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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Euzébio Jorge Silveira de Sousa

As mudanças tecnológicas e o desemprego

SÃO PAULO

2013

2
Euzébio Jorge Silveira de Sousa

As mudanças tecnológicas e o desemprego

MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em
Economia Política, sob a orientação do Prof.
Dr. Ladislau Dowbor.

SÃO PAULO

2013

1
Banca Examinadora

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2
RESUMO

A mudança tecnológica é uma variável chave no processo de acumulação


capitalista. A cada grande transformação das forças produtivas ocorrem mudanças
qualitativas e quantitativas da inserção do homem na produção. Desde antes da
primeira revolução industrial existe a polêmica se o avanço tecnológico cria ou não
desemprego estrutural, este debate perpassou pela economia clássica, estando
presente até os dias de hoje, sobretudo nos pensamentos estruturalista e neo-
schumpeteriano. Neste trabalho, analisamos as três grandes transformações
tecnológicas do capitalismo, para verificar se tais mudanças são responsáveis por
substanciais modificações nos níveis de desemprego. Verificamos que o
desemprego proveniente do progresso tecnológico assume um caráter cíclico, mas
também obedece a variáveis não econômicas. Foram detectados diferentes arranjos
institucionais e níveis de desemprego no mesmo padrão tecnológico, sugerindo
assim que o elevado nível de desemprego, com baixo crescimento e produtividade -
verificado no pós-fordismo - pode ser causado por fatores que transcendem às
novas tecnologias. Ao analisar a economia brasileira na nova economia verificou-se
que os setores tradicionais geram mais empregos e crescimento no Brasil, mas que
não são capazes de sustentar esta expansão no médio e longo prazo por possuírem
baixa produtividade e vantagens competitivas. Os setores de maior dinamismo e
conteúdo tecnológico tendem a gerar mais empregos indiretos e por efeito renda,
irradia seus avanços tecnológicos em outros setores da economia, possibilitando
mais investimentos e geração de empregos.

Palavras Chave: desemprego tecnológico; inovação tecnológica; mudança


institucional; padrão de acumulação e pós-fordismo.

3
ABSTRACT

Technological change is a key variable in the inherent accumulation process of the


capitalism system. Every major transformation leads to qualitative and quantitative
changes in the way the labor force is inserted on the production process. Even
before the first industrial revolution there is controversy whether or not technological
advancement creates structural unemployment, this debate pervaded by classical
economics, still present today among structuralists and neo-Schumpeterian
economists. In this paper, we analyzed the three major technological transformations
of capitalism system, and if such changes are responsible for substantial changes on
the employment levels. We identified that unemployment arising from technological
progress assumes a cyclical character, but also follows non-economic variables.
There were found different institutional arrangements and unemployment levels for
similar technological standards, thus suggesting that the high level of unemployment,
with low growth and productivity - seen in the post-Fordism - can be caused by
factors that transcend the new technologies. By analyzing the new economic
environment in Brazil, it was found that the traditional sectors generate more jobs
and growth to the country, but are unable to sustain this growth in the medium and
long term due to low productivity and competitive advantage. The most dynamic and
technological sectors tend to generate more indirect jobs and by the income effect,
diverges its technological advances to other sectors of the economy, allowing more
investments and job generation.

Key-words: technological unemployment, technological innovation, institutional


change; accumulation patterns and post-Fordism.

4
Lista de Tabelas

TABELA 2.1 - CRESCIMENTO DO NÚMERO DE TEARES MECÂNICOS NA GRÃ-


BRETANHA - 1813 - 1850......................................................................................... 45
TABELA 2.2 - TAXA DE CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL DO REINO
UNIDO — 1800-1869 ................................................................................................ 46
TABELA 2.3 - HORAS TRABALHADAS POR PESSOA/ANO - 1870-1986 .............. 67
TABELA 2.4 - COMPARAÇÃO ENTRE EVOLUÇÃO DA PRODUTIVIDADE E DOS
SALÁRIOS HORÁRIOS REAIS NA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO ............... 68
TABELA 3.1 - TAXAS MÉDIAS ANUAIS DE VARIAÇÃO DAS PRINCIPAIS
VARIÁVEIS DE PRODUTIVIDADE E EMPREGO EUA E UNIÃO EUROPÉIA – 1960-
1999 .......................................................................................................................... 76
TABELA 3.2 - EVOLUÇÃO DA TAXA DE SINDICALIZAÇÃO 1970-1990 ................ 88
TABELA 4.2 - GERAÇÃO DE EMPREGO E DE CRESCIMENTO E IMPORTAÇÃO
DOS SETORES DA ECONOMIA BRASILEIRA ...................................................... 109
TABELA 4.3 - EMPREGOS GERADOS POR AUMENTO DE PRODUÇÃO DE R$ 10
MILHÕES (PREÇOS MÉDIOS DE 2003) ................................................................ 115
TABELA 4.4 - TABELA DE EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO E DO EMPREGO ENTRE
2001 E 2002 ............................................................................................................ 119
TABELA 4.5 – ESTIMATIVA DOS EMPREGOS GERADOS NA AGROPECUÁRIA,
INDÚSTRIA E SERVIÇOS EM 2007, EM RESPOSTA A AUMENTOS NA
PRODUÇÃO DE R$ 10 MILHÕES .......................................................................... 123
TABELA 4.6 – PRODUTIVIDADE DO TRABALHO NA ECONOMIA BRASILEIRA EM
2003 (EM R$ MILHARES POR TRABALHADOR) .................................................. 127

5
Lista de Gráficos

GRÁFICO 4.1 – INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO ........................................... 101


GRÁFICO 4.2 – INDÚSTRIA DE METALURGIA..................................................... 101
GRÁFICO 4.3 – INDÚSTRIA MECÂNICA ............................................................... 102
GRÁFICO 4.4 – INDÚSTRIA DE MATERIAL ELÉTRICO E DE COMUNICAÇÕES
................................................................................................................................ 102
GRÁFICO 4.5 – INDÚSTRIA DE MATERIAL DE TRANSPORTE........................... 103
GRÁFICO 4.6 –MADEIRA ....................................................................................... 103
GRÁFICO 4.7 - MOBILIÁRIO .................................................................................. 104
GRÁFICO 4.8 – INDÚSTRIA DE PAPEL E PAPELÃO ........................................... 104
GRÁFICO 4.9 – INDÚSTRIA QUÍMICA .................................................................. 105
GRÁFICO 4.10 – INDÚSTRIA FARMACÊUTICA.................................................... 105
GRÁFICO 4.11 – INDÚSTRIA TÊXTIL .................................................................... 106
GRÁFICO 4.12 – INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES ........................... 106
GRÁFICO 4.14 - CRESCIMENTO ECONÔMICO X GERAÇÃO DE EMPREGO.... 111
GRÁFICO 4.15 - GRÁFICO DE EMPREGOS GERADOS POR AUMENTO DE
PRODUÇÃO DE R$ 10 MILHÕES .......................................................................... 116
GRÁFICO 4.16 - VARIAÇÃO DA PRODUTIVIDADE SETORIAL ENTRE 2001 E
2002 ........................................................................................................................ 120
GRÁFICO 4.17 – ESTIMATIVA DOS EMPREGOS GERADOS NA ECONOMIA
BRASILEIRA EM 2007, ........................................................................................... 124
GRÁFICO 4.18 – PRODUTIVIDADE DO TRABALHO (VALOR
ADICIONADO/PESSOAL OCUPADO NA AGROPECUÁRIA, INDÚSTRIA E
SERVIÇOS EM 1994 E 2003 .................................................................................. 126
GRÁFICO 4.19 – DINÂMICA DO VALOR ADICIONADO, EMPREGO E
PRODUTIVIDADE NA ECONOMIA BRASILEIRA (1994-2003) .............................. 129

6
Lista de quadro

QUADRO 1.1 - ONDAS LONGAS OU CICLOS ECONÔMICOS COM (COM BASE


EM SCHUMPETER).................................................................................................. 32
Sumário

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10
1. DESEMPREGO TECNOLÓGICO E AS DIFERENTES VISÕES TEÓRICAS .... 15
1.1. Ricardo ......................................................................................................... 15
1.2. Marx.............................................................................................................. 20
1.3. Schumpeter .................................................................................................. 30
1.4. Neo-schumpeterianos................................................................................... 34
1.5. Teoria da Regulação .................................................................................... 38
2. O DESEMPREGO E AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS .................................. 41
2.1. A maquinaria e a Primeira Revolução Industrial ........................................... 41
2.2. O Emprego no Período da Primeira Revolução Industrial ............................ 43
Ã-BRETANHA - 1813 - 1850 ..................................................................................... 45
2.3. O emprego na primeira fase da revolução industrial .................................... 47
2.4. A luta do homem contra as máquinas e o movimento Luddita ..................... 50
2.5. Tratamento dado ao desemprego no século XIX ......................................... 53
2.6. A crise de mudança da Primeira Revolução Industrial e a transição para
outro padrão de acumulação. .................................................................................... 56
2.7. Inovações organizacionais. .......................................................................... 57
2.8. Segunda Revolução Industrial e seus diferentes impactos no nível de
emprego .................................................................................................................... 60
2.8.1. Primeira fase da segunda revolução industrial (1898 – 1945) ...................... 61
2.8.2. Segunda fase - pós-guerra a meados de 1970 ............................................ 65
3. A TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, DESEMPREGO TECNOLÓGICO E
SUPERAÇÃO DO FORDISMO ................................................................................. 70
3.1. Inovações tecnológicas e organizacionais poupadora de trabalho e a
produtividade ............................................................................................................. 73
3.2. O desemprego e a formação no pós-fordismo ............................................. 81
3.3. O desemprego e a tecnologia no pós-fordismo ............................................ 83
3.4. A flexibilização do trabalho e os sindicatos .................................................. 86
4. O DESEMPREGO TECNOLÓGICO NO BRASIL E O IMPACTO DA
PRODUTIVIDADE ..................................................................................................... 92
4.1. Abertura comercial da década de 90: Emprego, produção e produtividade . 92
4.2. O Brasil na nova economia........................................................................... 94
4.3. Variação do nível de emprego, produtividade e abertura comercial ............. 98
4.4. Ocupação versus elevação da produção na abertura comercial ................ 100
4.5. Emprego e produtividade na década de 90, período de abertura Comercial.
1074.6.Análise empírica de 2001 a 2002 do Modelo de Geração de
Emprego. ................................................................................................................. 113
4.7. Análise setorial de 1994 a 2006 com modelo dinâmico e retornos não
constantes no modelo de geração de emprego. ..................................................... 121
4.8. Elevação de emprego com aumento da demanda por ganhos de
produtividade: Ajuste do tipo Crescimento. ............................................................. 131
4.9. Emprego, crescimento, produtividade e política pública ............................. 133
CONCLUSÃO.......................................................................................................... 136
Bibliografia............................................................................................................... 143
INTRODUÇÃO

A idéia de que o progresso técnico gerava algum nível de desemprego estrutural


está presente na economia desde antes da primeira revolução industrial. No início
do século XVIII documentos dos mercantilistas já apontavam alternativas para
resolver o problema do desemprego. No livro “A Riqueza das Nações” – que
revolucionou a pensamento econômico – o pai da economia moderna, Adam Smith,
apontava que a demanda por assalariados só cresce quando cresce a riqueza de
uma nação, sem a elevação de tal riqueza seria impossível o crescimento da
demanda por assalariados. O avanço tecnológico, ao elevar a produção, elevaria a
riqueza, e esta, por sua vez, a demanda por trabalho. David Ricardo negou o
impacto negativo das tecnologias no nível de emprego até a última edição de seu
livro “Princípios da economia política e tributária”. Na terceira edição, Ricardo
concordou que a implementação da maquinaria era nociva aos trabalhadores e a
luta destes contra as máquinas eram justificáveis.

Marx, ao tratar do progresso tecnológico e seu impacto na demanda por


trabalho, identifica que o avanço da maquinaria na primeira revolução industrial
destruiu diversos postos de trabalho, ainda que diversos outros tenham sido criados,
além de provocar grande elevação da composição orgânica de capital. Mas o autor,
que atribui grande importância ao progresso tecnológico como sendo uma variável
fundamental para o avanço das forças produtivas, constata que o quem oprime o
trabalhador não é máquina e, sim, o dono dos meios de produção. Ainda que
movimentos, como o Luddita, tenham contribuído para organização dos
trabalhadores, era a lógica da acumulação capitalista que gerava a substituição do
trabalhador pela máquina. A tecnologia contribuía na criação de um exército
industrial de reserva que mantém estabilidade no processo de extração de mais-
valia. Marx identificou que o capitalismo não é um sistema que tende ao equilíbrio, é
um sistema que busca constante expansão. A expansão capitalista não pode
esbarrar em empecilhos tecnológicos, orgânicos, políticos, ou sociais.

10
Outra importante contribuição de Marx para entendimento da relação entre
tecnologia e emprego foi a constatação de que a dinâmica de acumulação não se
guia apenas por variáveis econômicas. Os regulacionistas assimilam este
entendimento e incluem os elementos institucionais como variável determinante na
lógica de acumulação, se sobrepondo muitas vezes aos fatores tecnológicos. Os
elementos institucionais também são analisados pelo pensamento neo-
schumperiano, que resgata o pensamento de Schumpeter para explicar a dinâmica
econômica, a partir dos longos ciclos tecnológicos, o que ele chama de paradigma
tecno-econômico. Ainda que Schumpeter não tenha dado grande atenção ao
impacto da tecnologia nos níveis de emprego, seu entendimento do progresso
tecnológico, como um processo de destruição criativa, fortaleceu a teoria da
compensação1.

Mas a principal contribuição proveniente do pensamento Schumpeteriano que


analisaremos no presente trabalho é o caráter cíclico do desemprego estrutural. O
desemprego proveniente das automações ou implementação de novas tecnologias
tende a ser reduzido ou inexistente no período de boom, no qual se elevam os
investimentos nas novas tecnologias. O desemprego tende a crescer no período em
que as tecnologias já se estabeleceram e as empresas tendem realizar inovações
organizacionais, tais inovações assumem um caráter poupador de trabalho, em um
período de menores investimentos. Contextualizando historicamente, verificamos se
este mecanismo de criação e destruição de empregos ocorre com regularidade nos
três paradigmas tecnológicos analisados. Tanto os regulacionistas quanto os neo-
schumpeterianos crêem em elementos institucionais para determinação do padrão
de acumulação, ainda que o primeiro atribua maior importância a este fator que o
segundo, os dois acreditam ser necessário observar historicamente a relação do
progresso tecnológico para entender a variação do nível de emprego.

1
A teoria da compensação afirma que para cada importante mudança tecnológica que destrói
postos de trabalho, verifica-se o surgimento de outros postos, dado a criação de outras cadeias
produtivas, produtos e mercados.

11
O declínio do fordismo, o surgimento de novas tecnologias e o desarranjo
institucional verificado na década de 1970 reacende diversos debates sobre a
relação entre tecnologia e emprego. A capacidade que as novas tecnologias têm de
economizar trabalho e elevar a eficiência apontou para a possibilidade de uma
relação direta entre progresso tecnológico e o fim do pleno emprego. Inovações
organizacionais foram maximizadas pela capacidade de processamento de dados e
controles de processos em resultados provenientes das tecnologias da informação e
comunicação (TIC). Associado a isso foi verificado grande desregulamentação do
trabalho e intensificação da terceirização. A globalização financeira, a estrutura de
marcado desregulamentada e altamente concentrada, com grande concorrência
global, proporcionou um ambiente internacional com um arranjo institucional
bastante distinto do fordista.

O fordismo representou um período que conjugava tecnologias rígidas, com


grande capacidade de ganhos de escala e um ambiente institucional que possibilitou
elevados níveis de emprego, ampliação de demanda, muitos estímulos para investir.
O pós-fordismo, por sua vez, não só modificou profundamente o padrão tecnológico,
como o institucional. O regime de demanda fordista foi destruído e da segunda crise
do petróleo em diante foi registrado baixo crescimento, elevado desemprego e baixa
produtividade.

O progresso tecnológico no capitalismo historicamente ocorreu para reduzir


trabalho vivo e elevar trabalho morto, com isso livrar o detentor dos meios de
produção da penúria de ter que conviver com a insegurança e instabilidade da força
de trabalho. A primeira revolução industrial ocorreu abstraindo do trabalhador a
destreza do artesão em produzir a mercadoria. A divisão do trabalho não só elevou a
rapidez do trabalho, como simplificou as complexas operações para criação de um
produto, possibilitando que um trabalhador sem profundos conhecimentos pudesse
inserir-se no processo produtivo, no mercado de trabalho. A simplificação da fábrica
possibilitou ao trabalhador sem grandes qualificações vender sua força de trabalho,
assim como fizeram sua esposa e filhos. As máquinas da primeira revolução
industrial foram máquinas ferramentas, que simplificavam, rotinizavam e

12
automatizavam as parcelas mais complexas do trabalho, restando ao homem a
tarefa de força motriz.

Paradoxalmente, as máquinas do mundo contemporâneo requerem


trabalhadores qualificados, polivalentes, com capacidade de resolver problemas. As
novas tecnologias flexíveis como as TIC e a robótica são máquinas que se adequam
a diferentes tarefas e volumes de produção. Se as máquinas da primeira revolução
industrial simplificavam trabalho para possibilitar a absorção de mais força de
trabalho, para maior acumulação de capital, as novas máquinas marginalizam os
despreparados tecnologicamente. Ainda que o capitalismo tenha seu centro nas
novas tecnologias e relações de produção, este tem capacidade de conviver e
interagir com relações de produção rudimentares, similares ao feudalismo ou ao
escravismo. Mas o pós-fordismo nos impõe novas reflexões sobre a relação dos
homens com as máquinas: será que as novas tecnologias são avessas ao pleno
emprego, ou existe elementos não tecnológicos e econômicos que definem o nível
de desemprego? Como a sociedade lidará com um padrão tecnológico que
demanda muito menos horas de trabalho para atender as suas necessidades
materiais? Com desemprego ou com menos trabalho? Como foi encarada cada uma
das grandes mudanças tecnológicas do capitalismo com relação à variação do nível
de emprego?

Com o objetivo de responder tais questões, o presente trabalho buscará analisar


historicamente os impactos das mudanças tecnológicas no desemprego. No primeiro
capítulo será apresentado o posicionamento das principais correntes teóricas quanto
ao desemprego tecnológico. No segundo capítulo serão analisados a primeira e
segunda revolução industrial e como elementos tecnológicos e institucionais
provocaram diferentes efeitos na demanda por trabalho. No terceiro capitulo,
analisaremos a terceira revolução industrial ou pós-fordismo e também serão
verificados os impactos da produtividade e das inovações tecnológicas e
organizacionais no nível de desemprego do centro do capitalismo. No quarto
capítulo analisaremos a inserção do Brasil na nova economia, utilizando o modelo
de geração de empregos em uma análise setorial da economia, verificaremos quais

13
setores exercem maiores impactos na geração de empregos, crescimento e
produtividade dado seu conteúdo tecnológico.

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1. DESEMPREGO TECNOLÓGICO E AS DIFERENTES VISÕES
TEÓRICAS

1.1. Ricardo

Para Cardoso e Guedes (1999, p. 29 e 30) Ricardo inaugura o conceito de


desemprego tecnológico na economia clássica. David Ricardo volta-se a
compreender a importância da renda das classes na Renda total e sugere que desta
relação se explica o processo de crescimento econômico.

Ricardo, ao analisar a relação entre produção e consumo, identifica a taxa de


lucro como elemento determinante no processo de crescimento econômico. Desta
forma, a elevação de renda da terra pode colocar obstáculos insuperáveis ao
crescimento. A necessidade de se utilizar terras menos férteis, dado que tal fator de
produção é finito, tende a elevar o valor de renda nas terras mais férteis e elevar o
percentual do salário sobre o produto total nas terras menos férteis, visto que para
estas garantirem a produção, é necessário maior número de horas de trabalho.

Ricardo aponta duas saídas para tal dilema: elevar a produtividade, ou recorrer
ao comércio exterior por meio das vantagens comparativas, que poderiam garantir
maiores ganhos produzindo bens mais compatíveis com sua estrutura produtivas e
recursos naturais.

Mesmo com todos os conflitos sociais gerados pela implementação da


maquinaria e seus avanços – com trabalhadores materializando sua revolta contra
os detentores do capital, por meio da destruição de máquinas – o debate sobre a
existência de desemprego tecnológico entre os teóricos eram inconclusivo e sem a
menor possibilidade de consenso. Davi Ricardo se opôs por muito tempo à
possibilidade de existência de um desemprego causado pela “maquinaria
aperfeiçoada” (COUTO, FREITAS e COUTO, 2009).

Na primeira edição de o “Princípios da economia política e tributária”, Ricardo


sugere que os ganhos de produtividade, com implementação da maquinaria, seriam
benéficos para todos os setores da economia. O autor apresentou em seu “Ensaio

15
sobre a influência do baixo preço do trigo sobre os lucros do capital, mostrando a
inconveniência de restrições à importação” (COUTO, FREITAS e COUTO, 2009, p.
7) que com os avanços da produtividade, provenientes da maquinaria, o salário real
do trabalhador se elevaria, assim sendo benéfico para a classe trabalhadora o
avanço tecnológico.

Os debates sobre a desocupação da força de trabalho promovida pelos avanços


técnicos e tecnológicos tomam maiores proporções, quando John Barton, um
importante engenheiro inglês, passa a defender que a maquinaria moderna era
negativa aos trabalhadores por gerar desemprego. Ricardo, ainda relutante quanto à
existência do desemprego tecnológico, escreve uma carta a Barton em 20 de abril
de 1917, questionando suas posições. Porém Ricardo, cauteloso, não trata do
assunto na primeira edição de seu célebre livro “Princípios de economia política e
tributação” ainda em 1817.

Provavelmente por estimulado pela carta de Ricardo, Barton publica no mesmo


ano um folheto intitulado “Observações sobre as condições das classes
trabalhadoras” que defende os malefícios que a maquinaria moderna trazia aos
trabalhadores com os seguintes argumentos:

A demanda de trabalho depende do aumento do capital circulante e não do


capital fixo. Se fosse verdade que a proporção entre essas duas espécies
de capital permanecesse constante todo o tempo e em todos os países,
então se poderia dizer que o número de trabalhadores empregados seria
proporcional à riqueza do Estado. Mas isso não parece ser provável. À
medida que as técnicas se desenvolvem e a civilização se generaliza, o
capital fixo é cada vez maior em relação ao capital circulante. O montante
de capital fixo empregado na produção de uma peça de musselina inglesa
é pelo menos cem ou mesmo mil vezes maior do que o empregado na
produção de uma peça similar de musselina na Índia. E a proporção de
capital circulante empregado é mil vezes menor. É fácil perceber que, sob
determinadas circunstâncias, se pode agregar ao capital fixo a totalidade
da poupança anual de um povo trabalhador, o que não produziria nenhum
efeito para aumentar a demanda de trabalhadores (COUTO, FREITAS e
COUTO, 2009, p.7).

16
Mas os argumentos de Barton ainda não foram suficientes para convencer
Ricardo sobre os malefícios da maquinaria para trabalhadores e o autor publica a
segunda edição de seu mais importante trabalho, sem o aceitar o desemprego
tecnológico.

John Ramsay McCulloch escreve em 1820 uma resenha do panfleto de Barton,


afirmando que para a elevação de capital fixo gerar elevação de emprego e salário,
seria necessário que o capital circulante crescesse em proporções consideráveis,
caso contrário o efeito seria inverso, gerando queda de salários e redução de postos
de trabalho.

Ricardo rapidamente se opõe, convencendo o amigo que a “maquinaria nunca


reduz a demanda de trabalho (...) nunca é a causa de uma queda do preço do
trabalho, mas o efeito de sua elevação” (RICARDO citado por SRAFFA, 1982, p.32
apud COUTO, FREITAS e COUTO, 2009). Ricardo convence McCulloch de tal
posição, que perde sua crença no desemprego tecnológico e escreve um artigo em
1821, declarando suas novas posições.

Ricardo só passa a rever suas posições sobre o desemprego tecnológico


quando, por sugestão de McCulloch, passa meses pesquisando o Livro de Malthus.
Ironicamente, Ricardo, que convencera McCulloch da inexistência do desemprego
tecnológico, descobre fundamentos para existência no mesmo em uma análise
sugerida pelo próprio McCulloch. As notas de Ricardo quanto ao Livro de Malthus
foram escritas em 1820, mas publicadas apenas em 1829.

As notas que demonstram a mudanças de opinião de Ricardo quanto aos efeitos


maléficos da maquinaria aos trabalhadores são 149 e 153. A Primeira afirma que a
produção é uma combinação de capital fixo e capital circulante, mas apenas o
capital circulante corresponde à demanda de trabalho, uma vez que é este que paga
os salários. Ricardo apresenta que o capitalista utilizará a combinação mais lucrativa
entre salários e máquinas. Apresenta ainda um exemplo hipotético em que afirma a
possibilidade de cavalos tomarem os postos de trabalho dos trabalhadores. Se esta
hipótese impacta o mercado de trabalho, a aplicação da maquinaria moderna
também o faria.

17
McCulloch, que só ficara sabendo das mudanças de posições de Ricardo em
1921 com a publicação da terceira edição do livro de Ricardo, demonstra-se
desapontado por Ricardo não citar o seu artigo, que concordava com as idéias de
Barton. McCulloch chega a dizer que se as posições de Ricardo estavam corretas, a
lei contra os Ludditas na Inglaterra era uma vergonha ao código Inglês. Ricardo,
respondeu a McCullonch em uma carta de 18 de junho de 1821, que o desemprego
tecnológico é tão demonstrável quanto “qualquer das correspondentes à geometria”.

Na terceira edição do citado livro, Ricardo acrescenta o capítulo XXXI sobre a


maquinaria, em que afirma que a máquina toma lugar do trabalhador e o autor passa
a considerar pertinente a luta dos trabalhadores contra a automatização da produção
(CARDOSO e GUEDES, 1999). Ricardo afirma que depois de reflexões, havia
chegado a outras conclusões sobre a maquinaria e que ainda que não existisse
nenhum trabalho publicado que merecesse retratação, o autor crê que deve alertar
de que sustentou posições que passou a ver como errôneas.

