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Rio de Janeiro
2007
Silva, Diogo dos Santos
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RESUMO
SILVA, Diogo dos Santos Silva. Rex Quondam, Rexque Futurus: Sobre a Essência Divina
dos Heróis. Dissertação de Mestrado em Literatura Comparada pela UFRJ, Rio de Janeiro,
2007. 150 fls.
A partir dos estudos das fontes medievais do mito arthuriano, este trabalho pretende
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ABSTRACT
SILVA, Diogo dos Santos Silva. Rex Quondam, Rexque Futurus: Sobre a Essência Divina
dos Heróis. Dissertação de Mestrado em Literatura Comparada pela UFRJ, Rio de Janeiro,
2007. 150 fls.
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SUMÁRIO
O Destino de Arthur.................................................................................................92
Apêndice I: Y Gymraeg..........................................................................................114
Bibliografia.............................................................................................................119
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INTRODUÇÃO:
NARRATIVAS MÍTICAS?
Tomaremos como partida para nossa reflexão os seguintes versos do poeta norte-
americano Longfellow:
Estes versos passariam indiferentes, se não fosse apenas por um nome: Balder. Vejamos
Neste caso o nome que retém a atenção neste segundo poema é o nome “ave”.
Retomemos a Longfellow; ao ouvirmos o nome de Balder toda uma memória prévia nos é
ativada, sobre quem seria este personagem, e a qual história se refere o poema. O poema
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assim se abre, não em pensamento (em seu sentido filosófico), mas em memória, em
sentimento e em afetividade; apenas desta forma sentimos a dor na voz que grita e na
história, da traição de Loki pela qual foi morto, do Ragnarök que advirá deste evento, e se
nutrirmos qualquer tipo de afetividade pela Matéria da Islândia, este poema não será apenas
memória.
que é clamado nestes versos é o nome “ave”. Os versos de Pignatari, ao contrário dos de
Longfellow, lidam com o genérico, não é dado um nome próprio, muito menos um nome
que articule um logós mítico. Vejamos então o seguinte poema do poeta inglês do séc XIX,
Tennyson:
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Não seria uma difícil dedução inferir que o nome desde poema é: “The Kraken” .
Omitimos o nome do poema de Décio Pignatari, não por descuido, mas para destacar de
que forma a generalidade e o pensamento abstrato intervirão na criação poética. O poema
se chama “Liberdade”, ao acrescentar este nome, o poema se fecha e verificamos que os
três versos são apenas uma conceitualização de um verbete. Desta forma, verificar-se-á que
a ave do poema não poderá ser o rouxinol que canta em Keats, muito menos o que canta
nas Mil e Uma Noites, não será ela também um dos sábios corvos de Ódin, o corvo de Poe,
nem ao menos uma das metamorfoses de Júpiter. Esta ave é uma ave genérica ou qualquer
ave, ou melhor, nenhuma ave, já que o gênero nunca nomeia o um, o próprio. Assim como
ocorre na seguinte poesia de Pessoa, publicada sobre o heterônimo de Alberto Caeiro:
Tanto a ave de Pignatari quanto a de Pessoa não são uma ave mito, mas uma ave
símbolo. Poderíamos, em um exercício lúdico, trocarmos a palavra “ave” do poema por
“Fênix” ou talvez por “Rouxinol”, e assim toda a carga do pensamento se perderia e uma
nova instância mítica se inauguraria no possível poema. A poesia de Pessoa faz até uma
elegia à não-memória: “Porque a Natureza de ontem não é a natureza”, nota-se assim
facilmente as duas instâncias claramente distintas do proceder poético a que nos referimos
neste trabalho.
desta forma não poderá como no poema de Longfellow articular memória, sentimento de
afetividade e conhecimento mítico. Voltemos, portanto, aos três últimos versos de “ The
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Kraken”, que são os seguintes: “Until the latter fire shall heat the deep;/ Then once by man
and angels to be seen, / In roaring he shall rise and on the surface die.” . Até o momento
final do poema é descrito o sono e o mar onde dorme a criatura, até que com o “fogo
latente” a criatura acordará para vir a superfície e finalmente morrer aos olhos dos anjos e
dos homens. Para se perceber a “abertura” neste poema assim como o percebemos em
assistido ao filme “Fúria de Titãs” e ao reconhecer o nome Kraken, perceberá de que se fala
nesta “morte na superfície”. É claro que Tennyson não assistiu a este filme, nem a nenhum
outro, sua fonte estaria nas Metamorfoses, de Ovídio. Este é um livro de contos em versos,
história do monstro marinho Ceto, derrotado por Perseu para salvar a vida da princesa
Andrômeda que fôra acorrentada para servir de sacrifício à ira de Poseidon. Ao leitor de
Ovídio, se fará notar a diferença do nome do monstro de Ceto para Kraken, que na época de
Tennyson era o nome dado a uma misteriosa criatura gigante que habitava as zonas
abissais dos mares, que sem razões aparentes emergia à superfície e destruía as frágeis
embarcações do séc XVIII. O Kraken de Tennyson pode ser tanto monstro de Julio Verne,
quanto a criatura do poema de Ovídio. Pois que seria Ceto, senão um Kraken.
Percebemos nos três poemas em que foi dito que há abertura (Longfellow, Tennyson e
Ovídio), que apesar do movimento de articulação mítica e “memorial”, não existe espaço
movimento que há nestes poemas não permite o fechamento que existe como, por exemplo,
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... só quando a linguagem está escrita é que se torna possível
pensar acerca dela. O meio acústico, não sendo capaz de
visualização, não alcançou reconhecimento como um fenómeno
totalmente separável da pessoa que o usava. Mas no documento
alfabetizado o meio torna-se objectificado. Aí era reproduzida
perfeitamente no alfabeto, não uma imagem parcial, mas uma
totalidade, já não apenas uma função de “mim”,o falante, mas um
documento com existência independente. ( A Musa aprende a
escrever, p. 132)
Em suas teorias sobra a oralidade e a literacia na Grécia antiga, Havelock nos coloca a
questão de que com o advento do alfabeto fonético e sua aceitação por diferentes camadas
desta sociedade permitiu-se que a poesia absorvesse para si características que até então
Sabemos que esta crise que surgiu especificamente na Grécia antiga entre a cultura oral
e cultura letrada, não foi apenas uma crise estritamente própria àqueles séculos da cultura
clássica. Algo semelhante persistiu na Idade Média européia e em todas as demais eras de
literatura escrita, já que boa parte do cânone literário ocidental tem origem na literatura oral
ou de fundamento oral.
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II Parte: Silêncio e memória
A primeira particularidade que salta aos sentidos de um leitor moderno das Sagas
Este interdito ao narrador nada mais é que o mesmo silêncio que faz manifestar uma
abertura, assim como no poema de Tennyson, abertura esta que permite o que nas palavras
Tolkien, neste trecho que faz parte do prefácio de sua obra mais famosa O Senhor dos
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Um caso interessante é o que ocorre na obra crucial do Ciclo Arthuriano que é Le Morte
D`Arthur, de Thomas Malory. Esta obra é uma espécie de compilação tardia da Matéria da
Bretanha concernente aos episódios envolvendo Rei Arthur e seus cavaleiros publicada em
1485 por William Caxton. Durante diversos momentos da obra, o autor diz ser um mero
Vulgata Arthuriana, escritas no princípio do séc XIII . Estas afirmações por parte do autor
levaram diversos críticos a realmente acreditarem que a obra de Malory não passava de
uma mera tradução para o Inglês dos textos franceses, no entanto, nota-se que em Malory,
há, na verdade, uma recriação do mito, com a inserção de novas histórias como a de Balin
histórico do reinado arthuriano, desde os dias de seu pai Uther Pendragon até seus últimos
momentos quando é ferido mortalmente por seu filho Mordred e levado pelas damas do
Lago em um barco para a ilha de Ávalon. Esta obra é de tal importância para a literatura
dos anos que se transcorreram não apenas por ser um grande compendio de relatos bretões,
como também ter influenciado de maneira decisiva diversos autores, poetas e prosadores.
Tennyson rimou seus Idílios do Rei a partir da obra de Malory, também podemos citar a
obra de Howard Pyle, T. H. White, Morris, além das pinturas e gravuras de Burne-Jones,
É curioso o fato desta que seria a principal obra medieval, no sentido da força e
vivacidade em que ecoou pelos séculos, seja uma obra repleta de “buracos”. Sua narrativa
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apesar de se parecer extremamente linear, fácil e agradável como um conto de fadas, torna-
eles entre si até formar uma rede, um tecido, tal qual como quase todas as narrativas épicas
antigas que são antes de tudo uma narrativa de contos; ao contrário da narrativa tipicamente
moderna, o romance, que se articula em episódios. Estes contos que constituem o livro de
Malory, que aparentemente contariam todos os fatos que envolvem os personagens ligados
ao ciclo arthuriano, não dão conta de todos os eventos e histórias da Matéria Arthuriana.
Diversos episódios que exercem papéis fundamentais para o fluxo dos acontecimentos e
dos eventos são totalmente ignorados. Os eventos contados do Lancelot du Lac são
Rei e outrora maior cavaleiro da Távola Redonda torna-se apenas um coadjuvante. O mito
de França e que serviram de base para o romance de Bédier e para a ópera de Wagner é
relevada, o tema do amor perene e constante também é abandonado, surgindo desta forma
um conto misterioso e instigante que constitui a maior parte do livro e é conhecido como o
Tristão, de Malory. Note que este que seria o personagem mais importante de Le Morte
D’Arthur, a partir de certo ponto na narrativa deixa de ser mencionado por completo, sendo
que o evento de sua morte ou da de Isolda não é narrado, nem ao menos comentado por
nenhum personagem!
Perguntamo-nos, portanto, como pode estar obra ter alguma importância, já que sua
narrativa seria falha ou inconstante. Sabemos que não seria por preguiça que o autor ignora
certas passagens importantes do mito arthuriano, fato este comprovado pelas diversas
inserções de contos dispensáveis ao fluxo da narrativa (como é o caso do Livro II). De que
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maneira então se comporta este silêncio, marca esta presente e intrínseca ao livro de
Malory?
Vejamos então o caso da poesia Völuspá (a profecia da vidente), obra esta presente no
do séc XII Codex Regius. O Völuspá seria uma espécie de teogonia da antiga cultura
norueguesa. Ódin, em sua eterna busca por conhecimento, vai ao encontro de uma profetiza
cega que disserta ao pai dos deuses sobre o passado, a criação dos nove mundos e dos seres
que neles habitam, faz revelações sobre a batalha que culminará no fim dos deuses e do
antigo mundo, o Ragnarök, para por fim ter uma breve visão sobre o nascer do novo
mundo. .
compêndio sobre o qual se possa dissertar abertamente sobre a mitologia nórdica, sobre
seus deuses e suas entidades, não haverá respostas muito exatas, pois mais uma vez a
técnica que pontuará este poema será o silêncio. Segundo a teoria de Henry Adams
oral desta obra terem total conhecimento acerca do tema narrado, sendo assim, não haveria
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Percebemos a força que este silêncio poderá produzir principalmente pelas últimas
estrofes do poema, em que há a visão de um novo mundo após o Ragnarök, visão muito
terra dos homens que viviam, agora, em paz. Qual o significado desta visão? Nunca
Da mesma forma ocorre com a obra de Malory na qual o silêncio torna-se uma técnica
participar da obra, esta é a aplicabilidade da qual nos fala Tolkien. Ao evitar a infância de
o livro de Malory clama para si não apenas a memória do espectador, como também ele trás
para a sua tecedura todos os outros textos realizados ou ainda não-realizados do ciclo
arthuriano.
Como bem ficou provado pelo professor Mamede Mustafa Jarouche, o livro As Mil e
Uma Noites chegou ao ocidente antes mesmo de ter sido terminado no oriente. Quando a
primeira tradução européia do livro publicada em francês entre 1704 e 1717, por Antoine
Galland - consolidando-se como uma das obras literárias de maior importância, influência e
sucesso editorial no ocidente - no oriente tratava-se ainda de uma obra inacabada, pois as
histórias que completariam as mil e uma noites ainda não haviam sido redigidas. Mas esta
incompletude do livro não seria relevante, visto que o numeral mil indica apenas infinitude,
o número mil seria apenas uma meta a ser alcançada por Sharazade para a sua liberdade.
Assim como Le Morte D’Arthur, e como toda narrativa épica, As Mil e Uma Noites traz
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consigo o silêncio e a abertura e vemos esse silêncio ecoar pelas Novas Mil e Uma Noites,
de Stevenson, no Paraíso Terrestre, de Morris, no Seis Problemas para Dom Isidro Parodi,
de Borges e Casares; pois o silêncio e a abertura desta obra permite que ela seja sempre
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III Parte: Sociedade, memória e conhecimento mítico-poético
A produção cultural que compreende o período conhecido como Baixa Idade Média é
nitidamente os reflexos das questões deste tempo, que, por sua profundidade e tensões
Para compreendermos de alguma forma esta crise e de que maneira este conflito
interpor-se-á nas questões da memória mítico-poética; um dos caminhos que podem ser
tomados seria perguntarmo-nos primeiramente pelo que seria o Graal, qual sua origem
mítica ou literária, quais as suas fontes e versões. Sabemos que existem duas principais
fontes que são as fontes pagãs: a moderna coletânea de matéria celta galesa conhecida
Cabe ressaltar que a origem deste nome, Graal, não é uma certeza nem para estudiosos
do ciclo arthuriano, nem para filólogos. A fonte mais antiga desta nomeação está no
o fato de toda a demanda empenhada por Percival ser feita justamente pelo fato de o herói
não ter feito a pergunta “o que é o Graal” para o rei Pescador quando viu a procissão que
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carregava o Graal como seu maior tesouro. A busca de Percival não é a busca pelo Graal,
mas sim a busca pelo que seria o Graal, é a busca pelo verbo e não pelo objeto.
estudiosos por ser uma procissão composta por rapazes e por uma mulher, detalhe este
modificado em autores e copistas posteriores a Chrétien. Por que esta procissão seria
composta por uma mulher que carrega um objeto tão sagrado como o Graal se as mulheres
sagrado? Seria talvez por dois motivos: ou pela obra de Chrétien não responder a uma
cultura eclesiástica e sim a uma cultura bretã, ou pelo fato de à época de Chrétien, o Graal
ainda não ter assumido o caráter sagrado que assumiria nos anos posteriores. No Peredur
que este objeto ainda não era nomeado desta maneira), não era o cálice como nós o
Nas narrativas celtas é sempre comum episódios em que seus personagens lançam-se em
visitar o mundo habitado por criaturas do outro mundo, o Annwn, que será chamado nas
próprias fontes como Vffern, ou seja, inferno. Este contato é feito por água (por mar ou
rios) ou através de objetos mágicos, sendo que um destes objetos era a cabeça humana
decepada, que para os celtas, interligava os dois mundos. No romance francês Perlesvaus
desta ligação que faz a cabeça decepada com o outro mundo. Para o celta, o conhecimento
do mundo dos mortos ou do mundo feérico era uma das mais elevadas formas de
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conhecimento. Por isso carregava a jovem uma cabeça na procissão do castelo do Rei
Pescador – note que na primeira tradução do conto Peredur, do Mabinogion feita para o
inglês, por Lady Charlotte Guest, publicada no ano de 1849, este Graal celta fora
como no Percival de Chrétien; no entanto, a cabeça sendo carregada em uma travessa não
obra inacabada de Chrétien, o Graal passará a se caracterizar, nas obras cristãs, como o
cálice sagrado, descrito ora como o cálice usado por Jesus Cristo na última ceia, ora como o
cálice em que José de Arimatéia recolheu o sangue de Cristo quando ferido mortalmente na
Configura-se assim para os cristãos o Graal, não só como o objeto de conhecimento para
o mundo obscuro, como também o objeto de comunhão com a mais elevada das entidades e
de consagração dos homens mais valorosos, pois estes serão presenteados com a presença
do Graal.
A primeira ilusão que deverá se dissipar para uma melhor percepção da questão tratada
profano é uma das características que compõe o sagrado e não algo que anule o sagrado. É
saber religioso, ou da tradição religiosa, seja de uma cultura popular, seja de uma cultura
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institucionais, inferir sobre qualquer qualidade de uma tradição ou obra literária, seja ela
religiosa dos leigos ou da arte são sempre diferentes dos dogmas institucionais,
A partir deste conceito verificaremos que o profano e o interdito são partes constituintes
panteões míticos conhecidas como demônios (sejam eles os djins dos árabes ou os youkais
dos japoneses) são tão sagradas quanto as suas respectivas entidades celestiais. Assim
verificar-se-á que o interdito é algo presente em qualquer aspecto do sagrado, seja ele o
profano ou o celestial.
Diante destes eventos narrados no ciclo cristão arthuriano perceberemos que os mitos
medievais não respondem apenas a uma necessidade de uma história pelo entretenimento
ou pela justificação de uma certa ordem social. Estes mitos tratam de uma memória de
este que era compartilhado por todos. Seja em Imru Al-Qays, Catulo, Virgílio, é utilizada
uma série de imagens ou associações pertinentes a sua própria sociedade, que hoje
dificultam o acesso de um leigo a suas poesias e a suas imagens a não ser pelo recurso das
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Quando um estudioso ou um mero curioso se debruça sobre o conhecimento religioso
dos antigos, este homem moderno observa este saber como se olhasse para as religiões de
seu tempo. Mas, assim como a arte, as religiões de outrora não são como as de hoje.
Hoje muda-se de religião como se muda de partido político. A religiosidade antiga não
uma tradição de memória. Apenas para um homem moderno é possível distinguir, separar
claramente arte, religião, história, saber, memória e arte marcial. Para os antigos nunca
seria possível separar arte “sacra”, de arte não-religiosa ou profana, o conhecimento mítico-
costume de práticas antigas. A intolerância religiosa dentro de um povo estava muitas vezes
porque na antiguidade não havia intolerância religiosa com povos estrangeiros. A perda da
memória de um povo é uma cruel derrota. A religiosidade estava muito mais ligada a um
uma infinidade de versões, de fatos, artefatos e de heróis a serem recolhidos e tecidos nesta
infinita obra de tapeçaria que os vikings chamavam de saga. Na antiguidade para se criar
uma obra havia este jogo que permeava as obras e encantavam os espectadores, sejam
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ouvintes ou leitores. Nunca, nunca mesmo, poderemos, nós homens modernos, escutar a
Ilíada da mesma forma que escutavam os gregos, não só pela questão da língua, mas pela
questão da memória que se entrelaça pelos fios desta obra, é como olhar para um quadro de
Vejamos o caso do mito de Sigurd, em suas fontes pagãs da Saemundar Edda (a Edda
Poética) e na Völsunga Saga. A história conta mais ou menos o seguinte: o jovem Sigurd, o
último da linhagem abençoada por Ódin e iniciada pelo rei Völsung, parte em busca de
aventuras. Em uma delas, a mando de Regin, seu tutor, mata o dragão Fafnir e banha seu
manto (ou elmo, dependendo da versão) da invisibilidade que antes pertencia ao rei dos
liberta Brynhild,a valquíria, que fora lacrada por Ódin em Midgard (o mundo dos homens),
em um longínquo castelo nos Alpes cercado por uma montanha de fogo. Posteriormente, na
saga, Sigurd dispensa o amor de Brynhild por Gudrun, evento este que culminará na morte
do próprio herói.
Tendo em vista a lenda de Sigurd apenas deixando-se levar pelos eventos e pela
narrativa (que são realmente inebriantes) não perceberemos que conhecimento e que
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Sociedades letradas fazem-na por meio de documentos; as sociedades pré-
letradas obtêm o mesmo resultado pela composição de narrativas poéticas
que servem também como enciclopédias de conduta (...) e à medida que
são continuamente recitadas constituem um apanhado – uma reafirmação -
do éthos comunitário, e também uma recomendação de observá-los. (A
Revolução da Escrita na Grécia, p.164).
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MEMÓRIA E SILÊNCIO EM LE MORTE D’ARTHUR
I Parte: Autoria
O fascínio por esta estranha obra começa em sua própria história. A primeira edição,
1485. Nesta edição há um prefácio feito pelo próprio Caxton, em que ele afirma ser
responsável pela divisão em capítulos e pelos resumos antes de iniciar cada capítulo. Assim
vemos que nasce uma nova obra, mesmo que minimamente alterada, da editora de Caxton.
