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Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
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Calil, Vera Lúcia Lamanno.
,r:157t Terapia familiar e de casal : introdução às abor­
dagens sistêmica e psicanalítica / Vera Lúcia L;\­
manno Cali]' -- São . Paulo ; Summus, 1987.
, ' (l'lovas buscas em psicote­
rapia. Série B, Novas buscas ; -".31)

Bi bliografia.

1. Famílias com problemas 2. Psicoterapia da I


família 3. Psicoterapia de casal 1. Tltulo. 11. Série. I

CDD-158.24
-616.89156
I 87-0975 NLM-WM 430

I ndices para Cá tálogb sistemático:


1. Casal: Psicoterapia : Medicina 616.89156
2. Família : Relações interpessoais ; Psicologia 158 ,24,
3. Psicoterapia d a família 616.89156
4. Psicoterapia de casal: Medicina 616,89156
5. Terapia familiar; Técnicas: Medicina 616.89156
.::i.

CAPíTULO 1

o modelo sistêmico
Todas as parles de lI/I! organismo formam um cir­
cuilo. Porrar,,'o, toda parle é começo e fim.
Hipócrates

1.1 PRINCíPIOS BÁSICOS

A idéia central dessa escola é ser o "doente", ou membro sin­


10mático, apenas um representante circunstancial de alguma· disfunção
no sistema familiar. Tradicionalmente o distúrbio mental se engen­
dra e se manifesta por força de conflitos internos; tem a sua origp.m
no próprio indivíduo. O modelo sistêmico, por outro lado, enfati?2
o distúrbio mental como a expressão de padrões inadequados de
interação no interior da família.
Mas, em que se fundamenta a terapia familiar sistêmica para
justificar essa concepção? Basicamente, na Teoria Geral dos Siste­
mas desenvolvida inicialmente por Von Bertallanfy nos anos 40 e
na ramificação dessa 1eoria, a cibernética.
Com base na teoria de Von Bertallanfy (1972), a família pode
ser considerada como um sistema aberto, devido ao movimento de
seus membrosdeniro e jora de uma interação uns com os outros e
com sistemas extrafamiliares (meio ambiente --:- comunidade), num
fluxo recíproco constante de informação, energia e material. A fa­
mília tende também a funcionar como um sistema total. As ações e
comportamentos de um dos membros influenciam e sirhultaneamente
são influenciados pelos comportamentos de todos os outros.
Esse conceito põe em relevo certas propriedades dos sistemas
abertos, fundamentais para a compreensão da organização e funcio­
namento da família. Destaca primeiramente a idéia de globalidade,
01.1 seja, toda e qualquer parte de um sistema está relacionada de tal
modo com as demais partes que, mudança numa delas provocará
mudança nas demais e, conseqüentemente, no sistema total. Isto é,
um sistema comporta-se não como simples conjunto de elementos
independentes, mas corno um todo coeso, inseparável e interdepen­
dente. Dessa maneira, "distúrbio mental", quando aparece, é parte
I
·1

integral das interações recíprocas entre os membros da família que pólogo e um dos pioneiros na compreensão do funcionamento da
família, a introdução de alguns conceitos da cibernética no entendi­
operam como um sistema total.
mento da comunicação patológica e de sua manutenção no interior
A segunda propriedade dos sistemas é o conceito de re:roali­ da família. Para Bateson, a família poderia ser análoga a um sistema
mentarão ou feedback. Se as partes de um sistema não . se somÔ.m homeostático ou cibernético. Cada família desenvolve formas bási­
umas "às outras, nem estão unilateralmente relacionadas. já que a cas, específicas de transações, ou seja, uma seqüência padronizada
. noção de globalidade contradiz esses tipos de relações, então, de que de comportamentos, de caráter repetitivo, que garantem a organização
maneira estão unidas? familiar e que permitem um mínimo de previsibilidade sobre a forma
Unem-se através de uma relação circular. A · retro alimentação de agir de seus membros. Considera-se que essas formas padroniza­
e a circularidade são o modelo causal para uma teoria de sistemas das e repetitivas de se comportar na família são governadas por
interacionais, ao q~al pertence o sistema familiar. Melhor explican­ regras. Regras que não são na sua maioria verbalizadas, mas. que
do, a família, segundo o modelo sistêmico, pode ser encarada. como podem ser inferi das a partir da observação das qualidades das tran­
um circuito de retroalimentação, dado que o comportamento de cada sações . na família. Regras que em parte são vinculadas aos valores
pessoa afeta e é afetado pelo comportamento de cada uma das outras de nossa cultura, mas que em grande medida se originam das vivên­
cias psicológicas do casal. Às vezes, elas representam simplesmente
pessoas. repetição de vivências que o casal teve em suas respectivas famílias
O conceito central dessa nova epistemologia é a idéia de cir­ de origem.
cularidade em oposição à idéia de· causalidade linear. A doença
mental, que tradicionalmente é pensada em termos lineares, histó­ A família pode, então, ser vista como um sistema que se auto­
ricos ou causais, seja dentro do modelo médico, seja do psicodinâ­ governa através de regras, as quais definem o que é e o que não é
mico, passa a ser considerada. com bases no modelo sistêmico, permitido. Estabiliza-se, equilibra-se em torno de certas transações
nentro da concepção· de circularidade. Nesta concepção todos os que ~ão a concretização dessas regras. O sistema familiar oferece
elementos de um dado processo (no caso da família, os membros em resistência a mudanças além de um certo limite, mantendo, tanto
interação) movem-se juntos. A descrição do processo é, então, feita quanto possível, os seus padrões de interação - sua homeostasia.
em termos de relações, informações e ·organização entre esses Existem padrões alternativos disponíveis dentro' do sistema, mas
::rlembros. qualquer desvio que vá além do seu limite de tolerância aciona me­
canismos que restabelecem o padrão usual. O mecanismo utilizado
No modelo clássico da ciência pura, a causalidade é considerada
na família para restabelecimento da homeostase é denominado retro­
linear. Causa e efeito são compreendidos quando as variáveis são alimentação negativa, ou feedback negativo.
alteradas gradualmente até que se isole o que produz um evento
específico. Contrariamente a essa noção de causa e efeito, a Teoria Por exemplo, a adolescência de um ou mais membros da famÍ­
Geral dos Sistemas formula que nós não encontramos essa ordem lia desequilibra o sistema. Nessa fase de desenvolvimento, a família
clara e nítida de causa e efeito, sem que a imponhamos artificial­ terá que modificar o que é e o que não é permitido em relacão ao
mente. Por exemplo, ·uma família pode considerar a agressividade adolescente. Se, no entanto, a tolerância do sistema familiar às mu­
de João como a causa dos problemas dela, mas a agressividade de danças é muito limitada, pode-se impor ao adolescente mais lealdade
João pode ser uma resposta à fuga da mãe, que por sua vez pode para com a família, acarretando-lhe inclusive sentimentos de culpa,
ser uma resposta à postura autoritária do pai em relação a João e graças à tentativa de manter inalterados os usuais padrões de inte­
assim por diante. O conceito de causalidade circular afirma, portanto, ração. O jeedback negativo terá, então, a função de manter o equi­
que um todo não possui começo nem fim e qualquer tentativa . por líbrio - a homeostasia do sistema familiar.
parte do terapeuta de transferir responsabilidade para onde o pro­ A essa concepção de· a família ser um sistema homeostátícü
blema começou é tão inapropriado como a atitude da família de opôs-se a noção de coerência, elaborada por Paul Dell (1982). Para
atirar sobre o membro sintomático a culpa de ser a fonte dos esse autor a família, como qualquer outro ser vivo, pode ser concei­
problemás . tualizada como uma entidade evolutiva capaz de transformações
f, a cibernética, entretanto, que oferece subsídios para melhor súbitas. Esses dois paradigmas de explicação do funcionamento da
entender as propriedades de retr6alimentação e circularidade do sis­ família, aparentemente contraditórios - um estático, mantendo o
tema familiar. Deve-se sobretudo a Gregory Bateson (1972), antro­ status quo familiar (homeostase) e outro , evolutivo, que conduz a

19
18
I.

~ família a transformações em seus padrões d~ interação - ' . sofreram O conceito . de homeostasia foi cunhado pela primeira geração
d . do tempo certa integracão, e hOJe parecem aceitos como de teóricos da terapia familiar sistêmica, mediante a observa cão de
no ecotrreralternantes do funciona~ento do ciclo de vida familiar. intensa obstinação em relação a mudanças úos padrões de interacão
momen os f . da família, mesmo quando isso significava a melhora de um · e~te
Ao lado da necessidade de se manter estável, a estrutura aml­
I liarrecisa também adaptar-se a mudanças .. Por ;exemplo,- quando amado. Além disso, foi observado que, se o membro sintomático
a fal~ília absorve um novo membro, este precisa adapta~-se as :egras apresentava melhoras, subseqüentemente um outro membro da fa­
do sistema ao mesmo tempo em que o sistema antenor ~era qu~ mília apresentava algum outro sintoma.
se modific~r para incluí-lo. Essa tendência de manter padroes, ~nt1­ Foi Don Jackson (1968), supervisor clínico e consultor psiq\.lÍá­
exer ~e sobre o novO membro certa pressão, que pode 1eva- o a trico do projeto sobre comunicação desenvolvido por Bateson e seus
gos . t '-' suas exigências até que o sistema familiar encontre um colegas, quem primeiro utilizou o termo homebstasia familiar. Ser­
aumen ar ' . t ' absorcão do
novO equilíbrio, diferente do existente antenormen e. ~ . , ' vindo-se de conceitos utilizados na cibernética, J ackson descreveu
novO membro. O mecanismo que lev,a o sist~ma familIar a tra~s~or­ a . família como· um sistema fechado de informações no qual varia­
- de seus padrões de transação e denommado feeclback pOSitiVO. ções no comportamento de um membro provocaria, através de um
macao . d - d · 'm novO
> Há uma série de eventos, tais como a IOtro uçao e L. . processo de feedback, modificação corretiva na resposta dada pelo
b o na família nascimento ou c(\samento, a perda por rr,t0rte sistema. Em outras palavras, quando uma pessoa apresenta mudança
mem r acão a ent;ada de um filho na adolescência etc., que eXigem em relação a outra, esta outra atuará sobre a primeira de forma a
~~o::;~rz;Cã~ nas formas de .transação, a fim de. se estabelecer novO diminuir e modificar a mudança que foi apresentada. Entretanto, a
não aplicação desse conceito 8. fenômenos de crescimento, mudança
eq uilíbrio 'que garanta a sobrevivência da família.
E importante ressaltar neste momen to que estabilidade. ou. e criatividade na família, leva à elaboracão do conceito de transfor­
Tb '0 do sistema familiar não significam necessaname?te salll­ mação, igualmente subsidiado pelo camp~ da cibernética.
~~~~ 1 ~~ nificam apenas um modo de interação, que p.e~mJte a so­ O conceito de transformação significa que o sistema deve mudar
.' gc· da família A família pode tambem equilibrar-se em
A

b revlven 18 .
sua estrutura, e isso se faz possível através de feedback positivo.
torno de padrões disfuncionais. . _ .. . ando
Melhor explicando, na manutenção de um sistema ' familiar está pre­
Q uan d o existem obstácu10s à transformaçao, Tb ou seja, 9u , . sente uma cadeia de jeedback negativa - que não promove mudan­
'0 na fam\ba
existe dificuldade de se reorganizar um novo eql11 I n . . .. .. . ' ças. Por outro lado, na transformação de u;n sistema familiar deverá
vê-se freqüentemente que as transações existentes e:am ~ISfu.~Cl~nal~~ existir seqüência de feedback positivo, no sentido de ampliar desvios
É em geral na ocasicio dos eventos marcantes do c1clo e VI a ~:?I IlOS padrões rígidos e imutáveis de interação que a família quer
liar que a disfunção vem ··à tona. E, muitas vezes, é nessas ocaSlOes manter. Esse conceito envolve a noção de que somente quando um
que o terapeuta familiar é procurado. ,... membro da família, ou algum evento, faz com que haja um desvio
1Jm sistema familiar disfuncional mantem ngldamente o seu das normas da família, o sistema familiar pode produzir novas in­
status quo interacional, mesmo ~uando uma mudança em suas formações e evoluir para novas estruturas. Dessa maneira, o com­
regras é essencial para o desenvolvimento d.e. seus membros ou p.ara portamento sintomático enfatizado até então por Don Jackson e seus
a adaptacão a novas condições -extrafamlhare~ .. V ~mos tornai _o colegas, como mantenedores da homeostasia familiar, passa também
exemplo de uma família cu)o pa~ precisa ser hospltall 7ado e a mae a ser considerado como desvio que pode levar à desorganização do
necessita fazer-lhe companhia, deixando, portanto, o CUidado da casa sistema e sua subseqüente mudança .
e dos filhos mais novos à filha mais velha. Nesse caso, vemos que a
. família se organizou,· se reequilibrou ao redor _de um ~vento novO.
Entretanto, assim que o pai se restabelecer a n;~e d:vera retornar. ao 1.2 - FAMíLIA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL
papel de esposa e mãe. Se, no entanto, a famlha nao se reorgamz~r
a partir dessa nova mudança e a !il~a co!:tinuar no papel de ma~ Ao conceituarmos famílias, faz-se necessário avaliarmos também
para os irmãos e talvez para a p~opna mae ou mesmo para o p3!, os processos interacionais dentro de e entre todo~ os níveis de orga­
temos aí rigidez para transformaçao. nização social. O sistema da família nuclear participa de um pro­
Homeostasia e Transformação são, portanto , os processos bási­ cesso de influência recíproca com outros sistemas humanos (a
cos de manutenção da família e, por isso, é importante ressaltar família extensa, trabalho, escola, subculturas religiosas, raciais etc.)
brevemente o desenvolvimento de tais conceitos. e pode ser considerado · como subsistema de um supra-sistema (co­

21
~munidade). Além disso, a família nuclear possui também sua própria ~ntr;. a f~mília ~ . o ~e~o ambiente é característica, por exer,lplo, das
~ml las e esqUlzofremcos, onde as trocas com o meio ambiente são
suborganização .- os subsistemas.
via de regra, escassas. São famílias fechadas ao contato externo_ '
No interior de uma família nuclear intacta encontramos _ os
subsistemas dos pais, dos esposos, dos filhos e dos irmãos. Cada um _ P?r .ou~ro !ad.9' se houver permeabilidade total nas fronteiras
desses subgrupos possui tarefas específicas dentro da família. Por nao .ha dlfelenclacao entre as partes envolvidas e oco ' d· d '
exemplo, cabe aos cônjuges funcionarem juntos no que concerne a identidade dos s~bsistemas envolvidos Famílias de ~rera. p~r~ a. e
tomar decisões, preencher necessidades de interdependência também nos fornecem exemplos dessa ·situacão Em s sq~IZtO .reOlcos
bretudo t - flh ' ,. eu 10 enor, so­
sexuais e muitas outras necessidades que um casal possua. Ao sub­ f _ e~ ~e m~~ e I o, e freqüente o estado de indiferenciacão
grupo composto · pelos pais, juntos, e através de um relacionamento con usa o e papeis e ausência de autonomia. > ,

individual comcadFl um dos filhos, cabe ensinar cuidados físicos, O es~ado ideal das fronteiras é, portanto, a semipermeabilídade
ensinar relações bmiliares tais como desenvolvimento de amor, res­ que permtte trocas ao mesmo tempo em que garante dif . -'
dos sub· t d b · erenCIacao
peito à individualidade, solidariedade, desenvolvimento das caracte­ S~IS ema~ . e os . mem ros que os compõem. Naapresenta~ão
rísticas psicológicas de cada sexo e reflexões sobre os sentimentos da. terapia fam~har estrutural discutiremos com mais detaThes o ' ­
de inveja e ciúme. Cat:e também aos pais ensinar atividades produ­ celto de fronteiras. . con
tivas e recreativas, ensinar o desenvolvimento profissional, e como
Jormar e consolidar uma nova família.
O subsistema dos filhos, por outro lado, erivolve apoio mútuo 1.3 - FAMíLIA E CONFLITO
e o brincar e competir entre os irmãos. Além disso, com o início
da alfabetização os filhos começam a transmitir aos pais ensinamen­ pjfere~ças individuais quanto às percepções e necessidades são
tos trazidos da escola . Tal situação se amplia na escola secundária qua.h~ad~s .merentes a relacionamentos. Cada indivíduo ocupa uma
e também através de participação em outros ambiente~, nos quais os p~s.lçao UnIca no mundo, no que diz respeito à sua composicão ge­
adolescentes vão aprendendo noções relacionadas com o progresso n.etIca, temp~r.amento, história, idade e associação com os diversos
científico. A partir da primeira juventude, a relação ensino-aprendi­ slste.mas soc~al~. Cada pessoa é fonte de percepções, crenças e ne­
z'!gem se dá igualmente entre pais e filhos·, como é de praxe em ceSSidades
• , UOlcas num determinado ·1m omento • E ssas d·f I erencas
tldo relacionamento humano. mtnnsecas nas. percepcões" crencas
, e . necess·l·dades do 10 '
. d·IVl'd uo em
Cada família, no entanto, possui organização e estrutura espe­ contexto relaclOnal formam, no entanto, as bases do conflito na
cíficas dependendo da forma como seus subsistemas interagem entre família.
si e com os sistemas cdmUnitários. As interações que ocorrem entre l!ma família funcional. conta com forte aliança entre os pais,
os subsistemas, seja no interior da família, seja entre a família e o q u,e lidam com seus. confl! tos através . de colaboração e satisfacão
meio ambiente, dão-se, contudo, nos limites ou fronteiras de cada mutua de . suas neceSSidades . Os côn]·uges sa-o fI eXlvels
' . em sua manei-
' .
subsistema. Considera-se que cada subsistema da família tem caracte­ ra de hd~r com o conflito, utilizando diferentes métodos em mo­
rísticas específicas quanto . à · sua natureza e funções, as quais estão n:ento~ ~Iferentes. Podem, por exemplo, discutir um · ponto de
vinculadas aos valores de nossa sociedade e cultura. dlvergenCla para achar novas alternativas, diferentes daquelas pos­
Cada subsistema possui uma delimitação própria, um contorno tuladas por c~da um deles com relação ao conflito. Podem chegar
prúprio que se desenvolve na dependência de suas interações ou a uma soluça0 em concordância mútua, ou mesmo se · revezar
trocas com os demais subsistemas familiares. Para que se mantenham deIPer:de?do ?~ ~ssunto e do momento, para que seja alcancada um~
as características e diferenciação de cada subsistema, as fronteiras re açao 19uahtana. >

que os delimitam têm que ser resptdtadas. As fronteiras garantem


Além disso, . em s~as. funções de pais existe o apoio da autori­
essa diferenciação. . d~de de cada um dos conJuges com relação aos filhos. Os pais pddem
Os subsistemas existentes no interior da família poderão exer­ dlsco:dar abertamente quanto a assuntos relacionados à educacão
cer suas tarefas específicas quando houver permeabilidade nas dos fIlhos, mas essa discórdia não inclui O filho no papel de "juiz~l.
fronteiras que os delimitam~ Se não houver permeabilidade, a inte­
ração ou troca não é· possível e o sistem3 empobrece por falta de Em q~alquer r~lacionamento · duradouro - seja ele relaciona­
informação. A ausência de permeabilidade na fronteira existente mento mantal, relaCIOnamento entre pai e filho, a família como um

- .', 23
• todo ou relacionamento da família com outros sistemas sociais alienada em relação ::to outro, Além disso, os pais desvalorizam ou
pod~mos, contudo, encontrar estilos persistentes de conflitos sub­ anulam a autoridade um do outro com relação à criança, Tipicamen­
mersOs e, portanto, não resolvidos. Conflitos submersos no casamento te, os pais se revezam encarando a criança ou como sendo "má", e
podem, por, .exemplo, .lev~r. à distância emo~i~nal e} soli~ão,,,ã -­ necessitando ser "punida", ou como sendo "doente" e necessitada de
disfuncão Ílslca ou pSlcologlca de um dos conJuges ( o pacIente ) "cuidaçlos", Cada um dos pais, contudo, possui opinião oposta em
com u'ma hiperfunção correspondente por parte do outro cônjuge, momentos diferentes, Nesses casos, a coalisão cross-generacional
"o que cuida" e "toma conta"; envolvimento triangular de uma altera constantemente, de mãe-criança para pai-criança e vice-versa.
pessoa extrafamiliar no conflito marital, como uma aventura amo­ Entretanto, não existe uma aliança parental forte em relação à edu­
rosa; um terapeuta ou a polícia e/ou um envolvimento triangular cação da criança,
de uma ou lT'3is crianças nO ,conflito marital, geralmente resultando d - Coalisão' cross-generacional rígida. Neste padrão de trian­
numa disfun;ão na criança. gulação; um dos pais e a - criança formam um pacto especial, pelo
Encontr2ffios, freqüentemente, em famílias disfuncionais o en­ qual existe uma aliança consistente entre eles contra a outra figura
volvimento de uma ou mais crianças no conflito marital, o que serve parenta!. A autoridade do pai/mãe periférica é constantemente des­
geralmente para distrair a atenção dos pais de um conflito não valorizada, enquanto a coalisão entre a outra figura parental e a
resolvido. A criança triangulada torna-se, então, emaranhada, fun­ criança domina a vida familiar. O pai periférico pode se distanciar
dida com um ou ambos os pais, e as fronteiras generacionais são cada vez mais da vida familiar ou, então, competir com a criança
rompidas. Tipicamente, os pais e a criança tornam-se altamente rea­ pela atenção do outro, mas - quase nunca consegue possuir status
dentro da família. Por outro lado, um pai hiperenvolvido pode
tivos emocionalmente uns com os outros, _existe uma excessiva de­
formar com a crianca um relacionamento semelhante ao de "côn­
pendência mútua, e a autonomia dos pais e da criança é severamente
juge", com alto ;ível de dependência mútua e baixo nível
limitada. É importante ressaltar que a criança não é uma vítima
recíproco de autonomia. Nesses casos, freqüentemente encontramos
passiva da situação. inversão de papéis, ou seja, a criança como uma figura parental para
Green (1981) nos fornece um sumário elegante de for:.oas espe­ seu pai ou sua mãe.
cíficas de triangulação da criança com a família:
a - A criança superprotegida. Os pais se unem para eliciar 1.4 FAMIL1A E COMUNICAÇÃO
disfunção (incompetência física ou psicológica) na criança, que _se
torna então o receptáculo de proteção, cuidados e preocupação ex­ A teoria da comunicação elaborada com base em pesquisas de­
cessiva dos pais. A aparente "doença" ou "fraqueza" da criança senvolvidas por Gregory Bateson, Jay Haley, Don Jackson e Weak­
desvia a atenção dos pais de seus conflitos conjugais. E os pais land é uma outra dimensão fundamental da teoria sistêmica familiar.
unidos "ajudam" a incompetência ou disfunção da criança, Os pesquisadores estavam a princípio interessados em estudar a comu­
nicação em seus aspectos mais amplos, dando especial enfoque aos
b - O bode expiatório. Os pais e a criança se unem para eliciar seus paradoxos. No decorrer do projeto, chegaram à conclusão de que,
um comportamento de acting out por parte da criança, geralmente especialmente no que diz respeito à comunicação humana, não existe
agressão, atuação sexual, não acomodação às regr;as e/ou irresponsa­ uma mensagem simples. Pelo contrário, as pessoas constantemente
bilidade. A criança torna-se, então, o alvo de tentativas agressivas enviam e recebem uma multiplicidade de mensagens, através de
por parte dos pais, para reformar, disciplinar, punir e controlá-la. canais verbais e não-verbais, e essas mensagens necessariamente mo­
A aparente "ruindade" da criança desvia a atenção dos pais do con­ dificam ou capacitam umas às outras (Weakland, 1976). Esse con­
flito marital, na medida em que os pais se unem para controlar e ceito enfatiza então que, quando duas ou mais pessoas interagem,
reformar a criança "ruim". elas constantemente reforçam e estimulam o que está sendo dito e
c - Competição entre os país. Neste caso, a criança é pressionada feito, de tal forma que o padrão de comunicação dos participantes
agressiva ou sedutoramente a tom?r partido no conflito marital, de uma interação define. o relacionamento entre eles. Dessa maneira,
freqüentemente para decidir quem está certo oU errado no conflito. padrões típicos quanto às regras, reações circuiares e redundâncias
O que quer que a criança diga ou faça, ela é vista por um dos pais na utilização da linguagem ocorrem na comunicação entre pessoas.
como sendo leal e, pelo outro, como sendo desleal. A criança passa De acordo com essas formulações, a importância de uma men­
a acreàitar que estar próxima de um dos pais significa também estar sagem não está, então, vinculada somente a uma questão de signifi­

25
~cado, mas à , influência que ela ' exerc_e no comport~me~tb, nas atitu­ As comunicações simétrica e complementar possuem, ambas,
des das pessoas em interação. Padroes de comUOlcaçao podem ser um potencial patológico. Numa interação simétrica saudável os par­
tão constantes que, quando ocorre qualquer , mudança mesperada, ceirossão capazes de se aceitar mutuamente tais quais são, levando
existe urna contradição trazendo-a de volta ao usual. ao respeito mútuo e à confiança no respeito do outro, o que equi­
J ackson (1968) desc-:-eve três modalidades básicas de comunica­ vale a uma confirmação realista e recíproca de seu respectivo Eu.