Ricardo diz que acreditava que a maquinaria tornava a terra mais produtiva,
trazendo benefícios para o proprietário da terra e para os trabalhadores, uma vez
que no momento que o trabalhador fosse substituído por uma máquina, este seria
empregado em outro setor da economia, onde seria mais útil para a sociedade. O
autor defendia, ainda, que o capital circulante que deixava de ser empregado nos
salários dos trabalhadores não deixava de existir, era apenas redirecionado. Assim,
se a elevação da produtividade e dos lucros empurrasse para a elevação dos
investimentos, o desemprego não surgiria.

Para explicar sua mudança de opinião, o autor utiliza o exemplo dos rendimentos
líquidos de um país e sugere que uma nação pode elevar sua produção (seus
rendimentos líquidos) sem elevar o nível de salários, podendo ainda elevar a
população excedente. E, com isso, elevar o desemprego e piorar a condição de vida
dos trabalhadores. Elencando mais um elemento, apresenta que a redução do
número de trabalhadores também diminui a demanda por bens de consumo dos
trabalhadores, podendo causar ainda mais desemprego. Ricardo utiliza o exemplo
da produção agrícola dos Estados Unidos, que apresentava elevado nível de capital

18
circulante, dado os baixos níveis de salários. O contrário se verificava na Inglaterra,
onde os elevados salários eram estimulados cada vez mais pela inserção da nova
maquinaria poupadora de força de trabalho.

Para garantir a defesa da maquinaria, Ricardo afirma que se o processo de


automatização não se realizar por uma definição do Estado, existe uma tendência de
o processo ocorrer em outro país, agravando ainda mais a insuficiência de emprego,
dado a fuga de capitais (GUEDES E CARDOSO, 1999). Para o autor, a
implementação do progresso tecnológico era inevitável e existia ainda a
possibilidade da tecnologia gerar emprego em novos setores, a exemplo indústria de
construção de máquinas. Ricardo chega a afirmar que não existe máquina que
funcione sem a interferência do homem. Para ele, tentar reter os avanços do
progresso poderia significar a expulsão dos capitais para países mais liberalizados,
ou seja, o autor já constatava que a elevação dos investimentos era fundamental
para garantir a manutenção do nível de emprego.

Couto, Freitas e Couto (2009) apresentam três conclusões do estudo de Ricardo


que são bastante elucidativas:

1) a introdução de nova maquinaria reduz a quantidade de mão de obra


necessária à produção, podendo gerar o fenômeno do desemprego
tecnológico; 2) no entanto, dependendo do volume de novos
investimentos, os demitidos pela introdução da maquinaria poderiam
encontrar emprego em outras empresas, não ocorrendo o fenômeno do
desemprego tecnológico; 3) a introdução de nova maquinaria nunca
deveria deixar de ser incentivada ou proibida, pois o capitalista poderia
transferir seus investimentos para outro país, não gerando nenhum
trabalho no país que proibiu seu emprego. (COUTO, FREITAS, COUTO,
2009, p.10)

Hicks sugere que faltou um modelo aritmético para uma melhor compreensão da
visão de Ricardo sobre a maquinaria e o que ocorreria no longo prazo se o
trabalhador fosse substituído pela máquina. Ao propor um modelo, Hicks inclui as
variáveis: estoque inicial de máquinas, produção, nível de emprego e desgaste da
máquina. Hicks utiliza o modelo aritmético para fazer as seguintes conclusões sobre

19
a elaboração de Ricardo: uma inovação tecnológica teria o papel de poupar força de
trabalho, elevaria o lucro do empresário, permitindo que o dono da fábrica elevasse
sua poupança e por conseqüência os investimentos. No primeiro momento se
verificaria uma elevação do desemprego, mas depois, com a expansão da produção,
o nível de emprego se elevaria a um patamar superior ao verificado antes da nova
tecnologia.

Com seu modelo, Hicks apresenta que o desemprego apontado por Ricardo,
proveniente da elevação das tecnologias, teria um efeito transitório. O capital gerado
pela nova tecnologia trataria de eliminar o desemprego e levar a economia a
patamares superiores em termos de nível de produção e de emprego.

1.2. Marx

Marx, em seu mais importante trabalho, “O Capital”, publicado em 1867,


cinqüenta anos depois de Ricardo publicar “Princípios de economia política e
tributação”, dedicou o importante capítulo XIII ao entendimento da maquinaria. Marx,
conhecedor dos dilemas vividos por Ricardo quanto à aceitação do desemprego
tecnológico, resgata o compromisso de Ricardo com a ciência e com a verdade.

A constatação de Marx ao relatar as lutas dos trabalhadores contra as máquinas,


é que o carrasco do trabalhador não é a máquina. Esta é apenas o meio pelo qual o
detentor do capital tem de garantir o processo de dominação do trabalhador e
extração de mais-valia. O responsável pelo martírio do trabalhador era o capitalismo,
que transforma as ferramentas do artesão em máquinas e leva as máquinas a
tomarem o lugar dos trabalhadores. O autor ainda afirma que demorou até os
trabalhadores se organizarem contra o capitalista, ao invés de lutarem contra os
meios de produção. Os avanços da maquinaria significavam avanços do homem
contra suas limitações naturais e físicas.

Marx verificou que o progresso da luta dos trabalhadores e a conquista de


redução da jornada de trabalho, também consolidaram avanços na implementação

20
da maquinaria. Em 1832, por pressão dos trabalhadores, a jornada de trabalho foi
limitada em 12 horas diárias. Em 1847, já foi reduzida para 10 horas nas fábricas de
linho, seda, lã e algodão, como estímulo à implementação da maquinaria.

Observando dados de meados do século XIX, Marx verificou que mesmo com a
queda de postos de trabalho, a expansão da maquinaria tinha elevado muito a
produtividade das fábricas inglesas, levando o autor a crer que não existia forma
mais eficiente de aumentar a produtividade. Porém, Marx também descreve as
conseqüências promovidas pela maquinaria no capitalismo:

Assim que o manejo da ferramenta passa à máquina, extingue-se com o


valor de uso, o valor de troca da força de trabalho. O trabalhador torna-se
invendável, como papel-moeda posto fora de circulação. A parte da classe
trabalhadora que a maquinaria transforma em população supérflua, isto é,
não mais imediatamente necessária para a autovalorização do capital,
sucumbe, por um lado, na luta desigual da velha empresa artesanal e
manufatureira contra a mecanizada, inunda, por outro lado, todos os ramos
mais acessíveis da indústria, abarrota o mercado de trabalho e reduz, por
isso, o preço da força de trabalho abaixo de seu valor. Para os
trabalhadores pauperizados, deve ser grande consolo acreditar, por um
lado, que seu sofrimento seja apenas temporário, por outro, que a
maquinaria só se apodere paulatinamente de todo um setor de produção,
ficando reduzida a dimensão e a intensidade de seu efeito destruidor. Um
consolo bate o outro. Onde a máquina se apodera paulatinamente de um
setor da produção, produz miséria crônica nas camadas de trabalhadores
que concorrem com ela. Onde a transição é rápida, seus efeitos são
maciços e agudos. A história mundial não oferece nenhum espetáculo
mais horrendo do que a progressiva extinção dos tecelões manuais de
algodão ingleses, arrastando-se por décadas e consumando-se finalmente
em 1838. Muitos deles morreram de fome, muitos vegetaram com suas
famílias a 2,5 pence por dia (MARX, 2003).

Marx faz uma descrição bastante rica dos dissabores promovidos pela
maquinaria no século XIX. Por mais inadequada que possa ser a luta dos
trabalhadores contra os meios de produção, fetichizando a máquina e a tecnologia,
dado o martírio a que o trabalhador é submetido com os ciclos de inovações
tecnológicas, é compreensível sua revolta com algo que este supõe materializar sua
condição de peça substituível. O autor afirma não acreditar na transitividade dos

21
malefícios causados ao trabalhador. “O meio de trabalho mata o trabalhador”
(COUTO, FREITA, COUTO, 2009)

Estas afirmações se fundam no fato de Marx não acreditar na hipótese da


libertação de capital. Para Marx, o capital variável que é deslocado não fica
disponível, ele apenas é transferido da condição de capital variável, na forma de
salários, para se transformar em capital constante, na forma de máquina. O autor
acreditava na possibilidade de o trabalhador ser ocupado em outro segmento, mas
este investimento só será possível pela ação de outro capital. E quanto à criação de
emprego nos setores de construção de bens de produção, Marx apresenta que
tende a ser um segmento com elevada composição orgânica de capital.

A quantidade socialmente necessária de trabalho é uma referência que está


diretamente associada ao estágio de desenvolvimento das forças produtivas.
Certamente que o tempo que se leva para produzir uma porta de madeira nos dias
de hoje é radicalmente distinto do tempo que era necessário há cem anos. Isso em
decorrência do desenvolvimento das ferramentas e da forma de organizar a
produção. Isso não quer dizer que não existam, ainda hoje, formas rudimentares de
produção de portas, mas se esta se configurar como mercadoria, o valor dela será o
de uma porta produzida com as ferramentas dos dias atuais e com a habilidade e
eficiência média de um trabalhador dos dias atuais.

Desta forma a elevação de produtividade reduz a quantidade de valor por


unidade de mercadoria, ainda que torne o trabalho concreto uma fonte mais rica de
valor de uso. Esta constatação nos leva refletir sobre os elementos que estimulam
um capitalista a buscar elevação de sua produtividade, sabendo que a elevação da
produtividade média reduz o valor da mercadoria.

Podemos analisar o crescimento de produtividade de ao menos duas formas. As


diferenças de produtividade de capitalistas do mesmo setor da economia e as
diferenças de produtividade entre setores distintos da economia.

A mercadoria é produzida privadamente e a quantidade de trabalho socialmente


necessária é estabelecida de forma média, com uma tecnologia média e com
habilidades médias dos trabalhadores, assim pode existir produção com níveis de

22
produtividade abaixo da média e outras acima da média. Quando nos referimos a
capitalistas do mesmo setor da economia, fica evidente que este busca ter uma
produtividade acima da média de seu setor. Isso pode lhe render um aumento de
mais-valia extra, segundo Marx. Esta mais-valia se dá porque a produtividade acima
da média torna as horas de trabalho de seus trabalhadores uma fonte mais rica de
valor, desta vez não só de valor de troca. Este processo não é diferente para o
capitalista com produtividade abaixo da média, o trabalho deste é uma fonte menos
rica de produção de valor.

Quando tratamos diferenças de produtividade, em setores distintos da economia


capitalista, este fenômeno se comporta de forma distinta da anteriormente
mencionada. A taxa de lucro dos diversos setores é rateada entre estes, não
garantindo uma mais-valia excepcional para um ou para outro setor da economia.
Este processo se dá pela necessidade de funcionamento dos diversos setores. A
escolha de investimento capitalista é privada, se um setor da economia tivesse
lucros completamente distintos dos outros, provavelmente todo o capital se
deslocaria para o setor de maiores ganhos, impossibilitando o funcionamento da
economia capitalista.

Assim, o duplo caráter do trabalho se desdobra em uma série de dualidades na


economia política de Marx, como: a dualidade da mercadoria (possuidora de valor
de uso e valor de troca), da riqueza (material e abstrata) e dos avanços técnicos
(expresso nos conflitos dialéticos do desenvolvimento das forças produtivas com as
relações de produção).

Fica evidente na análise de Marx que o desenvolvimento da tecnologia, dado a


lógica de valorização do capital, leva a economia capitalista a irracionalidades
quanto ao processo produtivo e de troca (BORGES NETO, 2010)

Os avanços técnicos promovidos por concorrência privada dos capitalistas levam


a produção a uma elevação de composição técnica do capital, e ainda que com
controvérsias, este promove a elevação de composição orgânica do capital.
Ampliando a utilização de máquinas e reduzindo a utilização da força de trabalho,

23
elevando o trabalho morto e reduzindo o trabalho vivo, capaz de transferir e gerar
valor.

Este processo leva a economia capitalista a elevar a produção de riqueza


material em um nível nunca visto anteriormente, sem necessariamente elevar a
criação de valor. Dado que a meta do capital é valorizar-se, este processo
contraditório cria distorções na lógica econômica e distâncias monumentais entre a
criação de valor e valor de uso, entre a capacidade de o trabalhador criar riqueza
material e riqueza abstrata.

Segundo Marx,

O roubo do tempo de trabalho alheio, sobre o qual se funda a riqueza


atual, aparece como uma base miserável comparado com este
fundamento, criado pela própria grande indústria. Tão pronto como o
trabalho em sua forma imediata deixou de ser a grande fonte da riqueza, o
tempo de trabalho deixa, e tem que deixar, de ser sua medida e, portanto,
o valor de troca deixa de ser a medida do valor de uso (Marx 1972 [1857-
58], p. 227-230 apud BORGES NETO, 2010)

A elevação da produtividade não cria condições para o capital ampliar sua forma
homogênea de valorização. Tendo assim que buscar a centralização de capital para
tentar reduzir a tendência decrescente de taxa de lucro, que expressa um caso
específico do fenômeno descrito no trecho acima no Grundrisse de Marx.

É com base nesta dimensão do trabalho que a dinâmica capitalista se realiza,


com base em uma substância homogênea capaz de permitir trocas entre qualquer
mercadoria baseada apenas na quantidade de trabalho socialmente necessário para
produzir cada mercadoria e o que é mais importante, capaz de criar riqueza abstrata,
a riqueza perseguida por todos os detentores de capital. Assim, a mais-valia é
possível por que o capitalista contrata o trabalhador lhe oferecendo pagamento pelo
valor de troca de sua força de trabalho, mas usufrui do valor de uso da mesma. Em
condições normais, o trabalhador produz o valor de troca de sua força de trabalho
(seu salário) em apenas uma parcela do tempo que aluga ao empregador. Todo o

24
trabalho empregado para além do que valor de seu salário é apropriado pelo
capitalista como mais-valia.

É na busca de valorização de seus capitais, na valorização do valor que os


capitalistas de todo o mundo buscam acelerar o processo de rotação de capital,
processo de transformar o capital em mercadoria força de trabalho e meios de
produção para utilizar o valor de uso da força de trabalho para gerar mais-valia.

O capitalista ampliará seu capital quão mais rápido puder realizar a rotação do
mesmo. Esta transformação de capital em mercadoria e mercadoria em mais
dinheiro eleva a velocidade de acordo com a capacidade de aumentar a composição
orgânica do capital, ou seja, elevação do trabalho morto frente ao trabalho vivo.

A substituição do trabalhador por máquina só é justificada para garantir uma


maior reprodução de mais-valia, mas este processo pode assumir três flancos de
atuação. Primeiro, pelo desejo de elevar a velocidade do giro de seu capital, para
assim valorizá-lo mais rapidamente, como foi mencionado. Segundo, pela
necessidade de produzir mais-valia sem estar ancorado nas vicissitudes,
inconstâncias e desejos reivindicatórios, liberando o capitalista da penúria de ter que
compartilhar parte de seus lucros. Este fator também impõe que o capitalismo tenha
de produzir desemprego para garantir níveis aceitáveis de estabilidade política aos
empregadores. O pleno emprego é refutado pela classe detentora de capital por que
o desemprego tem um papel disciplinador, favorecendo os lucros frente aos salários,
no conflito capital-trabalho. E, por último, pelo desejo de se apropriar de um tipo
bastante peculiar de mais-valia, a chamada mais-valia extraordinária. Esta
modalidade de mais-valia é para Marx o elemento dinamizador do avanço das forças
produtivas no capitalismo.

A mais-valia extra é a mais-valia apropriada pelo capitalista que garante um


processo de inovação em seu processo produtivo. Como as mercadorias para Marx
são vendidas pela quantidade de trabalho socialmente necessário, com base em
uma dada tecnologia e uma velocidade média de trabalho, qualquer processo que
acelere a produção para um patamar mais eficiente que a media, lhe garante um

25
ganho de mais-valia extraordinária, enquanto esta inovação não for generalizada em
determinado segmento da economia.

A necessidade de elevar a composição orgânica do capital cria uma contradição


fundamental no seio do sistema segundo Marx. Dado que o único trabalho que cria
valor é o trabalho vivo, criado pela força de trabalho, a elevação da composição
orgânica do capital permite a elevação da eficiência, elevação da riqueza real, mas
não a criação do valor almejada pelos detentores de capital, que é a riqueza
abstrata, destas que o capitalista pode converter em qualquer bem material
comercializável. A disputa intercapitalista acelera do processo de desenvolvimento
das forças produtivas, com implementação de inovações tecnológicas e
organizacionais, de forma que economize trabalho e tempo de produção.

A busca de um capitalista em reduzir o tempo de trabalho para produzir uma


mercadoria abaixo do tempo médio de seus concorrentes promove fenômenos
curiosos no desenvolvimento da economia capitalista. Quando esta inovação, seja
tecnológica, ou organizacional, encontra-se concentrada apenas em sua fábrica,
este capitalista ganha a mais-valia extraordinária, dado que produz com mais
eficiência a quantidade socialmente necessária, determinada para a produção de tal
mercadoria. Quando esta inovação se generaliza no trabalho concreto de todos os
concorrentes, a quantidade socialmente necessária de trabalho se desloca para este
novo nível mais eficiente. Mas se esta inovação reduzir de forma generalizada a
quantidade de trabalho no departamento de bens de consumo dos trabalhadores
cria-se outra modalidade de mais-valia, a mais-valia relativa.

A mais-valia relativa é proveniente da redução do preço da cesta de consumo do


trabalhador. Como o trabalhador recebe o equivalente ao valor de troca de sua força
de trabalho, que corresponde ao valor de sua cesta de consumo, socialmente e
historicamente atualizada, a redução do valor desta cesta, promove a perda de
importância relativa do salário frente ao lucro, podendo garantir ao capitalista
maiores lucros.

A disputa intercapitalista por elevar sua capacidade de produzir riqueza abstrata


o empurra a elevar de forma indeterminada o trabalho morto frente ao trabalho vivo

26
na produção, isso para garantir que sua produção transcenda a eficiência média da
produção de tais mercadorias. Buscando a mais-valia extraordinária, os capitalistas
adquirem muitas vezes a mais-valia relativa, porém, tal mecanismo, segundo Marx,
preda a capacidade do capitalista elevar as taxas de mais-valia, causando inclusive
uma tendência de declínio das taxas de lucro.

Para Marx, a queda tendencial da taxa de lucro é o processo de perda de


capacidade de produzir riqueza abstrata, valores de troca, de garantir o processo de
valorização do capital. Seria inapropriado sugerir que a sociedade capitalista tenda à
redução de sua capacidade produtiva. Analisando o capitalismo mesmo de forma
superficial, se verificará que este sistema tem se demonstrado um sistema da
fartura, de abundâncias, de excesso e de desperdício. Ainda que conviva com
profundas desigualdades, com miséria, com fome, com grande concentração de
renda, a riqueza concreta e a produção de valores de uso estão abundantemente
presentes em tal sociedade. A queda da taxa de lucro tende a gerar crises, por
reduzir investimentos, gerar desemprego e a pressionar a redução de salários.

O que Marx traz no capital, já ensaiado no Grundrisse é que o capitalismo não


desenvolve tecnologias para melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores,
não produz tecnologias baseadas nas leis de mercado para reduzir a pobreza e a
miséria, ele o faz para elevar sua capacidade de produzir valores de troca. E a cada
momento que um capitalista inova em sua forma de produzir, gastando menos
tempo social de trabalho, este se apropria de uma valorização do valor diferente dos
outros capitalistas, mas quando esta inovação se difunde na produção, a
apropriação de mais-valia volta a ocorrer de forma equivalente para todos
capitalistas, porém com uma peculiaridade, demandando menos horas de trabalho.

A redução de trabalho necessário para produzir uma mercadoria também


representa a redução de valor de tal mercadoria no processo de rotação do capital.
A tecnologia criada que elevou a mais-valia de um determinado capitalista, quando
difundida na cadeia produtiva da respectiva mercadoria, provoca provável redução
de preço e da capacidade do detentor do capital apropriar-se de riqueza abstrata.
Para que o capitalista consiga retomar sua vantagem frente aos seus concorrentes,

27
precisa imprimir outro avanço tecnológico, utilizando-se do que Schumpeter
chamaria de monopólio temporário. O capitalista passaria mais um período
apropriando-se da mais-valia extraordinária, com elevação da composição orgânica
do capital, elevando assim o trabalho passado, cristalizado em meios de produção, e
reduzindo a força de trabalho criadora de valor.

O caráter endógeno do desemprego no capitalismo é um elemento fundamental


no processo de funcionamento e reprodução do sistema. Para fundar suas bases, o
capitalismo impôs o trabalho nos moldes da revolução industrial por meio de intensa
violência física, cultural e moral. No processo de acumulação primitiva, o sistema
precisou mudar radicalmente a lógica de trabalho feudal, baseada no trabalho no
campo – que obedecia a dinâmica natural das estações do ano – e em um conjunto
de obrigações do servo, o qual não almejava ascender a senhor. A lógica feudal
mencionada é contrária à produção de mercadoria, produção de riqueza abstrata.

Como já mencionamos, os trabalhadores foram atraídos para as cidades e


condicionados ao trabalho industrial, por salários relativamente maiores do que os
do campo, situação que não perdurou. Consolidado o estabelecimento de relações
capitalistas de produção, os detentores do Capital precisavam elevar seu poder
político e econômico e, segundo Kalecki (1977, p.54-55), certo nível de desemprego
é fundamental para a manutenção da disciplina na fábrica e da estabilidade política.
O autor chega ao extremo de afirmar que o capitalista prefere estes fatores ao lucro.

Kalecki (1977) lembra que o pleno emprego poderia retirar o caráter disciplinar
das demissões, podendo causar uma elevação no nível de confiança dos
trabalhadores, que estariam mais suscetíveis a questionar poder patronal. O autor
defende ainda que é provável que os lucros em um quadro de pleno emprego sejam
maiores, ainda que o os salários crescessem em um ambiente de elevado poder de
barganha do trabalhador. Mas Kalecki apresenta que os aumentos dos salários
estavam mais propensos a elevar preços do que a reduzir os lucros.

O ambiente de pleno emprego descrito por Kalecki sugere ainda que a elevação
do poder de barganha dos trabalhadores os colocaria em processos crescentes de
elevação da radicalidade nas greves, podendo colocar em xeque o próprio sistema.

28
Para o autor, certo nível de desemprego é inerente do sistema e a tecnologia
produzida por este sistema tende a obedecer tal lógica.

A dimensão tecnológica do exército de reserva repousa na necessidade que o


capitalista tem de se livrar das vicissitudes do trabalho do homem, trabalho repleto
de incertezas e imprevisibilidades. O detentor do capital tem que se livrar do trabalho
humano, repleto de reivindicações e desejos de melhoria das condições de trabalho.
Assim, a elevação da composição orgânica do capital, a elevação do trabalho morto
frente ao vivo e a automatização da produção, servem ao capitalista de duas formas:
no primeiro momento da inovação, funciona como um instrumento para a
apropriação de mais-valia extra, quando esta inovação (que eleva a mecanização da
fábrica) se difunde de forma relativamente uniforme na produção. Além disso, o
trabalho vivo é reduzido na produção como um todo, “livrando” cada fez mais os
capitalistas do poder de barganha dos trabalhadores. A elevação do trabalho morto
na produção garante a criação de um exército de reserva, formado por
desempregados que devem estar aptos para assumir os postos de trabalho sempre
que os trabalhadores colocarem o poder do capital em xeque em seus postos de
trabalho.

A estratégia de impedir obsolescência e reduzir o poder de barganha do


trabalhador está respaldada em impedir que os trabalhadores se vejam como classe,
que compartilhem entre si os mesmos dilemas e dificuldades. A estratégia de utilizar
o desemprego como ameaça só se faz eficiente se os trabalhadores não agirem
conjuntamente. Esta constatação se faz presente em inovações organizacionais, nas
quais as empresas criam diversas diferenciações entre trabalhadores de um mesmo
setor e em alguns casos da mesma função. As distinções entre trabalhadores
expressa outra forma de garantir um elevado nível de controle e estabilidade aos
capitalistas, potencializando a tensão que é causada pela elevação do nível de
desemprego.

Marx ressalta a dimensão da tecnologia na produção de um exército industrial de


reserva, elemento fundamental para a estabilidade do capitalismo e reprodução de

29
suas bases. Couto, Freitas e Couto (2009) apresentam uma síntese bastante
relevante para Marx:

de acordo com as idéias de Marx, que a maquinaria era, em parte,


responsável pelo desemprego, mas que novos investimentos poderiam
absorver os trabalhadores demitidos. Marx não apontou com clareza, mas
demonstrou que sabia que o desemprego dependeria da velocidade de
crescimento de quatro variáveis: 1) o avanço tecnológico; 2) o crescimento
populacional; 3) a taxa de acumulação de capital (ou novos investimentos);
4) e a redução da jornada de trabalho (COUTO, FREITAS e COUTO,
2009, p. 13).

Os autores ainda apresentam que a elevação da composição orgânica e o


aumento populacional são duas forças que impulsionam o desemprego, enquanto a
elevação dos investimentos e a redução da jornada de trabalho promovem a
elevação do nível de ocupação. Observando a variação do nível de emprego durante
o século XX, os autores sugerem que os elementos geradores de empregos tem se
apresentado com maior relevância e energia.

1.3. Schumpeter

Schumpeter foi um dos mais importantes economistas do século XX. Escolheu a


analisar a economia a partir de um horizonte que transcende o curto prazo e com
isso vislumbrou uma economia diferente dos equilíbrios neoclássicos. Para ele os
equilíbrios tendem a se modificar à medida que se modificam determinados padrões.