Não é conhecida de fato a autoria deste que é o grande épico em língua inglesa e
talvez o grande épico da Europa Ocidental. Mas esta obra é creditada a um Sir Thomas
Malory, um nobre que ocupou por duas vezes uma cadeira no Parlamento Inglês. A vida
deste Sir seria por si só algo digno de alguma atenção. Acusado de tentativa de emboscada
ao Duque de Buckingham, e de roubo, furto, e estupro, escapou da prisão duas vezes, uma
nadando e a outra lutando com os guardas até conseguir abrir seu caminho. Acredita-se que
este Sir Thomas Malory teria escrito sua grande obra quando em prisão durante a Guerra
das Duas Rosas, já que o narrador do livro, em certo momento, faz um pedido a seu
possível leitor para que reze “por este nobre cavaleiro que jaz em prisão”.
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Até 1934 a edição de Caxton foi considerada a edição mais próxima ao original de
College fora descoberto um manuscrito intitulado: The Hoole booke of kyng Arthur & of his
noble knyghtes of the rounde table. Este manuscrito, atribuído a Thomas Malory, seria algo
mais próximo a um possível original; ele é dividido em quatro livros, ao contrário dos vinte
e um da edição de Caxton. Um fato curioso é que através de alguns estudos concluiu-se que
este manuscrito passou pela oficina de William Caxton, no entanto não fora utilizado, já
que ele apresenta algumas diferenças em relação à famosa edição. Isto nos pode levar a
inferir que talvez esta obra tenha obtido um certo número de cópias e que tenha circulado
John Leland, um erudito do século XVI, dizia ser Thomas Malory de origem galesa.
Isto nos leva a questionar o crédito desta obra ao Sir Thomas Malory, primeiro devido a
original. Segundo, devido a esta inferência da nacionalidade galesa do escritor feita por
Poderia esta obra nem ter sido originalmente escrita em inglês, sendo talvez uma tradução
do gaélico ou do francês. Possivelmente esta autoria dada a este Sir seria apenas uma busca
por uma afirmação literária inglesa. Sabemos que a produção épica medieval inglesa, que
fôra registrada e sobrevivera até nossos dias, resume-se basicamente ao Beowulf, e a Sir
Gawain and the Green Knigth, que são poemas curtos. Tolkien, em uma de suas cartas, diz
que um dos fatores que o levou a criar sua mitologia, foi o entristecimento que lhe causava
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a pobreza dos antigos mitos de seu país, a Inglaterra, frente a riqueza dos mitos dos gregos,
Devemos, portanto, nos acautelar diante destas afirmações tanto de autoria quanto
modo de proceder da modernidade, em que não existia, ou pelo menos, não era plenamente
institucionalizada a posse da obra por seu “autor”. Muitas obras são creditadas a certas
Vejamos agora o capítulo I, extraído do quarto livro da obra de Malory, editada por
Caxton, tradução para o português feita pelo autor do presente trabalho a partir da edição
cap I – De como Merlin amou de louca paixão uma das damas do lago,
e como foi lacrado em uma pedra debaixo de uma rocha e lá morreu.
Assim, após as aventuras de sir Gawaine, sir Tor, sir Kei e sir
Pellinor; aconteceu que Merlin caiu em louco amor pela donzela que o
Rei Pellinore trouxera à corte, e ela era uma das damas do lago, a bela
Nimue. E Merlin não lhe permitia descansar, pois sempre queria estar
com ela. E sempre fez ela a Merlin boa companhia, até que aprendeu dele
todas as espécies de coisas que desejou; e ele a amou loucamente, de
forma que ele não poderia afastar-se dela. Então, um dia, ele disse ao Rei
Arthur que ele não duraria, mesmo com todos seus artifícios, ele deveria
ser colocado por terra brevemente. E assim ele disse ao rei muitas coisas
que aconteceriam, mas sempre alertou ao rei para bem guardar sua espada
e que sua bainha seria roubada pela mulher em que mais confiava.
Também disse ao Rei Arthur que ele sentiria falta dele –tanto que você
desejará perder todas as suas terras para ter-me novamente. Ah, disse o
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Rei, já que sabe de sua aventura, precavenha-se dela, e afaste-se por seus
artifícios desta desaventura. Não, disse Merlin, assim não será; e assim ele
partiu do rei. E dentro em pouco, a Dama do Lago partiu e Merlin foi com
ela eternamente para onde quer que ela fosse. E sempre Merlin poderia tê-
la possuído em segredo através de seus engenhosos artifícios; então ela o
fez jurar que ele nunca poderia fazer algum encantamento sobre ela, se ele
desejasse ter sua vontade. E assim ele jurou; assim foram através do mar
para a terra de Benwick, onde o Rei Ban era rei que teve grande guerra
contra o Rei Claudas, e ali Merlin falou com a esposa do Rei Ban, uma
bela e boa dama, e seu nome era Elaine, e ali ele viu o jovem Launcelot.
Ali a rainha fez grande lamento pela guerra mortal que Rei Claudas fazia
contra seu senhor e em suas terras. Não tome nenhum abatimento, disse
Merlin, pois esta mesma criança dentro destes vinte anos deverá vingá-la
em Rei Claudas, de tal maneira que toda cristandade falará sobre isso, e
esta mesma criança será o homem de maior fama no mundo, e seu
primeiro nome é Galahad, isto eu bem sei, disse Merlin, desde quando
você havia anunciado que ele era Launcelot. Isto é verdade, disse a
rainha, seu primeiro nome é Galahad. Oh, Merlin, disse a rainha, viverei
eu para ver meu filho um homem de tais façanhas? Sim, Dama, com
minha palavra de fé você deverá ver isto, e viver muitos invernos depois.
Foi selecionado este capítulo primeiramente por ser ele um evento importantíssimo
Outro valor deste capítulo reside em sua beleza e na utilização de diversas técnicas
Uma das intersecções feitas por Caxton foi a divisão em vinte e um livros e estes
livros em capítulos perfazendo um total de quinhentos e sete capítulos. E foi feito para cada
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um destes um pequeno resumo do que se sucederia. Neste trecho selecionado percebemos a
intersecção de Caxton, pois no texto não há nenhuma referência à morte de Merlin, o que
Quando Merlin se despede do Rei Arthur, o feiticeiro faz uma série de previsões e
dentre elas ressalta que a bainha da Excalibur “seria roubada pela mulher em que mais
Merlin, uma referência a eventos futuros que serão narrados ao longo da obra, ao contrário
Toda a matéria que compreende o livro Lancelot du Lac da Vulgata Francesa não é relatada
por Malory, uma matéria importante e de cunho decisivo para os eventos que compõem o
ciclo arthuriano. Para um olhar acostumado aos modos de proceder da modernidade isto
pareceria fruto de um desleixo ou mera ignorância, no entanto percebemos aí, nesta técnica,
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II Parte: Fontes e memória celta
Por muitos anos acreditou-se que a obra de Thomas Malory não passava de uma
mera tradução do conjunto de obras conhecido como a Vulgata Francesa. A Vulgata foi o
arthuriana, empreendida possivelmente por monges cistercienses. Esta grande obra, erigida
por vários autores, foi atribuída a Gautier Map e escrita em prosa francesa em meados do
século XIII. Baseada principalmente na obra de Robert de Boron, divide-se em cinco livros:
da Távola Redonda.
de Lancelot, sua chegada à corte de Arthur e de seu amor proibido com a rainha.
A chegada do mais puro dos homens: Galahad, que porá fim a todas as maravilhas do
Reino de Logres.
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Como dissemos anteriormente, por muitos anos se repetiu e repete-se à exaustão a
degradação da obra de Malory, dizendo-se que esta obra não passaria de uma mera tradução
da supracitada Vulgata, uma falácia que pode ser facilmente deduzida pelo fato de o autor
se referir, durante diversos momentos, a um certo livro francês em que teria baseado suas
narrativas. Entretanto, como podemos ver na seguinte tabela, a matéria das duas obras nem
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Le Mort d’Arthur: matéria da obra
Divisão do livro Divisão Possíveis Fontes
segundo a edição segundo o de Malory na Principais Eventos na obra de Malory
de Caxton Manuscrito de Vulgata
Winchester Francesa
Livros 1 a 4 The tale of King Merlin Livro 1: Nascimento e coroação de Arthur,
Arthur Arthur recebe Excalibur da Dama do Lago,
tentativa de assassinato de Mordred.
Livro 2: A história de Balin e Balan: “ O
Doloroso Golpe”.
Livro 4: Merlin é lacrado por Nimue, aventuras
de Gawain, Uwain e Marhaus com a deusa
Danu.
Lancelot du Lac Não são relatados diretamente de 15 a 20 anos:
______ ________ Gawain mata Pellinore, Mordred é encontrado,
infância de Lancelot e sua chegada `a corte.
Livros 5 a 12 The book of Sir Livro 5: Conquista de Roma.
Tristam de Livro 8: Início do livro de Tristam, é contado
Lyones ______ seu nascimento.
Livro 10: História de Alisander, le Orphelin,
Aventuras de Tristão, fim de suas aventuras no
castelo da Joiosa Guarda, onde vive com Isolda.
Livro 11: Concepção de Galahad.
Livro 12: Loucura de Lancelot.
Livros 13 a 17 The Tale of the A Demanda do Livro 13: Chegada de Galahad à Távola
Sangreal Santo Graal Redonda
Livro 15: Lancelot falha em sua demanda.
Livro 17: Galahad, Boors e Percival e sua irmã
embarcam no navio do Rei Salomão, encontram
a espada de David, morte da irmã de Percival, a
conquista do Graal e o retorno de Boors.
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Verificar-se-á, na análise desta tabela, que todo os episódios do livro Lancelot du
Lac, que ,como já fora dito anteriormente, constitui a maior parte da Vulgata Francesa, não
é narrado diretamente na obra de Malory; há, no entanto, a utilização de uma técnica muito
comum nesta obra que se caracteriza pela referência a eventos futuros ou passados que não
serão ou não foram narrados. Muitos destes eventos são importantíssimos para a estrutura e
o desenvolvimento da história, e com isso cria-se um forte laço desta obra com a memória
de seu leitor, pois ela clama por textos já ouvidos ou que serão ouvidos, ou até mesmo
nunca serão ouvidos, restando ao leitor a criação destes episódios que pairam sob a
penumbra, e que sempre irão pairar, visto que cada cópia de obra medieval apresenta sua
Malory, a versão que se constituiria com o sentido próprio da obra que é única, como cada
obra o é.
seu fluxo cronológico, ele é apenas comentado, não pelo narrador, mas por seus
como ele escapara da morte tramada por seu próprio pai e tio, o Rei Arthur, não é feita
qualquer referência, seja futura ou passada dentro da obra de Malory. O leitor vê Mordred,
Mais uma vez somos afrontados pelo estranho proceder medieval que faz de nossa memória
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Ao entrarmos em contato com Le Mort D’Arthur, dificilmente não nos deixaremos
levar por seus estranhos episódios, com sua oculta memória que a muitos de nós, homens
modernos, pouco ou nada diz. Para eximirmos nossa erudição de tamanha afronta, o que
fazer? Dizemos que são meros contos de fadas, folktales, histórias sem razão, nem
propósitos. No entanto, veremos que esta memória pertence a um conhecimento que remete
a priscas eras, eras tão ocultas e misteriosas, que, delas, os mais cultos e eruditos de nossas
sucederão as aventuras, assim é dito na primeira frase, abrindo, sem hesitação aos seus
leitores, a matéria:
Aconteceu que nos dias de Uther Pendragon, quando ele era rei de toda
a Inglaterra, e assim reinava, e havia um poderoso duque na Cornualha
que mantinha guerra contra ele por longo tempo. (Tradução do autor)
Seguem-se dessa forma os eventos que relatam o caso de Uther com a esposa do
história continua por relatar a morte de Uther e a coroação de Arthur e suas primeiras
aventuras de Arthur e seus cavaleiros são abandonados pelo narrador para ser então relatada
a história de Balin, um cavaleiro que era mantido prisioneiro na corte de Arthur, sob a
acusação de ter matado certo cavaleiro, sobrinho do rei. Este conto faz uma ponte entre os
muito antes, o castelo do Rei Pelles e de que maneira através do “doloroso golpe” desferido
32
por Balin, Pelles tornou-se o Rei Ferido (“The Maimed King”), e seu país, a Terra Arrasada
Gabála Érenn), em que é contada a origem mítica do povo celta e de como chegaram às
ilhas da Grã-Bretanha. Uma curiosidade deste livro é que há uma mistura entre elementos
compilador da obra de origem tipicamente celta, a fim de torná-la mais interessante, mais
digna, ou por qualquer outro motivo, a teceu juntamente com a mitologia judaica de seu
conhecimento.
Neste livro são relatadas as façanha dos Tuatha dé Danann, ou Danaans (Povo de
Dana), um povo constituído por heróis e semideuses que viajam para a Irlanda trazendo
característica de fornecer todo a alimento que fosse desejado, além de nunca esvaziar e
nunca deixar algum homem faminto. Além disto os guerreiros mortos em batalha, se
jogados em seu interior, os levantava novamente para a batalha, mas retirava o dom da fala
flamejante. Usada por Lug para derrotar o Olho do Mal, rei da raça de gigantes, os
33
formorianos, que habitavam a Grã-Bretanha antes da chegada dos celtas. Devido a esta
arma, Lugh ficou conhecido sob o epíteto de “o de longos braços”, pois esta lança tinha a
habilidade de nunca errar o alvo, além de sempre retornar ao braço de quem a arremessara.
Era conhecida como “a flamejante” pois ela ardia em fogo; além de pingar sangue e de ser
sedenta por sangue, devido a isto devia ser sempre guardada de cabeça para baixo, dentro
do Caldeirão de Dagda.
Espada da Luz. Sobre este tesouro não há muitas informações, exceto pelo fato de
ser uma arma poderosíssima e de ter a habilidade de poder cortar seus inimigos pela
metade.
rei da Irlanda subisse nesta pedra, ela ressoaria em alegria. Todos os reis da Irlanda foram
coroados nesta pedra, até que Cúchulainn cortou-a em dois pedaços por não ter sido eleito
por ela. Dizia-se, ainda, que a Pedra do Destino possuía a habilidade de rejuvenescer seus
Fizemos este longo parêntese pois perceberemos que a memória destes artefatos
mágicos ressoa de certa forma nos tesouros do Rei Pelles. O Santo Graal, do qual falaremos
Longuinius, também conhecida como a Lança do Destino, por ter sido com ela desferido o
golpe mortal a Jesus Cristo, provocando, por sua vez, a ferida por onde jorrou o sangue que
34
Restam-nos ainda dois dos quatro tesouros que descrevemos acima: a Espada da
persistem dois artefatos mágicos envolvidos nos eventos, e são eles: a espada de Balin e a
pedra flutuante em que foi cravada a espada por Merlin. Esta espada terá papel importante
futuramente, no episódio da Demanda do Santo Graal, pois Galahad será aquele, assim
como havia previsto Merlin, que retirará a espada de Balin da pedra e terminará com a
maravilha da pedra flutuante e mais uma vez será ele provado o sucessor de Cristo, o Rei
dos Reis.
Vejamos a seguir uma tabela com a correspondência entre os quatro tesouros celtas
35
As três maravilhas do castelo do Rei Pelles, Grã--
Os quatro tesouros celtas trazidos à Grã
Corbin: Bretanha
Br etanha pelos Danaans (ou Tuatha dé
Danann):
36
Um dos temas da matéria arthuriana que grande fascínio exerceu através dos séculos
foi o episódio da Demanda do Santo Graal, tanto pela enigmática presença do objeto do
Santo Vaso, quanto pelas misteriosas e diferentes versões medievais que temos desta
aventura. Como sabemos, o primeiro registro que nos chegou em que tal objeto é nomeado
manuscrito conhecido como O Livro Vermelho de Hergest (Llyfr Coch Hergest), que
servira de base para O Mabinogion, de Lady Charlotte Guest. Este conto, apesar de ter sido
compilado pela primeira vez por volta do século XI, advém de uma composição oral que
passagens nota-se a utilização das famosas Tríades Galesas. Nesta narrativa, para que o
herói Culhwch possa desposar a filha de um rei gigante, a bela Olwen, ele deverá completar
Uma das demandas de memória mais primitiva está presente no livro de poemas
Livro de Taliesin (Llyfr Taliesin), onde estão reunidos setenta e sete poemas atribuídos ao
bardo Taliesin, que teria vivido na época do mítico Arthur, e que no Culhwch e Olwen é
apresentado como o chefe dos bardos de Arthur. O poema que apresenta esta demanda
intitula-se Preiddeu Annwn, que aqui traduzimos como: Roubo em Annwn. A tradução
37
deste poema foi feita pelo autor através do texto em galês estabelecido por Sarah Higley e
das traduções para o inglês de Higley e também de Roger Sherman Loomis (o texto original
encontra-se em anexo). Vejamos a seguir as cinco primeiras estrofes, pois nas duas últimas
38
Em que hora do meio-dia o deus foi nascido
Quem o fez? Quem não foi ao prado de Defwy.
Eles não conhecem o boi malhado, fina era sua tiara
Sete correntes constituíam seu colar
E quando nós fomos com Arthur, dolorosa visita,
Além de sete, ninguém retornou da Fortaleza do cume de Deus
pois segundo ele, apenas um verdadeiro guerreiro, que teria participado desta terrível
aventura junto com Arthur poderia conhecer a história em todos seus detalhes e cantá-la.
O que nos diz a história que só este bardo guerreiro (possivelmente Taliesin)
poderia cantar? Nos é relatada uma invasão ao castelo de Annwn, por parte de Arthur e
seus cavaleiros. Annwn seria “o outro mundo” na mitologia celta, muitas vezes
identificado, ou traduzido como “Inferno”, neste mesmo poema é usada a palavra Vffern (v.
20) como um sinônimo de Annwn. Pwyll é o senhor de Annwn, e Pryderi, seu filho. Este
navio de Arthur; na cultura celta a ligação entre o mundo dos homens e o mundo feérico é
feito através da água, seja por rio, lagos ou pelo mar. Na Demanda do Santo Graal, de
castelo do Graal em um navio, que fora construído pelo rei Salomão e pela mais sábia de
suas esposas.
39
Vejamos o décimo quarto verso, que diz: “Do sopro de nove donzelas foi aquecido
branda lei, governam (Ávalon) nove irmãs”. O Vita Merlini, conta-nos sobre um certo
Merlin, um grande rei e guerreiro que, horrorizado com a guerra, abandona sua corte para
viver como um profeta nas montanhas. Estas nove donzelas serão aquelas donzelas
celebradas na obra de Merlin como as donzelas do lago, ordem de feiticeiras sábias e belas,
que tinham, segundo Geoffrey, Morgana como líder. Vale notar que as donzelas do lago,
tanto na Vulgata quanto em Malory não possuem ligação direta com eventos envolvendo o
Graal.
No décimo sétimo verso lê-se o seguinte: “Ele (o caldeirão) não ferve a comida de
um covarde, a isto não fora designado”. O tesouro mágico só terá sua vigência para aqueles
que forem dignos; no caso do caldeirão de Pwyll, ele só trará a abundância aos cavaleiros
cuja coragem os torna dignos de tal maravilha. Este interdito aos menos valorosos ecoa
guerreiros castos, atribuindo-se, desta maneira assim um valor tipicamente cristão à antiga
lenda celta. Lancelot, um dos cavaleiros mais celebrados na obra de Malory, falha em sua
demanda ao Graal, justamente por esbarrar neste interdito cristão. Seu valor e sua coragem
como cavaleiro são insuperáveis, no entanto seu duplo pecado pela traição o impossibilita
40
SOBRE A CONSTITUIÇÃO DA ESSÊNCIA DIVINA NOS HERÓIS
É notável a relação que antigas divindades possuíam com animais ou com forças da
natureza. Na mitologia nórdica Ódin está sempre seguido em seus poemas por dois corvos:
Hugin e Munin, Pallas Athenas, por sua vez, é conhecida como a “olhos de coruja”.