ção entre duas pessoas: a complementar, a simétrica e a recíproca. Quando uma relação simétrica se desintegra, sugere Watzlawick
et aI. (1985) , habitualmente observa-se a rejeição mais do que a
Essas modalidades de comunicação são baseadas nos ciclos de desconfirmacão do Eu do outro. Por outro lado, nas comunicacões
interacão auto-reforçadores observados por Bateson (1935) na Socie­ complement~res pode haver a mesma confirmação recíproca, sal~tar
dade 'Iatmul, na Nova Guiné. Nessa sociedade, Bateson observou e positiva. Mas as patologias das relações complementares são muito
que as ações de A provocaram uma resposta de B que, por sua vez, diferentes e tendem a equivaler ' mais à desconfirmação do que à
causavam urna resposta ainda mais intensa por parte de A. Esses rejeição do Eu do outro . Portanto, esta última é mais importante
ciclos foram esquematizados corno pertencentes a duas , categorias. sob o ponto de vista patológico do que as lutas mais ou menos aber­
Urna dessas ca tegorias foi denominada por Bateson corno "simétrica", tas nas relações simétricas. Para Jackson (1968) uma mistura equi­
significando que os comportamentos de escalação de A e B eram librada das relações simétrica e complementar, ou seja, uma intera­
essencialmente caracterizados por igualdade e minimização da dife­ ção recíproca é preferível, pois permite mais flexibilidade . Essas
renca, corno ocorre no caso de rivalidade e competição. O outro duas modalidades básicas de interação devem, portanto, estar pre­
tipO' foi chamado "complementar"; devido ao fato de as ações auto­ sentes em mútua alternação ou operação em diferentes áreas.
aeradoras basearem-se essencialmente na maximalização da diferença,
~omo acontece, por e,xemplo, no ciclo de dominância-submissão ou Qual seria, então, ' o mecanismo que permite alteração de uma
ajuda-dependência. O tipo de distúrbio marital resultante. de uma modalidade de comunicação para outra?
interação, na qual um dos , cônjuges é extremamente dommador e Em suas pesquisas antropológicas, Bateson observou uma variá­
o outro muito complacente, é ilustração típica de comunicação vel de importância crítica na sociedade Iatmul: a intensa rivalidade
complementar. . entre os diversos clãs. Na ausência de qualquer estrutura hierárquica
para resolução de conflitos, o equilíbrio de potências existentes entre
Jackson (1968) reconhece que tanto a comunicação simétrica os vários clãs deveria ser mantido. Se qualquer clã tivesse uma pe­
como a complementar podem ser encontradas em interações saudá­ quena vantagem, essa deveria ser neutralizada antes que uma esca­
veis, mas podem também tornar-se rígidas e produzir distúrbios. lação fosse iniciada e ficasse fora de controle. Ou seja, uma escalação
Urna escalação simétrica, se levada a extremos, pode resultar em simétrica deveria ser substituída por uma complementar. Como esta
rejeições mútuas constantes. Essa escalação, quando patológica, fina­ é incompatível com a primeira, essa substituição eficazmente impede
liza somente quando um ou ambos os parceiros se tornam física ou o desenvolvimento de uma escalação simétrica e mantém o status
emocionalmente exaustos o tempo necessário para que possam tornar quo da sociedade. Por outro lado, a manutenção de complementari­
fôlego e, então, recomeçar a cadeia de rejeição recíproca. Watzlawick dade pode levar ao desenvolvimento de escalação simétrica, manten­
et aI. (1967) analisam os argumentos estereotipados de George e
do dessa maneira um ciclo auto-regulador. Qúando, no entanto, a
Martha na peça "Quem tem m'e do de Virgínia Wolf?", escrita por
alteração de escalação simétrica para complementar e .vice-versa não
Edward Albee, corno exemplo típico desse padrão de comunicação. é capaz de controlar o escalonamento de hostilidade ' e a genuidade
Urna seqüência rigidamente complementar é, por outro lado, entre os clãs, pode ocorrer uma divisão na sociedade. Como foi
exemplificada por casais sadomasoquistas, embora seja comum em observado por Bateson, nos latmul, todas as vezes que ' as tensões
muitos outros tipos de distúrbios maritais. Essa forma de comu.ni­ aumentam acima do limite , um grupo poderá desligar-se do resto
cacão é tida como mais patogênica do que a outra, por causa da para formar sua própria tribo . As tendências dos Iatmul de se expan­
co~stante desconfirmacão do Eu de ambos os cônjuges. Cada um direm através de proliferação de pequenas ramificações, cada uma
deles precisa "encaixa'r" a definição do seu Eu de tal modo que delas assemelhando-se à socieda<;le original, mas não conectada a ela,
complementará o Eu do outro. Essà modalidade de interação pode são, no entanto, o mecanismo através do qual a sociedade sobrevive.
ser eficaz se um dos parceiros estiver temporariamente doente ou Mecanismos de auto-regulação que não provocam mudanças mas
dependente do outro, mas quando é estabelecida rigidamente não somente mantêm o status quo podem , ser uma faca de dois gumes,
permite mudanças e crescimento. pois implicam num enfraquecimento do grUpo devido à perda de

27
flexibilidade. Isso significa que cada padrão de comunicação pod;~ A mãe apresenta um comportamento afetivo, um convite à
estabilizar o outro sempre que um desequilíbrio ocorre em um deles, aproximação e a criança então reage a esse convite tornando-se mais
e também que não só é possível, mas necessário um relacionamento próxima de sua mãe. Essa aproximação do filho, no enumto, gera
simétrico em algumas áreas e complementar em outras. Os meca­ ansiedade na mãe pelo seu temor de uma relação excessivamente
nismos auto-reguladores podem também provocar enfraquecimento Íntima . E1a necessita, portanto, se distanciar do filho, mas não
da díade ou do grupo, necessitando, portanto, que ocorram mudan­ consegue aceitar esse seu ato hostil em relação à criança. Ela então
cas de outra ordem, mudanças que favoreçam transformação do sis­ nega sua hostilidade e, simulando afeição, diz: "Vá para a cama,
tema. Nos latmul, ocorre transformação quando há o aparecimento filho. Você está muito cansado". Essa comunicação tem na verdade
de UI0.a nova tribo . a intenção de negar um sentimento que poderia ser comunicado da
À medida que essas idêias foram sendo elaboradas, o projeto seguinte maneira: "Saia da minha frente, pois estou cheia de você".
de comunicação liderado por Gregory Bateson ampliou seu campo Se, no entanto, a criança discriminar os sinais metacomunicati­
de investigação, estendendo-se para a área clínica. Foi . então exami­ vos da mensagem enviada pela mãe, terá que encarar o fato de que
nada a comunicação em famílias que apresentavam um membro sua mãe não a quer e que, por detrás da atitude afetiva, sua mãe a
esquizofrênico, especialmente pacientes adultos jovens e seus pais. está na verdade enganando. Portanto, a criança seria "punida" ao
Dessa pesquisa advém o conceito de . "vínculo duplo", que poderia discriminar corretamente a mensagem emitida por sua mãe. É melhor
também ser traduzido como coação dupla, entrave, impasse, contro­ então aceitar a idéia de que está cansada, do que admitir que sua
le ou nó. mãe a está enganando.
Resumidamente, esse conceito implica em que toda mensagem Aceita r o amor simulado da mãe como sendo real não oferece,
P9ssui dois níveis de comunicação: o Nível de relatório que envolve contudo solucão à crianca ... . A falsa discriminacão leva o filho a se
a informação enviada e o nível metacomunicativo que ' envolve a
, ~ . ...
aproximar da mãe , o que provoca nela ansiedade, medo e necessi­
transmissão da mensagem sobre a informação. Esses dois níveis
dade de rejeitá-lo. Por outro lado, se a criança se distancia de sua
podem ser congruentes ou incongruentes. Por exemplo, a mãe que
exige que seu filho pare de brincar com a caixa de fósforos, ao mãe, esta pode perceber essa atitude como confirmação de sua hos­
tilidade e rejeição, levando-a a "punir" o filho, ou então, a simular
mesmo tempo em que tem em sua face uma- expressão feliz e rela­
afetividade . A criança então se aproxima da mãe, mas esta coloca-a
xada, está se comunicando com o filho de tal forma que a m~nsagem
à distância.
metacomunicada (transmitida pelo seu olhar feliz e rela~ado) con­
tradiz a mensagem relatada (o desejo de que o filho pare de! brincar Resumindo, o filho é punido se discrimin ar corretamente a men­
com a caixa de fósforos). A contradição nesses dois nívtis de comu­ sagem da mãe e é também punido caso discrimine incorretamente.
nicacão leva à confusão e imobilidade. A crianca fica' na incerteza Essa criança está presa num vínculo duplo.
sobr~ a qual dos dois níveis de mensagem trans'mitida por sua mãe Para escapar dessa situação o pai pode ser solicitado, mas não
deverá responder . é capaz de intervir na relação mãe-filho e de apoiar a criança face
Para que o vínculo duplo resulte em. :>l;rJO distúrbio, ele precisa às contradições utilizadas. Ele está também numa posição difícil,
ocorrer no contexto de um relacionamento que sej~ significante para pois, se concordar com o filho sobre a atitude enganosa da mãe,
ambos os participantes, e no qual é vitalmente importante que se terá que reconhecer também a natureza de seu próprio relaciona­
discrimine claramente que tipo de mensagem está se!1do comunicado. mento com ela . Além disso, mães que apresentam as características
r:: necessário que sejam constantemente transmitidas me!1sagens em de personalidade acima descritas sentem-se ameaçad3s por qualquer
dois níveis diferentes, sendo que um desses níveis nega o outro. O outra relação íntima que a criança tente estabelecer, seja com a
indivíduo que recebe essas mensagens deve ser incapaz de comentar professora, mãe de um amigo. avó ou outra. Geralmente esses rela­
sobre a contradição existente entreelas. Dessa maneira, :c1ÉÍO haverá cionamentos são rompidos e é oferecido ao filho uma maior aproxi­
djscriminação correta, mas duas mensagens e subseqüentf'. . decisão mação, e quando ele se ' torna dependente de sua mãe, o vínculo
sobre a qual das mensagens responderá. duplo é novamente estabelecido .
No artigo intitulado "Toward a theory of schizophrenia" ,Ba­ De acordo com Bateson e seus associados, o esquizofrênico é
teson e seus colegas (1956) fornecem um exemplo claro de interação fruto dessa modalidade de comunicacão. Fruto de um contexto rela­
entre mãe e filho, que coloca o último num vínculo duplc. cional ameaçador, confuso e imobili;ante, levando o indivíduo cons­

28 . . -i 29
tantemente a confundir o literal e o metafórico. O único caminho ram fundamentalmente para o desenvolvimento da terapia familiar.
- encontrado pelo membro de uma família envolvida por longo perío­ Seu trabalho com famílias está elegantemente apresentado nos livros
do nesse tipo de comunicação pode ser o que leva à esquizofrenia, Conjoint Therapy e PeopleMaking. Em meados de 1960, contudo,
onde sua confusão pode ser expressa sem medo de atacar direta~ - ­ Satir e Ha1ey deixam o MRI. Virginia torna-se diretora de uma im­
mente aquele que o ataca. portante unidade para atendimento familiar nos EUA, enquanto
Haley muda-se para a Filadélfia a fim de colaborar com Minuchin
no desenvolvimento da terapia familiar estrutural, na Philadelphia
1.5 - O MODELO SIST1!MICO E AS ESCOLAS PRINCIPAIS Child Guidance Clinico
Minuchin começa a fazer parte do movimento de terapia fami­
Em 1952, Gregol'Y Bateson recebe auxílio financeiro para estu­ liar em meados dos anos 60, pesquisando e clinicando entre famílias
dar comunicação humana em PaIo Alto, Califórnia, no Hospital VA, de classe social baixa com filhos delinqüentes, na Escola Wiltury,
onde trabalhava como etnologista. As primeiras duas pessoas convi­ - em Nova York. No final dos anos 60, ele assume a diretoria da
dadas para trabalhar nesse projeto de pesquisa foram Tay Haley e Philadelphia Cliild Guidance Clinic, convidando para trabalhar em
To"hn Weakland. Em 1954, Don Tackson, supervisor do programa sua equipe Haley, Bráulio. Montalvo e Bernice Rosman. Outros
dos residentes em psiquiatria do hospital, começou também a parti­ adeptos do movimento da terapia familiar passam mais tarde a inte­
cipar do projeto de comunicação como consultor psiquiátrico e su­ grar a equipe de Minuchin, tais como Harry Aponte- assistente
pervisor clínico. social apontado em meados de 1970 para suceder Minuchin na
diretoria da Clínica, e que se tornou um especialista no trabalho com
O trabalho de Bateson, como vimos anteriormente, é central
famílias menos favorecidas - e Ron Leibman - psiquiatra infantil,
para o desenvolvimento das noções sistêmicas com relação ao com­
que habilidosamente vem desenvolvendo as idéias de Minuchin na
portamento humano. Talvez a mélhor demonstração disso esteja nos
área da medicina psicossomá tica.
artigos "The cybernetics of the seH", uma teoria sobre alcoolismo,
e "Towards a theory ofschizophrenia", onde descreve o conceito de I Podemos dizer que, adicionando aos conceitos sistêmicos for­
vínculo duplo. ­ I ­
I - mulados por Bateson e Tackson as noções estratégicas de Haley,
i
Mínuchin elaborou uma abordagem teórica e clínica concreta e
Pode-se então dizer que Bateson, antropólogo, e Tackson, psi­ I
I
simples, considerada como a orientação mais amplamente utilizada
quiatra, foram os primeiros a desenvolver conceitos sistêmicos em
a tualmente no campo da terapia familiar. Mais recentemente, Haley
relação ao comportamento humano, com a assistência e colaboração deixou a Child Guidance Clinic e vem desenvolvendo a terapia
de Haley e Weakland. ­ "i familiar estratégica, ampliando o trabalho iniciado por Milton
I
Em 1959, à medida que o projeto de Bateson começava a defi­ I Erickson . A morte de Don Tackson e a saída de Satir e Haley em um
nhar e à medida que o movimento de terapia familiar estava se ,
I
espaço de tempo relativamente curto tiveram conseqüências rele­
;
tornando nacionalmente conhecido, Tackson fundou o Mental Research vantes para o MRI. Imediatamente após a morte de Tackson, o Ins­
Institute (MRI). O projeto de Bateson só terminou oficialmente tituto debilitou-se e só mais recentemente, sob a liderança de
em 1962, mas durante esses três. anos de coexistência não houve Watzlawick, Weakland e Fish voltou a ser reconhecido _internacio­
nenhuma ligação formal entre o projeto e o MRI, embora tenha exis­ nalmente.
tido intercâmbio constante de idéias e pessoal entre os dois projetos. Os três clínicos, Watzlawick, Weakland e Fish, baseando-se
Tanto que, ao término da pesquisa em comunicação, Haley se vincula nas idéias de Bateson, Tackson e Haley, e no pensamento lógico de
ao MRI. Watzlawick, apresentaram uma monografia intitulada Change ­
tratado sobre o conceito de mudança em relação a sistemas humanos
Em 1959, ocorre outro evento importante para o movimento
da terapia familiar. Virginia Satir muda-se de Chicago para PaIo e à terapia familiar estratégica breve.
Alto. Em Chicago, Virginia trabalhava no Instituto de Psiquiatri" Em 1968, as idéias do grupo de Bateson passam a interessar uma
de Chicago e, na Califórnia, vincula-se ao Mental Research Institute psiquiatra infantil da Itália, Mara Selvini Pallazolli, que estava
colocando-se, portanto, no centro do movimento de terapia familiar. trabalhando há muitos anos com crianças anoréxicas. Desencorajada
com os resultados de seu trabalho e impressionada com a literatura
Guerin (1976) acredita que a -habilidade de Satir em sintetizar
sobre terapia familiar· apresentada pela equipe de Falo Alto, Palla­
idéias, sua criatividade em ensinar técnicas e seu carisma contribuí­
31
30
zolli decide descartar os elementos do pensamento psicanalítico e importância aos componentes paradoxais existentes nos conceitos de
adotar uma orientação puramente sistêmica. transformação e homeostase do sistema familiar. Dessa maneira,
Pallazolli organiza então o "Instituto para os Estudos da Família principalmente na Europa, encontramos cada vez mais uma
de Milão" e, após um processo inicial seletivo, O gruPQ passa a ser abordagem sistêmica eclética, visando a integração dos enfoques
composto por mais três psiquiatras: Luigi Boscolo , Giuliana Prata acima mencionados, já que, ao invés de se contradizerem, eles se
e Gianfranco Ccçchin. Essa equipe, trabalhando por um período de complementam.
dez anos, desenvolve como fruto de seus estudos e dados clínicos
uma abordagem familiar sistêmica, utilizada não só com famílias de
anoréxicos, mas também com famílias de crianças que apresentavam BIBLIOGRAFIA
distúrbios emocionais severos.
Bateso n, G.(1935), NaveI1, Stanford · Uni ve rsity Press, Califórnia, 1958 (ed.
o primeiro livro de Pallazolli, SeI! Starvation, publicado em re v.) .
1974, nos Estados Unidos, documenta a trajetória da sua abordagem Bateso n, G .; J ackson, D .; Haley, J. e Wea.\land, J. (1956) , "Toward a theory
terapêutica . Mas , só na {dtima parte do livro ela descreve sua mu­ of schizophrenia", em BelJ(tvioro! Science, J, 25 1-54.
dança do modelo psicanalítico para a epistemologia cibernética, for­ Bateso n, G. (1972) , Sleps 10 (11/ Ecology of mind, Ball antine Books, Nova
mulada pelo Grupo de Bateson. Um segundo livro , Paradox and York.
Couitterparadox , publicado também nos Estados Unidos em 1978, Dell, P. (1982), "Beyond homeostasis: toward a concept of coherence", em
foi escrito pelos Associados de Milão (como eles mesmos se identi­ Fami/y Process, 21:21-41.
ficam) e é atualmente a mais compreensiva descrição de seus traba­ Green, R. J. e Framo, 1. (1981), Family Thempy - Major Contribulions,
lhos e métodos. International Uni vers itics Press, Nova York.
No decorrer desses quase 20 anos de atividade · clínica, o Grupo Guerin, D. P . (1976), "Family Therapy: the firs l twenty five years", em
de Milão, embora influenciado pelo Grupo de PaIo Alto, evoluiu FUllli/y Therupy (ed.), P. J. Guerin, Gardner Press, Nova York.
para uma direção diferente da elaborada por \Vatzlawick e seus Jackson, D. D. (1%8), Tlte Mimges of Murriu!{e, W. W. Norton, Nova York.
colegas, criando uma abordagem terapêutica e teórica suficientemente Von BertalJanfy, L (1972), "General systems theory : a criticai re v iew".
distinta para ser considerada uma Escola com características próprias. em Syslems Behaviour (ed.), Beishon H. e Peters G., Open University
Na Europa, onde essa abordagem despertou grande interesse, prin­ Press, Londres.
cipalmente em alguns psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais do Watzlawick, P.; Beavin, J. H. e Jackson, D. D . . (J 985), Prugmeítiw da Comu­
Departamer,to de Críanças e Pais da Tavistock Clinic, Londres, o nicação Human a, Ed. Cul;rix, São Paulo.
termo "terapia sistêmica".Joi utilizado para descrever a Escola. Mais Weakland, J. (1976), "Co mun:cation theory and cli nicai change", em Fami/y
recentemente essa abordagem .. terapêutica tem sido mencionada, The rapy (ed.), P . J. Guerin, Gardner Press, N ova York.
mesmo na Europa, como sendo a Escola ou Grupo de Milão, numa
tentativa de diferenciá-la das demais, uma vez que a terapia estra­
tégica de Haley, a comunicacional de Satir, a estrutural de Minuchin
e a estratégica breve do Grupo do MRI são também fundamentadas
na teoria sistêmica . \
Descreveremos neste livro as abordagens Estrutural, Estratégica
Breve c do Grupo de Milão por acreditarmos serem as que mais
significantemente representam o pensamento sistêmico aplicado à
família. Existem mais semelhanças entre elas do que divergências,
pelo fato de todas elas terem como alicerce o mesmo corpo teóricc.
Cada uma delas, entretanto, ds mais ênfase a algumas formulações
teóricas específicas. A terapia estrutural, por exemplo, enfatiza a
organização social existente no sistema familiar, enquanto a estra­
tégica breve acentua os padrões de comunicação e como eles definem
relacionamentos humanos. O Grupo de Milão, por outro lado, dá

32 •
_I,
33
,
A indiferenciação dos subsistemas de uma família aglutinada
propicia também uma ou mais formas de triangulação (vide p. 22) .
Além disso, nessas famílias, devido ao envolvimento extremo entre os
. membros, mudanças no comportamento de um deles ou no relacio­
namento entre uma díade repercute em todo o sistema. Os diálogos,
CAPíTULO 2 via de regra, tomam-se rapidamente difusos pela intromissão de um
outro membro. Ou então, um membro da família pode ser colocado
A terapia familiar estrutural na papel de office boy, ' trazendo e levando mensagens para um ter­
ceiro. Conseqüentemente, em uma família aglutinada, um conflito
. Quando o pai é pai e o fiího ' é filho, quando o
que envolva uma díade pode estabelecer .uma cadeia de alianças que
irmão mais velho desempenha o papel de irmão mais
velho e o mais novo age de acordo com o papel
se altera dentro de toela a família . '
de irmão mais novo, quando o marido é realmente De modo geral, num sistema aglutinado, a diferenciação de seus
marido e a esposa é realmente esposa, então, existe membros e de seus subsistemas é extremamente pobre.' Os membros
ordem. . da família in trame tem-se constantemente nos sentimentos e pensa­
I. Ching
mentos do outro. A função das fronteiras de proteger a diferenciação
é danificada e, portanto, a individuação é radicalmente dificultada,
2.1 - NOÇÕES BÁSICAS levando a uma percepção indiferenciada do outro e de si mesmo.
O indivíduo perde-se no sistema.
Esta modalidade .terapêutica representa uma orientação familiar
Por outro lado, nas famílias desengajadas, caracterizadas por
que enfatiza a qualidade das fronteiras que delimitam a família e
seus subsistemas. Como foi mencionado anteriormente, a qualidade fronteiras excessivamente rígidas, não há conexões fortes entre os
das fronteiras que delimitam a família e seus subsistemas é determi­ membros, que pouco se relacionam entre si, Os membros de famílias
nada pelo padrão de interação entre seus membros. Isto é, uma ou subsistemas desengajados podem funcionar autonomamente, mas
seqüência de comportamentos padronizados, de caráter repetitivo , possuem inclinação para ausência de sentimentos de lealdade para
govemados por regras que definem quem participa em cada subsis­ com a família, ausência de interdependência e dificuldades em soli­
tema e de que maneira se dá essa participação: Em algumas famílias, citar ajuda de um ou mais membros ela família, quando isso for
a distância entre seus membros pode ser' quase inexistente e a dife­ necessário.
renciação dos subsistemas se prejudica, em conseqüência de frontei­ O sistema desengajado tolera uma ampla' diferenciação de seus
ras muito difusas. Oútras famílias podem desenvolver fronteiras membros, mas o estresse em um deles não atravessa as fronteiras
muito difusas. Outras famílias podem desenvolver fronteiras muito inapropriadamente rígidas, Somente um nív el de estresse bastante
rígidas e a comunicação entre seus membros fica então prejudicada. alto pode reverberar suficientemente forte, para ativar o sistema de
Esses dois extremos das características das fronteiras de ajuda da família. Inversamente, num sistema aglutinado, o compor­
um sistema familiar são classificados de aglut,inado e desengajado, tame;'!to ele um membro imediatamente afeta o outro, Estresse em
respectivamente. Essa abordagem terapêutica considera que todas as um membro reverbera fortemente atra vés das. frontéiras e ecoa
famílias situam-se em algum tempo entre esses dois' extremos. As rapidamente nos ' demais subsistemas.
operações nesses dois pólos opostos indicam áreas de possível dis­ Esses dois extremos de estrutura do sistema familiar causam
função do sistema. problemas quando mecanismos adaptativos são . evocados. A família
As fronteiras de uma família aglutinada são muito difusas, fracas
aglutinada responde a qualquer variação com intensidade e veloci­
e de fácil travessia. Tal situação resulta num funcionamento inade­
dade excessivas. A família desengajada, ao contrário, tende a não
quado das tarefas a serem executadas pelos subsistemas. Por exemplo,
responder quando isso se faz necessário e urgente. Por exemplo, os
o relacionamento do casal, ou seja ; suas funções de marido e mulher . pais de uma família aglutinada podem tornar-se excessivamente
em uma família aglutinada podem ficar reduzidas estritamente às preocupados porque a criança não quis jr à aula de natação, enquanto
execuções de funções parentais. Ou então, a criança pode inapropria­ os pais de uma família desengajada podem não ter preocupação
damente desempenhar o papel de pai ou mãe para seus próprios pais. alguma em relação à fobia escolar apresentada pelo filho.

35
· .

o terapeuta familiar es~rutural apóia tanto a. subsistência da aliança com um dos membros ou subsistema para reequilíbrio
in-dividualidade como a da mutualidade, e visa ac1arificar ou forta­ do sistema, . , .
lecer fronteiras difusas, ou então, a tornar mais flexíveis fronteiras
inapropriadamente rfgidas. As características das fronteiras do -siste­ alteração do· contexto ou efeito· do sintoma,
ma é que .orientarão as intervenções terapêuticas a serem utilizadas. designação de tarefas.
Mas, tais características não são imediatamente acessíveis ao obser­
Embora descri tas (Min uchin, 1982, 1981) separadamente, na
vador. É no processo de união coin a família que o terapeuta obterá
prática essas intervenções se justapõem e se complementam COm o
dados sobre a ~strutura familiar. Analisando os padrões de interação
objetivo de promover mudanças na estrutura familiar através de ação
nos quais ele t a família se encontram, c terapeuta poderá fazer durante a sessão.
um diagnóstico da estrutura do sistema e criar um novo sistema
terapêu tico. Tomemos como exemplo fragmentos de uma sessão conduzida
por Minuchine observada por nós através de vídeo-teipe.
Marido e mulher foram soliCitados pelo terapeuta para discuti­
2.2 - O PROCESSO TERAPÊUTICO rem sobre o silêncio . da esposa, ,Que constantemente leva- o marido
a reagir com raiva explosiva. Após curto diálogo, a mulher desiste.
Numa primeira entrévista, o terapeuta estrutural une-se ao sis­ Eles olham para o terapeuta sem saber o que fazer. O terapeuta
tema acomodando-se a ele. Essa acomodação envolve inicialmente a indica que devem continuar o diálogo.
man~tenção da· eÚruturá familiar tal qual· Ó terapeuta â . percebe .. '1
Por exemplo, numa família onde a mãe · desempenha um papel de EspOsa : - Eu. normalmente, não consigo competir com você
lideranca e controla a comunicacão com e entre os filhos, o terapeuta, em uma discussão (o marido olha para o terapeuta que
na pri~eira entrevista, també~l . se comunica com as crianças por lhe acena para ficar de frente para a esposa) .
intermédio da mãe, mantendo a estrutura da família. Ele acompanha Marido: ~ Eu acho que você deve tentar.
o conteúdo da comunicação e comportamento da família, cla~ificando
as respostas às suas perguntas, fazendo comentários ou eliciando Esposa: - Você· grita mais e muito mais alto do que eu.
ampliação de alguma afirmação feita pela família. . Marido: - Espere cinco minutos e tente: Mas, você também
O terapeuta, na primeira entrevista , evita confrontar ou desafiar não tenta com Linda (filha) . ..
o que foi dito, posicionando-se simplesmente como pessoa interes­ Terapeuta : - Concentrem-se somente em vocês dois por alguns
sada no problema vivenciado pela família. Além disso, ele mimetiza minutos. Tentem novamente.
o estilo da família. -O terapeuta torna-se mais vagaroso com as fa~
Marido: - Espere dois minutos e tente novamente.
mílias que estão acostumadas a pausas longas e respostas vagarosas.
