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INTRODUÇÃO
Os esforços de investigação acadêmica empreendidos conjuntamente por pesquisadores
originários tanto da área da educação, quanto da área da história, têm permitido, ao longo de
boa parte das últimas décadas, a produção de percepções cada vez mais instigantes acerca
da história da educação no Brasil. Nesse sentido, portanto, os avanços produzidos em ambas
as áreas têm sido fulcrais tanto para o aprofundamento quanto para a formulação de
questões e debates referentes ao passado educacional brasileiro, para o delineamento de
novos objetos de pesquisa, assim como para o processo de recrutamento de novos
pesquisadores que possam fazer incursões neste terreno fronteiriço situado entre os campos
da história e da educação. Aliás, uma quantidade significativa dos conhecimentos que hoje
dispomos a este respeito só foram possíveis graças à mobilização produzida por aqueles
que, no decurso das suas trajetórias de pesquisa, comprometeram-se com este campo
forjado a partir do intercruzamento de ambas as áreas.
Ou seja, se hoje temos melhor entendimento acerca da presença ou da ausência de projetos
em favor da escolarização organizados e orquestrados tanto pelo império português nos
tempos coloniais, quanto pelo Estado brasileiro, após a independência (década de 1820) em
diante, se reconhecemos as nuances dos diferentes projetos de escolarização encabeçados
pelos burocratas brasileiros e lusitanos no decurso de nossa história, se percebemos que ao
lado das experiências escolares formais havia concorrencialmente todo um conjunto de
formas educacionais difusas e não formais que compareciam no cotidiano das cidades
brasileiras, se reconhecemos que já havia há muito tempo toda uma demanda em favor do
acesso à instrução por parte de segmentos sociais variados residentes no Brasil, se
entendemos melhor o processo de formação dos corpos docentes e discentes dos cursos
primários, secundários e superiores no passado e presente brasileiros, se conhecemos parte
do processo de construção curricular que deu origem as formas hegemonizadas de currículo
presentes tanto no passado quanto na atualidade, se temos um olhar mais contundente
acerca das investidas do Estado na tentativa de empreender maior controle sobre as formas
de educação praticadas dentro e fora das escolas, se estamos continuamente reconhecendo
os limites para o acesso à instrução escolarizada ou não-escolarizada presentes nas
diferentes regiões do território nacional em diferentes períodos históricos, se estamos
identificando as pretensões que o Estado teve com a educação ao longo de várias momentos
da história do país, se hoje temos maior disponibilidade de fontes e leituras para pensar
todas estes aspectos do campo educacional, enfim, se conhecemos um pouco melhor acerca
de tudo aquilo o que 15
compõe a história da educação no Brasil, certamente somos tributários dos pesquisadores
que se lançaram a este campo em algum momento anterior, ou mesmo daqueles que ainda
persistem nesse movimento até os dias de hoje.
No entanto, a despeito de todas essas questões estarem movimentado o atual cenário
acadêmico, e de serem as mesmas indiscutivelmente relevantes para a composição de um
corpo de conhecimentos que há de possibilitar maior adensamento ao campo, não é possível
num trabalho isolado tratar de todas elas com a mesma competência, sobretudo se
considerarmos o nível de aprofundamento que apresentam. Afinal, a se pesar pelo patamar
de exigência que se requer para a constituição de uma pesquisa acadêmica contundente,
assim como a se medir pelo tempo e comprometimento requerido para a produção de um
esforço de leitura teórica, de um levantamento documental significativo, de um trabalho de
análise de fontes de naturezas diversas, e de confecção de um material escrito dotado de
coerência, acaba sendo inevitável que façamos a escolha de nos dedicarmos mais a certos
projetos em detrimento de tantos outros que podem, em momentos aleatórios, também nos
parecer instigantes. Ademais, vale ressaltar que existe sempre a possibilidade de haver
alguns eixos temáticos, ou mesmo certos objetos de pesquisa, que exercem sobre nós maior
fascinação e angústia intelectual, o que acaba sendo algo determinante no momento da
seleção daquilo com o que iremos trabalhar.
Este último aspecto, aliás, foi indubitavelmente aquele que exerceu maior influência sobre
as nossas escolhas, nos induzindo no delineamento do tema, do cenário e do objeto da
pesquisa com o qual agora operamos: a construção curricular de uma experiência escolar
para meninos pretos e pardos localizada na cidade da Corte em meados do Oitocentos.
Desde os primeiros e titubeantes passos de graduando e pretenso pesquisador em história –
todos dados no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) entre os anos de 2008 e 2011 – aquilo que mais nos seduzia eram as
questões concernentes à cidade do Rio de Janeiro do período oitocentista – com especial
atenção para a época imperial. Contudo, o interesse pela instrução não foi aquilo que
primeiro nos induziu a olhar com mais atenção – ou porque não dizer carinho? – para este
cenário. Na verdade, o que efetivamente nos imantava quanto ao mesmo eram as
contradições sociais que serviam de intriga para as vidas dos multifacetados habitantes que
ali estavam. Para sermos ainda mais específicos, aquilo que mais nos inquietava era o
desejo de conhecer 16
acerca do cotidiano e da vida levada por escravos, fossem estes africanos ou crioulos 1,
assim como por libertos e sujeitos livres de cor2, no meio urbano carioca.
1 Crioulo era a designação dada a todo o sujeito escravo nascido no Brasil que fosse porventura filho de africanos.
2 Termo de época. Muito embora seja incomum para os dias de hoje nos referirmos aos negros como
sujeitos de cor – designação esta que atualmente é inclusive considerada pejorativa – naquele instante esta
categoria era uma forma recorrente de identificação.
3 Destacamos aqui a obra de Edward Palmer Thompson (THOMPSON, 1987).
A partir do progresso das nossas leituras fomos encontrando um universo muito amplo de
objetos e discussões em torno dos mais variados âmbitos da vida destes sujeitos. Aliás, dado
o desenvolvimento exponencial do campo historiográfico nas últimas décadas, temos sido
cada vez mais brindados com obras que tem avançado sobre terrenos que, apesar de outrora
pouco desbravados, já apresentam atualmente grande consistência. Grande parte deste
crescimento se deu, inclusive, em função tanto da localização e utilização de novas fontes,
quanto da apropriação de perspectivas teóricas que, por sua vez, nos permitiram sensibilizar
nossos olhares para as realidades sociais, bem como para os múltiplos agentes históricos
que ali se apresentavam.
A obra de Edward Palmer Thompson, por exemplo, foi fundamental no que diz respeito ao
campo teórico3. Afinal, muito embora a sua produção não tenha sido voltada para a
investigação do universo social brasileiro, suas contribuições têm sido largamente utilizadas
para tal fim até hoje.
Ao analisar a sociedade inglesa dos séculos XVIII e XIX – sociedade esta que sentia os
efeitos das grandes transformações do mundo industrial – na obra The Making of the
English Working Class (A Formação da Classe Operária), Thompson demonstrou como a
classe trabalhadora teria sido responsável pelo seu próprio processo de formação, de modo
que o seu surgimento não poderia ser compreendido apenas enquanto fruto das
transformações da estrutura econômica daquele país, mas sim enquanto resultado das ações
promovidas pelos próprios trabalhadores ingleses que conseguiam reconhecer o significado
das mudanças que ali se processavam. Sendo assim, para ele a construção não só da classe
trabalhadora, mas de qualquer outra classe, se constitui enquanto um fenômeno cultural,
uma vez que sua formação está vinculada a um processo ativo que envolve a ação humana:
“A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou
partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens, cujos
interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus.” (THOMPSON, 1987, p.10) 17
Para Thompson, ainda que a estrutura econômica seja um elemento relevante no que diz
respeito às transformações pelas quais passam as sociedades, estabelecendo certas
realidades objetivas que se constituem enquanto condicionantes sociais, não se pode dizer
que isto de modo isolado seja o suficiente para que as classes sociais – enquanto forças
antagônicas que entram em disputa em função de seus interesses contraditórios – sejam
forjadas. Afinal, ele considera que a constituição de identidades de classe é fruto também da
experiência humana, investindo na ideia de que os homens, no decurso de suas trajetórias,
passam a reconhecer quem são os sujeitos com os quais compartilham os mesmos
interesses, assim como passam a identificar aqueles outros cujos interesses contrapõem-se
aos seus, fundando, apenas a partir deste instante, a noção de classe. Ou seja, para
Thompson a classe não é derivada da estrutura social, mas sim oriunda da experiência
humana, sendo, portanto, fruto de uma relação histórica.
Neste sentido, ao considerar que a constituição de identidades de classe é fruto de processos
culturais, de experiências acumuladas, de articulações e de escolhas, abre-se espaço para o
entendimento de que os indivíduos – a despeito da ocorrência de questões estruturais de
natureza econômica que lhes fogem ao controle – são capacitados para tomarem decisões,
para interferir no cotidiano, bem como para se posicionarem frente à realidade que a eles se
apresenta, não sendo, portanto, engessados pelas estruturas. Portanto, ainda que Thompson
reconheça a ocorrência de uma série de constrangimentos sociais que imputam restrições
aos sujeitos históricos, ele assume que estes mesmos sujeitos continuam, a despeito de
qualquer coisa, apresentando a possibilidade de significar o mundo aos seus próprios olhos,
de promover articulações – de escolher com quem desejam se associar e a quem querem
combater –, de assumir posicionamentos, de fazer escolhas e, enfim, de promover
transformações.