Possivelmente os deuses em sua forma originária teriam até mesmo o aspecto e sua
selvagem e com a consolidação da vida em cidades, estas entidades divinas que antes
seriam ou teriam em si o próprio do que vige na natureza - que poderiam ser os animais ou
zoomórficas, a imagem da divindade estaria associada a algum ser zoomórfico ou ele teria
algo em si ou em seus epítetos que o fizesse confundir com alguma força ou algum
41
assimila diversos cultos, entidades e elementos do paganismo, como é possível notar, por
afastou da natureza e de suas forças, o homem também se afastou do divino. Sobre o povo
germânico conhecido por nós como vikings, é espantoso o grau de proximidade que o
homem tem com suas divindades. Um exemplo forte disto é o Lai de Thrym, presente na
Edda Poética, em que o grande deus do trovão, Thor, filho de Ódin, é ridicularizado quando
deve trajar-se de mulher a fim de recuperar seu martelo, o Mjölnir, de um gigante que o
havia roubado. Em uma instância originária de relação com o divino, não existia o
divino. Quando as forças divinas são com os animais e as força da natureza, tornam-se,
desta forma, algo próprio e convivente ao homem. Diante disto, espantam-se os homens
modernos com o aparente desrespeito que certas culturas tinham com seus deuses, no
entanto não se trata de respeito, pois Thor, Ódin, Dana ou Morrigan são assim como um
irmão, uma mãe, um cão, uma fera, um vento, um desejo para um homem antigo. A
refugiarem no longínquo topo do Monte Olimpo, quando os homens eram filhos dos
deuses, quando os deuses eram irmãos de lavradores ou eram bardos de valorosos reis,
42
continuavam com seu perambular pela terra. Quando estas entidades, devido à caminhada
humana em direção ao afastamento da physis, vão aos poucos perdendo seu caráter divino,
Como já fora extensamente discutido, o Rei Arthur, apesar de não ter uma evidência
histórica ou arqueológica que o comprovem, sabemos ser ele uma persona possível dentro
de um certo contexto histórico. O Arthur histórico seria dux bellorum que teria obtido
algumas vitórias contra os saxões. Tal herói teria obtido tamanha fama no decorrer dos
séculos que diversos elementos, eventos, personagens e até divindades foram absorvidos e
apropriados por sua matéria, tornando-se o grande rei que conhecemos hoje, cujo poder se
estendia por toda a Grã-Bretanha e pela França, sendo coroado Imperador de Roma.
Para um retorno aos arcaísmos que compuseram o mito arthuriano em sua primeira
instância galesa, retornemos, portanto, a seus textos em que uma articulação mais primitiva
do mito se faz presente. Busquemos então o conto Culhwch e Olwen compilado por um
autor anônimo por volta de 1300 no livro conhecido como O Livro Vermelho de Hergest
O conto Culhwch e Olwen é uma das principais, senão a principal fonte daqueles
que desejam entrar em contato com o Arthur arcaico. Apesar de o Livro Vermelho ser uma
43
obra do século XIV, acredita-se que sua primeira compilação tenha sido feita no século XII,
que por sua vez remontaria este conto a uma composição oral em meados do século IX.
A uma primeira instância salta-nos deste texto sua linguagem tão rica e construída
ressaltando assim, mais uma vez, seu caráter típico de uma cultura primariamente oral. As
Bretanha, o jovem guerreiro pede um dom ao grande rei. Arthur, precavendo-se diz:
- Já que não queres quedar entre nós, terás a dádiva que a tua cabeça e
tua língua nomearem, seja ela qual for e mesmo que esteja tão longe
quanto o vento possa enxugar, a chuva molhar e no seu giro, o sol
alumiar; mesmo que esteja tão longe quanto o mar possa banhar e tão
longe quão vasta é terra. Essa dádiva será tua, salvo se for meu veleiro ou
meu manto; salvo se for Caledvwlch, minha espada, ou Rhongomyant, a
minha lança; salvo se for Wynebgwrthucher, o meu escudo, ou
Carnwenhan, o meu punhal; ou se for Gwenhwyvar, a mulher que é
minha. Pela verdade que esta nos céus o afirmo: será com alegria que a
darei. Diz-me o que é. (In: O Mabinogion, p.156)
Por duas vezes três itens são citados por Arthur: o veleiro, o manto, a espada; em
(Guenevere) que também são três segundo uma das Tríades Galesas:
44
Três Grandes Rainhas de Arthur:
O caráter oral deste texto torna-se, portanto determinante e não só devemos nos
atentar para estas pequenas referências que não remontam apenas para uma série de normas
mnemônicas pertencente à classe dos bardos, mas sim para um passado em que se vigia um
Culhwch pede um dom a Arthur e, como já havíamos visto, Arthur diz que “essa
dádiva será tua”, o grande chefe não poupará esforços para conceder o dom ao guerreiro
que lhe pede. E Culhwch pede nada menos que ajuda para conseguir a mão de Olwen, a
filha de Yspaddaden, o gigante. E como já havia sido profetizado que Yspaddaden morreria
apenas no dia em que sua filha se casasse, o gigante exige uma série de quarenta demandas
a serem cumpridas por Culhwch, demandas essas impossíveis, além disto Yspaddaden
ainda acrescenta:
E cada vez que o gigante descrevia uma das quarenta demandas Culhwch lhe
interrompia e acrescentava: “Tudo isto farei sem custo, ainda que tu penses ser custoso”
(p.176- 185). Mesmo que o herói afirme resolutamente que sem esforço serão completadas
45
estas demandas, passam-se vários anos e diversos eventos são relatados, pois diversos
Mesmo que para completar sua demanda Culhwch tenha tido a necessidade da ajuda
de Arthur e seus guerreiros, um colossal esforço ele teve, a de permanecer sempre de vigília
até o fim das aventuras, esforço exigido por Yspadadden para a validação da demanda. Por
habilidade, não uma característica simplesmente fantástica, mas sim algo que transcende ao
humano, pois Culhwch apodera-se para si de uma força primeva da natureza e da existência
dos seres que é o sono, vencer o sono seria como vencer a morte, sua irmã.
Seria apenas esta característica de superar o humano, que levaria ao herói mítico ser
46
As forças telúricas
Ao lançar-se ao contato das antigas narrativas míticas e épicas não é raro ao leitor
moderno o espanto e o desconforto que causam sua crueldade e sua brutalidade. O que seria
a violência para estes povos, seria talvez algo celebrado, ou, possivelmente um ornamento
para as suas narrativas? É possível que estes atos violentos sejam uma manifestação de um
conhecimento que remonte a eras longínquas, das quais não retemos qualquer memória.
Este espanto e desconforto foram sentidos por Longfellow, quando compôs o poema
chamado Tegner´s Drapa, em que são relatados os funerais de Balder. Longfellow foi um
dos entusiastas da poesia germânica medieval durante durante o século XIX. Diversos
poemas seus lidam com a matéria germânica, e denotam uma profunda intimidade com ela,
por isso a necessidade de consideração acerca das estrofes de seu famoso poema.
Claramente seus versos nos fazem lembrar do Voluspá, poema de abertura da antologia
escandinava. Mas o que é esta aversão ao cruel que sentimos e que marcou as últimas
47
estrofes do poema de Longfellow que, em contrapartida, não encontramos nos versos da
Na primeira parte de Tegner´s Drapa há uma grande lamentação pela traição que
ocasionou a morte de Balder, filho de Ódin. Balder é uma figura do panteão mítico
germânico freqüentemente associada à figura de Jesus Cristo devido a seu caráter sublime e
O segundo filho de Odin é Balder, e boas coisas devem ser ditas sobre
ele. Ele é melhor, e tudo o glorifica; tão belo em feições, e tão radiante,
que a luz emana dele. Uma certa erva é de tal forma branca como são os
cabelos de Balder; de qualquer relva ele é mais alvo, e assim tu poderás
julgar sua beleza, tanto em seu cabelo como em seu corpo. O mais sábio
dos aesires, e o de mais belo discurso e mais gracioso; e tal qualidade o
cuida, que ninguém poderá contradizer seus julgamentos. (Tradução do
autor)
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Balder the Beautiful,
God of the summer sun,
Fairest of all the Gods!
Light from his forehead beamed,
Runes were upon his tongue,
As on the warrior' s sword.
Build it again,
O ye bards,
Fairer than before;
Ye fathers of the new race,
Feed upon morning dew,
Sing the new Song of Love!
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Shall rule the earth no more,
No more, with threats,
Challenge the meek Christ.
Sing no more,
O ye bards of the North,
Of Vikings and of Jarls!
Of the days of Eld
Preserve the freedom only,
Not the deeds of blood!
A dor da perda de Balder configura-se como uma das grandes motivações da poesia
mítica islandesa, dor esta que ecoará na poesia anglo-saxã com Beowulf e que vemos
Longfellow, Balder é destituído de sua ressurreição; sua morte não marca, como no
Voluspá, o início do crepúsculo dos deuses, mas sim o anúncio para a nova era cristã em
que os homens não mais estarão sujeitos ao jugo de um deus cruel e brutal como Thor.
Possivelmente um antigo islandês não qualificaria sua era como brutal, muito menos se
Mas estes juízos, determinados por uma inadequação do modo cristão ao modo
50
Cantando ao som da lira,
Quero clamar por Baco
Dai-me a lira de Homero,
Mas fora a corda sanguinária.
Mais uma vez o poeta clama pelo épos de antigos mitos, no entanto se guarda, não o
aceita inteiramente, não aceita o sangue que é vertido por seus heróis. Esta força primeva
que rege e embebeda os antigos heróis em um frenesi, esta força que provoca as
deformações de Cúchulainn, que é a mesma que faz Aquiles desfigurar o corpo de Heitor,
também é a mesma que rege Thor quando recupera seu Mjolnir e massacra os gigantes. Que
caráter dúbio, se ela é a mãe que alimenta e acolhe seus filhos, ela é também a mulher que o
apunhala pelas costas e devora sua cria. Com a mesma força que cria, a natureza destrói
deseja afastar-se de seus domínios, a deusa mãe é então substituída por um deus pai;
regulador e racional. As entidades femininas de sustento, alento, paixão, magia e ira, vão
guerra racional.
51
Surgem assim duas castas divinas, a de um primeiro panteão, ligado aos fenômenos
da physis e dos desejos; e um segundo panteão, dos novos deuses, onde não encontrarão
espaço as forças iracundas. Estes novos deuses simbolizarão um anseio de um novo tempo,
em que o homem não se sujeitará aos arroubos femininos da terra-mãe, mas será seu
patrono, passará a cultivar a terra, e não mais será a terra que irá florescer para alimentar o
homem.
Zeus será o patriarca deste novo tempo em sua Hélade, e Ódin na Germânia. Este é
o tempo em que a magia será o dom das mulheres e a guerra, o trabalho dos homens.
Não foi, contudo, uma transição rápida; muitos dos dois sistemas conviveram nas
diferentes religiões arcaicas. Se por um lado Aquiles manifesta o ódio e a ira fundamentais
das divindades primevas, Heitor configura-se como o soldado prudente e ciente de seu
contexto da polis. Por isso será Heitor, e não Aquiles, o grande herói grego festejado na
Baixa Idade Média, e assim também os furiosos guerreiros celtas, deixarão suas primordiais
características para integrarem uma nova necessidade cristã de heróis sensatos e comedidos.
mesmo maior fascínio que o próprio Rei Arthur. Seus nomes carregam uma forte força
Tristão, a Dama do Lago, Merlin. Que poder e que presença nos é dada apenas pela escuta
destes nomes!
52
Alguns destes personagens possuem suas próprias histórias, desvinculados da
figura central do grande rei bretão, outros ainda, possuem seu próprio ciclo independente.
Todo grande mito tem o poder de conjurar a si todos os mitos menores, incorporando-o a
vezes respondiam a uma cultura primariamente celta e ligada às forças divinas e da physis.
Talvez por uma necessidade de enquadrar estes heróis bárbaros a uma exigência cristã?
Não saberemos. Mas poderemos nos perguntar quem são estes heróis e de como vigiam seu
53
Kai
Arthur, que era um dos mais valorosos guerreiros de cort passará a apresentar-se como um
bufão, um tolo e inexperiente cavaleiro, digno, não de honras como seus companheiros,
corte de Arthur. Diversos guerreiros são citados neste texto (citações estas, possivelmente
executadas em sua instância oral através da técnica das Tríades Galesas), mas apenas a Kai
Cai tinha o especial jeito de agüentar nove noites e nove dias debaixo de
água com um só fôlego; e também de agüentar nove noites e nove dias sem
dormir. E ferida feita pela espada de Cai não havia físico que a pudesse sarar. E
tinha ainda um dom de maravilhar, que era o de, sempre que lhe apetecesse,
tornar-se tão alto como a mais alta de todas as árvores da floresta. E outro dom
ainda tinha, e era este: quando a chuva caía, por mais grossa e copiosa que fosse,
tudo o que estivesse por cima ou por baixo da sua mão, à distância de um palmo,
se seco estivesse seco continuaria a estar, tal era o grande calor que das suas
mãos se soltava; e quando o mais intenso frio afligia os seus companheiros, as
mãos de Cai serviam de brasa para acender lume. (In: O Mabinogion, p. 167)
As habilidades de Kai são sem par na corte de Arthur. Ele era o mais valoroso dos
guerreiros, e devido a isto, Arthur concede a seu irmão a liderança do grupo que saíra em
busca das demandas de Yspaddaden. Quando Kai rompe com Arthur, será o próprio rei que
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composto pelos seguintes cavaleiros: Kai, Bedwyr (Bedivere), Kynddelig, o guia; Gwrhyr
Ao terminar a demanda pelas barbas de Dillus, fazendo a trela com seus pêlos
conforme havia requerido Yspaddaden. Ao retornar à corte Kai coloca-a nas mãos de
Devido a seu caráter de guerreiro furioso, Kai a partir deste momento rompe com
seu irmão e é dito que assim nunca mais os dois haverão de estar lado a lado. Este
princípios do século XIII. Este romance é um tanto curioso por não se encaixar na
cronologia da História Régia Britânica, de Geoffrey, nem na Vulgata, esta obra também se
entanto utilizando apenas alguns elementos desta obra. Perlesvaus guarda, portanto, muitas
do mito arthuriano.
eventos mais importantes deste Perlesvaus, que será a guerra entre os dois irmãos Kai e
Arthur. Como já vimos em diversos momentos deste trabalho a guerra entre irmãos é um
55
tema recorrente na literatura celta; é possível que esta guerra entre Arthur e Kai seja uma
lembrança do rompimento que entre os dois personagens no Culhwch e Olwen. Cabe notar
que este desentendimento não é muito detalhado, é possível que tenham havido relatos
arcaicos desta guerra, e que se perderam. O Culhwch e Olwen apresenta alguns eventos
muito bem detalhados dentro se sua narrativa, muitos outros são apenas citados,
da cronologia primitiva de Arthur, com diversos eventos que teriam uma importância
A guerra entre estes dois irmãos no Perlesvaus é causada quando chega a corte uma
donzela trazendo uma caixa em que continha a cabeça de um cavaleiro morto, um dos
cavaleiros de Arthur teria assassinado este cavaleiro e somente este que o matou poderia
abrir a caixa com a cabeça decapitada. Assim um a um todos os cavaleiros tentam abrir,
mas falham por fim, Kai aproxima-se e abre a caixa, em seu interior vê-se a cabeça do
cavaleiro e Guenevere o reconhece, é Loholt, seu filho com Arthur. a donzela então explica
que Loholt conservava o estranho hábito de dormir sobre os corpos dos que havia matado, e
isto acontece, como é seu costume, ao dormir sobre o corpo de um gigante muito poderoso
que havia derrotado. Kai o encontra neste estado, mata Loholt e leva a cabeça do gigante à
corte de Arthur para ter para si a honra desta aventura. Em seguida a estes eventos, Kai
afasta-se da corte e une-se aos inimigos de Arthur e começa a realizar uma série de ataques
ao reino de seu irmão enquanto este viajava em uma peregrinação ao castelo do Graal. Em
um rompante de ira, durante esta guerra, Kai toma o castelo de Arthur e mata sua esposa
Guenevere.
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Vemos assim que o Kai primitivo em nada pertence ao Kai de Chrétien ou da
Vulgata que é descrito como um bufão falastrão além de ser um cavaleiro de pouco ou
nenhum valor. A persona de Kai arcaica aproxima-se, assim, dos heróis épicos arcaicos,
que como Aquiles e Cúchulainn são alimentados por uma fúria guerreira, conquistando
desta forma sua fama através de seus atos pouco honrados ao juízo cristão.
57
Ivan, l’Avoutre
Este é um dos cavaleiros que em certo período exercia um papel importante nos
relatos arthurianos e que, a partir da Vulgata Francesa, começou a ser relegado cada vez
Ivan nas narrativas galesas é sempre acompanhado por uma tropa de cento e
cinqüenta corvos, já no romance Ivan, de Chrétien e em sua contraparte galesa Owein, este
Apesar de ser um dos personagens que primeiro acompanhou Arthur, Ivan não
sofreu a descaracterização pela qual padeceram Kai, Gawain e seus irmãos. Seu caráter
belicoso e aventureiro foi conservado nas narrativas mais tardias, exercendo um papel
traidor. E, desta forma, é citado na seguinte Tríade Galesa, posto ao lado do celebrado
Lancelot du Lac:
Ivan é um personagem histórico pertencente ao ciclo dos bretões do norte que foi
assimilado pelas narrativas arthurianas. Assim como seu pai, Uriens, diversos poemas
atribuídos ao bardo Taliesin lhe são dedicados. São poemas que tratam de suas batalhas,
58
aventuras e morte. Taliesin celebra os feitos e as qualidades de Uriens e Ivan históricos que
ficaram famosos pela resistência bretã ao lutarem contra os Anglos de Bernícia. Ivan teria
sucedido o trono com a morte de pai, para logo depois ser assassinado. Diversos destes
concepção de Ivan é revestida de um caráter mágico, já que sua mãe é a líder das damas do
59
Perceval, le Galois
do Santo Graal, já que indissociavelmente está este personagem articulado a este episódio.
Filho de um grande cavaleiro (em Malory, seu pai é Pellinore, o maior de todos os
cavaleiros em perícia), Perceval viveu desde cedo em uma floresta, pelo medo que sua mãe
tinha de seu filho tornar-se cavaleiro e sofrer o mesmo destino de seu pai, a morte em
cavaleiro de origem humilde e provinciana, desta forma no início de suas aventuras, este
herói passará por situações constrangedores por desconhecer os códigos dos guerreiros.
encontramos uma história que em muito se assemelha àquela contada por Chrétien em seu
Perceval, possivelmente este Lai seria uma fonte para o poeta armórico, talvez os dos
tivessem uma mesma fonte que se perdeu, já que não encontramos o personagem de
60
Naqueles dias, os melhores e os mais bravos cavaleiros saiam a vagar
pela terra, buscando aventuras no dia e na noite, nunca levando escudeiro como
companhia, e é provável que nos dias de sua jornada eles não encontravam nem
casa ou torre, ou por sorte poderiam encontrar duas ou três. Ou na penumbra da
noite poderiam encontrar belas aventuras, que eram narradas na corte, assim
como haviam ocorrido. E os clérigos da corte belamente as escreviam em
pergaminhos na língua latina, de tal forma que, nos dias que viriam, os homens
pudessem ouvi-las atentamente. E estes contos foram passados do Latim para o
Romance, e destes, como dizem nossos ancestrais, os Bretões fizeram vários
Lais.
E certo Lai que fizeram vos contarei, assim como eu já ouvira o conto.
Havia um rapaz, belo e hábil, orgulhoso e bravo e valente. Tyolet ele era
chamado e conhecia estranhos ardis, pois com um assovio ele poderia chamar as
feras dos bosques para uma armadilha, tanto quanto assim o rapaz o desejasse.
Uma fada lhe ensinara esta habilidade, e nunca uma fera que Deus havia criado
poderia evitar seu assovio. Sua mãe era uma dama que habitava na vasta floresta
onde seu senhor fizera sua residência para o dia e para a noite, e o lugar era
deveras solitário, pois por dez léguas não havia outra morada.
Certo dia ela chamou seu filho e pediu a ele gentilmente (pois o amava
muito) para ir até a floresta e matar um cervo; e o rapaz foi direto para a floresta
e vagou pelos bosques até a noa, mas nem cervo, nem fera de qualquer tipo
encontrou. Então estava ele tão aborrecido em seu coração e pensou em retornar
para casa, desde que nada poderia encontrar na floresta, quando, sob uma árvore,
ele viu um cervo que era tão grande quanto belo, e no instante assoviou para ele.
O cervo ouviu seu assovio e olhou para ele, mas o animal não veio em
seu chamado, nem esperou pela sua chegada, mas a passos suaves saiu do
bosque, e Tyolet o seguiu até que o animal chegou a um rio e o atravessou. A
correnteza era forte e profunda, perigosa de atravessar e as margens distantes
entre si, e o cervo chegou são e salvo até a margem oposta. Tyolet olhou para
cima e para baixo, e viu uma corça gorda e bem crescida vindo até ele, assim
conservou seus passos e assoviou, e assim que o animal se aproximou, o rapaz
pegou sua faca e a encravou em seu corpo, matando-o rapidamente.