Numa família jovial, o terapeuta torna-se mais extrovertido e jovial. Terapeuta (para a esposa): - Você não sabe o que fazer, não é?
Para Minuchin(1982), a função do terapeuta de família é ajudar Esposa: - Não.
o paciente identificado e a família, facilitapdo . a transformação Terapeuta (para o marido): - Neste momento ela está dizendo
(vide p. 18) do sistema familiar, e esse processo inclui três passos im­ que não sabe o que fazer. O que você irá fazer agora, para
portantes: o terapeuta une-se ao sis tema num papel de liderança, ajudá-la?
descobre e avalia a estrutura do sistema e, finalmente, cria circuns­
tâncias que vão permitir a transformação de sua estrut ura, ou seja, Marido:- Muitas coisas já foram tentadas.
a reestru turação do sistema. . Terapellta: ~ Converse COm ela agora, sobre suas tentativas e
As· intervenções que promovem reestruturação do sistema por que elas não funcionam.
incluem: Marido: - Nós conversamos sobre isso.
representação, Terapeu·ta: -- Mas ela disse que conversar não tem ajudado.
rearranjo espacial da família durante a sessão,
Esposa: - Não, ele (o marido) me paralisa. Ele me faz parar
intensidade ou escalonamento de estresse visando trazer à
de ser capaz de pensar. Eu não consigo pensar agora. Eu
superfície conflitos encobertos não resolvidos,
tenho certeza de que ele está certo.

36 37
,.

I
Marido: a que você disse é um exemplo clássico do que I [ural, a fim de promover escalonamento de estresse. No caso descrito
I
você costuma fazer. Do que sua mãe costumava fazer e, acima, . o terapeuta insiste em que . o casal mantenha contato face a
provavelmente, do que sua avó costumava fazer. face durante suas tent~tivas de . comunicação. Essa técnica, segundo
Esposa reage perplexa.
II os terapeutas estruturaIS, tem . ainda o poder de alterar um sistéma
paralisado . Se .um ~il.ho reclama . de :nodo evasivo sobre o compor­
Terapeuta: '- Eu acho que agora vocês estão no caminho certo.
Vocês não precisam mais de mim, no . momento. Continuem
! tamento do pai, solICItar que paI e fIlho conversem sobre isso, face
a face, enquanto o resto da família se posiciona fisicamente mais
e, se sentirem que estão sem saber o que fa zer, podem me afastada da díade, é considerado como bastante -eficaz, pois inten.
chamar . sifica a interação entre pai e filho e enfatiza problemas não resolvi­
a terapeuta senta-se em uma cadeira no canto da sala. dos entre si. Se marido e mulher nunca se confrontam, pois sempre
envolvem a sogra em suas discussões, solicitar à sogra que se posicione
a marido relata então como os silêncios da esposa o · afetam fisicamente afastada do casal, esclarece o que está acontecendo entre
profundamente. Eles continuam o diálogo sem a ajuda do terapeuta. eles, além de promover uma situação na qual o diálogo passa a
Nesse fragmento de sessão podemos observar que o terapeuta ocorrer sem interrupção de um terceiro membro.
seleciona e focaliza dificuldades que necessHam de solução. No caso O exemplo abaixo (Gorell-Barnes, 1981) ilustra claramente a
do casal descrito · acima, o terapeuta focaliza a ' dificuldade do côn­ movimentação do terapeuta e da família, com o objetivo de intensi­
juge em dialogar. No entanto, ao invés de solicitar ao casal para ficar a interação do casal, ao mesmo tempo em que fortalece as
que descrevam ao terapeuta suas dificuldades, ele os convida a mte­ fronteiras que delimitam O subsistema parental e o subsistema dos
ragirem, e revivenciarem na sessão o que os impede de conversar. filhos. A família é composta por p ai, mãe e duas filhas de 13 e 11
Dessa maneira, o terapeuta é também informado mais especifica­ anos respectivamente. O sintoma apresentado pela família é o dis­
mente sobre a maneira pela qual o casal evita conflitos, e de como túrbio gástrico do pai , manifestado por vômitos freqüentes . No
eles apóiam ou anulam a autonomia de cada um deles. ' ~~ repr~­ decorrer da sessão, os pais não conseguem admitir que constante­
sentacão, fica também implícita a mensagem de que a famd18 sera, mente se põem a discutir. O terapeuta solicita às filhas que descre­
dura~te a terapia, mobilizada a responsabilizar-se pela resolução de vam as brigas dos pais. Segundo elas, essas brigas 'ocorrem no andar
seus problemas. térreo da casa, enquanto as filhas estão no quarto, no andar de cima.
Geralmente,a técnica ' de representação é seguida por escalona­ O terapeuta solicita detalhes sobre as brigas e nota a maneira
mento de estresse. No exemplo acima, observamos que o terapeuta diferente segundo a qual as duas filhas se organizam ao redor da
persiste na continuação do diálogo entre o casal, colocando-se em interação dos pais. A filha mais velha diz que já se acostumou com
posição de ajuda, ao mesmo tempo em ql:1e se coloca fisicamente as brigas dos pais e acha que não poderá mudá·los. Refere estar
distante da díade. Essa técnica tem corno finalidade intensificar in­ triste, mas não perturbada.
terações dos cônjuges a fim de que sejam trazidos à superfície con­ Terapeuta: - Quem começa as brigas?
flitos encobertos, não resolvidos . Além disso, repetição de mensagem
é um ' subsídio importante para o escalonamento de. estresse. O tera­ Filha mais velha : - Ê uma combina ção de ambos.
peuta repete sua mensagem várias vezes, no ' decorrer da sessão. Na Terapeuta : - Quem você acha que está certo? Pôr quem você
ilustração acima, podemos observar que o terapeuta solicita repeti­ sente mais?
damente para que o casal mantenha o diálogo. Se o terapeuta insiste,
Filha mais velha: - Eu sinto por minha mãe .
por exemplo, que os pais devem concordar quanto ao horário do
filho chegar em casa, . e os pais têm dificuldades em alcançar um Terapeuta: - Ê por isso . que está sentada ao lado d~l a? Ê
acordo, o terapeuta então repete que é essencial chegarem a uma difíci l para você ser colocada nessa situacão mas você está
decisão. Quanto mais hábil a família for na evitação da problemática sentindo a dor de sua mãe. ' ,
que trazem para o terapeuta "resolver", mais o terapeuta necessitará Terapeuta (para a filha mais nova): - O que acontece quando
Clumentar a intensidade de interação entre os membros. seus pais discutem?
A mobilização .· física dos membros da família durante a sêssão Filha mais nova: - Eu não se!. Eu geralmente vou para o meu
é, também, urna intervenção bastante utilizada pelo terapeuta estru­ quarto.
,
38 -L 39
. ,:1':
,

Ela fornece, entretanto, vários detalhes sobre a briga. i, e comportar em situações de interação. Para Minuchin (1981),

/
I
Terapeuta: - Você fica no quarto, mas de ouvido espichado ~uando os membros de uma famí~i~ mostran: que . al.ca~ça:am o
na discussão de seus pais. limite do que é emocionalmente a~ettavel .e eml.tem smal~ mdIcando
I
que seria apropriado diminuir o Dlvel de_ mtensldade afetiva, o t~ra­
Alguns momentos mais tarde o terapeu ta interrompe a discus­ peuta precisa aprender a ser capaz de na? responder. a ' esse p~dld.?,
são dos pais dizendo que o confronto entre . eles não pertence às apesar de em toda a sua vida o aprendizado ter sido em dlreçao
duas filhas, mas somente à filha mais velha. O terapeuta solicita à
oposta ,
filha mais velha que se sente entre seus pais porque é o lugar em
que ela se posiciona em casa , quando os pais brigam. Algumas vezes, entretanto, a.s fronteir~s indivi~uais ~e ~m sis­
tema familiar podem ser fortalecidas por mtervençao mais simples,
Terapeuta (para a filha mais velha): - Por que você acha que mais corriqueira. Numa sessão, a mãe diz à filha de 15 anos que
tem que defender sua mãe? . está muito quente na sala e pede que tire o casaco. O terapeuta
O terapeuta solicita à mãe e à filha mais velha que fiquem de ressalta quão afortunada é a filha por ter uma mãe que se preocupa
pé, e pergunta qual das duas é mais alta. tanto com ela. Uma mãe que pensa sobre seu conforto, a temperatura
de seu corpo e suas necessidades físicas. O terapeuta seg~e essa
Terapeuta: - Sua mãe é bem mais alta. Por que você acha, linha de intervencão e explora sobre quem escolhe os vestidos da
então, que tem que proteger sua mãe? . filha, quem decid~ o seu corte de cabelo e o. que é melhor para a
Um pouco depois o terapeuta dispensa a filha mais nova da vida da filha, É oferecida, então, uma oportUnidade para que ambas
sala dizendo : "Ela é jovem. Ela deve ser protegida. Mas você (para comecem a perceber o absurdo de seus comportamentos e o poder
i

"

I' a filha mais velha) está entre seus pais". A mãe nesse momento de superproteção da mãe.
! está desejando continuar a briga com o marido. Há famílias, entretanto, cujo objetivo da terapia não é o de
modificar as características das fronteiras do sistema, mas sim o de
i Terapeuta (para o pai): - Você é uma pessoa acomodada.
I
modificar o relacionamento hierárquico de seus membros. Nesses
Você pode mudar seu estilo?
~! Nesse instante a mãe recomeça seus ataques ao pai. O terapeuta ,
casos, o terapeuta familiar estrutural alia-se alternadamente COm os
I membros da família, a fim de reequilibra r o sistema. Como exemplo
; então, tira a filha mais velha do meio dos pais . de uma aliança do terapeuta com um membro da família, temos o
! caso da família Silva, cujo filho de 12 anos apresentava problemas
Terapeuta (para a filha mais velha): - Venha cá. ' Eu quero
proteger você, colocando-a ao meu lado. de comportamento. Com freqüência, ele agredia fisicamente a mãe
e as irmãs. A família procurou terapia com o objetivo de arranjar
A mobilização dos membros da família e do terapeuta, a fim de um pedido de internação para o filho, em um hospital psiquiátrico.
promover o escalonamento de estresse visa, sobretudo, enfatizar O terapeuta se alia ao filho . Isso é extremamente difícil, te.ndo em
diferenças, procurar e encontrar resoluções durante a sessão e, para vista que o filho possui uma longa história de agress~o aos seus
realçar o fato de que os membros da família podem· se individua­ familiares, que o rotulavam então como delinqüente. E<;te rótulo
lizar, pois conseguirão, apesar disso, sobreviver juntos. Segundo não tinha sido dado somente pela família, mas também pele sistema
NTinuchin (1981), a maneirá pela qual o terapeuta intensifica uma de saúde mental que vinha intervinds ;1á muito tempo na vida da
interá~E() depende, contudo, de sua coragem, sua crença de que seu família. O filho , entretanto, é um menino esperto, de boa aparência,
[,I trabalho ' não é o de teimar as coisas fáceis e, também, de sua per­
cepção moral quanto ao seu direito de aumentar estresse com o
inteligente , que vinha apresentando bom desempenho . na escola.
O terapeuta se alia ao filho, enfatizando esses aspectos de sua I: erso ­
objetivo de promover mudanças. nalidade, que são ignorados pelo resto da família. Esse tipo de mter­
I Esse autor acredita que, mesmo quando o terapeuta reconhece vencão deve ser utilizado por várias sessões. Revezadamente, o
II . a ineficácia de sua intervenção e quer mudá-la, aumentando sua . terapeuta deve aliar-se a cada um dos membros da. famíli~ com a
,I intensidade, isso pode, algumas vezes, ser dificultado. pelas regras finalidade de desenvolver maneiras alternativas de mteraç.ao.
,I
de cortesia. Assim COmo seus ~liei1tes, os terapeutas foram também Um outro exemplo de utilização desse tipo de intervenção é o
1\
treinados desde a infância a respeitar e acei tar as peculiaridades dos i caso da família constituída por pai, mãe e dois filhos na adoles­
cência. Eles procuram terapia devido à "doença mental" da ~ãe. O
I
outros. Tanto os clientes como. os terapeutas pertencem a uma mesma
I, cultl.Jra e seguem, portanto, a5 mesmas regras implícitas sobre como i pai relata estar necessitando de orientação . quanto à educaçao dos
I
I
40 J. 41
filhos. Devido à depress~9 da esposa, ele tinha que cuidar dos filhos Por outro lado, Minuchin (1982) acredita que, quando a famí­
sem sua ajuda. Exceto o "problema mental" da paciente identifica­ lia executa em casa uma tarefa designada durante a sessão, eles
da, todos os demais relataram não poss'uir nenhum problema e se estão,de fato, levando o terapeuta com eles, para casa. N~ma
apresentavam como "absolutamente normais". A mãe tinha 37 anos família cuja mãe controla vários aspectos da vida da filha adoles­
e preferia passara maior parte do tempo na cama, enrolada nas cente, o terapeuta solicita à filha para comprar, pela primeira vez
cobertas devido à sua intensa depressão. em sua vida, algumas roupas, levando em consideração somente
O terapeu"ta se alia a ela e lhe pergunta por que sua família suas próprias preferências. A designação de tarefas para casa fornece
exigia tão pouco dela. O terapeuta ouve as queixas da mãe, confir­ um novo campo para interações. Algumas vezes a família aceita e
ma sua inteligência e solicita que comece a cozinhar para seu marido. executa as mesmas, mas outras vezes a fam ília as evita, tentando
Quando ela lhe responde com trejeitos e voz infantis, o terapeuta modificá-las ou contradizê-las. As diferentes respostas da família
não os aceita. Ele reformula a "depressão" da mãe como sendo quanto à execução das tarefas fornece um melhor entendimento para
mantenedora do status quo da família, pois não saberiam o que eles e para o terapeuta, sobre como o sistema opera e sobre qual
fazer se ela mudasse. A partir dessa aliança, o terapeuta incita a a reestruturação almejada.
mãe cada vez mais a mudar sua posição na família. Resumindo, sob o ponto de vista estrutural, terapia consiste em
Adeptos da terapia estrutural acreditam que esse tipo de inter­ reesquematizar a organização da família com base no modelo nor­
venção pode produzir mudanças significativas, quando os membros mativo proposto por Minuchin. O processo parece bastante lógico
da família são capazes. de experimentar funções alternativas nos e simples, como se o terapeuta se perguntasse: "Quais são as caracte­
contextos interpessoais. rísticas de organização de uma família onde as coisas correm bem,
A técnica de aliança do ter~pE'uta corr; um membro da família sem necessidade de sintomas?" Quando algum membro da família
implica também numa alteração do efeito do sintoma. No exempio apresenta- sintomas, observa-se então a ausência das características
acima, podemos observar: quando o terapeuta pergunta à mãe por "normais" da organização do sistema, alterando-as de acordo. Por
que sua família exige tão pouco dela, ele está apresentando ao sis­ detrás disso está, naturalmente, a suposição de que o "sintoma" é
tema o outro lado da moeda, ajudando-os a enxergar o lado comple­ produto de um sistema familiar disfuncional e que, se a organização
mentar ou alternativo do comportamento de cada um· deles. da família se torna mais "normal", o sintoma d~saparece automa­
O terapeuta familiar estrutural considera também bastante va­ ticamente.
lioso mudar o contexto do sintoma através de simples palavras que Sendo essa a teoria central dessa abordagem, o terapeuta fami­
forneçam à família um significado diferente da sua problemática. liar estrutural não se preocupa muito com as peculiaridades do
Por exemplo, o pai de quem se diz que exerce "controle facista" sintoma, sua história e qualquer outro detalhe específico. Ele está
sobre os demais é apontado pelo terapeuta como sendo possuidor de interessado em esmiuçar a maneira pela qual a família se organi.za
um "amor protetor". O filho rotulado de "teimoso e rebelde" pode (o pai dessa família é tratado como criança? A filha mais velha se
ser redefinido como esperto e habilidoso, pois seu comportamento comporta como se fosse a mãe? A mãe é quem fala pelos demais?)
faz com que as tarefas domésticas sejam sempre executadas pelos e em alterar essa organização para estados mais normativos.
irmãos mais dóceis, mais acessíveis.
Para conseguir mudança no sistema, o terapeuta ~ estrutural se
Outra técnica de reestruturação do· sistema \ é a designação de coloca em posição de liderança e se "intromete" no sistema familiar.
tarefas, com o objetivo de realçar áreas de disfunção do sistema. Alia-se a alguns membros contra outros, designa tarefas para serem
O terapeuta estrutural utiliza tanto a designação de tarefas durante executadas durante e nos intervalos das sessões, altera fisicamente
a sessão, como a atribuição de tarefas a serem executadas em casa. as posições dos membros das famílias na sala e intensifica as inte­
As tarefas designadas durante a sessão poderri envolver simplesmente racões entre eles. Além disso, à medida que descobre e confronta
uma indicação de como e com quem os membros da família devem o "sistema familiar, o terapeuta estrutural cria novas intervenções,
comunicar-se. O terapeuta, por exemplo, pode solicitar. "Conversem sempre com o intuito de alterar através de ação, e durante a sessão,
agora sobre isso", ou "continuem conversando e não deixem sua
. a organização disfuncional da família.
mãe interrompê-los". O terapeuta pode também dizer: "Eu quero
que vocês se sentem um em frente ao outro e conversem somente Essas intervenções podem parecer simples, mas são difíceis de
sobre vocês dois", ou "agora, eu quero que você ajude seu irmão aprender. O processo terapêutico envolve principalmente o trabalho
a não interromper a conversa entre seu pai e sua mãe". com comportamentos analógicos, e muita prática é necessária para

42
43
se reconhecer padrões invisíveis de interação que um terÇlpeuta estru­ Enquanto isso, o Sr. B toma seu café da manhã em companhia
tural experiente pode captar à primeira vistl:l. de Ruth, ora lendo o jornal, ora conversando com ela sobre algum
.Rela taremos a seguir um caso de disfunção do sistema familiar assunto relacionado com a escola . A Sr." C junta-se a eles após suas
através de qual descreveremos os objetivos e intervenções utilizados vãs tentativas de trazer Alberto consigo. Na maioria das manhãs,
por um terapeuta familiar estrutural. Na apresentação das aborda­ os três ficam silenciosos por mais alguns minutos até que o Sr . B e
gens estratégica breve edo grupo de Milão, utilizaremos esse mesmo Ruth se levantam e saem. Algumas vezes, entretanto, a Sr ." ,C exige
caso a fim de tbrnarmos mais · daras as diferenças e semelhanças que seu marido faça alguma coisa. Quando isso acontece, o Sr. B
existentes entre essas três abordagenssistêmicas. vai então à porta do quarto do filho e, primeiramente, de maneira
calma, tenta uma respo!?ta de Alberto, que permanece em silêncio
A · família A total, levando seu pai a esmurrar raivosamente a porta trancada.
Quando a situacão atinge essa intensidade, a Sr." C dirige-se também

Sr.." C 1970 I Sr. B


I
à porta do qua;to do filho e tenta acalmar seu- marido, dizendo que
. Alberto foi sempre um bom menino e que, de uma hora para outra,
ele tomará jeito." ..
Esses dados fornecem ao terapeuta características importantes
quanto aos padrões de interações existentes no sistema, Não existe
nessa família uma aliança forte entre Sr. B e Sr." C. Ou seja, até o
início da terapia, pai e mãe nunca tentaram juntos controlar o com­

~
portamento do filho. Muito pelo contrário, o silêncio do Sr . B sen­
I Alberto Ruth
tado à mesa do café, quase impassível diante das tentativas inúteis
de sua esposa de tirar o filho do quarto e a abordagem "macia" da
Sr." C - 39 anos, profissão do lar.
Sr.' C, quando seu marido se torna mais enérgico com o filho, anu­
. Iam a função executiva do subsistema parenta!.
Sr. B ~ 42 anos, comerciante.

Alberto - 13 anós, paciente identificado. -Há mais ou menos um No decorrer da terapia observa-se também que Alberto senta-se
ano evadindo-se da escola. Há mais ou menos 2 meses ausen­ entre seus pais, mas mais próximo de sua mãe do que de seu pai,
toucse completamente da escola e da vida familiar. Nâo quer enquanto Ruth seposiciona distante dos demais, como mostra o
mais sair de casa e passa quase o dia todo em seu quartO. esquema abaixo:
Ruth - 11 anos. De acordo com . os pais, não apresenta problemas.
Numa primeira entrevista,como foi mencionado anteriormente,
o terapeuta estrutural une-se ao sistema familiar, reconhecendo e
orientando cada um· de seus membros. O terapeuta faz observarões,
coloca questões e, corri a finalidade de vivenciar a realidade da fa­
mília da rrianeira pela qual elã se define, o ter-apeuta soliCita que
representem o que .acontece com todos eles quando chega a hora de
ALberto ir à escola e ele se recusa a ir. Suponhamos então que foi
representada a seguinte situação: Além disso é observado que Alberto constanterriente interfere
"Todas as manhãs, a Sr." C bate à porta do quarto · de Alberto, nos poucos- diálogos existentes entre seus pais. Essa interferência de
reivindicando em vão sua presença no café da manhã. Às vezes, Alberto é, às vezes, espontânea. Por exemplo, quando a Sr." C re­
implora que ele se apronte e desça o mais rápido possível. Outras clama "suavemente" da calma excessiva do marido em face aos pro­
. vezes, a Sr." C diz-lhe veementemente que -sua ausência representa blemas do filho, Alberto pergunta à mãe se ela realmente se preocupa
falta de amor e consideração pelo Tt:StO da família. Ou então, ela com o fato dele não querer ir à escola. Voluntariamente Alberto
exige vigorosamente que Alberto se . apronte o mais rápido possível desvia a atenção da mãe para si, como forma · de evitar o possível
para ir à escola, lembrando-lhe que tem responsabilidade e que já conflito existen~e entre o casal. Outras vezes, a interferência do
é homem feito. filho no diálogo dos pais se dá por solicitação da mãe. Na ocasião

44 45
em que o casal refere-se a um cli'roa de absoluta "harmonia" entre eles, O terapeuta estrutural intervém, então, com o objetivo de:
e o terapeuta confronta essa afirmação, a Sr. a C abruptamente per­ A - DELINEAR as fronteiras que delimitam os subsistemas e,
gu~ta a Alberto se ele acha que existe muita desarmonia na família.
B - DELINEAR as fronteiras que delimitam os indivíduos
Essas seqüências repetitivas de interação indicam que as fron­ que compõem os subsistemas.
-
teiras que delimitam o subsistema do casal do subsistema que envol­ De modo simplista podemos dizer que o objetivo "A" poderia
ve Alberto são difusas e de fácil travessia. Nenhum dos cônjuges
ser alcançado através da utilização de algumas intervenções
em face das interferências do filho em seus diálogos disse: "Não
interfira, eu estou falando com seu pai, ou, eu estou falando com es tru turais:
sua mãe." Muito pelo contrário, a Sr. 3 C convida Alberto a introme­ a - Rearranjo espacial da famíl ia durante a sessão
ter-se na vida do casal. A família relata também que o Sr. B está O terapeuta pode colocar o Sr. B e a Sr. 3 C fisicamente mais
altamente envolvido com sua profissão, tendo pouco tempo dispo­ próximos, sentados frente a frente, enquanto Alberto e Ruth seriam
nível para a família. Quanto à Ruth, os pais relatam que é uma colocados distantes de seus pais, mas próximos um do outro.
menina responsável, assídua e sempre tira notas ótimas na escola. b - Escalonamento de estresse
O terapeuta pergunta a Ruth se ela tem amigos e ela responde, abai­
xando a cabeça, hesitante, que quase não tem amigos. Durante a Em seguida, o terapeuta pode solic~tar repetidamente e de ma­
se,Ssão, ela passa despercebida pelo resto da família. Fica em silêncio neira firme que os pais discutam a maneira pela qual, juntos, possam
a maior parte do tempo, mas freqüentemente esfrega as mãos de fazer com que Alberto retorne à escola.
modo irrequieto. A Sr. a C e o Sr. B não indicam nenhuma _preocupa-o O terapeuta se posiciona a relativa distância, encorajando uma
ção em relação à filha. Além disso, a mãe dirige-se freqüentemente intensificacão na interacão entre Sr. a C e Sr. B propiciando entre
j

aos filhos através da palavra "crianças", ao invés de diferenciá-los eles um diálogo mais p;olongado do que o usual,' a fim de trazer à
pelo nome, tratando-os como se tivessem a mesma idade e as mesmas superfície conflitos não resolvidos. O terapeuta fica alerta aos
preferências. Não é propiciada a Alberto nenhuma regalia pelo fato padrões de interação da família, os quais têm corrio finalidade evitar
de ser o irmão mais velho. a resolucão dos conflitos. Na família A, pudemps observar que a
A partir dessas informações e observações, o terapeuta começa intromis;ão voluntária de Alberto e os convites de sua mãe para que
a obter um mapa do sistema familiar. O mapa é um esquema orga­ interfira no seu diálogo com o marido são os padrões de evitação
nizacional que, apesar de estático, fornece um recurso de simplifica­ de conflitos utilizados pela família. O terapeuta fica alerta às pos­
ção, que permite ao terapeuta formular hipóteses a respeito _de síveis pressões da família para que tenha atitudes de acordo com
diferentes áreas do funcionamento da família, ajudando também a os padrões de evitação de conflitos utilizados pelo sistema. Ao soli­
definir os objetivos da terapia . Por exemplo, na família A, podemos citar à Sr. a C e ao Sr. B que conversem, somente entre si, sobre a
dizer que existe uma aliança fraca, um desengajamento entre marido recusa de Alberto em ir à escola, e que cheguem a uma decisão
e mulher e uma aliança forte entre a Sr. a C e Alberto. Ruth, por sobre qual a atitude a tomar, muito provavelmente o terapeuta será
outro lado, apresentacse como uma adolescente com dificuldades, pressionado a envolver-se no diálogo entre o casal. Possivelmente
talvez próprias da idade, mas não recebe dos pais a atenção neces­ a Sr. a C possa, após alguns minutos de conversa com ~ marido, soli­
sária. Em relação a Ruth, a fronteira que de1imita o subsistema citar ao terapeuta uma orientação quanto à atitudé que deverão
parental e o dos filhos tende a uma rigidez inapropriada. Além tomar; afinal, foi com essa finalidade que procuraram ajuda de um
disso, a conduta da mãe em relacão aos filhos não favorece a auto­ profissional. Nesses casos, o terapeuta estrutural insiste na continui­
nomia e individualidade. Os obje'tivos terapêuticos com a família A dade do diálogo entre os pais, enfatizando mais explicitamente a
envolveriam então: importância de um acordo comum.

