Você está na página 1de 18

1

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA


MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS DA SOCIEDADE
DISCIPLINA: ESTUDOS CULTURAIS
PROFes.: Dr Antonio de Pádua e Maria Gorete
ALUNO: José Sanches Vallejo Neto

A ROSA PÚRPURA DE KELLNER 1

O nosso intuito é fazer uma resenha crítica do livro de Douglas Kellner intitulado “A
Cultura Mídia” que consideramos como grande contribuição aos Estudos Culturais. O texto
“A Cultura da Mídia” é um ótimo trabalho de análise das relações entre cultura 2 e ideologia 3
a partir de instrumentos populares (cinema, tv, etc.) que objetivam a construção de
identidades culturais. Para Kellner, a cultura da mídia “fornece o material com que as pessoas
formam sua identidade (...) seu senso de classe, etnia, raça, nacionalidade e sexualidade.”
(KELLNER, 2001, p. 9)

Kellner descreve rádio, televisão, cinema e outros produtos da indústria cultural como
fornecedores de modelos sociais. Para o autor, a cultura da mídia, tal como representada pelo
conjunto de produtos desses meios, oferece modelos daquilo que significa ser homem ou
mulher bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente.

Tomamos a Rosa Púrpura do Cairo por apresentar uma visão interessante da


influência da cultura da mídia sobre a mentalidade das pessoas comuns gerando novas
identidades. Kellner afirma que “ao invés de desaparecer na sociedade contemporânea, a
identidade está sendo reconstruída e redefinida.” (KELLNER, 2001, p. 316)
Abordamos também o fato do filme reproduzir uma insatisfação da espectadora
(Cecília) com sua realidade e de fascinação com a realidade virtual (de modelo ideal) exposta
na tela, mas criando insegurança quanto a vivenciá-la (adentrar ao mundo virtual). Assim

1
Douglas Kellner, autor de “A Cultura da Mídia”, São Carlos-SP: EDUSC, 2001 objeto de nosso estudo e
“Câmera Política” ainda sem tradução para o português e publicação no Brasil.
2
Cultura - Hoggart, Raymond Williams e E. P. Thompson compõem o trio que formou os Estudos Culturais.
Destes advém o conceito de cultura como “uma rede vivida de práticas e relações que constituíam a vida
cotidiana, dentro da qual o papel do indivíduo estava em primeiro plano” (ESCOSTEGUY, 2001: 153).
3
“As imagens formam um imaginário social invertido – um conjunto de representações sobre os seres humanos
e suas relações, sobre as coisas, sobre o bem e o mal, o justo e o injusto, os bons e os maus costumes, etc.
Tomadas como idéias, essas imagens ou esse imaginário social constituem a ideologia (...)as idéias não só
explicam a realidade, mas produzem o real. Surge a ideologia como crença na autonomia das idéias e na
capacidade de as idéias criarem a realidade (...)A ideologia é a lógica da dominação social e política.” (chauí,
2000:216-219)
2
como Matrix, o espectador é convidado a “entrar” na realidade virtual (da tela) e – como
4
numa experiência RPG - participar da história como se ele mesmo a vivesse, transferindo
para o evento suas crises e podendo ver o protagonista resolver seus problemas reais em seu
lugar, agindo como a “narradora” de Lisbela e o prisioneiro que interpreta as reações das
personagens e sabe como será o final e, se porventura, o final não for do jeito esperado as
pessoas “sairão tristes do cinema” 5 , frustradas. O maior problema de A Cultura da Mídia é
que, para Douglas Kellner, o filme nunca termina como ele esperava.

A Rosa Púrpura do Cairo é um filme que narra a história de Cecília que se passa numa
área pobre de Nova Jersey, durante a Depressão 6, onde uma garçonete, Cecília, sustenta o
marido bêbado, desempregado, violento e grosseiro, foge da sua triste realidade assistindo
filmes. Mas ao ver pela quinta vez "A Rosa Púrpura do Cairo" acontece algo inusitado!
Quando o herói da fita sai da tela para declarar seu amor por ela, isto provoca um tumulto nos
outros atores do filme e logo o ator que encarna o herói viaja para lá, tentando contornar a
situação. Nesse filme de Woody Allen podemos identificar o que Cecília espera ao ir assistir
ao filme no cinema. Ela não possui uma postura crítica. Sua única intenção é poder transpor-
se para a realidade ideal do filme.

Kellner não se conforma com uma atitude tão alienante como a de Cecília. Ele espera
que o público possa ter um mínimo de senso crítico, questionando qual o propósito disso?
Mas não apenas isso, Kellner espera também que quem produz a mídia tenha uma postura
sem alinhamento mercantilista ou ideológico.

Cremos que a principal abordagem de Kellner está na questão de qual a razão de


existir da mídia? Edificar o ouvinte ou simplesmente tomar seu tempo? É claro que a maior
parte dos ouvintes - ou espectadores - está mais do que disposta a jogar seu tempo fora, mas
isto não quer dizer que os contadores de histórias (impressas, musicais, televisivas ou
cinematográficas) devam aproveitar-se dessa fraqueza dos espectadores para adulá-los.

Em A Rosa Púrpura do Cairo, a personagem Cecília enamora-se tanto do personagem


fictício, quanto do famoso astro, ela luta para estabelecer a linha entre a fantasia e a realidade,
apenas para descobrir que tal linha, às vezes, está apenas à distância de uma batida do
coração. E, nesse sentido, Kellner escorrega ao envolver-se emocionalmente com a crítica à
Cultura da Mídia. Nesse envolvimento o produto é frustrante para ele.