“Thompson [...] não nega os condicionamentos estruturais, não obstante, na sua obra The making of the
English working class, de 1963, ele tenha destacado que, por um lado, a classe operária foi determinada
pelas relações de produção às quais os trabalhadores foram involuntariamente submetidos, mas, por
outro, a classe fez-se (making) como consciência de classe, entendida aqui como a dimensão cultural e
histórica da experiência. Ao passo que a primeira é determinada e independente da vontade dos agentes,
a segunda é determinante e consciente, pois engendra os sentidos e as práticas sociais daqueles
submetidos” (VIEIRA; OLIVEIRA, 2010, p.524)
Mediante a tal entendimento, se tornou possível afirmar que os sujeitos históricos eram
dotados daquilo que Thompson convencionou chamar de agency, categoria analítica que foi
traduzida pela historiografia nacional enquanto „agência‟ ou mesmo enquanto
„protagonismo‟. 18
Ou seja, Thompson reconhecia nos sujeitos históricos o poder de serem
agentes/protagonistas das suas trajetórias, de serem reflexivos e de construírem sua
consciência. Dessa forma, portanto, sua perspectiva teórica reconhece a importância e o
papel singular que os indivíduos têm na formação das coletividades.
Esta formulação gerou tanto impacto no campo teórico, que tal perspectiva acabou sendo
apropriada para o estudo de outras sociedades que não a inglesa, nisto incluso até mesmo a
sociedade escravista brasileira. Ainda que a classe trabalhadora da Inglaterra dos séculos
XVIII e XIX, e os trabalhadores cativos do Brasil do mesmo período – ou mesmo de épocas
anteriores – apresentassem diferenças relevantes concernentes às características do seu
trabalho – sobretudo no que diz respeito ao quesito da liberdade, visto que a escravidão
pressupõe uma relação de propriedade que não se apresenta em outras formas de controle
do trabalho – o uso da perspectiva de Thompson se tornou possível para qualquer um de
ambos os casos pelo fato desta poder ser usada para reconhecer nestes trabalhadores,
dotados ou não de liberdade jurídica, características que nos permitam compreendê-los
enquanto agentes de suas próprias trajetórias, bem como enquanto construtores das suas
próprias identidades coletivas. Em outras palavras, a partir da apropriação de um arcabouço
teórico thompsoniano, podemos afirmar que os escravos também tinham o poder de se
constituir em grupos cuja identidade girava em torno de interesses próprios. Afora isso,
torna-se possível atestar que estes também compartilhavam visões de mundo, reconheciam
quais eram os grupos contra os quais precisavam duelar, assim como que se articulavam em
favor da concretização de suas projeções. Em suma, podemos passar a assumir a ideia de
que estes também eram dotados de agência, que conseguiam produzir leituras da realidade a
partir de suas experiências de cativeiro e que se associavam conscientemente com aqueles
sujeitos com os quais comungavam ideias.
Avaliando sob este ângulo, a adoção da perspectiva thompsoniana nos permitiu:
“[...] uma nova abordagem na análise da relação senhor-escravo. Ao tratarmos da escravidão e das
relações entre senhores e escravos, tanto quanto ao tratarmos de qualquer outro tema histórico,
lembramos, com Thompson, que as relações históricas são construídas por homens e mulheres num
movimento constante, tecidas através de lutas, conflitos, resistências e acomodações, cheias de
ambiguidades. Assim, as relações entre senhores e escravos são fruto de ações de senhores e de
escravos, enquanto sujeitos históricos, tecidas nas experiências destes homens e mulheres diversos,
imersos em uma vasta rede de relações pessoais de dominação e exploração.”(LARA, 1995, p.46)
A partir deste olhar suscitado por Thompson, tornou-se possível a identificação de novas
dimensões da vida desses sujeitos que outrora eram negligenciadas. À vista disso, 19
pudemos perceber que estes eram aptos a estabelecer projeções maiores do que aquelas que
antes éramos levados a crer serem plausíveis. Isto nos permitiu compreender, inclusive, que
tais sujeitos provavelmente vislumbraram um universo de possibilidades muito mais amplo
e mais diverso do que a historiografia em dado momento propalou.
Neste sentido, vale ressaltar as contribuições feitas por pesquisadores vinculados a História
Social da Escravidão, tais como João José Reis, Robert Slenes, Sidney Chalhoub, Flávio
dos Santos Gomes, dentre tantos outros, que tiveram como mérito a produção de pesquisas
que reconheciam que os cativos tinham suas próprias intencionalidades, não sendo
marionetes dos seus senhores4. Ou seja, por assumirem que os escravos eram inventivos o
suficiente para conferir sentido à sua própria história, estes, e tantos outros pesquisadores,
puderam ofertar ao campo um conjunto de obras que nos apresentaram a trajetória destes
sujeitos históricos através de olhares que outrora não eram explorados.
4 Destacamos os seguintes trabalhos destes autores:
REIS, J. J. (2003); SLENES (2011); CHALHOUB (1990); GOMES (2006).
5 Termo de época. Muito embora seja incomum para os dias de hoje nos referirmos aos negros como
sujeitos de cor – designação esta que atualmente é inclusive considerada pejorativa – naquele instante esta
categoria era uma forma recorrente de identificação.
A adoção da perspectiva thompsoniana no desenvolvimento de uma significativa
quantidade de pesquisas, a se considerar inclusive esta que agora estamos produzindo,
passa, portanto, a mostrar-se potente pelo fato da mesma ter tornado possível a
compreensão da pertinência, das motivações, assim como das implicações da atuação não
só de escravos, mas também de libertos e homens livres de cor5 – sujeitos que não por raras
vezes sofriam com limitações de âmbito econômico, assim como com restrições sociais –
no cotidiano em que se inseriam, ajudando a contradizer a visão de que estes eram de algum
modo socialmente passivos.
No que diz respeito ao campo da história da educação, a maior atenção dada ao
protagonismo destes sujeitos históricos também possibilitou aos historiadores a formulação
de novas reflexões acerca da possibilidade de envolvimento dos mesmos com a escola, com
a cultura escrita, bem como com outras formas de aprendizado praticadas no cotidiano.
Neste sentido, houve o emprego de um grande esforço de pesquisa no intuito de localizar
fontes que pudessem apontar indícios da participação destes agentes nas experiências de
ensino promovidas à época, bem como de escrita no intuito de reescrever a história que
conhecíamos a respeito da educação brasileira, repensando o processo de escolarização no
país, de promoção da instrução por meios não-escolares, bem como revendo quais eram os
interesses 20
que impulsionavam estes processos, assim como os promotores e os públicos envolvidos
nos mesmos.
A questão do envolvimento de escravos, libertos e sujeitos livres de cor com a prática da
leitura e da escrita, aliás, se tornou o nosso principal tema de interesse, nos aguçando a
curiosidade de tal modo, que o nosso desejo inicial de conhecer os aspectos gerais da vida
cotidiana desses agentes históricos na Corte foi ganhando contornos cada vez mais
específicos. À medida que a nossa angústia intelectual aumentava, começávamos a ficar
mais motivados a buscar um aprofundamento nas leituras que pudessem tratar da realidade
educacional do Rio de Janeiro oitocentista, assim como mais mobilizados a entrar em
contato com as fontes trabalhadas pelos historiadores que operavam nessa imediação entre a
história social da escravidão e a história da educação, razão pela qual começamos a nos
impor um ritmo maior de leituras, bem como a investir simultaneamente nas visitas a
arquivos.
Ao longo dos primeiros meses de garimpo – ainda no ano de 2010 – visitamos fundos de
documentação de um modo nada sistemático, afinal, não tínhamos sequer um objeto de
pesquisa, não havendo nada – a não ser a curiosidade – que nos orientasse e nos norteasse
em nossas incursões pelas páginas impressas da história. Ressalto, no entanto, a exceção das
pesquisas feitas ao fundo GIFI 5B 224 do ANRJ (Arquivo Nacional do Rio de Janeiro) que
foram sugeridas pelo Dr. Flávio dos Santos Gomes 6, professor que nos acompanhou de
perto no nosso primeiro impulso para a pesquisa e que tem até hoje contribuído direta e
indiretamente para a nossa formação.
6 Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que tem atuado na área de Brasil colonial e pós-colonial, escravidão, Amazônia, fronteiras e
campesinato negro.
Ao revolver pilhas de documentações de natureza diversa nas insistentes e recorrentes
visitas feitas principalmente ao próprio ANRJ, pudemos recolher uma série de indícios da
existência de escravos, libertos e livres de cor aptos para a prática da leitura e da escrita,
assim como da presença desses mesmos sujeitos em experiências de aprendizado –
escolares ou não – na Corte oitocentista, o que ia ao encontro das afirmações presentes nas
leituras sobres as quais nos debruçávamos naquele mesmo instante, tendo em vista que estas
buscavam demonstrar que a escola brasileira do Oitocentos não era restrita aos setores das
elites brancas, atestando o caráter plural da mesma já naquela época. Esta bibliografia a
qual acessávamos nos ajudou inclusive a perceber que sujeitos pobres, livres de cor e
libertos tinham ampla possibilidade de acessar a escola. e que a própria legislação corrente à
época os ancorava neste sentido (SILVA 2000, 2002; FONSECA, 2002, 2009; VEIGA,
2008). 21
Neste âmbito, aliás, podemos sublinhar os conteúdos tanto da constituição vigente no
período imperial – a carta outorgada pelo imperador Dom Pedro I em 1824 –, quanto das
legislações educacionais que se seguiram a este primeiro documento, afinal, estas em
momento algum estabeleceram restrições para o acesso de pobres, libertos e sujeitos de cor
nas instituições escolares públicas e privadas em funcionamento. De fato, através do exame
dessas leis pudemos perceber que, ao menos no quesito legislativo, a questão da esfera
social parecia ser no mais das vezes irrelevante no sentido de garantir ou restringir o acesso
às escolas. Isso não significava, no entanto, que o ingresso escolar era irrestrito, afinal, este
conjunto de legislações educacionais continuamente reiterava, por exemplo, o caráter
proibitivo do acesso às instituições públicas e privadas no que diz respeito aos escravos. O
fundamento desta proibição residia no fato dos cativos não serem detentores da cidadania
brazileira, segundo o que indiciava a própria carta magna de 1824, o que acabou servindo
para que este impedimento fosse reiterado nas legislações educacionais produzidas
posteriormente, uma vez que estas não poderiam contradizer a matéria constitucional.
