primeiro Ofício de Notas e Anexos,
de que é titular o impetrante da segurança, e não o beneficiário, titular que é do
Registro Civil das Pessoas Naturais, o legislador editou norma de caráter pessoal,
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VOTO
O Sr. Ministro Adaucto Cardoso: De acordo com o eminente Relator, dando
ênfase ao fato de que a inconstitucionalidade, para mim, decorre da violação do
princípio constitucional que atribui ao Chefe do Executivo a competência exclusiva
para prover os cargos públicos.
VOTO
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: Sr. Presidente, dou provimento ao recurso,
na totalidade.
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O Sr. Ministro Victor Nunes: Minha pergunta não era bem nesse sentido.
Eu procurava compreender o alcance do voto do eminente Relator, porque se já
existe norma no direito estadual garantindo a opção em casos como este, abolido
o parágrafo, funcionaria a regra da opção.
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: O eminente Relator, ao dar provimento, em
parte, ao recurso, declarou inconstitucional somente o parágrafo, e não o caput,
que, pelo desmembramento, criou o Cartório.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Mas supondo que haja, no direito estadual,
uma regra genérica de opção para tais casos, uma vez abolido o parágrafo, ob-
servar-se-ia essa regra da opção em favor do impetrante.
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: Entendi, do voto do eminente Relator, que S.
Exa. admite que se há de prover o novo cargo pela forma comum, seja concurso,
seja outra forma, mas não pela investidura do antigo titular.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Mas suponhamos que haja uma norma geral
de opção (problema a ser esclarecido). Se já existe essa regra, por que o desmembra-
mento da serventia seria inconstitucional?
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: Não julgo inconstitucional o desmembra-
mento da serventia, só por si.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Sim, V. Exa. julga inconstitucional o caput e
o parágrafo, portanto, anula o desmembramento da serventia. Mas já existe — é
minha pergunta — uma regra geral de opção no direito estadual?
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: Esse ponto, da existência no direito estadual
de regra geral sobre opção, em tal hipótese, não foi esclarecido.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Talvez o ilustre advogado pudesse esclarecer.
O Sr. Theotonio Negrão (Advogado do recorrente): Realmente, não existe
um texto geral sobre opção: existe uma sistemática, uma tradição apoiada por
quatro leis diferentes, mas essas leis são qüinqüenais. Não existe texto geral.
O Sr. Ministro Djaci Falcão (Relator): Não há menção deste princípio.
O Sr. Rubens Catelli (Advogado do recorrido): Pediria licença para lem-
brar que já a Lei 5.285 dava opção preferencial ao recorrente para valer-se do
direito de ficar serventuário.
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: O ilustre advogado do recorrente informa
sobre regra especial, contida em outras leis. No Rio Grande do Sul, procede-se,
de ordinário, por esta forma: normas especiais, cada vez que se desmembram
serventias, asseguram aos titulares a opção. Mas asseguram por quê?
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VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Sr. Presidente, quero declarar apenas a
inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 126 da Lei 8.101 pelos funda-
mentos do eminente Relator.
PEDIDO DE VISTA
O Sr. Ministro Prado Kelly: Sr. Presidente, peço vista dos autos.
DECISÃO
RMS 16.912 — SP. Matéria Constitucional. Relator, o Sr. Ministro Djaci
Falcão. Recorrente: Nardy Ferreira (Advogado: Theotonio Negrão). Recorrido:
Estado de São Paulo (Advogado: Rubens Catelli). Pediu vista o Ministro Prado
Kelly após os votos dos Ministros Relator, Adaucto Cardoso e Aliomar Baleeiro,
dando provimento em parte ao recurso, e do Ministro Eloy da Rocha, dando
provimento in totum. Impedido, o Ministro Raphael de Barros Monteiro.
Presidência do Ministro Luiz Gallotti. Licenciados, os Ministros Hahnemann
Guimarães e Oswaldo Trigueiro.
Tribunal Pleno, 23 de agosto de 1967 — Dr. Álvaro Ferreira dos Santos,
Vice-Diretor Geral.
VOTO
O Sr. Ministro Prado Kelly: Documentam os autos que, ao tramitar o Pro-
jeto de Lei n. 2/62, sobre organização judiciária, se encartou no substitutivo da
Comissão permanente o art. 143, com o teor seguinte:
“Fica criado, como serventia autônoma, o Cartório do Registro de
Imóveis e Anexos, na comarca de Suzano.
Parágrafo único. Ao atual Oficial do Registro Civil das Pessoas
Naturais do distrito da sede da referida comarca fica assegurada prioridade
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decreto, não é ato de soberania, e sim ato de magistratura”. Tem ainda em seu
abono a definição, em sentido material, inserta na Constituição francesa de 1793:
“A lei só pode ordenar o que é justo e útil à sociedade; só pode vedar o que lhe é
nocivo”. Conta, por último, com a chancela de Esmein (Droit Constitutionnel, 7.
ed., vol. I, p. 22 e vol. II, p. 399), de Planiol (Droit Civil, vol. I, § 136), de Hauriou
(Droit Administratif, 10. ed., pp. 56 e ss.). E sobreexcele os pontos de vista, menos
convincentes, de Jellinek, Laban e Carré de Malberg.
Tenho por demonstrado que a emenda não obedeceu ao presumido escopo
do interesse público, e sim a uma inspiração que nem por ser equânime ou
reparadora (como pareceu ao interveniente) deixa de ser particularista ou de
favorecimento pessoal.
Tanto o admite o eminente Relator, que fulminou de inconstitucional o pa-
rágrafo único da Lei n. 8.101, de 1964. Mas este parágrafo jamais existiria sem o
caput do artigo. Nem o artigo teria razão de ser se lhe faltasse o parágrafo. Um
e outro são siameses, indissoluvelmente ligados entre si tanto pelo que afirmam —
o benefício especial concedido —, quanto pelo que negam — a conveniência
geral do serviço, inconfundível com privilégio ou vantagem individuais.
Concessa venia, acompanho o voto do eminente Ministro Eloy José da
Rocha.
VOTO
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira: Sr. Presidente, também eu, data venia
dos eminentes Ministros que já votaram anteriormente, estou de acordo com o
pronunciamento do eminente Ministro Eloy da Rocha, agora prestigiado pelo voto
do eminente Ministro Prado Kelly.
Entendo que, realmente, não é possível destacar o parágrafo do caput do
artigo. O artigo, na sua expressão inicial, foi, justamente, elaborado com o objetivo
de servir, também, ao parágrafo. Não se pode, em verdade, dissociar um do
outro. Ambos se interpenetram. O artigo foi feito para que o parágrafo servisse
de objetivo à sua finalidade.
De maneira que estou com os que pensam que o dispositivo é inconstitu-
cional. Mas o é no seu todo. Em realidade, a lei tem caráter privatístico, tem
destinação particular, visa ao interesse exclusivo do seu beneficiário. Além do
mais, a nomeação em apreço, que devia decorrer de um ato do Poder Público,
isto é, do Poder Executivo, foi feita pelo próprio Poder Legislativo, marcando,
assim, a intenção inequívoca de servir ao interesse do funcionário que foi por ela
beneficiado.
Assim sendo, dou provimento, in totum, ao recurso, nos termos dos votos
dos eminentes Ministros Eloy da Rocha e Prado Kelly.
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VOTO
O Sr. Ministro Victor Nunes: Sr. Presidente, não fixei bem a hipótese. O
caput do artigo desmembrou o cartório, e o parágrafo mandou aproveitar deter-
minado servidor?
O Sr. Ministro Prado Kelly: Tratava-se da reforma judiciária, e a emenda
representou um desvio de poder da própria legislatura, vindo afinal a ter a seguinte
redação — no art. 126 da Lei 8.101:
“Fica criado, como serventia autônoma, o Cartório do Registro de
Imóveis e Anexos, na comarca de Suzano.
Parágrafo único. Ao atual Oficial do Registro Civil das Pessoas
Naturais do distrito da sede da referida comarca fica assegurada
prioridade absoluta de opção para esse cartório, como compensação pela
perda do anexo de tabelionato decorrente da criação da comarca, devendo
requerer no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da vigência desta Lei, ao
Secretário da Justiça e Negócios do Interior”. (Fl. 2)
Sr. Ministro Relator, permiti-me prestar o esclarecimento, porque os autos
estavam em meu poder.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Agradeço os esclarecimentos. Peço vênia a V.
Exa. para acompanhar o voto do eminente Relator, que anulou apenas o parágrafo.
Ouvi, com a maior atenção e agrado, a doutrina sustentada, seja pelo emi-
nente Relator, seja pelo ilustre Ministro Prado Kelly, que lhe deu mais desenvolvi-
mento, no sentido de que podemos exercer controle sobre os desvios de poder da
própria legislatura. Não é uma doutrina aceita — digamos assim — com geral
aprovação.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Mas note V. Exa. que se tratava de examinar
o “poder de emenda” no Legislativo. Só se legitima tal poder, nos casos de que se
cuida de acordo com os precedentes, quando haja conexão com o projeto principal;
e deixa de haver conexão se, a pretexto de prover em assunto de interesse público,
se toma deliberação tendente a proteger direto pessoal.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Não estou inteiramente em desacordo com
V. Exa., mas acho que a noção de abuso é que permite ao Judiciário exercer uma
função moderadora no controle da ação de outros Poderes. Tanto a noção de
uso como a de abuso não têm definição muito precisa, mas a jurisprudência as
vai construindo, lentamente, com os seus precedentes. Aliás, é importante notar,
é à base de noções não muito precisas, não completamente definidas no texto
legal, que a jurisprudência realiza suas mais valiosas construções.
Não sou de todo infenso à doutrina, que folgo ver sustentada por V. Exa.,
com sua alta autoridade. Mas não me parece que o caput do dispositivo
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carne, nem sangue, nem ossos de lei? Ela o é apenas em sentido formal, como
todos os Congressos e Parlamentos do mundo elaboram, contanto que não ofenda
a Constituição.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Ora, é atribuição do Congresso conceder pensão
por meio de leis especiais.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: O Congresso vota freqüentes leis que
concedem pensão à viúva de um grande nome nacional, como Rui Barbosa, à
viúva de um ex-presidente da República, à viúva de um guarda que foi assassina-
do por ladrão, etc.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Nesses casos se exercita atribuição legítima
do Poder Legislativo, a qual procede da Carta de 1824. Mas não é disso que se
cuida. O que se cuida aqui é de uma lei que a Constituição sujeita ao crivo do
Tribunal de Justiça, Lei de Reforma Judiciária, em que todo pressuposto das
medidas propostas há de ser o do interesse público, e nela se encontra, anomala-
mente, uma disposição bipartida (caput do artigo e parágrafo), com um só escopo,
o de beneficiar determinado servidor.
Se essa norma, apesar de decomposta, não ofende a disciplina que rege a
formação das leis, e indiretamente o princípio da legalidade, no qual assenta todo
o nosso sistema político, não sei por que nos cingirmos exclusivamente a um vício
de origem no ato de nomeação, sustentando que o provimento do cargo incumbi-
ria ao Governador do Estado. Este é, em ultima ratio, o motivo que invalida o
parágrafo. Quaisquer outros afetariam, ao mesmo tempo, ao parágrafo e ao
caput do artigo.
O Sr. Ministro Hermes Lima: Mas, eminente Ministro, não se trataria aí de
uma norma de direito singular?
O Sr. Ministro Prado Kelly: Não o é. Deparava-se um projeto de ordem
geral: tratava-se de organização da Justiça do Estado. Passou por todas as
exigências que duas Constituições estabelecem, escoimaram-se disposições de
favor pessoal. O legislador não mirou a um simples desmembramento da
serventia. Mirou ao interesse pessoal do beneficiado. Nesse ponto, o Tribunal
expurga o vício da lei. Mas em nome de que interesse público se sacrifica o
direito individual do recorrente, o qual dele se viu despojado por um processo que,
aos nossos olhos, nem jurídica, nem eticamente, se legitima?
O Sr. Ministro Victor Nunes: Sr. Presidente, sinto-me recompensado de
ter, talvez inadvertidamente, de qualquer modo não intencionalmente, provocado
essa polêmica tão esclarecedora sobre um tema que é da máxima relevância.
Para concluir meu voto, ante a extensão que tomou o debate, deverei dar
alguns esclarecimentos sobre as palavras proferidas anteriormente. Antes, porém,
queria perguntar ao eminente Relator como se comportou o Tribunal de Justiça
em relação ao desmembramento do cartório.
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uso de suas atribuições. Mas em relação à lei específica fulminada pela Corte
Suprema, a decisão é acatada. Portanto, independentemente de qualquer poder
normativo da Corte, uma decisão sua em matéria constitucional tem, por tradição,
efeito normativo. Está de acordo com os costumes, com os precedentes, com a
doutrina americana que ela produza, na prática, esse efeito.
Somos, talvez, mais racionalistas que os anglo-saxões. Por isso, traduzi-
mos esse efeito numa norma de competência do Supremo Tribunal, pois nossa
tradição era em sentido oposto. Mesmo os juízes inferiores não devem obediên-
cia aos nossos julgados, senão nos limites estritos do caso concreto. Era, pois,
necessário que houvesse uma norma para romper essa tradição. Assim mesmo a
Constituição a rompeu com cautela, porque subordinou a eficácia genérica das
nossas decisões de inconstitucionalidade, ainda que proferidas em tese, a um
pronunciamento ulterior do Senado.
Por isso, não me parece maior essa nossa competência que a da Corte
Suprema. Mas nós exercemos a nossa de modo diferente.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Perdoe V. Exa. Devo lembrar que o
Supremo Tribunal construiu a doutrina. Primeiro, que o Senado era obrigado,
embora não tivesse sanção, a suspender. Segundo, que o Senado teria de sus-
pender in totum. Terceiro, que o Senado não podia voltar atrás no seu ato de
suspensão. Sobre esses três pontos de vista, votei anteriormente. Acho que o
Senado não suspende. Se quiser, suspende uma parte e não toda. Se quiser,
volta atrás e revoga a suspensão. Para mim, no caso, o Senado tem função
puramente política. Não há sanção nenhuma.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Na Itália, é o próprio Presidente da Corte
quem faz a declaração de inconstitucionalidade, para efeito erga omnes.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Como propôs a Comissão da Reforma Judi-
ciária, de que V. Exa. foi membro ilustre.