4
RPG – Rolling Play Game – jogo interativo onde o jogador precisa incorporar a personagem
5
Frase de Lisbela no final do filme: “mas o melhor do cinema é o jeito que termina” e, na cena final, os dois
protagonistas saem do cinema como se estivessem assistindo ao filme Lisbela vestidos com a mesma
indumantária dos personagens do filme numa clara referência a mistura do real com o irreal.
6
A depressão foi um período de intensa crise econômica nos Estados Unidos iniciada durante o mandato do
presidente Herbert Hoover, quando ocorreu a queda da bolsa de Nova York (1929) que deflagrou a depressão.
3
O sentimento conhecido como frustração gera insatisfação com o resultado alcançado.
Diz o consultor de marketing Paulo Angelim que “a frustração é o não acontecimento do que
se espera” 7. Nesse ponto, percebemos que Kellner demonstra suas frustrações, especialmente
quanto à cultura da mídia porque espera algo mais e não encontra. Ele demonstra uma
ansiedade insatisfeita e, se pudesse, entraria na tela da mídia para corrigir a informação que
está sendo passada para poder denunciar a todos a aberrante manipulação tendenciosa do
veículo. Kellner elabora um estudo crítico quase que “auto-intrometido” onde parece-nos
exalar uma não isenção.

Segundo Rüdiger (2001, p. 59), os estudos críticos de comunicação encontram-se,


atualmente, divididos em três correntes: na economia política, nos estudos culturais e nos
estudos culturais críticos (“estudos críticos de indústria cultural”). Esta última,

salienta que a leitura do que chama de estudos culturais críticos é


política. A cultura da mídia transcodifica esteticamente a experiências
e práticas sociais e, só assim, é que obtém ressonância na sociedade. A
crítica cultural precisa analisar a mídia em relação às forças de
dominação e as forças contra-hegemônicas de resistência.
(RÜDIGER, 2001, p. 63)

Desse ponto, origina-se o objetivo principal de Kellner: averiguar as questões que


versam contra a dominação e também contra as relações estruturais de desigualdade e
opressão ressaltadas pelos estudos culturais críticos. Assim, nesta realidade, torna-se
imprescindível e ao mesmo tempo enriquecedor

analisar de que modo determinados textos e tipos de cultura da mídia


afetam o público, que espécie de efeito real os produtos da cultura da
mídia exercem, e que espécie de potenciais efeitos contra-
hegemônicos e que possibilidades de resistência e luta também se
encontram nas obras da cultura da mídia. (KELLNER, 2001, p. 64)

Adepto do método crítico dialético, Kellner é um investigador interdisciplinar,


possuindo atenção voltada para os estudos da mídia. Nesse sentido ele afirma:

A teoria social dialética estabelece nexos entre partes isoladas da


sociedade mostrando, por exemplo, de que modo a economia se insere
nos processos da cultura da mídia e estrutura o tipo de texto que é
produzido nas indústrias culturais (...) a dialética é a arte de

7
Em entrevista a Revista Venda Mais, ed. 181, fevereiro de 2005
4
estabelecer nexos e relações das partes do sistema entre si e com o
sistema como um todo. Portanto, uma teoria crítica da sociedade
contém mapeamentos do modo como a sociedade se organiza como
um todo, delineando suas estruturas, instituições, práticas e discursos
fundamentais, e o modo como eles se combinam formando um
sistema social. (KELLNER, 2001, p. 38-39)

As identidades pessoais têm sido transformadas, deslocadas 8 de suas antigas posições


centralizadas para posições mais abrangentes, que abarcam posicionamentos outrora
antagônicos, mas que atualmente conseguem conviver dentro de um mesmo sujeito (embora
alguns questionem até a figura do sujeito). Hall sugere que “o sujeito pós-moderno é
conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente” (HALL,
2002, p. 12) sem nacionalismos, mas com uma identidade universalista. Contudo, parte da
frustração de Kellner está relacionada ao fato de que estamos presenciando retornos aos
nacionalismos e particularismos, ficando apenas a certeza de que o eixo do mundo está se
deslocando para o Oriente. 9

Kellner demonstra uma clara influência de Gramsci, pois adota a teoria gramsciana da
10
hegemonia e contra-hegemonia. Atenta para a dominação exercida por determinadas
instituições e/ou grupos, que se utilizam, muitas vezes, da força para manter o poder. Neste
processo, aparelhos de Estado como a religião, a escola e a mídia reforçam, de maneira mais
sucinta, a ideologia dominante. Nessa realidade, surgem forças antagônicas, de resistência,
que contestam a ordem vigente.

Todavia, o estudo crítico multicultural da cultura da mídia tem o objetivo de


relacionar suas teorias com a prática, “contribuindo para desenvolver uma contra-hegemonia à
hegemonia conservadora dos últimos anos” (KELLNER, 2001, p. 125). Em compasso com as
formas de resistência e contra-hegemonia, essa perspectiva crítica posiciona-se de maneira
contrária à dominação (“multiculturalismo insurgente”), analisando não só as desigualdades
estruturais, mas também as lutas dos oprimidos contra os dominantes no sentido de libertação.

8
Laclau, Ernest (1990) usa o conceito de “deslocamento”. Uma estrutura deslocada é aquela cujo centro é
deslocado, não sendo substituído por outro, mas por “uma pluralidade de centros de poder. In Hall, 2002:16
9
veja-se a recente importância dada a China e como a sociedade ocidental tem se voltado para ela, numa visão
mercantilista, mas que tem colocado esse país na berlinda, juntamente com o já globalizado Japão. Podemos
imaginar que brevemente a índia também assumirá uma posição de destaque global.
10
Em resumo, para Gramsci “a hegemonia não é um sistema formal fechado, as suas articulações internas são
elásticas e deixam a possibilidade de operar sobre ele por outro lado, a partir da crítica ao sistema, da contra-
hegemonia (à qual a hegemonia permanentemente se vê obrigada a resistir). Se, por outro lado, a hegemonia
fosse absolutamente determinante — excluindo toda a contradição e toda a tensão — seria impensável qualquer
mudança na sociedade.” (GRAMSCI, 1999)
5
Podemos destacar uma causa, entre outras, para a frustração de Kellner: sua tentativa
de multiculturalidade, de multi-abrangência. Escosteguy diz que

a proposta de Kellner implica uma prática crítica, multicultural 11 e que


abranja múltiplas perspectivas ou dimensões: a produção e a
economia-política da cultura, análise textual e crítica e, por fim, o
estudo de recepção de audiência e usos dos produtos dos meios de
comunicação. (ESCOSTEGUY, 2001, p. 17)

Segundo Kellner, uma perspectiva multicultural crítica pressupõe uma interpretação


da cultura e da sociedade que leve em conta as relações entre “poder, dominação e resistência,
articulando as várias formas de opressão em dada sociedade por meio de perspectivas
multiculturais” de modo que “seja possível abordar criticamente textos culturais”
(KELLNER, 2001, p. 124) e detectar posicionamentos relacionados a classe, sexo, raça, etnia,
preferência sexual etc.