A questão da condição não-cidadã dos cativos, aliás, era bastante curiosa, afinal, ao longo
de todo o texto constitucional não é feita nenhuma referência aos mesmos em trecho algum,
ou seja, a conclusão de que estes não eram cidadãos não é oriunda de uma citação que
expresse claramente a sua condição, mas sim da carência de qualquer menção aos próprios
que, no percurso de toda a carta de 1824, foram sumariamente ignorados. Exporemos o
trecho da constituição referente aos direitos de cidadania apenas para exemplo de ilustração
daquilo que falamos:
“TITULO 2º
Dos Cidadãos Brazileiros.
Art. 6. São Cidadãos Brazileiros
I. Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro,
uma vez que este não resida por serviço de sua Nação.
II. Os filhos de pai Brazileiro, e Os illegitimos de mãi Brazileira, nascidos em paiz estrangeiro, que
vierem estabelecer domicilio no Imperio.
III. Os filhos de pai Brazileiro, que estivesse em paiz estrangeiro em sorviço do Imperio, embora elles
não venham estabelecer domicilio no Brazil.
IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes no Brazil na época, em
que se proclamou a Independencia nas Provincias, onde habitavam, adheriram á esta expressa, ou
tacitamente pela continuação da sua residencia.
V. Os estrangeiros naturalisados, qualquer que seja a sua Religião. A Lei
determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de naturalisação.
Art. 7. Perde os Direitos de Cidadão Brazileiro
I. O que se nataralisar em paiz estrangeiro.
II. O que sem licença do Imperador aceitar Emprego, Pensão, ou Condecoração de qualquer Governo
Estrangeiro. 22
III. O que for banido por Sentença.
Art. 8. Suspende-so o exercicio dos Direitos Politicos
I. Por incapacidade physica, ou moral.
II. Por Sentença condemnatoria a prisão, ou degredo, emquanto durarem os seus effeitos.”
A despeito desta proibição, não há dúvidas, todavia, de que eventualmente estas legislações
eram burladas, afinal, a necessidade e a persistência de sempre reiterar este elemento em
variadas regulamentações que tratavam do assunto parece ter tido o intuito de reforçar uma
proibição que não necessariamente era cumprida de modo rigoroso7. Como toda lei
apresenta íntima relação com o cotidiano, é muito provável que a determinação da proibição
tivesse sido orientada pelo fato de que era possível haver escravos matriculados nas escolas,
ou mesmo que simplesmente as frequentavam de modo regular ou não.
7 Trataremos melhor de legislações que reforçam esta proibição, inclusive através de exemplos, mais
adiante no capítulo 1: “A Instrução e o Currículo das Instituições Escolares nas Legislações entre 1823-
1854”.
8 Em algumas legislações também estavam proibidos de ir à escola os não vacinados e os portadores de moléstias contagiosas. Trataremos melhor disto também
no capítulo 1.
9 Todosestes aspectos serão mais bem trabalhados no capítulo 2: “Por Muitos Caminhos: As Formas de
Acesso à Instrução em Torno do Oitocentos”
A condição jurídica, portanto, era o único elemento que de modo efetivo deveria
inviabilizar o acesso de meninos e meninas – desde que saudáveis8 – às escolas, mas não
necessariamente à instrução, até porque havia inúmeras outras maneiras através das quais
era possível obter aprendizado. Afinal, a escolarização era mais uma dentre as possíveis
formas de se obter acesso a algum ensino, mas certamente não a única. O conhecimento
propriamente das letras – ler e escrever, envolvimento com a cultura escrita – poderia ser
alcançado através do autodidatismo, de aulas dadas por professores particulares no espaço
doméstico, por meio do ensino informal no seio do lar, no trabalho ou mesmo na rua, dentre
outras formas mais. Afora isto, havia também o aprendizado de ofícios, que assim como o
ensino das letras, poderia ser feito em variados espaços, fossem estes institucionais, como
nas escolas de ofícios, ou em espaços da vida cotidiana por intermédio de atividades de
trabalho, ou mesmo em serviços informais9.
A inexistência de obstáculo legal, todavia, não garantia que a escolarização fosse horizonte
sempre tangível mesmo para os livres ou libertos. Havia uma distância significativa entre
almejar o acesso à escola e a concretização deste anseio. Vale ressaltar que a oferta escolar
nem sempre era farta, o que acabava gerando a comoção de grupos inteiros que se
articulavam recorrentemente a fim de requerer junto à burocracia imperial a abertura de
escolas públicas, ou mesmo a permissão para a manutenção de escolas privadas, que
pudessem atender as suas demandas pela instrução (SILVA, 2000; CAMPOS, 2006). O
papel 23
do corpo social nestes processos era fundamental, inclusive daqueles indivíduos presentes
nos grupos subalternos, socialmente recriminados, ou daqueles que em alguma medida eram
depreciados, julgados e constrangidos socialmente.
Um dos mais emblemáticos exemplos disso está presente em alguns trabalhos, que muito
nos chamaram a atenção, escritos por Adriana Maria P. da Silva (SILVA, 2000, 2002), nos
quais ela investiga uma escola de primeiras letras10 particular organizada em meados do
Oitocentos por um professor que se autodenominava preto, residente na cidade da Corte,
cujo nome era Pretextato dos Passos Silva. A escola, criada no ano de 1853, era localizada
na Freguesia de Santíssimo Sacramento – Freguesia urbana do Rio de Janeiro – e atendia a
meninos também denominados pretos ou pardos. De acordo com Adriana Silva, a criação da
dita escola teria se dado como resultado dos pedidos feitos pelos pais dos próprios alunos ao
professor Pretextato se tornando, até onde tomamos conhecimento, a primeira e única
escola exclusiva para meninos pretos e pardos estabelecida na história da Corte.
10As escolas de primeiras letras eram aquelas em que era ministrado o ensino referente ao que atualmente
se ensina nas séries iniciais do ensino fundamental. Os alunos aprendiam a ler e escrever, a gramática da
língua portuguesa, as operações matemáticas, além de terem aulas de doutrina cristã da religião católica
apostólica romana, o que em certa medida demonstra a importância dada à fé católica e aos valores
cristãos. Em especial para as meninas, havia o ensino das prendas domésticas. A Lei n.1 de 1837 sobre
instrução primária no Rio de Janeiro pontua que as meninas aprenderiam a “coser, bordar, e o demais
misteres próprios da educação doméstica”. Ver mais em:
http://seer.ufrgs.br/asphe/article/viewFile/29135/pdf acesso às 11:59 de 08/08/2013
A criação da escola datava de menos de um ano antes da aprovação do regulamento da
reforma do ensino primário e secundário do município da Corte, instituído por intermédio
do Decreto nº 1.331-A, de 17 de Fevereiro de 1854. Tal legislação normatizava a abertura e
o funcionamento de todas as escolas públicas e privadas que poderiam ainda ser criadas ou
que naquela altura já estavam em atividade, razão pela qual Pretextato se viu constrangido a
enviar à Inspetoria Geral da Instrução Pública da Corte, órgão responsável por regular as
instituições escolares à época, uma série de documentos requeridos à ocasião para que a
escola em que lecionava não se visse em situação irregular, o que acarretaria no seu
fechamento. Ou seja, para que o público estudantil com o qual trabalhava continuasse a ser
atendido, seria necessário regularizar a escola segundo os parâmetros determinados pela
intervenção pública.
Quanto a esta questão, Adriana Silva expôs o seguinte:
“A rigor, de acordo com o decreto n. 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854[...], cujo principal objetivo foi
sistematizar o controle do Estado sobre os professores em geral e, especificamente, sobre os alunos das
escolas públicas, para que Pretextato abrisse formalmente uma escola ou continuasse a exercer o
magistério, deveria: ter a prévia autorização do inspetor geral; ser maior de 25 anos; declarar atestados
de capacidade profissional e moralidade; submeter-se ao exame profissional diante 24
das autoridades da Inspetoria e declarar qual havia sido o seu meio de vida nos últimos cinco anos
anteriores ao pedido de autorização. Além dessas exigências, deveria ainda apresentar um programa de
estudos da sua escola; um projeto de regulamento interno do seu estabelecimento; a descrição da
situação física da casa onde lecionaria; uma listagem contendo os nomes e as habilitações dos
professores já contratados ou a serem contratados pelo requerente.” (SILVA, 2002, p. 15)
No intuito de garantir o deferimento para a manutenção da escola, que deveria ser dado por
Eusébio de Queiroz, Inspetor Geral da Instrução Pública à ocasião, o professor Pretextato
enviou um conjunto de documentações que consistiam em:
“dois abaixo-assinados dos pais dos seus alunos em defesa da continuidade do funcionamento da sua
escola; um atestado de um vizinho seu; um abaixo-assinado de pessoas que o conheciam; um atestado do
inspetor de seu quarteirão enviado ao subdelegado da freguesia de Sacramento e um documento, escrito
de próprio punho, ao inspetor.” (SILVA, 2002, p.150-151)
O envio destas documentações servia ao propósito de convencer as autoridades públicas de
que aquela iniciativa escolar era legítima, devendo ter o seu funcionamento regulamentado.