Portanto, Sr. Presidente, há temperamentos na nossa atuação em matéria
constitucional. Talvez até tenhamos menos poderes que a Corte Suprema, salvo
agora, sob outro aspecto, para regular o processo nos casos da nossa competência.
Mas também à Corte Suprema, freqüentemente, se faz a acusação de
estar invadindo a esfera legislativa. Presentemente, a “Corte Warren” tem sido
censurada, precisamente, por estar usurpando função do Legislativo, na opinião
dos críticos. Mas isso resulta, em grande parte, talvez em maior parte, de ser a
Constituição americana muito sintética, com algumas disposições muito genéricas,
de ser uma Constituição antiga, escrita em condições históricas específicas e que
deve ser aplicada em situações completamente diversas. Por isso, a Corte vai
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VOTO
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Sr. Presidente, é um recurso de man-
dado de segurança que foi requerido pelo titular do Cartório, Nardy Ferreira. O que
pretendeu, como está expresso não só no item I como no final, foi o seguinte:
“O presente mandado de segurança é impetrado para que, reconhe-
cida a inconstitucionalidade do art. 126 e seu parágrafo único da Lei 8.101,
de 16-4-1964, seja tornado sem efeito o ato de provimento do Sr. José
Maria de Souza Coutinho”.
Porque titular do Cartório, o impetrante não tem interesse apenas em des-
fazer a nomeação de José Maria de Souza Coutinho; seu interesse primordial é
impedir a divisão do seu Cartório.
Se, na hipótese, estivéssemos apreciando uma representação do Procura-
dor-Geral da República a propósito da inconstitucionalidade do parágrafo único, eu
estaria de acordo com o eminente Relator, julgando inconstitucional, porque, real-
mente, o Legislativo atribuiu-se o poder de nomear, que lhe é defeso, é uma
prerrogativa, uma atribuição do Executivo. No caso concreto, teria havido inva-
são dos poderes do Executivo pelo Legislativo. O ato seria inconstitucional.
Mas ocorre que o Poder Executivo não se incomodou e nomeou José Maria
de Souza Coutinho para o cargo. De maneira que desfazer essa nomeação, nesse
mandado de segurança, Sr. Presidente, não me parece possível, porque isso nem
aproveita ao impetrante. Falta-lhe interesse, pelo que o meu voto só pode ser pela
denegação da segurança.
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: V. Exa. permite? O meu voto foi proferido
na sessão passada e, por isso, peço licença para insistir em alguns aspectos da
questão.
Declarei que o parágrafo único do art. 126 era inconstitucional, como o
julgou também o eminente Relator. Não tive nenhuma dúvida de que a lei pudesse
desmembrar o Cartório. A lei dividiu o Cartório em dois, dele separando uma
parcela para constituir unidade autônoma. Podia fazê-lo, mas não sem restrição,
não sem condições. Simultaneamente, a lei, no art. 126, parágrafo único, concedeu
preferência, para o provimento no novo Cartório, a outro serventuário de justiça.
Certamente, o parágrafo é inconstitucional. Já se pronunciaram nesse sen-
tido, em maioria, os votos do Tribunal, a começar pelo eminente Relator, porque,
por esse parágrafo, a lei, na realidade, efetuou o provimento do novo Cartório.
Mas o vício que se encontra no parágrafo contamina o caput do artigo —
demonstrou o eminente Ministro Prado Kelly que o parágrafo e o caput do
artigo são siameses, indissoluvelmente ligados entre si —, porque, na verdade, a
norma é uma só. A lei desmembrou o Cartório enquanto atribuiu o novo a oficial
de outra serventia.
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O Sr. Ministro Prado Kelly: Não há norma geral, mas há norma específica
em grande quantidade de leis anteriores.
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: V. Exa. me perdoe, eminente Ministro
Gonçalves de Oliveira, ...
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Honrado, recebo o aparte de V. Exa.
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: ... haver interrompido seu brilhante voto.
Mas quis acentuar que o parágrafo único contamina o caput do art. 126. Ainda
que isso não acontecesse, o dispositivo é inconstitucional, porque determina o
desmembramento, sem assegurar, ao mesmo passo, ao antigo titular do Cartório
direito inerente à vitaliciedade.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Sr. Presidente, o art. 126 da Lei
estadual 8.101, Lei de Organização Judiciária, dispõe assim:
“Fica criado, como serventia autônoma, o Cartório do Registro de
Imóveis e Anexos na Comarca de Suzano”.
O parágrafo único diz assim:
“Ao atual oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do Distrito
da sede da referida Comarca fica assegurada prioridade absoluta de
opção para esse Cartório, como compensação pela perda do anexo de
tabelionato decorrente da criação da Comarca, devendo requerer no prazo
de 30 (trinta) dias, a contar da vigência desta lei, ao Secretário da Justiça e
Negócios do Interior”.
Como tive ensejo de dizer, estou julgando um mandado de segurança do
titular desses serviços de Registros de Imóveis. Se estivesse julgando uma repre-
sentação do Governador do Estado contra esse parágrafo, não teria dúvida em
acolher a sua inconstitucionalidade, porque haveria o abuso do Poder Legislativo
em atribuir-se uma competência que, pela Constituição, é do Governador do
Estado, qual seja, a de prover os cargos públicos, prover desembaraçadamente, e
não ficar limitado a nomear aquela pessoa indicada na lei pelo Poder Legislativo.
Por esse motivo, o dispositivo foi até vetado pelo Governador do Estado.
Então, o remédio seria o recurso pelo Governador ao Supremo Tribunal,
baseado no princípio da harmonia dos Poderes, hoje com mais amplitude na
Constituição de 24 de janeiro de 1967, para que o Supremo Tribunal nulificasse o
parágrafo.
Mas estamos apreciando um mandado de segurança do titular desses
serviços de Registros de Imóveis, não interessando ao impetrante apenas o
desfazimento do parágrafo, porque, se prevalecer, como está prevalecendo, o
voto do eminente Relator no sentido de ficar o caput do artigo como intocável,
haveria prejuízo total para o impetrante.
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Memória Jurisprudencial
O Sr. Ministro Adauto Cardoso: O impetrante pede que lhe seja assegurado
o direito de opção?
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Não, seria apenas uma expectativa
de direito.
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: O impetrante alega que o seu direito foi
violado pela impugnada norma.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Alega violação do direito de exercer...
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: Pede que, reconhecida a inconstitucionalidade
do art. 126 e parágrafo único da Lei 8.101, lhe seja assegurado o seu direito.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Ele pede apenas que se desfaça o ato.
Entendo, como o eminente Relator, que o caput do artigo não é inconstitu-
cional, porque poderia ser desmembrado esse Cartório. E como o parágrafo não
interessa ao impetrante, que não tem direito de se prover no cargo, o meu voto é
pela denegação da segurança, que esse remédio não protege mera expectativa
de direito que tem todo cidadão de ver um cargo vago e poder ser o candidato ao
seu provimento.
É o meu voto, Sr. Presidente.
VOTO
O Sr. Presidente Luiz Gallotti: Como vê o Tribunal, a corrente que votou
pela inconstitucionalidade, em termos mais amplos, não poderia prevalecer,
porque não alcançou nove votos. Mas a outra corrente prevalece, a ela se
somando os votos daquela, porque o mais compreende o menos. Assim,
logicamente, os que dão pela inconstitucionalidade total também dão pela incons-
titucionalidade em parte.
Voto com o eminente Relator.
DECISÃO
RMS 16.912/SP — Relator: Ministro Djaci Falcão. Matéria Constitucional.
Recorrente: Nardy Ferreira (Advogado: Theotonio Negrão). Recorrido: Estado
de São Paulo (Advogado: Rubens Catelli). Deu-se provimento, em parte, para
julgar inconstitucional o parágrafo único do art. 126 da Lei paulista 8.101, de 16
de abril de 1964. Assim votaram os Ministros Relator, Adaucto Cardoso, Aliomar
Baleeiro, Victor Nunes, Lafayette de Andrada e o Presidente, Luiz Gallotti, sendo
que os Ministros Eloy da Rocha, Prado Kelly, Adalicio Nogueira, Hermes Lima e
Candido Motta davam provimento in totum, porque julgavam inconstitucional,
além do parágrafo único, o art. 126 (caput), não sendo alcançada, quanto a esta
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Victor Nunes: Sr. Presidente, peço licença ao Tribunal para
fazer algumas distinções quanto às preliminares suscitadas.
A primeira é sobre o problema do cabimento de mandado de segurança
contra lei em tese. Não tenho dúvidas de que está em causa, neste processo, uma
lei em tese, como sustentou, brilhantemente, o Dr. Procurador-Geral. O que te-
mos entendido como lei em tese para cabimento de mandado de segurança é a
norma genérica. Desde que o ato atacado seja genérico, seja uma norma não
individualizada, não temos admitido mandado de segurança, como lembrou o Sr.
Ministro Presidente a respeito de decretos normativos e de atos normativos de
categoria inferior à dos decretos.
De acordo com essa orientação, o que caracteriza a lei em tese é a
generalidade do comando; não basta a pluralidade do comando, no sentido de
alcançar várias pessoas ou situações, consideradas na sua individuação específica.
No caso presente, a lei atacada não se refere, especificamente, a um con-
cessionário, mas a todos e quaisquer concessionários que se encontrem nas con-
dições previstas na lei.
Esse debate, entretanto, suscita um problema da maior importância prática:
o decreto-lei impugnado contém um comando proibitivo, e essa proibição legal
determina, por si mesma, o efeito danoso que, em outras circunstâncias, dependeria
do ato administrativo conseqüente.
Ouvimos, há pouco, que a lei proibitiva, embora lei em tese, autoriza o
mandado de segurança. Desejo fazer, a esse respeito, uma distinção. Há atos de
particulares que dependem de autorização ou aprovação, que dependem, em
suma, de manifestação da autoridade pública. Em tal hipótese, sobrevindo lei
proibitiva, seus efeitos não se produzem automaticamente. O particular, de qual-
quer modo, não tinha a possibilidade de agir por si, pois dependia de um pronun-
ciamento da autoridade. Ante a lei proibitiva, terá, então, de solicitar o pronunci-
amento favorável, podendo ajuizar a segurança após a recusa da Administração
que configure a coação específica. De outro modo, sempre que uma lei proibitiva
fosse passível da argüição de inconstitucionalidade, estaríamos instituindo uma
ação geral de inconstitucionalidade, facultada a qualquer pessoa que se conside-
rasse atingida pela proibição, quando, pela Constituição, a argüição de inconstitu-
cionalidade em tese é privativa do Procurador-Geral.
Haverá casos, porém, como o presente, em que a proibição legal atinge
diretamente o particular, porque ele, antes da proibição, não dependia de qualquer
ato da autoridade para proceder de uma ou de outra maneira. Quando a atividade
do particular, antes da vedação, não dependia de autorização, licença, concessão
ou ato público equivalente, a vedação operava automaticamente, produzindo o
efeito danoso por si mesma. Nessa hipótese, parece-me cabível o mandado de
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segurança, não apenas porque seja proibitiva a norma, mas porque ela é imediata
e automaticamente proibitiva, incidindo sobre atos que, até então, dependiam ex-
clusivamente do critério do particular.
Resta o outro aspecto da preliminar de não-conhecimento, que é a veda-
ção ao Judiciário de apreciar os atos emanados do Governo Revolucionário.
Não me parece fundamental, data venia, a consideração surgida no debate,
de ser o decreto-lei impugnado posterior à votação da Constituição. A Consti-
tuição de 1967 é uma ordem normativa que só se tornou eficaz em 15 de março.
Quando ela se refere a atos pretéritos, sem outra especificação, essa anteriori-
dade não pode ser aferida em razão da assinatura ou da promulgação do texto
constitucional, mas em razão do momento em que a norma constitucional se tor-
nou eficaz.
Mas resta saber o que é que, tendo sido aprovado pela Constituição, foi
subtraído ao exame do Judiciário. Em primeiro lugar, é óbvio, só foram subtraídos
a esse exame atos pretéritos. Em segundo lugar, é preciso atender à natureza do
ato para se verificar o alcance da vedação. Quando se tratar de lei, norma gené-
rica, capaz de incidir no futuro, o que a Constituição tornou imune à revisão do
Judiciário foi a legitimidade do ato de expedição da lei. Por isso, não se pode
controverter sobre a competência do Presidente da República para expedir o
decreto-lei impugnado neste mandado de segurança.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: V. Exa. me permita: temos exemplos
no Código de Minas e no Código de Águas, votados por ocasião da Constituição
de 34. Foram publicados após essa Constituição. Os Tribunais deram validade a
esse códigos, e o Supremo Tribunal assim decidiu.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Exato. Mas estou conduzindo o meu raciocí-
nio em rumo um pouco diferente.
A primeira conclusão que estou tirando é que, tendo sido aprovada a prática
do ato, não poderemos discutir a competência do Presidente da República para
baixar o decreto-lei, nem o douto Advogado, ora impetrante, impugnou essa com-
petência. Ele não impugna a constitucionalidade do decreto-lei em razão da in-
competência legislativa do Presidente. Mas argúi a sua inconstitucionalidade (e
aqui divirjo do eminente Ministro Evandro Lins) sob outro aspecto, porque o de-
creto-lei terá violado um direto individual. Sob esse aspecto, ele argúi (e o disse
claramente) a inconstitucionalidade do decreto-lei.
O Sr. Ministro Evandro Lins: V. Exa. ouviu o aparte dado pelo eminente
Advogado, que declarou publicamente não argüir a inconstitucionalidade do
Decreto 128.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Fui eu quem provocou esse aparte.