O progresso econômico para o autor se dá de forma descontínua porque


obedece a ciclos e está vinculado a determinado paradigma tecnológico, que
corresponde a um conjunto de tecnologias que influencia a economia capitalista.
Estes paradigmas determinam tecnologia, produtos, matérias primas, forma
organizacional, etc. Cada vez que estes ciclos estão em expansão, se verifica um
processo de crescimento econômica com mais investimentos, elevação do nível de
empregos, surgimento de tecnologias convergente com tal paradigma e certo

30
rearranjo institucional. As crises se verificam quando tal paradigma é incapaz de
atribuir o dinamismo que a economia capitalista necessita, com as taxas de lucro
almejadas pelos proprietários dos meios de produção. A busca de um equilíbrio e a
acomodação da expansão anterior tendem a constituir uma das faces das crises
capitalistas. Schumpeter (1997) apresenta abaixo o caráter cíclico da acumulação
capitalista, afirmando que:

a natureza econômica da depressão reside na difusão das conquistas do


boom por todo o sistema econômico, por meio do mecanismo da luta pelo
equilíbrio; e que somente reações temporárias, que apenas em parte são
necessárias ao sistema, é que obscurecem esse traço fundamental e
produzem o clima expresso pela palavra depressão. (SCHUMPETER,
1997, p. 233)

Valendo-se do estudo estatístico de Kondratiev, Schumpeter sustenta sua


construção teórica em sólida base empírica. Kondratiev, após observar
estatisticamente períodos de ascensão de declínio da economia mundial, percebe
que os padrões se modificam a cada 50 a 60 anos e os ciclos menores,
denominados “Juglar”, variam de 8 a 10 anos. Schumpeter identifica que estes ciclos
estão associados a mudanças da base técnica de cada ciclo.

Rattner (1988) identifica nos ciclos a decolagem, a prosperidade, a recessão e a


depressão, como segue no quadro abaixo.

31
QUADRO 1.1 - Ondas longas ou ciclos econômicos com (com base em
Schumpeter)

FASES DECOLAGEM EXPANSÃO RECESSÃO DEPRESSÃO

CICLOS A B C D

1o 1770-1785 1786-1800 1801-1813 1814-1827

2o 1828-1842 1843-1857 1858-1869 1870-1885

3o 1886-1897 1898-1911 1912-1925 1926-1937

4o 1938-1952 1953-1973 1974-1985 1986...

FONTE: CARDOS E GUEDES (1999, p. 46)

Quando o empresário Schumpeteriano introduz uma inovação assimilada pelo


mercado, este empresário desfrutará por certo tempo do um lucro chamado por
Schumpeter de extraordinário, que não diferente de Marx, é o prêmio recebido pelos
inovadores, impulsionadores do progresso capitalista. Este desfrutará de tais
benefícios por certo tempo, até que perca seus benefícios por fatores institucionais,
como o fim de uma patente, ou econômicos, como a criação de outra inovação que
supere a vigente.

Tendo a inovação tecnológica como o motor de desenvolvimento capitalista,


Joseph Schumpeter atribui grande importância aos empresários, responsáveis por
garantir a implementação e difusão da invenção na sociedade. O que chamou de
“empresário schumpeteriano” é o empreendedor, capaz de difundir a invenção pela
economia, gerando ondas de desenvolvimento e inovação.

O autor faz uma diferenciação bastante relevante entre grande inovação e


pequena inovação. Pequena inovação é aquela que eleva a produtividade sem
causar rompimento com o padrão de desenvolvimento vigente até então. A grande
inovação é a que gera diversas outras inovações periféricas, derivadas da primeira.
Esta deve possuir elemento que permita se difundir por toda a economia, causando
mudanças no nível de produtividade, mas também em formas de produzir matérias

32
primas, padrões de acumulação. Este tipo de inovação ainda promove o que
Schumpeter chama de destruição criativa, elemento fundamental na construção do
entendimento do autor sobre o desenvolvimento capitalista e as possibilidades de
criação de desemprego no processo de inovação tecnológica.

Schumpeter não se debruçou com afinco sobre o debate do desemprego


tecnológico. Para ele, esta modalidade de desemprego é verificada não só quando
existe mudança técnica, mas também quando se verifica mudanças organizacionais
ou outras. Como as mudanças tecnológicas são um condutor do progresso no atual
sistema, ele acreditava que mesmo inovações de outra natureza, que não
tecnológicas, são derivadas de mudanças tecnológicas. Certamente, o fordismo não
seria possível sem os diversos progressos tecnológicos verificados nas revoluções
industriais, é impensável a organização fabril sem a existência da esteira, para
simplificar e rotinizar o trabalho.

Schumpeter não acreditava na dicotomia criada entre desemprego cíclico e


desemprego tecnológico. Utilizando os ciclos de longa duração de Kondratiev,
constata que as mudanças tecnológicas promovem ciclos de expansão e depressão
da economia. O declínio é causado pela saturação de um determinado padrão
técnico, e com isso, verifica-se elevação do desemprego. Mas este desemprego,
para Schumpeter, será inevitavelmente superado pela dinâmica capitalista, que
promoverá novas inovações e oportunidades de investimentos. Este processo
gerará elevação dos investimentos nas novas tecnologias, com elevação de crédito,
vigor econômico e criação de novas cadeias produtivas.

À medida que os investimentos na nova tecnologia amadurecem, as economias


de escalas chegam aos extremos e existe pressão pela manutenção dos lucros. O
nível de emprego tende a parar de crescer e investe-se em tecnologias poupadoras
de força de trabalho.

Em “Teoria do desenvolvimento Econômico”, Schumpeter (2007, p. 233) afirma


que não existe uma dicotomia entre em o caráter cíclico e tecnológico do
desemprego. Tanto o lucro extraordinário, quanto o desemprego tecnológico são
efêmeros e não devem ser considerados permanentes. Se o desemprego

33
tecnológico é criado por ciclos e superado em ciclos, seria incongruente não
considerar o desemprego tecnológico como cíclico. Na medida em que as
inovações criam tecnologias poupadoras de força de trabalho, estas geram outros
postos de trabalho em outra indústria ou ramo da economia.

No momento do boom por elevação dos investimentos se verifica um aumento


da produção, do nível de emprego e dos salários. O boom se expressa em
tecnologias poupadoras de trabalho, mas não necessariamente cria desemprego,
dado o processo de expansão da economia. Ainda que as tecnologias poupadoras
de emprego gerassem algum nível de desemprego, este seria transitório, uma vez
que a elevação dos lucros provocaria expansão dos investimentos. (SCHUMPETER,
2007)

Segundo Freeman et alii (1982, p. 27 apud TOYOSHIMA), Schumpeter não


contava com a elevação do nível geral de desemprego. Para ele, ocorreria uma
transferência dos empregos de um setor da economia para outro, ou seja, a
destruição em um setor e a criação em outro. O alto nível de desemprego não se
daria por progressos técnicos, ou baixo nível de geração de empregos, mas sim por
fenômenos transitórios e presentes em períodos de crise, como falta de demanda
efetiva e indisposição do empresário em investir.

O desemprego tecnológico não foi o alvo central de análise de Schumpeter. Para


ele esta modalidade de desemprego faz parte do processo de acumulação
capitalista em períodos de expansão da economia e tende a desaparecer, sendo
que em momentos de crise os índices de desemprego se elevam. Assim, este
desemprego tem um caráter transitório como os outros fatores cíclicos do modo de
produção capitalista.

1.4. Neo-schumpeterianos

Os teóricos chamados de neo-schumpeterianos resgatam a contribuição teórica


de Schumpeter para compreender a relação entre ciclos econômicos e inovações

34
tecnológicas, mas acrescentam outros elementos à visão de Schumpeter. Utilizam-
se de elementos da teoria pós-keynesiana como as expectativas, partindo do
pressuposto que a incerteza tem um papel fundamental no ímpeto do empresário
inovador realizar investimentos em novas tecnologias. Os neo-schumpeterianos
estabelecem um bom diálogo com a teoria regulacionista, uma vez que acreditam
que as mudanças institucionais são elementos fundamentais tanto no processo de
desenvolvimento econômico, como no desenvolvimento de novas tecnologias.

Os autores neo-schumpeterianos assimilam o conceito de ciclos longos para


caracterizar determinada fase da economia capitalista e como se realiza o processo
de acumulação. Acreditam que nos ciclos verificam-se “tempestades periódicas de
destruição criativa que representam revoluções tecnológicas que promovem saltos
quantitativos na produtividade industrial” (PAMPLONA, 2001, p. 42).

. Utilizam-se do conceito de paradigma tecno-econômico para estabelecer uma


determinada inter-relação de elementos técnicos, gerenciais, materiais, de produtos
e etc. Estes estabelecem um determinado padrão de funcionamento da economia. O
padrão está ancorado em um conjunto de tecnologias que se consolidaram com a
superação no ciclo anterior; o processo de consolidação de tal ciclo ocorre com
incorporação de algumas inovações que se desdobram em grande parte da
economia e produzem um efeito em cadeia, gerador de outras inovações menores.
O paradigma tecno-econômico também está ancorado em um determinado padrão
institucional, que influencia e é influenciado pelas tecnologias, formas
organizacionais de produção, etc.

Para os teóricos em questão, o desemprego tecnológico não segue um padrão


universal em todos os ciclos de acumulação. Em cada momento histórico se
verificou uma relação distinta entre tecnologia e emprego. Estes autores acreditam
ser impossível isolar os elementos estruturais dos elementos conjunturais no que diz
respeito à definição do nível de emprego. Desta forma, não é possível abstrair o
desemprego tecnológico dos elementos da conjuntura macro econômica, mudanças
institucionais ou mesmo alterações organizacionais na economia, dado a inter-
relação de tais variáveis (CARDOSO e GUEDES, 1999).

35
Uma mudança tecnológica pode, por exemplo, exercer ao menos duas
tendências no nível de emprego da economia. Se por um lado uma importante
inovação tecnológica eleva o nível de investimento, e portanto tende a elevar o nível
de emprego, por outro lado, como se verifica na maior parte dos casos, as inovações
tecnológicas tendem a ser poupadoras de mão de obra. Para identificar se tal
padrão tende a gerar desemprego tecnológico ou não, vai depender de fatores
institucionais, organizacionais e etc.

Uma importante constatação feita por Freeman et alii (1982, p. 75-80) é que um
mesmo padrão tecnológico tende gerar diferentes efeitos no nível de ocupação, em
cada estágio do ciclo. Esta constatação remete mais uma vez à natureza cíclica do
desemprego, presente nos apontamentos de Schumpeter. No início da
implementação de um determinado padrão tecnológico, a elevação dos lucros tende
a gerar mais investimentos e com isso se eleva o nível de empregos e salários.
Neste período, há possibilidades de investimentos conduzirem a economia ao
crescimento econômico. Com o avançar do ciclo, o paradigma se estabiliza e
verifica-se a existência de uma tendência à elevação da concorrência
intercapitalista, que reduz os lucros para lucros normais, diminuindo a incidência de
lucros extraordinários. Neste processo, as inovações tendem a ser mais na esfera
organizacional e não de produtos, são poupadoras de força de trabalho e contribuem
com a geração de desemprego em tal fase do ciclo de acumulação. As inovações
organizacionais estão voltadas, no geral, para racionalizar o processo produtivo, no
intuito de poupar força de trabalho.

Os elementos conjunturais da economia são fundamentais na definição do nível


de emprego. A escassez de investimentos tende a gerar baixo crescimento e
elevado desemprego. Este fator pode estar ligado ao padrão tecnológico, pois se o
paradigma requer uma utilização intensiva de capital, são necessárias quantidades
ainda maiores de investimentos para gerar a demanda por uma unidade de trabalho.
A elevação dos investimentos ainda assim pode não impactar o nível de emprego.
Segundo Clark (1987, p. 107) os casos são: investimentos em racionalização da

36
produção, ao invés de investimentos em expansão e investimento em reposição de
capital fixo.

O elemento institucional também é fundamental na definição do nível de


emprego, uma vez que a legislação trabalhista, o poder de barganha do sindicato, a
existências de um determinado monopólio, ou determinada cultura, estabelecem
inflexibilidades no nível de emprego, salário, ou tipo de ocupação. Mesmo que
houvesse possibilidade técnica para uma produção que gerasse maior nível de
emprego, haveria resistência a mudanças, enquanto não se alterasse tal padrão
institucional.

Para os neo-schumpeterianos os problemas de desemprego são enfrentados


com políticas públicas de ordem fiscal e monetária, estimulando a geração de
crescimento e emprego. Para tal linha teórica, é necessário verificar no atual
paradigma tecno-econômico onde estão as maiores oportunidades de crescimento
com geração de empregos. Eles defendem que são necessários investimentos em
setores dinâmicos, que geram possibilidades de novos investimentos para geração
de emprego e crescimento também no longo prazo. A busca do pleno-emprego é um
elemento central para os neo-schumpeterianos. Toyoshima apresenta os principais
pontos que relacionam o nível de emprego com tecnologia na visão neo-
schumpeteriana.

1) tal impacto só pode ser estudado a partir de uma análise global do


processo de acumulação capitalista; 2) esse processo deve ser estudado
do ponto de vista dinâmico, dando importância não aos aspectos estáticos
relacionados ao equilíbrio e à permanência nele, mas como as mudanças
ocorrem e como elas influenciam a acumulação de capital; 3) desse ponto
de vista, o progresso técnico é fundamental para explicar a dinâmica
capitalista; 4) a economia evolui através de grandes ciclos relacionados a
determinado paradigma "tecno-econômico"; 5) cada ciclo longo se
caracteriza pela predominância de um conjunto de novas tecnologias que
alteram toda a estrutura da economia; 6) cada ciclo longo tem
características próprias, portanto o efeito da tecnologia sobre o emprego
deve ser analisado segundo as especificidades da técnica, do padrão
organizacional, do ambiente global da economia e das instituições de cada
período; 7) a história, assim, é fundamental para caracterizar cada período,
uma vez que as configurações passadas acabam por delimitar o escopo

37
das configurações futuras; 8) os impactos da tecnologia sobre o nível de
emprego dependem não só do tipo das inovações tecnológicas, mas da
fase do ciclo em que a economia se encontra; 9) no mundo real existem
diversas inflexibilidades técnicas e institucionais que impedem que a
economia caminhe inequivocamente para um equilíbrio de pleno-emprego;
e 10) em razão disso, as políticas públicas cumprem papel fundamental na
geração de emprego. (TOYOSHIMA, 1997, p. 34)

1.5. Teoria da Regulação

A teoria regulacionista, ou neomarxista, apresenta considerável similaridade à


neo-schumpeteriana. As duas visões consideram os avanços tecnológicos e as
mudanças institucionais elementos centrais para a compreensão do processo de
desenvolvimento capitalista. O que distingue uma da outra é fundamentalmente a
importância que cada um dá às variáveis institucionais e tecnológicas. Para os neo-
schumpeterianos os elementos tecnológicos tem maior protagonismo no processo
de desenvolvimento capitalista, já para os regulacionistas as instituições são
elemento de maior relevância. Para a escola da regulação, o emprego pode sofrer
modificações qualitativas e quantitativas sem ocorrerem modificações substanciais
na tecnologia, apenas por readequação dos elementos institucionais.

A escola em questão possui forte influencia da visão de Marx quanto à


importância das relações sociais no desenvolvimento da sociedade capitalista. Boyer
(1988, 1990) apresenta que na visão regulacionista o processo de desenvolvimento
do sistema cria periodicamente obstáculos à continuidade de acumulação capitalista,
culminando assim nas crises. Com as devidas readequações das instituições, pode-
se trazer estabilidade ao sistema com o objetivo de desobstruir o processo de
acumulação. Estes mecanismos são conhecidos como regulação. A regulação
medeia fatores econômicos com não econômicos a fim de estabilizar, ainda que
temporariamente, o processo de acumulação. Como isso, se busca regular política
monetária, concorrências, relações salariais e comércio internacional.

Por herança da escola marxista, os regulacionistas atribuem muito valor ao


processo histórico de desenvolvimento da sociedade. As melhores formas de regular

38
determinadas instituições variam de acordo com o momento histórico e suas
instituições. A melhor configuração de regulação das relações salariais não são as
mesmas no começo do século XX e no início do século XXI. A cultura do povo, a
legislação, as tecnologias e o padrão de acumulação capitalista são bem distintos de
um período para o outro e requerem diferentes formas de regulação para gerarem
os benefícios sociais possíveis. Para os neomarxistas, o futuro não está
predeterminado, o progresso ocorre em um ambiente de múltiplas possibilidades, o
desenvolvimento surgirá como fruto do conflito dialético de diversas variáveis
(PAMPLONA, 2001).

Uma importante distinção entre os regulacionistas e os neo-schumpeterianos é a


utilização de ondas longas para explicar o progresso capitalista. Os regulacionistas
não creem em uma ligação tão direta entre o boom e crises com as mudanças
tecnológicas. Esta vinculação obrigatória aponta para certo determinismo
tecnológico, que perde capacidade de explicar a realidade. Em muitos momentos na
história se verificam crises que não estão vinculadas a mudanças no regime de
acumulação.

O exemplo levantado por TOYOSHIMA (1997, p. 37) foi o estabelecimento do


fordismo. No pós-segunda guerra não se verificaram mudanças no regime de
acumulação, mas existe uma crise na relação em entre a capacidade produtiva e a
demanda. Com regulação nas relações salariais, foi possível incluir os trabalhadores
na gama de consumidores, com isso ampliou-se o mercado, elevaram-se a
produção e os lucros, incentivou-se novos investimentos e provocou-se um ciclo
virtuoso de desenvolvimento (PAMPLONA, 2001). Isso não significa que as
mudanças tecnológicas não possam desencadear crises no padrão de acumulação.
Para os regulacionistas, as crises mais graves se verificam nas mudanças de
paradigma tecnológico, uma vez que estas mudanças requerem outras formas de
articular as produção, altera relações salariais, relacionam-se com necessidades da
sociedade, etc..

Assim, as diferenças fundamentais dos regulacionistas para os neo-


schumpeterianos estão na aceitação das ondas longas e por conseqüência na

39
importância que cada escola atribui à tecnologia e aos fatores institucionais. De
acordo com a escola regulacionista, a variação de emprego está mais relacionada a
rearranjos institucionais que tecnológicos. Uma grande modificação tecnológica
tende a causar impactos transitórios no nível de emprego, mas à medida que ocorre
uma rearticulação entre as instituições, os impactos tendem a ser mitigados pelas
modificações nas legislações, na ação dos trabalhadores e nas demandas sociais.

A análise regulacionista está fortemente influenciada pela visão marxista com


relação aos avanços do modo de acumulação capitalista e possui grande
interlocução com a visão neo-schumpeteriana. O que marca a escola regulacionista
é descartar o equilíbrio de mercado para entender o desenvolvimento econômico, a
partir da constatação de que a sociedade e a economia se comportam de formas
distintas dependendo do momento histórico e da região do mundo. O progresso
tecnológico é importante para entender o estágio de acumulação, mas os arranjos
institucionais são mais importantes na definição de dinâmica do sistema e as
relações sociais são fundamentais para entender a forma de desenvolvimento da
sociedade (TOYOSHIMA, 1997).

40
2. O DESEMPREGO E AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS

2.1. A maquinaria e a Primeira Revolução Industrial

Em “O Capital”, quando Marx (2003) cita John Stuart Mill no capítulo sobre a
maquinaria, ele o faz com o intuito de expor a obviedade concluída por Mill. Para
Marx, o processo de avanços das forças produtivas não pode ser outro, que não,
baratear a mercadoria, reduzindo o tempo de trabalho pago ao trabalhador e,
consequentemente, ampliando o trabalho não pago.

No citado capítulo, o autor expõe a visão simplista de economistas, matemáticos


e mecânicos quanto à definição de ferramenta e de máquina. Sugerem estes que a
máquina é uma ferramenta complexa e a ferramenta é uma máquina simples. Para
Marx, tal definição não tem utilidade do ponto de vista da análise econômica e
requer profundidade de análise, transcendendo a aparência do processo de
progresso tecnológico e, por consequência, dos avanços das forças produtivas.

Outra distinção também citada pelo autor entre máquina e ferramenta está no
elemento determinante da força motriz da máquina. Se esta é movida por força
humana, é classificado como ferramenta, se “por uma força natural, diversa a do
homem como força animal, força da água, a do vento e etc” (Marx, 2003, p. 428)
deve ser classificado como máquina. Tal definição é incoerente na visão do autor,
visto que se assim o fosse, aceitar-se-ia que a criação das máquinas precede aos
ofícios manuais, uma vez que a aplicação de força animal pelos homens é uma das
mais antigas invenções da humanidade.

Para uma distinção adequada entre máquina e ferramenta, Marx sugere uma
análise mais atenta ao funcionamento da máquina e de seu processo de
desenvolvimento. O autor define as três partes fundamentais na composição de uma
máquina, que são: o motor que produz a força motriz do mecanismo, através de
vapor, rodas d’água, força animal, vento, ou até mesmo força humana; a

41
transmissão, que é o mecanismo que converte o movimento gerado pelo motor para
um movimento adequado à máquina-ferramenta – este elemento é formado por
engrenagens, cordas, rodas dentadas, barras, cabos e outras formas de transmitir a
força do motor –; e por último o autor descreve a máquina-ferramenta, que é o
mecanismo que “se apodera do objeto do trabalho e o transforma de acordo com o
fim desejado” (Marx, 2003, p.429). Para Marx, as inovações nas máquinas-
ferramentas permitiram a revolução industrial do século XVIII, visto que a máquina-
ferramenta que é capaz de “transformar um ofício ou manufatura em exploração
mecanizada”.

Assim, Marx atribui as transformações observadas no modo de produção


capitalista aos avanços da máquina-ferramenta. Tais avanços automatizaram o
ofício que a manufatura fracionou, racionalizou e cujas operações simplificou. A
máquina-ferramenta possibilitou os avanços na produção superando os limites
orgânicos do homem, que restringe a quantidade de ferramentas que poderiam ser
operadas pelo trabalhador2.

Marx lembra que na Alemanha tentou-se colocar um fiandeiro para fiar com as
duas mãos e com os dois pés, mas não deu certo. Depois se tentou por meio de um
pedal que os fiandeiros fiassem com dois fusos. Mas, segundo Marx, “encontrar
fiandeiros que conseguisse realizar tal procedimento, era tão raro quanto homem de
duas cabeças” (MARX, 2003). Depois, a máquina de fiar de Jerry, logo no começo,
já fiava de 12 a 18 fusos. Assim, é demonstrado que a revolução industrial direciona-
se inicialmente à emancipação da máquina no que diz respeito à construção da
mercadoria, relegando ao homem o papel de força motriz.

Com o avanço da máquina-ferramenta, as máquinas passam o operar


mecanismos cada vez maiores, operando mais ferramentas simultaneamente. Este
processo requer uma uniformidade que o homem não é capaz. Com a expansão da

2 Vale lembrar que a produção de mercadorias demanda uma produção uniformizada, com processos
semelhantes, com tempo de produção comparável, para assim permitir a criação de valores de troca.

42
revolução industrial e com o crescimento das máquinas, uma força motriz muito
superior a do homem é necessária para colocar em movimento máquinas de
tamanhos colossais. Impõe-se, assim, uma inversão, em que o homem assume o
papel de força motriz do processo de produção. Isso só foi possível porque houve
diversos avanços tecnológicos e foram descobertas novas matérias-primas, como o
aço.

Constata-se, assim, que o processo de mecanização da revolução industrial


absorve do processo produtivo não o trabalho meramente braçal, exercido ora por
um animal, ora por um moinho de vento, ora pelo homem. A maquinaria assume o
manuseio da ferramenta, que possuía um nível de complexidade muito elevado,
quando operado por artesãos do feudalismo ou do pré-capitalismo, mas com o
processo de divisão social do trabalho, permitiu-se um elevado nível de simplificação
na produção, dividindo o trabalho em diversos processos relativamente uniformes e
reproduzíveis por uma máquina. Mas esta máquina que abstrai as sutilezas do
homem, também permite a superação dos limites orgânicos ligados à velocidade,
força e quantidade de ferramentas operadas pelas mãos humanas (ROSEMBERG,
2006).

A observação de Mill quanto ao propósito dos avanços da maquinaria se


demonstra quase tautológico. A máquina veio atender o papel de elevar a mais-valia
e, por sua vez, a taxa de lucro do dono do capital. A maquinaria possibilita ao capital
se valorizar sem limitações orgânicas e subjetivas provenientes do homem, afinal, a
elevação da velocidade na produção é também a possibilidade da redução do tempo
necessário para rotação do capital.

2.2. O Emprego no Período da Primeira Revolução Industrial

A primeira revolução industrial foi um dos períodos de maior transformação


produtiva na história da humanidade. A sociedade, que frequentemente se deparava
com crises de subprodução, caminha para o um estágio das forças produtivas em
que conviveria com crises de superprodução. A primeira revolução industrial foi

43
conduzida pelo setor têxtil, indústria de máquina-ferramenta, metalurgia, introdução
da máquina a vapor e, de certa forma, a indústria química na Inglaterra no final do
século XVIII. Esta fase do capitalismo foi marcada por uma revolução nos
transportes também associada aos avanços na exploração do carvão mineral. Um
conjunto de outras inovações de menor relevância foi responsável para o salutar
ganho de produtividade, consolidando assim a transição da manufatura para a
produção fabril.

No período analisado, as relações de trabalho foram radicalmente


transformadas. Os trabalhadores conviveram com profundas mudanças na forma de
organizar a produção, uma vez que se estabelecia maior divisão do trabalho,
diferentes relações hierárquicas, passaram a ter que vender sua força de trabalho a
um capitalista e conviver com um ritmo de trabalho regido pela máquina,
diferentemente do verificado na manufatura. A criação das fábricas conduzem os
trabalhadores para longe de suas residências, gerando migrações para as cidades,
onde passaram também a fazer parte de um mercado de trabalho que se modificava
por fatores cíclicos, sazonais e de progresso tecnológico, deixando os trabalhadores
a mercê das variações do nível de emprego.

A revolução industrial só poderia ocorrer se houvesse uma oferta de força de


trabalho que permitisse tal ritmo de acumulação. Marx (2003, p. 825 – 830), ao tratar
da acumulação primitiva, afirma que o processo de expulsão dos camponeses do
campo, iniciada séculos antes na Inglaterra, permitiu a liberação de força de trabalho
suficiente para dar vazão à expansão do sistema fabril inglês. Já Landes (1994, p.
121), não crê na redução da força de trabalho no campo. Para ele, depois de
demarcação de terras na Inglaterra verificou-se uma elevação da demanda por
trabalho agrícola. Ele argumenta que só ocorreu elevação substancial no nível de
ocupação fabril em meados do século XVIII com a imigração dos irlandeses e
escoceses, com a liberação de força de trabalho promovida pela mecanização do
setor têxtil e com a elevação da população inglesa. O autor sugere ainda que a
ampliação da força de trabalho nas fábricas só foi possível com a incorporação de
crianças e mulheres. Segundo Landes, no início da revolução industrial, a

44
insuficiência de força de trabalho contribuiu para a elevação da maquinaria, porém, a
expansão das fábricas só foi possível pela elevação da oferta de trabalho no século
seguinte.