Embora seja possível para Kellner fazer uma análise multicultural ele se frustra ao
esperar que os instrumentos da cultura da mídia também sejam multiculturais. Contudo, ele
mesmo, ao afirmar que a cultura da mídia forma identidade, está reforçando uma visão
cultural. Não é possível a existência de um indivíduo multicultural. Ele, na verdade, será um
indivíduo globalizado, liberal, adaptável, mas, tudo isso, corresponde a sua nova identidade
cultural.

Compreendemos que o termo usado por Kellner como multiculturalidade quer dizer
que a cultura da mídia deve abordar, sem ferir, múltiplas formas culturais. Contudo, isso
torna-se impossível devido a amplitude das expressões culturais. Elas não são simples
esteriótipos. As culturas refletem as cosmovisões das sociedades - ou de grupos de uma
sociedade - e torna-se impossível um só evento da cultura da mídia, como um filme, conseguir
acolher e corresponder às expectativas e visões de várias culturas. Sendo assim, consideramos
ser um anseio impossível de ser alcançado, utópico, esperar essa multiculturalidade.

Kellner preocupa-se muito com a ideologia americana emanescente na cultura da


mídia, especialmente com fato do governo americano utilizar de produções de Hollywood
para mobilizar a opinião pública a apoiar futuras decisões de sua política, tanto na esfera
nacional quanto no âmbito de sua política externa.

11
Homi Bhaba comentando e citando Reneé Green sobre multiculturalismo que “é preciso compreender a
diferença cultural como produção de identidades minoritárias, que se fendem – que em si já se acham divididas –
no ato de se articular um corpo coletivo: ‘o multiculturalismo não reflete a complexidade da situação como eu a
enfrento no dia a dia (...) É preciso que a pessoa saia de si mesma para de fato ver o que está fazendo’”. (Green
in BHABHA: 1998:21)
6
12
O Dr Fábio Souza da Cruz , ao analisar Douglas Kellner faz afirmações que
julgamos relevantes:

A Ciência Social Crítica consiste em um paradigma que possui em seu


cerne a contribuição de cinco autores, a saber: Foucault, Hegel, Kant,
Marx e, sobretudo, Weber. Dela, Kellner herda a importância em
dispensar atenção à mediação e à contextualização dos fatos em uma
atividade de investigação crítica histórica dialética, o que facilita o
entendimento de seus desdobramentos, pois, assim, tenta descobrir os
“comos” e os “porquês” e não somente o “quem” e o “o que” (senso
comum). Neste tipo de análise, o aspecto metodológico leva em conta
também as relações de poder bem como os fatores econômicos,
políticos e culturais que formam o contexto social (macro ou micro)
do tema em questão.”

Na intenção de levar em conta as relações de poder, Kellner apresenta uma visão


crítica da cultura da mídia, objetivando que o público não seja mero espectador. Os estudos
feitos por ele empenham-se em ensinar como ler, desconstruir, criticar e usar a cultura da
mídia numa visão crítica e despertem a “capacidade do público de resistir à manipulação da
mídia”. (KELLNER, 2001, p. 12)

Kellner aborda também os fatores econômicos, principalmente relacionados a


“cultura da mídia industrial” como “uma forma de cultura comercial, e seus produtos são
mercadorias que tentam atrair o lucro privado produzido por empresas gigantescas que estão
interessadas na acumulação de capital.” (KELLNER, 2001, p. 9)

Contudo, como nem toda produção hollywoodiana alcança o sucesso desejado ou a


repercussão esperada, kellner e propõe a trabalhar com apenas algumas amostras, sendo estas
significativas quanto ao impacto social que causaram na época. O objetivo seria alcançado
através da realização da ‘crítica diagnóstica’ de obras escolhidas em função de sua
repercussão político cultural no momento em que foram lançadas.

Disposto a dissecar essa ‘cultura de mídia’, a um só tempo mantendo a preocupação


modernista com o conteúdo ideológico de objetos concretos, e a polissemia de sentido
12
Doutorando em Comunicação e Práticas Sócio-Políticas (Faculdade de Comunicação Social – PUC/RS).
Mestre em Comunicação e Práticas Sócio-Políticas (Faculdade de Comunicação Social – PUC/RS). Especialista
em Teorias do Jornalismo e Comunicação de Massa (Faculdade de Comunicação Social – PUC/RS). Jornalista e
Publicitário (Universidade Católica de Pelotas – UCPel) e é editor chefe da Ecos Revista (UCPel). Citação
extraída de sua tese de doutorado: Mídia e “Violência”: A Pedagogia Crítica como Agente Libertador da Cultura.
7
reconhecida por abordagens pós-estruturalistas, Kellner enfrenta a tarefa de analisar as
contradições expressas, por exemplo, em filmes de guerra ou em filmes de terror.
‘Poltergeist’ e outros produtos aparecem não como sinônimo completo de alienação ou de
resistência, mas como trabalhos que podem ser interpretados de mais de uma maneira,
contemplando tanto significados opressores, quanto conteúdos libertadores. Situados em uma
determinada conjuntura política, de predomínio do que o autor caracteriza como reaganismo,
essas obras carregariam tanto as estruturas convencionais que reproduzem representações
discriminatórias, por exemplo, de raça e gênero, quanto elementos que acenam com elementos
libertários levantados pelos movimentos sociais.