a - Enfraquecer a aliança entre a Sr. a C e Alberto. c - Designação de tarefas a serem executadas

b - Fortalecer a aliança entre marido e mulher. nos intervalos das sessões

c - Fortalecer a aliança entre . Alberto e Ruth. Com o objetivo de fortalecer a aliança entre marido e mulher,
_' d ~_ -Encorajar _a autonomia e individualidade dos filhos. o terapeuta pode solicitar que o casaL saia i!--,nto, sem os filhos, no
próximo fim de semana. B importante, entretanto, que o casal des­
e ---- Fortalecer a aliança entre os pais no que concernea suas
cubra sua própria tarefa e faça contratos por si mesmos, ao invés
funções executivas e de apoio.
47
46 -­ I
de o terapeuta designar uma tarefa para o· casal. O terapeuta, con­ BIBLIOGRAFIA
tudo, ajuda-os a encontrarem uma tarefa que seja mais relevante às
disfunções que estão apreseritando. Gorel-Barnes, G . (1981), "Family bits and .pieces: framing a workable rea­
líty", em Developmenls in Family Therapy (ed.), Walrond-Skinner, Rowt­
O objetivo terapêutico "B", ou seja, a delineação de fronteiras ledge e Kegan Paul, Londres.
que delimitam os indivíduos que compõem os subsistemas, pode ser Minuchin, S. e Físhman, H. C. (1981), Fami/y Therapy Techniqués, Harvard
alcancado através de um constante reforco da autonomia e indivi­ U niversity Press, Londres.
dualidade dos membros da família. O terapeuta estrutural prova­ Minuc.hín, S. (1982), Famílias: Funcionamento e Tralpmento, Ed. Artes Mé­
velmente confrontaria a Sr. a C dizendo: "A senhora e Alberto pa­ dicas, PortO Alegre.
recem bastante unidos, eu faço a pergunta a seu filho e a senhora
responde." Uma intervenção não verbal envolveria uma indicação
por parte do terapeuta para que a Sr. a C se cale, encorajando Alberto
a responder sua pergunta.
Frases como: - "Quantos anos você tem, Alberto? Treze? E
você Ruth? Onze? E como é que vocês deixam sua mãe chamá-los
de crianças?" - promovem, também, o fortalecimento da autono­
mia dos filhos.
Posteriormente, a terapia com a família A poderia envolver
algumas sessões somente com o subsistema marital,no caso de com­
provações da hipótese de que o sintoma de Alberto tem a finalidade
de evitar conflitos nesse subsistema. Essa intervenção propiciaria
um maior fortalecimento das fronteiras que delimitam o subsistema
do casal.
Gostaria de finalizar a descrição dessa abordagem sistêmica com
uma interessante formulação de Minuchin (1981) sobre técnicas na
terapia familiar.
Ele escreve: "A frase - técnicas de terapia familiar - traz
problemas. Ela transmite imagens de pessoas manipulando outras
pessoas. Pessoas· que fazem lavagem cerebral em outras, ou contro­
Jam com o intuito de conseguir poder. Uma preocupação moral sobre
esses aspectos é absolutamente justificáve1. Além disso, técnicas. so­
mente não garantem eficácia se o terapeuta se torna sobrecarregado
delas. Mantendo-se como um artesão, seu contato com o paciente
será objetivo, distarite e limpo, mas também superficial, manipulador
com o objetivo de alcançar poder pessoal, o que é absolutamente
ineficaz. O treino em terapia familiar deveria, portanto, ser uma
maneira de ensinar técnicas cuja essência é aprendê-las e então es­
quecê-Ias. O terapeuta deveria curar: um ser humano preocupado
. terapeuticamente com o envolvimento de outros seres huri1anos, com
os problemas de interação que lhes causam dor, ao mesmo tempo
que retém um grande respeito pelos valores potenciais e preferências
estéticas dos outros. O objetivo, em outras palavras, é transcender
a técnica. Somente o indivíduo que dominou uma técnica e então
conseguiu esquecê-la pode tornar-se um terapeuta habilidoso."

48 49
na medida em que requerem grandes mudanças nos relacionamentos
pessoais.
Os problemas desenvolvem-se através da · superênfase ou sub­
ênfase nas dificuldades de viver. Os· problemas surgem quando se
CAPITULO 3 trata de uma dificuldade comum, corriqueira, como sendo um "pro­
blema", por expectativas utópicas de vida; ou quando · se trata de
uma grande dificuldade como não sendo um problema, por negação
A terapia estratégica breve das dificuldades manifestas.
Primeiramente nós levantamos a poeira e, então, A continuação de um problema é resultante de um circuito de
reclamamos que não conseguimos ver. feedback positivo centrado nos comportamentos dos indivíduos que
Berkeley
pretendem resolver a dificuldade. Na maioria das vezes, o que acon­
tece é que a dificuldade original se depara com uma tentativa de
solução· que intensifica ainda mais a dificuldade original.
3.1 - CONCEITOS BÁSICOS Watzlawíck et al. (1974) oferecem duas ilustrações interessan­
tes sobre esse conceito. O que poderia ser mais razoável para amigos
Essa abordagem, formulada por Watzlawick e seus colegas e parentes do que tentar animar uma pessoa deprimida? Mas, geral­
(1974) do Mental Research Institute de PaIo Alto, fundamenta-se na mente o que acontece é que não só o indivíduo não responde às
premissa de que os vários tipos de problemas trazidos pelo paciente tentativas de reanimação feitas pelos amigos e parentes, mas princi­
ao terapeuta só persistem se forem mantidos pelo comportamento palmente que essas tentativas fazem com que o indivíduo se sinta
atual das pessoas que interagem com o paciente e seus problemas. ainda mais deprimid0. Levados pelo "bom-senso", os amigos e pa­
Se a cadeia de interações que mantém o problema for eliminada, o rentes são incapazes de notar que suas tentativas de ajudar envolvem
problema desaparecerá, qualquer que seja sua natureza ou etiologia. uma cobrança ao indivíduo deprimido como se ele pudesse ter so­
Esse grupo apresenta alguns princípios -gerais como fundamento mente alguns sentimentos, ou seja (otimismo, alegria etc.) e não
do corpo teórico e prático da abordagem terapêutica postuJada. outros (pessimismo, tristeza etc.). Disso resulta que, para o indiví­
duo, o que seria somente uma tristeza temporária, passa a gerar
Orientação franca para o sintoma. Ou seja, os membros da sentimentos de fracasso, ruindade e ingratidão para com aqueles . que
família buscam terapia porque possuem queixas específicas e, ao o amam tanto e estão tentando ajudá-lo. Segundo Watzlawick e seus
aceitá-las para tratamento, o terapeuta assume o compromisso, de colegas, é dessa cadeia de interação que se origina a depressão, e não
aliviar essas queixas , da tris teza original.
Os problemas são vistos como dificuldades de interação. Os pro­ Outro exemplo é o da esposa que tem a impressão de que seu
blemas que o paciente ou a família trazem para terapia, exceto síndro­ marido não é suficientemente comunicativo com ela. Ela não sabe
mes claramente orgânicas, são vistos como dificuldades interacionais o que passa pela cabeça do marido, o que ele anda fazendo quando
que envolvem o paciente identificado, seus amigos, seus colegas de não está em casa, ela não sabe o que ele pensa dela etê. Quase auto­
trabalho etc. .. maticamente ela irá, portanto, fazer perguntas para ter as informa­
ções que deseja, observar seu comportamento ebbter informações,
Os problemas são vistos como sendo resultado de dificulades
utilizando os mais variados artifícios. Se ele considerar muito intru­
quotidianas não resolvidas. Os problemas trazidos pelos pacientes
sivo o comportamento de sua esposa, muito provavelmente irá manter
são primeiramente resultado de dificuldades que envolvem alguma
as informações para si mesmo . Informações essas que podem . ser
mudança de vida que não foi bem realizada e acabou envolvendo
quase irrelevantes, mas ele não as fornece, "somente para ensiná-la
outras atividades, resultando em formação de um sintoma.
que não precisa saber tudo sobre sua vida". Dessa maneira, a tenta­
As transições de vida e o ciclo ae vida familiar requerem gran­ tiva de solucão utilizada pela esposa não traz a mudança desejada
des mudanças nos relacionamentos. Os passos normais da vida em e, além diss~, estimula ainda mais sua preocupação e desconfianças.
família - mais as dificuldades ocasionais como doenças, acidentes, "Se ele não me conta essas coisas banais é porque e~iste algum pro­
desemprego etc. - podem levar ao desenvolvimento de problemas, blema que necessita ser escondido de mim". Menos informações o

50 51
marido fornece, mais a esposa tenta obtê-las e maIS o marido tenta seguida, comunica que a psicoterapia é realizada no maxlmo em dez
escondê-las. sessões, principalmente com o objetivo de criar uma expectativa po­
No momento em que o casal procura o terapeuta, este será ten­ sitiva de mudança rápida.
tado a diagnosticar o comportamento da esposa como sendo ciúme O processo terapêu tico abrange 4 etapa s essenciais:
patológico - a não ser que preste cuidadosa atenção ao padrão de
interação do casal e suas tentativas de solucionar o problema, as '1 - Formulação de uma imágem concreta e específica do problema.
quais são o problema.
O terapeuta estratégico está interessado em formar um quadro
Os problemas de longa duração não são indicadores de cronici­ concreto da dificuldade sentida pela família, que as tenha levado a
dade, mas de persistência de uma dificuldade mal-enfrentada. As procurar ajuda naquele determinado momento. O terapeuta não está
pessoas que apresentam problemas rotulados como crônicos estive­ interessado em fatores intrapsíquicos ou mesmo no histórico da
ram por longos períodos fazendo esforços inadequados ou inapro­ família.
priados para resolução dos mesmos. Tais problemas , no entanto, têm
a mesma possibilidade de mudanças que aqueles rotulados como Se. são várias as queixas, o terapeuta pergunta qual é a princi­
agudos . pal delas .
Para tornar seu enfoque mais espe cífico, o terapeuta freqüen­
A resolução do problema requer primeirame~ie a substituição
de padrões de comportamento. Para interromper o circuito de feed­ temente ' pergunta :
back é preciso criar novos padrões de comportamento que vão subs­ - O que vocês fazem agora por causa de seus problemas, o
tituir os comportamentos atuais. que gostariam de parar de fazer ou fazer diferente?
Promover ' mudanças através de meios que funcionem mesmo - O que gostariam de fazer agora que o seu problema interfere?
que possam parecer ilógicos. Por exemplo, dizer a um depressivo
O objetivo é estabelecer uma meta específica até a segunda
que, diante de determinada situação, este deveria estar ainda mais
sessão. Ocasionalmente, o terapeuta estratégico breve revisa a meta
.deprimido.
original do começo do tratamento ou adiciona uma meta secundária.
" Pensar pequeno" , ou seja, focalizar o 'sintoma apresentado pelo
paciente e trabalhar em busca de alívio do mesmo . 2 - Estimar qual é o padrão de comportamento que está mantendo
Abordagem terapêutica pragmática. Intervenção direta no sis­ o problema.
tema em tratamento, tendo em vista : O terapeuta estratégico está interessado em descobrir o que .a
o que ocorre nos sistemas interacionais, família (ou o paciente) tem feito para resolver o problema - acre­
como continuam funcionando e, ditando que são as tentativas de resolução do problema que, lia
maioria das vezes, o mantêm e o intensificam.
como podem ser modificados.
Nesse contexto a questão . "por que" é evitada. 3 - Estimar qual comportamento levaria à "mudança pequena
específica" almejada.

3.2 - O PROCESSO TERAPÊUTICO 4 - Intervenção.


O que envolve designar um3 tarefa, contendo instruções para­
Os pacientes são aceitos sem triagem. Quando não há vaga, doxais para promover tal ·' mudança.
são encaminhados a outra instituição. Num primeiro encontro, a
As instruções paradoxais consistem em prescrever comporta­
secretária acompanha o paciente ou a . família até a sala de atendi­
mentos que aparentemente estão em oposição aos objetivos estabele­
mento, após ter solicitado o preenchimento de um formulário com
cidos, mas visam a mudanças em direção a eles.
dados demográficos. O terapeuta começa a explicar as vantagens de
ter as sessões gravadas e observadas e solicita autorização para tal A instrução paradoxal é mais freqüentemente utilizada sob a
(as demais abordagens sistêmicas também utilizam gravação das forma de "prescrição do sintoma", através do aparente encorajamento
sessões. no vídeo e têm o mesmo procedimento em .relação a isso). Em do comportamento sintomático.

52 53
./

Vamos retornar à família A (vide p. 43) para ilustrarmos o pro­ Ela exige que seu marido interfira mas, ao meSnlú tempo,
cesso terapêutico enfatizado· por essa abordagem. "anula-lhe" a tentativa de controlar Alberto, dizendo: "Alberto foi
sempre um bom menino; de uma hora para outra ele toma jeito."
1 - Formulação do problema.
Parece claro que o Sr. B e a Sr." C são pais abertamente "auto­
A recusa de Alberto em ir à escola. ritários", mas "encobertamente permissivos". Esse padrão de intera­
2 - Tentativas utilizadas para a resolução do problema. cão, entretanto, altera-se como uma gangorra. Quando · a Sr." C é
~utoritária, o Sr. B é permissivo. Quando o Sr. B é autoritário, a Sr."
As tentativas utilizadas para resolver o problema parecem ter
C é permissiva. Temos, aqui, um exemplo de comunicação ou inte­
exacerbado a dificuldade original. No princípio, Alberto faltava a ração complementar. Portanto, um primeiro passo em direção à
algumas aulas: Depois faltava alguns dias. Quando isso ocorria, mudança é alterar essa interação complementar do casal para uma
. deixava a porta de seu quarto aberta e sua mãe conseguia, às vezes, interação simétrica onde tanto o S1'. B como a Sr." C possam ambos
sentada .ao pé de sua cama, conversar com . ele, chegando a conven­ . ser abertamente. autoritários ou abertamente permissivos. A tarefa
cê-Ioa ir para a segunda ou terceira aula. No início da terapia, ou prescrição deverá envolver uma instrução paradoxal, ou seja, a
Alberto não ia mais à escola, trancava-se no quarto ao ouvir que prescrição de um comportamento que pareça oposto à meta desejada .
seus pais já se haviam levantado . Alberto ficava silencioso dentro O terapeu ta estratégico breve poderia, então, designar a seguinte
de seu quarto, até a hora do almoço . Após o almoço, voltava para tarefa para o casal, em uma sessão posterior, onde comparecem
o quarto ou, então, saía um pouco à tarde e, quando retornava, somente os pais.
entrava no quarto, saindo dali somente para jantar. Jantava e· retor­
nava para o quarto. . Nós sugerimos que durante esta semana, até que nos encon­
tremos novamente, o Sr. B e a Sr! C ignorem o fato de Alberto não
3 - Estimar qual COmportamento levaria à mudança específica estar indo à escola. Vocês não devem nem mencionar esse problema
almejada, ou seja, Alberto ir à escola.. entre vocês, ou com Alberto. Ajam como se não existisse problema
Esse item envolve discussão com a equipe de terapeutas que algum com relação a Alberto não ir à escola. Nós sugerimos que
observá a sessão por detrás do espelho unidirecional,ou através de vocês acordem de manhã e tomem o café sossegadamente, sem men­
vídeo-teipe. cionar o fato de Alberto não estar com vocês.

A equipe terapêutica, nesse momento , tenta responder à · seguin­ A tarefa designada tem como objetivo trazer à superfície a
permissividade encoberta do Sr. B e da Sr. a C, puxando-a ao extre­
te questão:
mo, ao mesmo tempo em que visa uma comunicação simétrica entre
"O que o Sr. B e a Sr." C precisam fazer para que Alberto vá o casal. A prescrição paradoxal produzirá uma situação na qual a Sr. a
à escola?" C e o Sr. B se tornarão abertamente permissivos e impotentes mas
A equipe já formou um quadro referente ao comportamento encobertamente autoritários e em controle, de maneira tal que Al­
. central da família em relação ao problema, e à maneira como ela berto não poderá se rebelar. Além disso, o terapeuta usa o silêncio
- que Alberto utiliza para controlar seus pais - como a arma de
tenta solucioná-lo.
controle que seus pais passarão . a . usar em relação ao· filho.
O que a equipe terapêutica se pergunta nesse momento é que
Em entrevista somente com Alberto, o terapeuta poderá suge­
comportamentos diferentes dos utilizados pela família, até então, rir-lhe que continue em seu quarto, não se importando com os pe­
levariam à meta específica, ou seja, fazer com que Alberto freqüente didos dos pais pata que vá à escola.
a escola.
~ importante ressaltar que, ao contrário do enfoque estrutural
Parece claro que somente a Sr." C toma a iniciativa todas as que visa a altera cão nos padrões de interacão do sistema familiar du­
manhãs para que Alberto se levante e vá à escola.. O Sr. B age so­ rante a sessão, o enfogue estratégico breve enfatiza a alterado dos
mente em face das exigências de sua- esposa. Além do mais, quando . mesmos !:lO intervalo entre as sessões através da rescricão a a
o Sr. B se torna mais rigoroso, sua esposa tenta "acalmar" a situação xa . Essa abordagem sistêmica realça o sintoma como sendo a unidade
"esfriando" a interação existente entre pai e filho, através de afir­ aser focalizada, não a família. Portanto, ao contrário do enfoque
mações suaves .

estrutural, os terapeutas estratégicos breve não se preocupam em

54 55
ver todos os membros Ga família. Eles preferem atuar terapeutica: e que seus pais se tornaram impotentes para lidar com ela. A melhor
mente com indivíduos ou subsistemas separadamente, para maximizar maneira para manter essa posição seria persistir ou mesmo aumentar
mudanças. Enquanto os terapeutas estruturais repadronizam intera­ suas exigências. Se seus pais lhe negarem alguma coisa, ela deverá
ções durante a terapia, os terapeutas estratégicos breve são quase perguntar qual a razão disso e insistir até que eles cedam. O tera­
inativos no consultório. Para eles a chave para mudanças é a arte peuta acrescenta que tudo tem seu preço ; que ela pode estar num
através da qual poderão reformular a percepção de seus clientes estado crônico de raiva, e mesmo acabar no juizado de menores,
quanto ao contexto de seus comportamentos. Eles utilizam a analo­ mas que ela pode acostumar-se a isso. O mais importante será per­
gia do vendedor que ensina seu método, e de fato solicitam aos seus sistir em prol de si mesma porque ela acabará por vencer. O tera­
alunos que observem como um vendedor de carros consegue persua­ peuta afirma, então, que continuará a atender somente os pais, com
dir seus fregueses a comprai: um produto. Essa posição tem sido cri­ o objetivo de ensiná-los a viver com essa situação. Ele não vê mais
ticada pelos terapeutas mais tradicionais, que imaginam que o uso a menina, e as quatro sessões posteriores são feitas com os pais. A
de tais .técnicas degradam a profissão. Acusações como "manipuIE.­ mãe diz que está sem esperanças e o terapeuta não a confronta. Ele
. ç ão" e "engenharia social" têm sido ouvidas e galhardamente aceitã:; sugere que mudem de uma posição de força para uma de fraqueza .
pelos terapeu tas estratégicos breve. Eles se consideram simples arte­ Por exemplo, se a filha abandonar o jantar para sair com amigos, a
sãos, que visam a resolver os problemas de seus pacientes da maneira mãe deverá fazer algo estúpido como derrubar um copo de leite em
mais vantajosa e menos cara. sua roupa, dízendo "eu estou tão preocupada. Eu tenho estado tão
deprimida ultimamente, que faço coisas estúpidas como esta" . Se a
Um exemplo dos fragmentos de sessão conduzida pelo grupo de filha chegar tarde em casa, eles deverão trancar a porta, apagar as
PaIo Alto (Hoffmann, 1981) fornecerá UP.la idéia mais clara sobre luzes e depois de tê-la feito esperar por um longo tempo, a mãe
[l. abordagem estratégica breve. O terapeuta é Paul Watzlawick. A deverá sair e dizer "me desculpe, eu te deixei aí fora. Eu ando fa­
família é composta por mãe, pai, uma filha de 15 anos 8.Dresentando zendo coisas tão estúpidas".
problemas de comportamento e três irmãos mais novos,' duas meni­
N a sessão seguinte os pais relatam que estão fazendo com su­
nas e um menino. A adolescente fugiu de cása e comeca a ser rotu­
cesso o que foi sugerido pelo terapeuta. Ao invés de brigarem com
lada de delinqüente. A terapia consiste de cinco sessõ~s, a maioria
a filha, o pai respondeu a cada uma de suas exigências dizendo: "eu
delas somente com os pais . .o terapeuta não inclui os filhos mais
pensarei sobre isso", frustrando-a terrivelmente. A mãe simplesmente
novos na terapia.
concordava · com a filha, mas não discutia. A filha, segundo relato
Na primeira sessão Watzlawick conduz a sessão com os pais. dos clientes, estava cada vez mais furiosa, pois seus pais não 'briga­
Eles descrevem a filha como sendo louca, rebelde, briguenta, raivosa vam mais com ela. O terapeuta sugere, então, que durante a próxima
e impossível de se controlar. Os pais, por outro lado, se apresentam semana eles se coloquem em uma posição ainda mais extrema de
como derrotados pelas constantes brigas e desavenças . O terapeuta, impotência; pede à mãe para dize~ que algo extremamente preocu­
"aproveitando" suas frustrações, pergunta se eles poderiam retribuir pante foi discutido na sessão, o que a levou a sentir-se muito depri­
à filha o mesmo tipo de atitudes que ela usa com eles, ou seja, mida. Watzlawick diz, então: "Vocês deveriam dar a sua filha aquela
. "irritá-la do mesmo modo que ela os irrita" . Eles dizem que adora­ dúvida criativa e a insegurança de que todo jovem necessita para
riam fazer isso e parecem desejosos de aceitar as sugestões do tera­ crescer."
peuta. O terapeuta então instrui os pais para que comecem a pensar A mãe relata que o aniversário de 16 anos da filha está próximo,
de modo irracional. E sugere, por exemplo, que, quando a filha pedir e que ela lhe pediu limas botas muito caras. E também está tremen­
para sair, respondam simplesmente "não". Quando ela protestar, ao damente irritada com os sutiãs velhos e estragados da filha, que se
invés de tentarem justificar suas posições, eles deveriam dizer alguma recusa a lavá-los e a comprar outros. O terapeuta sugere que os
coisa absurda como "não, porque hoje é sexta-feira". Os pais adoram pais comprem para a filha 4 sutiãs novos (o preço que custariam
essa idéia, mas o terapeuta pede-lhes para não colocarem ainda em as botas), e quando ela abrir o presente e ficar desapontada, a mãe
prática a sugestão, somente pensar scbre ela. deverá mostrar um aborreciménto genuíno . A sugestão foi ' seguida
O terapeuta encontra-se, então, - somente com a filha. Quando à risca e, na quarta sessão, os pais se apresentam como cúmplices
ele pergunta o que ela gostaria de ver mudado para seu própriú pro­ na ta reta de enfurecer ainda mais a filha. A menina, por outro lado,
veito, a adolescente responde que está cansada de tantas brigas. O começa a apresentar mudanças marcantes em sua personalidade. Os
terapeuta sugere que ela está numa posição extremamente. poderosa pais quase não conseguem reconhecê-la. Ela tornou-se agradável e

56
57
tomas após a terapia não pode na verdade significar que os mesmos
cooperativa. Começou a aprender a costurar (após a mãe ter costu­ foram suprimidos . ao invés de superados,podendo, então, retornarem
rado estupidamente as costas de um vestido junto com a parte da posteriormente ·de modo alterado.
frente a pedido da filha para arrumá-lo), e um dia trouxe para sua
mãe uma caixa de chocolates. Durante a última sessão, o terapeuta
mostra-se preocupado' com as rápidas mudanças na adolescente. BIBLIOGRAFIA
Previne aos pais que talvez o resultado do sucesso com a filha quase
com certeza ·fará dela uma menina · muito agradável e que, então, Hoffmimo, L. (1981), Foundations 01 Fami/y Therapy, Basic Books, Nova
será difícil deixá-la crescer. Dessa maneira, o terapeuta sugere ser York.
uma boa idéia reinstalar a situação antiga para não ficarem muito WeakJand, P .; Watzlawick, P.; Fisch, R. e Bodin, A. M. (1971), "Brief the­
infelizes quando a filha crescer mais e deixar a casa para ter a sua rapy : focused problem resolution", em Fami/y Process, 13: 141-168.
i
própria vida. Ele pede aos pais para pensarem como podem ter uma
primeira recaída nos padrões antigos de interação. Essa intervenção ~
I

tem o objetivo de reforçar a mudança ocorrida. Três meses após


essa última entrevista, os pais relatam que começaram a sair juntos j
(ú que não podiam fazer quando a filha estava apresentando com­
portamento difícil), as notas da filha na escola passaram de D para I
C e então paraB, e a filha, segundo os pais, parecia ser uma pessoa
mais feliz;
O terapeuta estrutural possivelmente diria que ocorreram mu­
danças porque houve um fortalecimento da aliança entre os pais e
que juntos, então, conseguiram controlar a filha, enquanto anterior­
mente à terapia, a mãe··estava encobertamente aliando-se . à filha
contra o pai. O terapeuta estratégico breve provavelmente concor­
daria com essa explicação, mas atribuiria á mudança à habilidade
do terapeuta em reformular a situação a fim de que os pais agissem
de . modo diferente com a filha. Embora a abordagem estratégica
breve negue qualquer interesse na família como "sistema", eles tra­
balham sistemicamente e .~speram que uma pequena mudança num
relacionamento importante na família reverberará no resto do siste­
ma. Adeptos dessa modalidade terapêutica aCreditam que um casa­
mento pode, por . si só, tornar-se mais satisfatório, simplesmepte por­
que pela 'primeira vez, em anos, ·os pais param de pensar somente
no filho problema, redescobrindo um ao outro e recomeçando, em
conseqüência disso, um relacionamento mutuamente satisfatório.