O Sr. Ministro Evandro Lins: Por entender ferido um direito subjetivo da
empresa que representa, mas não a inconstitucionalidade, em si, da norma.
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Nem se diga que tais nomeações constituíam atos complexos, de que uma
das etapas, a indicação dos nomes pelo Presidente da República, se cumpriu
antes da Constituição atual, faltando apenas a aprovação do Senado e a expedi-
ção final do ato de nomeação. As coisas, na verdade, se passaram de outro modo,
porque as mensagens enviadas pelo Presidente Castelo Branco, ao tempo em
que tinha competência para tanto, foram retiradas pelo novo Presidente e substi-
tuídas por outras, quando S. Exa. já havia perdido essa competência.
Com essas considerações, Sr. Presidente, peço vênia aos eminentes Mi-
nistros para divergir da maioria e conceder em parte a segurança, nos termos em
que o fez o Sr. Ministro Evandro Lins.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Victor Nunes: O Dr. Inezil Penna Marinho impetra ordem
de habeas corpus, ao Supremo Tribunal, contra a prisão em flagrante do Sena-
dor Silvestre Péricles de Góes Monteiro, determinada pelo Presidente do Senado,
Senador Auro Moura Andrade.
Junta, entre outros documentos, o auto do flagrante, lavrado pela Presidên-
cia do Senado, em conseqüência dos acontecimentos ocorridos na sessão do dia
4 do corrente, dos quais resultou a morte do Senador José Kairala.
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Medidas de segurança
10. O Senador Arnon de Melo, regressando da Europa, e sabendo
dos discursos do Senador Silvestre Péricles, inscreveu-se para a sessão
ordinária do dia 4 de dezembro.
O Presidente do Senado convocou, por isso, uma reunião da Comis-
são Diretora para a manhã do dia 4, que se realizou às 10 horas, a fim de
serem tomadas providências de segurança interna no Senado.
Diante da impossibilidade legal de revistar e desarmar os senadores,
designou o Presidente os Senadores Rui Palmeira, 1º Secretário e Gilberto
Marinho, 2º Secretário, além do Diretor-Geral, Doutor Evandro Mendes
Vianna, para procederem a todas as medidas de segurança que se fizes-
sem necessárias.
11. A designação dos referidos senadores teve também razões de
ordem específica: o Senador Gilberto Marinho pela sua condição de Oficial
General do Exército e portanto conhecedor dos assuntos ligados a dispo-
sitivos de segurança; e o Senador Rui Palmeira, pela sua condição de repre-
sentante do Estado de Alagoas e profundo conhecedor do temperamento
de ambos os desafetos.
Por força da referida reunião da Comissão Diretora e da já
mencionada designação dos Senadores Gilberto Marinho e Rui Palmeira,
os dispositivos montados foram, realmente, os mais adequados às
circunstâncias, tendo sido designados para vigiar os Senadores Silvestre
Péricles e Arnon de Melo, dez guardas de segurança, sendo cinco para
cada um, além da mobilização de toda a Guarda de Segurança do Senado
e elementos auxiliares, com instruções preventivas.
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VOTO
O Sr. Ministro Victor Nunes (Relator): Pelo art. 125, § 1º, do nosso Regi-
mento, a apresentação do preso, em caso de habeas corpus, só é examinada
pelo Tribunal depois de verificada a sua competência para julgar o pedido. Trata-
rei, portanto, preliminarmente do problema da competência.
Dispõe a Constituição, no art. 141, § 22, que “a prisão ou detenção de
qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao juiz competente que a rela-
xará, se não for legal, e nos casos previstos em lei, promoverá a responsabilidade
da autoridade coatora”.
Tratando-se de parlamentar, a essa decisão do juiz deve preceder delibera-
ção da Câmara respectiva, que tem competência para resolver sobre a prisão e
autorizar a formação da culpa, nos termos do art. 45, § 1º, da Constituição.
Essa disposição é corolário da imunidade processual dos congressistas,
que “não poderão ser (...) processados criminalmente, sem prévia licença de sua
câmara” (art. 45, caput).
Confere, pois, a Constituição, no art. 45, § 1º, uma dupla atribuição às
Câmaras do Congresso Nacional. E são diferentes os efeitos jurídicos de uma e
de outra.
Quando autoriza, ou não, a formação da culpa, a Câmara pratica um ato
definitivo, que não é revisível pelo Poder Judiciário, e muito menos pelo Executivo,
por ser a mais alta emanação da independência do Congresso, como poder polí-
tico do Estado. Tão relevante é esta prerrogativa, no sistema que adotamos, que,
em princípio, “as imunidades dos membros do Congresso Nacional subsistirão
durante o Estado de sítio”; somente “poderão ser suspensas, mediante o voto de
dois terços dos membros da Câmara ou do Senado, as de determinados deputa-
dos ou senadores cuja liberdade se torne manifestamente incompatível com a
defesa da Nação ou com a segurança das instituições políticas ou sociais”, como
dispõe o art. 213.
Quer isso dizer que nem a lei que decretar o Estado de sítio pode incluir,
antecipadamente, as imunidades dos congressistas federais entre as garantias
constitucionais que, nessa emergência, ficarão suspensas (art. 207). É necessá-
ria deliberação específica sobre tais ou quais parlamentares, a ser tomada por
maioria qualificada de votos, não pelo Congresso, mas pela Câmara respectiva, e
essa deliberação é ainda condicionada à manifesta periculosidade do parlamentar
quanto à defesa nacional ou à segurança das instituições.
Esse dispositivo, obviamente, não interfere com o poder de autorizar, ou
não, a formação da culpa em caso de crime ocorrido, o qual continua, mesmo
durante o sítio, a ser regulado pelo art. 45, mas corrobora a conclusão de que a
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VOTO
O Sr. Ministro Evandro Lins e Silva: Estou de acordo com o eminente
Relator. Toda a sua argumentação em torno da Constituição é corroborada pelo
Código de Processo Penal. Se dúvida pudesse pairar sobre a competência do
Senado para lavrar o auto de prisão em flagrante, encontraríamos o subsídio do
Código de Processo Penal, que não permitiria que se declarasse a nulidade do
flagrante desde logo. Por que não permitiria? Porque há um fato delituoso, incon-
testável, a ser apurado, sem que isso importe no prévio reconhecimento da culpa-
bilidade do paciente ou do co-réu. E as nulidades ocorrerão, segundo o artigo 564
do Código de Processo Penal:
I - por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;
II - por ilegitimidade de parte;
III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
a) a denúncia ou a queixa e a representação e, nos processos de
contravenções penais, a portaria ou auto de prisão em flagrante;
(...)
Não se tratando de contravenção, mas de crime, desde que seja lavrado o
flagrante, só o juiz competente para o seu julgamento é que poderá verificar
falhas que porventura tenham ocorrido nesse flagrante e determinar a liberdade
do acusado. No caso de legítima defesa, não se permite que o réu permaneça na
prisão, de acordo com o artigo 314 do Código de Processo Penal. Evidentemente,
no caso, não há, ainda, sequer uma ação penal aforada. Como decretar, pois,
desde já uma nulidade?
O Sr. Ministro Vilas Boas: O fato é que há, desde já, uma prisão.
O Sr. Ministro Evandro Lins e Silva: Mas uma prisão submetida ao juiz, para
o exame e a verificação de sua legalidade, ou não. Se ela for ilegal, o juiz a relaxará.
A própria Constituição assim o determina. De maneira que seria prematuro decre-
tar essa nulidade agora, por meio de um habeas corpus contra o ato da Mesa do
Senado, que, se mal tivesse interpretado a Constituição, teria constatado um fato
em flagrante delito, teria lavrado o auto de prisão na ardência do crime, logo após o
seu cometimento. Então, a atitude do Supremo Tribunal seria a de decretar a ile-
galidade de um ato que qualquer pessoa do povo pode praticar, que é a prisão em
flagrante de quem comete um crime, de quem acaba de cometê-lo.
A verificação do problema da responsabilidade, da culpabilidade, é posterior.
A Mesa do Senado autuou em flagrante, de acordo com o seu Regimento Interno.
Poderia fazê-lo? Indiscutivelmente! O artigo 307 do Código de Processo Penal
prevê a hipótese da autuação em flagrante por quem não seja autoridade policial.
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Nós todos, que conhecemos o foro e nele vivemos há tantos anos, sabemos qual
é a praxe que se segue nos tribunais, quando algum crime é cometido no seu
recinto. Dada voz de prisão a quem infringiu uma norma penal, o juiz pode autuar
em flagrante. É o que diz o artigo 307: “Quando o fato for praticado em presença
da autoridade ou contra esta, no exercício de suas funções, constarão do auto a
narração desse fato, a voz de prisão, as declarações que fizer o preso e os depo-
imentos das testemunhas, sendo tudo assinado pela autoridade, pelo preso e pelas
testemunhas e remetido imediatamente ao juiz a quem couber tomar conheci-
mento do fato delituoso, se não for a autoridaade que houver presidido o auto”.
Admite-se que o juiz exerça essa função de polícia judiciária. Por quê? Porque o
fato é cometido no recinto de um tribunal.
O Sr. Ministro Pedro Chaves: Até quando o juiz seja vítima de um desacato.
O Sr. Ministro Evandro Lins e Silva: Nesse caso, ele pode presidir ao auto.
Se o Poder Judiciário pode lavrar o flagrante, se a autoridade judicial pode pren-
der o criminoso, é evidente que também a autoridade do Poder Legislativo pode
presidir. O julgamento do crime imputado ao paciente não é da competência do
Supremo Tribunal e sim da do juiz de primeira instância.
Com esse adminículo de ordem processual, uma vez que a matéria de
ordem constitucional foi plenamente examinada pelo eminente Relator, também
concluo não conhecendo do pedido.
VOTO
O Sr. Ministro Vilas Boas: Eu estaria de pleno acordo com o eminente
Relator, se não fosse o tempo. Este Tribunal entrará em recesso no próximo dia
13, assim como todos os tribunais da Capital. É, pois, um caso de urgência. Nos
casos de urgência, o Supremo Tribunal tem sempre conhecido do habeas
corpus. Essa regra da competência não é rígida. Estou aqui há pouco tempo,
mas tenho assistido a muitos julgamentos em que...
O Sr. Ministro Hahnemann Guimarães: V. Exa. está no Tribunal há seis
anos.
O Sr. Ministro Vilas Boas: Estamos confiando demais no juiz, que poderá
apreciar, ou não, o auto de prisão em flagrante, o qual pode ser nulo em nosso
critério. De sorte que eu estaria de acordo com o eminente Relator — respeitaria o
princípio constitucional, que a meu ver não é rígido — se não fosse o tempo, se o
tempo não conspirasse contra nós. Mas as portas dos tribunais vão ser fechadas no
próximo dia 13. O paciente, um Senador da República e Ministro aposentado do
Tribunal de Contas, está preso. Essa prisão pode ser ilegal. Quem vai dizê-lo é o
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juiz, em primeira mão. O Supremo, porém, num caso de urgência, também pode se
manifestar a respeito. De sorte que peço vênia ao eminente Relator para declarar
minha disposição de julgar este caso, dada a sua urgência. No mais, estou de pleno
acordo com S. Exa. Devemos seguir a ordem. O auto de prisão vai para o juiz, que
homologará, ou não, esse auto, podendo relaxar a prisão. Trata-se, porém, de caso
de urgência. Li os autos e tenho minhas dúvidas. Trata-se de um homem que está
preso, cuja sorte estará nas mãos do juiz singular, quando o Supremo Tribunal pode-
ria, seguindo a sua praxe, dar a palavra de liberdade.
VOTO
O Sr. Ministro Candido Motta Filho: Entendo, como fez ver o eminente
Procurador-Geral da República, que o problema fundamental, data venia, é o da
competência, no seu alto significado político. Apreciando essa competência, vejo
que a Mesa do Senado agiu de acordo com as determinações constitucionais,
remetendo os autos à autoridade competente. De modo que não há mais razão
para o Supremo apreciar a matéria. Estou, assim, de acordo com o voto do emi-
nente Relator.
DECISÃO
HC 40.382/DF — Relator: Ministro Victos Nunes. Impetrante: Inezil
Penna Marinho. Paciente: Silvestre Péricles de Góes Monteiro.
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Não se conheceu do pedido,
por não ser caso de competência originária do Tribunal, contra o voto do
Ministro Vilas Boas.
Presidência do Exmo. Ministro Luiz Gallotti, na ausência do Exmo. Ministro
Ribeiro da Costa.
Relator: o Exmo. Ministro Victor Nunes.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Ministros Evandro Lins, Hermes
Lima, Pedro Chaves, Victor Nunes Leal, Gonçalves de Oliveira, Vilas Boas,
Candido Motta Filho e Hahnemann Guimarães.
Impedido: o Exmo. Ministro Lafayette de Andrada.
Brasília, 11 de dezembro de 1963 — Hugo Mósca, Vice-Diretor-Geral.
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422 (1956), Watkins v. United States, 354 US 178 (1957), Sweezy v. New
Hampshire, 354 US 234 (1957), Tenney v. Brandhove, 341 US 367 (1951),
Eisler v. United States 338 US 189 (1949). Vejam-se a respeito, Edward S.
Corwin, The Constitution of the United States of America (1953),
Alpheus T. Mason and William M. Beaney, The Supreme Court in a Free
Society (1959), Bernard Sewartz, The Supreme Court (1957), Justice
William O. Douglas, The Right of the People, 2ª ed. (1962).
Corwin, referindo-se à autoridade do Congresso sobre as testemunhas
convocadas por ele, assim nos informa (p. 85): “O explícito reconhecimento judi-
cial do direito de cada Casa do Congresso mandar prender, por contempt, uma
testemunha que ignora a sua intimação, ou se recusa a responder às perguntas,
data do caso McGrain v. Daugherty,” que é de 1927, “mas o princípio ali aplicado
tinha suas raízes numa decisão antiga, Anderson v. Dunn, que afirmou, em ter-
mos amplos, o direito, que tem cada ramo do legislativo, de prender e punir pes-
soa estranha por desrespeito à sua autoridade” (a person other than a member
for contempt of its authority).