Douglas Kellner procura justamente interpretar materiais concretos. Ele não se limita
à análise da televisão. Seu foco na ‘cultura da mídia’ recai sobre filmes de Spielberg, Spike
Lee, Oliver Stone, em desenhos animados como Beavis and Butt-Head, em estrelas como
Madonna, em seriados como Miami Vice e no trabalho de teóricos como Jean Baudrillard.

O que nos interessa aqui é exatamente a leitura que Kellner faz desses eventos
midiáticos. Leitura riquíssima em percepção do transcendente, do intertexto, do subliminar,
porém, carregada de frustração.

Após fundamentar suas teorias, contextos e métodos, Kellner inicia sua análise pelo
13
tema política e ideologia, especialmente na era Reaganiana. Para isso, apropria-se de quatro
filmes: Rambo, Top Gun, Águia Dourada I e II.

Para Kellner não resta dúvida de que o governo manipula, controla e reproduz sua
ideologia na cultura da mídia, especialmente falando-se na indústria cinematográfica norte-
americana que é sorvida pelo mundo ocidental.

Kellner com palavras sutis diz que a indústria cinematográfica hollywoodiana se


vende a ideologia dominante em busca dos recursos para produzir seus filmes, pois “fazer
filme é algo que exige grandes investimentos de capital.” (KELLNER, 2001, p. 115)

Kellner corre o risco da generalização, onde pode-se levar a pensar que todo e
qualquer filme produzido em Hollywood é atrelado a ideologia das classes dominantes como
numa teoria da conspiração. O autor chama essa teoria da conspiração de “guerra cultural”
(KELLNER, 2001, p. 85) onde os conservadores lutam para estabelecer uma hegemonia onde
suas idéias tornem-se inquestionáveis.

13
Período relativo a Ronald Reagan como Presidente entre 20 de Janeiro de 1981 à 20 Janeiro de 1989. Reagan
foi, até o momento, o único ator de cinema que chegou a presidente da república dos Estados Unidos. Reagan
faleceu em 07/06/2004 vítima do mal de Alzheimer. Por ter atuado em 55 filmes, Reagan possuía uma visão de
mídia única em comparação com os 39 presidentes que o antecederam. (fonte:
http://www.cinemaemcena.com.br/variedades_textos.asp?cod=59 ) extraído em 02/04/2005 às 9:00h
8
No caso dos filmes escolhidos por Kellner, ele mesmo exemplifica justificando uma
leitura mais ampla da cultura da mídia. (2001, p. 82)

O filme Rambo está repleto de “imagens que servem de veículos para as ideologias
patriótica que foram importantes durante a era Reagan”, especialmente sendo utilizadas para
apresentar uma ‘vitória’ no Vietnã. Alguns filmes da era Reagan, e não apenas Rambo,
reproduziram nas telas a sua ideologia militarista e conservadora. Top Gun (KELLNER,
2001:114) foi um dentre esses que trouxe para as telas as guerras travadas por Reagan
(Granada, Nicarágua, Líbia, etc.) usando de artifícios como não revelar o nome do inimigo,
mas demonstrando a urgente necessidade de uma força militar cada vez melhor equipada e
preparada. Kellner chama Top Gun como ‘o filme número um do ano de 1986’ (KELLNER,
2001, p. 114), cometendo um deslize de análise ou de informação.

O gênero de ação e militarista é, sem dúvida um dos mais populares, contudo, a


própria sociedade americana demonstrou nas bilheterias suas preferências e não são
favoráveis a Top Gun, Rambo ou Águia de aço, pois eles não constam nem entre os 20 com
maior bilheteria na década de 1980.

Além das bilheterias, os filmes premiados nos Estados Unidos foram outros, por
exemplo, o Oscar premiou14: em 1982 – ano de Rambo – o filme Gandhi em oito categorias
onde Rambo teve apenas uma indicação e foi em efeitos especiais; em 1986 – ano de Top Gun
– o vencedor foi Platoon em quatro categorias. Demonstrando que a sociedade (ao menos a
sociedade midiática) preferia a paz ao invéz da guerra. Kellner reforça nosso argumento ao
mencionar que platoon ganhou “Oscares (...) que ajudaram a afastar hollywood do
entretenimento reaganista e do militarismo estúpido que lá dominou durante o governo
Reagan.” (KELLNER, 2001, p. 159)

Com o fim da guerra fria, o governo americano precisa criar novos adversários para
manter sua ânsia militar. A bola da vez serão os árabes e o filme Águia de aço. Uma questão
adicional, é que o filme foi produzido por Israel (KELLNER, 2001, p. 117), para quem os
árabes sempre foram inimigos. Este filme seria então uma teoria da conspiração israelense-
americana-canadense para levar o mundo a odiar os árabes e amar os judeus. Porém, a lógica
americana quanto aos árabes é de parceiros. Os Estados Unidos não localizam
14
Entre os prêmios cinematográficos (Oscar, globo de ouro e Sundance), o oscar é o mais antigo (desde 1929) e
mais charmoso, além de ter a relevância de ser escolhido pelos integrantes do meio cinematográfico. A escolha
para o oscar é feita através envio das cédulas aos membros da Academia (5.700 membros votantes entre Atores,
Diretores De Arte, Cinematographers, Diretores, Documentário, Executivos, Filmam Editores, Música,
Produtores, Relações Públicas, Filmes Curtos e Destacam Animação, Som, Efeitos Visuais, e Escritores –
incluindo os brasileiros Fernanda Montenegro, Walter Salles. O Globo de Ouro é escolhido por jornalistas
estrangeiros especializados em entretenimento e cinema. O Sundance é um prêmio voltado ao cinema
independente – produzido fora do guarda-chuva de hollywood. (fonte: http://www.webcine.com.br/) extraído em
02/04/2005 às 9:30h
9
geograficamente os inimigos árabes para que isso não atrapalhe os acordos e relacionamentos
do mesmo no oriente. É como um jogo de xadrez da política externa americana.