Além disso, Pretextato objetivava persuadir os responsáveis pela Inspetoria de que a
aplicação do dito exame profissional não seria algo necessário; o próprio, aliás, alegava se
sentir embaraçado com tal possibilidade.
Havia, tanto para o próprio Pretextato, quanto para os alunos e seus responsáveis, ao menos
uma motivação especial que podia justificar os esforços por eles mobilizados em favor da
manutenção da escola: ela atendia especificamente aos meninos pretos e pardos da região
que, segundo aquilo que alegavam, não eram bem atendidos em algumas das outras escolas
circunvizinhas. Segundo os suplicantes – Pretextato e os pais dos meninos pretos e pardos –
havia nas outras escolas próximas notória animosidade entre os pais dos meninos de cor
branca e os meninos de cor preta, de modo que, em função disso, os professores assumiam
uma posição de desprezo pelos meninos pretos e pardos, o que, por conseguinte, fazia com
eles recebessem pouco ou nenhum „adiantamento‟ nas antigas aulas as quais frequentavam,
ou seja, não aprendiam aquilo que ali era ministrado. A situação teria ficado de tal maneira
insustentável que a solução mais interessante por eles encontrada teria sido a
autosegregação dos meninos pretos e pardos numa escola cujo professor fosse de fato atento
às necessidades destes e na qual pudessem, através de uma interação adequada com o
professor, aprender alguma coisa.
Avaliando todo processo vivido pelo professor Pretextato, pelos pais dos alunos, bem como
pelos próprios meninos pretos e pardos, começamos a pensar, a partir das nossas leituras do
campo do currículo, até que ponto a motivação, o interesse e a preocupação deste 25
professor e pais em primeiramente criar e posteriormente legitimar esta escola perante o
poder público não representava também um esforço em favor da formação e manutenção de
um determinado currículo escolar, ou seja, de uma certa forma específica de organização e
transmissão de conhecimento e valores.
Munidos das formulações teóricas de Ivor Goodson (1995, 1997), que defende a visão de
que o currículo é um artefato social concebido para realizar determinados objetivos
humanos específicos (GOODSON, 1997. p.17), começamos a refletir se na constituição
daquela escola exclusiva para meninos pretos e pardos os envolvidos na sua criação não
estavam procurando constituir, através do seu currículo, algumas especificidades que
poderiam tornar aquela experiência escolar mais potente, melhor provida de sentido e mais
eficaz para os meninos que a ela freqüentavam, afinal, não podemos esquecer que “o
currículo está construído para ter efeitos (e tem efeitos) sobre as pessoas. As instituições
educacionais processam conhecimento, mas também – e em conexão com esses
conhecimentos – pessoas.” (SILVA in GOODSON, 1995, p. 10). Ou seja, começamos a nos
indagar se a maneira que eles estavam pensando e formulando a organização daquela escola
não representava uma forma de construir um currículo diferente daquele que servia como
ferramenta de organização escolar e de difusão de valores nas demais escolas da região ou
mesmo nas demais escolas da Corte como um todo.
Uma vez que Goodson assume que os currículos – enquanto artefatos sociais e históricos –
são sujeitos a mudanças e flutuações (SILVA in GOODSON, 1995, p.7), percebemos que a
ideia de que possa haver currículos dotados de padrões e intencionalidades diferentes sendo
aplicados em tempos e territórios diversos é bastante pertinente. Ou seja, o currículo não é
algo engessado nem pelo tempo, tampouco pelo espaço, o que não inviabiliza, no entanto,
que haja certos padrões curriculares que possam ser de alguma forma legitimados e
perpetuados numa certa comunidade ao longo do tempo. De todo modo, contudo, o
currículo sempre se mantém enquanto um artefato maleável, podendo sofrer transformações
tanto em termos prescritivos, quanto em termos práticos. Aliás, Goodson reconhece que são
exatamente estes dois os níveis que compõe o currículo: o currículo pré-ativo, forjado a
partir dos parâmetros, das legislações, das determinações, daquilo que está expresso em
documentos e que supostamente rege os padrões dos docentes e demais envolvidos com a
educação; e o currículo em ação, forjado a partir das interações em sala de aula, da
subjetividade, daquilo que transcende ao planejado pelo nível escrito.
Vale ressaltar, no entanto, que um não anula o outro, afinal, enquanto o currículo escrito
(pré-ativo) serve de testemunho para sabermos acerca dos fins básicos da escolarização em
26
determinado momento histórico (GOODSON, 1995, p.21), assim como para “estabelecer
parâmetros importantes e significativos para a execução interativa em sala de aula”
(GOODSON, 1995, p.24) o currículo praticado (em ação) não se constitui num conjunto de
interações produzidas em sala de aula que estão alheias ao domínio pré-ativo, até porque
“mesmo quando a prática procura contradizer ou transcender esta definição pré-ativa [...]
ficamos vinculados a formas prévias de reprodução, mesmo quando nos tornamos
criadores de novas formas.” (GOODSON, 1995, p.18).
Assumindo que os currículos são forjados por ambas estas dimensões interdependentes,
decidimos, por intermédio da investigação tanto das prescrições curriculares produzidas
pela burocracia imperial, quanto pelo exame das prescrições e das características da escola
do professor Pretextato, investigar o processo de construção curricular desta experiência
escolar para meninos pretos e pardos localizada na Corte em meados do Oitocentos, o que
diferenciaria o nosso trabalho daquele que foi produzido por Adriana e o que poderia
também agregar outros olhares a respeito desta iniciativa escolar.
Acreditamos que investigar isoladamente apenas as prescrições curriculares ou, ao contrário
disso, tão somente as prescrições e as interações produzidas na escola do professor
Pretextato, não nos permitirá entender este processo adequadamente, visto que:
“É igualmente importante que uma história do currículo não se detenha nas deliberações conscientes e
formais a respeito daquilo que deve ser ensinado nas escolas, tais como leis e regulamentos, instruções,
normas e guias curriculares, mas que investigue também os processos informais e interacionais pelos
quais aquilo que é legislado é interpretado de diferentes formas, sendo frequentemente subvertido e
transformado.” (SILVA in GOODSON, 1995, p.9).
Como esta pesquisa está situada num terreno fronteiriço entre a história social da
escravidão, a história da educação e a história do currículo, ela apresentará alguns desafios
específicos. A exiguidade de fontes no que diz respeito tanto ao currículo pré-ativo, quanto
às interações produzidas em sala de aula, por exemplo, certamente será o maior deles.
Enquanto pesquisas que procuram entender estas mesmas dimensões no presente podem
acumular uma quantidade enorme de material através da investigação nas salas de aula,
junto a professores, pais e alunos, a nossa não terá esta mesma possibilidade, uma vez que
os agentes históricos os quais estudamos não são nossos contemporâneos. Contudo, muito
embora não possamos produzir nós mesmos as nossas fontes numa investigação direta,
cremos que através de outras documentações disponíveis possamos perscrutar aquela
escola, ainda que não com a profundidade que gostaríamos. 27
Dessa forma, portanto, adotando o conceito de currículo como construção social em nível
de prescrição e prática (GOODSON, 1995, p.67), cremos que seja possível responder
alguns problemas os quais levantamos para esta pesquisa:
Como se deu o processo de construção do currículo da escola para meninos pretos e
pardos da Corte?
Quais eram as particularidades deste currículo?
Quais eram os interesses em disputa na formulação deste currículo?
Às meninas não caberia deter conhecimentos idênticos àqueles recebidos pelos moços,
sendo preciso, por exemplo, que elas se dedicassem às prendas domésticas, coisa esta que
não faziam os meninos. A instrução, portanto, não tinha um caráter apenas de preparação
para as possíveis demandas do futuro, mas sim de organização social, visto que exercitava
as meninas para um determinado tipo de vida adulta já socialmente concebida na qual as
moças deveriam ocupar papeis sociais próprios a sua condição de mulher. Com efeito, as
disciplinas não eram escolhidas ao acaso, elas serviam como moldes para uniformizar um
tipo de preparação que se visava difundir. O currículo, portanto, reforçava muito mais do
que a diferença social entre aqueles que apresentavam o estatuto da liberdade e o do
cativeiro, ele reproduzia o distanciamento do universo masculino e do feminino, insinuando
os modelos de homens e mulheres que deveriam ser forjados durante a vida escolar.
Tais determinações disciplinares, no mais das vezes, persistiam na lei n.1 de 1837 para a
Província do Rio de Janeiro. A instrução primária para meninos compreendia os ensinos de
leitura e escrita, as quatro operações de aritmética sobre números inteiros, frações
ordinárias, decimais e proporções, princípios da moral cristã e da religião do Estado,
gramática da língua nacional, noções gerais de geometria teórica e prática, assim como
elementos da geografia. As meninas, por sua vez, aprendiam de um modo geral quase o
mesmo que os meninos, só que ao invés de se dedicarem às noções gerais de geometria
teórica e prática, assim como às frações decimais e proporções, recebiam ensinamentos
próprios para o uso no lar, tais como coser, bordar, e os mais misteres próprios da
educação doméstica.
Comparando a Lei Geral de 1827 a aquela restrita à província do Rio para o ano de 1837,
notamos que a principal diferença entre o que ficava determinado entre uma e outra lei era a
retirada da história do Brasil em favor da entrada do ensino de geografia na grade
disciplinar, contudo o distanciamento produzido entre meninos e meninas permanecia o 46
mesmo, visto que os estudantes continuavam segmentados em escolas diferentes e
recebendo conhecimentos discriminados segundo o critério de gênero.