Mesmo tendo assim feito, Tyolet olhou através do rio, e vede! O cervo
que atravessou as águas havia mudado suas formas e tornara-se um cavaleiro,
totalmente armado como um cavaleiro deveria, e montado em um galante cavalo
de guerra. Assim ele estava na margem do rio, e o rapaz, que nunca em sua vida
61
havia visto coisa igual, tomou como grande maravilha e permaneceu em
silêncio, admirando-o, e imaginando qual era o sentido de estranha vestimenta.
Então o cavaleiro falou com ele através do rio com gentis palavras,
cortesmente perguntando seu nome, e quem ele era e o que havia visto. E Tyolet
o respondeu: “Filho eu sou da dama viúva que vive na grande floresta, e Tyolet
me chamam, assim nomeiam meu nome. Agora me dizei se sabeis quem sois e
que nome tendes”.
“Por minha fé,” disse Tyolet, “Esta é grande maravilha, pois nunca,
desde que vago por estas terras selvagens, havia eu visto tal fera; já que conheço
ursos e leões, e todo tipo de cervo. Nem há ao menos alguma fera em toda
floresta que eu não conheça, mas eu as arrebato sem transtorno; apenas a vós eu
desconheço . Apesar de temível fera parecerdes. Dizei-me, Cavaleiro-Fera, o que
carregais em vossa cabeça? E o que é isto que pende de vosso pescoço, que é
vermelho e reluzente?”
“Desejas saber?”
62
“Sim, de verdade.”
“Isto é uma lança, isto que carrego comigo. Agora eu te disse a verdade
sobre tudo que tu exigiste de mim.”
“Vá, então, em teu caminho, e quando tua mãe te vir, ela dirá: “Belo
filho, dize-me, o que te aflige, e sobre que pensas?” E tu deverás responder que
tens muito a pensar, pois tu desejas tornar-te como um Cavaleiro-Fera que viras
na floresta, e por isto estás pensativo; ela dirá então que isto muito a entristece o
haveres visto tal fera que arrebata e devora as outras. Assim dirás, por tua fé,
pouca alegria ela terá de ti se tu não fores como tal fera, e vestires tal coifa sobre
a cabeça; e quando ela ouvir isto, prontamente ela te trará outra vestimenta, cota
e manto, elmo e espada, grevas, e uma longa lança, assim como tu havias visto
aqui.”
Então Tyolet partiu, pois brevemente teria de estar em casa, e ele deu a
sua mãe a corça que trouxera, e contou a ela todas as suas aventuras assim como
ocorrera. E sua mãe respondeu-lhe que isto muito a entristecia ele ter visto tal
fera, “Pois ela arrebata e devora muitas outras”
“Por minha fé,” disse Tyolet, “doravante assim será: se eu não for tal
fera como a que vi, pouca alegria terás de mim deste momento em diante.”
Quando sua mãe ouviu isto, respondeu imediatamente que toda arma que
tivesse, traria a ele, e ela trouxe aquelas que haviam pertencido a seu senhor, e
armou seu filho neste momento, e quando estava montado em seu cavalo, Tyolet
realmente parecia ser um Cavaleiro-Fera.
63
“Agora,” disse ela, “belo filho, sabes o que deves fazer? Deves ir rumo
ao Rei Arthur, e toma bom conselho em minhas palavras, não acompanhes
homem ou mulher que não forem de gentil nascimento e criação.” Então ela o
abraçou e o beijou, e o rapaz seguiu em seu caminho, e viajou por muitos dias
sobre colinas e sobre planícies e sobre vales, até alcançar a corte do Rei Arthur,
que valente e cortês foi.
O rei estava sentado à mesa, e se fazia servir ricamente, mas Tyolet não
esperou no salão de entrada; vestido como estava em sua armadura e montado
em seu cavalo de batalha, cavalgou até a mesa, onde sentava-se Arthur, o Rei, e
não disse palavra, nem saudou qualquer homem.
“Por minha fé,” disse o rapaz, “Eu vos direi antes mesmo de comer. Rei,
meu nome é Cavaleiro-Fera, muitas feras eu matei, e os homens me chamam
Tyolet. Bem sei como capturar cervos, se isto vos agradar. Senhor, eu sou filho
da viúva da floresta, e em segurança ela me enviou a vós para aprender
habilidade e sabedoria e cortesia. Gostaria de aprender sobre a cavalaria, os
torneios e as justas, a conceder dons e ser generoso, pois nunca antes havia eu
estado na corte de um rei, e penso que nunca novamente irei aprender tão bela
educação e cortesia. Agora que vos disse o que busco, o que tendes em mente,
senhor Rei?”
“Senhor, eu sou uma donzela, filha de rei e de rainha, e meu pai reina
sobre Logres. Ele e minha mãe mais filhos não possuem, eles te pedem teu
amor, como um correto e valente monarca. Se houver um entre teus cavaleiros
que seja de tal valor que por mim corte o branco pé de certo cervo, se houver tal
cavaleiro, eu te peço, ó Rei, para que eu o tome como meu senhor, pois, em
verdade, outro não terei. Pois nenhum homem terá meus favores, se ele não
trouxer a mim o branco pé daquele grande e belo cervo, seu pêlo reluz como
ouro, e é guardado por sete leões.”
64
“Por minha fé” disse o Rei, “Tal acordo firmarei convosco que aquele
que trouxer o pé do cervo, a vós tomará como esposa.”
“E eu, Senhor Rei, juro-te que assim será o acordo.” Assim rapidamente
fizeram eles o pacto, e nenhum cavaleiro no salão que tinha fama ou renome
disse que iria e buscaria o cervo, pois não sabiam onde poderia ser encontrado.
A donzela falou: “Este cão farejador vos guiará para onde está o cervo e
sua morada.”
Então Lodoer, que muito desejava ser o primeiro a buscar o cervo, pediu
a permissão de Arthur, e o Rei não poderia negar-lhe. Assim ele pegou o cão
farejador, montou e saiu em demanda pelo pé do cervo. Mas o cão o levou em
direção a um rio, que era largo e longo, negro, volumoso e medonho de se olhar,
pois de quatrocentas braças era sua largura, bem cem de profundidade, e o cão
farejador sem hesitar saltou na correnteza, cuidando que o cavaleiro o estaria
seguindo de perto.
Mas segui-lo não poderia Lodoer: ele não tinha em sua mente a idéia de
entrar na correnteza, pois tinha ele pouco desejo da morte, e disse a si mesmo:
“Aquele que não tem a si mesmo, nada tem, este tem bem um castelo, penso eu,
pois toma cuidado com sua vida”.
65
Então Tyolet olhou, e viu o cervo que sozinho, na campina, alimentava-
se, e nenhum dos leões estava por perto; e esporeou o cavalo, e passou diante
dele assoviando. O cervo veio prontamente em sua direção, e quando Tyolet
havia assoviado sete vezes, ele parou. Então Tyolet desembainhou sua espada, e
tendo a pata branca do cervo em sua mão, cortou-a na junta, e guardou-a em seu
manto. Com isto o cervo lançou um alto grito, e os leões, que não estavam muito
longe, vieram rapidamente e logo o viram.
Um dos leões lançou-se sobre o cavalo que Tyolet montava, e o feriu tão
gravemente, que arrancou toda a pele e a carne de seu ombro direito, e quando
isto viu Tyolet, desferiu sobre o leão um poderoso golpe no peito, partindo em
pedaços nervo e tendão – e assim, com aquele leão, não teve ele mais
dificuldades. O cavalo caiu por terra, e por mais que o cavaleiro afastasse os
leões, eles estavam sobre ele, por todos os lados. Eles arrancaram a boa
armadura de suas costas, e a carne de seus braços e costelas, e o feriram tão
gravemente, que próximos estavam de devorá-lo. Dilacerado estava, mas por fim
ele os matou, apesar de por pouco ter sido rasgado por suas garras. Então,
tombou sem sentido entre os leões, pois tão dilacerado e despedaçado estava,
que de pé não permanecia.
66
mula, e cumprimentou cortesmente a Galvão. Então Galvão retornou o
cumprimento, e a chamou até ele, e a abraçou, pedindo a ela muito gentilmente e
muito cortesmente, para que ela levasse esse cavaleiro, que era realmente um
cavaleiro correto e valente, ao médico da Montanha Negra; e a donzela fez assim
como ele a instruiu, e levou Tyolet ao médico, pedindo a ele para que cuidasse
dele pelo amor de Galvão.
Enquanto assim disputavam, viram Tyolet, que vinha até eles com
pressa e havia desmontado fora do salão. O Rei levantou-se de seu trono para
encontrá-lo, e jogou seus braços em seus ombros, e o beijou, pois grande amor
tinha por ele, e Tyolet ajoelhou-se diante de seu rei.
E o cavaleiro que desejava ganhar a donzela com a pata que Tyolet lhe
entregara, falou novamente a Arthur, e novamente fez o pedido. Mas Tyolet,
quando soube que ele exigia a donzela, falou-lhe cortesmente, e pediu-lhe
gentilmente: “Senhor Cavaleiro, dizei-me aqui na presença do Rei, com que
direito reclamais esta donzela?”.
“Por minha fé,” disse ele, “Eu vos direi. Eu lhe trouxe a pata branca do
cervo; o Rei e a donzela assim firmaram o contrato”.
67
“Fostes vós quem cortou a pata? Se for verdade, então não vos poderá
ser negado.”
A flor de lis ou a rosa nova, quando brotam no belo verão, são menos
belas que esta donzela. Assim Tyolet pediu sua mão em casamento, e com sua
permissão, Rei Arthur a deu a ele. E assim ela o tomou em suas mãos, e ele foi
rei, ela foi rainha.
Até Robert de Boron, Perceval será celebrado como o grande herói da Demanda do
Santo Graal, mas a partir da Vulgata, este herói ficará em segundo plano, devido a Galahad,
filho de Lancelot. Dividirá com este e com Boors a conquista do Graal. Possivelmente
devido ao processo de cristianização do mito, o Graal não poderá mais ser conquistado
68
apenas pelos mais valorosos cavaleiros (como vemos no poema de Taliesin) ele servirá
apenas aos mais castos. E assim uma nova característica é atribuída a Perceval: a castidade.
Na seguinte Tríade Galesa, que responde a uma tradição bem tardia, vemos estes
69
Fata Morgana, Rainha de Ávalon
mistério quanto a irmã de Arthur, Morgana, a fada. E tal fascínio deve-se principalmente
pelo fato de Morgana nos trazer à memória as antigas feiticeiras da cultura celta, quem
eram estas feiticeiras, quais eram suas habilidades, suas características? Pouco, ou quase
nada sabemos. No entanto, Morgana, a fada, líder das donzelas do lago; sobre ela algo
seria ela mesma filha de um rei do Annwn (como vimos no capítulo dedicado a Ivan),
Em um conto galês chamado Arthur e Caledvwlch, vemos uma outra tradição que
ligaria o saber de Morgana ao grupo conhecido como das donzelas do lago, este trecho do
conto se passa após a morte do Duque da Cornualha, quando Uther já estava por casar com
Igrane:
E pouco tempo depois Uther ofereceu uma festa a ser preparada aos
nobres da ilha e naquela festa ela casou-se com Eigyr (Igrane) e fez as pazes
com os homens de Gwrleis e todos seus aliados. Gwrleis tinha duas filhas com
Eigyr, Gwyar e Dioneta. Gwyar era uma viúva, e após a morte de seu marido
Ymer Llydaw, ela morou na corte de seu pai, com seu filho Hywel. Agora Uther
fez com que Lleu, filho de Cynvarch, casasse com ela, e eles tiveram filhos, dois
garotos, Gwalchmei e Medrawd, e três filhas, Gracia, Graeria, e Dioneta. A
70
outra filha do duque, Uther a enviou a ilha de Avallach, e sobre todas de sua
idade ela era a mais habilidosa nas sete artes. (Tradução do autor)
Esta filha chamada aqui Dioneta, é Modron, a Morgana dos romances franceses, que
é descrita por Geoffrey de Monmouth no Vita Merlini como a líder das nove sacerdotisas
de Ávalon:
71
o rei lhe confiamos e partimos,
dando as velas aos ventos favoráveis.
(Antonio Furtado, in: Artur e Alexandre, p 90, 1995)
Se nos deixarmos levar pelas inúmeras viagens que os heróis celtas realizam,
lugares estes tão fortes como personagens, lugares mutáveis que dizem, mas nunca se
pronunciam, e ao viajante atento estes dizeres não passaram ao vento, pois sábio é aquele
que, como Math, ouve tudo que lhe é trazido aos ouvidos, e estes lugares são Ávalon e o
Annwn.
Ávalon, a Ilha dos Pomos. Morgana é a rainha desta ilha de mulheres. Durante o
decorrer da vida de Arthur estas mulheres, que são exímias feiticeiras, permaneceram ao
lado do grande rei bretão. Elas lhes deram sua espada: Excalibur; deram-lhe também sua
bainha; enviaram-lhe Viviane e por fim cuidaram de suas chagas mortais na Ilha da Eterna
É necessário, portanto vasculhar nos antigos romances, nos antigos poemas, nas
antigas palavras o que era próprio deste saber. Devemos tentar resgatar esta palavra e não a
resgatarmos pelo menos seu sentido das era primevas, falhamos e devemos, assim, nos
72
deixemos que ela nos guie em nossa demanda por Morgana em Ávalon; pronunciemos o
Para retornarmos a esta primeira instância, em que havia uma saber próprio ao
femino, façamos junto com Bran, a viagem para a Ilha da Eterna Juventude. Esta narrativa é
uma antiga narrativa, independente de ser de origem celta, a viagem que alguns heróis
Irlandesa, de como eram belos seus prados, seus cavalos, de como o alimento não faltava a
seus habitantes e de como aqueles que ali viviam não sentiam o peso dos anos e de outras
maravilhas mais as quais Bran fôra convidado a presenciar. E assim, como misteriosamente
chegara à corte, depois de terminado o seu canto, a mulher desapareceu. No dia seguinte
73
E ele viu uma ilha, ele remou ao seu derredor e uma grande comitiva
festejava e ria. Eles todos olhavam a Bran e sua comitiva, mas não poderiam
ficar para conversar. Eles continuavam a dar deleitosas gargalhadas. Bran enviou
um dos seus à ilha. Ele esperou junto com os outros e estava rindo como aqueles
da ilha. Ele continuou a remar em volta da ilha. Quando quer que seu homem se
aproxime de Bran, seus companheiros tentavam se comunicar. Mas ele não
poderia conversar com eles, pois poderia apenas olhar para eles e rir. O nome
desta ilha é Ilha da Alegria (Joy). Assim eles o deixaram ali.
. Não demorou após isto que chegassem à Ilha das Mulheres. Eles viram
a líder das mulheres no porto. Disse a chefe das mulheres: aproxima-te da terra.;
oh Bran filho de Febal! Bem vinda é tua chegada! Bran não se aventurou a
chegar na costa. As mulheres jogaram um novelo em direção ao rosto de Bran.
Bran colocou suas mãos no novelo que penetrou em sua palma. O fio do novelo
estava nas mãos da mulher, assim ela puxou o barco até o porto. Após eles
foram até uma grande casa, na qual havia uma cama para casal, no total de três
vezes nove camas. A comida que era posta nos pratos não desaparecia de sua
frente. Pareceu que um ano passaram na ilha -- em verdade foram muitos anos.
Nenhum sabor lhes faltava.
Assim eles foram até chegar em Srub Brain. O homem perguntou a eles
quem eram que vinham pelo mar. Disse Bran: “Eu sou Bran, filho de Febal”,
disse ele. No entanto o outro disse: “Nós não conhecemos tal pessoa, apesar de
A Viagem de Bran estar entre nossas antigas histórias”
Assim ao povo da reunião Bran contou sua errância do início até aqueles
dias. E ele escreveu estes quartetos em Ogam1, e assim desejou-lhes adeus. E
desde aquele dia sua errância não é mais conhecida2.
1
Ogam é a antiga escrita irlandesa.
2
Esta tradução foi feita com o auxílio da tradução para o inglês de Kuno Meyer in: The voyage of Bran, son
of Febal to the Land of Living.
74
Muitas narrativas como estas eram apreciadas pelos antigos celtas, de como herói
completamente do mundo dos homens, por um interdito que não pode ser quebrado por
A Ilha da Eterna Juventude, assim que a chamam no conto irlandês, e assim como
esta viagem de Bran será aquela de São Brandão em busca do Paraíso Terrestre. Mas ao
que parece nestes relatos, a maravilha da eterna juventude, a beleza e a alegria e os prazeres
eternos são inerentes a seus habitantes. Já nos relatos galeses estas maravilhas são o
resultado do saber de suas fadas. A Ilha da Bem-Aventurança, não é tão pouco, nos relatos
galeses, uma terra longínqua perdida no vasto oceano ocidental, ela é um território oculto
pela ilusão de um lago, daí o nome da ordem das feiticeiras que a habitavam: As Donzelas
do Lago. E porque tal nome: donzelas? Pois assim como Pallas Athenas, tais mulheres não
se sujeitavam ao homem, elas retinham o saber das eras ancestrais, o saber próprio a Dana e
a Morrígan.
Uma vez, indo Gandales seu caminho, apareceu-lhe uma donzela que lhe
disse:
-Ai, Gandales! Se muitos altos senhores soubessem o que eu sei,
cortavam-lhe a cabeça...
Pasmou o bom cavaleiro.
Acrescentou aquela:
- Porque em tua casa guardas a morte deles.
75
- Donzela, por Deus rogo vos expliqueis!
Então ouviu Gandales tais palavras maravilhosas:
- Digo-te que aquele que achastes no mar será a flor da Cavalaria: fará
tremer os fortes, humilhará os soberbos, defenderá os agravados, e tudo obrará
com honra, e será também o cavaleiro que com mais bela lealdade há de manter
seu amor!
- Ah! Senhora, dizei-me quem sois!
- Sou Urganda, a Desconhecida, mas não me busques que não me
acharias.
E, ao passo que assim dizia, de moça formosa se mudou em velha
trôpega. Isto vendo, teve Gandales a Urganda por uma daquelas mulheres que
possuem saber de sortes e encantamentos, conhecem a virtude das palavras, das
águas e das ervas e guardam o segredo de manter mocidade, beleza e poderio.
“A virtude das palavras”, como pensou Gandales, e assim nos lembramos das
mulheres no conto de Bran, com suas belas canções capazes de adormecer, em sua candura,
um atento e temível guerreiro. Este é o poder da antiga poesia, o poder de manipular suas
palavras de tal forma que se tornam elas ricas em poderes mágicos. E as fadas conheciam
tal poder.
“O saber das águas e das ervas”, o saber da terra, o saber de Dana, a deusa-mãe. É
com a manipulação de ervas, que, segundo Boron, Merlin adquire sua habilidade de
metamorfose. E, possivelmente, será com as ervas que as fadas adquirem sua juventude
eterna, pois com o contato com a terra, aproxima-se assim do divino, pois que é próprio do
Estes são os saberes de Dana que guardam as feiticeiras, através dos quais exercem
76
O Grego Clássico possuía duas importantes palavras para designar o que
conhecemos com a palavra “poder”, que são a dizer: dýnamis e exousía. O sentido de
exousía diz do poder político, da possibilidade de exercer seus direitos frente a uma
comunidade.
empírica, mas também as forças vitais e vegetativas e sensitivas como descreve Platão
(Rep. 5.4777 cd)... Os estóicos consideram a dýnamis a causa eficiente dos fenômenos,
social é que se denomina magia. É através da manipulação desta força que o homem intenta
physis4.
vitória nas batalhas dos Tuatha de Danann, pois que com suas canções explodiam estes
3
João Evangelista Martins Terra O Deus dos Indo-Europeus p. 421.
4
Em diversos dicionários míticos ou etimológicos é divulgado que a palavra “magia”, de radical “magi-”,
tenha entrado no léxico das línguas européias através de um empréstimo grego do antigo persa maguš, que
designava uma tribo Meda de sacerdotes zoroatristas. No entanto, acreditamos que esta venha a ser uma
palavra de origem outra, possivelmente indo-européia, visto que na religião hindu encontramos Maya
(Mahamaya – Grande Maya),a deusa, que posteriormente, na filosofia dármica designará a ilusão do mundo.
77
A arte da guerra foi de certa forma algo não muito próprio às Donzelas do Lago nos
treinado em armas por nove feiticeiras inominadas, que sabemos muito bem quem são; e
De Morrigan, Morgana herda seu saber, o saber das artes da guerra, mas com isto
herda também seu caráter divino, que é sempre um caráter dúbio. Por vezes vemos
Morgana ao lado de Arthur, por vezes a vemos contra seu irmão organizando complôs e
instigando traições entre os cavaleiros da Távola Redonda e por fim a vemos levando o
Arthur moribundo junto com outras duas donzelas do lago para Ávalon. Malory explica a
causa deste caráter dúbio devido a sua paixão secreta por Lancelot, mas seu caráter não
responde a uma condição humana, pois como todos os heróis detêm em si a condição do
divino, a paixão de Morgana pode ser mesmo verdadeira, no entanto seu caráter dúbio
poderá ser apenas uma presentificação de uma deusa, a Deusa Mãe, a Grande Rainha que
Encontramos no antigo egípcio a palavra mana, um conceito que em muito se assemelha ao grego dynamis; o
mesmo radical ocorre em manifestatio.