Não podia, realmente, o poder de polícia das Casas do Congresso ficar
adstrito ao exercício, propriamente, da função parlamentar. Esta é uma prerroga-
tiva que resguarda o Poder Legislativo de qualquer atentado, em nome de sua
independência, garantida pela Constituição Federal. Segundo essa tradição, o
Regimento Interno do Senado e o da Câmara dos Deputados, em nosso País,
disciplina o modo de proceder da Mesa em tais circunstâncias.
Além disso, há que distinguir, na argumentação, os problemas da prisão em
flagrante e do inquérito. No caso dos autos, sustenta-se a nulidade de ambos, mas
o arrazoado do ilustre impetrante se refere particulamente ao inquérito.
Admitamos, por amor do debate, que a Câmara não tivesse competência
para fazer o inquérito (competência que admito, pelas razões já enunciadas).
Mas uma coisa é a nulidade da prisão em flagrante, outra coisa, a nulidade do
inquérito. Qualquer autoridade, mesmo não autorizada a fazer o inquérito, pode
prender em flagrante, como qualquer pessoa do povo. A autoridade, não apenas
pode, mas deve. É o que dispõe, expressamente, o art. 304 do Código de Processo
Penal. E tanto está admitida a prisão por outra autoridade que não a competente
para fazer o inquérito, que esse mesmo dispositivo manda remeter o preso à que
for competente para as investigações.
Vejamos, agora, o problema do inquérito não mais à luz do princípio cons-
titucional da independência dos Poderes, mas em face da própria lei processual
comum. O art. 307 do Código de Processo Penal, citado pelo Sr. Ministro Pedro
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No caso dos autos, foi o que ocorreu. Efetuada a prisão, realizado o inquérito,
o Senado deliberou, aprovando o flagrante e determinando a remessa dos autos à
justiça comum. O Senado agiu autorizado pela própria Constituição, não havendo
necessidade de invocar argumento de ordem legal para que pudesse usar de uma
prerrogativa envolvida no princípio da independência dos Poderes.
Resta, Sr. Presidente, o problema da falta de justa causa. Quero lembrar
aos eminentes colegas que, no Habeas Corpus anterior, transcrevi informações
do Presidente do Senado, em que constava esta passagem:
“O Senador João Agripino, que atentamente acompanhou esses
movimentos, atirou-se sobre o Senador Silvestre Péricles e segurou o
revólver do mesmo, cujo gatilho, porém, foi acionado, enterrando o
percursor, que detona a cápsula, no dedo do Senador João Agripino, que
ficou preso ao revólver”.
Daí o indiciamento do paciente por tentativa de homicídio.
Agora, no depoimento prestado em juízo pelo ilustre Senador João
Agripino (que consta dos autos por certidão), aquela cena foi descrita da seguinte
forma:
“(...) que nessa altura o revólver do Senador Silvestre Péricles já
estava seguro pelo depoente e pelos guardas que vieram em sua ajuda;
que o depoente não sabe se o percursor do revólver do Senador Silvestre
Péricles se armou ou quando o depoente colocou seu dedo polegar sobre
o local onde deveria ser a testa do percursor ou se quando procurava
arrancar dito revólver da mão do Senador Silvestre Péricles; que com os
movimentos daí resultantes o percursor se armou, vindo atingir o dedo
polegar direito do depoente (...)”.
Desse depoimento, prestado em juízo, não resulta firme convicção de que
o Senador Silvestre Péricles tivesse acionado o gatilho.
O ilustre impetrante do segundo habeas corpus, que ora estamos julgando,
exibiu da tribuna dois desenhos, para demonstrar a casualidade do ferimento na
mão do Senador João Agripino. Contudo, não dou muito valor a esses desenhos,
porque ostentam um erro palmar. O Senador Silvestre Péricles neles aparece, empu-
nhando a coronha do revólver com os quatro dedos da mão direita contrapostos
ao polegar. Nenhum atirador faz isso. A coronha é sempre empunhada com três
dedos mais o polegar, porque o dedo indicador há de ficar livre para acionar o
gatilho. O paciente, atirador experimentado, não poderia estar segurando o revólver
pelo modo como aparece nesses desenhos.
De qualquer modo, do depoimento do Senador João Agripino não resulta a
firme convicção de que o paciente houvesse engatilhado a arma e acionado o gatilho.
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Mas, como acentuou o eminente Ministro Pedro Chaves, a esta altura, o sumário
já deve estar encerrado. Consta dos autos uma certidão de que o ilustre Promotor
Dr. José Paulo Pertence já pediu a pronúncia, o que pressupõe a conclusão do
sumário. O ilustre impetrante declarou, porém, da tribuna, que tal ainda não
aconteceu. Se houve alguma diligência posterior, a formação da culpa deve estar
praticamente concluída, para ser apreciada pelo juiz da pronúncia. Não me
parece adequado que nos antecipemos a ele.
Além disso, não posso garantir ao Tribunal, porque não há elementos nes-
tes autos, que a única prova em que se baseou a denúncia, formalmente perfeita,
para atribuir ao paciente o início de execução do crime, seja o depoimento do
Senador João Agripino. É possível que sim, mas não posso transmitir ao Tribunal
qualquer certeza a esse respeito. Se constasse dos autos que somente o depoi-
mento do Senador João Agripino serviu de apoio à denúncia, eu concederia o
habeas corpus, porque aquele depoimento não é, de modo algum, conclusivo
sobre esse pormenor de magna importância, isto é, se o Senador Silvestre
Péricles acionou, ou não, o gatilho do revólver.
Por essas razões, Sr. Presidente, acompanho o eminente Ministro Pedro
Chaves, negando a ordem.
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sua significação, porque as Constituições de 1934 (art. 76, h), de 1937 (art. 101,
I, g) e de 1946 (art. 101, I, h) previram, expressamente, aquela competência
excepcional desta Corte. Tão longa continuidade é que permite ao nosso Regi-
mento dispor sobre o assunto, nos mesmos termos (art. 22, i), como já o fazia o
Regimento de 1909 (art. 16, § 2º, inciso 1º).
Que o caso presente era de urgência, nos termos da Constituição, não se
pode contestar, não só pela notoriedade como pela suspensão cautelar concedida
pelo eminente Relator e, ainda, pelos votos aqui proferidos.
Um dos casos julgados outrora pelo Supremo Tribunal foi o habeas
corpus impetrado por Rui Barbosa e correligionários, contra autoridades esta-
duais da Bahia, para que pudessem livremente fazer, ali, a propaganda de sua
candidatura presidencial (HC 4.781, 5-4-1919, DO de 17-7-20, p. 12070).
O Supremo Tribunal Federal concedeu a ordem, e o Relator, Edmundo
Lins, assim se expressou: “Ora, segundo tal dispositivo (art. 23 da Lei 221), este
Tribunal é competente para conceder, originariamente, a ordem de habeas
corpus no caso de iminente perigo de consumar-se a violência, antes de outro
tribunal ou juiz poder tomar conhecimento da espécie em primeira instância.
É o que, na hipótese vertente, fatalmente se daria se, ao Juízo Federal da
secção da Bahia, fosse impetrado este habeas corpus e ele o denegasse, pois o
recurso de sua decisão só poderia ser decidido por este Tribunal no prazo mínimo
de quinze a vinte dias, ao passo que faltam apenas oito para a eleição de Presi-
dente da República: claríssimo, pois, que se consumaria, plenamente, a violência
de que se arreceia o impetrante”.
Muito expressivo também foi o habeas corpus concedido, em 15-10-
1910, ao Coronel Antonio Bittencourt, Governador do Amazonas, coagido a sair
do Palácio e a deixar Manaus por forças federais que agiram à revelia da Pre-
sidência da República. Disse Pedro Lessa, falando pelo Tribunal: “Na espécie
dos autos, a coação ilegal que sofreu (e ainda não cessou) o paciente tem sido de
tal modo noticiada pela imprensa diária, tem sido tão discutida nas duas Casas do
Congresso Nacional, suscitando providências do Poder Executivo federal, que,
tratando-se de habeas corpus, bem se pode considerar a prova do fato perfeita-
mente suficiente, sendo assim desnecessário o pedido de informações”. Dizia,
em seguida, “que a asserção de ter sido o Governador do Estado do Amazonas
destituído do seu cargo pelo Poder Legislativo do Estado não justifica de modo
algum a coação que sofreu, e ainda não cessou, o dito Governador, porquanto,
sem apreciar a legalidade da destituição, matéria estranha ao habeas corpus,
em caso nenhum podem forças federais, destacadas em um Estado, sem ordem
do Presidente da República e com violação dos preceitos constitucionais que
garantem a autonomia dos Estados, coagir um governador, ou presidente, a reti-
rar-se da sede do Governo.”
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Portanto, estudar e decidir o caso presente em face do que dispõe uma lei
federal (Lei 1.079, de 1950) é orientação que remonta à mais antiga tradição do
Supremo Tribunal.
IV - Por essa lei e pelos dispositivos constitucionais a que se filia, não
podemos deixar de concluir pela necessária antecedência do processo de
impeachment quanto ao processo perante a Justiça comum (em qualquer dos
seus ramos, ordinários ou especiais), nos crimes de responsabilidade dos titulares
dos poderes políticos.
Esse princípio está na doutrina dos melhores escritores, bastando que me
reporte aos subsídios vulgarizados pelos que mais desenvolvidamente estudaram
o assunto entre nós: Cfr. RF 16/72, 25/124, 26/367, 26/453, 27/103, 125/93, 125/
108, 125/604.
Já no Império, não era diverso o nosso Direito Constitucional, consoante a
lição de Pimenta Bueno (Direito Público Brasileiro, ed. de 1958, p. 113): “(...) a
Constituição brasileira, com toda a sabedoria, não só firmou a responsabilidade
ministerial em seus arts. 132 e 133 (...), mas declarou privativa da Câmara dos
Deputados a atribuição de decretar a acusação, assim desses agentes do Poder
Executivo, como dos Conselheiros de Estado (...) Ainda quando o Senado não
houvesse de ser o tribunal de julgamento (...), é manifesto que a atribuição de
que nos ocupamos não deveria ser encarregada senão aos deputados da
Nação, guardas avançados de suas instituições e liberdades”.
A precedência do julgamento pelo crime de responsabilidade, que é ex-
pressa nas nossas Constituições em relação ao Presidente da República (1891,
art. 53; 1934, art. 58; 1937, art. 86; 1946, art. 88), foi adotada, em fórmula ampla,
pelo art. 12, § 8º, da Lei 221, de 1894: “O crime comum ou de responsabilidade
conexo com o crime político será processado e julgado pelas autoridades judiciá-
rias competentes para conhecer do crime político, sem prejuízo das atribuições
de outro Poder constituído para previamente julgar da capacidade política do
responsável para exercer o mesmo ou qualquer outro cargo público”.
A cláusula, que nesse texto se contém, sobre o julgamento prévio da “ca-
pacidade política” para o exercício do cargo corresponde, precisamente, à etapa
do impeachment, quando o acusado é titular de um poder político. Basta ver que,
julgando um caso em que se reclamava revisão criminal para um julgamento de
impeachment, o Supremo Tribunal, ao negar a pretensão, usou de expressões
muito semelhantes às do art. 12, § 8º, da Lei 221: “O julgamento político não tem
outro objetivo senão averiguar se o empregado possui ou não as condições
requeridas para continuar no desempenho de suas funções (...)” (ac. de 22-7-
1890, Mend. de Azevedo, ob. cit., n. 1.835).
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lei estabelece um processo contraditório com defesa da parte, prazos para defesa,
etc., para os casos de caducidade e anulação, temos de admitir que isso é aplicável
também a essa hipótese.
O Decreto 24.642 autorizou a lavra, o funcionamento por parte dessa com-
panhia impetrante. O efeito é interromper esse despacho do saudoso Ministro
Gabriel Passos.
Se, no caso de uma simples concessão, deve-se ouvir a parte, muito mais
quando a firma estava de posse de uma situação de direito, em que se lhe atribuíam
minas exploradas anteriormente à Constituição de 34.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Agradeço os esclarecimentos, mas eles não
perturbam o desenvolvimento do meu raciocínio. Se o eminente Ministro Prado
Kelly não indicou expressamente os arts. 26 e 38, mencionou o vício de incom-
petência do Ministro, e é este aspecto que desejo examinar quando aludo aos
artigos citados pelo eminente Ministro Aliomar Baleeiro, pois eles traduziram, em
termos de legislação minerária, o problema de competência focalizado nos votos
que dão provimento ao recurso.
Vejamos o que dizem esses dispositivos e os que lhes estão vinculados. O
art. 24 refere-se particularmente ao processo de autorização de pesquisa; o art.
38, ao de lavra.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Se, pelo menos, se dá essa cautela, com
maior razão se dará pelo máximo.
O Sr. Ministro Victor Nunes: V. Exa. verá que o meu raciocínio está sendo
conduzido por outro caminho. O art. 24 diz em que condições caduca a autoriza-
ção de pesquisa. O art. 25 prevê a anulação da autorização de pesquisa. E o art.
26, compreendendo as duas hipóteses (caducidade e anulação), dispõe:
“Antes de decretada a caducidade ou a anulação, os seus motivos
serão aduzidos e processados administrativamente, sendo intimada a parte
a, dentro de sessenta dias, apresentar contestação. Se a parte não fizer
oposição, ou se os motivos por ela oferecidos e postos em prova não
ilidirem a imputação e as provas já produzidas, o Ministro da Agricultura
pronunciará a caducidade, em despacho motivado”.
Mas tanto o art. 24, no parágrafo único, como art. 25 (o primeiro tratando
da caducidade e o segundo da anulação) dizem que esses atos se formalizam em
decreto do Presidente da República.
Há, pois, aparentemente, uma contradição na própria lei, entre os arts. 24 e
25, de um lado, e o art. 26, de outro. Os dois primeiros falam em decreto do Presi-
dente, o último em despacho do Ministro.