Acredito que esse modelo terapêutico é inadequado para
aquelas famílias que se apresentam sensivelmente infelizes e neces­
sitam de uma abordagem psicodinâmica, que lida com sentimentos e
ajudam a família a refletir sobre seus medos e ansiedades. Mas, em
. alguns casos, uma abordagem mais pragmática e autoritária pode
envolver toda a família, de forma cQoperativa, mais eficazmente do
que um enfoque dinâmico aparentemente mais permissivo e vago.
De qualquer forma, vale a pena questionarmos se somente o
objetivo de aliviar os sintomas é o suficiente, e se a ausência de sin­
59
58
pai ·e filha, o movimento natural da filha adolescente para fora do
contexto intrafamiliar pode significar uma ruptura irreparável no
relacionamento entre pai e filha, ao invés de gerar interacão mais
intensa da filha com seus amigos e maior fortalecimento da interação
entre pai e mãe.
CAPITULO 4
Como resultado da incapacidade de lidar com mudança s, os
merríbros da famílIa se compõffãffiaema'ne~llmitar-Cresc'i'm'êií.Tõ­
o Grupo de 'Milão e a1féiaç.9.~S~9.s-p ã~aroe'séstáveis de lnt~raçãO : 'Es'se "daerrlá': ffi·üdàl:;n'ãü ".
Eles estão jogando o jogo deles. mlldar, traz: a tona problema~ que podem se tornar tão dolorosos par~ '
Eles estão jogan'do de não jogar um' jogo. -~smer.nJ~rgs da famí1.ia ~. para aqueles que interagem com a mesma,
Se eu lhes mostrar que os vejo tal qual eles estão, ~ql1,~ .. \.lr:n t~rap~uta faITlUii,lr pode ser procurado ou indicado.
quebrarei as regras do séu jogo,
e receberei a sua punição. Adeptos dessa abordagem enfatizam que famílias sintomáticas
O que eu devo, pois, é jogar o jogo deles, . têm tendência a comporta r-se da seguinte maneira:
o jogo de não ver o jogo que eles estão jogando .
Ronald Laing 1 - Comportam-se como se o problema não existisse a nível
sistêmico. TyIantêm um~ vi~_~gJ.~.Q.~,a Lçlo.J~.r9J:?1~r::n.ª.· Por exemplo: "Nossa
dificuldade l"ã~âg"resslvídade do filho mais velho". Famílias sintomá­
4.1. - CONCEITOS BÁSICOS ticas tendem a focalizar o problema em um membro da família ou a
limitar-se a um aspecto do comportamento da família.
A descrição dessa modalidade terapêutica baseia-se no livro de
Pallazoli, Boscolo, Cechin e Prata (1978), intitulado Paradox and 2 - .l3-.~.~!r.iE.g~m_.ª_'yisã9 .. ç!~ .l~.~li.ç!ªºL A dificuldade é vista
Counte?~rad:!x, e na experiência obtida sobre essa abordagem através
como sendo ca usada por alguns eventos ou pessoas, o que conseqüen­
da partIcIpaçao em alguns wor.kshops oferecidos por esse grupo em temente dificulta a percepção de uma perspectiva mais ampla e a
Londres . Baseio também essa apresentação no trabalho, não publi­ encontrar uma solução entre várias alternativas. .
cado, de Campbell, Draper, Reder e Polland, terapeutas de família 3 - Agem como se fosse intolerável obter uma informação acura·
da Clínica Tavistock, em Londres, por oferecer uma síntese clara e da dos eventos e relacionamentos que envolvem o problema . Dessa
compreensível sobre os conceitos teóricos e práticos postulados pelo maneira, vários relacionamentos e eventos são deixados indefinidos e
grupo de Milão. .. obscuros. Qs membros de famílias sintomáticas têm tendência a
Influenciados pelos pesquisadores e clínicos do Mental Research ~Q}lçl.eJ~' . as. perc.epçp~~.Q!Ji~~ti;:;~~~ cios ' o~ t!.õs. .
.. ,
Institute e baseando-se na teoria geral dos sistemas, Pallazoli e seus De ' modo geral, a epistemologia de famílias sintomáticas parece
colegas enfatiza!JLo_paradoxo b-ªsjç(LexisJ~~nas-Íamílias. Para esses
declarar: qualquer membro pode procurar uma nova definição de
autores, o distanciamento e intimidade entre os membros de uma
família se org,Q.nizarn ao redor do seguinte paradoxo: todos . º~J!ler:nbLQS_
~~ . ~~l<l_c:\o.!1.?JI1_enlº~, . llJa_S:'§.QrrÍellÜ~~deJltr.o .do conteXtoae · queyãJá

~udaE!t._~?~!~ a ~s s~ us aspectos mais vagos e ob~_cur?rn~nte deEinl"dõs

..9.~l12?.-lªmlha .dependem.__de _re1acionamentosíntim.os.. uns_.cOill-OS­


· desses rela~.i-ºl1..?'g1e~ltos: TaTepíSte mõlog'í anega o fato de que o índi­

_.?l!~:os .e c!e .pªc!rºe~_.~stáv ~ls ,.Qe.j)1tE:ra.ç~() ,..a fil1l.. d.~._ ºº1~Jel:rLt~~back v{duc -é insoluvelmente parte de um sistema mais amplo e que, se

sobre comp(lrt?lTIcntos e percepções de. si próprios.e dos _o]:1t!Ç~~ .. Mª-S.,


um indivíduo define os vários relacionamentos dentro de um sistema,

_~? _~.~srp() tempo, esses .relacionamentos..estão. sempce..se.mQçljÜcando


. A~'1ldo ao desenvolvimento .bi()lógico..de _cadaJJ.iTI. deles e às influências inevitavelmente isso afetará a rede de relacionamentos existentes no

~~!ernas exe!ciç!.a s. sobre a .família. . ...- - .. sistema. ~ªntDJ._p-ar.a- o-º.r.u..p.D de MjJã0.~~mbJ.o .~ n.tOmáticçLde ,

unia famíli a ...RQd.~~J_ªjJ.ldado.>-.q.uand.o.... a_p-.e.rc~p~ª-Q... I~~t~Hª .-q~~.§,~'~L

Algumas famílias lidam apropriadamente com esse dilema. Outras, · problemª_, ..c!e...?..LID~.~rpO. . e .9.9S O.u tros mernl:l!<?s é ámpliada . . Ou sej~

contud.o, .apresentam-se incertas quanto a mudanças, as quais são - -qüándq:_~..l.~Lmíli..~LLaj\l-º-ªçla a encarar a naturez.i 'paradox'al d~_ . ~~~~:

percebIdas como uma ameaça aos padrões estáveis de relacionamento.


Por exemplo, numa família onde a ligação mais intensa se dá entre
COiílpOrtamentos, ou quando a naturii~.. dosrelacionamentos· entre .Ç>s.

· me-fibros oé deflnida~~ais .cJªU)'IJ1_~n.t.eL.

60 61
t
4.2 O PROCESSO TERAPÊUTICO !
!
uma entrevista tem a duração de duas horas e meia. Meia-hora para
a reunião preparatória ou pré-sessão, uma .hora e meia pará entrevista
O primeiro contato com a família é feito através dJ:L telefone. e discussão sobre a sessão com o objetivo de formular a intervencão
A equipe tera~~~~1fca estabel~.E~.u~.l!2rário_~§.ReciaLp-ªL<I _a§.. çbª-~, sístêmica e subseqüente transmissão da mesma à família, e meia-h~ra
de maneira tal que pêlo menos um terapeuta esteja disponível para para discussão da entrevista entre os membros da equipe. Portanto
-átenoéraostelêfõnemã's-:--" ...-,.. . ~ " .'- ...- . - -.- ---.. ... . .. .._.__ .._...- . =- --.~

uma entrevista, de acordo com essa modalid_ªde_ty.ra:Rêutica~


.... . . - ..--- -
.. . :.-- - - _ . :- ~.-- """ ._~- '"' . ....,..... ~ ..

quatro fases distinta~: ...ll~rj.i.ão .EEeparató~i~; __ ~) t;:!1Jr~.yi~tf,i:;,-JI~Wl.~.:_


Ao longo do telefonema, váríosdados importantes sobre a família
são observados. Por exemplo, tom de voz, maneira de se comunicar
_ .> __._____. .
vencão sistêmica e 4) ,_o___
reunião
_ pós-entrevista.
,~____......_ .... _ ._ ....
"" _~_ , , _ ~ ' _"' v..,. , .,..· " . ~= _

e tentativas de manipulação para obter a sessão em dias, horas deter- .


minadas, e quem deverá participar da mesma. A colheita de dados, Reunião Preparatória
através do telefone, é feita numa inversão de papéis, como se o
terapeuta é que estivesse pedindo algo à fámília. .
': Antes de cad,a entrevista, a equipe terapêutica organiza as infoI.:.
mações existentes sob.r..(U~.J.amDià..eJ.o.rmuLa....b.ipQ.teses s9_h.n~..-º_problema
As informações obtidas nesse primeiro contato telefônico são
colocadas em formulário padronizado.
I
i ...1Presentª.d..Q.. .~O processo, através do qual as hipóteses são levantadas,
Nome da pessoa ou instituição que encaminhou a família
i envolve suposição de como a família se organiza ao redor do compor,
! tamento sintomático apresentado por um ou mais de seus membros,
Data da chamada e de como a família interage com o profissional ou instituição que a
Nome, estado civil, classe social, profissão do pai e da mãe e encaminhou para terapiá. Levantam-se, ainda, proposições de como o
das crianças por ordem de nascimento relacionamento entre os membros da família previne que haja um
processo natural de desenvolvimento de todo o grupo.
Data do casamento Durante essa fase, a equipe se pergunta: "Qual é a utilidade desse
Outras pessoas que moram na casa e grau de parentesco sintoma para o indivíduo?" e "Qual é a utilidade para o sistema
Problema familiar possuir um membro sintomático?" Resposta;> a essas perguntas
fornecem uma explicação temporária do porquê do sistema familiar
Quem telefonou apresentar-se com problemas, nesse determinado momento. As hipó­
Observações teses levantadas se tornam cada vez mais sistêmicas, à medida que se
Informações provenientes de quem encaminhou a família. coletam mais informações sobre a família.
Cada família .possui !lma assinatura sist~!!licª. JmiG.ª,._mªlL ~,ç_Q!.Jl<l..
Sala de atendimento :' é e9.!:l1Padª-,som microfone, gravador e
as ~míli~_ .. E.'l~,apLJ?.9r._~~~.tªgi9~L. ?~melbA!1~~_"~.ç!.~__s!.~~~~91yiIDen!Q.,
.e~E.~Lh.9_J.lnidj[.~ci9J!E1..sLqllio_ parJLJJm1:1 _ ê.~rª=:ªi.9~se.r.v?~~=-~onJlglJ.A!.... existem conflitos e tentativas de solucões comuns entre elas. Dessa
A~~l2-~~l1l<.S~JLd~ •.n.çLmíni!2lQ--Y.m...J~rªpeutaT ..que.-.tem..S~Q!!!Q.. manei;ã':-P;;; ' famílias - div;rci~d~;:-~d~p'tos'dessà"'modaii(râde tera­
fUtl~cr..ão ~~12 u:.~vi § t.~Lª-.l.Qillíliª"_ . ~ _.,º~.:~lJ.l ._q.,,dQis ,-ter"ap_e_uta~,_.p-r~t~ri~ pêutica provavelmente levantariam a hipótese de que o sintoma da
'. ~l!te três'"""p.ª-t<\... .QP.§§.[yi!L.~._.entrevtstfLP.QI._P~J.L~~i __qº_·_~,'H~.~lh9...:..Qnidi­ criança estaria servindo, de alguma forma, para manter juntos os pais
.... !~9QmtL Os membros da eqUlpe que observam a sessãb devem anotar divorcia dos , fornecendo oportunidade para maior contato entre os
as hipóteses levantadas durante a pré-sessão, as informações ' signifi­ pais do que se a criança não fosse sintomática.
cantes reveladas durante a sessão e as frases e palavras-chave utili­ Se é observado que perda é o tema central da família, pode-se
zadas pela família as quais deverão ser usadas pela equipe na formu­ levantar a hipótese de que, quando o filho mais velho se mudou de
lação da intervenção sistêmica . . casa para estudar em outra cidade, provavelmente deixou vago um
. Embora seja possível que o grupo se torne internalizado, servindo papel.de triangulação, que está sendo ocupado pelo membro sintomá­
'. dessa maneira sua função para o terapeuta que necessita trabalhar tico. Uma hipótese inicial com uma família de imigrantes geralmente
sozinho, adeptos dessa abordagem acreditam que o trabalho em equipe inclui a idéia de que o si~toma representa a indecisão da família
é essencial.' . sobre onde viver perman'e ntemente.
Na primeira entrevista , a família é informada sobre a modalidade i
Uma suposicão bá§iGª_Jl.9_J~.Y.ªnt.ªJJletit~L(;l.~_.hipó~~.L-L.qu~...Qs..
de trabalho em _e,quipe e a utilização.. dos· e quip....á~eiitos~Geralmente,· .,i ~mb!:9.Lde..uma fa.wiUª.J~mq~~ . S9}Jlp'etir pOL ':Irria. P9~iç_~9..~!pª1ºr.
. . ._- -_.. . • . . -. -. _. . . . .. ---..----"
- ---- - -- - -~--- ,-_. _ - .~
f
. i
I 63
62 ...,t
, I
" intimidade com o outro.2,EiItÇ.iRªlm~v.J~ ,_ÇQflli2-~t!5~O entr_~,_QLlilhQ§, com a filha, decorrente do crescimento de Alberto, Pode ser viável

parã-iiia'j~~"l1:íIiDirêfá:ae.:~éoÍRos p-ª.i.S.,, Inevitavelmente, isso leva à riva­ também que, se o filho preençhe uma função de marido para a mãe,

' lrda'de, ajustamento de posição e à constante busca por um envolvi­ seu crescimento pode levar a maiores exigências por parte da esposa,

mento mais viável entre os membns,


Essas hipóteses versam ao redor de um único tema, ou seja, o
Retornando à família A, vamos analisar as possíveis hipóteses sintoma de Alberto aparece devido aos aspectos encobertos, obscuros
levantadas pela equipe terapêutica, a partir das ' informações colhidas e não definidos do relacionamento entre os membros, levando a
através , do contato telefônico, Quem procura ajuda é a rr.ãe, por família ' 8. nã') cónseguir negociar no seu processo natural de desen­
sugestão de uma amiga que é psicóloga, solicitando entrevista para volvimento,
ela e seu filho, devido à relutância do filho em ir à escola, O terapeuta
Entrevista - A técni.ca de entrevi~,HL!!tiJiZ9dª-p-elo_,_GtuPQ_, d~
solici'ta o comparecimento , de toda a família e a mãe refere que o
MilãOéden(;~~inada' -q~~~tL9;~m~'n,iõ._ciLculaL e tem como final~º,~~S':'
marido terá dificuldades em participar do tratamento, pois trabalha
muito, frobt-~;- i~for~~ç6~~--cÍ~~:,AdioSQDnpnar . ql!nª9_-,a~ . hipºt~s_~?J9xm~:
ladas na--rêunlãO'2.rep~rªtqÚ?, 2) el!volv~~tqd,~_a,falp,í!!~-J. e 3) g,l!..~..-:
Frente à insistência do terapeuta, a mãe relata que, se a presença -fiOnã'~-sdif~~~~'c~~' exis ten t~s_ en.t,re j~~üs membras .e _os .§is tem.as .c!.e
do marido é assim tão importante, ela então tentará convencê-lo a -'y-ãIOres--ciâ- fà~ír(a
--­
'~'
---- ~_ .~-----'"'. _._ - - -
comparecer à sessão, Quanto à' presença de Ruth; a mãe refere que,
. Questionamento círcu_1a,L_ .sÜmWca ~ml~_ Q~"j~rapelJt? . se .' -ºQt9.~ª,
como essa não apresenta problema nenhum, talvez sua presença não
di a n ieêIã-íãmma~'~é)o~~; n~lltr. P., ..c;ºmo__~e_~§tiY~sse_-JQQ}~!1 te"PIQ~,
seja necessária, Acaba, contudo, por aceitar a sugestão do terapeuta
de que toda a família venha à entrevista, ·Curan~doC<Çí~t~.~ ·d~=4º~sQPr~ a ..vidaemu fa,l1!ULª-LP~!g~r~~~!:!99, __ª-!9d_q~
--õs-" ~e;:r-ib~os 'sobre isso, Além ' disso, cada p~rgt!I!ta .é .c.()ns.tXllíd~ . ª_
A partir desses dados e das suposições básicas formuladas por Pa;ti;d-~' ' i~f~~~~窺f()l:p~CrCc~'p~~ 7á~ír;a ,~ ~m_ r.elação__~,_p~TgJlnta_
essa abordagem, as seguintes suposições podem ser levantadas: ãnterior.-Õ" terapeuta, de forma ~etódica,~ constant~>- __ampha._sJeJl.
1 - Ciclo de vida familiar, Alberto está na adolescência, prova­ __
~~9.-A~ ~~pJo..r.~çJ9.-~~- ~e_dep_aJ--.er._ çpm,.-_~m,_R_qçl_dí9-4~.i!lçlªgª-cão.
velmente enfraquecendo sua aliança com o núcleo familiar. Uma fase significa n te para todo °
sls1~rna. -~2E.!~E~S,~.9. .en t~~ o~ __ _rn.~!)1..Er:Q~. _.9!,!,
de transição para toda a família, o que deve estar provocando n
IãiTIl1íã:'dúra te a en trevis ta, é f()JJ~m~n te. de~eI)~()@j.?_d--ª-,
desequilíbrio no sistema, '
,-- - O-;~~~-a ~;u ta m~~,ti~._;~~~.~.i!~9.L.J2~rs.i§_ti!1s1.9_§~mPr~._ Jlº" ..~stU()_
2 - Alberto e mãe. No contato telefônico com o terapeuta; a perg~nta~~~p.~i~·;~ Não_~~,Jn~~ress~apena~ . pelo c;0_nti;Yg_9 " dªLl~fQr~
mãe solicita uma entrevista para si e para o filho, o que sugere a mações, !pas sobre,tudo'peloIpo_g<? _<::()gl.o a? __ mf.QrlT.laço~s~oJ9!1:t~9º-ª$,
id~ia de que a interação entre eles é bastante intensa, Possivelmente
póis~!~~? indica o estilo interacional do sistema.
o crescimento de Alberto está gerando um maior distanciamento entre
Fragmentos de uma sessão esclarecem a técnica de questiona­
ambos, Dessa maneira, Alberto pode estar competindo com a irmã
mento circular utilizada por essa modalidade terapêutica,
para ganhar uma posição de maior intimidade com a mãe. Por sua
vez, o crescimento de Alberto pode estar levando a mãe a sentir que
Terapeuta: - Quem primeiramente notou o problema?
sua função de mãe está enfraquecendo, Pode-s~ ainda questionar se
a Sr. a C quer os filhos somente para si. Mãe: - Eu, Eu achei o dinheiro que ele havia roubado, no
.bolso de sua calça,
3 - Mãe e pai. Alberto talvez preencha a função de marido,
para sua mãe. Se esse for o caso, o crescimento de Alberto ameaça o Terapeuta: - Você notou, Quando você acho,u ~ dinheiro no
relacionamento entre o Sr. B e a Sr. a C. bolso da calça de seu filho, com quem pnmelramente con­
versou sobre isso?
4 - Ruth, Caso Ruth tenha um relacionamento muito próx'i mo
com o pai, o crescimento , de Alberto pode acarretar maior aproxi­
No decorrer da entrevista, o terapeu ta pergunta: "Como você
mação entre ela e o pai, exacerbaQdo o medo da realização de um
explica que ele tenha pego o dinheiro?"
relacionamen to incestuoso,
5 - Pai. Se a' hipótese anterior estiver correta, parece possível Mãe: - Eu acho que existe alguma coisa errada com a cabeça
que o Sr. B esteja também ansioso quanto a uma maior aproximação dele.

64 65
-]'

_ . Suponha que Alberto decida ir à escola, quem então ficaria


Terapeuta: - Você acha que existe alguma coisa errada -com a
cabeça de seu filho. Como seu ex-marido explica isso? ! mais próximo da mãe?
O que acontecerá no futuro 3e Alberto decidir retornar .à
Durante a entrevista, fica claro que toda vez que o filho rouba; escola?
a mãe telefona para o ex-marido. Eles estavam divorciados há dois O que precisa acontecer antes que Alberto decida freqüentar
anos. O terapeuta, então, explora os triângulos cross-generacionais
a escola?
existentes no sistema familiar, através das perguntas: "Qual dos seus
filhos está tentando mais mantê-los juntCls?" "Suponha que um de Essas perguntas seriam dirigidas a todos os membros da família.
seus filhos decida ficar com você depois que os .outros saírem de Por exemplo, após a resposta da mãe o terapeuta pode perguntar ao
casa, com qual deles você preferiria ficar?" pai: " Você concorda com o que sua esposa disse?" Após a resposta
do marido o terapeuta pergunta aos filhos: "O que você acha da
_Perguntas que com_~~~ com "sç~~-----º!!_"sup-onha~_s_ã_º Jr~g~1l!.s resposta de seu pai, Alberto?", "E você, Ruth, o que você acha da
_~~!2~_~ _.~!g!~~d..~i .P_~!? __-º!};!P~_Q~ .M.i1-ªQd~QÍ_~~LI1lit~I!.L~_.!~~J:1!.t~ resposta de Alberto?".
lidar com a relutância da família em definir os aS2ectos obscuros
- ' de~ ' -seus ' relaêfàrlamê;}'iõs':--- -.. . ,- ..,.. .., -, . ,_r. .... . ..---- --
~ ~ - - - - - -'--:- '___ . ~-........-..:.. ",::;._... :4<.'~

No caso de um membro se recusar a responder as perguntas, o

terapeuta pode perguntar a um outro sobre o membro silencioso e

Se, por exemplo, a mãe se recusa a definir seus dois filhos como retornar a este perguntando se concorda ou não com o que foi dito

sendo iguais, por causa do sintoma de um deles, o terapeuta então a sobre ele. Se o silêncio persistir, o terapeuta então pode dirigir-se a

confronta com a seguinte pergunta: "Se um filho não apresentasse um deles, querendo saber se um deles não fala porque não pode

nenhum problema, qual deles seria mais próximo de você?" ou porque escolheu não falar, ou, então, qual seria a resposta do

Além disso, o terapeuta formula perguntas que fornecem novas membro silencioso, caso decidisse dar a sua opinião_

alternativas para que a família pense sobre o problema. Por exemplo,


perguntas como: "O que terá que acontecer ao seu filho para que
pare de roubar?", ou "Que ajuda será necessária obter antes que as -
Intervenção ou DiClgl1º~lico Sistêmico
.~ .,- ~ .. .-' ~ -- " " ~_ ....•- -.•, - ._ -,->.

coisas mudem ?", têm essa finalidade. _ ' ­


Após a entr,,:vista, a equipe terapêutica se reúne novamente para
A~~!º-~d.oG~1l20 de , fv1iJ~o . §cre<;iitam _q ue "atravésAe§s~ ~stilo organizar as novas informações obtidas durante a entrevista , para
.?~~ntr~~,: ista,. ote~~p~t}ta _ky~" _a.tiv~!l!eI}te a família . a ulJ1a ,,_ s:~Ü~:st~ ~ __ chegar a uma conclusão sobre as hipóteses levantadas e para preparar
.~.I?~_~s~gD~~_õ~:>, alDP)i::indo o nível _de conscientizaçãp sobre" si mé;.§Jp,Q~ uma intervenção sistêmica que o entrevistador deverá comunicar à
.' __-_,_:. o __Er..~9.}~!P}!-..-. . . ­ família .
Vamos analisar, então, quais seriam as possíveis perguntas utili· Essa prática tem como finalidade confrontar o sistema familiar
zadas pelo terapeuta que adota essa técnica de entrevista, para testar de tal maneira que se torne desorganizado (alteração da homeostasia)
as hipóteses levantadas sobre a família A_ Provavelmente, uma e se reorganize subseqüentemente a partir das novas informações
primeira entrevista com essa família versaria sobre os seguintes- temas: introduzidas peIa" equipe ' terapêutica,
Qual é o problema? ,­ O conteÚdo das novas informações geralmente tem COmo objetivo
Quem primeiramente notou a relutância de Alberto em Ir à definir claramente os aspectos vagos e obscuros · dos relacionamentos
escola? entre os membros, enquanto, ao mesmo tempo, suporta a cre-nça da
família de que o contexto de seus relacionamentos não pode mudar.
Quem faz o quê em relação ao problema?