Os regulamentos orquestrados por Couto Ferraz, mesmo o primeiro deles sendo datado de
mais uma década depois, também refletiram permanências se comparados às legislações
previamente citadas, no entanto nestes há também notórias descontinuidades, revelando a
propensão a uma fluidez nas disciplinas e, por conseguinte, nas responsabilidades e
projeções da escola. De todo modo, a despeito de todas as possibilidades de fluidez
perceptíveis desde o início do período imperial até o ano de 1854, ano do último Decreto
aqui salientado, algumas características mantiveram-se intocadas. Por exemplo, meninas e
meninos deveriam continuar invariavelmente ocupando espaços, aprendendo algumas
disciplinas e vivenciando experiências escolares distintas. Em nenhuma das leis as quais
analisamos houve a revogação dessa separação, sinalizando bem o papel da escola enquanto
responsável pela distribuição dos indivíduos no tecido social, o que acabava, em alguma
instância, sendo uma representação da forma pela qual ela exercitava o seu poder
(GONDRA; TAVARES, 2004, p.4).
Outras alternâncias podem ser notadas mesmo nas reformas que foram encabeçadas por
Couto Ferraz. Estabelecendo um quadro comparativo, é possível, por exemplo, notar uma
disparidade com relação a importância concedida ao ensino de história. Se por um lado este
foi preterido no Espírito Santo (1848), por outro tinha sua relevância reconhecida nas
reformas do Rio de Janeiro (1849) e da Corte (1854). A peculiaridade do Rio de Janeiro
também ficou por conta da adoção das aulas de música e canto tanto para a Província
quanto para a Corte, e das aulas de ginástica apenas para esta última (GONDRA;
TAVARES, 2004, p.3-4).
A valorização de todas essas disciplinas previamente apontadas não foi fruto do
desdobramento simples de um processo desinteressado. Muito pelo contrário, este conjunto
de seleções refletia a preocupação do Estado brasileiro de unificar a língua, selar ainda
mais os vínculos do Estado com a Igreja católica e criar uma história para o Brasil
(GONDRA; SCHUELER, 2008, p. 54).
A importância da fé católica apostólica romana – religião oficial do Brasil à época imperial
por determinação da constituição de 1824 – é uma questão que, inclusive, precisa ser
avaliada a parte. Afinal, o comprometimento do Estado brasileiro para com a Igreja, e a
confiança de que esta aliança seria fortuita para as projeções do país, fez com que parte do
currículo escolar fosse alicerçado sobre o terreno da religião. 47
Algumas amostras disso estão presentes nos artigos do Regulamento para a reforma do
ensino primário e secundário do Município da Corte. No que diz respeito às disciplinas,
podemos destacar aquela intitulada de leitura explicada dos evangelhos e notícia da
história sagrada que, ao que consta no regulamento, poderia ser integrada ao programa
escolar das turmas de primeiras letras que fossem de segundo grau25. Tal fato, aliás,
provavelmente influenciava indistintamente a todos os sujeitos envolvidos com a escola, a
despeito da posição que estes poderiam ocupar diante da instituição. Afinal, por razão de ser
a fé cristã prosélita em sua natureza, essas aulas acabavam servindo para a propagação dos
princípios cristãos e, por conseguinte, dos fins arbitrários da Igreja, que projetava a
formação de indivíduos conscientes do seu papel de propagadores da vontade divina, o que
não por raras vezes podia ser traduzido como a vontade da própria Igreja.
25 Segundo o regulamento – o qual acessamos diretamente – as escolas públicas primárias seriam
divididas em duas classes: as de primeiro grau e as de segundo grau. A diferença das de segundo grau
para as de primeiro ficava a cargo de algumas disciplinas ministradas. Enquanto as escolas de primeiro
grau teriam aulas de noções essenciais de gramática, de princípios elementares da aritmética e de sistemas
de pesos e medidas do município, as de segundo grau, por sua vez, poderiam ter, afora estas já
previamente indicadas, aulas de desenvolvimento da aritmética em suas aplicações práticas, aulas de
leitura explicada dos evangelhos e notícia da história sagrada, aulas de elementos da história e geografia,
principalmente do Brasil, aulas de princípios das ciências físicas e da história natural aplicáveis aos usos
da vida, aulas de geometria elementar, aulas de agrimensura, aulas de desenho linear, aulas de noções de
música e exercício de canto, aulas de ginástica, assim como aulas de sistemas de pesos e medidas que
abordassem não só o sistema aplicado no município da Corte, mas que também tratassem acerca do
sistema de outras províncias do Império, ou mesmo de outras nações com que o Brasil estabelecia
relações comerciais.
Ou seja, os diretores, professores, estudantes e seus pais sofriam um constrangimento de
ordem religiosa que podia ora ser bem recebido, ora contestado. Cabia aos professores
muitas vezes se adequar àquela normatização a fim de ensinar às crianças princípios
religiosos, noções de pertencimento, entendimentos sobre o passado, o presente e o porvir,
que não necessariamente eram aqueles com os quais estas últimas conviviam em casa, nas
ruas e nos espaços privados. Além de servir a Igreja, este perfil de instrução também servia
aos fins do Estado, uma vez que este se mostrava como o grande interessado em “inventar o
Império” o que “pressupunha a unificação de territorialidades, o estreitamento de laços de
pertencimento, o estabelecimento de vínculos de nacionalidade e a constituição de um
corpo de cidadãos” (SILVA; SCHUELER, 2013, p.243). Ademais, havia o interesse por
parte deste pela formação de cidadãos que fossem dotados de um conjunto de hábitos e
padrões civilizados, ou seja, que houvessem adquirido boas maneiras, que agissem com
polidez, cortesia e boa educação, que assumissem o modelo de família nuclear, que
valorizassem o trabalho e que superassem os hábitos outrora cultivados que porventura não
estivessem 48
alinhados aos ideais prezados pela Igreja e pelo Estado (GONDRA; SCHUELER, 2008,
p.68 e 75).
Neste sentido, é possível dizer que:
“[...] sob a lógica governamental, o grande desafio daquele presente – talvez, o maior – era despertar
entre os habitantes um repertório de comportamentos e sensibilidades que os fizessem comungar da
certeza de que, para além das questões relacionadas aos seus interesses pessoais, haveria a necessidade
de que se enquadrassem e, simultaneamente, se percebessem como componentes de uma coletividade
social: a população brasileira.” (SILVA; SCHUELER, 2013, p.243)
Voltando-nos novamente para o caso da Igreja, podemos afirmar ainda que a influência que
esta exercia sobre a lógica educacional não se limitava tão somente ao quadro disciplinar. A
seleção dos professores do magistério público, por exemplo, também era alvo de
interferência da instituição católica. Segundo o que constava no Art. 12, só podiam exercer
o magistério público os cidadãos brasileiros que provassem: 1° Maioridade legal; 2°
Moralidade; 3° Capacidade profissional. Dentre estes quesitos, aquele referente à
moralidade é o que nos interessa por ora. O Art. 14 expunha logo adiante que a moralidade
dos concorrentes ao cargo seria avaliada por intermédio de uma prova dada perante o
Inspetor Geral, na qual o candidato deveria apresentar as folhas corridas nos lugares onde
havia residido nos três anos mais próximos a data do seu requerimento, assim como
atestações emitidas pelos párocos destas respectivas localidades. Ademais, não podia este
ter sido preso ou sequer sofrido acusação judicial por razão de furto, roubo, estelionato,
banca rota, rapto, incesto, adultério ou de outro crime qualquer que ofendesse a moral
pública ou a religião do Estado.
Ao que indicia a fonte, a Inspetoria tinha, ou ao menos visava ter, como parceiros os
párocos locais, que seriam fundamentais para que houvesse um rígido controle sobre
aqueles que seriam contratados pelo poder público para lecionar nas escolas da Corte. A
moralidade, portanto, era um instrumento que servia aos desígnios tanto do Estado quanto
da Igreja, posto que se o requerente infringisse qualquer dos critérios apresentados seria
inviabilizado de assumir o cargo público. Nesse sentido, portanto, a parceria entre um e
outro foi fundamental, visto que assim podiam fazer sombra aos professores ou aspirantes
ao cargo.
O controle que isto pode ter representado sobre as práticas do professor dentre e fora da
escola é significativo. Com efeito, segundo o que projetava o Estado, não bastava ao
docente a eloquência e o domínio sobre os conteúdos que pretendia ministrar, era necessário
não apresentar máculas perceptíveis, ser um modelo, um exemplo – ou ao menos parecer
um – aos alunos e à sociedade que o cercava. 49
Desse modo, o currículo legitimava simultaneamente os conhecimentos bíblicos, o valor da
fé e os critérios de moralidade da Igreja, reforçando ao mesmo tempo a relevância da
instituição católica, assim como o conjunto de alguns conhecimentos por ela corroborados e
propagados, o que demonstra, por fim, a sua representatividade, bem como o seu poder de
interferência, sobre o conjunto de relações sociais estabelecidas no cotidiano. Num terreno
tão contestado como o da fé, isso representava mais do que uma tentativa de promover uma
perspectiva religiosa, retratava um esforço para inibir demonstrações e saberes religiosos
que não fossem aqueles propalados pela Igreja.
Todo este constrangimento, no entanto, não era voltado exclusivamente para as escolas
públicas da Corte. Afinal, uma vez que o regulamento visava controlar tanto o magistério
público quanto o particular, os mestres das instituições privadas também deviam observar
os mesmos procedimentos que os seus pares de profissão que trabalhavam nas escolas do
governo. Ou seja, os professores privados passavam pelos mesmos exames e se atentavam,
no mais das vezes, para as mesmas orientações endereçadas aos professores que atuavam
nas instituições públicas.