A acumulação de capital, tanto na Inglaterra quanto na Europa, se expandiu a


pleno vapor. A formação líquida de capital na Inglaterra saiu de 5% a 6% para 7% a
8% nas últimas décadas, chegando a meados do século XIX a uma taxa de 10% de
formação liquida de capital. A expansão da indústria têxtil também demonstra as
extraordinárias taxas de expansão da economia inglesa na primeira revolução
industrial. O emprego industrial “passou de 100 mil trabalhadores, em 1770, para
350 mil empregados, em 1800, assim como o aumento da produção de 4 milhões de
libras de algodão, em 1770, para 300 milhões, em 1833” (POCHMANN, 2005, p.
238).

A baixa intensidade de capital e tecnologia permitia uma rápida expansão da


indústria têxtil no período em questão. Marx aponta uma redução dos teares a vapor
em 1861-1968 em uma determinada região, porém mesmo com esta redução, foi
verificada uma expressiva elevação da produção, dado os ganhos de produtividade
impressos pelas novas máquinas. Landes (1994, p.91) aponta que houve uma
elevação expressiva no número de teares mecânicos na Grã-Bretanha como é
possível observar na tabela abaixo.

TABELA 2.1 - CRESCIMENTO DO NÚMERO DE TEARES MECÂNICOS NA


GRÃ-BRETANHA - 1813 - 1850

Teares Ano

2.400 1813

14.150 1820

55.500 1829

100.000 1833
250.000 1850

FONTE: TABELA ELABORADA COM DADOS DE LANDES (1994)

45
Os investimentos na indústria ocorreram em todos os setores que englobavam
tal fase de acumulação. A produção de “ferro-gusa, por exemplo, foi de 17.350
toneladas em 1740, 68.300 em I 788. 258.206 em 1806, 58!.367 em 1825, 1.248.781
em 1839 e 2.701.000 em 1852” (TOYOSHIMA, 1997, p 45). A Rede ferroviária saiu
cresceu quase cinco vezes de 1850 a 1870. A produção de sabão cresce 75% de
1820 a 1835 (LANDES, 1994). É possível identificar na tabela abaixo a taxa de
crescimento industrial no Reino Unido no século XIX.

TABELA 2.2 - TAXA DE CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL


DO REINO UNIDO — 1800-1869

ANOS %
1800/09-1810/19 22,9
1805/14 - 1815/24 29,5
1810/19- 1820/29 38,6
1815/24- 1825/34 45,2
1820/29- 1830/39 47,2
1825/34 - 1835/44 410
1830/39 - 1940149 37,4
1835/44 - 1845/54 38,7
1840/49- 1850/59 39,3
1845/54- 1855/64 33.2
1850/59 - 1860/69 27,8
FONTE: Deane e Cole (1962, p. 297).

Marx, ciente da importância da elevação dos lucros no período analisado para


manter as altas taxas de investimento, fez o levantamento da expansão dos lucros
de 1853 a 1864. Em apenas 11 anos o autor verificou 50,47% de elevação dos
lucros. Estes lucros consistiam em 84,76% nas pedreiras, “das minas 68,85%, das
fundições 39,92%, da pesca 57,37%, das usinas de gás 126,02% e das ferrovias
83,29%” (MARX, 2003, p. 753).

46
2.3. O emprego na primeira fase da revolução industrial

A expansão da indústria têxtil irradiou dinamismo para grande parte da


economia. Os progressos técnicos se reproduziram em outros ramos da indústria,
impulsionando outros processos menores de inovação de menor relevância. A
inovação em determinado setor impunha ganhos de produtividade a outros, para
possibilitar a continuidade de expansão. A elevação da riqueza e da demanda
viabilizou a criação de diversos outros ramos de produção com um vasto campo de
possibilidades de investimentos.

Ainda que a implementação da maquinaria tenha contribuído para uma elevação


da produtividade do trabalho, reduzindo a quantidade de horas de trabalho por uma
unidade de produto, a elevação dos investimentos, a ampliação do mercado e a
criação de ramos de atuação na economia permitiram uma elevação no nível geral
de empregos. Landes (1994) apresenta que existem outros fatores para o elevado
nível de ocupação e que não estão diretamente associados à indústria. Segundo ele,
um dos motivos é o fato da transição das oficinas doméstica para a indústria não ter
ocorrido de imediato em toda a economia. Além disso, o crescimento populacional
também gerou expansão da demanda por diferentes bens e serviços e se verificou a
criação de diversas outras ocupações domésticas.

Como já foi observado, mesmo com o aumento da produtividade do trabalho, o


nível do emprego crescia por conta da elevação da produção, da demanda e dos
investimentos. Em meados do século XIX, o setor têxtil expandiu 67% dos postos de
trabalho em aproximadamente 15 anos (LANDES, 1994, p. 126). Marx confirmava a
expressiva elevação da ocupação na indústria têxtil inglesa. “Em 1835 havia 354.684
trabalhadoras em fábricas têxteis em geral - de lã, de algodão, de linho e de seda -,
enquanto em 1861 só os tecelões em teares a vapor somavam 230.654 pessoas”
(TOYOSHIMA, 1997, p. 48). Assim mesmo, a expansão extraordinária vivida pelos
ramos tradicionais da economia inglesa do século XIX estava relacionada à

47
expansão da indústria revolucionária, uma vez que a elevação da riqueza destas
expandiu demanda por todos os tipos de bens e serviços.

A primeira revolução industrial foi fortemente concentrada na Inglaterra, pois no


século XIX a maior parte da ocupação na Europa concentrava-se na agricultura. A
Alemanha demorou 25 anos a mais que a Inglaterra para atingir a mesma relação
entre trabalhadores agrícolas e operários. A expansão da revolução industrial
ocorreu com menos intensidade na Europa (com exceção da Inglaterra) pela
dispersão da indústria no interior dos países. Como a produção ainda estava ligada
à energia hidráulica e a matérias-primas locais, era difícil a sua saída das regiões
rurais, a assimilação de algumas inovações e a ampliação da produção por meio de
ganhos de escala.

O padrão de acumulação se modificou com a implementação de uma inovação


radical. Esta inovação se expandiu por uma trajetória tecnológica gerando novas
inovações menores e por sua vez aperfeiçoando e criando produtos. A
disponibilidade de tal tecnologia possibilitou a expansão da demanda e criou
necessidades de consumo que inexistiam nos padrões dos séculos XVIII e XIX. Com
a consolidação do padrão tecno-econômico e com estabilização a níveis normais de
investimentos, abre-se espaço para inovações no campo organizacional, que na
prática consiste em uma elevação de produtividade poupadora de força de trabalho.
A elevação da produtividade em meados XIX promoveu uma considerável
eliminação de postos de trabalho. Marx (2003) revela que entre 1861 e 1868 ocorreu
a diminuição de mais de 1,5 milhões de postos de trabalho, mantendo no setor
apenas 3% dos empregos para uma produção superior à verificada em meados do
século XIX. Nas fábricas de seda os fusos tiveram um aumento de 27%, enquanto o
número de trabalhadores foi reduzido em 7% entre 1856 e 1962.

O período da primeira revolução industrial foi marcado por inovações


poupadoras de força de trabalho, assim, as mudanças tecnológicas foram
responsáveis pelo fechamento de muitos postos de trabalho. Dobb (1977, p. 339)
constatou que independente do nível de salários, as tecnologias na primeira
revolução industrial buscava poupar trabalho na produção. Porém, ainda que tenha

48
havido elevação da produtividade do trabalho, reduzindo os postos de trabalho, o
desemprego verificado no período em questão não assumiu um caráter permanente.
A economia européia que vira crises causadas por guerras ou pestes, passa a
conviver com crises e booms provenientes do caráter cíclico da acumulação
capitalista. O caráter cíclico do processo de acumulação foi analisado por diversos
autores, estabelecendo critérios distintos para a demarcação de um ciclo ou outro.

[Para Marx] excetuando-se os anos iniciais que vão de1770 a 1815, em


que a indústria praticamente só experimentou prosperidade, o período
posterior (1816 a 1861) foi marcado por intervalos curtos (às vezes de 1
ano) de depressão e de boom. Hobsbawn (1982, p. 56), por sua vez,
apenas assinala alguns intervalos curtos e espaçados de crise e de
prosperidade na vida econômica inglesa, durante a primeira metade do
século XIX. Landes (1994, p. 241) divide o período em intervalos grandes
de deflação e de inflação, que estariam associados, de maneira geral, a
anos de estagnação e de prosperidade, respectivamente. Freeman &
Perez (1988, p. 50), utilizando em seu enfoque analítico o conceito de
ondas longas, identificam dois ciclos de Kondratieff no período –
1770/1780 a 1830/1840 e 1830/1840 a 1880/1890. De comum acordo
entre todos os autores, a delimitação do período de grande depressão, que
vai de 1873 a 1896, pode ser considerado como um divisor de águas entre
a Primeira e a Segunda Revolução Industrial (TOYOSHIMA, 1997, p.50).

Independente da definição de parâmetros para os ciclos, entre os autores


pesquisados é consenso que a economia viveu fortes flutuações entre depressões e
booms e destas flutuações se verificaram grandes variações no nível de emprego.
Dobb (1977, p. 369 e 373) apresenta que de 1873 (final do período de grande
prosperidade) para 1979 o desemprego cresceu 10 vezes, como consequencia dos
seis anos de crise na Inglaterra. Garraty (1978, p. 86-8) registra que no ano de 1829,
em uma população de um milhão de pessoas de uma determinada região do norte
da França, 163 mil recebiam assistência pública, estando 44 mil desempregadas.
Nos períodos de crise cíclicas no século XIX, diversos são os relatos de demissões
em massa motivadas pelo avanço da maquinaria. Diversas formas de assistência

49
também foram experimentadas para arrefecer os malefícios gerados pelas crises.
Seria inevitável não remeter à maquinaria a responsabilidade pelo martírio vivido
pela classe trabalhadora, deslocada constantemente de sua posição na produção
para outro setor ou função relativamente desconhecida. Diversos movimentos se
rebelaram contra os avanços da maquinaria, elegendo esta como a algoz
destruidora de seu ganha-pão.

2.4. A luta do homem contra as máquinas e o movimento


Luddita

Para Cardoso e Guedes (1999, p. 28), a revolução industrial criou uma massa de
proletariados atraídos para as cidades por salários maiores do que os do setor
agrícola. Quadro que se reverteu com a elevação da oferta de mão de obra nas
cidades, aumentando o índice de desemprego e derrubando os salários para níveis
bastante baixos.

A análise que Marx faz sobre os avanços das forças produtivas por
consequência dos avanços tecnológicos antecede as preocupações dos
economistas clássicos com o desemprego tecnológico. Em “O Capital” o autor cita
Aristóteles, que sugeriu o seguinte:

“Se cada ferramenta, obedecendo às ordens ou mesmo pressentindo-as,


pudesse realizar a obra que lhe coubesse, como os engenhos de Dédalo
que se movimentavam por si mesmos, ou as trípodes de Hefaísto que iam
por si mesmas ao trabalho sagrado, se as lançadeiras tecessem por si
mesmas, não seriam, então, necessários auxiliares para o mestre-artesão
nem escravos para o senhor” (MARX, 2003).

Suposição demasiadamente otimista, sobretudo em se tratando da sociedade da


mercadoria. Os dispositivos sociais que impulsionam o progresso técnico ou
tecnológico são adequados para cada momento histórico e para cada conjunto de
relações de produção. No capitalismo, a disputa entre capitalistas, a busca de mais-

50
valia extraordinária, a produção de mercadoria, o desejo (e necessidade) de
valorização do capital, promovem processos colossais de elevação de produtividade
e produção de riqueza concreta, real. Porém, diferente do que esperavam
Aristóteles, Ricardo (em uma parte de sua obra) ou mesmo Keynes, em seus
momentos de maior otimismo, o progresso tecnológico fundado nos marcos do atual
sistema promove a desocupação da força de trabalho.

O condicionamento do homem ao trabalho industrial se deu baseado em


violência física, cultural e social, como Marx (2003) apresenta no capítulo
“Acumulação Primitiva”. A grande invenção do capitalismo, a fábrica, “democratizou”
o processo de produção, com a simplificação do trabalho em partes repetitivas, o
que permitiu que mesmo um homem sem muita destreza ou preparo trabalhasse na
indústria. Com os avanços da maquinaria, sobretudo na máquina-motriz, foi possível
introduzir também mulheres e crianças na produção, visto que não seria mais
necessária grande força física.

A inclusão da esposa e do filho do trabalhador (ainda que com salários ainda


mais baixos que o dele) no processo produtivo impôs a necessidade de todos os
entes da família garantirem a subsistência e reprodução da força de trabalho e
também gerou maiores tensões na demanda por trabalho. Este processo torna o
desemprego gerado por tecnologias poupadoras de mão de obra ainda mais
impactante no seio da família do trabalhador.

O progresso capitalista está repleto de mudanças tecnológicas que promoveram


desocupação da força de trabalho. Por mais polêmica que pudesse ser a
possibilidade de existência de desemprego tecnológico entre os economistas
clássicos, foram verificadas diversas movimentações de trabalhadores desde o
século XVIII lutando contra o desemprego gerado pelos avanços técnicos e
tecnológicos.

O desenvolvimento da indústria na Europa foi bastante conturbado, com revoltas


violentas de trabalhares que viam seus postos de trabalho serem liquidados por
assimilações de máquinas na produção.

51
reações agressivas dos operários contra as novas máquinas em vários
países da Europa (Inglaterra, Alemanha, França, Bélgica e Itália) nos anos
de 1718, 1724, 1726, 1728, 1740, 1765 e 1802. Três máquinas
impulsionaram as revoltas dos trabalhadores: a máquina de fiar automática
(1764), a máquina de fiar hidráulica (1769) e a máquina híbrida (1779).
Denis (1978) e Smiles (2004) relataram a destruição de várias fábricas na
Inglaterra, no ano de 1779, nos condados de Lancaster, Hargreaves,
Arkwright e Kay (COUTO, FREITAS E COUTO, 2009, p. 6)

No período citado acima, em meio a diversos levantes de trabalhadores


revoltados com o desemprego gerado pelos avanços técnicos, surge um homem que
viria marcar o movimento operário na Europa. Ned Ludd invade um fábrica no
Leicestershire, na Inglaterra, e destrói uma máquina de tricotar meias. Já em março
de 1812, em Huddersfield, um homem que utiliza pseudônimo de “General Ludd”
escreve uma carta, afirmando que quebrará as máquinas de um industrial. Estes
fatos abrem caminho para movimento de trabalhadores denominado movimento
Luddita. Tal movimento se expande pela Inglaterra, inspirando revoltas de
trabalhadores que viam as máquinas como os geradores do mal que lhes assolava.
Cada vez surgiam mais Generais Ludd que, dependendo do condado, reuniam de
três a oito mil trabalhadores.

O movimento Luddita toma tamanha relevância e organização na Europa que o


parlamento inglês aprova a Lei Frame Braking Act, que estabelece pena de morte
para os trabalhadores envolvidos com a destruição de máquinas. Naquele mesmo
ano, o movimento Luddita do condado de York invadiu uma fábrica e destruiu
máquinas do industrial William Cartwright. Sessenta e quatro trabalhadores foram
julgados e 13 sofreram a pena capital. Com isso o movimento arrefeceu na
Inglaterra, mas teve seu fim após o incidente ocorrido no dia 16 de agosto de 1819,
quando uma multidão que somava entre 60 a 80 mil trabalhadores se reuniu no
parque de Saunt-Peter Field, Manchester, por melhores condições de trabalho. “A
cavalaria do exército inglês disparou em direção à multidão ocasionando 15 mortes
e centenas de feridos. Esta tragédia ficou conhecida como 'O massacre de
Peterloo'.” (COUTO, FREITAS E COUTO, 2009, p. 7).

52
2.5. Tratamento dado ao desemprego no século XIX

A elevação do nível de desemprego verificado em momentos de elevação de


produtividade, em especial em períodos de crise, levou diversos pesquisadores a
procurar os verdadeiros motivos do desemprego. As organizações de trabalhadores
atacando as máquinas e os capitalistas certamente foram peça chave para o
entendimento de que o trabalhador não é o responsável pelo desemprego. O cerne
da discussão estava em torno de identificar se era possível ou não o pleno emprego
e que ação o Estado deveria ter frente ao desemprego. A ideia clássica de que o
desemprego era natural e que se regularia naturalmente pelo equilíbrio de mercado
era o principal argumento contra a interferência do Estado no combate ao fenômeno.
O argumento clássico contra a atuação do Estado agiu contra a lei dos pobres na
Inglaterra, que consistia em uma política pública de combate à miséria (GARRATY,
1978, p 79-83).

Durante o período da revolução francesa foi instituído um governo revolucionário


que assumiu para si o desafio de extinção da mendicância. A conclusão do comitê
criado para tal tarefa foi de que a pobreza era fruto do desemprego gerado pela
implementação da manufatura. Muitas vozes se levantaram contra a visão clássica
de leis naturais. Os cooperativistas que não acreditavam na concorrência como
geradora de bem estar para a sociedade, acreditavam ser possível um espécie de
coalizão entre trabalhadores e capitalistas para combater o desemprego gerado pela
implementação da maquinaria. Acreditavam ser capazes de criar colônias, mas
fracassaram. Existiu, ainda, a ação dos sindicatos que não acreditavam na lei
natural, mas que voltaram suas ações para a melhoria de vida dos que estavam
empregados e para as campanhas por elevação dos salários.

Em suma, pouco foi feito para se combater o desemprego involuntário. As mais


importantes ações para combater o desemprego na Inglaterra só foram verificadas
após primeira grande depressão, porém os trabalhadores perceberam que mesmo
com seu baixo nível de organização, em função da baixa homogeneidade das
categorias, poderiam imprimir conquistas para sua classe, registrando inclusive

53
redução da jornada de trabalho. As pressões dos trabalhadores forçaram a
regulamentação da jornada de trabalho, com o intuito de reduzir sobretudo a jornada
de crianças e mulheres, que em algumas regiões trabalhavam mais de 13 horas por
dia. Durante a década de 1810 diversos atos Parlamentares reduziram a jornada
para 10 horas diárias, porém a não obrigatoriedade fez com que a regulamentação
não fosse cumprida. Em 1833 uma lei proíbe o trabalho para crianças menores de 9
anos na indústria têxtil, limita para 8 horas de trabalho para as crianças de 9 a 13
anos e no máximo 12 horas diárias para jovens de 13 a 18 anos. E 1844 uma lei
imita a jornada diária das mulheres em 12 horas e das crianças para 6,5 horas
diárias. Apenas 1847 e 1848 foram promulgadas leis fabris que transformavam a
jornada de trabalho da indústria têxtil, equivalendo-a às de outras categorias, ou
seja, reduzindo a jornada de trabalho de adolescentes de mulheres para 11 horas
diárias e depois para 10 horas.

Mesmo com o esforço para regulamentar a jornada de trabalho, ainda era latente
a inconsistência das regulamentações. As pressões por elevação da produtividade
fizeram a jornada de trabalho se elevar de 10 horas diárias durante o século XVIII
para 12 horas no século XIX, ainda que em algumas regiões tenha se verificado a
elevação para 13,5 horas de trabalho por dia no mesmo período. O processo de
acumulação ocorria a pleno vapor, a elevação dos lucros pressionava maiores
investimentos e ampliação da produção e da produtividade. Os trabalhadores, além
de sofrer com as flutuações do mercado de trabalho, com os deslocamentos de
função da nova aplicação da maquinaria, também sofriam com a elevação da mais-
valia absoluta. A expansão extraordinária da indústria do século XVIII e XIX requeria
mais força de trabalho para garantir a acumulação, mesmo ampliando a
produtividade do trabalho com aplicação da maquinaria na busca por mais-valia
extraordinária. A mais-valia absoluta também se elevava por meio da ampliação da
jornada de trabalho de crianças, mulheres, adolescentes e homens. A indústria
geradora de maior pressão por elevação na jornada de trabalho era aquela que
estava no epicentro da revolução industrial, a marca da modernidade no período em
questão.

54
A luta pela redução da jornada de trabalho se expandiu conforme os
trabalhadores foram adquirindo consciência de seu poder no processo produtivo e
social da época, mas também – em que pese a visão clássica da naturalidade do
desemprego –, foi constatado que a redução da jornada poderia contribuir na
elevação do nível de emprego, ainda que esta redução não ocorresse de forma
homogênea em todas as categorias e segmentos da sociedade do século XIX.

As mudanças ocorridas com a primeira revolução industrial foram percebidas em


diferentes dimensões pelos trabalhadores. Estes foram deslocados de onde viviam
para outras regiões ou cidades. Passaram a executar funções que desconheciam,
precisando, assim, passar por qualificação. Ainda que a maquinaria impusesse um
trabalho mais dividido, simplificado e rotinizado, o trabalhador precisou aprender
outra natureza de tarefas e conviver com outro nível de desgaste físico em sua
execução. Apesar da elevação da renda per capita em grande parte da Europa, da
elevação da produtividade nas indústrias revolucionárias e em grande parte das
tradicionais e da elevação da jornada de trabalho, o trabalhador continuava a viver
na pobreza.

Ainda que a implementação da maquinaria tenha elevado radicalmente a


produtividade do trabalho em diversos segmentos, destruindo muitos postos de
trabalho, as possibilidades de investimentos e altos lucros mantiveram altos os
níveis de emprego. Ainda que os trabalhadores tivessem convivido com diversos
momentos de desemprego transitório ou friccional, a economia de horas de trabalho
na produção não parece ter criado desemprego tecnológico, ou estrutural. Para além
das variáveis econômicas de redução do desemprego, foram verificados elementos
institucionais para tentar reduzir a violência causada pelas crises cíclicas no tocante
ao nível de ocupação. Isso porque as ações mais consistentes de combate ao
desemprego só foram implementadas no período de maior depressão no final do
século XIX.

55
2.6. A crise de mudança da Primeira Revolução Industrial e a
transição para outro padrão de acumulação.

A crise de 1873-1896 evidenciou uma mudança substancial no padrão de


acumulação capitalista que promoveu a primeira revolução industrial. Ainda que
existam divergências pontuais sobre a data e como denominar o ciclo de
acumulação, para todos os autores que vislumbram um horizonte de longo prazo em
ciclos, este período corresponde a um processo de mudanças profundas na
estrutura do capitalismo. Verificou-se a mudança de mercado nos Estados Unidos e
Alemanha de concorrencial para monopolista, a retomada do protecionismo na
Inglaterra e a descentralização da indústria agora contando com setores estratégicos
sendo protagonizados pela Alemanha e pelos Estados Unidos.

A crise também evidenciava uma mudança das indústrias geradoras de dinâmica


no sistema, o que culminou com a saída da Inglaterra da condição epicentro do
progresso industrial no mundo. A indústria têxtil perde espaço em dinamismo para
outros bens de consumo duráveis; o motor a vapor e as linhas férreas dão lugar para
o motor a combustão interna, a energia elétrica e o petróleo. Verifica-se a expansão
de diversos novos setores, como a químico-orgânica, e suas cadeias produtivas.

As causas da crise também não são consensuais. Para Schumpeter foi:


insuficiência de demanda de meios de produção, ocasionando elevação do preço
destes, excesso de oferta de bens de consumo, como conseqüência do elevado
nível de investimento do período anterior, e a redução dos investimentos, dado o
grande endividamento dos empresários. Para Dobb (1977), não se tratava apenas
de uma crise, mas de uma depressão, devido à “concorrência desenfreada” que
gerou redução recorde de preços.

A elevação da produtividade com a implementação da maquinaria e com as


diversas outras transformações tecnológicas promoveram uma grande redução na
quantidade de horas de trabalho por unidade de produto. Os elevados lucros
provenientes de uma baixa relação capital/trabalho promoveram não só ganho de
produtividade, mas também espetacular elevação da produção inundando o

56
mercado com produtos. Com a produção se expandindo a taxas maiores que a
expansão da demanda, a queda nos preços foi avassaladora. Em 23 anos verificou-
se redução de preços de quase 50% na indústria têxtil, motor do padrão de
acumulação na primeira revolução.

Outro elemento importante na redução dos investimentos foi as elevação do


níveis de salários verificados. De 1860 até 1874 os trabalhadores tinham acumulado
uma elevação real de 38% (Dobb, 1977), aumento pouco expressivo perto dos
ganhos de produtividade dos empresários, mas que teve um impacto considerável
em função da redução dos preços das mercadorias. Fatores como a elevação do
preço da força de trabalho, a redução do preço dos produtos e o crescimento da
oferta a taxas maiores que o aumento da demanda reduziram inevitavelmente os
lucros, levando os capitalistas a terem menos estímulos para investir em expansão.
Este conjunto de fatores levou a nova economia industrial à mais grave depressão
vivida desde então.

2.7. Inovações organizacionais.

A crise apontou para o esgotamento do padrão explorado na primeira revolução


industrial. O processo concorrencial de pequenas firmas relativamente ineficientes
era superado pelo estabelecimento de firmas maiores e com tendência à
oligopolização do mercado. A redução dos lucros, pela elevação dos salários e
redução dos preços, demonstrou a incapacidade do padrão tecnológico sustentar
uma contínua expansão da economia, assim, um conjunto de inovações, agora
organizacionais, passam a ser implementadas nas firmas com o objetivo de tentar
manter os lucros elevados. A assimetria entre as empresas no início da primeira
revolução industrial escondeu a baixa produtividade do trabalhador.

Para Schumpeter, a existência do boom pressupõe a existência de uma crise,


não necessariamente uma depressão. Ele defende que em um processo de
expansão de uma base técnica estimula investimentos nos mais diversos ramos da
produção. O boom provoca elevação da produção com aumento da produtividade e

57
no geral com crescimento do nível de emprego. Mas quando um padrão se
estabiliza, existe uma tendência à redução dos investimentos. Com o maior
conhecimento da tecnologia estabelecida e com a trajetória da tecnologia mais
definida, a concorrência se acirra e as empresas tendem a investir mais em
inovações organizacionais.