A intervenção sistêmica envolve, portanto, uma mensagem paradoxal
Quem se aproximou de quem, com a relutância de Alberto dirigida a todos os membros da família .
em ir à escola? Além disso, um princípio terapêutico fundamental para o Grupo
- Quem se distanciou de qtlem,-desde o surgimento do problema?
de Milão é a conotação positiva do comportamento sintomático. Dizer '
- Como vocês se davam antes e depois do aparecimento do
ao membro sintomático que ele está fazendo um grande sacrifício
problema?
por toda a família, ou que ele tem uma idéia' errônea de que deve
- Quem está mais preocupado com o problema?
trabalhar por todos, é a - maneira utilizada por essa abordagem de

67
66
. q ualificar positivamente o comportament~ sintomático d: u:n ou m~is fazem, mas ele decidiu esperar. E importante que Alberto continue
membros do sistema, comportamento motIvado pela tendenCla homeos­ dessa maneira até que sinta que não precisa mais fazer esse sacrifício
tática do sistema. O que se conota positivamente, porém, é a tendência pela família."
homeostática do sistema e não os membros da família. Os terapeutas
Caso existam algumas perguntas Ou que~tionamentos por parte
vão até o ponto de prescrever essa tendência.
da família, o terapeuta sugere de modo firme que elas podem ser
Para Pallazoli e seus colegas (1978) a conotação positiva permite: discutidas na próxima entrevista .
a) ter acesso ao sistema, confirmando sua tendência homeostática;
Analisando a intervenção sistêmica para a família A, notamos
b) conotar positivamente a tendência homeostática do sistema para
que foi escolhido o tema competição e rivalidade, pois o tema funda­
introduzir paradoxalmente a capacidade de transformação; c) colocar
menta a organização dos relacionamentos entre os membros e é
todos os membros do sistema em um mesmo nível, na medida em relevante para todos eles. E o tema unificador do sistema, a assinatura
que eles são complementares em relação ao sistema; d)' diminuir os
sistêmica da família . Esse tema, porém, é introduzido paradoxalmente:
terapeutas como membros do sistema; e) definir claramente a relação
família-terapeutas e f) definir o contexto corno terapêutico. . .. "Em algumas famílias, ser diferente leva à competição e rivalidade,
mas não é o que observamos nesta família . .. "
Retornando à família A, suponhamos que as hipóteses levan­
tadas na reunião preparatória foram confirmadas durante a entrevista. A seguir, o comportamento sintomático é conotado positiva­
Ao retornar à sala de consulta , o terapeuta primeiramente marca a mente: "O que nós vemos é que Alberto está se sacrificando para o
próxima entrevista. Geralmente as entrevistas são marcadas num inter­ bem de toda a família ... " Além disso, desdé que o sintoma é somente
valo de 3 a 4 semanas, para que as informações oferecidas pela um sinal de que existe conflito nos relacionamentos entre eles, é
equipe possam reverberar em todo o sistema. Após esse arranjo, o importante trazer à superfície os aspectos obscuros e indefinidos
terapeuta comunica à família a seguin te mensagem elaborada pela desses relacionamentos.
equipe terapêutica : Dessa maneira, o membro sintomático e os demais são colocados
"Obrigado a todos vocês por terem vindo hoje e por terem se em um mesmo nível, introduzindo a idéia de que todos eles estão
esforcado para comparecer a esta entrevista . Admiramos a maneira em total desarmonia, ao mesmo · tempo em que tódos se comportam
pela qual vocês criaram dois filhos tão interessantes e tão diferentes' de forma a preservar a unidade do sistema familiar : " . .. Alberto
um do outro. decidiu não crescer, por enquanto, em benefício de todos, e está
Ruth é bastante capaZ e está indo bem na escola. Alberto é mantendo toda a atenção sobre si. Assim, Ruth pode continuar sendo
bastante sensível · e capaz de ficar em casa o · dia todo, fazendo capaz, e um exemplo. A Sr .'" C tem com quem se preocupar durante
companhia para sua mae. o dia, e o Sr. B não é bombardeado de exigências por parte ele sua
esposa ao voltar para casa, após exaustivo dia de trabalho . . . "
Em algumas famílias, ser diferenie leva à competição e rivalidade,
mas não é o que observamos nesta família. Esse trecho põe também em · relevância e clarifica o paradoxo
O que nós vemos é que Alberto está se sacrificando para0 bem ao redor do qual a família se une: " . . . Alberto decidiu não crescer,
de toda a família. Ele decidiu não crescer, por eriquanto; e está por enquanto, e está mantendo toda a atenção sobre si, em benefício
mantendo toda . a atenção para si em beneíício de todos . Dessa de todos . .. " A seguir, a equipe sugere comportamentos alternativos :
a
maneira Ruth pode continuar sendo capaz, e um exemplo. A Sr. C " .. . Alberto pode decidir mais tarde que prefere ir à escola, ter seus
tem com quem se preocupar e o Sr. B não é bombardeado com amigos e gostar de fazer o que outras pessoas de sua idade fazem,
exigências por parte de sua esposa quando volta para casa, após mas ele decidiu esperar .. . "
exaustivo dia de trabalho. E, no final, a equipe prescreve a tendência homeostática do
Alberto é pessoa central nessa família, por causa do grande sistema : " . .. É importante que Alberto continue dessa maneira, até
sacrifício que está fazendo. Nós não sabemos ao certo se o problema que sinta que não precisa mais fazer esse sacrifício pela família ... "
de Alberto é ele não querer ir à escola, ou se ele está dominado pela . Essa mensagem tem o objetivo de colocar o terapeuta tanto na posição .
sua decisão de não querer crescer, por enquanto. de quem procura mudar o sistema, como na posição de não-mudança,
Albertp pode decidir, mais tarde, que prefere ir à escola, ter o que anula qualquer tentativa por parte da família de derrotar o
seus .amigos · e gostar de fazer o que outras pessoas de sua idade I terapeuta. Adeptos dessa abordagem acredÍiam que essa posição con­
-I
68 ._~ 69
· .

fusa aumenta a tendência da família em procurar novos relaciona­ mais com seos irmãos. Sinais como esses indicam que a terapia deverá
mentos entre os membros e novas organizações do sistema. ser finalizada.
À medida que o entrevistador comunica à família o diagnóstico Podemos conclui~' que o Grupo de Milão ~ o que mais fortemente
sistêmico, a equiJe fica alerta aos sorrisos, perplexidades e a qualquer vem tentando aplicar a epistemologia circular proposta por Bateson,
outro sinal que indique que a mensagem está tendo algum efeito na em conceitos teóricos e práticos sobre família. Nesse momento, eles
família. Qualquer comunicação por parte da família, durante ou após estão atuando em direções diferentes das adotadas ao escreverem o
a comunicação do diagnóstico sistêmico, é tida como dado importante livro Pafadox and Counterparadox. Boscolo e Cechin estão ensinando
a ser utilizado nO levantamento das hipóteses para a próxima sessão. essa modalidade terapêutica em Milão, nos demais países da Europa,
assim como no Canadá e Estados Unidos. Selvini e Prata, além de
Geralmente, se a família solicita uma entrevista antes da data ministrarem workshops, principalmente na Eu ropa, continuam a desen­
marcada, a equipe recusa esse encontro, acreditando ser a solicitação volver atividades de pesquisa. Como formam agora duas eql1ipes
uma tentativa de desqualificar a intervenção da sessão. anterior. diferentes, espera-se que desenvolvam diferenças entre si, assim como
Durante a discussão pós-sessão, a equipe avalia a sessão e inves­ entre seus inúmeros adeptos.
tiga possíveis temas que não foram suficientemente explorados. Se a
equipe sente que determinado tema é importante para a família, ele
pode formar as bases para novas hipóteses que irão direcionar a BIBLIOGRAFIA
equipe para a próxima sessão.
Pallazoli, M. S.; Boscolo, L.; Cechin, a.; Prata, a. (1978), Puradox anil
No decorrer da terapia, a fronteira que delimita o sistema Counlerparadox, Janson Aronson, Nova Yor.k.
familiar e o sistema terapêutico torna-se inevitavelmente mais fraca.
A família não fica mais perplexa ou surpresa com as intervenções,
podendo adotar um relacionamento complemel1lar com a equipe tera­
pêutica. Dessa forma, Campbell e seus colegas (1982) acreditam ser
extremamente importante que as hipótese.s levanradas envolvam tam­
bém o relacioaamento da família com a terapia. Por exemplo, as
suposições levantadas pela egllipe deveriam fazer conjecturas sobre
reJacionamer:.rOj específicos dos membros da família com a equipe
terapêutica os quais estariam inibindo o processo de mudança da
família.
Quando termina a terapia? Como mencionamos anteriormente, o
objetivo principal dessa abordagem é confrontar ou perturbar o sis­
tema familiar e, então, recuar para permitir à família que se reorga­
nize à sua maneira. Acredita-se não haver pos,sibilidades de predizer
que tipo de mudanças ocorrerão, nem as soluções que o sistema
familiar encontrará ao ser confrontado pelas intervenções terapêu­
ticas. Portanto, o critério em que a equipe se fundamenta para
finalizar a terapia encontra-se mais no sistema familiar do que na
equipe terapêutica.
O objetivo da terapia é trabalhar com as famílias até que elas
comuniquem à equipe que os relacionamentos entre os membros
foram reorganizados de maneira tal que o comportamento sintomático I
não se faz mais necessário. Os pais podem tornar-se mutuamente mais
próximos, um membro pode começar a se relacionar mais com seus
amigos, colegas etc., ou o membro sintomático pode estar interagindo
II
I
'i 71
70 _L
CAPÍTULO 5

Esquema, c?mparativo das terapias estrutural,


estrateglCa breve e a do Grupo de Milão

5.1 - CONCEITOS BASICOS

Estrutural Estratégica breve Grupo de Milão

Agente Terapeuta Individual. O terapeuta Equipe Terapêutica (mas são fle­ Equipe Terapêutica. Enfatiza a ·
Terapêutico representa ' uma caixa de resso­ xíveis quanto a isso); fornecendo neutralidade do terapeuta, forne­
nância, trabalhando em diferentes um . subsistema terapêutico para cendo um subsistema terapêutico
níveis de proximidade, como se estimar o padrão de comptlrta­ 'que enfatiza objetividade, e busca
fosse ao mesmo tempo ator e ;nento que mantém o problema e um consenso sobre as hipóteses e
diretor. Enfatiza a utilização do a intervenção a ser utilizada, que intervenção ou diagnóstico sistê­
selj do terapeuta . irá alterar o problema. mico.

Comunicação Concentra-se na comunicação Concentra-se na comunicacão ver­ Concentra-se na comunicação ver­


através da representação. Utiliza­ bal e não-verbal. :f!nfase -nos pa­ bal. :f!nfase no questionamento
ção da -comunicação concreta, drões de comunicação que man­ circular através do qual explo­
metafórica e não-verbal. Estimu­ têm o "problema". . . ram-se diferenças.
la e propicia interação entre . os
membros, enfatizando a explora­
ção de diferenças através dessas
interações. .

Em situações disfuncionais, a . As sl.tuações disfuncionais se de­ . Em situações disfuncionais, a fa­


Mudança família é incapaz de reorganizar senvolvem através de superênfa­ mília está "impedida" de prosse­
padrões usuais de interação, o que se, ou subênfase nas dificuldades guir o seu ciclo de vida. A equipe
as impede de lidar com novas cotidianas. A equipe terapêutica terapêutica identifica como a fa-

,
- - - -

Estratégica breve Gmpo de Milão


Estrutural
circunstâncias (intra ou extrafa­ identifica qual é o problema mília mantém essa situação. e
miliais). O terapeuta se insere (pensa pequeno), como ele está · intervém para alterá-la, mas, mu­
no sistema para criar uma crise sendo mantido e como poderá danças ocorrem basicamente den­
terapêutica , e mudanças ocorrem ser alterado, utilizando para isso tro da própria família, através
meios que possam parecer ilógi­ de intervenções externas mínimas
nesse contexto terapêutico sistê­
cos. que envolvem conotação positiva.
mico (família + terapeuta).

Sistema Considera a família como um Considera mais o comportamento . O sistema familiar é visto como
sistema complexo, composto por mantenedor do problema e suas uma unidade total, mas levando
subsistemas com diferentes fun­ tentativas de redução, do que o também em consideração os gru­
ções. Enfatiza a interação entre sistema per si. Pode intervir em PO$ sociais com os quais a fa­
os subsistemas nos diferentes ní­ um membro da família , em um mília interage. Minimização do
veis de desenvolvimento. subsistema, na família toda ou conceito de organização dos sub­
em sistemas extrafamiliais. sistemas e hierarquia na família.

5.2 - PRÁTICA
Estratégica brel'e Grupo de Milão
Estrutural
Sessoes semanais. Geralmente, Semanais, por um período de 10 Sessões uma vez por mês, pois
Tempo de algumas semanas são necessárias
Intervalo d<ls maior freqüência no início, com sessões.
intervalos maiores durante a fase para que as informações ' ofereci­
sessões das pelos terapeutas possam re­
final da terapia.
verberar no si stema.

Evita pré-sessões para que o te­ Sessões e intervenção ( prescri­ Pré-sessão, sessão, inter-sessão
Estrutura ( diagnóstico sistêmico) e pós­
da sessão rapeuta possa mais facilmente ção) e pós-sess30.
unir-se ao sistema. -sessão.

Através de focalização no pro­ Através de questionamento cir­


Colheita Através da dramatização. O te­
blema e nas tentativas de resolu­ cular. O terapeuta inicia as per­
de dados rapeuta cria cenários nos quais
cada membro da família fala por ção do mesmo. guntas, solicitando aos membros
que discutam sobre a opinião de
si, tornando evidente suas dife­
cada um deles e sobre suas dife­
renças.
renças.
r
i
,
..

CAPITULO 6

A abordagem psicanalítica
A c710 que falei sobre o amor que dedicamos à lIossa
mãe, mas não sei se falei do ódio também e do
amor que havia entre n6s, e do ódio também, ter­
rível, nessa história comum de 'ruína e de morte que
era tl história daquela família, ti história do amor
como ti história do ódio e que f oge ainda à minha
compreensão, é ainda inacessível para mim, escon­
dida na~' profundezas da minha carne, cega como o
r{'c<im-nascido de um dia.
Marguerite Duras

Como relatamos . no Capítulo 1, nos anos 50, na Califórnia,


Gregory Bateson e seus colegas iniciam a pesquisa em comunicação
humana e, a partir de observações de famílias de esquizofrênicos,
formulam noções inovadoras sobre a natureza, etiologia e terapia
de esquizofrênicos. Concomitantemente, no outro lado do Atlântico,
mais precisamente na Inglaterra, a teoria psicanalítica freudiana vinha
aumentando seu prestigio e passando por algumas modificações. O
indivíduo começa a ser estudado não isol adamente, mas como parte
de uma unidade. I nicia-se, então, a Escola Psicanalítica Britânica,
que fundamenta seu corpo teórico nos estudos das relações com o
objeto. A partir desses estudos, são desenvolvidos os conceitos de
identificação-projetiva, continência e ' contra transferência, como foram
descritos por Klein, Bion, Winnicott e Fairbairn, entre .outros .
Esses concei tos foram mais recentemente aplicados no trabalho
com famílias, por Sal1y Box e seus colegas (1981), no Departamento
de Adolescentes , da Clínica Tavistock, em Londres . A apresentação
da terapia familiar de abordagem psicanalítica se baseia nos conceitos
clínicos e teóricos desenvolvidos por esse grupo e na nossa experiência
clínica com famílias , apoiada nesses conceitos.

o
"O'" 6.1 NOÇÕES BÁSICAS
<1:1­
... ::l i
O estudo da dinâmica familiar envolve duas unidades sociais
::l o
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'"
I primárias. A família de origem, através da qual cada um dos côn juges
p- .0
I

'I 75
74
Podemos então dizer que, no bebê, nas primeiras semanas de
construiu seus padrões de relacionamento, e a família nuclear através
vida, o sentido do Eu e do Outro está subdesenvolvido. Para o
da qual os padrões de relacionamento aprendidos e vivenc'iados a
bebê, a mãe é parte de si mesmo, sendo que nesse estágio ele parece
nível consciente e inconsciente, pelos cônjuges durante a infância ~ a
ser incapaz de distinguir entre cuidados externos e uma experiência
adolescência são repetidos e continuamente desenvolvidos. interna. Essa fase é denominada por Mahler (1975) de fase simbiótica.
Essa formulação s~ fudamenta nos estudos psicanalíticos que Em biologia, o termo simbiose é definido como união perma­
m~stram como os relacIOnamentos ocorridos entre a crianca e seus nente entre organismos, .cada um deles dependendo do outro. para él
p~lsest~belecem padrões para relacionamentos futuros e c~mo con­ sobrevivência. Considera-se que nas primeiras semanas de vida o
flitos . nao resolvidos durante a infância e adolescência reduzem a relacionamento mãe e bebê se estabelece a partir de necessidade~
capaCIdade do indivíduo de construir, no futuro, relacionamentos mútuas. Esse tipo de relacionamento é primordial, pois reduz no
~~tuamente satisfatório~. Portanto, entender os conceitos psicana­
bebê sentimentos de vulnerabilidade e solidão, fornecendo-lhe coragem
lItlcos sobre o desenvolvimento da personalidade é pré-requisito para
entender a dinâmica familiar. para desenvolver~se.
À medida que o bebê descobre que a maioria de suas necessi­
. ,?s estudos psi.canalíti.cos. ~istinguem três fases importantes nos dades será satisfeita a tempo, a fase simbiótica vai dando lugar
primeIros anos ,~e vida do mdlvlduo (denominadas por Freud de fases a uma nova especle de relacionamento entre mãe-bebê, no qual
oral, anal e fahca). Essas fases se sobrepõem e a transposicão de ambos, o Eu e o Outro, começam a ser reconhecidos pelo bebê.
uma para a outra . v~r~a no ~e~po, de acordo com a expe;iência, Mas, no início, esse processo é ainda precário . Em períodos de
matund~ade e constltUlçao gen~tlca de cada criança. De modo geral, frustração, que acionam os impulsos destrutivos da criança, a pequena
essas tres. fases abo:da~ aproxlma~amente do nascimento ao primeiro capacidade do bebê de diferenciar entre Eu e Outro pode ser submer­
ano ~e vida, do. pnmelro ao terceiro ano e do terceiro ao sexto ano gida. Isso leva a criança a considerar que seus impulsos destrutivos
de vIda. RecapItularemos os aspecto~ dessas fases que são mais pertencem ao objeto, que é então percebido como sendo mau e
relevantes para a compreensão da dinâmica familiar. perseguidor. Esse processo forma a base para os mecanismos de
projeção e introjeção bastante enfatizados por Klein (1955).
Primeira Fase Segundo Melanie Klein, * desde o nascimento a criança é exposta
à ansiedade gerada por dois instintos , o instinto de vida e o instinto
o p,:imeiro ~no de vi~a do bebê é marcado por seu contato de morte, ou seja, integração e destrutividade. Diante da ansiedade
com a mae, que e o seu prImeiro e mais importante relacionamento gerada pelo instinto de morte, o bebê projeta a parte do Eu que o
co~ o ~undo externo. O principal interesse do bebê, nessa fase, é a contém, no objeto externo, representado pelo seio da mãe. Como
satlsfaçao de suas necessidades físicas, assim como a satisfacão de resultado desse processo, o seio, que contém uma grande parte do
:u~ necessidade de calor humano, que é obtido através do ~ontato instinto de morte do bebê , é percebido por este como sendo mau
mtl~~ com a mãe. Segundo Winnicott (1965), a mãe "suficientemente e perseguidor . A intrusão do instinto de morte no seio é freqüente­
boa e capaz de responder naturalmente às necessidades de seu bebê. mente percebida como se o seio tivesse sido fragmentado em vários
Isso se faz possível, segundo esse autor, devido ao desenvolvimento pedaços; dessa maneira , o bebê é confrontado por múltiplos perse­
na ,mãe, de uma. "preocupação materna primária", que ocorre n~ guidores. Parte do instinto de morte, que permanece no Etc, é conver­
penodo do nascimento do bebê, favorecendo relacão harmoniosa tido em agressão e dirigido aos perseguidores.
entre as necessidades do bebê e as respostas pro~idas pela mãe .
Concomitantemente a esse processo, estabelece-se uma relação
,E~sa relação harmoniosa entre mãe e bebê fornece. contudo, com o objeto ideal. Assim como o instinto de morte é projetado no
a.o u~tlmo, uma~ qualidade criativa onipotente. A mãe é a primeira objeto externo, como uma maneira de aliviar a ansiedade, a libido
hgaçao do bebe com o mundo externo, ou seja, um objeto que se (a energia que está à disposição do instinto de vida) é també!:'
pOS1ClOna externam.en~~ ao Eu, mas a fantasia do bebê (representada projetada para criar um objeto que satisfará os instintos que lutam
p.or uma Jorma primitiva de percepção da satisfação de suas neces­
SIdades) e de que o objeto (a mãe) é uma extensão de seu próprio Eu.
Em. outras ~alavras, o bebê quer o objeto e ele o tem, como se ele '" Uma descrição clara e resumida do trabalho de Melanie Klein é encon­
o ~Ive~se cnad~; . se o bebê não quer mais o objeto, por já estar trada no livro escrito por Hanna Segal, intitulado Introdução à Obra de
satIsfeIto, o objeto não estará mais próximo dele. Me/anie Klein .
•1

I 77
76
· p arz preservar a vida. Como cOm o instinto de morte, o bebê projeta desenvolve sentimentos de culpa. A ansiedade essencial do bebê nessa
parte da libido, e o restante é utilizado para estabelecer relaciona­ fase é que seu ódio, em momentos de intensa frustração, irá destruir
mentos gratificantes com o objeto ideal. Portanto, não vendo sinais ou destruiu o objeto que ele ama e de que é totalmente dependente
de diferenciação do Eu e do Outro, O bebê estabelece um relaciona­ (não somente o objeto bom externo, mas também o objeto bom intro­
mento com dois objetos. Com o objeto mau, que é o seio frustrador jetado). Assim, uma expressão de hostilidade para o objeto gratificador
mais as projeções dos próprios impulsos destrutivos do bebê no seio, poderá resultar, na fantasia" infantil, como a. perda ~esse objeto
e com o objeto bom, idealizado, · que é o seio que gratifica, assim e o auto-aniquilamento. O bebê que morde o selO da mae e procurá
como as projeções dos próprios instintos de vida, neste. feri-la, mesmo que a mãe não reaja com rejeição, sente culpa pelos
O objetivo do bebê nessa fase é o de adquirir, manter dentro seus impulsos destrutivos do objeto de que depende .
de si, e identificar-se com o objeto ideal. Portanto, a ansiedade Dessa maneira, nesse período, o bebê fica exposto a sentimentos
predominante nesse período . é que o(s) objeto(s) perseguidor(es) pouco experimentados na fase esquizo-paranóide. Sentimentos de culpa,
irá(irão) aniquilar o Eu e o objeto ideal. Assim, para preservar o Eu, perda irreparável e luto, derivados de sua f antasia onipotente, que o
percebido como sendo ameaçado pelos objetos perseguidores, como faz acre.ditarque seu ódio e hostilidade destruíram ou destruirão o
também para preservar o objeto ideal, ci bebê utiliza mecanismos objeto bom .
de defesa esquizóides, tais como intensificação da cisão entre objeto Essa fase mobiliza defesas novas, denominadas por Klein (1946)
ideal e objeto ruim, excessiva idealização do objeto bom, negação de sistema de defesas maníacas. Essas defesas envolvem uma regressão
e projeção. a mecanismos esquizo-paranóides, cisão, negação, idealização e pro­
Klein denominou essa fase do desenvolvimento do indivíduo, jeção,mas desta feita organizadas para proteger O Eu da experiência
que ocorre nos três primeiros meses de vida, de posição esquizo­ da ansiedade depressiva . A negação da im portância do seu objeto
-paranóide, porque a ansiedade básica envolvida · nesse processo é e do triunfo sobre o mesmo , o desprezo p elo objeto, o controle do
paranóide e o estado do Eu e seus objetos é caracterizada pela cisão, mesmo e a desvalorização ocupam o lugar dos sentimentos depressivos
que é esquizóide. (Hanna Segal, 1964).
A elaboração da posição depressiva depende, contudo, da capa­
Os mecanismos de defesa esquizóides _(cisão, idealização, identi­ cidade de reparação ela criança. A experiência que seu ódio e hostili­
ficação-projetiva, projeção e negação) são fundamentais no início de· dade destruíram ou destruirão o objeto bom mobiliza desejos de
vida do indivíduo, pois capacitam-no a incorporar dentro de si a querer reparar o dano que acredita ter feito no objeto bom. Da
experiência com um seio bom e idealizado, cindido do seio perse­ mesma maneira que a criança acredita ter sido capaz de onipoten­
cutório, e prepara o caminho para posterior relacionamento com o temente danificar ou destruir o objeto bom, ela acredita também
objeto como um todo. -­ que seu amor e carinho serão capazes de onipotentemente reparar ou
Por volta dos 4 meses de vida, quando o bebê já adquiriu trazer vida novamente ao objeto que acred ita ter destruído ou danifi­
um grau de consciência maior, e já reconhece a mãe como pessoa, cado. O conflito depressivo, portanto, rep resenta uma luta constante
inicia-se o relacionamento com objetos totais . Essa fase é denomi­ dos sentimentos de amor, ódio e impulsos reparativos experimentados
nada por Klein de · posição depressiva, e é alcançada através de pela criança.
identificações repetidas com O objeto idealizado} o que favorece uma Em circunstâncias favoráveis, a reapa rição da mãe .após períodos
maior capacidade de superar a ansiedade de perseguição, sem que de ausência, sua atenção, carinho e amor, gradualmente modificam
mecanismos esql.lizóides sejam utilizados intensamente. a fantasia onipotente da criança em relação ao seu poder de destruição.
Nesse período, o objeto ruim. e o objeto idealizado começam
a ser integrados, levando gradualmente à percepção de um objeto
total. Passo a passo, com a integração do objeto, ocorre uma inte­ .i
* Fantasia, segundo Klein, significa o conteúdo primário dos processos
mentais inconscientes e não simplesmente um a fantasi~, reprimida . Para essa
gração do Eu. A criança começa a tomar conhecimento de que é autora, não existe impubo ou expressão desses impulsos que não seja viven­
a mesma pessoa (ele mesmo), que ama e odeia o mesmo objeto (sua ciado como fantasias inconscientes . Todos os impulsos, sentimentos e defesa5
mãe) , que pode ser bom lima hora e ruim em outra; satisfazer ou são vivenciados em fantasias que dão a esses impulsos, sentimentos e de~e­
frustrar, . e que pode, portanto , ser amada ou odiada. sas, uma vida mental, direção e propósito . Uma descrição detalhada do conceito
kleiniano de fantasia é encontrada no artigo de Suzan Isaacs "A na.tureza. e a
Os objetos externos passam então a ser percebidos comoínde­ função da fantasia" no livro Os Progressos da Psicanálise, Melanle KleIn e
pendentes e capazes de reagir positiva ou negativamente, e · o bebê outros, Ed. Zahar, Rio deJaneiro, 1982.