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Mas não existe tal contradição. É que a lei não deu a esse despacho do
Ministro, embora pronunciando a caducidade, o efeito de despacho terminativo
do processo. Prevê que o processo ainda tenha de subir ao Presidente da Repú-
blica, para lhe dar a solução final em forma de decreto.
Isso, no que toca à pesquisa. Mas vem o art. 38, referente à lavra, e diz a
mesma coisa quando faz remissão ao art. 26:
“A nulidade das autorizações de lavra feita com infração do disposto
neste Código poderá ser declarada, mediante processo administrativo, por
decreto do Presidente da República, observados o prazo e formalidades do
art. 26, ou por sentença judicial (...)”.
Portanto, tudo quanto está no art. 26, sobre a pesquisa, também está no
art. 38, que se refere à lavra. Ambos prevêem um despacho ministerial, declarando
a caducidade, mandando, apesar disso, que o processo suba ao Presidente da
República para decisão final. Conclui-se, pois, que, pela própria lei, aquele despa-
cho ministerial não é terminativo do processo, como observou o eminente Ministro
Gonçalves de Oliveira em seu douto voto.
Assentada essa conclusão preliminar, que é que estamos discutindo neste
pedido de segurança, nos termos em que foi posto o debate?
Os que a negam afirmam que era ilegal o ato anterior que admitira retifica-
ção do manifesto dos depósitos minerais da impetrante (quero evitar, por ora, o
emprego da palavra mina). Esses votos, portanto, data venia, prejulgam o pro-
cesso administrativo num sentido. Do mesmo modo procedem, mas em sentido
inverso, os que dão provimento ao recurso, quando afirmam que foi ilegal e
abusivo o ato ministerial, porque a exploração da mina já vinha de muito tempo,
desde antes da Constituição de 34, sendo, pois, incontestável o direito à sua ex-
ploração, na condição de lavra. É possível que o Sr. Ministro Prado Kelly não
tenha ido tão longe, afirmando o direito da recorrente à efetiva exploração.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Já que V. Exa. me faz a honra de citar-me a
respeito, há de consentir que, nesse caso, corrobore o meu pensamento. O des-
pacho cancelador das averbações diz o seguinte:
“Aprovo o parecer de fls. 103/104, do Sr. Consultor Jurídico. Em
conseqüência, cancelem-se as averbações irregularmente processadas.
Determine o DNPM a cessação imediata das explorações concedidas
pelos cancelamentos e acompanhe a execução das medidas de desapro-
priação das terras necessárias à exploração das referidas jazidas que fi-
cam com o seu aproveitamento destinado a Sociedade em que a União
figure com maioria de capital. Em 14 de junho de 1962. Gabriel de
Rezende Passos”.
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Vamos, então, conceder uma segurança e fica tudo como era antes, para
que as autoridades façam, ou não, o processo administrativo?
O Sr. Ministro Prado Kelly: Elas é que têm de velar pelo interesse nacional.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira (Relator): O Presidente da República
é que deve decidir. O Supremo Tribunal não pode trancar o andamento desse
processo administrativo.
O Sr. Ministro Prado Kelly: O Supremo Tribunal não o está trancando. O
Tribunal está examinando tão-só o despacho.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira (Relator): Com a devida vênia, tranca.
O Governo será árbitro da conveniência de averbar, ou não, de julgar, em defini-
tivo, o processo administrativo. Entendo que o processo está aberto e entendo
que ele deve ser decidido pelo Governo Federal.
O Sr. Ministro Prado Kelly: De inteiro acordo com V. Exa. neste ponto: o
processo continua aberto e será decidido pelo Governo Federal. O que não se
convalida é o vício de competência, é o ato terminativo, como V. Exa. considera,
do Sr. Ministro de Minas e Energia.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira (Relator): O que eu entendo é que,
assim, o processo ficará trancado, o que não deve prevalecer.
O Sr. Ministro Prado Kelly: O mandado de segurança é só contra o ato do
Ministro, contra o vício de competência.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Nós não podemos ordenar o processo.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Nem é de nossas atribuições.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Sr. Presidente, apreciei muito o debate que se
travou à margem do meu voto. Peço vênia para voltar ao esclarecimento dado
pelo eminente Ministro Prado Kelly a respeito do despacho do Sr. Ministro
Gabriel Passos. S. Exa. disse que aquele despacho era executório e, portanto,
terminativo do feito. Conforme essa argumentação, o Ministro não tinha compe-
tência para terminar o processo.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Muito bem!
O Sr. Ministro Victor Nunes: Concordo. Mas o que sustento é que tinha
competência para pronunciar a caducidade, porque a lei lhe dava essa compe-
tência, em texto expresso.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Ante certas formalidades legais. Acho que não
houve...
O Sr. Ministro Victor Nunes: Vou chegar a esse ponto. Apenas não desejo
alterar a linha do meu raciocínio.
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O Sr. Ministro Prado Kelly: V. Exa. não anula o ato, mas o modifica em
seus efeitos; V. Exa. revê o ato para dar-lhe uma interpretação que não é a
resultante do seu contexto. Só por isso é que tive que impugnar a validade do ato
como razão de meu voto.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Na ausência de qualquer texto do Código de
Minas sobre a averbação de que ora se cogita, estou aplicando, analogicamente,
como todos estamos fazendo, os arts. 26 e 38, que tratam da lavra. O art. 26
manda que o Ministério da Agricultura (hoje, o de Minas e Energia) pronuncie a
caducidade da lavra em despacho motivado. Qual é o equivalente da caducidade
da lavra, em se tratando da averbação ora questionada e que não está prevista na
lei? É o cancelamento da averbação. O despacho ficou, portanto, nos limites da
lei. A sua execução imediata é que iria além da lei.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: O art. 26 refere-se a processo administrativo,
que, no caso, não houve, nem foi iniciado. O Presidente Jânio Quadros mandou
promover o processo. Que houve depois? Iniciou-se o processo? O Ministro das
Minas e Energia chamou o Consultor Jurídico e lhe disse que queria um parecer,
que foi dado. Mas isso não é processo administrativo.
O Sr. Ministro Victor Nunes: É processo administrativo, com um único
defeito: a parte não foi ouvida, como disse o eminente Ministro Gonçalves de
Oliveira. Foi proferido o despacho, antecipadamente, sem audiência da parte.
Mas, como esse despacho, em face da lei, não é executório, e como o Tribunal
Federal de Recursos já deu, em parte, a segurança para que as providências
complementares não se executem sem a audiência da parte, também posso man-
dar, regularizando o processamento, que, antes da subida do processo à Presidên-
cia da República para decisão final, a parte seja ouvida na forma da lei. Ficará,
então, suprida a falta, abrindo-se oportunidade à defesa.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: O eminente Ministro Gonçalves de Oliveira e
V. Exa. mandam que a parte seja ouvida antes que o processo suba ao Presidente
da República. O próprio art. 26, entretanto, ordena que, feito o processo adminis-
trativo, o Ministro se pronuncie.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira (Relator): E mande o processo ao
Presidente da República.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Então, essas duas coisas não se conciliam.
Uma coisa é fazer processo administrativo, pronunciar-se o Ministro sobre ele e
subir o processo ao Presidente da República para que decida; e outra coisa é
mandar a parte falar, subindo os autos, em seguida, ao Presidente da República,
sem que tenha havido o processo administrativo, conforme prevê a lei e ordenou
o Presidente Jânio Quadros.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira (Relator): Não há exaustão admi-
nistrativa. O Ministro de Minas e Energia pode mudar seu ponto de vista.
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O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Então já não é o que foi dito no voto de V. Exa.:
ouvir-se a parte e remeterem-se, em seguida, os autos ao Presidente da República.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira (Relator): Não. Na esfera administra-
tiva, não há esse rigor de exaustão da competência. O Ministro, ao encaminhar o
processo, pode, sem dúvida, opinar e até modificar o pronunciamento anterior.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Não podemos fazer uma espécie de des-
pacho saneador neste processo.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira (Relator): Não quero que fique sem
solução o processo administrativo, que não fique sem andamento esse caso. É
nesse sentido o meu voto.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Andamento deverá ter. O Ministério de Minas
e Energia deve dar andamento, ou melhor dizendo, deve dar início ao processo
administrativo.
O Sr. Ministro Prado Kelly: No momento, reservam-se ao Poder Executi-
vo todos os caminhos para o exercício das suas funções constitucionais e admi-
nistrativas. O Governo disporá de todos os elementos para a defesa do interesse
nacional, se acaso esse interesse estiver comprometido.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Não é a mesma coisa.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Não estou dizendo que seja.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira (Relator): Folgo muito em registrar o
aparte de V. Exa., porque o meu cuidado neste processo é que ele não fique
encerrado, que continue em andamento até ser decidido pelo Presidente da Re-
pública, que determinou a sua instauração.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Nós estávamos muito perto. As nossas inten-
ções coincidiam, como coincide o nosso zelo, de uma e de outra parte, em relação
à defesa dos interesses econômicos do Brasil.
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira (Relator): Agradeço e folgo muito
em registrar o aparte de V. Exa., porque esse processo administrativo não pode
ficar paralisado; deve ficar na esfera administrativa até a decisão do Presidente
da República.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Foi o que o Presidente da República mandou
fazer, e não se fez. Fez-se coisa diferente. Penso que o Ministério de Minas e
Energia tem o dever de cumprir o despacho do Presidente enquanto não for
revogado. Qual o despacho do Presidente Jânio Quadros? Mandou promover o
processo administrativo.
Mas, isso não foi feito.
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O Sr. Ministro Victor Nunes: Vou concluir meu voto, Sr. Presidente. Não é
a mesma coisa dar a segurança em parte, para que o processo suba à deliberação
presidencial, depois de ouvido o interessado, com amplos meios de defesa, ou
dizer que o Presidente da República tem, em tese, todos os poderes que a Cons-
tituição lhe confere para tratar, ou não, desse assunto.
O Sr. Ministro Luiz Gallotti: Não digo só isso. Digo que o processo admi-
nistrativo deve ser iniciado e ter andamento.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Eu não me referia, particularmente, à obser-
vação de V. Exa.
Prosseguindo em meu raciocínio, pondero que já há um processo adminis-
trativo instaurado por ordem do Presidente da República. Esse processo, corrigido
nas suas irregularidades — que são a falta de defesa e o caráter executório que
se pretende dar ao despacho ministerial —, é que deve subir à deliberação presi-
dencial. Há, pois, uma diferença prática importante.
A conclusão do meu voto, portanto, Sr. Presidente, é concedendo a segu-
rança em parte, para o fim indicado. Faço ressalva pessoal quanto às considera-
ções finais do voto do Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira, que se referem a fatos
futuros, que eu só apreciaria em outra oportunidade, quando, porventura, ocor-
ressem e fôssemos chamados a decidir.
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153, § 1º), daí concluímos que o Código de Minas não podia subsistir, no art. 6º,
na parte que continha proibição igual à da Constituição de 1937.
Do mesmo modo, se a Constituição de 1946, podendo manter a cláusula da
de 1934, que permitia a eleição indireta dos Prefeitos, optou pela sua supressão,
assim procedeu para vedar a eleição indireta dos Prefeitos, em consonância com
o disposto no seu art. 134.
Também se argumenta, neste caso, Sr. Presidente, que tais precauções,
quanto à forma de investidura, são de secundária importância, porque o Municí-
pio não é uma célula política da Nação, mas apenas um órgão administrativo.
O eminente Ministro Hermes Lima já aduziu, em seu brilhante voto, razões
muito ponderáveis para sustentar o contrário. Mais uma vez peço vênia, Sr. Pre-
sidente, para ler trecho de minha tese de concurso, escrita em 1948, que tratava
dos problemas da organização municipal. Quando se discutiu, sob o regime de 91,
e mais tarde, na Constituinte de 34, e ainda, com menos ardor na Constituinte de
46, se os Prefeitos deveriam ser eleitos ou não, os adversários da eletividade sem-
pre argumentaram com o caráter puramente administrativo dos Municípios. Esse
argumento, considerado de relevo, foi amplamente desenvolvido por Francisco
Campos, em conhecido trabalho a respeito de organização municipal.
Procurando mostrar a irrealidade dessa objeção, assim escrevi em minha
tese de concurso (Coronelismo, p. 93):
“Dar relevo ao caráter administrativo e técnico do executivo muni-
cipal no Brasil, por mais nobres que sejam as intenções de quem assim
proceda, contrasta violentamente com a cotidiana evidência dos fatos.
Muito menos que administrador, o Prefeito tem sido, entre nós, acima de
tudo, chefe político. A prefeitura é, tradicionalmente, ao lado da vereança e
da promotoria pública, um dos primeiros degraus da carreira política em
nossa terra.
Por sua qualidade de chefe político, tudo ou quase tudo no Município
gira em torno do Prefeito. Nos períodos de Governo representativo é ele
quem orienta a maioria da Câmara Municipal e nas fases do Governo
discricionário exerce uma ditadura limitada no espaço, mas efetiva e
multiforme. Este fenômeno não é do passado, mas de nossos dias. Neste
atormentado período de reconstitucionalização do país, quando o Governo
José Linhares procurou resguardar a pureza das eleições federais, uma
importante medida a que recorreu foi a substituição de Prefeitos. E depois
do pleito estadual, de 19 de janeiro de 1947, conforme foi amplamente
noticiado nos jornais, o problema do provimento das prefeituras ocasionou
acerbas disputas políticas, não só no cenário estadual, senão também no
federal.”
506
Ministro Victor Nunes
Ainda agora, Sr. Presidente, como alegar que não tem importância política
a forma de investidura dos Prefeitos municipais quando, precisamente sobre a
investidura do Prefeito de Porto Alegre, se forma, no País, um clima de tanta
agitação política, desmentido contundente à asserção de que o Município seja
exclusivamente uma célula administrativa?