As inovações organizacionais estão voltadas para elevação de eficiência


produtiva com redução da quantidade de trabalho por unidade de produto. As
inovações organizacionais verificadas no final do século XIX só foram possíveis por
causa dos avanços tecnológicos impressos pela maquinaria, a centralização de
capitais e a redução dos lucros dos empresários, que fariam de tudo para valorizar
seu capital. De um operário chamado Frederick W. Taylor surge a mais importante
inovação organizacional do capitalismo.

Utilizando métodos científicos cartesianos, Taylor criou o que foi chamado de


administração científica, que consiste em planejar a produção, com estabelecimento
de tempo de construção e supervisão rígida sobre cada parcela da produção. Foi
também Taylor que instituiu o pagamento por peça construída, com o intuído de
elevar a velocidade do trabalhador na produção e reduzir as perdas dos empresários
nos casos de baixa eficiência do trabalhador. No período em questão, os elementos
tecnológicos responsáveis pelos ganhos de produtividade foram: melhores matérias
primas, máquinas e equipamentos mais eficientes e intensiva utilização de energia.
Do ponto de vista organizacional, a inovação consistiu na implementação da
administração científica, com melhoria no design das plantas produtivas.

Landes (1994, p. 349) traz importantes conclusões sobre a superação em muitos


setores da Alemanha frente à Inglaterra. Para gerar inovações tecnológicas e
organizacionais era necessário mais que conhecer o processo produtivo, era
necessária uma educação básica e técnica para o trabalhador atuar na indústria e
para continuar na fronteira de inovação do padrão tecno-econômico vigente. Para
isso, era necessário conhecimento científico nos campos da física e da química, e
com isso ser capaz de vislumbrar o leque de possibilidades de investimentos e de
ganhos de produtividade. A Alemanha superou a Inglaterra em vários setores da

58
economia, investindo muito mais em formação e qualificação. Tal formação foi
responsável por preparar os alemães para implementarem diversas inovações
pontuais, mesmo em invenções que partiram de outros países, lhe rendendo
importantes ganhos de produtividade. O crescimento econômico vivido pela
Alemanha lhe rendeu elevada taxa de emprego, tendo que recorrer à força de
trabalho da Prússia Oriental e Pomerânia para garantir sua expansão econômica.

O nível de desemprego foi exaustivamente analisado no período da depressão


do final do século XIX. Ainda que prevalecesse a idéia clássica de tratar o
desemprego como algo natural, a persistência do desemprego durante a crise levou
ao questionamento sobre o desemprego involuntário. A aceitação de que existiam
pessoas querendo trabalhar, mas não havia emprego levou países como a
Alemanha, Estados Unidos, Holanda, Suíça, Bélgica, Grã-Bretanha e França a
construírem campos de trabalho para desempregados, o que não funcionou.

Embora a redução da jornada de trabalho tenda a reduzir o nível de


desemprego, as maiores conquistas dos sindicatos na redução da jornada foram nos
períodos de maior nível de ocupação, inclusive convivendo com elevação da jornada
nos períodos de elevado desemprego. É evidente que a redução da jornada de
trabalho ao passo que melhora pontualmente a vida do trabalhador, tende a reduzir
marginalmente o lucro do capitalista. Sendo assim, Marx está certo ao afirmar que a
elevação do nível de desemprego reduz o poder de barganha do trabalhador,
permitindo assim que se eleve o nível de exploração. Na Europa, no período mais
grave da crise, foi elevada a jornada de trabalho, levando a um agravamento do
desemprego, situação revertida no período de boom do ciclo posterior.

“Entre 1870 e 1890, as horas trabalhadas por pessoa, por ano, foi
reduzida: na França, de 2.945 horas para 2.770; na Alemanha, de 2.941
para 2.765; no Japão, de 2.945 para 2.770; na Holanda, de 2.964 para
2.789; e nos EUA, de 2.964 para 2.789 horas” (TOYOSHIMA, 1997)

59
2.8. Segunda Revolução Industrial e seus diferentes
impactos no nível de emprego

A segunda revolução industrial se consolida a partir da grande depressão


vivenciada no final do século XIX. As mudanças dos setores dinâmicos foram
marcas de superação da primeira revolução industrial, que se estabelecera na
Inglaterra em meio a profundas transformações na indústria têxtil, processo que
irradiou inovações e dinamismo para diversos outros setores da economia. A
segunda revolução industrial funda-se na seguinte base institucional: crescimento do
Estado na economia com aumento do protecionismo e elevação dos ganhos de
escala com maior concentração de capital. As bases tecnológicas são: avanços do
motor a combustão interna, petróleo, energia elétrica, bens de consumo duráveis e a
química orgânica e sintética.

Esta mudança de padrões abriu um leque de diversos outros produtos e cadeias


produtivas que transcendia o padrão de acumulação anterior. As pesquisas nos
ramos da física e da química se expandiram para construir motores mais eficientes e
matérias-primas e insumos de melhor qualidade, abrindo possibilidade para o
surgimento de diversos outros produtos industriais, fruto do novo padrão tecno-
econômico.

Um curioso fenômeno verificado no ciclo de acumulação em questão é que este


é divido em dois períodos distintos, dentro de um único paradigma tecnológico. O
primeiro período data de 1896, boom ocorrido pós-depressão no final do século XIX,
se estendendo até a Segunda Guerra. O segundo período se estende da Segunda
Guerra até meados da década de 1970, com a segunda crise do petróleo. O que
chama atenção em tal divisão de ciclos é que a primeira fase foi marcada por duas
guerras e pelo período em que o desemprego mais assolou a classe trabalhadora
nos países centrais, enquanto o segundo foi conhecido como “era de ouro do
capitalismo”. A constatação de crises e booms desconectados de mudanças
tecnológicas fortalece o argumento regulacionista, que afirma não existir ligação
automática entre mudança dos ciclos de acumulação com mudanças de tecnologia.

60
Acreditar em tal conexão automática é subestimar a relação dialética das variáveis
institucionais, investindo em um determinismo tecnológico de menor generalidade e
poder explicativo.

2.8.1. Primeira fase da segunda revolução industrial (1898


– 1945)

A primeira fase da segunda revolução foi marcada por grandes flutuações no


mercado de trabalho. As mudanças tecnológicas e organizacionais com a
administração científica da produção elevaram bastante a eficiência do trabalhador,
incrementando muito a produtividade das empresas e reduzindo muitos postos de
trabalho no início do século XX.

Com o avanço tecnológico e mudanças das indústrias dinamizadoras do


progresso industrial, a Inglaterra perde a centralidade do progresso capitalista para
os Estados Unidos e a Alemanha. As indústrias tradicionais no século XX eram mais
importantes para expansão econômica da Inglaterra que setores dinâmicos do
paradigma tecnológico de então. As taxas de investimentos se reduziram depois de
muitos anos de crescimento estável, chegando a uma formação bruta de capital na
década de 1930 de 2,6%. O nível de desemprego atingiu 1 milhão de pessoas, não
ficando abaixo de 9% depois de 1921 (LANDES, 1994, p. 378).

Mesmo a Alemanha, que se transformou em um dos pólos dinâmicos da


segunda revolução industrial, amargou elevadas taxas de flutuação do desemprego.
O elevado crescimento da economia alemã, proveniente do novo paradigma
tecnológico, propiciou a este país elevada taxa de investimentos na década de 1920,
mas não o privou de um desemprego que variou de 7 a 18% (LANDES, 1994).

O crescimento do desemprego, com altas taxas de variação durante a década de


30, foi verificada com mais impacto nos países que assimilaram o padrão tecno-
econômico da segunda revolução industrial. As economias europeias que já tinham
experimentado a aplicação da maquinaria do século XVIII e XIX, em razão da

61
depressão do final do século XIX conheciam formas de elevar a produtividade e
como ganhar mercado e elevar os lucros. Se no declínio da primeira revolução
industrial a palavra de ordem já era elevar a produtividade do trabalho com
inovações organizacionais, reduzindo a quantidade de trabalho por mercadoria; a
administração científica associada à nova estrutura de mercado e ao novo padrão
tecnológico possibilitou extraordinários ganhos de produtividade. Tais ganhos
estavam assentados na elevação de eficiência do trabalho e na redução de postos
de trabalho, gerando grande desemprego tecnológico.

Se é possível identificar que até aquele momento havia forte relação entre
elevação da produção e geração de emprego, o novo paradigma tecnológico e seu
arranjo institucional produziu efeito contrário. A tendência de elevação da produção
com elevação do nível de emprego não perdurou, dado o crescimento da
produtividade promovida pelas inovações organizacionais como a administração
cientifica, a mudança de layout das fábricas e as novas matérias-primas. Estes
fatores, associados à nova estrutura de mercado – mais concentrado e com maior
concorrência – e ao declínio da demanda, não sustentaram o nível de emprego.

A produção industrial nos Estados Unidos foi a que mais registrou ganhos de
produtividade e, portanto, economia de força de trabalho. Um dos epicentros no
novo padrão de acumulação e lugar de origem da administração científica, os
Estados Unidos impulsionaram sua produção com máquinas mais eficientes,
inovações organizacionais – como a linha de montagem – e barateamento de seus
produtos para ganhar mercado. Isso foi conseguido economizando em energia e em
força de trabalho. Os Estados Unidos registraram índices muito positivos:

Enorme aumento de produtividade do trabalho - cerca de 43% entre 1919


e 1929 e de 24% entre 1929 e 1933 -, fazendo com que a produção física,
entre 1923 e 1929, aumentasse 13%, e o número de assalariados se
reduzisse de 7% a 8% [...] Ford em 1921, que reduziu o número de
empregados, para a montagem de um automóvel diário, de 16 para 9. A
mecanização da empresa Bourville, entre 1926 e 1929, também
desempregou 27% de seus 10.000 operários. (TOYOSHIMA, 1994, p. 69)

62
A elevação da produtividade do trabalho foi verificada em toda indústria moderna
do início do século XX. Mesmo a Inglaterra, que não acompanhou os Estados
Unidos e a Alemanha no novo paradigma tecno-econômico, registrou mais de 20%
de ganhos de produtividade de 1924 a 1934.

A Alemanha, que vinha em larga expansão econômica desde o final do século


XIX, utiliza sua superioridade técnica – conquistada, entre outras coisas, pelo seu
sistema educacional – para expandir sua capacidade instalada. Os fornos alemães
que produziam 60% da capacidade dos fornos ingleses, em 1910 passam produzir
60% a mais que os fornos ingleses (LANDES, 1994). Com sua extraordinária
expansão da indústria pesada, a Alemanha promoveu a concentração de sua
indústria, melhorando seus métodos organizacionais e registrando ganhos de
escala.

A elevação da produtividade em todo o sistema fabril do centro do capitalismo,


com ênfase para Estados Unidos e Alemanha, foi construída com a concentração
das empresas, com diversas inovações organizacionais e com economia de força de
trabalho. Ainda que se registrasse uma flutuação considerável no nível de emprego,
existiu certo patamar de desemprego que persistiu por muito tempo, o que indicava
desemprego proveniente dos avanços tecnológicos de redução de custos, do
aumento da eficiência do trabalho e da economia de energia e de mão de obra,
indicando assim a existência de desemprego tecnológico.

O desemprego persistente nas principais economias do mundo levou a


modificações institucionais importantes. A elevação do desemprego entre pessoas
que estavam dispostas a trabalhar por qualquer salário em meio à grande crise
alterou a concepção de governos e pesquisadores. A visão clássica de naturalidade
do desemprego foi sendo superada, uma vez que o nível de desemprego subia e a
resposta econômica dada pelos empresários para a crise levava ao aprofundamento
da mesma, com redução de investimentos e inovações poupadoras de trabalho.
Mesmo apontamentos de que o desemprego era reflexo de inflexibilidade de
mercado de trabalho, apresentada por economistas respeitados como Robbins e
Pigou, não se sustentaram com a crise de 1929.

63
O Estado passa a modificar sua concepção quanto ao desemprego e avança na
ideia de que era necessário algum tipo de amparo ao desempregado e na ideia de
que o desemprego não era natural e que poderia ser controlado com políticas
públicas. O amparo ao desempregado se consolidou com a instituição do seguro
desemprego, em primeiro lugar na Inglaterra, em 1911, e depois se espalhando para
os outros países. O controle do desemprego surgiu de economistas com visão
distinta as dos clássicos com Irving Fisher, Vesley Clair Mitchell, Ralph Hawtrey e
John Maynard Keynes que acreditavam que a redução da taxa de juros em
momentos de crise e sua elevação em momentos de booms poderiam agir de forma
anticíclica, contendo grandes flutuações do nível de emprego.

A aceitação do desemprego como um problema social e não um problema do


trabalhador, ou mesmo uma realidade econômica imutável, permitiu um conjunto de
políticas públicas de combate ao desemprego e seus impactos na vida da
população. Foi verificado um elevado número de estudos sobre o desemprego,
sobre quem era a população atingida e qual era seu grau de variação. Estes estudos
contribuíram para balizar que tipo de ações deveriam ser tomadas para reduzir seu
impacto. Ainda que a variação da taxa de juros pudesse elevar os investimentos e o
nível de emprego, em momentos de crise os empresários agem de forma distinta
dos períodos normais, assim, a elevação do crédito sem elevação da demanda
efetiva é insuficiente para devolver os estímulos à expansão da produção. E em
algumas situações a elevação do crédito pode resultar em uma elevação da
composição orgânica de capital, não alterando o nível de emprego.

Para elevar o nível de ocupação em ambiente de muita incerteza e armadilha de


liquidez, os países centrais realizaram contratação de milhões de pessoas para
realizar serviços públicos. Nos Estados Unidos, o New Deal empregou em serviços
públicos mais de US$ 3 bilhões para empregar de 25 a 30% dos desempregados em
1933. Ações semelhantes foram verificadas na Alemanha, Suíça e França.

A segunda revolução tecnológica, no período até a Segunda Guerra, foi marcada


por elevados níveis de desemprego tecnológico. A lógica de expansão da economia
em tal padrão tecno-econômico foi tão nociva para o nível de emprego, que obrigou

64
o Estado e outras instituições a modificar sua compreensão sobre o desemprego. Os
sinais econômicos só levavam para o agravamento da crise com racionalização da
produção e economia de força de trabalho. Quanto maior era o salto de
produtividade registrado em tal paradigma tecno-econômico, maior era a penúria dos
que dependiam da venda de sua força de trabalho para subsistir. A impossibilidade
lógica de continuar tal ciclo vicioso de elevação da produtividade com redução dos
postos de trabalho levou a uma profunda mudança institucional. O Estado passa a
manter políticas permanentes de redução da flutuação do nível de desemprego nos
países de centro do capitalismo. Antes do fnal da Segunda Guerra mundial governos
como os da Inglaterra, Canadá, Estados Unidos e Austrália assumiram publicamente
que o combate ao desemprego era um compromisso de Estado, não só vicissitudes
do mercado. As idéias de Keynes mudavam o mundo.

2.8.2. Segunda fase - pós-guerra a meados de 1970

Pós-segunda guerra o capitalismo se reorganizou com base em preceitos


keynesianos de organização produtiva e institucional. Contrariando o conceito
neoclássico de dinâmica econômica, a crise capitalista demonstrou que existia um
desemprego que não era voluntário nem friccional. O elevado desemprego
involuntário demonstrou que Keynes estava correto ao afirmar que não era a oferta
que determinava e demanda e sim o contrário.

Com as transformações produtivas criadas pela revolução técnica da indústria


automobilística, indústria química, eletrodomésticos, motor a combustão interna,
aviões e tratores, o capitalismo se expandiu a pleno vapor. Os elevados níveis de
desemprego provocados pelos sucessivos ganhos de produtividade deram lugar a
um período, no pós-Segunda Guerra, com elevado nível de emprego, com
crescimento constante da produtividade. Este fenômeno foi possível por um arranjo
institucional que conjugava ampliação de emprego público e privado, com ampliação
da demanda efetiva através da inclusão dos trabalhadores no mercado consumidor.
Os ganhos de produtividade criavam um ciclo vicioso inovações tecnológicas e

65
organizacionais poupadoras de trabalho e geradoras de desemprego. No período
áureo do capitalismo, com o Estado compromissado em manter elevados níveis de
emprego e ganhos de produtividade, foi possível inclusão dos trabalhadores em
altos níveis de consumo.

A intensificação da administração cientifica, com maior sincronização dos


processos produtivos e expansão da energia elétrica na indústria, gerou elevados
ganhos de produtividade. A maior integração da produção permitiu a elevação da
produtividade do trabalhador em cada processo, verificando os gargalos e
vinculando o trabalhador com mais rigidez no processo produtivo. No período em
questão foram implementadas inovações tecnológicas e organizacionais, que só
seriam possíveis em uma indústria concentrada e com elevados ganhos de escala.
A ampliação da produção com redução dos custos unitários só se justificaria em um
ambiente de demanda crescente.

O Estado agia na economia não só como indutor do desenvolvimento, mas


também como produtor de bens e serviços e gerador e emprego. O chamado
welfare state foi marcado pela ampliação do serviço público em diversos países,
como descreve Toyoshima:

Nos EUA o crescimento do emprego público foi maior entre 1960 e 1968 e,
no Japão, entre 1968 e 1973. Como conseqüência houve o aumento da
participação da administração pública no emprego total. Na Alemanha, por
exemplo, tal participação se elevou de 8,0% em 1960 para I 3,0% em
1974; na Suécia, de 12,8% em 1960 para 24,8% em 1974; e nos EUA, de
14,7% para 16,1% nesses mesmos anos. De forma geral, a parcela do
emprego público estava acima de 10% em diversos países desenvolvidos
em 1974, chegando a quase 20% no caso da Inglaterra. A exceção era o
Japão, onde essa taxa era de apenas 6,3% em 1974 (TOYOSHIMA, 1997,
p. 76)

Entretanto, a manutenção dos elevados níveis de emprego da era de ouro do


capitalismo não se sustentou apenas com a geração de empregos públicos. O
século XX assistiu a uma acentuada redução das jornadas de trabalho, que

66
contrabalançava os elevados ganhos de produtividade provenientes de inovações
organizacionais e tecnológicas poupadoras de força de trabalho.

TABELA 2.3 - HORAS TRABALHADAS POR PESSOA/ANO - 1870-1986


REINO
ANO FRANÇA ALEMANHA JAPÃO HOLANDA EUA
UNIDO
1870 2.945 2.941 2.945 2.964 2.984 2.964
1890 2.770 2.765 2.770 2.789 2.807 2.789
1913 2.588 2.584 2.588 2.605 2.624 2.605
1929 2.297 2.284 2.364 2.260 2.286 2.342
1938 1.848 2.316 2.391 2.244 2.267 2.062
1950 1.989 2.316 2.289 2.208 1.958 1.867
1960 1.948 2.081 2.430 2.214 1.877 1.835
1973 1.771 1.804 2.195 1.805 1.688 1.754
1986 1.533 1.627 2.099 1.555 1.518 1.683
FONTE: TOYOSHIMA (1997, p. 78).

O arranjo institucional que trazia estabilidade ao fordismo colocava ao Estado de


bem estar social a tarefa de manter elevados os níveis de emprego e renda dos
trabalhadores. Além de reduzir a jornada de trabalho durante o século XX, foi
constituído um conjunto de seguridade aos trabalhadores que lhes permitiu estarem
seguros para consumir e fazer a roda girar. O padrão de acumulação do pós-guerra
garantiu barateamento de bens de consumo duráveis, por meio do crescimento da
produtividade, e aumentou a renda em função do elevado nível de emprego.

O fordismo foi marcado por um arranjo macroeconômico que possibilitou uma


extraordinária acumulação de capital. Ele permitiu um elevado ganho de
produtividade dividindo as partes do processo produtivo em tarefas simples, que
possuíam baixa necessidade de qualificação e que tornavam o processo livre das
vicissitudes e subjetividades do homem. Isso levou a produção a adquirir agilidade,
uniformidade e ganhos de escala. Os ganhos de escala permitiram aos capitalistas
elevarem seus lucros e repassarem aos trabalhadores uma parte dos ganhos de
produtividade em salários, como podemos observar na tabela abaixo (Pamplona,
2001).

67
TABELA 2.4 - Comparação entre evolução da produtividade e dos salários
horários reais na indústria de transformação
Taxa de variação média anual por período (em %) 1964/1973 e 1983-1992

Países Produtividade (*) (A) Salário horário real (B) A/B (**)
1964/1973 1983/199 1964/1973 1983/199 1964/1973 1983/199
EUA 3.6 2 2.8 1.3 2 0.3 2.8 2 8.2
Alemanha 4.0 2.4 4.8 2.7 0.8 0.9
França 5.5 2.6 4.8 1.4 1.1 1.9
Itália 5.1 2.6 6.2 1.1 0.8 2.4
Reino Unido 4.2 3.6 2.9 2.5 1.4 1.5
Fonte: Mattos (2001)
(*) taxa de salário horário nominal na indústria de transformação
(**) relação entre ganhos em produtividade e aumentos salariais reais por período considerado

A elevação dos salários foi fundamental para o estabelecimento de paradigma


tecnológico, afinal, o incremento da produção capitalista só se manteria se houvesse
uma acentuada elevação na demanda por estes produtos. As trabalhadoras das
fábricas poderiam usar as meias de ceda da rainha Vitória, graças aos elevados
ganhos de produtividade impostos pela transformação técnica do fordismo. Assim,
no período de ouro do fordismo, o sistema foi marcado pela elevação da
produtividade, com simplificação do trabalho, baixa qualificação dos trabalhadores,
elevação dos lucros e finalmente aumento dos salários, tendo por consequência o
crescimento da demanda por bens de consumo duráveis (em virtude da inclusão dos
trabalhadores no mercado consumidor). Outras importantes consequências deste
processo foram: a consolidação de grandes empresas rígidas, com ganhos de
escala, fábricas com organização altamente hierarquizada e trabalho rotinizado.

O paradigma tecno-econômico, que antes da Segunda Guerra promoveu


expansão da produtividade, elevação da capacidade produtiva e um conjunto de
inovações tecnológicas e organizacionais que geraram elevação do nível de
desemprego, provoca uma reestruturação institucional no modelo de acumulação no
período pós-guerra. O desemprego tecnológico promovido pelos ganhos de

68
produtividade e elevação da eficiência do trabalhador foi superado por meio de
fatores institucionais, impulsionados por tensões causadas pela exclusão social
proveniente do desemprego. . O que chama atenção no estudo a respeito do
desemprego tecnológico na segunda revolução industrial é que fica mais clara a
percepção de que não existe tecnologia que, a priori, gere desemprego estrutural. A
análise do processo histórico verificada nos itens anteriores permite concluir que: o
desemprego prolongado é gerado por uma tecnologia poupadora de força de
trabalho associada a um arranjo institucional conivente com altas taxas de
desemprego.

69
3. A TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, DESEMPREGO
TECNOLÓGICO E SUPERAÇÃO DO FORDISMO

A década de 1970 marcou a finalização de um áureo processo de acumulação


capitalista. Do pós-guerra até a segunda crise do petróleo (1973) verifica-se uma
articulação tecnológica, organizacional, econômica e institucional que permitiu um
extraordinário crescimento da capacidade produtiva do capitalismo, com expansão
da produção e elevados níveis de emprego. As grandes empresas, com muitos
funcionários e alta produtividade, vivenciaram aumento de lucros e promoveram
incremento também nos salários, o que impulsionou a ampliação da demanda, à
medida que os trabalhadores foram incluídos no mercado de consumo de bens
duráveis. Ainda que no fordismo ocorresse redução de preços promovida pela
elevação da produtividade das grandes fábricas rígidas, os elevados lucros eram
garantidos pelos elevados ganhos de escala e crescente demanda dos
trabalhadores.

O fim do fordismo se deu com a crise do petróleo de 1973. A Organização dos


Países Produtores de Petróleo (OPEP) eleva o preço de petróleo a níveis
insustentáveis, trazendo instabilidade, inflação sem crescimento e baixa oferta do
combustível do capitalismo do século XX, o petróleo. O arranjo econômico e
institucional do pós-guerra começa então a ruir3.

3
Foi constituído um consenso quanto à mudança de paradigma tecnológico, porém tal consenso não
existe em relação à profundidade das mudanças tecnológicas e institucionais, assim, há diferentes
denominações para este período: “terceira revolução tecnológica”, “quinto Kondtratiev”, ou ainda “era
pós-coletiva”. Os neo-schumpeterianos chamam este processo de pós-fordismo e creem que tal
período se configura como uma terceira revolução industrial. Já os regulacionistas indagam se o
período vivido pelo capitalismo mundial se configura como uma superação do fordismo, ou se apenas
uma face deste, podendo assim ser chamado de “neo-fordismo”, ou “depois do fordismo”, ou mesmo
“pós-fordismo”(MATTOSO, 1993). É presente também o questionamento se o novo paradigma
tecnológico pode ser considerado um revolução industrial, uma vez que elementos centrais do padrão
tecno-econômico anterior se mantêm (TAVARES, 1992). Independente do nome, faz-se necessária
uma melhor compreensão deste novo momento do capitalismo e de quais serão as suas implicações

70
A crise do fordismo foi expressa pela elevação dos juros no mundo, por dívidas
públicas crescentes para manter o Estado de bem estar social, pela redução da
poupança e nível de crescimento das economias nacionais. Outra característica
presente é a redução da produtividade do trabalhador. Os países industrializados
passam a conviver com inflação e baixa taxa de crescimento.

Alguns dos motivos apresentados para o fim padrão de acumulação fordista são:
i) Internacionalização produtiva e financeira do capitalismo. Para se manter a lógica
keynesiana de investimentos públicos e aquecer a dinâmica econômica, é
necessário que os investimentos públicos gerem elevação da receita do governo, a
posteriori com retornos tributários. Entretanto, no momento em que ocorre a
internacionalização do comércio mundial, o governo perde capacidade de tributar
para retomar o ciclo virtuoso de desenvolvimento. ii) O acirramento da concorrência
mundial, uma consequência da internacionalização produtiva e financeira, contribuiu
para a crise do fordismo. iii) Resistência do trabalhador em exercer funções de
caráter rotinizado, extenuante, altamente hierarquizado e com longas horas de
trabalho repetitivo (PAMPLONA, 2001).