Kellner demonstra acreditar piamente que a cultura da mídia participa de uma teoria
da conspiração para o establishment conservador usando como ferramentas mensagens
explícitas ou mesmo implícitas. A questão maior reside no fato da mídia ser vista pela
população mais como um entretenimento no campo da ficção do que como reflexo de uma
realidade. Essa visão restrita faz com que o espectador tenha limitações de ler, refletir e
criticar a ideologia presente na mídia. Kellner diz que essas mensagens subliminares são
inseridas em subestimação a capacidade crítica do espectador.

Uma das maneiras de se fazer análise crítica da cultura da mídia é observar como ela
apresenta as minorias e outras representações. A análise ideológica não pode limitar-se aos
interesses econômicos ou de classe, deixando-se de lado fenômenos importantes como sexo,
raça e outras formas de dominação ideológica. (KELLNER, 2001, p. 79) O maior problema
em relação a ideologia influenciando a cultura da mídia é que a mídia passa a ser um veículo
de propaganda “oficial” buscando legitimar o poder dominante e a exercer outras funções.
(KELLNER, 2001, p. 85)

Contudo, em alguns momentos o autor mesmo deixa escapar seus equívocos. Por
exemplo: (o filme Rambo) situa os veteranos do Vietnã como vítimas de seu próprio governo
(ao descobrir que um parceiro seu na guerra morreu vítima do Agente Laranja – lançado pelos
americanos). (KELLNER, 2001, p. 87) Então o filme está fazendo uma crítica, ainda que
inferida, ao governo dos Estados Unidos. Kellner acaba enfraquecendo sua argumentação
(reaparece a Rosa Púrpura) ao afirmar que “devemos reconhecer que alguns filmes
conseguem atrair o público para seu projeto ideológico e outros não.” (KELLNER, 2001, p.
111). Ele apresenta Rambo como o herói elaborado pela ideologia conservadora para, logo a
seguir, desqualificá-lo como tal: “Rambo é o antiburocrata inconformista que se opõe ao
Estado.” Como as duas coisas podem caminhar juntas no mesmo estereótipo? Somente essa
inferência merece uma análise mais profunda quanto ao ser-não ser, estar-não estar, dizer-não
dizer 15, o que não nos permite aqui.

Mais adiante, Kellner analisa a produção platoon. Na visão de Kellner esse filme
apresenta a mesma tendência masculinista da tradição hollywoodiana em filmes de guerra
(KELLNER, 2001, p. 157), contudo, a guerra é posta em cheque, questionando “o conflito, a
morte violenta dos soldados americanos e as ações brutais contra os vietnamitas” (KELLNER,
15
Fruto da ambivalência pós-moderna, como diria Giddens (1991), onde o ser mencionado por si só não
representa nada, pois o como é mencionado e com que significações o fato mencionado apresenta-se é que
podem caracterizá-lo.
10
2001, p. 156-157) se “contrapondo ao discurso direitista sobre o Vietnã presentes em Rambo
e Reagan”. (KELLNER, 2001, p. 159)

Na questão das representações, o “simbolismo de platoon sobrepuja o seu realismo,


mas, apesar das falhas, contém algumas fortes críticas à intervenção americana no Vietnã”
(KELLNER, 2001, p. 159). Esse filme supera algumas questões da ideologia reaganiana
presentes em Rambo, Top Gun e Ases Indomáveis, identificando claramente o inimigo, porém
na mesma proporção em que apresenta os vietnamitas como sujeitos violentos na guerra, os
mostra como vítimas brutalizadas pelas atrocidades promovidas pelos americanos no campo
de batalha.

Para o autor, platoon está inserido no mesmo contexto anterior de filmes que
expressam a ideologia hegemônica e a contra-ideologia presentes durante o governo Reagan.
Aliás, toda cultura da mídia é ambientalizada na era Reagan.
16
Como Cecília de A Rosa Púrpura do Cairo, Kellner extrapola o exposto na mídia
e em sua proposta de interpretar contextualmente o que assiste. Contudo, essa extrapolação
beira a inconsistência. O autor vê nos filmes de terror da época representações subtextuais dos
medos da sociedade. O pavor diante de filmes como O Exorcista, Alien ou Carrie são por ele
considerados como medo da crise econômica, das mudanças sociais e culturais, da epidemia
de câncer, da aids e até da aniquilação nuclear.

Lançando mão de uma expressão do próprio autor:

A enorme popularidade dos filmes de terror após a década de 1970


leva a crer que algo está profundamente errado na sociedade
americana, e o exame desses filmes poderá ajudar a revelar algo sobre
a fonte dos medos contemporâneos. (KELLNER, 2001, p. 164)

podemos enxergar que os medos revelam anseios, como diz o autor, profundos, e que ele, um
sociólogo, não consegue enxergar a realidade integral. Como Cecília, ele está cego para o
aspecto transcendental do ser humano. Por isso, tenta explicar o espiritual com o social, numa
comum atitude da Academia dos Sociólogos. A ciência decreta que Deus e religião são
criações sociais, todos engolem isso e o assunto morre por aí, como se o homem determinar
tal coisa pudesse alterar o Ser do divino.

16
Cecília, personagem do filme A Rosa Púrpura do Cairo, que vive a alienação transcendente da tela do cinema e
que acaba experimentando a representação virtual como real. O nome Cecília possui dois significados: pessoa
cega ou pessoa que procura ver e analisar todos os lados da questão antes de tomar decisão. Definição extraída
do site http://www.significadonomes.com .
11
O maior medo do homem como ser é confrontar-se com a realidade espiritual das
coisas, porque nela reside a realidade de Deus. O ser humano, afastado dessa realidade por
seus próprios erros diviniza o que não é divino para tentar fugir, esconder-se, ou até, se
possível, adiar o seu fatal encontro com Deus. Ao perceber sua situação de afastamento da
realidade transcendente o homem revolta-se adquirindo posturas contrárias as estabelecidas
por Deus na natureza. Nessa atitude rebelde, os medos são ainda maiores.