78
natureza. Arthur, assim como Cúchulainn, saboreou a impotência do homem diante da
Grande Deusa.
79
Pelles, Rei de Annwn5
Em diversos momentos deste trabalho já nos deparamos com o inferno Galês, mas,
guardando os cuidados que em cada mitologia deva ser pensado, o que seria o Annwn? Um
lugar para onde a alma dos mortos se encaminha, um lugar riquíssimo, muitos tesouros
maravilhosos possuem seus reis. No Mabinogion, é Pwyll que traz o primeiro rebanho de
suínos às ilhas da Grã-Bretanha, despertando a cobiça dos guerreiros de Math. Poucos são
aqueles que vivos, conseguem penetrar nos domínios do Annwn, pois ela é feita por uma
porta de difícil acesso. O Annwn está sempre relacionado a um lugar montanhoso, cercado
por águas caudalosas. Squire nos fala sobre Gales, e de como a geografia deste misterioso
O Annwn nunca está em uma realidade paralela, este reino está sempre no mundo
dos homens, e assim, aquele que se aventurando, lança-se a perambular pelas ilhas bretãs,
encontrará este reino, seu rei e suas riquezas. Isto ocorre com Perceval, que vê a procissão
80
do Graal no castelo de Pelles, que é Pwyll, rei de Annwn, e também com Balin, quando
desfere o “Doloroso Golpe”. Toda a Demanda do Santo Graal, nada mais é que uma
demanda pelo roubo dos tesouros do Annwn, como também é uma demanda pela
fertilização deste reino obscuro, pois sua terra fenecia, junto com seu rei. Apenas o Graal,
que é o Caldeirão que na mão dos virgens e jovens cavaleiros, poderia novamente florescer
o outrora mais rico e próspero dos reinos, um reino habitado por deuses, o mais sagrado dos
reinos.
castelo, que some e aparece, o caminho até ele não é algo que possa ser mapeado, apenas
com o vagar do cavaleiro errante poderá se vislumbrar em alguns momentos, através das
nuvens o castelo de Corbin, que muitas vezes está também circundado por caudalosos rios,
talvez por isso seja Pelles o Rei Pescador, rei das águas. Muitas vezes este castelo poderá
ser apenas alcançado através destas águas que o cercam, assim como fizeram os três
por Salomão.
5
Pelles, ou Pwyll, é o rei de Annwn nas narrativas arthurianas, no Mabinogion seu rei é Arawn, sendo que
por um período de um ano Pwyll e Arawn trocam seus lugares. Já em diversas narrativas populares é Gwynn
filho de Nudd que governa o Annwn e as fadas das fontes e dos lagos são suas filhas.
6
Da obra de Malory costuma-se dizer que há uma confusão, pois parece haver uma diferenciação do
rei ferido como o rei pescador, na verdade não há bem uma confusão por parte do autor, visto que esta mesma
divisão do personagem de Pelles ocorre também no romance Peredur. Talvez pela lembrança do filho Pwyll,
Pryderi, que em algumas matérias acompanha seu pai.
81
Lembremos que em certo texto Morgana (Mobron) é filha do rei de Annwn. Quando
Uriens a encontra em um vau, ela diz a seu futuro marido que era filha do senhor de
Annwn, o que para nós pareceria estranho já, que a fada, seria uma das irmãs de Arthur e
líder das nove feiticeiras de Ávalon. Mas como já dissemos a relação de Annwn e Ávalon
Morgana é filha de seu rei no trecho do seu primeiro encontro com Uriens. No
poema Priddeu Annwn Morgana também está no Annwn, junto com ao Caldeirão. No
Peredur Morgana está em um lugar que muito lembra o Annwn, novamente junto ao
caldeirão, mas sem um de seus famosos reis; Pelles está em outro castelo, em outro reino.
Já na Vulgata e na obra de Malory, estes dois reinos, o Annwn e Ávalon terão suas funções
nitidamente distinguidas.
82
Merlin, l’Enchanteur
um acompanhante, Giraldus Cambrensis, por este fabuloso país que conhecemos pelo nome
de País de Gales. A partir destas viagens, Geraldo de Gales escreveu dois livros
apreciado por seus contemporâneos. Este livro relatava algumas fábulas, os costumes,
quando nos fala sobre Arthur, Merlin e Geoffrey. Talvez tenha sido ele o primeiro a falar de
83
Quem seriam estes dois “Merlins”? Acredita-se que as matérias destes dois
personagens, antes não associadas, se fundem para criar um único personagem, o feiticeiro
Geoffrey de Monmouth, e seis poemas galeses, sendo três encontrados no Livro Vermelho,
dois no Livro Negro e um último em um manuscrito tardio do século XV. Esta matéria, a
do Merlin Silvestre, o louco, nos conta, assim como nos disse Geraldo de Gales, sobre um
rei que, horrorizado com a guerra, enlouquece, abandona seu reino, seus súditos, sua irmã e
Myrddin:
I. Quão triste estou, quão triste
Cedfyl e Cadfan sucumbiram?
Cegante e tumultuosa fôra a matança
Perfurado fôra o escudo de Trywruyd.
Taliesin:
II. Foi Maelgwn que eu vi lutar
Aclamado em meio ao canglor.
Myrddin:
III. Diante de dois, em Nevtur ancorarão
Diante de Erith e Gwrith em cavalos
De esbelta baía irão fazer-se ao mar
Logo avistarão sua comitiva junto a Elgan.
Dor por sua morte! Longa jornada!
84
Taliesin:
IV. Rhys, de um dente, escudo de um palmo
A ti veio a benção da batalha.
Cyndur caíra, em longo choro lamentado
Generosos guerreiros foram mortos
Três notáveis, estimados por Elgan.
Myrddin:
V. Novamente e outra vez, em grande tropel
De longe, muito além, eis Bran e Melgan
Em sua batalha, mataram Diwel,
filho de Erbin, e todo o seu exército.
Taliesin:
VI. Prontos vieram os de Maelgwn
À rubra planície, à matança armados.
Mesmo para Arderydd, terrível crise
Como tal herói, irão se preparar.
Myrddin:
VII. Hostes de aladas lanças; enrubesceu a planície.
Hostes de guerreiros vigorosos e ativos
Hostes, quando feridas, hostes em fuga.
Hostes, quando retornarem ao combate.
Taliesin:
VIII. Sete filhos de Eilfer, sete quando postos em prova
Não se esquivarão de sete lanças em suas sete brigadas.
Myrddin:
IX. Sete chamas ardentes, sete exércitos inimigos,
O sétimo Cynelyn em cada sítio à dianteira.
Taliesin:
X. Sete lanças, sete rios rubros de sangue
De sete chefes sucumbidos se encherão.
Myrddin:
XII. Sete hordas encaminharam-se às sombras.
Na Floresta da Caledônia encontraram seu destino.
Pois sou Myrddin, primeiro após Taliesin,
Que, como verdade, minhas palavras sejam ouvidas
- o texto original encontra-se em anexo)
85
Este é Myrddin que habitava como um louco, na companhia dos animais, a Floresta
da Caledônia7.
também nos versos do diálogo de Myrddin com Taliesin. Myrddin e Taliesin são como o
aedo, o grande guerreiro dotado com a palavra da musa; no entanto, abandonam suas
espadas e refugiam-se no seio de Dana, a floresta. Alguns dos poemas atribuídos a Myrddin
nos falam sobre este momento de recolhimento do bardo à natureza. Assim, Myrddin, o
bardo, buscará o conhecimento dos antigos druidas e, através de seus enigmáticos versos,
O segundo Merlin, o Ambrosius, tem sua fonte mais antiga na História Régia
Britânica, também de Geoffrey de Monmouth. Nesta obra é relatado que durante o governo
de Vortigern, o usurpador, foi necessário construir uma torre em uma colina no norte de
Gales, para proteger o reino contra os invasores irlandeses. No entanto, toda vez que
A lenda conta que ao ver suas tentativas de construção da torre na colina frustradas,
Vortigern convoca diversos sábios para investigar a razão desta maravilha. Passa-se um
ano, e a única coisa que estes sábios descobrem é que deveria ser buscado um menino sem
pai, em algum lugar em Gales que de alguma forma possui a chave para a resolução deste
7
A Caledônia é o nome pelo qual os romanos nomearam toda a região acima do Muro de Adriano, a Escócia
e a Nortumberlândia.
86
Merlin é levado ao encontro de Vortigern e revela que abaixo desta colina, e esta
era a razão pela qual a torre não poderia ser erguida, dormiam dois dragões, um branco, o
outro vermelho. O que Vortigern deveria fazer era mandar que escavassem aquela colina
até que encontrassem os dragões, desta forma eles despertariam e se confrontariam. Assim,
como Merlin havia previsto, ocorre; os dois dragões despertam, há um combate entre os
dois, e por fim o dragão vermelho vence o dragão branco. Posteriormente Merlin vai até
Vortigern e explica que o dragão branco simboliza o povo saxão, e o dragão vermelho (Y
meio-humano, filho de um íncubo com uma mulher. Quando Vortigern torna-se ciente
Vemos neste trecho da História Régia que não há ainda um julgamento cristão deste
mito como podemos encontrar no Malleus Maleficarum8 que identifica tanto a entidade do
8
O Malleus Maleficarum é uma obra alemã editada pela primeira vez em 1485, constituindo-se como um
importante documento durante a histeria da caça às bruxas dos séculos seguintes. Este livro é um manual de
demonologia e de identificação, prevenção e extermínio do ato da bruxaria e das bruxas, entre outras
coisas.
87
íncubo quanto da súcubo como demônios, serviçais do anticristo. Já em Geoffrey estas
entidades teriam em si uma essência angelical e humana. Geoffrey escreveu sua obra em
latim e talvez por isso tenha traduzido alguma entidade mítica galesa pelo íncubo latino.
uma mulher com uma entidade etérea, mas sim fruto de um plano dos demônios da
mitologia cristã, que, descontentes com a ascensão de Adão, Eva e outros, decidem criar
um avatar entre os homens. O Demônio engana, então, uma mulher crente em Deus e
fecunda assim seu filho Merlin e lhe confere o poder de enxergar o passado e o presente;
Deus, como forma de não perder a criança, confere-lhe o dom da divinação do futuro.
Merlin recebe assim, com a cristianização do mito, uma origem dupla, tanto divina quanto
profana.
atentar não para o juízo que pode ser atribuído ao mito, mas para o fato de sua essência ser
ligada ao oculto. Conhecemos os sídhe irlandeses, que são muitas vezes traduzidos para o
inglês como faeries, que não são como as fadas, mas são na verdade os antigos Thuatha dé
Danann que com a chegada dos homens se exilaram para o submundo. Estes antigos deuses
poderiam em seu exílio andar pelo mundo dos homens, mas seriam sempre espíritos
mãe de Cuchulainn quando esta tomava um vinho e engole uma mosca que havia caído em
88
Esta espécie de fecundação é um evento recorrente na literatura mitológica celta
mas Geoffrey, em sua formação clássica, provavelmente tenha preferido conferir a um dos
heróis de sua obra uma origem que o aproximasse mais de seus clássicos. Assim, Merlin
Ambrosius tem garantida sua origem divina e misteriosa; e este personagem, como
Estes são os dois “Merlins” dos quais fala Geraldo de Gales: Merlin Silvestre e
Merlin Ambrosius, mas nenhum destes dois é aquele que acompanha Arthur em suas
histórias9. Há, assim, três “Merlins”, estes dois e mais um terceiro, o Merlin das fontes que
provar o porquê desta distinção, mas como assim trilhamos todo o percurso destas páginas,
perguntaremos: quem é Merlin? E perguntaremos: onde estaria esta persona nas fontes mais
antigas?
modernos pesquisadores acreditarem que estes constituam uma mesma matéria. Mas em
louco da Caledônia, o bardo e o grande rei bretão se cruzam em seus feitos. Há apenas um
89
Dentre as tríades compiladas ou forjadas por Iolo Morganwg10 encontramos no Y
Taliesin está presente na longa relação dos guerreiros de Arthur do conto Culhwch e
Olwen. Mesmo que não tenhamos algum relato em que seja exibido o papel de Taliesin
dentro da antiga matéria arthuriana, é possível que o bardo galês tenha desempenhado o
papel que nas fontes mais recentes tenha sido incorporado por Merlin, le enchanteur11.
Vulgata Francesa, é visto como um feiticeiro, um sábio e além de tudo um profeta capaz de
enxergar o passado e o presente. Seu papel na corte se assemelha muito aos dos antigos
druidas dos épicos irlandeses, cujas palavras nunca poderiam deixar de ser ouvidas com
9
O Merlin Ambrosius da História Régia Britânica se ausenta da narrativa antes do nascimento de Arthur.
Será a partir de Boron que a história de Merlin será inserida nos eventos diretamente relacionados aos feitos
Arthur e seus cavaleiros.
10
Iolo Morganwg, pseudônimo de Edward Williams (1747- 1826), foi um antiquário, colecionador e um
importante poeta para o romantismo galês e para os movimentos associados ao neo-druidismo. Entre suas
obras existem diversas compilações das tríades galesas, algumas são consideradas criações suas, para outras,
no entanto, é possível encontrar correspondentes nos antigos manuscritos galeses.
11
Não só as condições do nascimento de Merlin muito se assemelham com as de Taliesin como também o
famoso enchanteur nunca perdeu suas habilidades oniscientes típicas dos mais hábeis dos poetas. Talvez o
que tenha havido nas compilações francesas seja a substituição do nome de Taliesin pelo de Merlin, devido à
fama que o personagem de Geoffrey alcançou, fato este que pode ser comprovado pelo grande número de
manuscritos e traduções que sobreviveram do História Régia Britânica.
90
Talvez as três tradições de Merlin (o Ambrosius, o Silvestre e Taliesin) não sejam
entre suas palavras qualquer espécie de versos, nem encontramos qualquer indicação que o
referências a um bardo, qualquer que seja, ou ao trabalho dos bardos. Há sim o personagem
famosus fabulator, que teria composto a elucidação feita à Demanda do Santo Graal, de
Chrétien de Troyes.
O Merlin que acompanha Arthur, que o entretem com sua companhia, que o
adverte com seus conselhos e o instrui acerca do mundo feérico, pouco trouxe do bardo
galês, Myrddin; não trouxe seus versos, mas trouxe consigo o dom da profecia, o dom
absoluto do bardo, pois o bardo é aquele capaz de enxergar passado, presente e futuro. Mas
se atentarmos à obra de Robert de Boron em que o Merlin já não é apenas Ambrosius, mas
da Nortumberlândia e ditará os versos para que seu mestre, Blásius, os escreva em um livro
dos eventos, dos feitos e das aventuras do Reino de Logres. Merlin é o mítico bardo que
91
imaginava ter-me criado para si, perdeu-me, enquanto Nosso Senhor escolheu-
me para realizar um trabalho seu, que não poderia ser feito, se não por mim,
porque ninguém sabe as coisas que sei. Por isso sei que me convém ir a terra
desses que vieram me buscar. E farei tantas coisas e falarei tanto que me tornarei
o ser mais ouvido nesta terra, depois de Deus. E o senhor partirá para levar a
cabo esta obra que começou, mas agora não virá comigo, antes irá procurar uma
terra que tem por nome Nortumberlândia, uma terra cheia de muitas e grandes
florestas e tão estranha às pessoas da própria região, que há partes onde ninguém
nunca esteve. E lá viverá. Eu irei algumas vezes encontrá-lo e lhe ensinarei o
que for necessário para fazer o que deve realizar. E terá muito trabalho, mas a
recompensa será boa. Sabe qual? Eu lhe direi: em vida o cumprimento dos
desejos, e depois da morte, a alegria perdurável. E enquanto o mundo durar, sua
obra será conhecida e ouvida com agrado. E sabe de onde lhe advirá tal graça?
Virá da mesma graça que Nosso Senhor deu a José, aquele José a quem foi
entregue ainda na cruz. E depois que tiver trabalhado bem por ele, por seus
antepassados e por seus sucessores, e tiver feito tantas boas obras que mereça
tornar-se seu companheiro, eu lhe ensinarei onde estão eles, e verá o glorioso
Jesus Cristo que lhe foi dado. Quero enfim que saiba, com mais segurança ainda,
que Deus me deu conhecimento e memória tais que farei, em todo o reino para
onde vou, com que os homens bons e as boas mulheres trabalhem para a vinda
daquele que deve nascer desta linhagem que Deus tanto ama. Mas quero saiba
ainda que esse trabalho não acontecerá senão no tempo do quarto rei, o rei
desses tempos de grandes sofrimentos e que se chamará Arthur. O Senhor irá lá
onde lhe disser. Eu irei frequentemente vê-lo e lhe contarei todas as coisas que
quero ver metidas no seu livro. E saiba que seu livro será amado e tido em
grande estima por muita gente, ainda por quem nunca o tenha visto. E depois
que o tiver terminado, o senhor o levará lá, onde vivem aqueles que receberam a
gloriosa recompensa de que lhe falei. Entre eles não haverá homem bom ou boa
mulher, cujo nome o senhor deixe de consignar, em seu livro, nem alguma ação
importante que tenham feito. Saiba igualmente que nunca a estória de uma vida
será ouvida com tanto agrado, como a de Arthur e a dos homens de seu tempo. E
quando tiver acabado o livro e contado a vida deles a todos, seu mérito será igual
ao daqueles que vivem na companhia do santo vaso que se chama Graal, e seu
livro, porque fala e falará deles e de mim, será para todo o sempre, depois de sua
morte, chamado o Livro do Graal, e as pessoas terão grande prazer em escuta-lo,
porque muito pouca coisa dele, de palavras ou ações contadas, deixará de ter
proveito ou será letra morta. ( BORON, Robert. Merlim. pág, 70 -72)
92
O DESTINO DE ARTHUR
respostas satisfatórias para as perguntas que foram feitas, justificamos, assim, a força, a
Dentre os personagens aos quais foram dedicados capítulos nestas páginas, três
eram cavaleiros de Arthur: Kai, Ivan e Perceval. Os outros três foram, em sua maneira,
Não perguntaremos nestas páginas por quem seria o Rei Arthur, se realmente existiu
ou quem seria o Arthur histórico. Debrucemos sobre um mito, sobre uma matéria poética e
não sobre documentos históricos, daí o nome: O Destino de Arthur. Para esta proposta
voltemos aos capítulos anteriores e vejamos as três forças de essência divinas que agiam no
93
Morgana
Comecemos por Morgana, a fada. Como vimos, as fadas tinham seu próprio reino
nas lendas arthurianas, Ávalon. Este reino era habitado por uma ordem iniciática de
Nesta ordem uma série de conhecimentos secretos eram transmitidos às noviças, entre eles
As fadas eram conhecidas por sua extrema riqueza, opulência e poder. Para um
cavaleiro seria de extrema honra casar-se com uma destas mulheres12, pois além do poder e
da riqueza que lhe adviria, uma honra ainda maior lhe caberia, pois, ao ter como
companheira uma fada, ele teria que ser constantemente provado em não irromper no
que são casados com mulheres provenientes de Ávalon: Urien e seu filho Ivan, Gawain,
Culhwch, e dos lais: Lanval e Tyolet. E o próprio Arthur é casado com a fada Guenevere, já
que seu nome em galês, Gwenhyfar, pode significar “fada branca” ou “fantasma branco”13.
12
Vale ressaltar que nos romances arthurianos, até mesmo nos mais tardios, o casamento não implica
necessariamente no santo sacramento da comunhão cristã.
13
Segundo Rachel Bromwich, Gwenhwy-vawr significaria Gwenhwy, a grande, em contraste com sua irmã
que seria Gwenhwy-vach, ou seja, Gwenhwy, a pequena. No entanto como vimos o mecanismo do mito tem
pouco interesse neste tipo de filologia. Origens e significados novos, interessantes e de pouquíssimo rigor
científico são propostos nestas narrativas, vejamos como exemplo o caso de Malory que propõe o significado
de Excalibur, a espada de Arthur, como “corta aço”.