No final da década de 1960, a reconstrução dos países atingidos pela Segunda


Guerra e o comércio internacional passam por consideráveis mudanças. A Europa e
o Japão constroem seu próprio mercado e os países periféricos que passaram por
processos de substituição de importações passam a fazer parte do comércio
internacional. A periferia da América latina e os chamados tigres asiáticos ingressam
no comércio internacional sem que seus trabalhadores tenham a garantia do
conjunto de direitos acumulados pelos trabalhadores dos Estados Unidos e de
países da Europa (HARVEY, 1994).

A estrutura rígida do modelo fordista requeria elevadas taxas de investimento em


um mundo onde os países centrais já haviam atendido às necessidades básicas e
de bens duráveis de seus trabalhadores. O endividamento público e a pressão

no nível de empregos e na qualidade de vida da população mundial. (PAMPLONA, 2001, p.45)

71
inflacionária nos Estados Unidos era latente dado o volume de moeda emitida para
manter o Estado de bem estar social. O mundo se modificava e o consenso
keynesiano não era capaz de manter o crescimento das economias centrais, com
baixo desemprego e elevadas taxas de crescimento e produtividade.

Um novo arranjo institucional desarticula o padrão fordista. As modificações


foram substanciais nos países centrais do capitalismo. Para manter o processo de
acumulação, várias medidas foram tomadas e Harvey (1994) as denominou de
acumulação flexível. Para manter os lucros, o padrão de acumulação utilizou um
conjunto de inovações tecnológicas e organizacionais flexíveis, estas tecnologias
permitiram elevado nível de automação de processos produtivos e apontaram para
um conjunto de outros produtos que abriram uma série de novos mercados.
Verificou-se uma considerável mudança nas estruturas do mercado mundial com um
conjunto de fusões e envio de plantas produtivas para países com relações de
trabalho menos regulamentadas.

A redução da produtividade reduz os lucros e investimentos e por sua vez os


níveis dos salários. Soma-se a isso a mudança de padrão de consumo do
trabalhador. O Trabalhador do pós-fordismo –ao menos do centro do capitalismo - já
possui grande parte de suas necessidades de consumo atendidas. Ele tem agora
acesso aos bens de consumo duráveis e almeja a customização e personalização
de seus produtos. Estas mudanças estão associadas a mudanças no paradigma
tecno-econômico provido por materiais como cerâmica, a fibra ótica, e inovações
como microprocessadores, computadores pessoais, equipamentos de
telecomunicações, biotecnologia, robótica e programas de computadores que dão
flexibilidade para os processos produtivos.

A marca do pós-fordismo é a flexibilidade provida pelas tecnologias que


garantem ganhos de escala sem a rigidez do fordismo. O desenvolvimento e
descobrimento de novas matérias-primas e fontes energéticas contribuem para a
redução de custos em processos distintos dos utilizados no padrão anterior. A busca
de eficiência energética é colocada como uma meta, tornando-se um contraponto à
sociedade do petróleo e da elevada potência. A busca de critérios mais rígidos de

72
qualidade com baixo custo se apresenta como contraposição à mera busca de
redução de custos em produção de escala. Coutinho (1992, p. 71) ao analisar a
terceira revolução industrial e tecnológica sugere que o novo paradigma aponta
para:

1) o peso crescente do complexo eletrônico; 2) um novo paradigma de


produção industrial - a automação integrada flexível; 3) revolução nos
processos de trabalho; 4) transformação das estruturas e estratégias
empresariais; 5) as novas bases da competitividade; 6) a globalização
como aprofundamento da internacionalização; e (7) as alianças
tecnológicas como nova forma de competição.

3.1. Inovações tecnológicas e organizacionais poupadora de


trabalho e a produtividade

O novo paradigma tecnológico imprimiu profundas mudanças à produção no


mundo. O fordismo, marcado pelos elevados ganhos de escala – possíveis pela
crescente demanda oriunda da inclusão dos trabalhadores no mercado consumidor
–, foi superado por tecnologias flexíveis que permitem ganhos de escala e escopo,
mesmo em baixa produção. A marca da flexibilidade da nova economia se deu
sobretudo pelos avanços nas tecnologias de informação e comunicação (TIC). O
avanço das TICs em um mercado mundializado de grande concorrência
internacional impôs ganhos de produtividade através de inovações organizacionais
altamente poupadoras de força de trabalho. Se o fordismo permitiu a utilização da
ciência para elevar a produtividade da indústria, o pós-fordismo aprofundou tal
tendência, maximizada pela crescente capacidade de processamento de dados e
acompanhamento de processos e resultados.

Tigre (2006) apresenta algumas das mais importantes inovações organizacionais


do pós-fordismo. O Just-in-time consiste em uma importante inovação
organizacional, com o fim de reduzir o tempo de produção e promover uma melhor
utilização dos insumos produtivos, com redução de desperdícios. Esta inovação é

73
marcada pela elevação da capacidade de estimar demanda, uma vez que este
método de gestão visa o estoque Zero. O Just-in-time busca uma redução o capital
de giro, pois o capital parado no estoque pode ser mais bem aplicado no mercado
financeiro.

A inovação organizacional Controle da Qualidade Total (CQT) consiste em


melhorar processos e resultados, por meio de utilização de controle estatístico de
processos (CEP). Esta filosofia também busca envolver todos os participantes do
processo produtivo na identificação de gargalos e processos desnecessários e que
geram maiores custos operacionais. A inovação de Célula de produção consiste em
agrupar as máquinas e pessoas como pequenas fábricas, ou núcleo flexível de
produção, em que são capazes de realizar toda construção de um produto. Esta
modalidade se difere muito do formato fordista, por não agrupar as máquinas por
tipos semelhantes de funções, possibilitando redução de custos de deslocamento de
insumos e produtos. A célula de produção também permite ao empregador
estabelecer metas para a célula, obrigando os trabalhadores a supervisionarem uns
aos outros para atingirem as metas, elevando a produtividade e por meio da disputa
entre trabalhadores.

A inovação chamada Reengenharia de Processos de Negócios se refere a uma


radical reformulação em todos os processos de uma estrutura produtiva. Visa-se
com este, reduzir atividades e processo improdutivos, partindo do pressuposto de
que nenhum processo é imprescindível. Questionando a estrutura e determinadas
relações de poder na empresa, normalmente ocasiona grande número de demissões
quando é implementada.

As inovações organizacionais mencionadas só foram possíveis pela


consolidação do novo paradigma tecnológico. Os avanços dos microprocessadores,
computadores pessoais, equipamentos de telecomunicações, entre outros,
possibilitaram o aumento do controle da produção e elevação da rapidez e eficiência
no processamento de dados, permitindo o acompanhamento de toda a cadeia
produtiva. Os ganhos de produtividade verificados foram possíveis pelos avanços na
administração científica que já utilizava alguns métodos semelhantes, associada a

74
tecnologias que permitiram a flexibilização de controle de processos, buscando
elevar os controles sobre resultados. A busca por reduzir estoque, estimar demanda,
reduzir processos e elevar a disputa entre trabalhadores se justificam pela meta de
elevar a produtividade e economizar trabalho para elevar os lucros.

Os ganhos de produtividade foram revertidos em redução do nível de emprego


por se tratar de inovações poupadoras de trabalho. Porém os ganhos de
produtividade a priori reduzem a quantidade de trabalho necessário para produzir
uma mercadoria, não necessariamente está associado à extinção definitiva de
postos de trabalho. Tais fenômenos só seriam inevitáveis em um universo estático
onde as relações sociais e as instituições não exercessem papel algum frente ao
desenvolvimento das forças produtivas. A redução de quantidade de horas de
trabalho para atender as necessidades materiais da sociedade pode ser revertida,
por exemplo, em redução da jornada de trabalho, maior tempo livre, adiamento da
entrada do jovem no mercado de trabalho e elevação de horas não trabalhadas e
empregadas em qualificação e formação. Os progressos tecnológicos e
organizacionais ocorrem porque há investimentos da sociedade em formação,
desenvolvimento em ciência, tecnologias e etc. Mattoso (2000) afirma que em um
ambiente de concentração e centralização de capitais, hegemonia do capital
financeiro e mundialização crescente, existem pressões maiores para que os ganhos
de produtividade se revertam em elevação do desemprego. Porém analisando a
tabela 3.1 pode ser verificado que em momentos de elevação da produtividade, com
um arranjo institucional a favor da elevação do nível de emprego, a redução da
quantidade de trabalho para produção de uma unidade de mercadoria não afetou
negativamente o nível de ocupação.

A adequação de um padrão tecno-econômico a outro ciclo virtuoso de


desenvolvimento está diretamente ligada à capacidade de um arranjo institucional
que permita ampliação de mercado, o que gera demanda efetiva. Mattoso (2000)
demonstra que a variação de produtividade é importante para se compreender a
flutuação do nível de emprego, porém mais importante que a produtividade é

75
verificar a elevação da produção, uma vez que esta só ocorre quando há expectativa
de demanda e com isso geração de empregos e consumo.

Quando verificamos a tabela 3.1, percebemos que no período de 1960-1973 os


Estados Unidos contavam com uma Taxa de Variação Média Anual de produtividade
de 2,63%, com a variação média de emprego na 1,94%, variação média do
desemprego em 4,94% e variação do produto na casa dos 4,31%. Quando
verificamos o período posterior (1974-1983), verificamos uma variação de
produtividade bem menor (0,61%), com uma variação do emprego menor, em
1,67%, a variação do desemprego maior, na casa dos 7,48%, e variação do produto
em 2,06%. A análise ocorre em dois períodos com distintos arranjos institucionais, e
diferentes políticas públicas para geração de emprego. Quando observamos a
realidade a União Européia verifica-se tal tendência ainda mais acentuada, contando
com variação negativa no emprego no período de 1973-83.

TABELA 3.1 - Taxas Médias Anuais de Variação das Principais Variáveis


de Produtividade e Emprego EUA e União Européia – 1960-1999

Anos
Emprego Total Emprego Público Produto Produtividade Horária Tempo de Trabalho Desemprego

EUA
1960-1973 1,94 3,92 4,31 2,63 -0,30 4,94
1974-1983 1,67 1,46 2,06 0,61 -0,23 7,48
1984-1999 1,74 1,49 2,94 0,93 0,26 6,07

União Européia
1960-1973 0,29 3,52 5,08 5,65 -0,83 2,43
1974-1983 -0,03 2,32 2,05 3,11 -1,00 5,70
1984-1999 (3) 0,54 0,71 2,38 2,07 -0,02 10,82

FONTE: MATTOSO (2000, p. 118)

Se o desemprego tecnológico surge com implementação de tecnologias


poupadoras de trabalho em uma proporção em que os investimentos em novas
cadeias produtivas, novos produtos e novos mercados são insuficientes para repor
os postos destruídos, a produtividade parece ser uma importante variável a ser
analisada, sobretudo quando comparados diferentes períodos históricos,

76
considerando mudanças no padrão de acumulação com destaque para variáveis
como emprego e crescimento.

A observação do paradoxo da produtividade, ainda que não traga todas as


respostas sobre a relação entre tecnologia e emprego, nos permite descartar
relações deterministas. A existência do paradoxo é um indício de que não existem
elementos empíricos para afirmar que o novo padrão tecnológico eleva
substancialmente a produtividade. Se a marca do novo padrão tecnológico é a
flexibilidade das novas máquinas e ferramentas, os microprocessadores, os
computadores pessoais, a multiplicidade de softwares e a internet foram peças-
chave na implementação do novo padrão. Em contraposição às máquinas fordistas
rígidas e grandes, as tecnologias da informação e comunicação permitiram a
execução de um conjunto de tarefas com um número muito menor de máquinas e
operadores. É incontável o número de trabalhadores que foram deslocados de suas
funções, ou descartados de determinado processo produtivo proveniente do
progresso tecnológico pós-fordista. Tais inovações sugerem redução do número de
horas e elevação de eficiências para executar tarefas. O computador pessoal elevou
a eficiências e a rapidez para editar um texto, para construir uma planilha ou gráfico,
para cruzar dados de diferentes setores de uma empresa, para enviar informações
para o outro lado do planeta, etc. A necessidade de implementar tecnologias da
informação são tão nodais para adquirir vantagens competitivas, quanto para não
ser expulso de um mercado por atraso tecnológico e isso justifica os elevados
investimento que as principais economias realizaram neste segmento.

Segundo o departamento de comércio americano (Department of


Commerece 1998, 1999, 2000) a soma de todos os investimentos em
computadores nos Estados Unidos, de 1960 a 1998 é de 500 bilhões de
dólares (dólar de 1996); em software gastou-se um trilhão de dólares (dólar
de 1996) e em comunicações, outros um trilhão de dólares. Estes números
não dizem muito pois tanto software quanto computadores são
substituídos. Se contarmos a desvalorização, etc. o valor acumulado em
1998 dos bens de computadores nos EUA era de 228 bilhões de dólares
(em dólares de 1996), e em software, 250 bilhões de dólares (WAINER,
2002, p. 1)

77
Os vultosos investimentos em tecnologias da informação verificados, não só nos
Estados Unidos como em todos os países do centro do capitalismo, não
estabeleceram relação positiva com o crescimento da produtividade segundo
diversos estudos econométricos e estatísticos, implementados por diferentes
pesquisadores e em áreas de pesquisa diversas. Pesquisadores como Stephen
Roach (economista chefe do banco Morgan Stanley), Martin Baily (economista do
Brookings Institute), Paul Attewell (sociólogo na New York University), Thomas
Landauer (cientista cognitivo na Universidade do Colorado), Paul Strassmann
(consultor e ex-diretor de informática do departamento de defesa Americano) e
importantes instituições como a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Organização Internacional do Trabalho (OIT)
analisaram a contradição entre tecnologias mais avançadas e a não elevação da
produtividade e confirmaram a existência do paradoxo da produtividade. O primeiro
a sugerir tal contradição foi o renomado economista Robert Solow em 1987, ao
verificar que a difusão dos computadores não se revertia em elevação das
estatísticas de produtividade (WAINER, 2002) e, desta forma, o paradoxo da
produtividade também ficou conhecido como o paradoxo de Solow.

Diversos trabalhos tentam identificar a origem da contradição entre progresso


tecnológico e redução das taxas de produtividade verificadas na “Nova Economia”.
Um eixo de análise aponta para elementos metodológicos, partindo da elevação de
importância relativa do setor de serviços, que levaria a uma redução na
produtividade geral, dado as menores taxas históricas de produtividade do setor. A
tendência ao crescimento de importância do setor de serviços se explica pelo
processo de terceirização, proveniente também da maior capacidade de controle de
processos e resultados, possível pela existência das novas tecnologias de
informação e comunicação (TIC). Associado a esta constatação há o argumento de
que haveria dificuldade de se medir a produtividade do setor de serviços, uma vez
que os indicadores de produtividade possuíam uma forte tendência industrialista. A
vulnerabilidade deste argumento está na queda das taxas de produtividade na
indústria de manufatura, que indica uma redução da produtividade de todos os
setores, não só do setor e serviços. Outro aspecto importante é a relação entre

78
produtividade e emprego, pois se a redução do nível de produtividade fosse apenas
de ordem metodológica, não se verificaria redução do nível de emprego, dado que o
setor de serviços tende ser mais intensivo em trabalho que a indústria (PETIT, 1995;
MATTOSO, 2000; WAINER, 2002).

Um segundo eixo indica que a redução da produtividade está no campo


tecnológico. Acreditam que quando ocorre uma mudança de paradigma tecnológico
é necessário um tempo até que surja um conjunto de inovações que constitua um
sistema coerente e de elevada eficiência. Estudos estatísticos no campo da “nova
teoria do crescimento” apontam para uma correlação estatisticamente considerável
entre produtividade e investimentos em infraestrutura, capital físico, educação,
pesquisa e desenvolvimento. Ainda no eixo tecnológico, está hipótese de que o pós-
fordismo possui menores taxas de produtividade, porque no fordismo os países
europeus e o Japão obtiveram excepcionalmente elevadas taxas de produtividade,
por copiar a tecnologia dos EUA e não criando novas tecnologias. Este argumento
perde consistências ao se verificar que as taxas de crescimento de produtividade
dos Estados Unidos são atualmente menores que as do fordismo e os ganhos de
produtividade da Europa, sobretudo França e Alemanha continuam maiores que as
dos Estados Unidos mesmo no pós-fordismo.

O terceiro eixo de analise identifica que a queda da produtividade estaria ligada a


fatores econômicos, tecnológicos, mas sobretudo institucionais. Levando em
consideração o novo regime de acumulação, este aponta para uma nova
determinação da produtividade do trabalho, onde a estrutura de mercado e
elementos de demanda também estabelecem o nível da produtividade. Assim, a
concorrência intercapitalista em escala mundial, guiada pelos ditames do capital
financeiro, apontaria para um novo regime de acumulação, avesso ao pleno
emprego e à expansão da demanda. Este processo privilegiaria uma redução da
elasticidade da demanda relativa dos preços, que levaria a um rompimento com o
ciclo virtuoso de desenvolvimento fordista e levaria a redução de renda,
produtividade, demanda e emprego. Desta forma, este eixo de análise sugere que a
redução de produtividade ocorre pelo novo regime de demanda, promovido pela

79
mudança do nível de especialização, concorrência internacional, redistribuição dos
mercados e etc. O novo regime de demanda pode ser considerado um regime de
transição entre regime que privilegiava o setor produtivo da economia para o pós-
fordismo, que atua sob dominância financeira. Tal regime – de predominância do
capital financeiro – tende a absorver capital na economia mundial, que antes era
direcionado ao setor produtivo da economia.

Para a Nova Economia garantir elevação da produtividade, será necessário não


apenas inovações tecnológicas ou organizacionais que economizem trabalho, é
necessário que se reconstrua um regime de regulação que estabeleça uma
demanda crescente, que estimule os investimentos e a realização da produção. A
produtividade do trabalho é uma relação entre produção e emprego, assim, para que
a produtividade cresça sob o novo padrão tecnológico, é necessário que o novo
padrão seja desafiado por demanda crescente e mercados em expansão. O nível de
emprego se dará a partir das necessidades de ampliação da produção e da
capacidade do mercado de absorvê-la.

Outro elemento que reforça a não exclusividade das variáveis tecnológicas na


determinação do emprego é a manutenção, ou até ampliação da elasticidade
emprego do crescimento econômico (PADALINO E VIVARELLI, 1997). A
elasticidade emprego do crescimento relaciona quanto emprego é gerado por
unidade de crescimento econômico. O resultado apresentado pela OIT (1997, p.20)
é que, se no período de 1960-73 foram necessários 2,3% de crescimento para os
Estados Unidos começarem a gerar empregos, no intervalo de 1974-95 foi
necessário penas 0,7% de crescimento. A União Européia que precisava de 4,5% na
era de ouro do capitalismo, precisava apenas 1,9% de crescimento para gerar
emprego de 1974-95. Estes dados contrariam o senso comum, ao demonstrar que
por mais automação que o novo padrão tecnológico gere, as novas tecnologias não
são avessas a elevados níveis de emprego.

Desta forma, o paradoxo da produtividade só expressa um características do


novo regime de acumulação. Como foi observado no paradoxo, o período
compreendido como pós-fordismo, além de apontar para profundas modificações

80
tecnológicas, também expressou baixas taxas de crescimento e baixos níveis de
emprego. Os baixos níveis de produtividade não se reverteram em elevados níveis
de emprego, refutando uma relação automática entre desemprego tecnológico e
elevação de produtividade. Ainda que a elevação de produtividade assuma
dimensões distintas em períodos diferentes do ciclo econômico, apenas a tecnologia
e os determinantes econômicos são insuficientes para estabelecer o nível de
emprego nos ciclos de acumulação capitalista. Em suma, é necessário observar
elementos institucionais para compreender como o atual regime de acumulação age
em relação à produtividade, crescimento e principalmente sobre o nível de emprego.

3.2. O desemprego e a formação no pós-fordismo

A sociedade pós-fordista é fortemente marcada pela rapidez da criação e difusão


de tecnologias. Pochmann (2005) chama atenção para novas cadeias produtivas,
associadas a mudanças de base técnica e alteração da divisão do trabalho. Ele
aponta para a criação de dois blocos de países responsáveis por parcelas distintas
do processo produtivo. Um deles, responsável pelas atividades produtivas de
“concepção do produto, definição do design, marketing, comercialização,
administração, pesquisa, tecnologia e aplicação das finanças empresariais”. Este
bloco requer que o país possua maior formação e elevados investimentos em
ciência e tecnologia. Por serem atividades de serviços qualificados, requerem maior
grau de instrução e tendem a produzir bens que não disputam com o mercado
internacional e tendem, ainda, a remunerar melhor a força de trabalho. O autor
afirma que os países com maiores investimentos em ciência, tecnologia e inovação
modificaram sua participação no comércio internacional em produtos com elevado
ou médio conteúdo tecnológico de 33% para 54%, e reduziram sua participação em
produtos com baixo conteúdo tecnológico de 55% para 31%.

Quanto ao outro bloco de países, o autor aponta que, apesar de maior


participação relativa nos empregos totais, estes países têm sua produção voltada
para produtos da indústria tradicional, com baixo conteúdo tecnológico e menor

81
poder dinamizador e de oportunidades de investimentos. Boa parte dos produtos de
exportação destes países podem ser considerados commodities, com baixo valor
unitário e baixa complexidade, gerando menos empregos indiretos e com menor
efeito na renda4. Harvey (1994), alerta que o fato do capitalismo transcender para
outro paradigma tecno-econômico não o impede de conviver com contradições,
assimetrias e anacronismos característicos de modelos anteriores ao vigente5. No
caso tratado por Pochmann (2005), os países produtores de mercadorias com baixo
conteúdo tecnológico envolvem força de trabalho com baixa formação, maior
flexibilidade e desregulamentação do trabalho. O trabalho -tendo como ferramenta
estas tecnologias - assumem uma feição mais taylorizada e concentram mais na
distribuição e montagem de produtos.

A divisão entre os dois blocos de países passa por constantes readequações,


sobretudo com a reorganização do capital provocada pela a crise de 2008. O autor
apresenta que os países produtores de mercadorias intensivas em tecnologia,
tendem a concentrar 70% de sua força de trabalho nos setores menos expostos à
concorrência internacional. Já nos países com indústrias menos sofisticadas
empregam apenas 30% nestes setores menos expostos. Outra conclusão de grande
relevância é a importância que o novo padrão de acumulação atribui à qualificação
da força de trabalho e à produção e difusão de ciência e tecnologia. Se é verdade
que o capitalismo permite a conjugação de diferentes padrões de acumulação, é
provável que os setores, países, regiões, ou segmentos sociais que estiverem
vinculados a padrões tecno-econômicos considerados como superados, tendam a
ficar à margem do processo de acumulação, não tendo acesso ao que seriam as
benesses deste dito progresso. Porém os que entenderem o funcionamento do novo
padrão, preparando-se para fazer as escolhas corretas frentes ao leque de

Veremos as características de setores com maior capacidade de geração de emprego no capítulo 3.


4

O capitalismo avança na história construindo situações anacrônicas, onde são conjugados padrões
5

pós-fordistas, com fordistas e em alguns casos pré-industrial.

82
possibilidades apresentadas por elas, tendem não só a estar no centro da dinâmica,
como a constituir capacidade para conduzir parcela do progresso.

Fica latente a importância atribuída à formação no atual paradigma, também


chamado de sociedade do conhecimento. Em todas as mudanças de padrão
tecnológico, os que estavam mais bem preparados para assimilar o novo padrão
conseguiram um reposicionamento de destaque na dinâmica de acumulação. A
Alemanha, com seus elevados investimentos em formação técnica e
desenvolvimento de inovações no começo do século XX, foi uma das protagonistas
da segunda revolução industrial à frente inclusive do país epicentro da primeira
revolução industrial, a Inglaterra.

3.3. O desemprego e a tecnologia no pós-fordismo

Os diferentes níveis de formação modificam no pós-fordismo também a situação


de vulnerabilidade do trabalhador frente ao desemprego tecnológico. Se o nível de
conteúdo tecnológico da produção de um país ou de um setor da indústria provoca
uma distinção qualitativa entre países e setores, a capacidade de um trabalhador
assimilar determinados conhecimentos ou conjunto de tecnologias o inclui em
condições desiguais no mercado de trabalho.

O impacto quantitativo e qualitativo da produtividade no emprego, depende não


só das tecnologias, como também de fatores institucionais e estruturais de cada
país. Quando tratamos da variação do nível de emprego em comparação com a
variação do nível de produto, verificamos que alguns segmentos da indústria estão
suscetíveis a maior flutuação do emprego que outras. A constatação se dá por
questões tecnológicas, econômicas e institucionais.

As indústrias com maior sofisticação e conteúdo tecnológico tendem a ter um


nível de desemprego com menor flutuação. Isso se dá por que os setores da
indústria que requerem maior qualificação não podem demitir seus trabalhadores de
forma tão flexível, acompanhando a variação do produto, afinal, caso esta indústria

83
tenha que recontratar trabalhadores, corre o risco de não encontrar mão-de-obra
disponível com as devidas qualificações para assumir os postos de trabalho; e pode
não haver tempo hábil para qualificar um profissional em processos muito
específicos. Assim, há maior estabilidade do nível de emprego em indústrias como a
mecânica, de material elétrico e de comunicações, por exemplo (NASSIF, SANTOS
E PEREIRA, 2008).

Quando observamos a variação de empregos e sua relação com os diferentes


níveis de formação dos trabalhadores, verificamos efeitos estruturais no mercado de
trabalho. Os trabalhadores com baixa qualificação tendem a ocupar vagas de
trabalho na indústria tradicional que, por sua vez, é a que acumula menor ônus em
demitir trabalhadores em momentos de declínio da demanda, justamente por utilizar
força de trabalho com baixa qualificação e maior disponibilidade no mercado. Tais
trabalhadores em geral estão menos preparados para transformações tecnológicas
em sua categoria profissional e com isso são os maiores penalizados com as
modificações tecnológicas, que tendem a fechar seu posto de trabalho, sem lhe abrir
outra vaga com os mesmos rendimentos e status social similar.

Este trabalhador pouco qualificado é o trabalhador descrito por Marx (2003) ao


retratar os desvalidos da implementação dos teares mecânicos na revolução
industrial. Ao serem substituídos por uma inovação tecnológica, tendem encontrar
trabalhos precarizados, com rendimentos abaixo dos que possuíam na indústria e
muitas vezes sem vínculos formais ou direitos trabalhistas. Provavelmente, este
trabalhador não entrará nas estatísticas de desempregado, por possuir alguma
renda que lhe permita continuar vivendo – com dignidade ou não. Quando constata
sua desatualização tecnológica, este trabalhador tende a não buscar empregos que
lhe demandem operar equipamentos contemporâneos, demonstrando sua
incapacidade de reagir frente ao mundo moderno, do qual não se sente parte
(Dowbor, 2002).