Recorde-se, aliás, que o argumento do caráter administrativo dos Municí-
pios vem, a rigor, do Império, da Lei Municipal de 1828, mas essa lei afirmava o
caráter administrativo das Câmaras, não para lhes negar importância política,
mas para lhes recusar atribuições judiciárias. Eram entidades administrativas, no
sentido de que não seriam judiciárias, para contrastar com as Câmaras Munici-
pais do período colonial, que, ao lado das atribuições administrativas, também
exerciam funções de caráter jurisdicional.
Atendendo ao movimento municipalista, que se avolumou no País, no cor-
rer dos tempos, as Constituições de 1934 e de 1946 instituíram, como essencial à
autonomia municipal, a eletividade dos Prefeitos.
O memorial do recorrente, que — repita-se — é notável na argumentação,
sustenta que a sucessão do Prefeito pelo Presidente da Câmara, que é um verea-
dor, não faz nosso aquele princípio, porque o eleitorado, ao eleger os vereadores,
está escolhendo, ao mesmo tempo, um titular potencial ao cargo de Prefeito
(Memorial, p. 23).
Se assim fosse, Sr. Presidente, poder-se-ia violar (por indisfarçável ato
indireto, que a doutrina define como ato fraudulento) uma outra proibição termi-
nante da Constituição Federal. A Constituição, no art. 139, que regula as inelegi-
bilidades, não as estende ao cargo de Vereador, mas cuidou especialmente do
Prefeito, nestes termos:
“Art.139. São também inelegíveis: (...)
III - para prefeito, o que houver exercido o cargo por qualquer
tempo, no período imediatamente anterior, e bem assim o que lhe tenha
sucedido, ou, dentro dos seis meses anteriores ao pleito, o haja substituído;
e, igualmente, pelo mesmo prazo, as autoridades policiais com jurisdição no
Município”.
Como essas autoridades não são inelegíveis para Vereador, dentro da lógica
do memorial do recorrente, qualquer delas, numa combinação política, poderia
eleger-se Vereador e, a seguir, Presidente da Câmara, e, nessa qualidade, com a
renúncia do Prefeito, poderia suceder-lhe no cargo, com violação do art. 139 da
Constituição. Argumentando com essa possibilidade, para bem interpretarmos os
textos, havemos de concluir que não é exato que o eleitor, ao eleger os Vereadores,
está elegendo também um Prefeito em potencial, porque a Constituição não
permite que se elejam Prefeitos senão as pessoas não atingidas pelas inelegibili-
dades específicas, e estas não prevalecem para os Vereadores. Por outro lado, só
é legitima a eleição pela forma prescrita na Constituição Federal. Se ela veda a
507
Memória Jurisprudencial
eleição indireta do Prefeito, é claro que eleger Vereadores não é a mesma coisa
que eleger Prefeitos em potencial, porque isso importaria institucionalizar a eleição
indireta, que a Constituição fulmina.
Também se argumenta que é muitas vezes perturbadora e inconveniente
uma eleição no curso do mandato da administração. Sim, a eleição é algumas
vezes perturbadora, Sr. Presidente, mas, para remover esse obstáculo, a Consti-
tuição Federal abriu uma válvula quando permitiu que o Presidente e o Vice-
Presidente da República sejam eleitos indiretamente, se as vagas se derem na
segunda metade do mandato. Com essa providência, a Constituição também per-
mitiu que os Estados e os Municípios se livrem de eleições perturbadoras, pela
investidura indireta, mas com a condição de se fazer a escolha indireta na segunda
metade do mandato. Para a Constituição, que todos devemos acatar, só é poten-
cialmente perturbadora a eleição direta na segunda metade do mandato.
Concluindo minhas considerações, Sr. Presidente, tenho como inconstitu-
cional o art. 155, parágrafo único, da Constituição do Estado do Rio Grande do
Sul, na parte em que permite a sucessão do Prefeito pelo Presidente da Câmara
Municipal na primeira metade do mandato.
Indaga-se, por outro lado, se a Câmara Municipal teria poderes para regular
essa matéria. A Constituição do Rio Grande do Sul lhe dá, expressamente, esse
poder, fazendo exceção ao regime comum dos outros Estados. Mas a Câmara de
Porto Alegre usou esse poder na Emenda n. 7, de 1964, à sua Lei Orgânica, com
o mesmo vício de inconstitucionalidade que já se continha parcialmente no art.
155, parágrafo único, da Constituição do Estado, porque apenas eliminou a suces-
são do Prefeito pelo Presidente da Câmara, para fazê-lo suceder, mesmo na
primeira metade do mandato, por quem viesse a ser eleito, indiretamente, por ela.
O uso que a Câmara fez do seu poder de auto-organização ficou maculado pela
mesma pecha de inconstitucionalidade.
Resulta, então, por força da inconstitucionalidade, que não há um texto de
direito estadual regulando a hipótese. Qual a conseqüência de não haver esse texto,
já que são inconstitucionais os existentes? Não há solução mais simples. Basta
aplicar-se o Código Eleitoral, que é o texto legal competente para dizer como se
fazem as eleições neste País. E o seu art. 46, especialmente o § 2º, mandam,
expressamente, eleger pelo voto direto os Prefeitos e os Vice-Prefeitos.
E foi assim que decidiu a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, cujo acórdão, portanto, eu confirmo, negando provimento aos
recursos, data venia do eminente Ministro Relator, que proferiu, como sempre,
um brilhante voto.
508
Ministro Victor Nunes
509
Memória Jurisprudencial
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: 1. O Recorrente moveu contra o recorrido
“ação ordinária de rescisão de contrato” de locação comercial de aluguéis, por
falta de pagamento. A r. sentença de fls. 27-28 deferiu a emenda da mora e
julgou extinta a ação. Esse decisório foi confirmado em grau de apelação, pelo v.
acórdão de fl. 44v. O Recorrido foi citado a 11-7-64 e só depositou os aluguéis em
débito a 22-9-64, como diz o acórdão.
2. O contrato de fl. 3 estabelece pagamento até o 5º dia do mês subse-
qüente ao vencido, portable na residência do locador (cláusula 2ª), com a san-
ção de rescisão plena e imediata na falta de cumprimento de qualquer das
cláusulas (8ª).
3. Às fls. 46-48, vem o locador com recurso extraordinário, invocando a
Súmula 123 e diversos julgados do STF, que juntou por fotocópia: ERE 56.696,
Rel. Em. Ministro Candido Motta Filho, in RTJ 33/885, RE 58.115, Rel. Em.
Ministro Pedro Chaves, in RTJ 36/152, e RE 51.405, Rel. Em. Ministro Candido
Motta Filho, publicado na Revista de Jurisprudência.
4. O recurso foi admitido pelo r. despacho de fl. 56 e devidamente pro-
cessado.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): O caso é igual ao do RE n.
62.739, que esta 2ª Turma já resolveu submeter ao Pleno, em face das dúvidas
sobre a constitucionalidade do Decreto-Lei 322, de abril p.p.
Proponho que também este recurso seja levado ao Pleno, para ser julgado
conjuntamente com aquele.
DECISÃO
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: a Turma, unânime, remeteu
os autos ao Tribunal Pleno.
Presidência do Exmo. Sr. Ministro Hahnemann Guimarães.
Relator, o Exmo. Sr. Ministro Aliomar Baleeiro.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Ministros Aliomar Baleeiro,
Adalicio Nogueira, Evandro Lins e Hahnemann Guimarães.
Licenciado, o Exmo. Sr. Ministro Pedro Chaves.
Em 30 de maio de 1967 — Guy Milton Lang, Secretário.
510
Ministro Victor Nunes
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: 1. Em locação da Lei de Luvas, a firma
locatária, confessadamente em mora, em abril de 1965, pediu emenda desta no
prazo de 30 dias, fixando o juiz prazo excedente do da contestação da lide. Im-
pugnado esse despacho, reformou-o o magistrado (fl. 42, em 19-6-65). Mas o
depósito foi extemporâneo.
2. Os v. acórdãos da apelação (fl. 106) e embargos (fl. 134), por maioria
de votos, entenderam que a emenda deveria ser cumprida até a contestação, mas
que o engano do juiz, dando dilação maior, constituía obstáculo judicial (3-11-
1966).
3. Recorre a locadora, à fl. 139, pela letra d, alegando divergência e ofensa
à Súmula 123.
É o relatório.
SUSTENTAÇÃO DE PARECER
O Sr. Dr. Procurador-Geral da República: Sr. Presidente, a Procurado-
ria-Geral da República não teve ocasião de se pronunciar sobre a questão
constitucional levantada por S. Exa., o eminente Relator.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): V. Exa. recebeu uma cópia.
O Sr. Procurar-Geral da República: Sim, recebi uma cópia, mas não sabia
que o julgamento seria hoje.
A questão levantada seria, ao que me recordo, a seguinte: o Sr. Presidente
da República baixou um decreto-lei sobre locações, baseado na faculdade cons-
titucional de expedir decretos-leis em matéria de segurança nacional.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Trata-se do art. 58, I, da Constituição de
1967.
O Sr. Dr. Procurador-Geral da República: Diz este artigo:
“O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse
público relevante, e desde que não resulte aumento de despesa, poderá
expedir decretos com força de lei sobre as seguintes matérias:
I - segurança nacional;
II - finanças públicas.”
O Presidente da República expediu esse decreto em causa sobre locações
de imóveis — matéria de inquilinato — e, no decreto, estabeleceu certas medidas.
Agora, o eminente Ministro Relator, no julgamento de processos pertinentes, le-
vanta, ex officio, a questão constitucional. Sim, porque essa questão não foi
levantada pela parte.
511
Memória Jurisprudencial
512
Ministro Victor Nunes
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro: Ou podem dizer: não convém porque não
adotamos a mesma política legislativa do Presidente da República.
O Sr. Procurador-Geral da República: Perfeito. É matéria do âmbito do
Congresso e está superada.
Entretanto, do ponto de vista da urgência, peço vênia ao Supremo Tribunal
Federal para ponderar o seguinte: esta matéria de locação assumiu, na vida pública
brasileira, uma natureza social de maior urgência. Esses problemas de locação
prendem a atenção desta Suprema Corte, posso dizer, há quarenta e cinco anos,
desde a primeira lei do inquilinato, em 1922, e tive ocasião de requerer, baseado
nessa lei, e o Supremo Tribunal sempre entendeu que a matéria da lei do inquilinato
é matéria de urgência, é matéria excepcional, é matéria do mais alto interesse
público, que justifica mesmo a aplicação imediata da lei, até a processos em
curso. Quando se promulgou a primeira lei do inquilinato, em 1922, discutiu-se,
neste Tribunal — e naquele tempo a nossa Constituição era uma Constituição
ultra-individualista, a de 1891 —, da constitucionalidade — naquela época a pala-
vra era outra, era o tabelamento dos aluguéis pelo Comissariado de Alimentação
Pública —, se era possível, se era constitucional o tabelamento de aluguéis. O
Supremo Tribunal, para seu gáudio, já naquele tempo, deu ao assunto uma interpre-
tação lata, no sentido de que a propriedade tinha suas funções sociais, e que, por-
tanto, em casos de alta necessidade pública, de urgência, de interesse público, o
Governo poderia tabelar os aluguéis. Em 1921 e 1922, houve uma grande crise de
habitação no Rio de Janeiro, daí a primeira lei de inquilinato, depois a segunda,
todas as duas julgadas constitucionais. E até hoje, ao que me consta, nunca o
Supremo Tribunal julgou inconstitucional uma lei de tabelamento, de fixação de
aluguéis, embora a Constituição se refira àqueles conceitos individualistas,
clássicos, ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido. Não conheço acórdão
nenhum do Supremo Tribunal impugnando a legislação do inquilinato, quer a de
após a primeira guerra, quer a legislação do inquilinato que vem desde 1942 até
hoje, com sucessivas prorrogações. O Supremo Tribunal Federal tem entendido
que esta matéria está dentro da nova concepção da propriedade como função
social.
Portanto, Srs. Ministros, este decreto-lei foi expedido nesse sentido social
que vivemos hoje. Daí a sua urgência, daí o seu interesse público, daí aquele texto
que o eminente Ministro Relator leu, que se aplica aos processos em curso. Toda
a legislação do inquilinato que se tem feito se aplica aos processos em curso e às
locações em curso. É um texto que encontramos em 1942 e nas legislações que
se vêm sucedendo.
São essas, Srs. Ministros, as observações que a Procuradoria-Geral da
República pede desculpas de tão prolixamente ter desenvolvido. Mas é assunto —
os Srs. Ministros compreendem — da mais alta relevância social e econômica
para o País.
513
Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Sr. Presidente, não perdi uma
sequer das palavras do eminente Procurador-Geral da República, porém,
estamos falando, por infelicidade minha, línguas diferentes.
Não contesto qualquer das teses ou dos fatos que S. Exa. trouxe como
informação ao Supremo Tribunal. Sei que a Câmara e o Senado silenciaram
sobre esse decreto-lei. A interpretação desse silêncio tem sido diversa e oposta.
Uns, como S. Exa., acham que isso foi uma concordância com a justiça desse
diploma, outros acham que isso, pelo contrário, foi uma desaprovação à maneira
pela qual esse diploma foi criado.
Não me cabe, Sr. Presidente, psicanalisar os eminente representantes da
Nação. Por outro lado, não contesto que esta lei ou quaisquer outras, válidas
constitucionalmente, têm eficácia imediata. O normal é que toda lei tem eficácia
imediata, naquele minuto e para o futuro. O que contesto é que, num sistema
como o nosso direito brasileiro, em que se nega a força retroativa da lei, salvo os
casos que ela própria ressalva, como nas leis criminais mais favoráveis ao réu —
o que contesto é que possa prejudicar o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e as
situações definitivamente constituídas. É essa a minha tese. Sobre ela o nobre e
eminente Procurador-Geral da República não falou.
Não entro, Sr. Presidente, na apreciação da justiça da lei. Desde que aceitei
um posto neste Supremo Tribunal Federal, com muita honra para mim, lembrei-me
de que, na minha mocidade, me tinham ensinado aquela regra sovadíssima, de
D’Argentré: não julgo a lei, julgo segundo a lei.