Douglas Kellner analisa também o filme Slacker que poderia ter sido um marco de
reação contra a ideologia conservadora, ao inserir jovens que se

recusam a entrar jogo do sucesso acadêmico, da carreira, do casamento


e da família” como “um aficionado por conspirações políticas que fala
das conspirações do governo, uma jovem que tenta vender o
‘papanicolau’ de Madona (...), outro que comenta o governo Bush e
um negro que vende camisetas e panfletos ‘libertem Mandela’.
(KELLNER, 2001, p. 184)

porém, embora questione vários desses costumes assimilados pelos jovens, ele torna-se um
instrumento de defesa da cultura da mídia. O autor afirma que

a mídia tece a trama da vida dos slackers e possibilita uma crítica


diagnóstica em que se discerne que, para muitos segmentos da
juventude de hoje, a cultura da mídia é a cultura. (...) Slacker,
portanto, possibilita uma crítica diagnóstica dos modos como a mídia
satura a cultura da juventude contemporânea e lhe fornece o material
para a produção de significados, identidades e vínculos. (KELLNER,
2001, p. 185)

Nesse sentido, a produção de Richard Linklater 17 acaba sendo uma defesa da cultura
da mídia e uma estratégia intertextual de apresentar a mídia como o instrumento de fala dos
jovens inconformados com o conservadorismo dominante.

Seguindo a mesma linha, Beavis and Butt-Head assumem o papel de ícones da


juventude ao trazerem para a tela da TV uma representação do comportamento dos jovens fãs
da MTV 18, a saber, passar a maior parte do tempo assistindo a nova moda dos videoclipes; ou
seja, eles foram grandes incentivadores de uma postura de assimilação inquestionável do
exposto na mídia.

17
Escritor, diretor, produtor e protagonista principal do filme Slacker.
18
Rede de televisão voltada para o público jovem tocando apenas músicas (especialmente rock) e criando a
cultura dos vídeo-clipes.
12
Beavis e Butt-Head tem atitudes extremamente anti-sociais ao “envolverem-se em
atividades destrutivas e até criminosas.” (...) Ao “acharem ‘legal’ assistirem na TV
representações de violência e sexo e como um ‘saco’ qualquer coisa complexa e que exija
raciocínio. Assim, Kellner tem completa razão em sua análise sobre esta produção da MTV
que durou quatro anos (1993-1997) e que invadiu o cinema com longas-metragens, de que ela
é uma representação de uma geração que teve a televisão como babá e professora eletrônica
numa relação vivencial diária numa clara “dissolução de um indivíduo racional.” (KELLNER,
2001, p. 190)

Outro espaço que Kellner se aventura a transitar é entre a cultura da mídia produzida
pela “voz negra” de Spike Lee 19. E, nesse momento, podemos reencontrar A Rosa Púrpura de
Kellner. Ao estudar a obra de Lee, um dos negros americanos mais conscientes, o autor vê-se
defronte de, por nós considerada, sua maior frustração.

Todo contexto de vida, escalada de postos dentro de hollywood, seu início como
diretor, seus filmes sempre voltados para representar a cultura negra norte-americana e suas
críticas a indústria hollywoodiana apontam para uma mente crítica não conivente com o poder
dominante. Alguns podem argumentar que suas críticas a indústria cinematográfica norte-
americana deve-se ao fato dele jamais ter ganho um Oscar, nem mesmo com Malcolm X.20
Porém essa é uma resposta incompleta. Lee é um árduo crítico da sociedade norte-americana,
especialmente da ação dos negros.

Ana Paula Galdini comenta sobre a abrangência da visão crítica de Lee, dizendo que

com Faça a Coisa Certa (Do The Right Thing), o diretor parece
encontrar exatamente a forma com que quer reproduzir o racismo
sofrido pelos negros e ao mesmo tempo, dar um puxão de orelhas
neles mesmos, com a frase de Martin Luther King: "A violência gera
rancor nos que sobrevivem e brutalidade nos destruidores" e
mostrando o preconceito que também sofrem os latinos que vivem nos
Estados Unidos. (GALDINI, 2004, no site 21)

Galdini também aborda a dificuldade de análise da obra de Lee, afirmando que “A


temática de seus filmes, que sempre abordam polêmicas e dramas que giram em torno do
preconceito racial, deixam o espectador perdido e abrem mão de maniqueísmos.” Foi a

19
Shelton Jackson Lee (Spike Lee – spike significa ferrão) é natural de Atlanta, Geórgia, um dos estados mais
racistas dos Estados Unidos, e criado no Bronx, bairro negro de Nova York, já dirigiu e produziu mais de 30
filmes além de ter adaptado o roteiro, atuado, dirigido e produzido o clássico Malcolm X.
20
Malcolm X concorreu a apenas um oscar, o de melhor ator para Denzel Washington mas não ganhou.
21
Ana P. Galdini editora adjunta do site cinemando - www.cinemando.com.br/200301/diretores/spikelee_02.htm
13
ausência desses e a dificuldade de adentrarmos na mente negra, crescida em meio ao racismo,
perseguição e opressão que originaram a análise tão negativista de Kellner sobre a obra de
Spike Lee. Com certeza, se esses pressupostos estivessem presentes na mente dó autor ele não
teria se frustrado tanto.

Em a Cultura da mídia, devido a época de sua edição, Kellner não pode analisar o
excelente filme Bamboozled, escrito, dirigido e produzido por Lee. A crítica cinematográfica
foi extremamente favorável a obra e, pelo conteúdo da mesma, merece um capítulo especial
numa nova versão da cultura da mídia. Galdini comenta o seguinte sobre esse filme:

Em 2000, Spike Lee voltou a mostrar todo seu potencial com A Hora
do Show (Bamboozled). A história: o único redator negro de uma
emissora de TV é encarregado de criar um programa no qual os negros
sejam mostrados de forma estereotipada. Não contente com a
incumbência, ele cria, com o objetivo de ser um fracasso, um
programa no qual dois caipiras brancos pintam os rostos de preto. A
surpresa: o programa torna-se sucesso de audiência. O filme critica a
passividade dos espectadores, negros ou não, diante da péssima
qualidade dos programas de TV.