78 79
De modo semelhante, falhas em reapançoes maglcas diminuem a maneira a fusão simbiótica que mnbos os cônjuges não conseguiram
fantasia onipotente da criança em relação ao seu poder de amor. transcender .*'
Ela, então, gradualmente descobre os limites do seu amor e do seu As possibilidades de os filhos de tais casais terem uma dupla
ódio, e com o crescimento e desenvolvimento emocional descobre carga sjmbiótica não está fora de cogitação. O nascimento do bebê
também maneiras eficazes de afetar a realidade externa. em um casal simbiótico é o nascimento de "ninguém", ou de alguém
Não obstante havermos focalizado até então o bebê no transcorrer que, como pessoa independente, com características próprias, não
de seu processo inicial de separação e individualização, os pais en­ existirá. No Capítulo 11 descreveremos mais detalhadamente as carac­
frentam os mesmos conflitos do bebê, embora de maneira comple­ terísticas de uma família simbiótica.
mentar. A ansiedade do bebê e seus comportamentos podem reativar A posição esquizo-paranóide vívenciada pelo hebê corresponde
nos pais as próprias vivências que tiveram no momento evolutivo também a uma dinâmica especial, um modelo específico de interação
complementar. familiar. A evolução em direção à integração e maturidade será
Soifer et aI. (1982) sugerem que a habilidade dos pais em conter possibilitada quando os pais forem capazes de se identificar com os
os impulsos destrutivos dos filhos e ensinar-lhes a manter a vida elementos dos impulsos destrutivos da criança, projetados sobre eles,
depende de várias possibilidades: a) de entrar em regressão parcial sem contudo atuarem essas projeções (aciing out).
ou inconsciente, regressão que vai ser maior ou menor conforme a Os pais devem fornecer um receptáculo para as projeções das
flexibilidade de sua personalidade e a rigidez ou permeabilidade da partes do Eu sentidas como intoleráveis, absorver o que está sendo
repressão de suas vivências infantis; b) de encontrar em sua própria projetado e, ao invés de concordar com as demandas feitas pelo
experiência o equivalente daquela que estão vivenciando; c) de bebê, retransmitir as projeções de forma maIs digerível, para que
tolerar a reativação das ansiedades que experimentaram, quando possam ser reintrojetad3s pelo bebê.
adquiriram a aprendizagem em pauta; d) de se libertar da regressão
e voltar à sua condição .de adultos e, e) de questionar-se e modificar, Se, por exemplo, o bebê projeta nos pais sua agressividade e
se necessário. o modelo recebido. estes rejeitam o bebê de modo hostil, começa a ser estruturado um
modelo de relacionamento entre os familiares em que a agressividade
Podemos dizer que, assim como para o bebê as poslçoes simbió­ é inconscientemente percebida como algo ruim e ameaçador, que deve,
ticas e esquizo-paranóides podem ou cristalizar-se em uma estrutura portanto, ser mantida sob coritrole em um recipiente. O recipiente
psicótica de personalidade ou favorecer a experiência de introjetar das projeções da agressividade do grupo geralmente é uma pessoa
algo bom, para os pais possibilitam uma oportunidade de retorno que irá personificar a agressividade para os demais, e pode ser tanto
às posições correspondentes e enriquecimento da personalidade ou membro da família, possivelmente a própria criança, como "alguém"
en tão podem acentuar um padrão psicótico de funcionamento do fora do círculo familiar. Dessa maneira, a família se vê livre da
grupo familiar. agressividade, mas quando o recipiente tenta livrar-se da imposição
desse p3pel emergem ansiedades e conflitos na família.
Searles (1964) sugere que, ao longo dos anos, a família passa
por um processo de individuação, de liberação ~ partir da simbiose. Portanto, quando os pais não são capazes de conter as projeções
Segundo o autor, há determinado momento na vida do grupo familiar dos filhos, conflitos intrapsíquicos, que ocorrem no interior do indi­
em que existe uma sensação hedonística de "unicidade" familiar víduo , são exteriorizados, passando a assumir características de con­
simbiótica . A perda desse sentimento é vivenciada como intensa dor, flitos interpessoais entre os familiares. Dessa forma, assim como os
que leva ao surgimento de atitudes defensivas. É o medo de aban­ bebês, encontramos famílias que fazem uso extenso de mecanismos
donar os sentimentos penetrantes de serem todos um só coração e esq uizo-paranóides.
uma só cabeça. Essa fase é pré-requisito para desenvolvimento pos­
terior; somente depois de ter aprendido a ser dependente é que se " Para Dicks (1967), a nível inconsciente, os conJuges se escolhem a
pode tornar autônomo. partir de um "encaix~" com personalidades, para um Irabalh;> conjunto e~
direção à maturidade. Muitas vezes, contudo, o que ocorre e o desenv_ol v1 ­
Adultos que nunca conseguiram sair de uma posição simbiótica mento de defesas conjuntas para adiar um caminho doloroso em dlreçao a
em suas famílias de origem, muito provavelmente se interessarão pelo crescimento e integração. Disculiremos tal conceito mais detalhadamente no
correspondente de .~i mesmos no sexo oposto, perpetuando dessa capítulo 8.

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Membros de famílias de estrutura esquizóide, por exemplo, não para reafirmação do mito. Essa reafírmação,. entretanto, se ~az P?ssível
conseguem conter os sentimentos projetados sobre si próprios, sem às custas de projeção das imagens repudJacas fora do mtenor da
contudo atuarem essas projeções. Nessas famílias, partes do Eu são família ou às custas de projeções das imagens repudiadas em um
prontamente projetadas em outros, que as aceitam com igual facilidade membr~ da família (o doente), enquanto o objeto interno idealizado
e desempenham certas funções para outros membros. Sentimentos é projetado em outros membros (os .dignos ?e el?gios)..: Mas,. q~al ~ a
agradáveis e dolorosos são cindidos, mantidos rigidamente separados mecânica que mantém o mito familIar? A Identlflcaçao-~roJetlva e o
e freqüentemente projetados, os primeiros em um membro "bom" e processo através do qual não só os im,Pulsos mas. parte do mundo
os segundos num bode expiatório "mau". interno é cindida e projetada em fantaSia, num obJ~to. Como conse­
Seguindo esse ponto de vista, o membro sintomático é a pessoa qüência desse processo, o projetando fi~a desprovido dess,a parte ,
sobre a qual convergem as deposições de toda a família. Como se os que é então experimentada como se estivesse sendo possulda pelo
outros se aproveitassem da doença do que agora é "doente", para objeto. Dessa forma, tanto a imagem de si mesmo como a do objeto
aparentemente se livrarem da própria: ficam distorcidas.
Outras famílias projetam para fora do círculo familiar as partes Jaffe (1968) apresenta uma revisão cuidadosa da evolução do
intoleráveis do sistema icconsciente do grupo. Estabelece-se então conceito de identificação-projetiva, inclusive um reconhecimento dos
um funcionamento familiar paranóide onde são afastados cuidado­ fenômenos clínicos antes de serem enunciados por Klein em 1946.
samente da área de percepção da família os elementos de agressão, Nessa época, Klein definiu identificação-projetiva como "uma combi­
violência e morte. Constrói-se a partir daí um mundo no interior nacão das partes cindidas do Eu e projeção dessas partes em uma
do grupo, restrito à supe:'valorização de certas idéias ou ideologias , outra' pessoa". Mais tarde, em 1955,' adi~ionou que o :(sent~mento
por detrás das quais defe'1de-se desesperadamente uma agressão não de identificacão com outra pessoa e deVido a uma atnbulçao das
controlada. Os membros de tais famílias criam para si mesmos a qualidades O~I atribuitos do Eu, no Outro". Klein vis,u~lizo.u. ~s~e
ilusão de que se dão idealizadamente bem juntos, projetando então fenômeno como sendo uma defesa, que surge nos estaglOs iniCiaiS
para fora da famíl:a (no mundo corrupto, repleto de delinqüentes) de desenvolvimento do indivíduo , caracterizadas por cisão do Eu e
os impulsos hosti s recíprocos, insuportáveis . A família paranóide dos objetos.
reconstrói a realidade, não só mediante negação e ' fugas fóbicas, Anna Freud (1936), no entanto, chama-nos a atenção para o
mas pode construir um sistema de ilusões verdadeiramente clínicas. processo de conluio existente no fenômeno de identificação-pr~jetiva.
Geralmente durante a adolescência de um ou mais de seus membros, Ela considera esse fenômeno defensivo como fornecedor de iOtensa
quando a família fica exposta a sentimentos de agressividade, sexua­ gratificação do impulso projetado. Implícita nessa formulação está a
lidade, vioJência e independência, ela pode, como último recurso, idéia de disponibilidade , inconsciente ou não, do receptáculo das
projetar maciçamente agressividade e hostilidade no adolescente que projeções, de estabelecer um conluio, para fornecer intensa gratifi.
passa a corporificá-los, tornando-se o membro violento e delinqüente. cacão em favor do outro . Na ausência desse processo conivente por
Estamos falando, portanto, de mecanismos de defesa utilizados pa~te do outro, o caráter defensivo do fenômeno de identificação­
pelo grupo familiar , num padrão específico de interação, denominado -projetiva falha, ou a projeção é "perdida".
por Ferreira (1963) e Byng-Hall (1973), de mitQ familiar. A função Os estudiosos da psicologia interpessoal, principalt:nente os estu­
do mito familiar é a de evi tar ou esconder uma conscientizacão do diosos da dinâmica familiar, enfatizam ainda mais o processo intera­
potencial interno, ~epudiado , implícito nos papéis desempenhados por tivo entre "projetando" e "projetado", incluso no . fenômeno da
cada um de seus membros. i dentificação-proje ti va .
Os papéis padronizados adotados em concordância mútua pelos Zi:-Iner e Shapiro (1972) relatam que uma variedade de termos,
membros da família, embora distorcidos, fornecem um esquema útil tais como simbiose , bode-expiatório e processos de projeções ?a
para ações sociais, mas podem reduzir a flexibilidade e capacidade família têm sido empregados qualitativamente para descrever relaclo­
da família em responder adequadamente a situações novas e não namentos nos quais um participante interage com o outro como . se
ensaiadas. não fosse ele mesmo mas sim uma outra pessoa. Esses termos,
Em outras palavras, famílias sobrecarregadas de mitos, por não entretanto, possuem tr~ços comuns: 1) o sujeito percebe inconscien­
serem capazes de . tolerar ambivalência, freqüentemente dependem temente o objeto como se o objeto contivesse elementos da persona­
de uma aderência rígida de cada um de seus membros a seus papéis, lidade do sujeito; 2) o sujeito pode evocar comportamentos e

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sentimentos no objeto em conformidade com as percepções do sujeito; das partes intoleráveis do Eu e fornecer ao projetando uma · oportu­
3)· o sujeito pode experimentar vicariamente as atividades e senti­ nidade para reintegração.
mentos do objeto e, 4) os participantes de um relacionamento Íntimo
estão freqüentemente em conluio uns com os outros para friàntú O que resulta desse processo é a capacidade para integrar amor
projeções mútuas, isto é, superar as operações defensivas uns dos e ódio, e para tolerar a conseqüente ambivalência e ansiedade depres­
outros e para proporcionar experiências Rtravés das quais o outro siva. Os membros da família conseguem perceber os outros e a si
possa participar intensamente. mesmos como indivíduos independentes, com sentimentos, neéessi­
dades e percepções próprias. Tais famílias, em geral, são capazes de
É por meio da cumplicidade do empref;O da identificação~proje­ enfrentar ambivalência, de· maneira construtiva, favorecendo ' para
tiva que surgem, na família, os diverso pap~is, muitas vezes estereo­ todos a possibilidade de trazer no relacionamento familiar os aspectos
tipados, desempenhados por cada Uffi dos membros. regressivos que subsistam em cada um, sem que isso provoque perda
Antes mesmo do nascimento do bebê, o casal, isto é, os pais, de identidade e subseqüente utilização de mecanismos de defesa
introduzem-no em seu sistema de . defesa. A partir do nascimento, esquizóides.
uma variedade de coação por parte dos pais interage com os requisitos Essa formulação nos fornece noções sobre o funcionamento ideal
instintivos da criança para fixá-la como participante . conivente do do grupo familiar. Na realidade, durante o seu ciclo de vida, o grupo
sistema inconsciente do casal, estabelecendo a partir dessa dinâmica familiar move-se alternadamente entre um funcionamento esquizo­
o sistema inconsciente do grupo familiar. paranóide e depressivo. Esse movimento varia em força, dependendo
Baseando-nos nas idéias de Ezriel (1968) sobre psicoterapia de da psicopatologia · subjacente de seus membros, principalmente da
grupo, podemos definir o sistema inconsciente do grupo familiar psicopatologia subjacente dos pais.
como "o denominador comum das fantasias inconscientes dominantes
de todos os membros, . o que · penriite que cada um deles se torne
parte ativa ou aceite passivamente um certo papel e manipule outros Segunda Fase
(ou tolere ser manipu).ado por outros) para fazê-los . assumir papéis
. Do primeiro ao terceiro ano de vida, a habilidade muscular
particulares, com o resultado de, ao final, 'o grupo estar estruturado
da criança aumenta, ela aprende a engatinhar, a ficar de pé sem
de tal maneira que as relações de objeto no grupo correspondam, de
apoio, a andar e a falar, resultando daí maior capacidade de sepa­
certo modo, ao que é exigido pelas diferentes relações . objetais
ração de seus pais. Além disso, as funções da parte terminal dos
inconscientes de cada um de seus membros".
intestinos passam a ser tão prazerosas como o foram a da entrada
Mais recentemente,Bion (1959), Segal (1964), Rosenfeld (1965) do tubo. digestivo, no primeiro ano de vida.
e Ogden (1982) chamam nossa atenção para as diferentes finalidades
Esse é um período de crises de independência e controle.
da identificação-projetiva. Esses autores sugerem que tal mecanismo
Ao mesmo tempo em que a criança deseja a imediata satisfação
pode ser utilizado não só como defesa, mas também como forma de
comunicação e como um caminho que leva a mudanças psicológicas. de seus impulsos, ela teme perder os objetos que ama e é depen­
. \
dente. Esses sentimentos, . devido à · fantasia de onipotência da
Como modo de comunicação, identJicação-projetiva é o processo criança, são bastante exagerados. A criança fica. ansiosa face aOS
através do qual sentimentos pertinentes ao Eu. são projetados no seus impulsos aparentemente incontroláveis, mas deseja também ser
Outro, criando, portanto, um modo de ser entendido, de "fazer parte capaz de controlar seus pais, para que não a abandonem por causa
do Outro". Esse mecanismo favorece os primórdios da empatia, mas de sua crueldade e exigências.
se usado excessivamente len à perda de identidade e perda de
nitidez nas fronteiras que delimitam o Eu e o Outro. Nesse período, toilet training é fator importante no relaciona­
mento da criança com seus pais . Ao passo que a criança está se
Como um caminho que leva a mudanças psicológicas, identi­ tornando mais consciente dê sua capacidade de separação, está tam­
ficação-projetiva é o processo através do qual sentimentos conflitantes bém aprendendo os elementos básicos do dar e receber, existen tes
. podem ser processados psicologicamente pelo Outro, e tornados dispo­ no relacionamento. Mas, devido a uma conscientização de si mesma
níveis para reintegração de modo alterado. Quando isso ocorre no em termos de corpo, a criança tende a equacionar o corpo com
interior da família, os membros são capazes de conter as projeções sua concepção do Eu. Assim, os produtos de seu corpo se tornam

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• .'I1
importantes, no elementar dar e receber no relacionamento com receber crueldade, estruturando dessa maneira uma interaç.:io sado­
seus pais. masoquista.
O valor que os adultos dão à evacuação, nessa fase, leva a Encontramos também famílias que tentam controlar os impul­
criança a fantasiar que os produtos fecais são material precioso e sos de seus membros com o uso· de atitudes próprias de fase anal:
a querer guardá-los para si. O que sugere o aspecto sádico da criança, ordem, limpeza, meticulosidade e obstinação. Tais famílias agem
pois ao invés de oferecer suas fezes de presentf-, como expressão de com pormenor e minudência, cultivando simultaneamente uma firme
amor, poderá retê-las como gesto hostil aos pais, que desejam a eva­ regularidade em seus atos. Todos os filhos, desde cedo, devem con­
cuação. Por outro lado, a criança pode considerar as fezes como formar-se com um único tema comum como, por exemplo, honesti­
objetos internos destrutivos, que podem ser eliminados através da dade e moralidade, e devem escolher para si um papel que se ajuste
evacuação. Nas relações objetais, a excreção pode assumir caracte­ exatamente ao roteiro e às regras da família.
rísticas de agressividade prazerosa, portanto, sádicas. Como é o caso, Não há improvisações, modificações, nem experimentação com
por exemplo, da criança que não usa o vaso sanitário para suas novOs temas. Qualquer desvio · do papel prescrito ameaça o sistema
excreções, para contrariar os pais que desejam mantê-la limpa. de defesa do grupo familiar, gerando ansiedade de magnitude ele­
Nessa fase, o. relacionamento da criança com os pais é envolto vada. Quando a criança cresce e se recusa a desempenhar o papel
por sentimentos simultâneos de amor e ódio. Ao mesmo tempo em prescrito, ou então ocorre a saída de um membro, advém desestabi­
que ama seus pais e deseja cooperar com eles, por reconhecimento lização do sistema.
pelo amor que deles recebe, também os odeia, poís são obstáculos No consultório, geralmente essas famílias "mantém distância",
para a satisfação de seus impulsos. As exigências dos pais muitéis parecem fornecer pouca informação e quando o fazem é de maneira
vezes estão em desacordo com os impulsos da criança. Se a bexiga detalhada; cada um dos membros, por sua vez, e somente quando
ou os intestinos estão cheios, a criança deseja esvaziá-los imediata­ o terapeuta lhes faz alguma pergunta.
mente para obter alívio de tensão e prazer. A família cria em seu interior um mundo protetor e busca
A concomitância dos sentimentos contrastantes de amor e ódio no terapeuta um aliado na consideração do problema, como se fosse
em rela'ç ão aos pais e a necessidade de satisfação de 'seus impulsos a escola, que é muito permissiva, ou o médico, que não acerta a
medicação para o filho. Sempre citam eventos extremos, a profes­
levam a criança a desejar dominar e controlar aque1es que a rodeiam
sora que sai chorando da sala pois não consegue controlar os alu­
e fazer tudo o que pode para ter prazer, mesmo à custa de sofri­ nos, ou a estória do médico relapso que prescreveu medicação errada
mento alheio. Mas, ao mesmo tempo, a criança teme que suas ati­ para um parente próxinio ou conhecido.
tudes sádicas a façam per.der o amor. Diante desse medo, a criança
Ao descreverem a vida em família, percebe-se que há um medo
desenvolve então a necessidade de punição e castigo, que afasta
terrível não só da situacão de solidão como também de situações
magicamente o perigo de perder seus pais. Além disso, o castigo
que levam a desentendin;entos . Os filmes e programas de televisão
físico proporciona indiretamente à criança prazer pela estimulação são rígida e cuidadosamente escolhidos pelos pais, peis estes não
das nádegas ~ outras partes do corpo. Assim, a complexa tendência suportam nem em conversa temas relacionados com crimes, desas­
a sofrer e a fazer sofrer, ou seja, masoquismo ~ sadismo, torna-se
tres, mortes ou relatos infelizes.
mais evidente nessa fase.
Os filhos são superprotegidos e acautelados veementemente con­
Os desejos da criança por prazeres sadistas de dominar às custas tra todos · os tipos de perigos e males. "Cuidado, filho, com aquele
de sofrimento alheio, seu controle onipotente e sua luta para recon­ seu amigo", "cuidado com os homens, filha, eles falam de amor,
ciliar suas necessidades contraditórias de separação e apego consti­ conseguem o que querem e depois te abandonam" ... , são advertên­
tuem crise para toda família. E, assim como na fase anterior e nas cias freqüentemente endereçadas aos membros de tais famílias. Mas,
demais fases, constituem as bases ·para desenvolvimento do grupo a pressão é demais para os filhos se controlarem o tempo todo, est~­
familiar, servem como substrato de estruturas patológicas de rela­ rem limpos, quietos, tudo em ordem, desprovidos de qualquer sentI­
cionamento. mento ou expressão de agressividade. E, em conseqüência, eles podem
Em alguns casamentos podemos 02<;p.rvar reflexos dessa fase de começar a apresentar um Eu medroso e empobrecido, o que é co~­
desenvolvimento. Por exemplo, naqueles onde cada um dos cônjuges siderado como. saudável, e todos se "alegram" por uma adaptaçao
tende a repetir no relacionamento marital a necessidade de dar e racional aos perigoS do mundo ao redor.
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I
'. i
I
J A criança será capaz de lidar com essas ansiedades de maneira
Richter (1979) sugere que em tais estruturas os membros ape­
gam-se uns aos outros para se protegerem ,juntos contra os perigos ! mais segura quando a maioria dos conflitos referentes aos impulsos
IJ, de amor e ódio e ao controle de suas funções corporais provenientes
imaginários que os ameaçam de todos os lados ' - e com essa ati­
das fases anteriores for resolvida adequadamente. O grau de segu­
tude defensiva perdem, naturalmente, as possibilidades de um desen­
rança com o qual os pais assumem suas identidades sexuais e a
volvimento livre e progressivo. Concomitantemente a essa estrutura
tolerância dos mesmos em relação à curiosidade e impulsos hostis
familiar, muitas vezes, têm uma estrutura ideológica, a necessidade
da criança influenciam profundamente o desenvolvimento sexual da
fóbica de se fecharem entre si, ou ' a incapacidade de se separarem
de um parceiro protetor sem caóticos repentes de ansiedade. Mas criança e seus relacionamentos na vida adulta.
essas atitudes são tidas como altamente recomendáveis e livremente Os conflitos, fantasias e ansiedades pertinentes a essa fase de
escolhidas, pois Gessa maneira cultivam a ilusão de que na família desenvolvimento podem tomar forma de fantasias e ansiedades com­
reina somente pa?:, harmonia, saúde e segurança. Essa noção de um partilhadas por todo o grupo familiar . Algumas famílias são um
mundo seguro e protegido no interior da família serve de manto exemplo vivo das fantasias de castração e , sedução experimentadas
de proteção contra as agitações perigosas que ameaçam um sistema na fase fálica. Dessa forma , os papéis de homem eryulhernão podem
ai tamente vulner2.vel. ser claramente definidos ' pois são vivenciados inconscientemente como
anulacão e autodestruicão . Para lidar com a ansiedade gerada por essa
crenç~ inconsciente o~ membros podem interagir assumindo papéis
Terceira Fase complementarmente distorcidos em relação aos outros.
Assim, para a mulher, o marido pode desempenhar o seu lado
. Dos três aos seis anos de idade, a capacidade intelectual da

fraco e, também, até certo ponto, uma extensão positiva sua, pois
criança se desenvolve consideravelmente. O seu rol de relaciona­

através dele ela se compensa da falta de virilidade fálica, com a qual


mentos torna-se maior, assim como sua habilidade de envolver-se mais

nunca se conformou. Para o marido, a mulher que se apresenta como


intensamente com as pessoas ao seu redor.

forte, segura e sedutora oferece com fartura tudo aquilo que ele tem
~sse período ~ marcado por um maior reconhecimento, por parte
medo de desenvolver em si mesmo, talvez por ansiedade de castração.
da cnanç~, das diferenças existentes entre -pai e mãe (sendo que
Ele então delega à esposa a função de desempenhar o papel de seu
ambos satisfazem necessidades importantes). '
próprio Eu ideal fálico, sem correr o risco de afirmar mais fortemente
. , C?s co~flitos pertinentes a essa fase são de alguma man~ira mais
os mesmos desejos em si mesmo. Ele pode satisfazer sua secreta
dlÍlcels, pOIS envolvem o efeito dos impulsos sexuais da cri anca dire­
necessidade de autoconfiança, através dos gestos e olhares de admi­
cionados aos p.ais, assim ,fomo a percepção de que seus p~is pos­
ração que outros homens dirigem à sua mulher. E passa a ser o
suem um relaCIOnamento a parte, o que gera sentimentos de rivali­
invejável "vencedor" na competição com os inúmeros admiradores,
dade, ciúmes e exclusão.
que se sentem iguais a ele, fortemente atraídos por sua esposa.
Quando o dilema da rivalidade se torna muito intenso, a crianca
Os filhos , desde o início, são pressionados a assumirem os papéis
pode tentar resolvê-lo através de fantasias, que geram ansiedade de
desempenhados por seus pais nas suas funções de homem e mulher.
elevada ma.g~itude. A criança pode fantasiar a separação dos pais,
O menino pressionado a permanecer preso à mãe, fraco e dependente
ou a destrUlçao de um deles, para conseguir possuir um deles somente
dela, como seu pai. A menina , a desempenhar seu papel coadjuvante
para si. Ou , então, a criança fantasia seu relacionamento. sexual com
em relação à mãe. Tem que ser bem educada, bonita, sedutora " e
um dos pais por meio de uma dominância agressiva ou sádica.
"segura" de si mesmo como sua mãe, pois assim fica mais fácil a
A ansiedade provocada por tais fantasias é bastante intensa
identificação entre as duas (Richter, 1979) .
te~do em vist.a que envolve não somente o sentimento de amor pelo~
Quem quer qué tente questionar ou alterar os papéis mascu~i~os
pals_ e n~cessl.dade de p~~servação dos mesmos, mas também' preser­
e femininos desempenhados até então ameaça a unidade faml~lar.
vaça~ :la uOldade familiar, que é a base social que, assegura o
Se, por exemplo, o jovem adolescente persistir em romper · essa
crescimento em direção à vida adulta. Um aspecto adicional dessa
conspiração, o grupo, ameaçado, poderá forçar mais vigorosamente
ansiedade é que a criança pode imaginar que suas fantasias de
para ' que continue desemp,e nhando seu papel complementar. f', . uma
destruição e agressividade provocam atitudes de retaliação por parte
luta dolorosa pela libertação, como sugere o sonho de um adolescente
dos pais.