94
Poderíamos incluir também Tristão, já que Isolda pode ser identificada como uma
fada. Isolda é proveniente da Irlanda14, país que muitas vezes é identificado com o outro
mundo; Tristão é provado em seu valor, e teve, para conquistar a mão de Isolda, que matar
o dragão; e, por fim, não devemos deixar de assinalar os poderes de cura que Isolda retinha
Fonte de riqueza, sabedoria, poder, luxúria e beleza, as fadas eram mulheres que
conferiam a seus senhores uma nobreza e fama sem par. Se, sabendo disso, atentarmos para
o poema Erec e Enide, veremos o que se diz naqueles belos versos do bardo bretão. Erec é
certa vez em um desses passeios uma donzela que passeava junto à rainha é gravemente
ofendida pelo anão de um outro cavaleiro, Yder. Como estava desarmado, Erec parte na
direção do cavaleiro para quando for possível, desafiá-lo, restaurando, com sua vitória, a
Nesta demanda ele conhece um vavassalo que o hospeda e lhe garante as armas com
as quais poderá desafiar Yder. Na casa deste vavassalo é que Erec conhece uma belíssima
donzela pela qual cai em louco amor e seu nome é Enide. A moça é de extrema beleza, no
entanto, o que chama a atenção é sua extrema pobreza, vestia-se com andrajos e nenhuma
jóia tinha para adornar seu belo corpo. Erec, realmente, não se importa com isto, e ao pedir
a mão da donzela a seu pai, este entrega sua filha sem ressalvas ao rapaz. No dia seguinte
ao armar-se pela justa, é a própria donzela que o veste, no entanto ela não conjura qualquer
14
Sigurd, herói da Volsunga Saga, também é um dos guerreiros que conquistam uma mulher proveniente de
outro mundo, a valquíria Brynhild. Em A Canção dos Nibelungos, versão alemã desta mesma saga, este outro
95
feitiço ou magia15. Mesmo com as armas pouco valiosas do vavassalo, Erec consegue
Retorna assim o jovem cavaleiro com sua noiva à corte do Rei Arthur. E a todo
instante é reiterada a pobreza da jovem moça, apesar, de, como havia dito seu tio, um
conde, ser a donzela bela e inteligente, além de ser de mui nobre casamento16. Ao chegar à
apenas pela extrema beleza que exibia em sua face e em seu corpo. No texto não é dito, mas
esse desconforto que causa Enide não é decorrente de sua pobreza, mas decorre
exclusivamente de a bela moça não ser uma fada, não possuir a riqueza, a sabedoria e o
As fadas seriam, sobretudo, o meio de ligação dos homens entre este mundo e o
mundo além, seja ele Ávalon ou o Annwn, já que as fadas transitam livremente por estas
três instâncias da realidade. São as fadas que anunciam à corte de Arthur a ofensa feita por
Percival ao Rei de Annwn, Peles. São as fadas que concedem aos cavaleiros e a Arthur os
mais valiosos tesouros provenientes dos outros mundos, sejam objetos que em valor e em
beleza ultrapassam qualquer outro deste mundo, sejam objetos que retenham alguma
propriedade mágica ou que tenham suas habilidades muito mais acentuadas que seus
correspondentes. Temos como exemplo o escudo feito por Morgana e dado a Tristão que
mundo será identificado com a Islândia e Brünhild será a rainha desta ilha.
15
Érec et Énide, Chrétien de Troyes v. 692-746.
16
Idem. V. 1244-1319.
96
invisibilidade dado por Lunet a Ivan; a espada, Excalibur, e sua bainha que foram confiados
a Arthur, dentre diversos outros mantos, chifres e presentes outros que foram cedidos aos
As fadas são aquelas que acompanham Arthur em toda sua trajetória, ajudando-o,
punindo-o e, por vezes, solicitando algum dom do rei bretão, para, por fim, no momento de
sua morte ampará-lo e levá-lo para o seio da Deusa Dana, a Ilha de Ávalon, e curá-lo.
Pelles
Clamemos agora a nossa presença, Pelles, o rei do castelo do Graal. Dois mundos,
como vimos, cada um com sua vigência originária, que por vezes se confundem e se tornam
indistintas, o Annwn e Ávalon. Ávalon é a Ilha das Mulheres, reino de riquezas e ocultos
saberes. O Annwn é um reino de um maior mistério e de acesso mais cerrado que a ilha de
Morgana, seus tesouros não podem ser dados, assim como os tesouros de Ávalon, os
No Lai de Lanval vimos como uma donzela filha do rei de Logres concederá sua
mão apenas àquele cavaleiro que conquistar um dos tesouros do Annwn, a pata branca do
cervo. Quando ela chega à corte e anuncia seu desafio nenhum cavaleiro se apresenta para a
17
Atentemos também para o fato de não haver qualquer espécie de provação das capacidades de Erec para ele
ganhar a mão de Enide. Vejamos o fato da moça não colocar qualquer interdito a seu noivo que faria com que
o herói perdesse o direito de tê-la como amante.
97
aventura, como poderiam entrar no reino de Annwn? É assim, então, que a donzela mostra
à corte seu cão, um perdigueiro, que levará o cavaleiro que se dispuser a este reino oculto.
O que escondia a entrada deste reino era uma ilusão, extremamente real e
intimidados pela travessia deste rio violento e mortal. Apenas Lanval percebe a ilusão e
assim o atravessa, percebe-a talvez por sua coragem, por sua astúcia ou mais possivelmente
pelo seu conhecimento deste outro mundo - já que uma fada já o ensinara o assovio mágico,
poderia esta, que teria sido sua amante, ter-lhe ensinado muito mais.
São sete leões que guardam o cervo, e fazem isto com grande amor pelo animal.
Sabemos através das pesquisas de Eliade (In: Imagens e Símbolos) que o cervo é um
animal que carrega uma forte simbologia em diferentes culturas, isso se deve aos seus
próximos a fontes e rios. Os leões, por sua vez, são animais que estão intimamente
Encontramos mais uma vez nas fontes um símbolo associado ao cristianismo, mas
que nas fontes arthurianas remonta a um conhecimento mítico pagão. Desconhecemos que
significado exatamente tem o leão na mitologia bretã. Na mitologia medieval cristã, o leão
é um dos quatro animais associados a Jesus, os outros três são o galo, a fênix e o cordeiro.
Esta associação do leão com a Annwn possivelmente seja proveniente da subclasse do leão
98
europeu (Panthera leo europaea), encontrado por toda a Europa mediterrânea durante a
antiguidade, sendo que, devido a intensa caça, sua presença tornou-se limitada a algumas
regiões pouco habitadas deste continente, acredita-se que tenha sido extinto por volta do
ano 1 no oeste europeu. Como este animal era encontrado somente em áreas de difícil
acesso passou-se, assim, provavelmente devido a isto, a sua associação, que remonta a uma
poderíamos encontrar uma série de significações nos versos de Tyolet. Quem seria o
cavaleiro que antes de atravessar o rio tinha as formas de um cervo. E qual seria o
significado do cervo da pata branca guardado pelos leões? Possivelmente seria uma
provação em busca de um item que assegurasse a fertilidade à noiva, assim como o símbolo
da pérola nas culturas antigas? Poderíamos encontrar uma série de conjecturas acerca dos
possíveis significados nestes misteriosos versos bretões. Mas seu sentido, isto não podemos
encontrar. Apenas os antigos sábios destas antigas culturas sabiam-no, e estes não
antiguidade que nos foi legado pelos antigos bardos. Tentemos novamente, portanto,
Tyolet é assim o herói que provado diante de uma fada deve lançar-se na demanda
de um valioso e único tesouro que pode ser apenas encontrado no lugar do profano, no
99
outro mundo, no Inferno, em Niflheim18, em Hades ou como dizem os antigos galeses, o
Annwn. Esta é a provação maior de um guerreiro, a aventura máxima, com o maior dos
Como todo grande herói, Arthur não será apenas lembrado por cumprir e conquistar
a maior das aventuras, o maior dos tesouros e a mais nobre das mulheres. Como vimos em
Preiddeu Annwn, o rei bretão conquista y Per Annwn, o Caldeirão de Annwn, que
posteriormente será chamado de Graal. Sabemos que o reino de Pelles, outrora rico e fértil,
devido a uma grave ofensa, se tornará na Terra Arrasada (the Waste Land), a terra
improdutiva, onde tudo fenece; e Arthur e seus cavaleiros serão aqueles que restaurarão a
fertilidade a Annwn. Arthur não somente conquista o maior tesouro do reino oculto, como
como o maior rei dos dois mundos, como também como senhor de Pelles. Arthur, ao final
Annwn.
18
Niflheim é um dos nove mundos da mitologia escandinava, terra do gelo e do frio. Confunde-se com o
reino da deusa Hel – não sabendo exatamente se os dois nomeam o mesmo reino, ou se são dos reinos
distintos, ou se são territórios de um mesmo reino. No ciclo dos volsungs, seu maior herói, Sigurd conquista o
tesouro de Niflheim e subjuga seus habitantes, os anões. Isto pode ser verificado na Canção dos Nibelungos ,
100
Merlin
Merlin é, das personagens que compõem o ciclo arthuriano, a que mais dificuldade
impõe a este trabalho, pouca ou nenhuma pista deste temos nas fontes mais antigas – ao
menos sabemos que o enchanteur exerce o papel dos druidas dos épicos irlandeses e
sabemos também que é o mítico bardo que compôs todo o conjunto de histórias do ciclo.
Pensemos primeiramente Merlin, não como o druida de Arthur, mas sim como o
Uther seria o legítimo rei da Bretanha, cujo trono fora usurpado por Vortigern. Em
sua infância Merlin profetizara sobre a derrota de Vortigern e a vinda dos legítimos reis da
ilha. E assim como fora profetizado acontece e Uther, que fora levado ainda criança para o
continente juntamente com seu irmão19, retorna para reivindicar o trono. O título que
carrega junto a seu nome, Pendragon, pode dizer em galês tanto “cabeça de dragão” ou
“chefe dos dragões”. E é exatamente este animal que é visto no campo da batalha contra os
onde Sigfried (o Sigurd germânico ) é conhecido como o rei dos Nibelungos e detentor de seu valioso e
cobiçado tesouro.
19
Em Robert de Boron, Pendragon é o irmão de Uther. Com a morte do primeiro, Uther carregará o nome de
seu irmão junto ao seu próprio.
101
com quem se alinhar. Então aproximaram-se um dos outros. E quando os saxões
viram-se encalacrados, perceberam que não podiam voltar sem combater. Então
apareceu no ar o monstro de que falou Merlin, um dragão vermelho a correr no
ar lançando fogo pelas ventas e pela boca; era o aviso para todos que o vissem.
Quando os saxões o viram, ficaram assustados e tiveram grande pavor. E Uter e
Pendragão, ao vê-lo, disseram aos seus: “Corramos sobre eles, porque estão
confundidos e já vimos a insígnia de que Merlin falou.” Os que estavam na
frente de Pendragão correram sobre eles coma avidez que os cavalos puderam.
Quando Uter viu que o pessoal do rei estava no meio do adversário, também
correu contra eles e atacou talvez com mais violência ainda. Assim começou a
grande batalha de Salaber. (BORON, p. 117-118)
Vemos que em dois momentos Uther é associado a y Draig Goch20 (em galês, “o
neste episódio na guerra contra os saxões, além, é claro, de trazê-lo em seu nome. Este
símbolo que carrega Uther será abandonado por seu filho, já que, curiosamente, em
Além de seu caráter relacionado a esta força da natureza que é o Dragão, Uther, nas
antigas fontes galesas, era imbuído das artes da magia, como verificamos na seguinte tríade
20
O dragão vermelho é uma criatura recorrente na mitologia bretã. Sua figura é de tal importância que está
presente, representado sobre um fundo verde e branco, na bandeira do País de Gales.
102
Nesta tríade Uther é colocado ao lado de Math, rei de Gwynedd21, personagem este
que tinha a habilidade de ouvir tudo que os ventos trouxessem aos seus ouvidos.
Menw, que teria aprendido a arte da magia com Uther, é um dos seis cavaleiros a
compor o grupo que sai em demanda pelos Tesouros da Ilha da Bretanha em Culhwch e
Olwen:
Não podemos ter dúvidas então acerca das capacidades de manipulação mágica de
Uther Pendragon nos primitivos mitos bretões. Isto conseguimos depreender facilmente no
contato com estas antigas fontes. No entanto, o que mais podemos reconstituir destes
É bem provável que o próprio Uther tenha usado de seus artifícios para assumir a
forma do Duque da Cornualha e deitar-se com sua esposa Igrane, a mãe de Arthur. Uther
era um feiticeiro, e, portanto, poderia dispensar os préstimos de Merlin. Será que assim
como o enchanteur, Pendragon possuía o dom da profecia? Vejamos, para tanto, a Elegia
de Uther Pendragon (Marwnat Uthyr Pen), poema este presente no Livro de Taliesin:
21
Gwynedd era um dos seis reinos medievais de Gales. Localiza-se no norte do país, circundando a área de
Snowdown e compreendendo também a Ilha de Mon (Anglesey).
103
Elegia de Uther Pendragon22
22
Elegia vem de elegós... : luto, recuperação, pranto, reparação, lamento, mas tudo isso não apenas, nem
sobretudo, no sentido melancólico de desânimo e astenia, isto é, de uma perda somente negativa por destruir e
aniquilar; mas, no sentido reparador de uma recuperação das forças construtivas de mudança e transição.
(Carneiro Leão, Aprendendo a Pensar vol. II, p. 50)
23
A rigor, é um termo que diria em português: “ homem da multidão”.
24
Bretanha
104
Pendragon é um bardo neste poema, e, como sabemos, o bardo nas antigas culturas
era dotado do dom de enxergar o passado, o presente e o futuro. Uther era um personagem
que assim como Merlin retinha consigo os saberes do bardo, do druida e, além disto,
carrega consigo o dragão (possivelmente esta era uma de suas metamorfoses druídicas).
Disto podemos tirar ao menos duas conclusões: Primeiro: Uther seria aquele que
desempenhava o papel de Merlin e Menw seria o seu discípulo. Por estar sempre
posteriores, a desempenhar a figura do pai do rei bretão. Segundo, e talvez a mais valiosa:
Uther poderia ser ou não o pai de Arthur, mas o que estaria em jogo, em verdade, seria a
proximidade que estes personagens têm com a magia e, assim, com o divino.
Escutemos novamente, então, este poema que traz o eco de tempos antigos e
tentemos, assim, ouvir estes antigos ecos. Já pelo final de seus versos Uther invoca um
conto conferido ao herói bretão chamado Hu Gadarn - Hu, o Poderoso. Em verdade este
conto é retirado das tríades de Iolo Morganwg. Sabemos que muitas das tríades do poeta
galês são consideradas apócrifas, sendo boa parte delas criações suas, no entanto, podemos
dizer que mesmo sem seus correspondentes na antiga literatura galesa, estas criações não
25
Cabe notar que tanto no poema Pa Gwr, quanto no Marwnat Uthyr Pen, não é citado qualquer grau de
parentesco entre este dois personagens.
105
Quem seria então este Hu, a que Uther se dirige como um filho. Ele foi o primeiro
rei da Bretanha, tendo levado consigo os cymry (galeses) do País do Verão, que também
era chamado Defrobani, a Terra do Verão ou Atlântia; e eles vieram através do nebuloso
mar até a Ilha de Prydein, onde se fixaram. Hu é também lembrado como um dos três
quem primeiro usou a canção para fortalecer a memória e seu registro. Hu é, portanto, o
descendente desta remota tradição de bardos detentores dos segredos ocultos das artes da
magia. Uther, o pai de Arthur, foi um grande feiticeiro e um grande bardo, renomado pelo
Merlin é aquele que nas fontes tardias do mito arthuriano se recolhe de tempos em
recolhe, para, no regaço dos deuses e através de seus artifícios ocultos, restabelecer a antiga
ligação que o homem tinha com os deuses, perdida há eras, pois o homem ao se afastar do
selvagem, afastou-se assim do tempo divino. O Arthur de Malory é o herói que necessita
26
Estas foram respectivamente as tríades 4, 56 e 94 das tríades de Iolo Morganwg. Outros mais ainda citam
este personagem.
106
deste avatar para, com suas idas ao templo divino, guarnecer-se com suas palavras de
sabedoria27.
No entanto, nem sempre fôra desta forma. Quando os reis eram bardos, magos e
profetas, seus heróis eram companheiros de deuses; seus súditos, servos destes mesmos
deuses, pois estes antigos deuses, que em um outro mundo se refugiaram, andavam, nestes
E assim percebemos muito do que fôra perdido. As incursões ao Annwn, hoje tão
difíceis, não o eram nos tempos antigos, pois eis que os antigos heróis transitavam quase
livremente entre os dois mundos28! E este contato foi se perdendo, tiveram então os heróis
que confiar esta viagem do conhecimento do sagrado apenas às castas que ainda, de alguma
do Annwn. A tentativa última da recuperação deste vínculo com o divino; e o Graal, que é
o caldeirão, recupera todas as características do divino que certa vez poderiam ter
E sentimos por fim, enfim, porque Arthur é o rei do que foi, e o rei que há de ser.
Ele é aquele que restaurou, com a ajuda de seus guerreiros, o antigo templo dos deuses no
27
Entretanto: Theôn oudeìs philosopheî oud’ epithymeî sophòs genesthai ésti gár (nenhum deus filosofa nem
aspira a tornar-se sábio, visto que já o é plenamente) PLATÃO, O Banquete 204 a.
28
No ramo mitológico do Mabinogion, vemos os heróis vagarem pelos dois mundos, de tal forma que não
percebemos a diferença entre eles.
107
tempo dos homens; e será aquele que, quando Prydein mais precisar, retornará para restituir
mais uma vez este tempo, que nós, homens perdidos no véu da modernidade, sabemos
Que melhor maneira então para encerrarmos do que ouvirmos um conto, um conto
de fadas, dizem uns, mas que chamaremos apenas de conto. Pois como diz Eliade,
Ouçamos o conto e deixemos que vija pelo menos no templo da palavra o tempo
mítico de outrora29:
Ele carregava um cajado de aveleira em suas mãos, pois você deve saber
que um bom cajado é tão necessário a um vaqueiro quanto são os dentes de um
cão. Ele estava parando a olhar alguns itens em uma loja ( pois naquele tempo na
Ponte de Londres havia lojas do começo até seu fim), quando notou que um
homem olhava para seu cajado em um longo e fixo e olhar. O homem após certo
tempo veio até ele e perguntou de onde vinha. “Eu venho de meu país”, disse o
29
Este “fairy-tale” , traduzido pelo autor, está presente na compilação de Jenkyn Thomas e chama-se, em
inglês, Arthur in the Cave.
108
galês, com bastante grosseria, pois não poderia ver que assunto poderia ter
aquele homem com tal pergunta.
O galês e o mago viajaram juntos para Gales. Eles foram até Craig y
Dinas, a Rocha da Fortaleza, na cabeceira do Vale do rio Neath, perto da vila de
Pont Nedd Fechan30, e o galês, apontado para as raízes de uma antiga aveleira,
disse: “Foi daqui que cortei meu cajado”.
“Vamos cavar”, disse o feiticeiro. Eles cavaram até que alcançaram uma
pedra larga e achatada. Levantando-a, encontraram alguns degraus que desciam.
Eles desceram os degraus e continuaram por uma estreita passagem até
chegarem a uma porta. “Você é corajoso?” perguntou o feiticeiro, “você virá
comigo?”
Eles abriram aporta, e uma grande caverna se abriu diante deles. Havia
uma fraca luz vermelha na caverna, e podiam ver tudo. A primeira coisa que
encontraram foi um sino. “Não toque aquele sino” disse o feiticeiro, “ou tudo
estará acabado para nós dois!”
Enquanto adentravam, o galês viu que o lugar não estava vazio. Havia
soldados deitados dormindo, centenas deles, tantos quantos poderiam os olhos
enxergar. Cada um deles estava vestido em brilhantes armaduras, o elmo de aço
em suas cabeças, o brilhante escudo em seus braços, a espada próxima de suas
mãos, cada um deles tinha perto de si sua lança estacadas no solo, cada um e
todos estavam dormindo. No meio da caverna havia uma grande mesa redonda,
na qual se sentavam guerreiros, cujas nobres feições e ricas armaduras diziam
que eles não estavam na companhia de homens comuns.
30
Esta é uma região situada no sul do País de Gales
109
Cada um destes estava, também, com a cabeça baixada em sono. Em um
trono dourado no outro lado da mesa redonda estava um rei de gigante estatura e
augusta presença. Em sua mão, segurada abaixo do gume, uma poderosa espada
com bainha e um cabo com pregos de ouro e lustrosas gemas; em sua cabeça
havia uma coroa cravada de preciosas pedras que brilhavam e luziam como
muitos pontos de fogo. O sono havia pôsto seu lacre em seus olhos também.