514
Ministro Victor Nunes
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
517
Memória Jurisprudencial
518
Ministro Victor Nunes
O Sr. Ministro Prado Kelly: Se pode ter aplicação nesta instância, por meio
de recurso extraordinário ou em agravo de instrumento, que pressupõe a denegação
do recurso.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Aí vamos ter outra tarde perdida
com esse decreto-lei.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Aí a incompatibilidade do art. 5º será com o
artigo que define o recurso extraordinário, com o artigo que era, antes, o 101.
Esse é o ponto. Seria a incompatibilidade do art. 5º em relação ao art. 114 da atual
Constituição, que delineia o campo do recurso extraordinário. Se a preliminar for
vitoriosa, não há razão de entrar nos outros assuntos, a não ser na parte do mérito.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Creio que a sugestão do emi-
nente Ministro Prado Kelly teria a virtude de restringir ao estritamente indispen-
sável a votação. Sou dos que acham que as leis, aliás na velha regra, só quando
absolutamente inconstitucionais devem ser declaradas como tais. Acho que os
membros do Congresso, responsáveis pela política legislativa do País, podem exi-
gir que apliquemos cegamente todas as leis que forem constitucionais, boas ou
ruins. Quem se queixar da justiça da lei, que vá às eleições e substitua os deputa-
dos e senadores. Nosso papel não é fazer leis, mas justiça segundo as leis cons-
titucionais.
O Sr. Ministro Adaucto Cardoso: V. Exa. emitiu seu voto a respeito da
constitucionalidade do decreto-lei.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Eu emiti meu voto sobre a
constitucionalidade...
O Sr. Ministro Victor Nunes: Brilhante voto.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): ...quer pelo ponto de vista de
que ele não se contém no conceito de segurança nacional, quer porque o art. 5º...
O Sr. Ministro Adaucto Cardoso: Neste caso, a questão está posta por V. Exa.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Eu proponho, data venia do
eminente Ministro Prado Kelly, que se entre na constitucionalidade do art. 5º, sem
discutir o problema da segurança nacional. Estou satisfeito com a solução para o
caso concreto. Quem tiver interesse, suscite a outra questão.
O Sr. Ministro Prado Kelly: Pode-se discutir o art. 5º de ângulos diversos:
a aplicação dele na instância inferior e no Supremo Tribunal e a sua aplicação
aos feitos pendentes. Não está em causa a segunda parte.
O Sr. Presidente Luiz Gallotti: V. Exa. propõe que se ponha a votos a incons-
titucionalidade do art. 5º?
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Sim, o que manda seja aplicado
retroativamente o Decreto- Lei 322 aos casos sub judice.
519
Memória Jurisprudencial
VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Barros Monteiro: Sr. Presidente, tenho a impressão que as
duas questões estão entrelaçadas.
Mas se V. Exa. as separou para votação, estou de acordo com o eminente
Relator. A meu ver, é inconstitucional o preceito e não pode ser aplicado retroati-
vamente.
O Sr. Presidente Luiz Gallotti: O eminente Procurador-Geral da República
preferiria que se votasse primeiro a preliminar do cabimento do recurso, mas o
eminente Relator julga que a aplicação do Decreto-Lei é inconstitucional.
O Sr. Ministro Hermes Lima: Pelo voto do eminente Relator e do eminente
Ministro Barros Monteiro, julga-se ao mesmo tempo a constitucionalidade, decla-
rando-se inconstitucional o art. 5º, na parte em que manda aplicar aos casos
pendentes.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Creio, data venia, que a solu-
ção alvitrada pelo eminente Procurador-Geral criaria um impasse. Continuaria a
luta entre as partes, uma dizendo que teve ganho de causa no Supremo Tribunal,
e a outra que, aplicando-se o Decreto-Lei 322, poderia voltar para resolver o
mesmo problema. Temos de enfrentar a dificuldade, e Deus que nos ilumine.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Eu pediria licença aos eminentes colegas para
uma ponderação. A meu ver, o eminente Relator colocou bem o problema, porque
todas essas questões estão entrelaçadas. Veja-se a minha dificuldade pessoal. Se
se tratasse de lei emanada do Congresso, que ampliasse a faculdade de purgar a
mora, inclusive para os processos pendentes, eu a aplicaria. De modo geral, temos
aplicado a legislação sobre o inquilinato aos processos pendentes. Quando...
O Sr. Ministro Evandro Lins: A todos eles.
O Sr. Ministro Victor Nunes: ...o Tribunal fala em vigência imediata de tais
leis, não o diz no sentido em que o eminente Relator empregou a expressão, isso é,
de observância da lei a partir do momento de sua vigência. Temos empregado essa
expressão, numerosas vezes, no sentido de fazer a lei nova alcançar os processos
em curso.
No caso em exame, ao votar essa preliminar, tenho primeiro de analisar a
validade do decreto-lei, porque o tenho por inconstitucional. Como poderia eu,
sem contradição, dizer que esse decreto-lei se aplica aos casos pendentes, se o
considero inconstitucional.
O Sr. Ministro Evandro Lins: Ele não se aplica aos processo pendentes. A
questão da inconstitucionalidade é prejudicial de todas as outras questões.
O Sr. Ministro Prado Kelly: A preliminar é de ser formulada nestes ter-
mos: “Aplica-se aos casos em julgamento o art. 5º do Decreto-Lei 322?” A mo-
tivação é que pode variar. Uns não aplicarão o preceito, por considerar o decreto-
lei inconstitucional...
520
Ministro Victor Nunes
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Eu não aplico pelos dois motivos.
O Sr. Ministro Prado Kelly: ...outros, por uma razão de técnica processual,
em face do art. 114 da Constituição. Serão razões de decidir. Mas a preliminar
submetida ao julgamento...
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Todas convergem.
O Sr. Ministro Prado Kelly: ...seria nos termos que acabei de enunciar.
O Sr. Ministro Victor Nunes: V. Exa. põe bem a questão.
O Sr. Ministro Evandro Lins: Cada um proferiria seu voto.
O Sr. Ministro Barros Monteiro: Sr. Presidente, já adiantei o meu voto.
Estou de acordo com o eminente Relator na primeira parte e também na segunda,
por entender que a matéria do art. 5º do Decreto-Lei 322 escapa ao conceito de
segurança nacional.
VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Adaucto Cardoso: Estou de acordo com o voto total enun-
ciado pelo eminente Relator, porque, na realidade, o conceito de segurança nacio-
nal não é de interpretação exclusiva dos Poderes Executivo e Legislativo. É de-
ver desta Corte Suprema dizê-lo e tirar daí a conseqüência necessária, que é a
declaração da inconstitucionalidade do Decreto-Lei 322, que, a todas as luzes,
não trata de assunto pertinente à segurança nacional. De forma que adoto o voto
do eminente Relator, tal como foi proferido no primeiro impulso, sem o lançamen-
to de preliminares, mas globalmente considerado.
VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Djaci Falcão: Acolho também ambos os fundamentos ado-
tados pelo eminente Relator, à vista do conceito de segurança nacional emitido com
brilhantismo por S. Exa. e no qual não se pode situar matéria relativa a locação de
imóvel para fim comercial, disciplinada pelo direito privado — muito embora não
desconheça eu, como todos nós, a tendência de publicização de certos princípios
de direito privado.
Por outro lado, no que tange à aplicação da regra do art. 5º do Decreto
322, de modo retrooperante, ela destoa inclusive do art. 6º da Lei de Introdução
ao Código Civil.
VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: Sr. Presidente, sigo, no meu voto, a ordem
indicada pelo debate: em primeiro lugar, a aplicação do art. 5º do Decreto-Lei
322, de 7-4-1967, aos casos sub judice. O eminente Procurador-Geral da Repú-
blica trouxe, em abono de seu ponto de vista, o exemplo da legislação do
521
Memória Jurisprudencial
inquilinato, desde a primeira, que sempre teve aplicação a todos os casos penden-
tes, em face da natureza dessas leis. O eminente Relator ponderou que elas
atingem os processos pendentes, mas com a ressalva do art. 150, § 3º, da Cons-
tituição: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada”. Poderá existir, na ocorrência da mora, o ato jurídico perfeito. Se o deve-
dor não podia ser admitido a requerer o pagamento da dívida, com os encargos
legais, no prazo da contestação, a mora produziu o seu efeito, na conformidade da
lei. Houve o ato jurídico perfeito, que não se pode atingir por lei posterior. O art.
5º do Decreto-Lei 322, ao dispor que a nova regra se aplica aos processos sub
judice, fere o art. 150, § 3º, da Constituição.
O segundo ponto é o da competência do Presidente da República para expe-
dir decreto, com força de lei, sobre a segurança nacional. O voto do eminente
Relator é exaustivo, convincente, brilhante. Estou de acordo com S. Exa. Segu-
rança nacional, certamente, não compreende relação de direito privado.
Conceitua-se a segurança nacional, na Constituição, não só na Seção que, dentro
do Capítulo “Do Poder Executivo”, trata “Da Segurança Nacional” — arts. 89 a
91 —, mas, ainda, no começo da Constituição, quando, no Capítulo sobre a
“Competência da União”, a ela se refere o art. 8º, inc. IV. Com esse conceito
genérico, contrasta o art. 5º do Decreto-Lei 322. Poder-se-á discutir sobre a
extensão do conceito, mas, no caso, é evidente o excesso. Não me parece de
valia a invocação do parágrafo único do art. 58: a omissão do Congresso Nacio-
nal importará em aprovação. É certo que a Constituição dispõe que será tido
como aprovado o decreto-lei que, no prazo de sessenta dias, não for votado pelo
Congresso Nacional. Se o Congresso tivesse aprovado expressamente, ainda
seria contestável, pela matéria do decreto-lei, a sua constitucionalidade. Mas, se
o Congresso Nacional não se pronunciou, não praticou ato de aprovação ou de
rejeição, não foi sanado, com a omissão, o vício do decreto-lei, que transcendeu
da competência do Poder Executivo.
Resta decidir o último ponto. Declarada a inconstitucionalidade do art. 5º
do Decreto-Lei 322, cumpre julgar o recurso, à vista da legislação anterior a este
decreto-lei. A parte sustentou que a purgação da mora era permitida, em face de
leis posteriores às referidas na Súmula 123. Inconstitucional o art. 5º do Decre-
to-Lei 322, ainda será preciso examinar se a lei anterior a esse dispositivo autori-
zava a purgação da mora, que o juiz admitiu. Sem esse exame, não ficará com-
pleto o julgamento do recurso.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Afirmada a inconstitucionalidade do art. 5º do
Decreto-Lei 322, teremos de apreciar o caso em face da lei anterior.
O Sr. Ministro Prado Kelly: O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro já considerou
isso no voto.
O Sr. Ministro Eloy da Rocha: Continuo a aplicar a Súmula 123. Entendo
que as leis posteriores às referidas na Súmula não modificaram o princípio nela
enunciado.
522
Ministro Victor Nunes
VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Prado Kelly: Sr. Presidente, o eminente Relator, no seu
brilhante voto, que eu admiraria de diferentes ângulos, lembrou ao Tribunal a
tradição por ele adotada, em atenção a precedentes da Corte americana, de só
discutir a inconstitucionalidade de lei quando essa declaração for indispensável
ao julgamento do feito. Colocada a preliminar nestes termos, com o assentimento
dos eminentes Colegas, e indagando-se da Corte se se aplica ao feito o art. 5º do
Decreto-Lei 322, a questão me parece muito simplificada.
O Sr. Ministro Candido Motta Filho: Queria, apenas, que V. Exa., com a
sua sabedoria, pudesse esclarecer: é que o art. 5º do Decreto-Lei 322 tem as
mesmas razões de ser do decreto! Ele se fundamenta na segurança nacional!
O Sr. Ministro Prado Kelly: Perfeito! Mas note, V. Exa.: se entendo, por
motivos outros, que esse artigo não tem aplicação à espécie ora examinada, não
preciso deter-me nos defeitos que viciam o diploma legal. De outra forma, não
seria fiel ao critério que preconizo.
Como dizia, a matéria ficou altamente simplificada. O art. 5º diz:
“Nas locações para fins não residenciais, será assegurado ao
locatário o direito à purgação da mora, nos mesmos casos e condições
previstas na Lei para as locações residenciais, aplicando-se o disposto
neste artigo aos casos sub judice”.
Alterou-se, nesse caso, a legislação anterior não só para locações ad
futurum como para locações já contratadas. E, no dizer “aplicando-se o disposto
neste artigo aos casos sub judice”, se dá efeito retrooperante da norma aos
processos pendentes. É esse o seu alcance. Mas pode aquela norma aplicar-se
em terceira instância, ou seja, no Supremo Tribunal Federal, por via do recurso
extraordinário? Creio que não, Sr. Presidente, porque a observância de tal preceito
feriria conceituação constitucional do apelo extremo, qual seja a condição de
“prequestionamento”.
Por esses motivos, Sr. Presidente, e reservando-me para outras considera-
ções em melhor ensejo, considero inaplicável ao feito o art. 5º do Decreto-Lei 322 .
O Sr. Ministro Hermes Lima: Quer dizer, eminente Ministro, que V. Exa.
não toma conhecimento.
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
VOTO
O Sr. Ministro Adalicio Nogueira: Sr. Presidente, entendo, como o eminente
Ministro Relator, que o conceito de segurança nacional, realmente, está definido
na Constituição, expressa ou implicitamente, não nos sendo possível ampliar ou
restringir esse conceito, ao sabor de uma interpretação plástica. Em tese, estou
perfeitamente de acordo com o voto de S. Exa.
Quanto, porém, ao caso vertente, adoto o ponto de vista sustentado pelo
eminente Ministro Prado Kelly. Acho inaplicável, no momento, o dispositivo citado
do art. 5º, em face, mesmo, do sistema de julgamento adotado pelo egrégio Su-
premo Tribunal Federal, reservando-me, então, para, na oportunidade própria,
apreciar, em cada caso concreto, a solução.
É o meu ponto de vista.