O controle implementado sobre os membros do corpo docente, aliás, não se resumia a
preocupações referentes ao perfil da conduta que supostamente deveriam apresentar dentro
e fora do ambiente da escola, tampouco ao que deveriam ou não ministrar em sala de aula.
Afinal, afora a prova de moralidade com a qual deveriam cumprir, todos os docentes
necessitavam também passar por outras provas específicas que comprovassem a sua
capacidade profissional, sendo estas aplicadas mediante a presença do Inspetor responsável,
a exemplo do que ocorria nos exames de moralidade. Ou seja, havia certa preocupação
quanto à qualidade dos serviços que seriam prestados pelos professores nas instituições
públicas ou particulares da Corte.
Quanto ao ensino em si, havia por parte do Estado também o interesse em organizar os
métodos que seriam aplicados nas escolas. O regulamento da Corte tratava a este respeito
no Artigo 73 ao afirmar que “O método do ensino nas escolas será em geral o simultâneo:
poderá todavia o Inspetor Geral, ouvindo o Conselho Diretor, determinar, quando o julgue
conveniente, que se adote outro em qualquer paróquia, conforme os seus recursos e
necessidades.”.
O método simultâneo, anteriormente indicado, era voltado, como o próprio nome sugere,
para o ensino e correção de vários alunos simultaneamente, o que poderia ser traduzido
numericamente numa quantia de cinquenta alunos ou até mesmo mais (LESAGE, 1999). No
entanto, estabelecer alguma ordem em meio a uma quantidade tão elevada de 50
alunos poderia ser desgastante. Portanto, para que as aulas pudessem transcorrer
adequadamente, o professor precisava agir com alguma rigidez, do contrário poderia perder
o controle sobre os alunos, inviabilizando o desenvolvimento das lições. O Regulamento
para a reforma do ensino primário e secundário do Município da Corte previa, inclusive,
que se o professor julgasse necessário, poderia fazer uso de meios disciplinares que o
ajudassem a contornar os possíveis entreveros ocorridos em sala de aula. Estes meios
disciplinares seriam: repreensão, tarefa de trabalho fora das horas regulares, outros castigos
que excitassem o vexame, comunicação aos pais para castigos maiores e, em última
instância, expulsão da escola, que deveria ser pena aplicada sob a autorização do Inspetor
Geral somente aos alunos considerados incorrigíveis.
A sugestão por esse método representava, em certo sentido, a busca por uma alternativa que
pudesse substituir o método que anteriormente era não só aplicado, como também
incentivado, pelas legislações: o método de ensino mútuo. Antes dos regulamentos
organizados por Couto Ferraz, o método de ensino mútuo, também conhecido como método
monitorial ou método lancasteriano – assim intitulado em função do seu formulador, o
inglês Joseph Lancaster26 – figurava recorrentemente em meio às legislações referentes à
educação, tendo sido considerado como a melhor opção para os fins de instrução por muito
tempo no Brasil oitocentista. Pelo que se pode indiciar por um aviso ministerial expedido
para as províncias do Império em 22 de Agosto de 1825, o próprio Imperador Dom Pedro I
se mostrava bastante favorável à utilização e propagação do método:
26 Jovem Quaker que, mesmo sem financiamento público, abriu uma escola em fins do século XVIII na
cidade de Londres. O método por ele adotado, e posteriormente popularizado, era baseado nas
experiências de ensino já orquestradas pelo escocês e ministro da Igreja Anglicana Andrew Bell. Ver
mais em: SANTOS-DE-ARAÚJO (2010).
“O Imperador, reconhecendo a grande utilidade que resulta aos seus fiéis súditos do estabelecimento de
Escolas públicas de primeiras letras pelo Método Lancasteriano, que achando-se geralmente admitidas
em todas as nações civilizadas, tem a experiência mostrado serem muito próprias para imprimir na
mocidade os primeiros conhecimentos” (BRASIL. Aviso n. 182 do Ministério do Império de 1825).
O método lancasteriano já havia obtido muito sucesso na Europa, em especial na Inglaterra,
onde havia sido criado, e na França, o que ajudava a explicar o seu avanço consistente sobre
algumas regiões da América nos primeiros anos do século XIX (GONDRA; SCHUELER,
2008, p.55). Uma das diferenças primordiais quanto ao funcionamento deste método residia
na forma com que os alunos eram administrados e aproveitados pelos docentes 51
durante as atividades escolares, isto porque alguns destes não participavam da aula apenas
como espectadores, mas sim como replicadores do ensino ministrado pelo professor. O
funcionamento se dava da seguinte maneira: a turma era dividida em vários grupos
menores, ficando cada um destes sob a direção daqueles alunos que apresentavam melhor
desempenho e que, por sua vez, passavam a ter a incumbência de instruir junto ao professor
os demais colegas de classe nas disciplinas ministradas na escola. Estes alunos cuja
responsabilidade era diferenciada eram denominados monitores, o que explica, enfim,
porque este método também ficou conhecido pelo nome de método monitorial.
Para que esses monitores pudessem efetuar o seu trabalho com precisão, precisavam ser
constantemente contemplados pelos professores, que tinham, por sua vez, a função de
orientar e ensinar as lições a cada um dos responsáveis pelo serviço monitorial. À vista
disso, estes agentes tinham que estabelecer um laço estreito para que a escola pudesse
funcionar a pleno vapor, sobretudo porque, em nível prático, as peças fundamentais para a
operação desta engrenagem eram os monitores, ou seja, aqueles que incondicionalmente
careciam de constantes direcionamentos (SANTOS-DE-ARAÚJO, J. 2010, p.91).
O método monitorial reconhecia também a figura dos inspetores, igualmente conhecidos
como monitores gerais, que eram sujeitos delegados pelos professores para o cumprimento
de algumas funções específicas, dentre elas a de entregar e recolher os utensílios de ensino
aos alunos e seus respectivos monitores de grupo (material escrito, fichas de exercícios com
respostas), vigiar o andamento das atividades, bem como indicar aos professores aqueles
que deveriam ser repreendidos por razão de alguma falha ou premiados em função dos seus
acertos. Aliás, o fato dos alunos, e mesmo dos monitores, serem alvos de reprimendas e
ovações demonstra como esse rígido sistema de controle era valorizado para fins de
manutenção da ordem escolar.
A valorização do bom comportamento – cumprimento das atividades, silêncio e atenção às
explicações – não era a única marca do método monitorial. Este também era distinto por
supostamente requerer baixo investimento financeiro, afinal, as escolas que o adotassem
precisavam, a princípio, apenas arcar com os custos salariais de um professor, visto que boa
parte do restante do trabalho seria desenvolvido pelos próprios alunos/monitores envolvidos
com o processo de aprendizagem. Supunha-se também que os gastos com mobiliário e
material seriam igualmente pequenos, o que contribuiria significativamente para a produção
de experiências escolares econômicas. De um modo geral as escolas precisariam de poucos
instrumentos, tais como: 52
“Bancos sem encosto e de tábuas simples, estrados de vários degraus para elevar a mesa do professor,
relógio para cronometrar as atividades, semicírculos feitos de arcos de ferro que podiam ser baixados ou
levantados conforme a necessidade, quadros-negros e telégrafos que permitiam a comunicação entre o
monitor geral e os particulares. Uma grande inovação é a substituição dos livros pelos quadros.
Inovação essa que além de trazer benefícios econômicos, também traz benefícios pedagógicos, por
facilitar a disposição e a leitura. Ainda havia O Grande Livro da escola, que primeiramente era utilizado
como registro de matrícula. Porém, ulteriormente esse livro foi utilizado para registrar a conduta
pedagógica da escola e o controle dos conhecimentos.” (SANTOS-DE-ARAÚJO, 2010, p.90)
Outro elemento que vale ser ressaltado era que as escolas que adotavam o método não
necessitavam de grandes espaços físicos para funcionarem – isto ao menos segundo o
discurso dos seus defensores – o que muito favoreceria o enxugamento de gastos. Ou seja,
seria possível atender um número enorme de alunos, podendo variar entre algumas dezenas
ou muitas centenas, e manter os investimentos estimados num valor que não inviabilizasse o
gerenciamento e a manutenção da escola. Assim sendo, o engendramento desse sistema
supostamente permitiria que uma quantidade elevada de alunos aprendesse lições de leitura,
escrita, aritmética, ou de outras disciplinas mais, sem a contração de grandes despesas e em
curto tempo, tudo isso graças ao uso agregado dos alunos no processo de aprendizagem,
bem como da aplicação de meios disciplinares rígidos.
A despeito da formulação de todo este conjunto de argumentos que visava convencer acerca
da validade da aplicação do método, alguns deles se mostravam não tão convincentes na
prática. Os valores necessários para o empreendimento se provavam por muitas vezes
elevados, visto que seria necessário produzir despesas com a construção de espaços amplos
dotados de ventilação adequada para a recepção de alunos, bem como com a aquisição de
materiais didáticos, tais como cartazes, figuras impressas, sinos, apitos, ardósias, dentre
outras coisas mais. Sendo assim, é preciso reconhecer que os supostos benefícios
financeiros que seriam obtidos e que poderiam motivar a aplicação do método mútuo
poderiam ser encarados também, a partir de outra determinada ótica, enquanto falsos. Cabe
aí, portanto, compreender que a forma através da qual esta questão é vista é afetada pela
maneira por meio da qual se enxergam os supostos ônus e bônus oriundos da aplicação do
método.