Na mesma balada, Douglas Kellner avança pelo campo do rap, mostrando o grito dos
negros oprimidos pelo racismo norte-americano criando um estilo de música próprio e
carregado de expressões de ordem política contra a discriminação, violência, drogas,
alcoolismo e morte. O rap é uma visão mais rasteira e materialista do negro norte-americano
do que o gospel.22

Num capítulo que parece deslocado, entendemos estar mais relacionado com os temas
abordados com a parte três da obra de Kellner e que aqui ficou apenas para atender a uma
metodologia organizacional de três partes com três capítulos, o autor se preocupa com a
manipulação do poder dominante sobre as notícias veiculadas, utilizando como amostra a
guerra do golfo (17/01/1991 a 27/02/1991).

Kellner retoma a idéia gramsciana de hegemonia e atenta para a dominação exercida


por determinadas instituições e/ou grupos, que se utilizam, muitas vezes, da força para manter
o poder. Neste processo, aparelhos de Estado como a mídia reforçam, de maneira mais
sucinta, a ideologia dominante (já abordados). A Guerra do Golfo é um exemplo claro dessas

22
Gospel é o estilo de música dos negros do sul dos Estados Unidos também conhecido como negro spiritual,
que representou a reação negra diante do cristianismo branco norte-americano.
14
forças dos aparelhos de Estado trabalhando em favor da manutenção do poder conservador
norte-americano.

O autor destaca que “o governo Bush controlou o discurso da mídia em parte por meio
da desinformação e da propaganda e em parte pelo controle da imprensa graças ao sistema de
pool.” (KELLNER, 2001, p. 256) Kellner cita várias intervenções de “representantes” do
poder de Bush, em especial Jim Hoagland do Washington Post, Mary McGrory da Newsweek
23
, Dan Rather da CBS e Tom Brokaw da NBC. Interessante é que Kellner pouco analisa a
participação da CNN no conflito, principalmente se considerarmos que foi esse evento que
solidificou a CNN como o mais importante canal de notícias dos Estados Unidos e que a
emissora transmitiu ao vivo do campo de batalha.

Outro ponto importante destacado por Kellner sobre a Guerra do Golfo é a visão de
Hoagland sobre os interesses britânicos na região do Golfo colocados em cheque pelas ações
intempestivas de Saddam Husseim.

Douglas Kellner coloca-se como interessado em “distanciar-se” da teoria de


Baudrillard de que “a televisão é puro ruído no êxtase pós-moderno, um buraco negro por
onde todos os significados e mensagens são absorvidos.” (KELLNER, 2001, p. 303) A
simples observação dos espectadores televisivos nos fará deparar com conhecimentos
profundos sobre determinados eventos. Assim, os espectadores não são meros objetos
passivos, mas também reflexivos. Dentre os eventos televisivos, Kellner destaca Miami Vice,
algumas amostras de propagandas e a pop-star Madonna.

Miami Vice, série de TV produzida no período de 1984-1989, trouxe para as telas das
TVs um novo perfil de programa, usando um visual dinâmico, no estilo dos vídeos da MTV,
com usos e costumes fora do padrão ‘uniforme’. A ênfase é na ‘boa vida e lazer’. Kellner
destaca que “os personagens têm vários relacionamentos e são relativamente desestruturados
(...) com atitudes muitas vezes criminosas.”( KELLNER, 2001, p. 309)

O autor analisa esse perfil de Miami Vice como um modelo da “identidade pós-
moderna construída a partir de imagens de lazer e consumo” (2001, p. 311). Contudo, a série
tem uma conduta racista com esteriótipos negativizados contra negros, hispânicos e gente do
terceiro mundo.

Outro ‘foco’ de modelos de identidades conservadores está nas propagandas. A


maioria delas “solucionam contradições sociais, fornecem modelos de identidades e
enaltecem a ordem social vigente.” (KELLNER, 2001, p. 317) Modelos clássicos são as

23
Vale destacar que a revista Newsweek faz parte da mesma empresa editora do Washington Post.
15
propagandas de cigarro. No mesmo momento em que elas prometem uma nova postura e
reconhecimento social para o fumante, ela o faz usando esteriótipos machistas ou feministas.

Num cenário em que a qualidade da informação é inversamente proporcional ao


índice de audiência, o racional é superado, com certa freqüência, pelo conflito, “pela
manipulação de temores e fantasias” (KELLNER, 2001, p. 106), onde o discurso noticioso e
informativo é substituído por um tipo de “discurso publicitário”, homogeneizador de
identidades, mercadológico, a-histórico e sem aprofundamento, portanto, desprovido de
reflexão – onde os meios ficam impossibilitados de justificar os fins. Se a mídia não chega a
“congelar” mentes, no mínimo desvia a atenção dos assuntos realmente relevantes para as
vidas receptoras.

Em geral, os anúncios destacam a “individualidade e o particularismo” que podem


gerar uma rebelião do tipo: só quero o que é melhor para mim. Contudo, as imagens das
propagandas são montadas em sets onde todo o arranjo mobiliário, indumentários e pano de
fundo expõem a realidade conservadora.

A maior, e mais declarada, reação ao conservadorismo encontramos em Madonna.


Tudo nela foi meticulosamente planejado objetivando usá-la como uma imagem viva de
rompimento com o comum e o usual. Sua falta de pudor moral e religioso e sua bi-
sexualidade, constituíam-se numa subversão do convencional. Tudo exposto em sua imagem
podia ser comprado pelos fãs. A cultura da mídia conseguiu, em Madonna, criar uma
identidade com uma força comercial incomum.