“Os guerreiros de Arthur, esperando pelo tempo que virá quando eles
deverão destruir todos os inimigos dos cymry e retomar a Ilha de Prydein,
estabelendo seu verdadeiro reinado, uma vez mais em Caer Leon.”
Quando chegou ao sino, ele o soou até ecoar por todo lugar. Tão logo
soou, veja! As centenas de guerreiros levantaram sobre seus pés e o solo abaixo
deles tremeu com o som das armas de aço. E uma poderosa voz ecoou do
interior, “Quem soou o sino? Está chegado o dia?”.
110
“Arthur”,disse a voz novamente, “ acorde, o sino soou, o dia está
raiando. Levante-se, Arthur, o Grande.”
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
dos homens, reunificando assim, os mundos antes separados. No entanto este feito não é
simplesmente como antigos reis que foram mitificados, eles são o próprio mito em sua
própria vigência. Quando eles lutam contra o dragão, contra os hunos ou os saxões eles não
lutam ora com seres míticos ora com personagens históricos, eles lutam em seu próprio
mito e a luta destes heróis será sempre contra o tempo, não o tempo divino, mas o
devorador de mundos.
Todo herói sabe que perecerá, este é seu destino, o destino que é a força maior que
os próprios deuses, que habitam o espaço dos céus e das profundezas. Os deuses também
sabem que perecerão com o tempo devorador, e assim deuses e humanos lutam contra o
devorador de mundos. A luta dos homens é por demais efêmera já que a morte os fulmina
antes mesmo do tempo os consumir por completo. Já os heróis não compartilham com os
homens o medo da morte, pois eles sabem que apenas o tempo devorador os fulminará.
112
Ódin em sua busca pelo conhecimento tentou de diversas maneiras evitar o advento
Seria, por fim, devorado pelo Fenrir. A luta termina sempre por ser infrutífera, pois o
Arthur retira a Espada na Pedra e demonstra assim aos homens que ele será aquele
que firmará mais uma vez no mundo dos homens o tempo da aproximação com os deuses.
Arthur por diversas vezes expulsa de Prydain a iminência do extermínio, estas são
suas vitórias. Prydain, enquanto seu grande rei viver, estará a salvo. Por todas as vezes que
vier o tempo devorador, seja na forma dos saxões, dos romanos ou de qualquer outro
tempo devorador. Quando, enfim, o grande rei perece pela traição de seu filho – e os heróis
perecem apenas quando traídos – o reino estará a mercê do devorador que devastará a terra
e humilhará os homens.
do perecer e do nascer dos diversos mundos que compõem a realidade. O caos primordial
113
dos homens – que eles procurarão restaurar, para, enfim, o tempo devorador restabelecer o
caos primordial e para, novamente, renascerem novos deuses. Este é o ciclo dos ciclos, o
compartilhavam com os deuses uma mesma essência, imortal e fecunda. E o canto dos
bardos é o canto desta era a nós homens que vivemos na iminência do tempo devorador,
para que vivamos, pelo menos nas palavras, o tempo mítico, o tempo dos deuses.
114
APÊNDICE I:
Y GYMRAEG
fazem parte o gaélico irlandês e o gaélico escocês e o manx, falado na Ilha de Man. Do
armoricano.
Outras mais eram as línguas célticas, no entanto, encontram-se extintas tais como o
como as demais línguas célticas apropriou-se do alfabeto latino para sua escrita. Para os
falantes de língua portuguesa a leitura dos nomes galeses não apresentará maiores
variações a dizer:
Consoantes:
115
Dígrafos:
Th: tem a mesma pronúncia do th fraco do inglês, como em thin (magro), bath
(banho).
Rh: tem a mesma pronúncia do r forte do árabe, transcrito por sua vez Kh, como no
nome Khalil.
Vogais:
Tem o som similar ao er de father (pai) do inglês britânico quando nas demais posições.
116
APÊNDICE II:
CRONOLOGIA DAS PRINCIPAIS FONTES
oferecemos ao leitor a seguinte tabela, no entanto, duas observações devem ser feitas: 1)
Escolhemos organizar a cronologia pelas datas das compilações, não pela possível data de
composição das obras. Sabemos que muitas matérias já cristianizadas e bem tardias
conservam arcaísmos do mito que não são encontrados nas fontes mais antigas. 2)
Excluímos desta tabela as obras históricas tais como o livro de Nennius ou os Annales
Cambriae, pois como foi visto, ou será visto neste trabalho, o que tratamos foi do mito
117
1300-1325 Dos Livros Branco e Anônimo Galês Contos que, apesar de compilados
Vermelho (Mabinogion): na mesma época, transparecem
uma matéria e uma linguagem de
1- Culhwch e Olwen diferentes séculos.
2-O Sonho de Rhonabwy
3-A dama da fonte
4-Peredur, filho de
Efrawg
5-Gereint filho de Erbin
6-As Tríades Galesas
1250 Pós-Vulgata Pseudo Boron Francês Esta obra é considerada por muitos
3 livros em verso: apenas um resumo do Ciclo da
1-O Livro de José de Vulgata, o que não verdade. A
Arimatéia famosa Demanda Portuguesa é
2-Merlin uma tradução do terceiro livro
3-A Demanda do Santo deste ciclo.
Graal
118
1170-1182 5 poemas: Chrétien de Francês Estas são as obras do ciclo
1-Erec e Enide (1170) Troyes arthuriano do mais famoso poeta
2-Cliges ou A que se medieval francês, que muito
fingiu de morta (1176) ajudou na divulgação do mito por
3-Lancelote ou O toda a Europa.
Cavaleiro da Charrete
(1177)
4-Ivan ou O Cavaleiro de
Leão (1177)
5-Perceval ou O Conto
do Graal (1182)
1160-1178 Dois Lais Bretões: Maria de Francês São canções que relatam histórias,
1- Tyolet França de muitas delas restaram apenas
2- Lanval traduções em outras línguas. Sua
música foi perdida, restando-nos
apenas o poema.
119
BIBLIOGRAFIA:
A MATÉRIA DA BRETANHA:
_____________. Lancelot du Lac. Roman français du XIII siècle. Tome II. Marie-Luce
Chênerie, trad e apresentação. Paris: Librairie Générale Française, 1993.
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_______________. Perlesvaus o El alto libro del Graal. Victoria Cirlot, trad. Madrid:
Ediciones Siruela, 3ª ed, 1993.
_______________. Sir Gawain and the Green Knight. Brian Stone, introdução e trad.
London: Penguin Books: 1985.
BORON, Robert. Merlin. Heitor Megale, trad. Rio de Janeiro: Imago, 2. ed, 1993.
120
DAVIES, J.H. Arthur and Kaledvwlch: a Welsh Version of the Birth of Arthur (From a
FifteenthCentury M.S., with Translation). In: Y Cymmrodor: Transactions of the
Honourable Society of Cymmrodorion. v. 24. London: Honourable Society of
Cymmrodorion, 1913
GRAVES, Alfred Perceval, org. Welsh Poetry: Old and new in English verse. London:
Longman`s, 1912
MALORY, Sir Thomas. Le morte d’Arthur. New York: Modern Library, 1999.
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MONMOUTH, Geoffrey de. Vida de Merlin. Lois C. Pérez Castro. Madrid: Siruela, 4a
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SKENE, William f. The Four Ancient Books of Wales, containing the cymric poems
attributed to the bards of the sixth century. Edinburgh: Edmonston and Douglas, 1868.
THOMAS, W. Jenkyn. The welsh fairy book. Norwich: The London and Norwich Press,
1938.
VIEIRA, Affonso Lopes. O Romance de Amadis. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
WALES, Gerald of: The journey through Wales/ The description of Wales. Lewis
121
SOBRE A MATÉRIA DA BRETANHA:
FURTADO, Antônio L. Arthur e Alexandre, crônica de dois reis. São Paulo: Ática,
1995.
LOOMIS, Roger Sherman, org. Arthurian literature in the Middle Ages – a collaborative
history. London: Oxford University Press: 1959.
LOOMIS, Roger Sherman. Arthurian Tradition and Chrétien de Troyes. New York:
Columbia University Press: 1949.
MARKALE, Jean. Merlin: Priest of Nature. Belle N. Burke. Rochester: Inner Tradition,
1995.
MAY, Pedro Pablo G. Os Mitos Celtas. Maria Elisabete F. Abreu, trad. São Paulo:
Angra, 2002.
MORGAN, Gareth. Reading Middle Welsh: A course book base don the welsh of the
Edicomunicación, 1988.
SIRES, Wirt. British Goblins: welsh folk.-lore, fairy mythology, legends and traditions.
122
SQUIRE, Charles. Celtic myth and legend. London: The Gresham Publishing Company
Limited, 1923.
OUTRAS MATÉRIAS:
_____________. A canção dos nibelungos. Luís Krauss, trad. São Paulo: Martins
Fontes, 2. ed, 2001.
______________. Cento e uma noites. Mamede Mustafa Jarouche. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
____________. The Kalevala. John Martin Crawford, trad. London: The Robert Blake
Company, 3a ed, 1910.
_____________. Laxdaela saga. Magnus Magnusson e Hermann Pálsson, trad.
Middlesex: Penguin Books, 8a ed, 1986.
_____________. As mil e uma noites. Vários Tradutores. São Paulo: Brasiliense, 1990
____________. Orkneyinga saga: the history of the earls of Orkney. Hermann Pálsson e
Paul Edwards, trad. London: Penguin Books, 2a ed, 1981.
123
____________. Seven viking romances. Hermann Pálsson e Paul Edwards, trad. London:
Penguin, 1985.
_____________. The voyage of Bran, son of Febal to the Land of Living. Kuno Meyer,
trad, notas e glossário. London: strand, 1895.
CHAUCER, Geoffrey. The Canterbury Tales. Nevill Coghill, trad. London: Penguin
Books, 5a ed, 1977.
CHEN’EN, Wu. Journey to the West. W. J. Jenner, trad. Beijing: Forein Languages
Press, 1983.
D’ARRAS, Jean. Romance de Melusina, ou, A história dos Lusignan. Ivone Castilho
Benedetti, trad. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
HESÍODO. Teogonia. Jaa Torrano, estudo e tradução. São Paulo: Iluminuras: 2006.
YEATS, W. B.; Lady Gregory; Lady Wilde; J. Curtin; D. Hyde. Cuentos populares
124
ALGUNS POETAS QUE LIDAM COM A MATÉRIA ANTIGA
BORGES, Jorge Luis. Obras Completas. Vários Tradutores. São Paulo: Globo, 2000.
LONGFELLOW. The poems of Longfellow. New York: The Modern Library, s/d.
MORRIS, William. The Roots of the Mountains. London: Longmans, 10a ed, 1894.
MORRIS, William. The Story of Sigurd the volsung and the fall of the Nieblungs. London:
Longmans, 1904.
TENNYSON, Alfred Lord. The poems and plays of Alfred Lord Tennyson. New York:
TOLKIEN, J. R. R. O Hobbit. Lenita Maria Rímoli Esteves, trad. São Paulo: Martins
Fontes, 1995.
TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis. Lenita Maria Rímoli Esteves, trad. São
WAGNER, Richard. The ring of the nibelung. Margaret Armour, trad. New York:
ALLEN, J. Romilly. Celtic art: in pagan and christian art. Middlesex: Senate, 1997.
BORGES, Jorge Luis. Obras Completas. Vários Tradutores. São Paulo: Globo, 2000.
125
___________________. Literaturas Germânicas Medievales. Madrid: Alianza
Editorial,1995.
CURTIUS, Ernst Robert. Literatura européia e idade média latina. Teodoro Cabral,
trad. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro: 1957
DUMÉZIL, Georges. Do mito ao romance. Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes:
1992.
______________. Aspectos do Mito. Manuela Torres, trad. Lisboa: Edições 70: 2004.
HAVELOCK, Eric A. A Musa aprende a escrever. Maria Leonor Santa Bárbara, trad.
Lisboa: Gradiva, 1996.
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Arthur M Parreira, trad. São
Paulo: Martins Fontes, 4ª ed, 2003.
JARDIM, Antonio. Música. Vigência do pensar poético. Rio de Janeiro: 7 letras, 2006.
KERÉNY, Carl. Dioniso. Ordep Serra, trad. Odysseus, trad. São Paulo: 2002.
126
NIETZSCHE, Friedrich. Cinco prefácios para cinco livros não escritos. Pedro
Ouro,1988.
Press, 1989.
TERRA, João Evangelista Martins. O Deus dos indo-europeus. São Paulo: Edições
Loyola:1999.
127
ANEXOS: TEXTOS ORIGINAIS
How Merlin was assotted and doted on one of the ladies of the lake, and how he
So after these quests of Sir Gawaine, Sir Tor, and King Pellinore, it fell so that
Merlin fell in a dotage on the damosel that King Pellinore brought to court, and she was one
of the damosels of the lake, that hight Nimue. But Merlin would let her have no rest, but
always he would be with her. And ever she made Merlin good cheer till she had learned of
him all manner thing that she desired; and he was assotted upon her, that he might not be
from her. So on a time he told King Arthur that he should not dure long, but for all his
crafts he should be put in the earth quick. And so he told the king many things that should
befall, but always he warned the king to keep well his sword and the scabbard, for he told
him how the sword and the scabbard should be stolen by a woman from him that he most
trusted. Also he told King Arthur that he should miss him,--Yet had ye liefer than all your
lands to have me again. Ah, said the king, since ye know of your adventure, purvey for it,
and put away by your crafts that misadventure. Nay, said Merlin, it will not be; so he
departed from the king. And within a while the Damosel of the Lake departed, and Merlin
went with her evermore wheresomever she went. And oftimes Merlin would have had her
privily away by his subtle crafts; then she made him to swear that he should never do none
enchantment upon her if he would have his will. And so he swear; so she and Merlin went
128
over the sea unto the land of Benwick, whereas King Ban was king that had great war
against King Claudas, and there Merlin spake with King Ban'
s wife, a fair lady and a good,
and her name was Elaine, and there he saw young Launcelot. There the queen made great
sorrow for the mortal war that King Claudas made on her lord and on her lands. Take none
heaviness, said Merlin, for this same child within this twenty year shall revenge you on
King Claudas, that all Christendom shall speak of it; and this same child shall be the most
man of worship of the world, and his first name is Galahad, that know I well, said Merlin,
and since ye have confirmed him Launcelot. That is truth, said the queen, his first name
was Galahad. O Merlin, said the queen, shall I live to see my son such a man of prowess?
Yea, lady, on my peril ye shall see it, and live many winters after.
And so, soon after, the lady and Merlin departed, and by the way Merlin showed
her many wonders, and came into Cornwall. And always Merlin lay about the lady to have
her maidenhood, and she was ever passing weary of him, and fain would have been
delivered of him, for she was afeard of him because he was a devil'
s son, and she could not
beskift him by no mean. And so on a time it happed that Merlin showed to her in a rock
whereas was a great wonder, and wrought by enchantment, that went under a great stone.
So by her subtle working she made Merlin to go under that stone to let her wit of the
marvels there; but she wrought so there for him that he came never out for all the craft he
129
PREIDDEU ANNWN
130
A phan aetham ni gan arthur auyrdwl gofwy.
nam seith ny dyrreith o gaer vandwy.
131
LE LAI DE TYOLET
132
De bestes prendre sot assez
Que par son sisflé les prenoit,
Totes les bestes qu’il voloit.
Une fee ce li ora
Et a sifler li enseigna;
Dex onc nule beste ne fist
Qu’il a son siflé ne preïst.
Une dame sa mere estoit
Qui en .I. bois adés manoit;
.I. chevalier ot a seignor
Qui mest ilec et nuit et jor.
Tot seul en la forest manoit;
De dis liues meson n’avoit.
Mort est bien ot passé .XV. anz
Et Tyolet fu biaus et granz,
Mes onques chevalier armé
N’ot veü en tot son aé,
Ne autres genz gueres sovent
N’ot il pas veü ensement.
El bois o sa mere manoit,
Onques jor fors issu n’avoit;
En la forez ot sejorné,
Car sa mere l’ot molt amé.
Dont i ala quant li plesoit,
Nul autre mestier ne faisoit.
Quant les bestes sifler l’ooient,
Tot erramment a li venoient;
De ceus qu[e] il voloit tuoit
Et a sa mere les portoit.
De ce vivoit lui et sa mere
Et il n’avoit ne suer ne frere;
La dame molt vaillanz estoit
Et leaument se contenoit.
A son filz .I. jor demanda
Bonement, car forment l’ama,
El bois alast, .I. cerf preïst,
Et il son commandement fist.
El bois hastivement ala,
Si con sa mere commanda.
Desqu’a tierce a el bois alé,
Beste ne cerf n’i a trouvé.
A soi molt corrouciez estoit
De ce que beste ne trouvoit.
Droit vers meson s’en volt aler,
Quant soz .I. arbre vit ester
.I. cerf qui ert [et] grant et gras,
88 Et il sifla eneslepas.
133
Li cers l’oï, si regarda;
Ne l’atendi, ainz s’en ala;
Le petit pas du bois issi
Et Tyolet tant le sevi
Qu’a une eve l’a droit mené;
Le cerf s’en est outre passé.
L’eve estoit grant et ravineuse
Et lee et longue et perilleuse.
Li cers outre l’eve passa
Et Tyolet se regarda
Triés soi, si vit venir errant
.I. chevrel cras et lonc et grant.
Arestut soi et si sifla,
Et li chevreus vers lui ala;
Sa main tendi, illec l’ocist,
Son costel tret, el cors li mist.
Endementres qu’il l’escorcha
Et li cers se tranfigura
Qui outre l’eve s’estoit mis.
[La forme d’homme a tantost pris]
Et .I. chevalier resembloit;
Tot armé sor l’eve s’estoit,
Sor .I. cheval detriés comé,
S’estoit com chevalier armé.
Le vallet l’a aparceü;
Onques mes tel n’avoit veü.
A merveilles l’a esgardé
Et longuement l’a avisé.
De tel chose se merveilloit,
Car onques mes veü n’avoit;
Ententivement l’avisa.
Le chevalier l’aresonna,
A lui parla premierement,
Molt bel et amiablement.
Demande li qui il estoit,
Qu’aloit querant, quel non avoit.
Et Tyolet li respondi,
Qui molt estoit preuz et hardi,
Filz a la veve dame estoit
Qui en la grant forez manoit:
‘Et Tyolet m’apele l’on,
Cil qui nomer veulent mon non.
Or me dites, se vos savez,
Qui vos estes, quel non avez.’
Et cil li respondi errant,
Qui seur la rive fu estant,
Que chevalier ert apelé.
134
Et Tyolet a demandé
Quel beste chevalier estoit,
Ou conversoit et dont venoit.
‘Par foi’, fet il, ‘jel te dirai,
Que ja mot ne t’en mentirai.
C’est une beste molt cremue;
Autres bestes prent et menjue,
El bois converse molt souvent
Et a plainne terre ensement.’
‘Par foi’, fet il, ‘merveilles oi.
Car onques puis que aler soi
Et que par bois pris a aler,
Ainz tel beste ne poi trover.
Si connois je ors et lions
Et totes autres venoisons;
N’a beste el bois que ne connoisse
Et que ne preigne sanz angoisse,
Ne mes vos que ne connois mie.
Molt resemblez beste hardie.
Or me dites, chevalier beste,
Que est ice sor vostre teste,
Et qu’est ice qu’au col vos pent?
Roge est et si reluist forment.’
‘Par foi’, fet il, ‘jel te dirai,
Que ja de mot n’en mentirai.
C’est une coiffe, hiaume a non,
Si est d’acier tout environ.
Et cest mantel qu’ai afublé,
C’est .I. escu a or bendé.’
‘Et qu’est ice qu’avez vestuz,
Qui si est pertuisiez menuz?’
‘Une coste est, de fer ovree;
Hauberc est par non apelee.’
‘Et qu’est ice qu’avez chaucié?
Dites le moi par amistié.’
‘Chauces de fer sont apelees;
Bien sont fetes et bien ovrees.’
‘Et ce que est que ceint avez?
Dites le moi se vos volez.’
‘Espee a non, molt par est bele,
Trenchant et dure la lemele.’
‘Ice lonc fust que vos portez?
Dites le moi, ne me celez.’
‘Veus le savoir?’ ‘Oïl, par foi.’
‘Une lance que port o moi.
Or t’en ai dit la verité
De qanque tu m’as demandé.’
135
‘Sire’, fet il, ‘vostre merci.