Quanto aos ensinamentos que deveriam ser ministrados, Lancaster considerava que o
aprendizado de leitura era o mais relevante dentre aqueles que poderiam ser trabalhados na
escola. Para ele, somente a partir do domínio da leitura é que os demais objetivos – tanto
educacionais, quanto sociais – poderiam ser definidos (NEVES, MEN, 2007). Para
Lancaster:
“[...] existem dois tipos de crianças que podemos encontrar em qualquer escola; aquelas que estão
aprendendo a ler e aquelas que já aprenderam. Para o segundo 53
grupo, a leitura não é uma lição, mas o veículo de instrução moral e religiosa. Já para os primeiros, uma
série de lições progressivas, evoluindo passo a passo até o ponto em que as crianças possam começar a
armazenar conhecimento em suas mentes, para uma vida futura. Este é o segundo objetivo da instrução e
aquele à qual as sequências de leituras conectadas com mecânica, ou outros objetivos que possam ser
aplicados na vida e com conhecimento religioso, um valor auxiliar.“ (LANCASTER, 1805, p.40 Apud
NEVES; MEN, 2007, p.2).
Graças ao conjunto destas características que o forjavam, o método orquestrado por
Lancaster parecia ser, tanto aos olhos da burocracia imperial quanto dos letrados, a melhor
opção dentre aquelas disponíveis à época (GONDRA; SCHUELER, 2008, p. 55). Afinal,
acreditava-se que por intermédio da sua aplicação seria possível promover um processo de
massificação do ensino, assim como guiar mais crianças às escolas. Como o Estado
projetava a maior difusão do ensino no intuito de propagar aqueles princípios os quais
julgava legítimos, e que supostamente conduziriam a nação à civilização, as inovações
pedagógicas lancasterianas soavam satisfatórias para este fim.
O incentivo pela adoção do método de ensino mútuo foi inclusive uma marca das primeiras
duas décadas seguintes à criação do Império brasileiro. A Lei Geral de Educação no Brasil
de 1827, que merece destaque nesse sentido, determinava no seu Artigo 4º que “as escolas
serão do ensino mútuo nas capitais das províncias; e serão também nas cidades, vilas e
lugares populosos delas, em que for possível estabelecerem-se.”. Em 1845 o concurso para
as cadeiras públicas de primeiras letras do município da Corte chegou a determinar que
após os concorrentes concluírem todas as provas pelas quais deveriam passar para fins de
comprovação das suas qualificações, precisariam ainda fazer “por último o exame da
prática do ensino-mútuo” (BRASIL. Decreto n. 440 de 10 de dezembro de 1845), o que nos
oferece uma demonstração de como este método pode ter sido considerado
pedagogicamente indispensável por bastante tempo na cidade da Corte. Outras
documentações, aliás, podem vir a indiciar esta mesma relevância para outras províncias e
capitais do país.
No entanto, vale ressaltar que na altura dessas primeiras décadas pós-independência o
método de ensino preponderante ainda era o método individual (SANTOS-DE-ARAÚJO, J.
2010, p.93), que não demonstrava ter as mesmas características que penderam para o
favorecimento dado ao ensino lancasteriano, o que ajuda a entender porque o primeiro foi
constantemente preterido pelas políticas públicas em favor do último ao longo das décadas
de 1820 e 1830.
O método individual, avessamente aos métodos simultâneo e mútuo, caracterizava-se, como
o próprio nome sugere, pela ação individual do professor para com cada um dos seus
alunos, o que acabava impedindo o docente de ter melhor controle sobre o conjunto amplo
das 54
ações que estavam ocorrendo na sala de aula, ocasionando, em decorrência disso, atos de
indisciplina sucessivos por parte dos estudantes (SANTOS-DE-ARAÚJO, J. 2010, p.87).
Neste método cada aluno ia separadamente em direção ao professor para receber as
explicações que deveriam ser utilizadas para o cumprimento das atividades que seriam,
posteriormente, concluídas de modo individual (LESAGE, 1999). Esta característica
configurava este método enquanto lento, o que não satisfazia os desejos da burocracia
imperial que pretendia explorar a instrução de maneira mais intensa. A progressiva
aplicação do método monitorial em substituto ao método individual era, portanto, bastante
pertinente.
O método lancasteriano, contudo, não era unanimidade. Em relatório apresentado à
Assembleia Geral Legislativa, na sessão ordinária realizada no ano de 1833 27, o Ministro do
Império Nicolau Pereira de Campos Vergueiro já dava as primeiras amostras do
esgotamento pelo qual passava o método diante daqueles que eram os principais
responsáveis pela sua propagação, chegando a afirmar que “o método do Ensino Mútuo não
tem apresentado aqui as vantagens obtidas em outros países”, complementava ainda
dizendo que “por esta razão o Governo está disposto a não multiplicar as Escolas, onde se
ensine por esse método, enquanto as existentes não se aperfeiçoarem” (BRASIL, Relatório
do Ministro Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, de 1833, p.13). Sendo assim, ainda que
o método monitorial tenha permanecido em evidência por alguns anos, figurando inclusive
numa série de legislações educacionais, ele foi paulatinamente perdendo a confiança de
alguns burocratas que não conseguiam enxergar na prática os benefícios que a aplicação do
método supostamente viabilizaria.
27 O relatório muito embora tenha sido apresentado à Assembleia Geral no ano de 1833, é referente ao ano de 1832.
O ensino mútuo, que já disputava espaço com os métodos individual e simultâneo, perdia
paulatinamente a sua hegemonia em meio às políticas públicas voltadas à instrução, a ponto
de não ser mais objeto de recomendação no Regulamento para a reforma do ensino
primário e secundário do Município da Corte, tampouco nos demais em que houve o
envolvimento direto de Couto Ferraz. Ao invés disso, o método simultâneo surgia como a
opção viável, muito embora não houvesse a proibição pela aplicação do ensino monitorial,
tampouco de qualquer outro método que não o simultâneo nas escolas públicas ou privadas.
Segundo Faria Filho:
“Com o decorrer do tempo, vai-se estabelecendo que o método simultâneo era o que melhor atendia às
especificidades da instrução escolar, permitindo a organização de classes mais homogêneas, a ação do
professor sobre vários alunos 55
simultaneamente, a otimização do tempo escolar, a organização dos conteúdos em diversos níveis, dentre
outros elementos.” (FARIA FILHO, 2000, p.142)
A despeito disso, o ensino lancasteriano continuou sendo operado em diversas instituições
escolares ao longo de todo o século XIX, o que, no entanto, no mais das vezes não foi o
suficiente para modificar a percepção dos legisladores a respeito da sua ineficácia nas
províncias do Brasil, tampouco o bastante para possibilitar que ele obtivesse fôlego para se
sustentar frente às mudanças da transição do Oitocentos para o Novecentos. As suas
características, contudo, ainda se fizeram presentes por algum tempo graças à utilização dos
chamados métodos mistos, que visavam, por sua vez, “ora aliar as vantagens do método
individual às do método mútuo, ora aliar os aspectos positivos deste último às inovações
propostas pelos defensores do „método simultâneo‟.” (FARIA FILHO, 2000, p. 142).
Pelo que podemos indiciar através da análise deste conjunto de legislações, e até mesmo de
trechos de relatórios ministeriais, o processo de produção de currículo orientado pelo Estado
– que certamente exerceu influência nas muitas escolas espalhadas nas províncias e cidades
do Brasil – foi longo e permeado de rupturas e continuidades. Para que pudéssemos
compreender melhor o currículo forjado pelo regulamento de instrução da cidade da Corte
do ano de 1854, foi necessário, portanto, que traçássemos paralelos entre este e os demais
regulamentos ou legislações contemporâneos ou precedentes ao mesmo, afinal, estes
regulamentos e legislações nos testemunham acerca da forma com que o Estado foi, ao
longo dos anos, instituindo padrões, formulando objetivos e projetando valores sobre a
instrução.
Ou seja, os elementos referentes aos aspectos objetivos do currículo, como a questão
disciplinar, a questão dos critérios de acesso, a questão do controle sobre os docentes e a
questão da implementação de certos métodos educacionais, estabeleceram profunda
conexão com outros aspectos menos formais referentes a intencionalidades, desejos de
propagação de valores, projeção de certos perfis de organização social baseada em aspectos
jurídicos, de gênero, dentre outros mais.
Sendo assim, as escolas do período, ou mesmo as iniciativas de instrução alheias ao formato
escolar, não encontravam no conjunto das legislações governamentais apenas elementos
para ancorar a organização e as atividades que conduziam, mas sim um conjunto de valores
que estavam subjacentes a instituição desses padrões formulados pelo Estado. No entanto,
uma vez que podemos encontrar distâncias entre as projeções do Estado e a forma com que
estes padrões são assimilados no cotidiano, não podemos afirmar que aquilo que foi
formulado enquanto currículo pelas legislações encontrava implementação idêntica nas
experiências educacionais, até porque os agentes ali presentes também formulavam seus 56
princípios, seus objetivos e seu corpo de intencionalidades com a instrução, o que pode ir ao
encontro ou de encontro àquilo que sobre eles é projetado pelo Estado. 57
CAPÍTULO 2 – POR MUITOS CAMINHOS: AS FORMAS DE ACESSO À
INSTRUÇÃO EM TORNO DO OITOCENTOS
AS FORMAS DE ACESSO ESCOLAR EM TORNO DO OITOCENTOS
“O século XIX pode ser caracterizado como o tempo de invenção e legitimação da forma escolar
moderna no Brasil, ainda que iniciativas nesta direção possam ser evidenciadas desde o período
colonial, seja por meio das iniciativas católicas, seja por intermédio das aulas régias” (GONDRA,
SCHUELER, 2008, p.82)
A preocupação da burocracia imperial em instituir regras e exercer maior controle sobre as
instituições escolares foi, até meados do Oitocentos, expresso, sobretudo, por intermédio da
criação de regulamentos para as escolas primárias e secundárias. Essa inquietude por parte
dos burocratas é um indício do quão importante era para eles a educação formal praticada
nas escolas, isto porque, como já previamente salientamos, a instrução deveria servir de
instrumento para a projeção do país, para a constituição de uma maior unidade dos
brasileiros em torno da língua nacional, bem como para a efetivação dos projetos almejados
pelo Estado e pela Igreja.