Os trabalhadores com elevada qualificação, cada fez mais presentes no


capitalismo contemporâneo, sobretudo nos países centrais, tendem a ocupar postos
de trabalho menos voláteis, passando por um processo ainda maior de qualificação

84
e em grande parte das vezes financiado pela própria empresa. Este trabalhador já
possui considerável familiaridade com as tecnologias contemporâneas, lhe
permitindo concatenar e articular novas ferramentas de trabalho para render ainda
maior produtividade, justificando sua presença no posto ocupado. O trabalhador
qualificado, típico no pós-fordismo, possui as qualificações para operar as máquinas-
ferramentas do mundo atual, máquinas mais versáteis e flexíveis, altamente
produtivas mesmo em pequenas quantidades. Com tais qualificações, este
trabalhador está mais preparado para as novas mudanças tecnológicas. Sendo
obrigado a concatenar diversas informações, este pode perceber as tendências de
modificações tecnológicas e buscar novas qualificações para não ser descartado.

Desta forma, o desemprego tecnológico não possui impacto homogêneo nem


entre os setores da indústria, nem entre os trabalhadores com diferentes
qualificações. Trabalhadores qualificados já foram no decorrer a história do
capitalismo mundial substituídos por inovações organizacionais e tecnológicas, mas
estes no geral são reinseridos no mercado de trabalho rápido e em melhores
condições que os trabalhadores de funções demasiadamente simples.

Para Schumpeter e os neo-schumpeterianos o desemprego tecnológico possui a


dimensão e estrutural e cíclica ao mesmo tempo. Estes defendem que no período de
boom as inovações tecnológicas tendem a gerar elevação da atividade econômica e
do nível de emprego pela abertura das possibilidades de investimento, porém nos
momentos de declínio, as empresas tendem a investir em inovações organizacionais
que visam economia de trabalho, gerando desemprego tecnológico.

A teoria da compensação, que sugere que os empregos destruídos em um setor


da economia por uma inovação tecnológica, tendem a ser repostos em outro setor
por criação de outras cadeias produtivas, só se justifica com as devidas
implementações de políticas industriais, políticas públicas e um adequado arranjo
institucional. Os processos de reestruturação industrial, com atualização da
economia para os novos padrões pós-fordistas, requerem não só sinais de mercado,
ou tendências tecnológicas, é necessário também planejamento de Estado. “Ganhos
de produtividade” com redução de custos por meio de precarização de trabalho não

85
são sustentáveis no longo prazo, nem parecem consonantes com um mundo
moderno do ponto de vista tecnológico e social (VIVARELLI, 1995).

3.4. A flexibilização do trabalho e os sindicatos

Desde os anos 1970 verifica-se elevação dos níveis de empregos Part-time e


outras formas “alternativas” de emprego. Esta redução do vínculo da empresa com o
funcionário permite maior flutuação da quantidade de horas contratadas e redução
de custos com direitos trabalhistas. Outra alternativa de arranjo de produção
viabilizado pelo pós-fordismo é a contratação de poucos funcionários com elevada
qualificação, capazes de substituir um número muito maior de funcionários com
menor grau de instrução.

As tecnologias flexíveis possibilitaram elevados ganhos de escopo através de


inovações organizacionais e do processo de subcontratação. A subcontratação de
empresas menores foi possível ante o novo padrão tecnológico, que criou empresas
mais flexíveis e com elevada capacidade de monitoramento de processos e
resultados. O que no fordismo era executado no interior da empresa, no padrão de
acumulação flexível passa a ser terceirizado (DOWBOR, 2002). Em alguns casos, a
empresa principal não administra parcela alguma do processo produtivo, ficando
responsável apenas pelo fornecimento da marca e das estratégias de mercado. Este
funcionamento tem a vantagem de reduzir custos de direitos trabalhistas e outros
tipos de responsabilidade com a produção. Não é raro que determinado processo
transferido para uma empresa contratada, como limpeza, por exemplo, seja
executado pelo mesmo trabalhador que foi demitido pela contratante. A empresa de
serviços de limpeza recontrata o trabalhador em formato de contratos de menor
estabilidade e/ou elevada precariedade.

A ocupação por conta própria pode ser apenas formal. Uma única empresa
grande necessita muitas vezes dos serviços em tempo completo de uma

86
equipe profissional, seja de contabilidade, de vigilância, de fornecimento de
refeições, de seleção de executivos, de pesquisa de mercado, etc. Outrora,
a empresa empregava a equipe. Hoje, ela prefere que a equipe se
constitua em pequena firma independente e lhe preste os serviços. Para a
empresa cliente a vantagem está na flexibilidade do novo relacionamento e
também no menor custo do trabalho, pois ela deixa de pagar o tempo
morto, quando a equipe não tem o que fazer, e as horas extras, quando a
urgência da tarefa impõe trabalho além da jornada normal. Os profissionais
que passam a trabalhar “por conta própria” ganham a possibilidade
(teórica) de atender a outros clientes, mas correm o risco de que “o” cliente
se volte para outro fornecedor. Em suma: o ex-empregador ganha graus
novos de liberdade, os ex-empregados perdem a segurança que tinham
(SINGER, 1996, p.9).

Singer (1996) expõe como a terceira revolução industrial empurra o trabalhador a


condições de trabalho de maior insegurança, liberando o empregador e expondo o
trabalhador às vicissitudes do trabalho desregulamentado. O autor expõe, ainda, que
a flexibilização e a terceirização levam algumas empresas a estimular seus
funcionários a criarem firmas que lhes prestem serviços, ao invés de mantê-los como
funcionários. Embora a nova configuração do mercado imponha novos desafios ao
trabalhador, estimulando profissionais polivalentes e com maior autonomia
(COUTINHO, 1992) – em contraposição ao trabalho alienante do fordismo –, os
desafios apresentados em um ambiente de desregulamentação de trabalho,
elevação do nível de desemprego e substituição dos homens pelas máquinas só
elevam o grau de insegurança quanto ao futuro do trabalhador.

Mattoso (1993, p.120) aponta que há descontentamento, por parte do


trabalhador, com a ocupação de postos de trabalho part-time. Na década de 1970,
34% dos que ocupavam vagas de trabalho em part-time o faziam de forma
involuntária. Na década de 1980, o número subiu para 43%. A leitura destes dados
permite concluir que a redução da estabilidade no trabalho e a prática de formas
alternativas de emprego não apontam para maior satisfação dos trabalhadores em
relação ao mercado de trabalho.

A elevação do desemprego associada ao processo de subcontratação em


estruturas produtivas menores enfraqueceu os sindicatos e com isso gerou uma

87
piora nas condições de trabalho. Em meio à tendência crescente de desemprego
verificada no novo paradigma tecno-econômico, foram resgatadas opiniões
superadas desde o início do século XX, como a ideia de que o desemprego é natural
e causado pela inflexibilidade do mercado de trabalho e dos níveis de salários. As
contradições observadas no desenvolvimento fordista foram reputadas à
incapacidade dos trabalhadores elevarem a produtividade e reduzirem a
competitividade das empresas no novo padrão tecnológico. “Em nome da
competitividade internacional o capital busca reestruturar-se movendo-se contra o
trabalho organizado” (MATTOSO, 1993, p. 112). Verifica-se substancial refluxo do
movimento sindical, com a desestruturação da classe trabalhadora típica do padrão
fordista. Dados demonstram que desde a década de 1980 a sindicalização vem
decrescendo nos Estados Unidos, na França, na Itália e na Inglaterra. Os Estados
Unidos, a França e o Japão tinham registrado tal declínio desde a década de 1970.

TABELA 3.2 - Evolução da taxa de sindicalização 1970-1990

Países 1970 1980 1990


França 22,3 17,5 9,8
Itália 36,3 49,3 38,8
Alemanha 33,0 35,6 32,9
Inglaterra 44,8 50,4 39,2
Fonte: Mattos (2001)

A elevação do desemprego, a terceirização e o estabelecimento de relações de


trabalho alternativas imprimiu, sobretudo nos países centrais, substancial
desestruturação das organizações de representação dos trabalhadores e
retrocessos em direitos há muito adquiridos. As “revigoradas forças produtivas têm
ampliado a fragmentação e a desestruturação do trabalho e acentuado a paralisia
política e o defensismo estratégico do movimento Sindical”.

A desestruturação das entidades de representação vem associada a retrocessos


na principal bandeira do movimento sindical desde o início da organização dos
trabalhadores, a redução da jornada de trabalho. Com o argumento da falta de

88
competitividade e excessiva rigidez do mercado de trabalho, as horas de trabalho
foram formalmente e informalmente elevadas. Nas modalidades de trabalho
alternativas como home office e part-time e remuneração por desempenho, passa a
ser comum a jornada de trabalho ultrapassar 12 ou 13 horas diárias, aproximando-a
das jornadas praticadas no período da primeira revolução industrial.

A elevação dos níveis de desemprego nos países centrais a partir da década de


1970 indica que novo padrão tecnológico associado à destruição do arranjo
institucional fordista gerou desemprego tecnológico. O desemprego tecnológico que
tem persistido nos países centrais e a desestruturação do poder dos sindicatos tem
promovido constantes desregulamentações do trabalho, estimulando formas de
emprego precarizadas, sem as devidas seguridades e muitas vezes com contratos
temporários. É importante salientar que a terceirização expressa uma das formas
mais perversas desregulamentação do trabalho, uma vez que os trabalhadores que
outrora faziam parte da empresa principal passam a fazer parte de empresa
terceirizada, o que lhes dá menos possibilidade de mobilidade de cargo, por não
estabelecer vínculos duradouros em tais estruturas e por não terem acesso aos
direitos conquistados pela categoria da firma principal.

É importante perceber este vínculo entre o desemprego tecnológico e a


desregulamentação do trabalho, porque outras modalidades de desemprego menos
persistentes não constroem condições objetivas para pressionar tanto os direitos dos
trabalhadores. A pressão pela elevação dos lucros por meio de redução de salário
só é possível com a redução considerável do poder de barganha do trabalhador, que
consiste na capacidade direta deste interferir no processo de acumulação. Quando o
desemprego tem o caráter friccional, ainda que possua grande flutuação, os
trabalhadores ainda têm condições de se mobilizar pela manutenção de seus
direitos. Mas quando um padrão tecnológico imprime constantes ganhos de
produtividade com inovações organizacionais poupadoras e desarticuladoras das
organizações dos trabalhadores, estes perdem a capacidade de sustentar seus
direitos.

89
A priori, todas as revoluções tecnológicas surgiram para economizar trabalho
humano, grande parte das inovações tecnológicas e organizacionais buscam
produzir mais produtos com menos força de trabalho. O argumento de que o
desemprego da fase atual do capitalismo é inerente ao novo padrão tecnológico e
que não há o que fazer não condiz com as experiências históricas do capitalismo.
No atual estágio de avanço das forças produtivas – devido, em especial, à enorme
eficiência das máquinas flexíveis –, é evidente que não se faz necessária a mesma
quantidades de horas de trabalho utilizada no fordismo para atender às
necessidades materiais da sociedade. Reduzir a jornada de trabalho seria um
importante instrumento – ainda que provavelmente insuficiente – para aumentar o
nível de emprego nos países, ao passo que poderia resultar também em melhoria da
qualidade de vida dos trabalhadores.

Outro movimento que poderia reduzir os índices de desemprego seria promover


políticas com o objetivo de protelar a entrada do jovem no mercado de trabalho. Tal
medida pode ser construída também no sentido de elevar o nível de formação dos
trabalhadores, que cumpriria o duplo papel de lhes possibilitar melhor inserção no
mundo do trabalho e atende a uma demanda do mercado contemporâneo, que tem
como uma de suas características importantes um processo de produção de
mercadorias com interface cada vez maior com a produção científica. No pós-
fordismo, a bioengenharia, os microprocessadores, as nanotecnologias, as
tecnologias de comunicação e informação são áreas de grande potencial de
expansão e só o serão em países capazes de transformar invenções em inovações
com potencial de difusão. Se a Alemanha superou a Inglaterra na transição da
primeira para a segunda revolução industrial por investir em formação e pesquisa, as
tecnologias da nova economia requerem investimentos ainda maiores, tanto para
preparar o trabalhador para sua inserção no mercado, quanto para vislumbrar o
leque de possibilidades e de crescimento da nova economia.

Harvey (1994) acredita que, com o fim do fordismo, o sistema precisou rearticular
suas bases para garantir o processo de acumulação. Ele argumenta que, se a
extração da mais valia absoluta se realiza pela elevação da taxa de exploração do

90
trabalhador, com o conjunto de inovações organizacionais verificados no pós-
fordismo e com a busca de regiões do mundo com o trabalho menos regulamentado,
o capitalismo tem garantido elevada taxas de mais-valia absoluta. Mas o autor
também chama a atenção para a capacidade do capitalismo contemporâneo se
apropriar de elevadas taxas de mais-valia relativa, uma vez que os elevados ganhos
de produtividade tem reduzido o custo de produção da cesta de consumo do
trabalhador – ainda que esta cesta tenha se expandido com a necessidade de
inclusão de mercadorias do mundo contemporâneo. As novas tecnologias ainda
permitem que os capitalistas mais inovadores absorvam a mais-valia extraordinária,
comum nos momentos de expansão do padrão tecnológico.

A experiência da segunda revolução industrial rendeu ao mundo ensinamentos


valiosos. Um padrão tecnológico guiado pelas leis de mercado tende a elevar por um
período a capacidade de acumulação capitalista, mas as próprias decisões
econômicas guiadas pelo desejo de lucro tendem a levar o paradigma tecno-
econômico a contradições insolúveis. É possível apreender, a partir da análise da
experiência do fordismo, que se não houver um arranjo institucional que imponha
medidas benéficas ao conjunto da sociedade (como medidas que combatam o
desemprego), mesmo os fatores econômicos deixam de dar os resultados almejados
e as engrenagens da acumulação capitalista podem parar.

91
4. O DESEMPREGO TECNOLÓGICO NO BRASIL E O IMPACTO DA
PRODUTIVIDADE

4.1. Abertura comercial da década de 90: Emprego, produção


e produtividade

A economia brasileira foi marcada no início da década de 90 pela abertura


comercial, estimulada pela implementação do consenso de Washington, que
defendia, ao menos retoricamente, a liberalização das economias. Este processo foi
fundamentalmente assimilado pelos países não definidores da dinâmica do
capitalismo mundial.

Segundo Baltar & Henrique (1994, p. 605-18), o processo de liberalização da


economia brasileira, implementado com o objetivo de expor a economia do Brasil ao
mercado externo para provocar ganhos de produtividade e elevação da
competitividade do país, provocou mudanças estruturais no nível de emprego
semelhantes às que ocorreram nos países desenvolvidos. Porém as mudanças
ocorridas em países com estruturas semelhantes às do Brasil são muito mais
nocivas, uma vez que os países periféricos não estruturaram um Estado de bem
estar social para amenizar os efeitos do desemprego e da concentração de renda
resultantes desse processo.

Uma política de modernização e sofisticação da economia requereria a


ampliação da capacidade de produção de bens mais sofisticados, voltados a atender
as camadas mais ricas da população, que tendem a reproduzir o padrão de
consumo de países centrais. Todavia, provavelmente tal modernização seria
insuficiente para dar resposta aos dilemas da economia brasileira. Parece mais
factível supor que a ampliação da produção de bens de consumo básico, voltada
para atender o mercado interno, contribuiria de forma mais significativa com a
geração de empregos e a distribuição de renda.

Com a abertura comercial é bastante improvável algum tipo de crescimento


sustentável sem considerar o mercado externo. Torna-se inevitável, portanto, que se

92
estruture a economia imprimindo ganhos de produtividade e que se busque aquilo
que Porter (1990, p. 62) chamou de vantagens de ordem superior, que consiste
prioritariamente em capacitação tecnológica.

O próprio mercado interno pode ser um elemento chave para impulsionar a


robustez e sofisticação de uma indústria. Políticas que promovam elevação
significativa da demanda interna podem ajudar no processo de redução dos conflitos
distributivos e propiciar ampliação da capacidade instalada, permitindo ganhos de
escala. Com a ampliação do mercado interno, a tendência é que os consumidores
se tornem mais exigentes, provocando um upgrading da indústria do país e
preparando-a para possível concorrência externa, por meio da elevação da
produtividade.

O processo descrito acima se distingue do defendido pela visão neoclássica de


elevação de produtividade, uma vez que esta corrente teórica trata a elevação de
produtividade como consequência da exposição de economia ao mercado
internacional – ainda que a economia doméstica não esteja preparada, dada a
assimetria das economias mundiais.

Porter (1993, p. 103-18) acredita que a qualidade da demanda interna é mais


importante do que a quantidade no que diz respeito às vantagens competitivas,
dado que a qualidade da demanda interfere diretamente na sofisticação da indústria,
podendo gerar eficiência dinâmica, que produz resultados de médio e de longo
prazo, diferente da eficiência estática, que proporciona resultados apenas de curto
prazo.

Na década de 1990 o Brasil já contava com um expressivo mercado externo e


com um dos maiores mercados potenciais do mundo, porém com uma estrutura de
mercado incapaz de provocar melhorias substanciais na indústria, uma vez que,
diante da concentração de renda, a demanda por produtos mais elaborados estava
restrito a uma parcela muito pequena da população.

Toyoshima (1997) acredita que um crescimento sólido e de longo prazo,


respaldado em distribuição de renda e elevação das taxas de ocupação, está ligado

93
a investimentos dirigidos a setores dinâmicos da economia, capazes de gerar
inovações tecnológicas e propiciar à economia brasileira eficiência dinâmica.

A autora sugere a existência de um trade-off entre eficiência dinâmica e


eficiência estática. Este se justifica, uma vez que para buscar eficiência dinâmica é
necessário negar os sinais de mercado e optar, ao menos o curto prazo, por
escolhas ineficientes. Setores, como os de telecomunicações, requerem elevados
investimentos em desenvolvimentos de novas tecnologias, pois abrem uma extensa
cadeia produtiva e tende a gerar ganhos de produtividade diretos e indiretos em
diversos outros setores da economia. Por outro lado, o crescimento de tal setor,
além de ser poupador de mão-de-obra, tende a irradiar redução de força de trabalho
em diversos outros setores. O setor citado como exemplo de eficiência estática é o
setor agrícola, pois ainda que possua uma relativa limitação de capacidade de
inovar, tende a ser um setor intensivo em força de trabalho (que conta muitas vezes
com trabalhos degradantes).

Dosi (1988, p. 130) apresenta três tipos de ajustamentos para uma economia no
tocante a políticas de investimentos industriais. I) Ajustamento ricardiano, que se
baseia nos sinais de mercado; II) o ajustamento de crescimento, que se refere a
política de elevação da demanda efetiva, com políticas macroeconômicas
Keynesianas e III) ajustamento Schumpeteriano, que está ligado a políticas de
capacitação tecnológica para produzir bens com maior valor agregado.

4.2. O Brasil na nova economia

Ao debater a inclusão do Brasil na chamada nova economia, Pochmann (2005)


apresenta dados importantes sobre a indústria de tecnologia de informação e
comunicação (ITIC) e identifica a perda de importância da indústria brasileira na
economia mundial.

Pochmann (2005) traz à tona dados sobre esse cenário: de 1950 a 1980, o Brasil
conviveu com taxas de expansão do produto na casa de 7%, mas a partir de 1980

94
passou a registrar taxas de crescimento na casa de 2,1%, pouco acima do
crescimento demográfico, mas abaixo da média mundial. O autor ressalta que o
Brasil sai da participação de 0,7% em 1950 da renda mundial para 3,5% em 1980.
Em 1999 o Brasil poderia representar 5,1% da renda mundial, segundo projeções,
mas retroagiu para 2,8 no final da década de 90. A renda per capita do Brasil em
1930 era de 24% da renda per capita dos países do centro do capitalismo, e em
1980 era de 36,1%. Seguindo a tendência, em 2000 seria de 42%, mas registrou
apenas 27% no ano de 1999, demonstrando assim um rompimento na tendência de
crescimento e dinamismo da economia brasileira.

Quanto à importância da ocupação da indústria brasileira, em 1930 os empregos


na indústria no Brasil representavam 0,8% de ocupação na indústria mundial. Os
empregos industriais representavam 7,6% de todos os empregos no Brasil. Em 1980
os empregos industriais brasileiros representavam 20% da ocupação total e o Brasil
detinha 4% dos empregos na indústria no mundo. Em 1999, o Brasil retroage para
números da década de 40: passa a deter apenas 3,1% dos empregos industriais no
mundo e os empregos na indústria de transformação passam a representar apenas
12% da ocupação no país. O que foi verificado foi uma elevação do nível de
emprego não qualificado e uma redução dos empregos qualificados no período de
1990 a 1998.

Com a intenção de reverter os atrasos do Brasil em sua dinâmica de


desenvolvimento, foi utilizada a metodologia do censo Norte-Americano (NAIC) para
mapear as oportunidades do país se inserir na indústria de tecnologia de informação
e comunicação com base em 4 pilares fundamentais, que representavam os
seguintes sub-setores: “1) indústrias que produzem computadores e equipamentos
(hardware); 2) indústrias de comunicação e de equipamentos; 3) serviços de
computação (software); e 4) serviços de comunicação.” (POCHMANN, 2005, p.
249). A centralidade do setor da ITIC fez com que este chegasse a representar 2,7%
do PIB brasileiro no final da década de 1980, porém com a reestruturação vivida
pela indústria brasileira com a abertura comercial, o setor chega ao final da década
seguinte com um decréscimo de importância, correspondendo, agora, a 2,1% do PIB

95
nacional. No mesmo período ocorreu uma queda de 22% no número de empregos
na ITIC – isso correspondeu à perda de 174 mil empregos em 10 anos.

O autor demonstra que o setor da ITIC vinculado à indústria teve uma perda
significativa frente ao setor da ITIC vinculado a serviço. Dos postos de empregos
industriais perdidos entre 1989 e 1999 na ITIC, 85% foram na indústria de
comunicação e equipamentos, 15% foi indústria de informática e equipamentos. Dos
postos criados, 53% foram em serviço de comunicação e 47% em serviço de
informática.

Com a redução da importância do setor industrial na ITIC no Brasil, se verifica


um processo de crescimento das indústrias maquiladoras, que são as indústrias de
montagem de equipamentos com peças importadas. Esta inversão leva a uma
simplificação da indústria, uma vez que não se desenvolvem tecnologias
internamente, e leva a uma redução de salários, visto que este é um elemento
fundamental na competitividade no comércio internacional. Este processo levou o
Brasil a acumular déficits na balança comercial dado à necessidade de importar
tecnologia. Em 1989, o Brasil tinha um déficit de 0,1 bilhões de dólares na indústria
de comunicação e equipamento, em 1999 passou de 3 bilhões de dólares. No setor
industrial de informática e equipamentos saiu de 0,177 bilhões de dólares, para 2
bilhões no mesmo período.

Mesmo com o setor da ITIC representando um grande problema na balança


comercial brasileira, face ao coeficiente de importação das tecnologias de
informação e comunicação, foi registrado no período em questão um decréscimo
nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento do setor, enquanto seria
pertinente, ampliar a pesquisa onde há déficit de conhecimento tecnológico.

No tocante aos salários, podemos verificar que durante a década de 1990 os


salários representaram 66% dos valores praticados na década de 1980. A maior
parte das ocupações criadas na década de 90 se concentrava em ocupações de
baixa qualificação e elevada precarização do trabalho. Segundo Pochmann (2005),
as ocupações criadas na década de 1990 foram: 23% emprego doméstico, 15%

96
ocupação de vendedor, 10% construção civil, 8% serviço de asseio de conservação
e 6% serviço de segurança.

A criação de empregos menos qualificados na década de 90 derruba por terra o


argumento de que o desemprego existe por baixa qualificação dos trabalhadores. Se
por um lado este apontamento surge em muitos momentos para responsabilizar o
trabalhador pelo conjunto de desarranjos econômicos que geram elevado nível de
desemprego; o argumento do descompasso entre qualificação e oferta de trabalho
só se justificaria em uma economia em processo de elevação de seu conteúdo
tecnológico, com largos investimentos em setores dinâmicos da economia, situação
oposta à realidade do Brasil na década de 1990.

Sem subestimar o papel fundamental da educação para o desenvolvimento


social, político, cultural e econômico de um país, o problema do desemprego na
década de 1990 residia em fatores mais amplos do que a mera qualificação dos
trabalhadores. Ainda que o desemprego na década de 90 tenha subido 620% entre
pessoas com mais de oito anos de instrução e 189% entres pessoas com menos de
oito anos, os dados de redução de importância nos setores estratégicos, com maior
conteúdo tecnológico, parecem responder a esta disparidade na elevação do
desemprego.

Em suma, o ingresso do Brasil na nova economia, baseado em investimentos na


Indústria de tecnologia de informação e comunicação, sofreu fortes retrocessos na
década de 1990, chegando a reproduzir números semelhantes aos de meados do
século XX na economia do país. Este processo pode ser entendido como resultado
da conjuntura econômica mundial, pela implementação das diretrizes presentes no
consenso de Washington, mas deve-se ter em mente que o processo de abertura
comercial, impondo ajustes do tipo ricardiano, empurrou a economia brasileira à
priorização da indústria tradicional, sem projetos consistentes de investimentos em
setores estratégicos.

Enquanto na década de 1990 os Estados Unidos expandiram a importância da


ITIC de 5,8% para 8,3% de participação relativa no PIB – o que rendeu uma
elevação de 1,6 milhões de empregos qualificados, ou, 48,6% nos empregos do

97
setor – no Brasil, no mesmo período, tal indústria perdeu 0,6% de importância
relativa no PIB e reduziu 18,9% dos empregos.

Como poderemos constatar à frente, a perda de importância relativa de setores


dinâmicos, com maior capacidade de inovar, provoca problemas estruturais na
geração de emprego, produtividade e crescimento da economia. O processo de
abertura comercial seria inevitável em um mundo globalizado, mas a forma com que
a economia é exposta ao mercado mundial pode determinar suas estruturas em
longo prazo.

