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BATALHA, Cláudio H. M.

Relançando o debate sobre o mutualismo no Brasil: as


relações entre corporações, irmandades, sociedades mutualistas de trabalhadores e sindicatos
à luz da produção recente. Revista Mundos do Trabalho, vol. 2, n. 4, agosto-dezembro de
2010, p. 12-22.

1. Introdução: a apresentação de dois enfoques distintos


Nesta parte inicial, Batalha nos introduz às perspectivas recentes no estudo das
sociedades mutualistas. A partir da crítica ao livro de José Albertino Rodrigues (1968), dois
enfoques distintos se formam. O primeiro, o que compreende o mutualismo como um
fenômeno “amplo e pluriclassista”, privilegiando a dimensão mutualista / previdenciária
dessas organizações - exemplo dos trabalhos de Tânia Regina De Luca, Adhemar Lourenço
da Silva Júnior, Cláudia Viscardi e Ronaldo Pereira de Jesus. O segundo, aquele que
compreende o mutualismo como uma forma de organização dos trabalhadores, que dá mais
atenção aos aspectos que "transcendem o mutualismo" (p. 13) - Claudio H. M. Batalha, Silvia
Petersen, Beatriz Loner, Marcelo Badaró, Paula Nomelini, Rafaela Leuchtenberger, Osvaldo
Maciel, Benito Schmidt, Alexandre Fortes etc. A partir dessa diferenciação, o autor busca
“levantar algumas questões que dizem respeito às premissas” da primeira corrente de
interpretação (p. 14).

2. Da relação entre sociedade mutualistas e outras organizações


Nesta parte, Batalha destaca dois pontos de interpretação da primeira corrente.
Primeiro, que as sociedades mutualistas não deram origem aos sindicatos e nem podem ser
confundidos um com o outro; são, portanto, fenômenos contemporâneos que coexistiram e
que não eram excludentes. Batalha chama atenção para um ponto fundamental não
esclarecido por essa concepção: as sociedades mutualistas “precederam, cronologicamente,
por várias décadas, os sindicatos, não fosse por outro motivo, pela impossibilidade legal de se
formar sindicatos durante o Império” - o que não exclui a existência de mutuais criadas
depois de sindicatos no final do século XIX e início do XX (p. 16). Segundo, que a
transformação de sociedades mutualistas em sindicatos não constitui uma regra geral - apesar
de terem havido exemplos, não há documentação suficiente para avaliar a frequência dessa.
Para Batalha, a corrente ignora uma questão fundamental: “no século XIX, ou, pelo menos,
durante o Império, diversas sociedades mutualistas foram mais do que mutualistas e
cumpriram funções que poderiam ser chamadas de sindicais, zelando por salários e condições
de trabalho e empreendendo ações para alcançar suas reivindicações. [...] o risco de tipologias
muito rígidas sobre a natureza das associações operárias é o de não dar conta da diversidade e
da riqueza de realidades complexas” (p. 16-17). Contudo, isso não apenas para os sindicatos:
“os pesquisadores, por vezes, têm dificuldades em perceber continuidades de práticas e de
concepções de outras formas associativas, nas sociedades de auxílios mútuos” (p. 19). Ainda,
outro problema destacado pelo autor é em relação ao “caráter inteiramente não-histórico
nessa produção”, não compreendendo as mudanças de conjuntura política e jurídicas para
além da caracterização de sua natureza (p. 17).

3. A questão da documentação
Batalha abre essa seção tratando da dificuldade em estudar essas sociedades mutuais:
“a documentação disponível acerca das sociedades de auxílios mútuos, no século XIX, é
extremamente exígua, ficando praticamente limitada a estatutos e a algumas poucas
publicações das próprias sociedades, referências esparsas na imprensa, processos de registro
junto ao Conselho de Estado do Império ou às presidências das províncias. Portanto,
dificilmente o conhecimento acumulado sobre essas sociedades possibilita ter uma ideia
precisa do seu funcionamento interno, das disputas e dos debates que as atravessavam” (p.
18-19). Contudo, deixa claro que o exame cuidadoso destas apresenta “evidências
suficientemente consistentes" de que haviam gradações de aproximação e distanciamento das
mutuais em relação a outras modalidades associativas (p. 19) - corporações de ofício,
irmandades, etc. Ainda, outro ponto demonstra a importância dessa organização para os
trabalhadores livres na segunda metade do século XIX: “no período imperial, a opção pela
forma jurídica de sociedade mutualista não era uma questão de escolha, mas, sim, a única
forma de organização legal disponível para trabalhadores” (p. 19). Destaca-se aqui a tese de
doutorado de Mac Cord na identificação dessas práticas e condutas em diálogo.

4. Alguns aspectos das teses de Silva Jr., Jesus e Viscardi


Nesta parte, Batalha chama a atenção para a problemática na utilização da teoria da
escolha racional por Silva Jr. para analisar as sociedades mutualistas: “o problema central
dessa teoria é sua dificuldade em reconhecer a diversidade de racionalidades, reduzindo a
racionalidade a decisões de cunho econômico e contábil do ponto de vista do indivíduo” (p.
20). Assim como para Jesus e Viscardi, a tese de que toda e qualquer sociedade mutualista
teve um papel na construção de uma identidade de classe:
Concorda-se, completamente, com a ideia de que o associativismo, de forma geral,
contribui para reforçar os laços identitários, porém é preciso cuidado para não
inferir que as formas como as identidades são construídas são idênticas, ou mesmo,
que, em sociedades de um mesmo tipo e voltadas para uma mesma clientela, isso
ocorra do mesmo modo. [...] Sociedades mutualistas por ramo de produção ou por
ofício podiam servir para reforçar uma identidade de ofício e, sobretudo, interesses
coletivos do ofício, mas é altamente improvável que um marceneiro se sentisse
mais marceneiro por participar de uma associação do seu ofício. Pode-se afirmar,
como Marcel van der Linden, que as sociedades mutualistas, em geral, ajudaram
os trabalhadores a adquirir a capacidade de organização, ‘civilizando’ a classe
operária. São, porém, poucas as sociedades mutualistas de trabalhadores que
contribuíram, mais diretamente, para a construção de uma identidade de classe,
essencial no processo de formação da classe operária (BATALHA, p. 21).

5. Conclusão
Batalha finaliza seu artigo defendendo que, apesar desses apontamentos nas
problemáticas da corrente analisada, “ambas são necessárias e pertinentes” (p. 21). Portanto,
deve-se buscar uma complementaridade entre essas análises, deixando de lado as dicotomias
e certezas absolutas.

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