As escolas, no entanto, muito embora devessem servir como veículos dos conhecimentos
legitimados pela esfera pública, não precisavam necessariamente seguir rigorosamente os
mesmos padrões institucionais. Afinal, instituições públicas, particulares e religiosas, que
podiam funcionar em formatos distintos, tais como o de escolas elementares, internatos,
asilos, colégios, entre outros, dividiam espaço entre si nas malhas urbanas ou rurais do
Brasil e podiam apresentar suas especificidades no que tange aos seus objetivos, bem como
aos seus públicos, desde que estes aspectos não concorressem com as legislações vigentes.
No intuito de hegemonizar os padrões de moralidade do Estado e da Igreja, bem como no
objetivo de promover uma suposta regeneração social em meio às camadas mais
desfavorecidas, as escolas foram incentivadas a fazer aquilo que fosse necessário, assim
como dispor de todos os meios imagináveis, para a concretização de suas metas
educacionais, fossem estas a de simplesmente ministrar as disciplinas próprias ao curso de
primeiras letras para as crianças da vizinhança, fossem a de instituir trabalhos com forte
cunho assistencialista28 que pudessem seduzir a população indigente (GONDRA;
SCHUELER,
28 Paraentender melhor o comprometimento do Estado Imperial com as práticas assistencialistas ao longo
do século XIX ver o capítulo intitulado O Estado e sua Relação com o Assistencialismo no Século XIX
presente em MARTINS (2004). 58
2008, p. 69-75). Torna-se possível dizer, portanto, que naquela altura já se compreendia a
importância de haver escolas diferentes para pessoas com necessidades distintas.
Essa compreensão, todavia, não foi o suficiente para impedir o surgimento de dificuldades
no que tange ao avanço da malha escolar pública, afinal, os governos provinciais conviviam
com uma série de problemas de gestão que não só freavam os empreendimentos escolares,
como igualmente impediam o desenvolvimento de outros projetos organizados pela
administração governamental. (GONDRA; SCHUELER, 2008, p.88-91)
De todo modo, aquelas escolas que obtiveram algum sucesso nos seus intentos – ou seja,
que se mantiveram em funcionamento e que conseguiram concretizar ao menos algumas de
suas projeções educacionais – puderam atender parcialmente ao segmento da população que
reconhecia na instituição escolar um espaço relevante para os seus interesses, fossem estes
mais ambiciosos ou modestos. Esta valorização à escola por parte de populares se
desdobrou não por raras vezes, inclusive, na confecção de requerimentos em que os
interessados pela sua abertura clamavam ao poder público pelo atendimento dessa demanda.
Sendo assim, a escolarização não era apenas interesse do Estado, mas também de parte da
população brasileira, cujas fatias se espalhavam pelas províncias do Império, bem como
pela cidade da Corte.
A crença de que as demandas pela escolarização poderiam surtir efeito fez com que
indivíduos ou mesmo grupos inteiros se articulassem e unissem forças no intuito de obter
respaldo coletivo e apoio do poder público para a concretização do objetivo de possibilitar
acesso escolar para a população das mais distintas localidades. A este respeito, inclusive,
temos como exemplo a escola de primeiras letras para meninas da Freguesia da Ilha de
Paquetá no município do Rio de Janeiro.
Em documentação datada do dia 27 de fevereiro de 1841, o Ministro e Secretário de Estado
dos Negócios do Império, Antônio Carlos de Andrada Machado e Silva, fazia saber a
Majestade Imperial acerca do ainda presente interesse dos moradores da freguesia da Ilha de
Paquetá pela instalação de uma escola pública de primeiras letras para meninas na região, o
que os levou a enviar uma relação em que constavam os nomes das meninas livres de 6 a 11
anos de idade residentes na Freguesia, futuras beneficiárias da escola, mencionando ainda
as circunstâncias de seus pais, tutores ou protetores.
Este requerimento, bem como a relação a este anexa, seguiam a outra petição enviada a
pouco menos de três semanas antes, datada do dia 6 de fevereiro, em que a Majestade 59
Imperial era alertada a respeito da impossibilidade que havia por parte dos pais das meninas
daquela localidade de bancar aulas particulares para as mesmas, aulas estas oferecidas e
ministradas por uma mestra residente à região que supostamente não apresentava as
melhores qualificações para o cumprimento dos seus deveres enquanto docente, razão esta
pela qual peticionavam a criação de uma cadeira de primeiras letras para meninas na dita
freguesia. Para a anuência deste pedido feito ao poder público, o Ministro Antônio Carlos
de Andrada, responsável pelo envio formal do requerimento, fazia menção ao caso da
escola para meninos da região, aberta tempos antes também como resultado das demandas
dos mesmos moradores. Segue adiante a documentação na íntegra:
“O Governo Imperial criou para esta Freguesia uma Cadeira de Primeiras Letras para meninos; este
grande benefício reclamado há anos pelas circunstâncias de uma povoação onde há muita pobreza, e
crescido número de crianças, me parece dever ser extensivo ao sexo feminino de cuja educação tanto
depende o futuro da sociedade. Pelas listas de família vejo eu que existem 107 meninas livres
compreendidas na idade de 4 a 11 anos, a maior parte das quais nada pode aprender porque seus pais
ou tutores não tem mil réis para dar de mensalidade a uma Mestra, que aqui ensina a ler e escrever mal,
que não sabe contar. Movido pela compaixão que me causa a desgraça em que vejo tantas inocentes,
conto que Vossa Excelência se dignará tomá-las debaixo de sua alta proteção, implorando por elas a Sua
Majestade Imperial, a fim de que se crie nesta Freguesia uma escola de Primeiras Letras, onde possam
receber a instrução primária. Deus Guarde a Vossa Excelência.
Paquetá 6 de Fevereiro de 1841
Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor Antonio Carlos Ribeiro d‟Andrada Machado e Silva. Ministro e
Secretário d‟ Estado dos Negócios do Império
Antonio José de Medeiros Juiz de Paz”29
29IE 5 131 – Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (ANRJ).
As demandas dos moradores da freguesia da Ilha de Paquetá parece ter soado razoável ao
poder público, afinal, a carta seguinte, aquela remetida no dia 27 de fevereiro pelo Ministro
Antônio Carlos de Andrada, já parecia avançar até mesmo na questão da melhor localização
para o assentamento da escola. Segue também esta fonte adiante:
“Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor
Em cumprimento do aviso com que Vossa Excelência me honrou em 19 do corrente, com o maior respeito
transmito a Vossa Excelência a relação inclusa. Os mapas de família, mal descritos como são, privam-
me de apresentar este trabalho mais ajustado ao que dispõe aquele aviso; nenhum traz distinta a
qualidade de tutor; todos subordinam os seus pupilos ou agregados a inscrição – agregados – porque
assim se acham os mapas impressos, entretanto ele vai exato quanto a idade das meninas, circunstâncias
dos chefes de família.
O terreno desta ilha em geral é uma planície arenosa, abaulada no centro, o que faz com que as águas
desapareçam rapidamente da sua superfície, e que ele seja igual quanto a salubridade, abstração feita
dos morros, em que não há edifícios: isto posto parece-me que o lugar mais apropriado e cômodo para o
assento da Escola 60
de maneira que se faça acessível a todas as alunas vem a ser nas imediações da Igreja Matriz, que se
aproxima do ponto central da Ilha, sendo o mais habitado, em que mais facilidade haverá de achar-se
casa pronta para o fim, e de se munir do que necessitar da Corte a professora, visto que é aí o porto de
embarque e desembarque do vapor e das faluas a frente.
Servindo-se Vossa Excelência levar o exposto a consideração de S.M.I, se a pretensão for, como tenho
bem fundadas esperanças, benignamente acolhidas por Vossa Excelência, conseguirá esta Freguesia o
benefício de ter em si a mais importante instituição.
D. G a Vossa Excelência
Paquetá 27 de Fevereiro de 1841
Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor Antônio Carlos Ribeiro D‟Andrada Machado e Silva.
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império.”
Ainda que não tenhamos localizado o desfecho dessa articulação junto ao poder público por
intermédio de cartas posteriores a esta, coletamos indícios para nos assegurarmos de que os
requerentes obtiveram sucesso na sua empreitada.
Olhando atentamente alguns mapas das escolas primárias de primeiras letras da Corte e do
seu município – documentação responsável por oferecer o número de alunos matriculados
nas escolas públicas de primeiras letras para meninos e meninas em funcionamento na
Corte e no município do Rio de Janeiro – podemos perceber que neles se indica a existência
de uma escola para meninas localizada na Freguesia da ilha de Paquetá, instituição essa que
não existia anteriormente, a se observar os pedidos dirigidos ao poder público no ano de
1841. Os mapas escolares os quais interceptamos datam de 1846 até 1849, ou seja, o mais
antigo deles foi confeccionado no mínimo em algo em torno de cinco anos após o pedido de
abertura da escola enviado pelo Ministro Antônio Carlos de Andrada.
Segue adiante o mapa datado de 1846: 61