Car pleüst Dieu qui ne menti
Que j’eüsse tiex garnemenz
Con vos avez, si biaus, si genz,
Tel cote eüsse, et tel mantel
Con vos avez, et tel chapel.
Or me dites, chevalier beste,
Por Deu, et por la seue feste,
Se il est auques de tiex bestes
Ne de si beles con vos estes.’
‘Oïl’, fet il, ‘veraiement;
Ja t’en mosterré plus de cent.’
Ne demora que un petit,
Si comme li contes nos dit,
Que .II. cenz chevaliers armez
Erroient tres par mi uns prez,
Qui de la cort au roi venoient.
200 Son commandement fet avoient;
Une fort meson orent prise
Et en feu et en charbon mise,
Si s’en repairent tuit armé,
En .III. eschieles bien serré.
Chevalier beste dont parla
A Tyolet et conmanda
C’un seul petit avant alast,
Outre la riviere gardast.
Cil a fet son commandement;
Outre regarde isnelement,
Si voit errer les chevaliers
Trestoz armez sor les destriers.
‘Par foi’, fet il, ‘or voi les bestes
Qui totes ont coiffes es testes.
Onques mes tex bestes ne vi,
Ne tiex coiffes con je voi ci.
Car pleüst or Dieu a sa feste
Que je fusse chevalier beste.’
Cil ra donques a lui parlé
Qui sor la rive estoit armé:
‘Seroies tu preuz et hardi?’
‘Oïl, par foi, le vos afi.’
Si li a dit: ‘Or t’en iras,
Et quant ta mere reverras
Et ele parlera a toi,
Ele dira: “Biaus filz, di moi
De quoi tu penses et que as”.
Et tu li diz eneslepas
Que tu as assez a penser,
136
Que tu vorroies resembler
Chevalier beste que veïs,
Et por ce eres tu pensis.
Et ele te dira briement
Que ce li poise molt forment
Que tu as tel beste veüe,
Que autre engingne et autre tue.
Et tu li dis que par ta foi
Que male joie avra de toi
Si tu ne puez estre tel beste
Et tel coiffe avoir en ta teste.
Et des ce qu’ele ce orra,
Isnelement t’aportera
Toute autretele vesteüre,
Cote et mantel, coiffe et ceinture,
Et chauces et lonc fust plané,
Tex con tu as ci esgardé.’
Atant Tyolet s’en depart,
Qu’en meson soit molt li est tart.
Puis a a sa mere donné
Le chevrel qu’il ot aporté
Et s’aventure li conta
Tot ainsi comme il la trova.
Sa mere li respont briement
Que ce li poise molt forment,
‘Que tu as tel beste veüe
Qui mainte autre prent et manjue’.
‘Par foi’, fet il, ‘or est ainsi;
Se je tel beste con je vi
Ne puis estre, bien sai et voi
Que male joie avrez de moi.’
Mes sa mere, quant ce oï,
Isnelement li respondi:
Totes les armes qu’ele a
264 Isnelement li aporta,
Qui son seignor orent esté.
Molt en a bien son f[i]lz armé.
Et quant el cheval fu monté(z)
Chevalier beste a bien semblé.
‘Sez or, biauz filz, que tu feras?
Tot droit au roi Artur iras
Et de ce te dirai la somme:
Ne t’acompaingnes a nul homme,
Ne a fame ne donoier
Qui commune soit de mestier.’
Atant s’en est de li torné
Et l’a baisié et acolé.
137
Tant a erré par ses jornees,
Que monz que terres que valees,
Qu’a la cort le roi est venu,
Qui cortois rois et vaillanz [fu].
Li rois a son mengier seoit,
Servir richement se fesoit,
Et Tyolet est enz entrez
Si comme il vint, trestot arme[z].
A cheval vint devant le dois.
La ou seoit Artur le roi[s].
Onques .I. mot ne li sonna,
Ne noient ne l’aresonna.
‘Amis’, fet li rois, ‘descendez,
Et avec nos mengier venez,
Si me dites que vos querez,
Qui vos estes, quel non avez.’
‘Par foi’, fet il, ‘jel vos dirai,
Que ja ançois ne mengerai.
Rois, j’ai a non chevalier beste;
A mainte en ai trenchié la teste
Et Tyolet m’apele l’on.
Molt sai bien prendre venoison.
Filz sui, biau sire, s’il vos plest,
A la veve de la forest;
A vos m’envoie certement
Tot por aprendre afe[te]ment.
Sens voil aprendre et cortoisie,
Savoir voil de chevalerie,
A tornoier et a joster,
A despendre et a donner.
Car ainz ne fu ja cort de roi,
Ne jamés n’iert si con je croi,
Ou tant ait bien n’afetement,
Cortoisie n’ensaingnement.
Or vos ai dit ce que j’ai quis,
Rois, or me dites vostre avis.’
Li rois li dit: ‘Dan chevalier,
Je vos retien, venez mengier.’
‘Sire’, fet il, ‘vostre merci.’
Tyolet donques descendi,
De ses armes s’est desarmé,
Si s’est vestu et afublé
De cote et de mantel legier;
Ses mains leve, si va mengier.
Atant es vos une pucele,
Une orgueilleuse damoisele;
De sa biauté ne voil parler,
138
[Qu’on ne pot plus bele trover.]
Onques Dido, ce m’est a vis,
Ne Elainne n’ot si cler vis.
Fille au roi de Logres estoit,
Sor .I. blanc palefroi seoit;
.I. blanc brachet triés soi portoit.
Une sonnete d’or avoit
Pendue au col du [blanc] brachet;
Molt ot le poil deugié et net.
Tot a cheval en est venue
Devant le roi, si le salue:
‘Rois Artur, sire, Dex te saut,
Le tot poissant qui maint en haut’.
‘Bele amie, celui vos gart
Qui les bons retient a sa part.’
‘Sire, je sui une meschine,
Fille de roi et de roïne,
Et de Logres est rois mon pere;
N’ont plus enfanz, li ne ma mere,
Et si vos mandent par amor,
Comme a roi de grant valor,
S’il i a de vos chevaliers
Nul qui tant soit hardiz ne fiers
Qui le blanc pié du cerf tranchast,
Biau sire, celui me donnast,
Icelui a seignor prendroie,
De nul autre cure n’avroie.
Ja nus hon n’avra m’amistié,
S’il ne me donne le blanc pié
Du cerf qui est et bel et grant
Et qui tant a le poil luisant
Por poi qu’il ne semble doré;
De .VII. lïons est bien gardé.’
‘Par foi’, fet li rois, ‘vos creant
Que iltel soit le covenant:
Que cil a fame vos avra
Qui le pié du cerf vos donra.’
‘Et je, dan rois, si le creant
Que iltel soit le covenant.’
Tel covenant ont afermé
Et entr’eus .II. bien devisé.
En la sale n’ot chevalier
Qui de rien feïst a prisier,
Qui ne deïst que il iroit
Quere le cerf, s’il le savoit.
‘Cest brachet’, dist el, ‘vos menra
La ou le cerf converse et va.’
139
Lodoër molt le covoita;
Le cerf querre premiers ala.
Au roi Artu l’a demandé
Et il ne li a pas veé.
Le brachet prent, si est montez,
Le pié du cerf est querre alez.
Le brachet qui o lui ala
Droit a une eve le mena,
Qui molt estoit et grant et lee
Et noire et hisdeuse et enflee;
Quatre .C. toises ot de lé
Et bien .C. de parfondee.
Et le brachet en l’eve entra;
Selonc son sens tres bien cuida
Que Lodoër enz se meïst,
Mes de tot ce noient ne fist.
Il dit que il n’i enterra,
Car de morir nul talent n’a.
A soi redit a chief de pose:
‘Qui soi nen a n’a nule chose;
Bon chastel garde, ce m’est vis,
Qui garde qu’il ne soit maumis’.
Dont s’en est li brachez issuz;
A Lodoër est revenuz,
Et Lodoër si s’en ala
Et le brachet triés soi porta.
Droit a la cort en vint errant,
Ou li barnages estoit grant;
Le brachet rent a la pucele,
Qui molt estoit cortoise et bele.
Dont li a li rois demandé
S’il avoit le pié aporté,
Et Lodoër li respondi
Qu’encor en ert autre escharni.
Dont l’ont par la sale gabé
Et il lor a le chief crollé,
Si lor a dit que il alassent
Quere le pié, si l’aportassent.
Quere le cerf molt i alerent
Et la pucele demanderent.
N’en i ot nul qui la alast
Q’autretel chançon ne chantast
Con Lodïer chanté avoit,
Qui vaillanz chevaliers estoit,
Fors seulement .I. chevalier
Qui molt estoit preuz et legier;
Chevalier beste ert apelé
140
Et Tyolet estoit nommé.
Cil s’en est droit au roi alé;
420 Hastivement a demandé
Que cele gardee li soit,
Que le pié blanc querre iroit.
Jamés, ce dit, ne revendra
Devant ice que ill avra
Le pié blanc destre au cerf trenchié.
Li rois li a donné congié
Et Tyolet s’est adoubé
Et de ses armes bien armé.
A la pucele donc ala;
Son blanc brachet requis li a.
El li a bonement baillié
Et il a pris de li congié.
Tant ont chevauchié et erré
Que andui sont venu au gué,
A la grant eve ravineuse
Qui molt ert parfonde et hisdeuse.
Le brachet s’est en l’eve mis,
Outre s’en vet, noant tot dis.
Aprés lui se met Tyolet;
Tant a suï le blanc brachet
Sor son destrier sor coi il sist
Que a la terre fors s’en ist.
Dont l’a le brachet tant mené
Que il li a le cerf moustré.
.VII. granz lïons le cerf gardoient
Et de molt grant amor l’amoient.
Et Tyolet garde, sel voit
Enmi .I. pré ou il paissoit;
N’i avoit nul des .VII. lïons.
Tyolet fiert des esperons;
Devant le cerf le fet aler.
Tyolet prent lors a sifler
Et li cers molt beninement
Vers Tyolet vient erramment.
Et Tyolet .VII. foiz sifla;
Li cerf du tot donc s’aresta.
S’espee tret isnelement,
Du cerf le blanc pié destre prent,
Par mi la jointe li trencha,
Dedenz sa huese le bouta.
Le cerf cria molt hautement
Et li lïon tout erroment
Grant aleüre i sont venu;
Tyolet ont aparceü.
141
Uns des lïons a si navré
Le cheval ou il sist armé
Que la destre espaule devant
Et cuir et char en va portant.
Quant Tyolet a ce veü,
.I. des lïons a si feru
De l’espee que il porta
Que les ners du piz li trencha;
De ce lïon n’ot il plus guerre.
Son cheval chiet soz lui a terre,
Donques Tyolet le guerpi
Et li lïon l’ont assailli.
De totes parz assailli l’ont,
Son bon hauberc rompu li ont;
La char des braz et des costez
En plusors leus est si navrez
A poi que il nel devoroient.
Tote la char li desciroient,
Mes il les a trestoz tuez;
A poi ne s’en est delivrez.
Dejoste les lïons chaï
Qui malement l’orent bailli
Et de son cors si domagié;
Ja par li n’ert mes redrecié.
Es vos errant .I. chevalier
Et sist sor .I. ferrant destrier.
Arestut soi, si resgarda;
Molt par le plaint et regreta.
Et Tyolet les eulz ouvri,
Qui du travail ert endormi;
S’aventure li a contee
Et de chief en chief racontee.
De sa huese le pié sacha
Et au chevalier le bailla.
Et cil l’en a molt mercié,
Car le pié a forment amé;
De lui prent congié, si s’en va.
En la voie se porpensa
Que, se le chevalier vivoit
Qui le pié donné li avoit,
Se il ne s’en voloit fuir,
Que mal l’em porroit avenir.
Ariere torne maintenant.
En pensé a et en talent
Que le chevalier ocirra;
Jamés ne li chalangera.
Par mi le cors bien l’asena
142
– De cele plaie bien garra –
Bien le cuida avoir ocis;
Atant s’est a la voie mis.
Tant a son droit chemin tenu
Qu’a la cort le roi est venu.
La pucele au roi demanda,
Le blanc pié du cerf li mostra.
Mes il n’ot pas le blanc brachet
Qui au cerf conduit Tyolet;
Bien le garda et main et soir,
Mes de ce ne puet il chaloir.
Cil qui le pié ot aporté,
Qui que l’eüst au cerf coupé,
Par covenant velt la pucele,
Qui tant par est et noble et bele.
Mes li rois, qui tant sages fu,
Por Tyolet qui n’ert venu,
Respit d’uit jors li demanda;
Adonc sa cort assemblera.
N’i avoit or fors sa mesniee
Qui molt ert franche et ensaingniee.
Dont a cil le respit donné
Et en la cort tant sejorné.
Mes Gauvains, qui tant fu cortois
Et bien apris en toutes lois,
Est alé querre Tyolet,
Car repairié fu le brachet
Et il l’a avec lui mené.
Tost le brachet l’[a] amené
Qu’il l’a trové en pasmoisons,
1 El pré dejoste les lïons.
Quant Gauvains le chevalier voit
Et l’ocise que fet avoit,
Molt plaint le vaillant chevalier.
Sempres descent de son destrier,
Molt doucement l’aresonna.
Tyolet foiblement parla
Et, neporquant, de s’aventure
Li a conté toute la pure.
Atant es vos une pucele
Sor une mule gente et bele.
Gauvain gentement salua
Et Gauvains bien rendu li a,
Et puis l’a a soi apelee,
Estroitement l’a acolee,
Si li prie molt doucement
Et molt tres amiablement
143
Qu’ele portast cel chevalier,
Qui molt par fesoit a proisier,
A la noire montaingne au miere.
Et cele a fete sa proiere;
Le chevalier en a porté
Et au mire l’a conmandé.
De par Gauvain li commanda;
Cil volentiers receü l’a.
De ses armes l’a despoillié,
Sor une table l’a couchié
Et ses plaies li a lavees,
Qui molt erent ensanglentees.
Quant il l’a par trestout curé,
Le sanc fegié d’entor osté,
Bien a veü que il garroit;
Au chief d’un mois tot sain seroit.
Entretant fu Gauvains venu
Et en la sale descendu.
Le chevalier i a trouvé
Qui le blanc pié ot aporté.
Tant s’est en la cort demorez
Que les (v)uit jors sont trespassez.
Dont vint au roi, su salua,
Son covenant li demanda
Que la pucele ot devisé
Et il endroit soi creanté:
Qui que le blanc pié li donroit
Que ele a seignor le prendroit.
Li rois dist: ‘Ce est verité’.
Quant Gauvains ot tot escouté,
Eneslepas avant sailli,
Et dist au roi: ‘N’est pas ainsi.
Se por ce non que je ne doi
Ci, devant vos qui estes roi,
Desmentir onques chevalier,
Serjant, garçon ne escuier,
Je deïsse qu’il mespreïst;
N’onques du cerf le pié ne prist
En la maniere que il conte.
Molt fet au chevalier grant honte
Qui d’autrui fet se velt loer
Et autrui mantel afuler
Et d’autrui bouzon velt bien trere
Et loer soi d’autrui afere
Et par autrui main velt joster
Et hors du buisson velt trainer
Le serpent qui tant est cremu.
144
Or, si n’i sera ja veü,
Ce que vos dites rien ne vaut.
Aillors ferez vostre assaut,
Aillors porchacier vos irez;
La pucele n’emporterez.’
‘Par foi’, fet il, ‘Sire Gauvain,
Or me tenez vos por vilain
Qui me dites que n’os porter
Ma lance en estor por joster,
Bien sai trere d’autrui bouzon
Et par autrui main du buisson
Le serpent trere qu’avez dit.
N’est nul, si con je croi et cuit,
Se vers moi le voloit prover
Qu’en champ ne m’en peüst trover.’
En ce qu’en cel estrif estoient,
Par la sale gardent, si voient
Tyolet qui estoit venu
Et hors au perron descendu.
Li rois contre lui s’est levez.
Ses braz li a au col getez,
Puis le baise par grant amor;
Cil l’encline comme a seignor.
Gauvains le baise et Uriain,
Keu et Evain, le filz Morgain,
Et Lodoier l’ala besier
Et tuit li autre chevalier.
Li chevaliers, quant il ce voit,
Qui la pucele avoir voloit
Par le pié qu’il ot aporté
Que Tyolet li ot donné,
Au roi Artur dont reparla
Et sa requeste demanda.
Mes Tyolet, quant il ce sot
Que la pucele demandot,
A lui parla molt doucement
Et li demanda benement:
‘Dan chevaliers, dites le moi,
Tant comme estes devant le roi,
Par quel reson volez avoir
La pucele, je voil savoir.’
‘Par foi’, fet il, ‘je vos dirai:
Por ce que aporté li ai
Le blanc pié du cerf sejorné;
Li rois et li l’ont creanté.’
‘Trenchastes vos au cerf le pié?
Se ce est voir, ne soit noié.’
145
‘Ouïl’, fet il, ‘je li trenchai
Et ici o moi l’aportai.’
‘Et les .VII. lïons qui ocist?’
Cil l’esgarda, nul mot ne dit,
Ainz rogi molt et eschaufa,
Et Tyolet dont reparla:
‘Dan chevalier, et cil, qui fu,
Qui de l’espee fu feru,
Et qui fu cil qui l’en feri?
Dites le moi, vostre merci.
Ce m’est a vis, ce fustes vos.’
Cil s’embroncha, molt fu hontos.
‘Mes ce fu de bien fet col fret
Quant vos feïstes tel forfet.
Bonement donné vos avoie
Le pié [qu’]au cerf trenchié avoie,
Et vos tel loier en sousistes,
Por .I. pou que ne m’oceïstes.
Mort en dui estre voirement.
Je vos donnai, or m’en repent;
Vostre espee que vos portastes
Tres par mi le cors me boutastes;
Tres bien me cuidastes ocirre.
Se vos ce volez escondire
De prover voiant cest barnage,
Au roi Artur en tent mon gage.’
Cil entent qu’il dit verité,
Du coup li a merci crié;
Plus doute la mort que la honte,
De rien ne contredit son conte.
Devant le roi a lui se rent
A fere son commandement,
Et Tyolet li pardonna
Au conseil que il puis en a
Du roi et de toz ses barons;
Et cil l’en vait a genoillons;
Dont l’en eüst le pié besié,
Quant Tyolet l’a redrecié,
Si l’en bese par grant amor;
N’en oï puis parler nul jor.
Li chevaliers le pié li rent
Et Tyolet donques le prent,
Si l’a donné a la pucele.
Fleur de lis [ou] rose novele,
Quant primes nest el tans d’esté,
Trespassoit ele de biauté.
Tyolet l’a donc demandee;
146
Li rois Artur li a donnee,
Et la pucele l’otroia.
En son païs donc le mena;
Rois fu et ele fu roïne.
De Tyolet le lai ci fine.
147
YMDDIDDAN MYRTIN A TALYESSIN
Talyessin.
Oed maelgun a uelun inimnan
Y teulu rac toryuulu ny thauant.
Myrtin.
Rac deuur ineutur ytirran.
Rac errith. a gurrith y ar welugan.
Mein winev in diheu a dygan.
Moch guelher y niuer gan elgan.
Och oe leith maur a teith y deuthan.
Taliessin.
Rys undant oet rychvant y tarian.
Hid attad y daeht rad kyulaun.
Llas kyndur tra messur y kuynan.
Llas helon o dinon tra uuan.
Tryuir. nod maur eu clod. gan. elgan.
Myrtin.
Truy athrui. ruy. a ruy. y doethan.
Trav athrau imdoeth bran amelgan.
Llat dinel oe dinet. kyulauan
Ab erbin ae uerin a wnaethan.
Taliessin.
Llu maelgun bu yscun y doethan.
Aer wir kad trybelidiad. guaedlan.
Neu gueith arywderit pan
Vit y deunit. o hid y wuchit y darperan.
Myrtin.
Llyavs peleidrad guaedlad guadlan.
Llyaus aerwir bryv breuaul vidan.
Llyaus ban brivher. llyaus ban foher.
Llyaus ev hymchuel in eu hymvan.
Taliessin.
Seith meib eliffer. Seith guir ban brouher.
Seith guaew ny ochel in eu seithran.
148
Myrtin.
Seith tan. vuelin. Seith kad kyuerbin.
Seithued kinvelin y pop kinhuan.
Taliessin.
Seith guaew gowanon. Seith loneid awon.
O guaed kinreinon y dylanuan.
Myrtin.
Sieth ugein haelon. a aethan ygwllon.
Yg coed keliton. y. daruuan.
Can ys mi myrtin guydi taliessin.
Bithaud. kyffredin vy darogan.
149
MARWNAT VTHYR PEN
150