VOTO (Preliminar)
O Sr. Ministro Evandro Lins e Silva: Sr. Presidente, já tive oportunidade de
pronunciar-me, em caso anterior, de pleno acordo com o voto do eminente
Relator. Naquela oportunidade, discutiu-se a inconstitucionalidade do Decreto-
Lei n. 2, de 14-1-1966, que deslocava para a competência da Justiça Militar os
crimes contra a economia popular.
Sustentei, então, que, de acordo com o Ato Institucional n. 2, não podia o
Presidente da República, baseado na regra que lhe permitia expedir decretos-leis
em matéria que envolvesse a segurança nacional, ampliar conceitos, de modo a
absorver a competência do Poder Legislativo.
A meu ver, o eminente Relator situou perfeitamente o problema. O conceito
de segurança nacional é o gênero, que envolve duas espécies: a segurança externa
e a segurança interna.
De segurança externa evidentemente não se cuida, porque ela compreende
problemas de guerra externa, de defesa do território nacional, o que não está em
causa. A segurança interna compreende a defesa das instituições políticas do
País, de um modo geral, isso é, o sistema de governo, os Poderes da República, a
Federação e tudo o mais que forma a estrutura do regime sob o qual vivemos.
A Constituição só autoriza o Presidente da República a expedir decretos-
leis quando se trata de segurança nacional ou de finanças públicas.
Por ocasião daquele voto, mostrei que a ampliação do conceito poderia
credenciar o Executivo a legislar sobre problemas de locação, a pretexto de que
a segurança nacional estava em jogo. Poder-se-ia dizer que tal matéria afeta a
segurança nacional, porque pode, eventualmente, perturbar a paz pública. Toda a
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Hermes Lima: Sr. Presidente, no meu entender, o art. 5º do
Decreto-Lei n. 322, de 7 de abril de 1967, que assegura aos locatários purgação
da mora em locações comerciais e editado em nome da segurança nacional, não
é inconstitucional, e as minhas razões são as seguintes: o art. 58 dá ao Presidente
da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante e desde
que não resulte em aumento de despesa, o poder de expedir decretos com força
de lei, sobre as seguintes matérias: segurança nacional e finanças.
Evidentemente, o conceito de segurança nacional é extremamente flexível
e aberto. Tanto é flexível e aberto, que o parágrafo único desse art. 58 entendeu
que, publicado o texto, que teria vigência imediata, de algum decreto fundado na
segurança nacional, o Congresso Nacional, que é órgão político por excelência e,
portanto, o mais apto para apreciar os problemas da segurança nacional, o apro-
vará ou rejeitará. Não é ao Tribunal que caberá dizer o que é segurança nacional
ou o que não é segurança nacional. Isso está deferido na Constituição, art. 58,
parágrafo único, ao Congresso Nacional.
526
Ministro Victor Nunes
Essa tarefa cabe ao Congresso Nacional. Não cabe a este Tribunal, a meu
ver, dizer o que é segurança nacional ou o que não é segurança nacional.
O eminente Relator, no seu brilhantíssimo voto — e que, mais uma vez,
revela a sua capacidade intelectual e jurídica...
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Muito obrigado a V. Exa.
O Sr. Ministro Hermes Lima: ...disse que os problemas de segurança
nacional estão compendiados nos arts. 89 a 91.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): O conceito emana de todas as
ações que possam pôr em perigo a perenidade, a independência, a segurança, a
paz, a ordem interna do País, suas instituições, seus valores morais e intelectuais,
quer por agressores externos, quer por agressores internos, em maior ou menor
escala, em suas formas aparentes, extrínsecas, ou mesmo com as formas
insidiosas, veladas, dissimuladas, que todos conhecemos.
O Sr. Ministro Hermes Lima: Ora, o art. 90 dá competência ao Conselho
de Segurança Nacional...
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): V. Exa. olhe a rubrica da seção
“Da Segurança Nacional”.
O Sr. Ministro Hermes Lima: Ao Conselho de Segurança Nacional, para
todas as medidas que estão expressas no art. 91.
Essa é a função de Conselho de Segurança Nacional. Mas isso não quer
dizer que o Conselho esgote essa matéria, nem que só o que aí está signifique
segurança nacional.
É preciso, a meu ver, conciliar o art. 91, em que existe discriminação de
competência de um órgão político, como é o Conselho de Segurança Nacional,
com o art. 58, que alarga o conceito de segurança nacional, porque, no art. 91, o
Conselho informará o Presidente da República, assessorará o Presidente da Re-
pública, nessas matérias que estão aí discriminadas.
Esse é o papel do Conselho.
Mas o art. 58 alarga mais o conceito de segurança nacional, porque diz que
“o Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público rele-
vante (...)”. Quer dizer, a segurança nacional abrange, como casos de urgência
ou de interesse público relevante, mais alguma coisa do que aquilo que está
compendiado no art. 91 da Constituição.
O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro (Relator): Permite o eminente colega um
esclarecimento?
Nós ambos já fomos partícipes em elaboração de Constituições, e naquelas
houve um cuidado imenso da Comissão Redatora do Projeto de, seguindo a velha
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Ministro Victor Nunes
VOTO
O Sr. Ministro Victor Nunes: Sr. Presidente, os apartes esclareceram devi-
damente a questão que estamos examinando. Evidentemente, não se pode negar
que o Congresso Nacional seja um freio constitucional para o Presidente da Re-
pública, no uso das atribuições do art. 58. Também não se pode negar que outra
contenção encontramos no art. 150, que define as garantias individuais, e talvez
mais importante, muito mais importante. O que me impede de concordar com o
brilhantíssimo voto do eminente Ministro Hermes Lima é que não são esses os
únicos elementos de contraste no sistema de freios e contrapesos que a Consti-
tuição adotou.
O art. 58 não suprimiu qualquer das prerrogativas do Supremo Tribunal,
definidas nos arts. 114 e 115. O fato de poder o Congresso apreciar os decretos-
leis do art. 58 não lhes confere categoria superior à das leis votadas pelo Con-
gresso, quer este aprove esses decretos-leis pelo silêncio ou em forma expressa.
Se o Supremo Tribunal pode julgar as leis em face da Constituição, também pode
apreciar, em face da Constituição, aqueles decretos-leis.
O problema fundamental, no exame a que estamos procedendo, é saber se
o conceito de segurança nacional, a que se refere o art. 58, é matéria da compe-
tência discricionária do Executivo e do Congresso Nacional. Ainda há pouco, o
Sr. Ministro Aliomar Baleeiro pôs bem esse problema. E essa é a questão nuclear
que temos a decidir. O Executivo e o Congresso podem dar ao conceito de segu-
rança nacional, do art. 58, a amplitude que entenderem?
O Sr. Ministro Hermes Lima: A meu ver, sim. Não é arbitrário.
O Sr. Ministro Victor Nunes: Estou empregando o vocábulo “discricionário”,
que tem rigor técnico. Competência arbitrária, na Constituição, nenhum de nós
admitiria.
A meu ver, Sr. Presidente, como já foi sustentado por eminentes colegas
que me precederam, a conceituação de segurança nacional não foi deixada à
discricionariedade dos outros dois Poderes.
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Gonçalves de Oliveira: Sr. Presidente, pelo adiantado da
hora, vou resumir o meu voto. A questão, em verdade, deve ser posta nestes
termos: a validade do decreto-lei expedido pelo Presidente da República, com
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Ministro Victor Nunes
VOTO
O Sr. Ministro Candido Motta Filho: Sr. Presidente, também poderia decla-
rar inaplicável o art. 5º do Decreto-Lei 322, mas acho que é dever de minha
consciência de jurista e de Ministro desta Casa dizer, de acordo com o eminente
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Memória Jurisprudencial
VOTO
O Sr. Ministro Lafaytte de Andrada: Sr. Presidente, acompanho o douto e
brilhante voto do eminente Ministro Relator, conhecendo do recurso e lhe dando
provimento.
Dou pela inconstitucionalidade do art. 5º do Decreto-Lei 322, de 7-4-67.
Como muito bem expôs o eminente Ministro Aliomar Baleeiro e bem explanou o
eminente Ministro Victor Nunes no correr do debate, ao Supremo Tribunal cabe,
dentro da sua competência de apreciar as leis em face da Constituição, declarar
a inconstitucionalidade de tais leis ou de decretos-leis. E, se o art. 58 citado não
define o que seja matéria de segurança nacional, não poderemos concluir que o
conceito tão grave e relevante dessa matéria possa ficar ao arbítrio exclusivo dos
órgãos políticos.
É esse o meu voto, de acordo com o eminente Ministro Relator.
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Ministro Victor Nunes
VOTO
O Sr. Ministro Luiz Gallotti (Presidente): Vou recordar o julgamento que
houve aqui, em que os eminentes Ministros Evandro Lins, Gonçalves de Oliveira,
Ribeiro da Costa e eu fomos votos vencidos. O eminente Ministro Victor Nunes
achava-se na Inglaterra.
Entendemos que não podia um decreto-lei dispor sobre crimes contra a
economia popular, porque não nos parecia que fossem delitos contra a segurança
nacional. Tratava-se de infração a tabelamento de preços, e eu não via como se
pudesse considerar tais crimes como cometidos contra a segurança nacional.
Ouvi com a maior atenção e com o respeito de sempre o voto do eminente
Ministro Hermes Lima, mas, data venia de S. Exa., desta vez não me convenci.
Entendo que, quando a Constituição usa a expressão “segurança nacional”, refe-
re-se a um conceito fixado, estabelecido na doutrina. É o que acontece também
com “imposto”, “taxa”, “crime político”, “anistia”, etc., como já tenho argumen-
tado em outros casos. Se ao legislador ordinário fosse livre subverter esses con-
ceitos que a Constituição teve em mira, ruiria todo o sistema constitucional. O
Congresso, em lei ordinária, não pode alterar o conceito de segurança nacional.
Se pudesse, estaria modificando a própria Constituição, que dispôs levando em
conta tal conceito, e, obviamente, para ser respeitado.
Entendido amplamente, isto é, que o Congresso, sem limites, pode alargar
o conceito de segurança nacional, então, poderia haver decretos-leis sobre tudo,
porque, remotamente, toda a ordem jurídica interessa à segurança nacional, e a
limitação constitucional da competência do Executivo para baixar decretos-leis
praticamente desapareceria.
A Constituição permite que se legisle por decretos-leis com aprovação a
posteriori pelo Congresso, tácita ou expressa, apenas em se tratando das duas
matérias que ela, taxativamente, indica no art. 58: segurança nacional e finanças
públicas. Se a matéria não for uma dessas duas, a Constituição não quer que se
legisle por essa forma, e o Congresso não pode dizer o contrário, nem por lei e,
menos ainda, pelo silêncio.
Esse é, em síntese, o meu pensamento. Também considero inconstitucional o
art. 5º do Decreto-Lei 322.
DECISÃO
RE 62.731/GB. Matéria Constitucional. Art. 24, inc. III, do Regimento
Interno. Relator: O Sr. Ministro Aliomar Baleeiro. Recorrente: José do Couto
Moreira (Advogado: Celso Augusto Fontenelle). Recorrido: Manoel Gonçalves
de Carvalho (Advogado: Nelson França da Silva). Foi julgado inconstitucional o
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Memória Jurisprudencial
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Ministro Victor Nunes
ÍNDICE NUMÉRICO
IP 2 (voto) Rel. p/ o ac.: Min. Djaci Falcão ................................ 237
Ext 232 Rel.: Min. Victor Nunes ............................................ 239
Ext 272 Rel.: Min. Victor Nunes ............................................ 258
Ext 273 Rel.: Min. Victor Nunes ............................................ 258
Ext 274 Rel.: Min. Victor Nunes ............................................ 258
ROE 366 (voto) Rel.: Min. Gonçalves de Oliveira .............................. 330
Rp 477 (voto) Rel.: Min. Luiz Gallotti .............................................. 335
Rp 753 (voto) Rel.: Min. Djaci Falcão ............................................. 346
MS 8.651 (voto) Rel. p/ o ac.: Min. Ary Franco .................................. 354
MS 8.693 (voto) Rel.: Min. Ribeiro da Costa ...................................... 358
MS 8.802 (voto) Rel.: Min. Pedro Chaves .......................................... 377
RMS 9.558 (voto) Rel.: Min. Pedro Chaves .......................................... 381
RMS 11.687 (voto) Rel.: Min. Hahnemann Guimarães .......................... 392
RMS 14.230 Rel.: Min. Gonçalves de Oliveira .............................. 491
MS 15.186 (voto) Rel.: Min. Evandro Lins ............................................ 408
RMS 15.207 (voto) Rel.: Min. Pedro Chaves .......................................... 502
MS 15.886 (voto) Rel.: Min. Victor Nunes ............................................ 414
MS 16.512 (voto) Rel.: Min. Oswaldo Trigueiro .................................... 423
RMS 16.912 (voto) Rel.: Min. Djaci Falcão ............................................. 426
MS 17.957 (voto) Rel.: Min. Aliomar Baleeiro ...................................... 449
MS 18.973 (voto) Rel.: Min. Themistocles Cavalcanti .......................... 454
AI 32.869 Rel.: Min. Gonçalves de Oliveira .............................. 491
HC 40.382 (voto) Rel.: Min. Victor Nunes ............................................ 456
HC 40.398 (voto) Rel.: Min. Pedro Chaves .......................................... 469
HC 40.400 (voto) Rel.: Min. Victor Nunes ............................................ 475
HC 41.296 (voto) Rel.: Min. Gonçalves de Oliveira .............................. 476
HC 44.074 (voto) Rel.: Min. Victor Nunes ............................................ 258
RE 54.190 (voto) Rel. p/ o ac.: Min. Evandro Lins ............................... 484
RE 56.880 (voto) Rel.: Min. Gonçalves de Oliveira .............................. 491
RE 58.505 (voto) Rel.: Min. Pedro Chaves .......................................... 502
RE 62.731 (voto) Rel.: Min. Aliomar Baleeiro.....................................509
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