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membros sintomáticos, ou seja, um sintom a local. Algumas famílias
vivencíando em sua família enormes pressões desse tipo: "Sonhei onstroem para si um mundo insano, desenvolv~ndo um Eu familiar
que estava enterrado vivo num caixão pequeno, debaixo da terra, ~oletivo fundamentado em conflitos não resolVidos,
Eu me debatia, debatia, e não conseguia sair." E, ao sair de um
processo de interação conivente no interior da família, o adolescente O interior de tais famílias não consiste de duas, partes - a
talvez sinta certa sensação de vazio e confusão quanto a sua própria , d' doente - mas de um conjunto bastante umforme, onde
sa la e a bros se equilibram de forma 1'1'usona,
" f a1SI'f'Ican do a
identidade sexual. Geralmente procura terapia referindo ser homos­ to d os os m em f 'I' d d
sexual, mas na verdade está confuso quanto à própria identidade . l'dade para si mesmos e para o resto da amI la, e mo o a
lea I " d 't
sexual. Quando isso ocorre, o grupo familiar aproveita-se do "sin­ preservar e a manter o equilíbrio patologlco o SIS ema,
toma" de seu membro desleal para reforçar ,ainda mais suas defesas, Nenhum dos membros "se rebela" contra o ,mundo insano e~
mas desta feita, ao redor do membro "perturbado/perturbador", que está inserido, ninguém é capaz de correr o ,r,lsco de ten~ar sair
A adolescência fornece nova oportunidade para retestar relacio­ de um esquema conivente no inte,rio~ da famlha e ~ssumlr suas
namentos de dependência no passado, inclusive os resíduos de fantasias róprias dificuldades e conflitos, TaiS ,sistemas po~em nao apr:senta:
inconscientes, através de um relacionamento mais maduro com os ~m sintoma local, sendo mantidos assIm de g~raçao ~m geraçao, ate
pais, A intensidade de sentimentos, derivados em sua grande parte q ue algum membro rompa o equilíbrio patológ~co do Sistema, Quando
das mudanças fisiológicas do adolescente, acionam novamente as ,
ISSO ocorre o mem b ro "ebelde"
r corre o pe , ngo de ser encurralado
1 '
emoções experimentadas durante os primeiros anos de vida, Mas, , -
na poslçao e 'd "doe te"
n, e passa a ser o porta-voz
, , de
. uma pato
'f' ogla
d
como vimos no exemplo acima, para o adolescente a chegada da que vm , h a sen d o "herdada" através de uma dmamlca especI Ica e
vida adulta é mediada por sua experiência com seus pais, em seus interacão familiar.
papéis de homem e mulher, marido e esposa, Não somente pela I~teressante também é o ponto de vista salientado pOL ~ichter
manifestação de seu comportamento nesses papéis, mas princi.')almente (1979) sobre a neurose de caráter da famíl~a, O P?rtador ~e ~mt~m~
pela experiência dos sentimentos mais profundos de insegurança e numa família de caráter neurótico não ,sena alguem que ,e, ~lscnml­
segurança expressos por eles no desempenho desses papéis, Con­ nado e excluído, mas sim um membro ll,der do gr,upo famdlaJ. Como
tra tais atitudes mais profundas dos pais, a expressão da sexua­ se a família, durante o seu desenvolvImento, tlV:sse que es~olher
lidade do adolescente será testada a nível consciente e inconsciente, entre dois caminhos, Ou manter sua relação normal co~ a reahdad~,
Não pretendemos esgotar as inúmeras formas de relação que tendo assim que permitir que seu ~~mbro poten~almente mais
podem ser observadas nos vários grupos familiares, Nosso - objetivo problemático entrasse em crise, ou sacrIÍlcar sua relaç~o normal co_m
foi o de ilustrar, através de traços marcantes, a vinculação existente a realidade às custas de uma solidariedade que os ltvre de tensao
entre o sistema inconsciente do grupo familiar com as fantasias, com o paci'ente em potencial. Algumas fa:nília,s escolhem a segunda
ansiedades e mecanismos de defesa intrapsíquicos, Para, efeito didá­ opção, criando um mundo insano' em seu Intenor e tornando-se cada
tico, descrevemos famílias esquizóides, famílias paranóides e famílias vez menos conscientes disso,
que se estruturam ao redor de conflitos não resolvidos, provenientes
da fase anal e fálica, Na prática, porém, as famílias podem exibir Podemos dizer que os conceitos, ~sicana~ít ic,os, sobre família ,~~s
traços de várias dinâmicas combinadas de modo especial. fornecem, sobretudo, uma visão dialetlca do mdlv:du? ,e sua famdl ,
contribuindo para diluir a cisão existent,e en tre IndIviduo e grupo,
Quando nessa combinação predomina um sistema de defesa
externo e interno, intrapsíquico e interaclOnal.
rígido e arcaico, um (ou mais membros) pode ser impulsionado (e
tolera, por características próprias, ser impulsionado e manipulado
pelos outros), no sentido de descompensações psicossomáticas, psíqui­
cas ou da esfera do comportamento, Estabelece-se assim uma divisão A Família Silva
no interior da família - a parte sadia e a parte doente, Ilustramos os conceitos descritos até aqUI através do relato de
Um dos membros, e ocasionalmente mais do que um, é então
um caso. d . ;
isolado dos demais e tratado como o "doente", Este é discriminado A família é composta pelo pai, Sr. Silva, 42 ano,s, pe 'drelrt~~
do resto, como a solução mais simples- encontrada pela família para , , , t ~ '''Ih 'o paCIente 1 en I
pela mãe, Sr. a Stlva, domestIca, e por res Il O,S, , todos os
lidar com conflitosgrupais não resolvidos, ficado - José, 17 anos - Luiz, 16 anos e Mana, 11 anoS,
Nem sempre a família, cujo mundo inconsciente é construído
três estudantes,
ao redor de um sistema de defesa primitivo, apresentará um ou mais

90
o drama inconsciente dessa família estrutura-se ao redor do t.Jguns meses mais tarde, ele retorna ao Setor * e rein~cia tera~ia,
tema homossexu alidade. Todos eles participam ativamente desse dra­ que é terminada. após vinte e uma sessões pelo mesmo motlvoantenor.
• ma, embora na maioria das vezes de modo inconsciente.
Nessas sessões José demonstra sua ambivalência quanto à homos­
sexualidade. Em uma sessão, relata que gostaria de modificar-se
totalmente, que gostaria de mudar seus gestos, sua maneira de ser e
Entrévista diagnóstica com os pais
de vestir-se . Ser homossexual , relata José, é estragar a vida , pois
tem que se vestir de mulher, virar mulher e .aí fi.ca falado , ni~guém·
o Sr . Silva e a Sr .3 Silva . ri10straram-se preocupados com as
respeita. Não é isso que eu quero para mIm , fIcar Jogado e huml~hado
"dificuldades de relacionamento do filho". Relataram estar com medo
deve ser horrível. Em sessões subseqüentes, José descreve, excitado,
de que José se torne homossexual. A mãe é a pessoa que fala durante a reunião com un s amigos no bar e, depois, a ida para a casa de um
toda a entrevista. Refere os "trejeitos" do filho e de seu medo de deles, homossexual. Queixa-se , no entanto, de sua família, _e de como
que se torne um "veado" (sic). Diz ainda .que se isso fosse verdade , sua mãe gostaria que ele fosse diferente. Reclama que. a mae contr?~a
ela preferiria vê-lo morto e que se soubesse, durante a gravidez, sua vida afetiva, sua "vida dupla", e de como gostarIa que a famIll3
que seu filho viria a ser desse jeito, teria abortado. soubesse que era homossexual para que o deixassem. em_ paz dê uma
O pai é figura de fundo e pouco se pronuncia durante a vez . Relata também como a mãe o compara com o lrmao, os desem­
en trevista . penhos na escola, em casa e os respectivos amigos; ficando sempre
as "boas coisas" com o irmão e "as ruins" com ele.
Fundamentados no conceito de que muitos dos distúrbios na
Entrevista diagnóstica com José adolescência inclusive distúrbios sexuais, só podem ser entendidos
e superados' à luz de distúrbios no interior da família, foi iniciada
Ele revela manter relações homossexuais desde os 9 anos de terapia familiar conjunta com os Silva .
idade e nunca ter sentido interesse por mulheres.· Refere possuir
sentimento diferente por um amigo, mas somente depoiscle conviver
com ele por três anos foi que mantiveram relações sexuais. Quando Terapia Familiar
o amigo qu~s separar-se de José, este, por "vingança" e para provar
que . o amigo não era o único no mundo, começo1..l a sair com Nas primeir8s sessões conjuntas, José enfatizou mai s acentua­
" qualquer um". Nesse meio tempo, namorou uma garota, mas quando damente seus trejeitos, gestos e voz afeminada.
foram manter relações sexuais, José não conseguiu excitar-se para A mãe, entretanto, relata suas dificuldades de aceitação da
viabilizar a relação . Imaginou que estava doente, procurou . médicos ,. problemática do filho, enqu3nto o pai parece calmo, chegando mesmo
mas como não possuía nada de anormal achou ·"que só tinha tesão a admitir que José mantivesse ligação com um rapaz,.desde que f~sse
mesmo· com os homens; depois, com meninas , teria que se casar e, "discretamente". A Sr." Silva recrimina a atitude dlstar.te e omissa
se não conseguisse ter · relações, como seria? Por isso escolhi os 00 marido em relação ao filho, e relata que também teve "problemas
home,ns porque dava tudo certo" (sic) . José relatou ainda que isso hormonais" quando jovem, mas que isso não ~, in~omodou e que
não mudará, mas que tem sido tão pressionatio pelos pais que nem por isso "saiu por aí dando uma .de homen: (':IC). Por sua vez,
começou a se "sentir m;:!l". Luiz e Maria relatam não aceitar as atItudes do lrmao , o que os leva
a brigar muito . .
Após as entrevistas diagnósticas foi proposta terapia individual
para José, visando à modificação do comportamento quanto aos Parece existir um pacto por parte de toda a família, em v.isualizar
conflitos relacionados à homossexualidade. seus problemas como sendo um só: a prováv~} homossexualIdade .d~
José. No entanto, a Sr." Silva refere ter tido, problemas ~ormon31s
quando jovem, ou seja, problemas quanto a sua sexual~dade, q~e
Terapia individual podem estar sendo projetados em José. Por sua vez, o Sr. Silva admtte

De 44 sessões houve apenas 23 pois José faltou em onze delas. "' . Setor de Adolescentes do Departamento de Psicologi;t Médica e Psi­
A terapia foi então interrompida pelo não comparecimento de José. quialria, FCM/UNICAMP.

92 93
-I
mente cindido em objeto ruim e destruidor e em objeto idealizado.
placidamente que seu filho mantenha ligação com um rapaz, contanto a
parece possível que a vivência do SI'. e da Sr. Silva, com pais que
~ que isso seja feito discretamente. Parece possível que o Sr. Silva possuíam potencial altamente destrutivo, não lhes oferecesse recursos
esteja induz~ndo o filho a atuar as projeções de seus próprios impulsos Dara lidarem com agressividade, destrutividade, rivalidade e compe­
homossexuaIs.
tição de modo criativo.
. O relato do Sr. e da Sr. a Silva sobre suas famílias de origem
ajuda a esclarecer as formulações acima. O Sr. Silva é o filho mais Assim, eles preservaram as percepções e a maneira de lidar
velho de seis irmãos. Seu pai foi descrito como homem ausente da com sentimentos tão intensos e com as fantasias relacjonadas a esses
vida familiar. Era viciado em jogo e perdia muito às vezes o salário sentimentos, na sua forrria mais primitiva.
t?do. A mãe é descrita como a pessoa que cuidava e educava os Para o Sr. e a Sr. a Silva parecia existir um vazio entre os
fIlh.os, e que tentava. man~er a família unida. Seus pais brigavam extremos opostos, "ser alguém importante" e "ser delinqüente". A
mUlto, e durante sua mfânc13 e adolescência mudaram-se várias vezes família de origem de cada um deles parecia, no entanto, funcionar
de cidade, o que lhe trazia muita insegurança. a esse mesmo nível. O pai do Sr. Silva era viciado em jogo, enquanto
,J: Sr. a Si1~a d~screveu sua família da seguinte maneira: sua a mãe era altamente responsável e era quem cuidava de todos. A
famIl13 ~r~ mUIto slmpl~s, mas seu pai conseguiu ser alguém. Ele mãe da Sr. a Silva chega a efetivar as ameaças de matar o marido,
era mecamco. mas valonzava o estudo. Estudou engenharia depois enquanto este é o que consegue "ser alguém na vida". Além disso,
de ~asado, pOIS possuía um amigo rico que o ajudava muito. Passava de acordo com a Sr.a Silva, exceto ela, todos os seus irmãos apresen­
mUIto tempo com esse amigo, pois em casa não tinha condições de tavam traços delinqüentes acentuados.
e~tudar. C~egou a formar-se em engenharia, mas sua esposa continuou O mundo interno cindido de cadaQm dos con]uges, em relação
sImples .e Ignorante. Brigavam muito, pois a mãe da Sr." Silva era a destruição/idealização, ser alguém importante/ser delinqüente e
mUIto .C!,ur;nenta. Em uma dessas brigas, ela matou o marido. Após destrutivo, constitui a base do sistema de defesa estabelecido pela
o .homlcldlO, ~o entanto, a mãe da Sr." Silva tornou-se uma pessoa
família Silva.
tnste e desa~lmad~. Ela cumpriu um período de aprisionamento e a
logo em segmda fOI morar com a filha e o genro. Além disso, tanto para o Sr. Silva, como para a Sr. Silva,
identificação com a figura parental do mesmo sexo (a saída para a
O Sr._ Silva r~lata que, ao receber a sogra em casa,'fez exigência resolução do Édipo), poderia significar ser tão destrutivo como
de. que nao quena os outros familiares visitando-a. Aos 53 anos foram seus pais. Como conseqüência dessas vivências, a nível cons­
seIs ~oos. ~pós o homicídio, a mãe da Sr. a Silva faleceu. A caus; ciente e inconsciente, cada um deles trouxe em seu interior distorções
mortiS, SIgIlosamente, apareceu como suicídio através de envenena­
nas percepções e comportamentos em relação a ser homem/mulher,
mento. Houve também comentários de que o pai da Sr. a Silva era
mulherengo, e que isso culminou com o assassinato. pai/mãe, marido/esposa.
Relatou-se ainda que a Sr. a Silva tinha um irmão que usava A Sr. a Silva era a mais dominante dos dois, a que dava ordens,
drogas e era ladrão. Uma irmã que se "perdeu" e um outro irmão disciplinava as crianças e tentava resolver os problemas financeiros
que era alcoólatra, toxicômano e muito agressivo. Ela se referiu à da família e as dificuldades dos filhos. O Sr. Silva, por outro lado,
sua família como sendo uma "negraiada burra", e que não tinha apresentava-se como o mais complacente dos dois, desempenhando
contato algum com eles. papel mais passivo. Papéis que possuíam um caráter ~rígido, sem
possibilidades de inversão ou revezamento.
Podemos levantar a hipótese de que o casamento do Sr. e da
Discussão Sr.a Silva, a nível inconsciente, foi uma tentativa de ambos para
reintegração das partes cindidas e repudiadas de suas personalidades.
o comportamento "homossexual" de José representa, na verdade Talvez para a Sr.a Silva, tentativa inconsciente de ser uma mulher
os pressupostos inconscientes do grupo familiar, ao redor dos quai~ amada e valorizada como tal por seu marido. Para o SI'. Silva,
~e estab.eleceu uma estrutura psíquica específica, derivada dos objetos certamente a possibilidade de ser um homem amado e valorizado
mtern.ahzados pelo Sr. e a Sr. a Silva em suas respectivas famílias como tal por sua esposa.
de ongem.
Alcançar com êxito tal aspiração envolveria, acima de tudo,
Vimos anteriormente que o processo de separacão do Eu envolve um "trabalho" doloroso em relação à perda do objeto idealizado e
uma fase na qual o objeto é percebido como um ob{eto parcial, rigida­
95
94
em relação aos seus impulsos destrutivos. Esse trabalho parece, no Na medida em que as ·dificuldades em lidar cem a sexualidade
entanto, ter sido deixado de lado às custas de projeções maciças
dos aspectos destrutivos, ameaçadores e, portanto, repudiados de cada .. , genital, violência e individuação, próprias da ado:escência, foram
I trazidas à família por José, ele se torna alvo mais fácil das projeções
~m dele~ for~ do casamento, ~antendo entre eles somente o objeto do grupo e porta-voz das dificuldades de toda a família.
Interno . ldeahzado, que necessItava, portanto, de um recipiente no t
interior da família. E, antes mesmo do nascimento, José é introduzido O Sr. Si lva projeta em José o seu modelo internalizado de .
no . sistema de defesas do casal, para corporificar o objeto interno mãe/mulher ideal, induzindo o filho a atuar o papel de homossexual.
idealizado · do:; pais. Fragmentos de uma sessão ilustram essa Ele chega a admitir que seu filho tenha relacionamento com um
formulação. rapaz, contanto que discretamente. Por sua vez , ao tentar desem­
penhar papel homossexual, José aciona em sua mãe o modelo interna­
Sr." Silva: - .Será que ele não percebe que não é o tipo do lizado de mãe/mulher ameaçadora e destr\ltiva. Sua mãe então o
homem que eu quero? ataca: "Se ele for mesmo um 'veado', eu o mato" (sic) (da mesma
maneira que sua mãe ameaçava o pai .)
Terapeuta : - Que tipo de homem você queria?
Por outro lado, a Sr.' Silva projeta em Joséo . modelo interna­
Sr." Silva: - Queria que fosse engenheiro, como meu pai.
lizado de pai/homem ideal e , quando desempenha papel masculino,
Terapeuta: - Queria que fosse um modelo?
José aciona o modelo de pai/homem destruidor e ameaçador inter­
Sr." Silva: - Ele tinha que ser líder.
nalizado pelo SI'. Silva. Este então ataca o filho através de distan­
ciamento emocional. .
Terapeuta: - Ele tinha que substituir seu pai. Silêncio.
Para José não existia "saída", solução para os conflitos próprios
Sr. Silva: - Quando nós namorávamos, queríamos uma menina. da adolescência. 1:, como se ele não fosse percebido por seus pais
Sr." Silva: - Eu queria um menino. como uma pessoa separada e individualizada, mas "aquele" que iria
Sr. Silva: - Nós já tínhamos até o nome escolhido . sustentar as imagens dos objetos ideais internalizados de seus pais.
Tarefa impossível, pois essas imagens possuíam facetas contraditórias .
. Sr." Silva: - Eu queria um menino. Ia ser como meu pai, José tinha então que lutar ao mesmo tempo contra dois obstáculos
engenheiro, ou até mesmo mais do que ele. de natureza oposta. Se ele se rendesse à pressão das projeções de
um dos pais, aceitando tornar-se a personificação dos objetos ideali­
P~:ece que a ~ível inconsciente, o Sr. ea Sr." Silva pressentiam zados , teria a possibilidade de sentir que seu Eu era grandioso, o que
a fragIlIdade do SIstema de defesas estabelecido por eles no casa­ evitaria o incômodo de aceitar a limitação de seu próprio objeto.
mento, introduzindo. o bebê em seus pressupostos inconscientes, antes Mas, corporificar as projeções dos objetos ideais de um de seus pais
mesmo do seu naSCImento. significava também ser rejeitado e abandonado pela outra figura
Com o nascimento de José, a família Silva estabelece então o parenta!.
seu primeiro mito: "Apesar de sermos provenientes de famílias destru­ No início da terapia, o mundo interno de José era povoado
tiva,s, ~e possuirmos um interior estragado e destrutivo e, apesar de por objetos internalizados frágeis, incongruentes, inseguros, incons­
Jose nao ser mulher, ele será um líder, um engenheiro." Esse mito tantes e desvalorizados, devido às contínuas identificações projetivas.
~ncobre e nega um drama diametralmente oposto; um cenário familiar Não estava indo bem na escola, não tinha amigos, não conseguia fazer
In~erno e externo repudiado, que envolve destruição, agressão, prosti­ planos para o futuro. Estava confuso, perdido e apresentando ambi­
tUição e vícios. . . güidade acentuada quanto à sua identidade sexual. Ele referiu nas
. A adolescência de José, contudo, parece romper o sistema de sessões individuais iniciais que "achava ser homem só por fora
defesas da família, tornando explícitos os conflitos e ansiedades de (talvez uma percepção ·semelhante à que seu pai e seu avô paterno
toda a família. O Sr. Silva r.e lata em uma das sessões: tinham de si mesmos), mas, por outro lado , virar mulher significava
ficar jogado , humilhado, não ser respeitado" (possivelmente .uma
,>

Terapeuta: - O que aconteceu para a f~mí1ia se abalar? · percepção semelhante à que sua mãe e sua avó materna possuíam
de si mesmas).
Sr. Silva: - O crescimento dos meus filhos. Não estávamos Na medida em que José não conseguia executar a função, :'im~os~
preparados para aceitar a adolescência dos filhos. sível" delegada inconscientemente pelo grupo familiar, a famIlIa SIlva
96 97
se organizava ao redor de um segundo mito: "O problema é José, os A mudança de percepção e comportamento em relação aos co­
demais não possuem problema algum." -terapeutas, ou seja, a aceitação de ambos os terapeutas como capazes
de ora "acertar" e ora "falhar" em suas interpretações, indicou o
E- para José assumir esse papel fica sendo a maneira de obter início de uma integração dos aspectos cindidos do grupo familiar.
cuidados e gratificação de seus impulsos, sem o risco de ser réjeitado
e abandonado por um de seus pais. O processo de contra transferência representa para essa abor­
dagem um instrumento de bastante importância,
Durante as fases iniciais da terapia, pressionado pelos pais, Tosé
procura um endocrinologista, com a esperança de que seus problemas O par terapêutico precisa suportar e manter as diferentes pro­
fossem causados puramente por uma disfunção hormonal. Por . algum jeções do grupo familiar e trabalhar nelas internamente e entre si
tempo, a mãe pressiona também os terapeutas (um deles era médico) (terapeutas) para que possam ajudar à família a entender, reformular
para acreditarem que o problema de Tosé era simplesmente hormonal. e superar suas ansiedades, conflitos e fantasias inconscientes. O
Procuravam nessa fase algo específico, alheio a todos,. para recipiente entendimento das projeções experimentadas no processo de contra­
de seus objetos internalizados ruins e destrutivos, e o "corpo" de José transferência é' conseguido parcialmente durante a sessão. Esse enten­
parecia estar sendo elei to para preencher t<il função. dimento requer também discussões entre os terapeutas após as sessões
e principalmente durante as supervisões .. ... .~
Luiz e Maria contribuem também ativamente para a efetivação
do mito de ser o irmão o problema da família. Luiz, por exemplo, Inversamente à escola sistêmica, essa abordagem enfatiza essen­
freqüentemente convidava o irmão para sair em companhia de uns cialmente. o significado latente dos comportamentos manifestos dos
amigos homossexuais. Quando, durante a terapia, José confronta a membros da família, os quais podem ser entendidos através do
atitude ambivalente do irmão frente à sua própria "homossexualidade", i processo de transferência e contratransferência. Terapeutas adeptos
Maria alia-se a Luiz, enfraquecendo a postura de enfrentamento de dessa escola acreditam que mudanças ocorrem quando, no processo
José. As dificuldades dos irmãos em elaborar suas próprias identi­ I de transferência, o terapeuta tolera as frustrações, medos e necessi­
dades sexuais eram projetadas em José, numa tentativa de ficarem dades do grupD familiar, assim como suas próprias, e ajuda a família
"livres" das· mesmas. t relatado, no decorrer da terapia, que Luiz a compreender, elaborar e transcender tais sentimentos ao invés de
tinha se fantasiado de "baiana" no carnaval anterior, e que Maria se evadirem dos mesmos. (Os processos de transferência e contra­
estava também apresentando dificuldades ná escola e com seus colegas .. transferência no trabalho com famílias e casais são descritos mais
O processo terapêutico com essa família envolveu trabalho em detalhadamente no Capítulo 5.)
co-terapia (um casal heterossexual de terapeutas) visando · fornecer Meyer (1983) escreve sobre a tarefa do terapeuta familiar de
ao grupo familiar um modelo de interação com o qual eles pudessem orientação psicanalítica: " . . . é tentar interpor uma espécie particular
se identificar e internali.zar. Esse modelo enfatizou o casal de tera­ de processo em sua própria atividade mental, localizando-o entre o
peutas como sendo possuidores de identidades diferentes, mas capazes
impacto que a sessão exerce sobre ele e a devolução para a família
de sobreviverem unidos apesar de suas diferenças ,
a respeito de sua experiência deste impacto. Ele está ali para ajudar
Por longo período, a família Silva não reconheceu igualmente a família a reconhecer o tanto de identificações projetivas que circulam
a presença dos dois terapeutas. Anterior a essa etapa, revezadamente, entre9s familiares, como eles as ativam, quais são as ansiedades que
um dos terapeutas era idealizado pela família; ou seja, a família os pressionam a tal comportamento. Espera-se que, com isto, sejam
agradecia a um dos terapeutas pela "grande ajuda" que lhes vinha capazes de reconhecer e diferenciar suas necessidades como indivíduos
proporcionando, enquanto o outro era desvalorizado. separados e, ao mesmo tempo, modificar, desenvolver e enriquecer
No processo de contratransferência o terapeuta sobrecarregado seus objetos familiares internalizados a fim de que seu relacionamento
pelas projeções de idealização do grupo familiar sentia como se tivesse se torne, segundo a terminologia de Bion, a expressão de uma fflmília
que aliviar rapidamente as ansiedades, conflitos e confusões da família 'em trabalho'."
através de interpretações cada vez mais precisas, Por outro lado, o
terapeuta que fornecia o "recipiente" para as projeções da destruti­ Acredito que a aplicação dos postulados psicanalíticos na teoria
vidade do grupo familiar era impulsionado a sentir que, como tera­ e terapia de família e casal traz abertura para um novo campo, gera
reflexão, oferece instrumentos conceituais, mas não fornece um sistema
peuta, não trazia nada de valioso para o grupo, sentindo-se capaz de
destruir todo o· processo terapêutico através de sua compreensão teórico e prático pronto .. t um trabalho em evolução, um convite a
"incorreta" e "falha" sobre o grupo familiar. quem se interessa por essa via de entender a psicopatologi'a.

99
98
'i
"
i
Necessitamos ainda progredir em direção a uma maior elaboração \
dos conflitos inconscientes do grupo familiar e, em relação à quali­
dade, ao saber como, o que e quando interpretar. í
I
f: campo vasto, semi-explorado, cujo maior atrativo está em i
!
ampliar novos conhecimentos sobre o mundo inconsciente da família,
.o s múltiplos caminhos da investigação e os vários objetivos a alcançar. CAPITULO 7

As abordagens psicodinâmicas
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