Porém, algo mais a se surpreender em Madonna, foram seus papéis em filmes de


hollywood. Ela assumia mais a personagem frágil, sensual mas não dominadora como nos
shows e videoclipes, muitas vezes vestida como uma dama da sociedade, numa ambigüidade
irônica diante da imagem construída em Madonna. Não há dúvida de que ela foi uma
reconstrução pós-moderna do mito Marilyn Monroe.

Por fim, Kellner mapeia as especificidades que a questão da identidade, elaborada


anteriormente, assume na pós-modernidade, opondo-se à perspectiva com as teorias de
Baudrillard 24 debruçando-se sobre o tema Cyberpunk, especialmente no livro Neuromancer de
William Gibson. defendendo, mas procurando superar as proposições dos romances
cyberpunk de ficção científica, que extrapola tendências do presente para o futuro e
problematiza o ambiente pós-moderno saturado de tecnologia e de relações mediadas pela

24
Kellner, ao longo do capítulo revela concordar com algumas colocações de Baudrillard e discordar de outras,
principalmente do conceito de “utopia realizada”. (2001:409).
16
internet, na esperança de fundamentar a possibilidade de um ‘algo novo’ mais ecológico,
feminino, comunitário e inovador.

Esta obra inspirou filmes como Blade Runner e Matrix. A questão maior nessas obras
cyberpunks é a nova realidade social, onde as identidades vão além da imagem que se vê.

Kellner considera que esse trabalho da cultura cyberpunk é muito relevante pois ao
“mapear o futuro podemos entender o presente projetando visões do futuro que realçam
fenômenos-chave do momento atual e seus possíveis efeitos”. (KELLNER, 2001, p. 401) Sem
sombra de dúvida, o autor tem hoje muito mais instrumentos e elementos para uma análise
mais profunda de uma sociedade cyberpunk, pois nestes dez anos que nos separam da
primeira edição de A Cultura da Mídia, muita coisa aconteceu, a informática fortaleceu-se,
alargou suas paredes e hoje ela é uma realidade dominante em todo o mundo. E mais, alguns
dos conceitos outrora visionários da cultura cyberpunk são hoje reais e concretos.

Douglas Kellner conclui seu trabalho de forma esperançosa, crendo e ansiando que
“os mais jovens usem os estudos culturais como arma de crítica social, esclarecimento e
mudança, e não como mais uma fonte de capital cultural”. (KELLNER, 2001, p. 431)

Nós não nos atrevemos a concluir este estudo. Apresentamos algumas considerações
finais no desejo de poder estar fornecendo contribuição aos estudos culturais através de nossa
análise crítica da obra de Douglas Kellner.
Sem sombra de dúvida é muito mais fácil destruir (para os mais politicamente
corretos: desconstruir) do que construir. Como primeiro foi Kellner quem se dedicou a
destruir determinadas produções da cultura da mídia, sentimo-nos à vontade para fazermos o
mesmo com a sua produção.
Não há dúvida de que existe para Kellner o reconhecimento da existência de
empecilhos à democracia, com sinalizações de que é possível que a cultura de mídia venha a
contribuir para o aprofundamento democrático ou para o totalitarismo, dependendo do tipo de
poder que impera ou para onde direcionem suas interpretações.
Kellner em sua crítica a Cultura da Mídia está, em alguma medida, preso a estruturas
maniqueístas, reproduzindo um pouco da narrativa bipolar que critica, utilizando registros de
bom ou ruim para caracterizar a mídia. O resultado do seu trabalho é que os significados dos
vários produtos abordados acabam por se parecer, reduzidos a combinações de conteúdos
ideológicos pré-supostos.
Tomamos a Rosa Púrpura do Cairo por apresentar uma visão interessante da
influência da cultura da mídia sobre a mentalidade das pessoas comuns gerando novas
17
identidades. Kellner afirma que “ao invés de desaparecer na sociedade contemporânea, a
identidade está sendo reconstruída e redefinida.” (KELLNER, 2001, p. 316)
Abordamos também o fato do filme reproduzir uma insatisfação da espectadora
(Cecília) com sua realidade e de fascinação com a realidade virtual (de modelo ideal) exposta
na tela, mas que gera insegurança quanto a vivenciá-la (adentrar ao mundo virtual). Assim
como Matrix, o espectador é convidado a “entrar” na realidade virtual (da tela) e – como
25
numa experiência RPG - participar da história como se ele mesmo a vivesse, transferindo
para o evento suas crises e podendo ver o protagonista resolver seus problemas reais em seu
lugar, agindo como a “narradora” de Lisbela e o prisioneiro que interpreta as reações das
personagens e sabe como será o final e, se porventura, o final não for do jeito esperado as
26
pessoas “sairão tristes do cinema” , frustradas. O maior problema de A Cultura da Mídia é
que, para Douglas Kellner, o filme nunca termina como ele esperava.

Referências Bibliográficas

CHAUÍ, Marilena. Filosofia. Ática, São Paulo: 2000

ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. Cartografias dos estudos culturais: uma versão latino-
americana. Belo Horizonte: Autêntica, 2001
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP (FEU), 1991

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Record, 1999


HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002

KELLNER,, Douglas. A cultura da Mídia. São Carlos-SP: EDUSC, 2001

RÜDIGER, Francisco. Ciência Social Crítica e Pesquisa em Comunicação: Trajetória


histórica e elementos de epistemologia. Porto Alegre: E@, 2002.

Para uma análise mais profunda de algumas das teorias analisadas por Kellner convém ler
também:

BAUDRILLARD, Jean. Tela Total – Mito-Ironias da Era do Virtual e da Imagem. Porto


Alegre: Sulina, 1997

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

25
RPG – Rolling Play Game – jogo interativo onde o jogador precisa incorporar a personagem
26
Frase de Lisbela no final do filme: “mas o melhor do cinema é o jeito que termina” e, na cena final, os dois
protagonistas saem do cinema como se estivessem assistindo ao filme Lisbela vestidos com a mesma
indumantária dos personagens do filme numa clara referência a mistura do real com o irreal.
18

Você também pode gostar