Investimentos em setores estratégicos requerem mais dos que sinais de


mercado, requerem políticas públicas com vistas ao crescimento, elevação de
produtividade, geração de empregos de qualidade. A tecnologia não pode ser vista
como commodities. Uma vez que se caracteriza como bem não comercializável, os
investimentos em setores intensivos de tecnologia dependem de arranjos
institucionais, universidades, centros de pesquisa, recursos públicos e estratégia de
médio e longo prazos.

4.3. Variação do nível de emprego, produtividade e abertura


comercial

No Brasil, no inicio da década de 1990, as indústrias com maior potencial


inovador e dinâmico eram: complexos eletrônicos, metal-mecânico e químico,
indústria automobilística e instrumentos de precisão. Os setores mais dinâmicos
também são os que possibilitam maior potencial de investimentos e sofisticação da
indústria. Ainda que tais setores não sejam grandes geradores de empregos,
tendem a gerar inovações poupadoras de trabalho e, portanto, são fundamentais no
processo de construção de vantagens competitivas. Países capazes de gerar
eficiência dinâmica seriam bem sucedidos no processo de reestruturação industrial
e, segundo Nassif, Santos e Pereira (2008), este processo requer um ajuste do tipo
Schumpeteriano.

98
Para ilustrar a substancial transformação ocorrida na estrutura da indústria
brasileira, Toyoshima (1997) apresenta dados de como a indústria brasileira sofria
com baixa competitividade em quase todo o setor industrial.

Depois de o investimento em capacidade produtiva atingir um nível mínimo


no último trimestre de 1992, de 13,4% do PIB, no ano de 1995 chegou a
18,7% do PIB, Grande parte destes investimentos foi com importação de
maquinaria e equipamentos, ressaltando-se que as importações de bens
de capital aumentaram 48% em 1993, 43% em 1994 e 58% em 1995,
Paralelamente, o investimento direto externo cresceu de US$ 877 milhões
em 1993 para mais de US$ 2,2 bilhões em 1994. Como resultado da
reestruturação industrial no país, a produtividade da mão de obra na
indústria aumentou 56% de 1990 a 1994, sobretudo nos setores de
material elétrico e de comunicações (60,1%), bebidas (52,2%), material de
transporte (50,7%), fumo (49,3%), papel e celulose (47,1%) e mecânica
(46,5%), As indústrias cuja produtividade cresceu menos foram:
farmacêutica (0,5%), de vestuário e calçados (13,2%) e de plásticos
(19,0%) (PINHEIRO, 1995).

Os dados acima demonstram uma elevação substancial de produtividade que,


entretanto, não se relaciona com um crescimento de maturidade tecnológica da
indústria brasileira, uma vez que grande parte deste incremento se deu com
importação de maquinaria e equipamentos. A importação de bens de capital chegou
a crescer 58% em 1995.

A mudança da estrutura industrial atingiu frontalmente o nível de emprego, uma


vez que as indústrias que oferecem maiores oportunidades de emprego foram as
mais impactadas com a queda no nível de ocupação. O trade-off entre modernidade
e emprego parece se confirmar, dado que as industrias tradicionais, intensivas em
utilização de mão de obra, não são capazes de garantir o crescimento de longo
prazo e as indústrias dinâmicas, que contribuem pouco na geração de emprego,
parecem ser as responsáveis pela expansão do crescimento e geração de empregos
– que inclusive tendem a ser melhores – no longo prazo.

99
4.4. Ocupação versus elevação da produção na abertura
comercial

Uma análise da abertura comercial da década de 1990 no Brasil permite


identificar uma variação substancial na produtividade do trabalho e uma modificação
salutar no mercado de trabalho. As mudanças estruturais do capitalismo mundial
provocadas pelo surgimento de novas tecnologias, o novo dimensionamento da
indústria brasileira e a redução da atividade econômica derivada, dificultavam a
identificação dos impactos da elevação da produtividade e no nível de ocupação no
Brasil. Toyoshima (1997, p124-134) trouxe em sua tese dados empíricos bastante
esclarecedores quanto à influência da produtividade no nível de emprego nos
diferentes setores da economia brasileira. A autora, corroborando com os objetivos
de seu trabalho, buscou identificar empiricamente como a abertura comercial da
década de 90 influenciou produtividade e emprego, desta forma fez um recorte de
sua análise com dados de Jan/1991 a Julho/1995.

Para verificar se a tendências de redução do número de trabalhadores por


unidade de produto no Brasil seguia a mesma tendências dos países da Europa
Ocidental, construiu gráficos com índice de produção e dados de emprego de 1991 a
1995, todos obtidos no IBGE. Vejamos quais foram os resultados encontrados em tal
pesquisa de Toyoshima (1997, p. 126 – 132):

100
GRÁFICO 4.1 – Indústria de Transformação

GRÁFICO 4.2 – Indústria de Metalurgia

101
GRÁFICO 4.3 – Indústria Mecânica

GRÁFICO 4.4 – Indústria de Material elétrico e de comunicações

102
GRÁFICO 4.5 – Indústria de material de transporte

GRÁFICO 4.6 –Madeira

103
GRÁFICO 4.7 - Mobiliário

GRÁFICO 4.8 – Indústria de Papel e Papelão

104
GRÁFICO 4.9 – Indústria Química

GRÁFICO 4.10 – Indústria farmacêutica

105
GRÁFICO 4.11 – Indústria Têxtil

GRÁFICO 4.12 – Indústria de produtos alimentares

FONTE: TOYOSHIMA (1997, p. 126 – 132)

106
No período analisado, pode ser claramente observado um processo de elevação
da produção, com a manutenção ou mesmo redução do nível de ocupação na
indústria. Pode ser observado que a elevação de produção por trabalhador cresce
de acordo com os diferentes níveis de produtividade e dinâmica de cada indústria. A
autora chama atenção para o fato de que os setores que registraram maior elevação
de produtividade foram os das indústrias com maior capacidade de desenvolver
eficiência dinâmica, ou seja, com maior capacidade promover inovações
tecnológicas.

Os dados também demonstram maior instabilidade no nível de emprego e


produção nos setores mais tradicionais da indústria. Este fenômeno se dá pelo fato
dos setores mais tradicionais serem menos intensivos em tecnologia e, desta forma,
utilizarem força de trabalho menos qualificada. Com isso, a indústria pode variar o
número de ocupações no setor, em consonância com a variação de produção, sem
contrair maiores prejuízos caso tenham que repor os postos de trabalho.

O que ficou evidente nos dados apresentados é que a abertura comercial


observada no período de 1991 a 1995 elevou a produção por pessoa ocupada,
porém a redução do nível de emprego e a elevação da produtividade não ocorreram
de forma homogênea em toda a indústria. Os setores mais dinâmicos da indústria –
como a indústria mecânica e de material de transporte – elevaram a produtividade e
mantiveram o nível de emprego ao patamar de jan/1991 com uma significativa
elevação da produção. Os setores tradicionais da economia, detentores de menor
dinamismo, sofrerem com maior redução do emprego, maior oscilação da produção
e menor ganho de produtividade.

4.5. Emprego e produtividade na década de 90, período de


abertura Comercial.

Como foram verificados nos levantamentos empíricos anteriores, existe certa


regularidade distinta na variação de emprego e produto de setores tradicionais, para
setores mais dinâmicos da economia. Identificar esta regularidade é fundamental

107
para definir uma estratégia de ajuste na indústria, considerando os objetivos de
geração de emprego e crescimento do produto. Toyoshima (1997) traz à tona o
trabalho de Najberg & Vieira (1996), que busca relacionar 41 setores da economia
com seu potencial de geração de emprego e geração de crescimento da economia,
utilizando a metodologia da matriz insumo-produto. Na tabela baixo foi utilizado o
Modelo de Geração de Empregos do BNDES que estabelece as seguintes
definições sobre as variáveis analisadas:

a) Emprego direto: Corresponde à mão de obra adicional requerida pelo


setor onde se observa o aumento de produção. Por exemplo, um aumento
de demanda por vestuário impulsionará as empresas do setor a
aumentarem sua produção, de forma a atender esse aumento de procura,
contratando novos trabalhadores. No caso específico do emprego direto,
portanto, haverá variação no nível de emprego no setor onde ocorreu o
aumento de demanda.b) Emprego indireto: Corresponde aos postos de
trabalho que surgem nos setores que compõem a cadeia produtiva, já que
a produção de um bem final estimula a produção de todos os insumos
necessários à sua produção. No exemplo anterior, para que sejam
fabricadas roupas adicionais, é necessária a produção de fios e algodão,
entre outros produtos, estimulando a indústria têxtil e a agricultura e
gerando novos postos de trabalho nesses setores. Desse modo, um
aumento de demanda em um setor específico (no caso Vestuário) provoca
um aumento de produção não apenas do setor, mas ao longo de toda a
cadeia produtiva.c) Emprego efeito-renda: Obtido a partir da transformação
da renda dos trabalhadores e empresários em consumo. Parte da receita
das empresas auferida em decorrência da venda de seus produtos se
transforma, através do pagamento de salários ou do recebimento de
dividendos, em renda dos trabalhadores e dos empresários. Ambos
gastam parcela de sua renda adquirindo bens e serviços diversos,
segundo seu perfil de consumo, estimulando a produção de um conjunto
de setores e realimentando o processo de geração de emprego. No
exemplo anterior, um aumento da demanda de vestuário gera empregos
diretos no próprio setor e indiretos na indústria têxtil e na agropecuária, por
exemplo, que fornecem parte dos insumos necessários para a produção
das novas roupas. Esses trabalhadores adicionais, ao receberem seus
salários, gastam uma parte de sua renda em consumo, comprando
alimentos, consumindo serviços diversos, como restaurantes ou cinemas,
e inclusive comprando roupas, o que aumenta ainda mais a demanda e os
empregos no setor (Najberg e Pereira, 2004, p 1).

108
TABELA 4.1 - GERAÇÃO DE EMPREGO E DE CRESCIMENTO E IMPORTAÇÃO
DOS SETORES DA ECONOMIA BRASILEIRA

Emprego (ordem)
Setors- Import.
Código Setores Efeito-
Direto Indireto Total chave (Ordem)
Renda
1 Vestuário 1 15 8 1 Sim 33
2 Agropecuária 2 14 9 2 Sim 34
3 Madeira e mobiliário 4 8 10 3 Sim 30
4 Calçados 5 9 30 4 Sim 12
5 Comércio 3 36 7 5 Não 36
6 Abate de animais 27 1 13 6 Sim 37
7 Indústria do café 28 2 12 7 Sim 40
8 Outros prod. aliment. 8 7 27 8 Sim 14
9 Ind. Laticínios 35 3 15 9 Sim 32
10 Benef. Prod. Vegetais 23 5 25 10 Sim 10
11 Óleos vegetais 40 4 19 11 Sim 16
12 Administração pública 6 35 3 12 Não 35
13 Açúcar 25 6 16 13 Sim 27
14 Serv.Prest. À família 7 17 26 14 Não 28
15 Min. Não-Metálicos 11 20 17 15 Sim 23
16 Elementos Químicos 41 34 41 16 Sim 13
17 Construção civil 9 23 33 17 Não 31
18 Têxtil 17 12 22 18 Sim 18
19 Extrativa mineral 10 27 18 19 Não 21
20 Outros metalúrgicos 13 21 20 20 Sim 22
21 Indústrias diversas 15 25 11 21 Não 26
22 Cel. Papel 21 11 21 22 Sim 15
23 Transportes 12 32 39 23 Não 5
24 Serv.Prest.à empresa 14 37 4 24 Sim 40
25 Peças e out. veículos 19 19 29 25 Sim 11
26 Siderurgia 38 13 34 26 Sim 9
27 Autom. Cam. E. onibus 32 16 31 27 Sim 16
28 Borracha 22 22 36 28 Sim 8
29 Artigos plásticos 16 33 28 29 Não 20
30 Máquinas e equipamentos 30 28 14 30 Sim 19
31 Fannac. E veterinária 29 18 35 31 Não 3
32 Material elétrico 31 24 24 32 Não 17
33 Comunicações 18 39 24 33 Não 25
34 Quúnicos diversos 20 29 24 34 Não 4
35 Petróleo e gás 39 31 24 35 Não 24
36 Inst. Financeiras 26 41 24 36 Não 39
37 Metal. Não-ferrosos 36 26 24 37 Sim 6
38 Aluguel de imóveis 37 40 24 38 Não 41
39 Equip. eletrônicos 34 30 24 39 Não 2
40 Serv.lnd. Util 33 38 24 40 Não 7
41 Refino de petróleo 41 34 24 41 Sim 1
FONTE: Najberg e Vieira (1996)

109
No trabalho as autoras demonstram que os nove setores que mais geram
crescimento estão ente os 12 que mais geram empregos. Também fica claro que os
setores tradicionais também necessitam de pouca importação para ampliar a
produção. Com o objetivo de demonstrar em que posição os setores se encontram
no que diz respeito à geração de emprego e crescimento econômico, as autoras
disponibilizam um gráfico que faz uma divisão dos setores em quatro quadrantes
que estabelecem os setores que estão acima e abaixo da média de geração de
emprego e crescimento.

110
GRÁFICO 4.13 - CRESCIMENTO ECONÔMICO X GERAÇÃO DE
EMPREGO

FONTE: a) Toyoshima (1997)


b) Com dados de Najberg & Vieira (1996)

111
As autoras fazem os seguintes esclarecimentos quanto ao gráfico:

A linha vertical no centro representa a média dos setores em termos de


geração de crescimento econômico e a linha horizontal, a média dos
setores em termos geração de emprego. Assim, no Quadrante I
encontram-se os setores que estão acima da média em relação à geração
de emprego, mas abaixo da média quanto a ser importante impulsionador
do crescimento econômico. Nele estão compreendidos a agropecuária, o
comércio, os serviços prestados à família e a administração pública. No
Quadrante lI se encontram aqueles setores que estão acima da média
quanto àqueles dois fatores. São eles: de vestuário, madeira e mobiliário,
calçados, abate de animais, industrialização de café, outros produtos
alimentícios, laticínios, produtos vegetais, óleos vegetais e açúcar.
Observa-se, assim, que se encontram neste quadrante somente as
indústrias tradicionais. No Quadrante III estão aqueles setores que estão
abaixo da média nos dois fatores. São eles: extrativa mineral, petróleo e
gás, refino de petróleo, equipamentos eletrônicos, químicos diversos,
farmacêutica e veterinária, artigos plásticos, indústrias diversas, serviço
industrial de utilidade pública, transportes, comunicações, instituições
financeiras, serviços prestados à empresa e aluguel de imóveis. No
Quadrante IV se encontram os setores que são impulsionadores do
crescimento, mas que geram emprego abaixo da média dos setores, como
o siderúrgico, metalúrgico, de automóveis, caminhões e ônibus, de
autopeças, de máquinas e equipamentos, de material elétrico, de celulose,
papel e gráfica, de borracha, de elementos químicos e têxteis. Por fim, o
setor de construção civil e o de minerais não metálicos se encontram na
média em termos de geração de emprego, mas o primeiro está abaixo da
média quanto ao fator crescimento econômico e o segundo, acima da
média (TOYOSHIMA, 1997, p 139).

No gráfico podemos perceber como os setores tradicionais possuem uma


elevada importância no que diz respeito à geração de emprego e impulso ao
crescimento econômico. Os setores tradicionais encontram-se na economia
brasileira no quadrante II, estando assim acima da média de geração de emprego e
crescimento. Dada a estrutura da economia brasileira, os setores mais dinâmicos
estão não só abaixo da média na geração de emprego, como também abaixo na
variável de crescimento. Podemos observar ainda que nos setores tradicionais
concentram-se nos gastos da população mais pobre, uma vez que 55% dos gastos

112
desta população estão nos setores de alimentos bebidas e vestuários
(TOYOSCHIMA, 1997).

A pesquisa de Najberg e Vieira (1996) nos permite entender a estrutura da


indústria em um momento chave para a economia brasileira, momento de abertura
comercial e exposição ao mercado mundial, estando o Brasil com uma indústria
ainda não madura em termos de produtividade.

4.6. Análise empírica de 2001 a 2002 do Modelo de Geração


de Emprego.

No trabalho Najberg e Pereira (2004) foram analisadas as variáveis: geração de


emprego, elevação da produção, variação da produtividade e efeito renda, utilizando
o Modelo de Geração de Empregos do BNDES (MGE). O trabalho citado busca uma
analise dinâmica do reposicionamento dos setores da indústria brasileira com dados
de 2001 e 2002 do IBGE. Ainda que o período observado seja demasiadamente
curto, a relevância do trabalho Najberg e Pereira (2004) reside no fato de Najberg ter
participado 8 anos depois de um trabalho reproduzindo uma metodologia
semelhante a observada no trabalho Najberg & Vieira (1996). O debate apresentado
em 1996 esteve fortemente influenciado pelo processo e abertura comercial do
Brasil e grande parte das discussões residia em identificar se a abertura comercial
era geradora ou destruidora de empregos no país e quais seriam os efeitos da
variação de produtividade na estrutura da indústria brasileira. No trabalho Abertura
comercial criando ou exportando empregos de Moreira e Najberg (1997), que não
trataremos com profundidade, foi utilizado instrumental empírico para afirmar que
abertura comercial destrói empregos e leva o Brasil a uma especialização em
setores da indústria pouco intensivos em tecnologia no curto prazo, mas tende a
ocorrer uma mudança substancial em médio e longo prazo, com geração de mais e
melhores empregos e com elevação de tecnologia, mesmo em setores mais
tradicionais.

113
Assim, analisaremos os dados do trabalho de Najberg e Pereira (2004) para
observar se ocorreu um reposicionamento dos setores da indústria no período
imediatamente posterior ao processo de abertura comercial ocorrido na década de
1990. Com isso, pavimentaremos o caminho para uma análise do trabalho de Nassif,
Santos e Pereira (2008), que realiza um estudo de mais fôlego, com um horizonte de
tempo mais largo e conclusões teóricas mais substanciais.

O Modelo de Geração de Emprego do BNDES analisado por Najberg e Pereira


(2004) é um modelo que permite verificar o potencial de geração de empregos
diretos, indiretos e efeito renda, diante de um aumento de 10 milhões na produção
dos diferentes setores da economia, conforme a tabela abaixo. O modelo utilizado
no artigo em questão pressupõe retornos constantes de escala, o que gera uma
limitação para o modelo, mas não descarta seus resultados. A coluna de Rank
apresenta em ordem decrescente em que posição a variável analisada está em
números de empregos gerados. Para facilitar a visualização dos dados, colocamo-
nos na ordem decrescente de geração de empregos totais, como se pode observar
na tabela abaixo:

114
TABELA 4.2 - Empregos Gerados por Aumento de Produção de R$ 10 milhões
(preços médios de 2003)

EMPREGO
SETOR EFEITO-
Diretos Rank Indiretos Rank Rank TOTAL Rank
RENDA
SERV. PREST. À FAMÍLIA 665 1 104 25 311 4 1080 1
ARTIGOS DO VESTUÁRIO 613 2 136 13 250 25 1000 2
AGROPECUÁRIA 393 4 131 15 303 7 828 3
COMÉRCIO 449 3 84 31 278 15 810 4
MADEIRA E MOBILIÁRIO 293 6 219 8 294 8 805 5
INDÚSTRIA DO CAFÉ 41 23 356 2 323 3 719 6
FABRICAÇÃO CALÇADOS 246 7 174 10 290 9 711 7
FABRICAÇÃO DE AÇÚCAR 32 29 307 6 337 1 677 8
ABATE DE ANIMAIS 36 27 358 1 270 18 664 9
PREST. SERV. À EMPRESA 293 5 63 37 288 12 645 10
BENEF. PROD. VEGETAIS 58 20 327 4 259 23 643 11
FAB. ÓLEOS VEGETAIS 8 40 350 3 284 13 642 12
INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS 29 30 326 5 267 19 621 13
OUTROS PROD. ALIMENT. 82 16 238 7 252 24 572 14
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 165 10 98 27 290 10 553 15
TRANSPORTES 219 8 96 29 237 29 551 16
CONSTRUÇÃO CIVIL 176 9 83 33 271 16 530 17
INDÚSTRIAS DIVERSAS 124 11 126 16 250 26 501 18
ELEMENTOS QUIMICOS 14 37 188 9 289 11 491 19
CELULOSE, PAPEL E GRÁF. 59 19 155 11 271 17 485 20
EXTRAT. MINERAL 90 14 126 17 266 20 481 21
MINERAL Ñ METÁLICO 99 12 117 20 261 21 477 22
OUTROS METALÚRGICOS 98 13 109 22 244 27 451 23
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS 47 21 80 35 310 5 437 24
PETRÓLEO E GÁS 9 38 84 30 329 2 422 25
MÁQUINAS E EQUIP. 62 17 80 34 278 14 420 26
SIDERURGIA 8 39 135 14 259 22 402 27
PEÇAS E OUT. VEÍCULOS 37 26 117 21 234 30 387 28
IND. TÊXTIL 62 18 144 12 176 41 382 29
FARMAC. E VETERINÁRIA 38 24 117 19 222 33 377 30
MATERIAL ELÉTRICO 37 25 121 18 213 34 371 31
ARTIGOS PLÁSTICOS 88 15 68 36 206 38 362 32
IND. DA BORRACHA 23 32 108 23 229 31 360 33
QUÍMICOS DIVERSOS 26 31 99 26 213 35 339 34
EQUIP. ELETRÔNICOS 41 22 83 32 208 36 332 35
ALUGUEL DE IMÓVEIS 15 36 10 41 307 6 331 36
AUTOM./CAM/ONIBUS 16 35 108 24 203 39 326 37
METALURG. Ñ FERROSOS 18 34 97 28 202 40 316 38
COMUNICAÇÕES 33 28 45 39 227 32 305 39
S.I.U.P. 21 33 41 40 238 28 299 40
REFINO DO PETRÓLEO 2 41 62 38 208 37 271 41
FONTE: NAJBERG E PEREIRA, 2004,
DADOS DO Modelo de geração de Empregos – BNDES

115
GRÁFICO 4.14 - Gráfico de Empregos Gerados por Aumento de Produção de
R$ 10 milhões
(preços médios de 2003)
FABRICAÇÃO DE AÇÚCAR

INDÚSTRIA DO CAFÉ

INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

AGROPECUÁRIA
EFEITO-
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA RENDA

ELEMENTOS QUIMICOS
Indiretos
FAB. ÓLEOS VEGETAIS

COMÉRCIO
Diretos
CONSTRUÇÃO CIVIL

INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS

MINERAL Ñ METÁLICO

BENEF. PROD. VEGETAIS

INDÚSTRIAS DIVERSAS

OUTROS METALÚRGICOS

TRANSPORTES

IND. DA BORRACHA

FARMAC. E VETERINÁRIA

MATERIAL ELÉTRICO

EQUIP. ELETRÔNICOS

AUTOM./CAM/ONIBUS

IND. TÊXTIL

0 100 200 300 400 500 600 700

FONTE: a) Modelo de geração de Empregos – BNDES


b) Elaboração própria a partir da matriz insumo-produto de 1990 do IBGE e da tabela
de NAJBERG E PEREIRA, 2004,

116
Com base no modelo de geração de empregos do BNDES podemos visualizar
que o aumento de R$ 10 milhões nos diferentes setores da economia, provocavam
efeitos distintos nos tipos de empregos gerados entre os setores analisados. É
possível constatar, a partir da análise dos dados observados na tabela 4.2, que o
setor que mais gera empregos, na somatória das três categorias analisadas, é o
setor de serviços prestados à família, com geração de 1.080 postos, seguido por
artigos de vestuário, com geração total de 1.000 vagas de emprego. Em seguida,
com pouco mais de 800 postos, vem agropecuária, comércio e madeira e mobiliário.

Os piores colocados quando verificamos a soma total dos empregos gerados em


tal metodologia são respectivamente refino de petróleo, serviço industrial de utilidade
pública (S.I.U.P), comunicações e metalurgia de não ferrosos. Uma possível
explicação para a baixa geração de emprego total em tais setores é que estes são
os mais dinâmicos da economia e contam com uma elevada concentração de
capital, assim, tendem a ser menos impactados por uma elevação de receita,
quando comparados a setores menos intensivos em capital.

Quando analisamos a mesma tabela com base na geração de empregos diretos,


os cinco mais bem colocados são os mesmos setores dos maiores geradores totais
de emprego, porém o quadro se modifica quando analisamos os piores geradores de
empregos diretos. São estes, na ordem: Refino de petróleo, Siderurgia, fabricação
de óleos vegetais, petróleo e gás e elementos químicos. Os setores que geram
menos empregos diretos são os setores de maior intensidade tecnológica.

Quando fazemos uma análise com base nas colunas de efeito-renda e geração
de empregos indiretos, verificamos uma maior dispersão na geração de empregos
entre setores dinâmicos e tradicionais. Isso ocorre porque, apesar dos setores
tradicionais serem mais intensivos em mão de obra, os setores mais dinâmicos tem
uma cadeia produtiva mais complexa, o que provoca um efeito de irradiação mais
longo na economia como um todo.

No trabalho de Najberg e Pereira (2004), a exemplo do trabalho de Najberg &


Vieira (1996), não basta a identificação dos setores com maior capacidade de

117
geração de emprego, uma vez que, se esta geração não estiver ligada com uma
elevação de produtividade, tal geração de emprego tende a não ser sustentável no
longo prazo em uma economia globalizada. Um estudo que vise contribuir na
elaboração de eficientes políticas de geração de emprego, deve considerar também
os recorrentes casos de empregos de baixa qualidade, baixa remuneração e
elevada informalidade que se apresentam em boa parte dos casos na indústria
tradicional.

Najberg e Pereira (2004) apresentam uma tabela dinâmica que mede o avanço
da produtividade no período analisado:

118
TABELA 4.3 - Tabela de evolução da Produção e do Emprego entre 2001
e 2002

FONTE : NAJBERG E PEREIRA, 2004,

Para uma melhor visualização do potencial dos diversos setores quanto a sua
capacidade de geração de crescimento e emprego, o trabalho de Najberg e Pereira

119
(2004) apresentou um gráfico de quatro quadrantes para analisar as variáveis. A
novidade que o gráfico abaixo trás é uma reta diagonal que estabelece o
desempenho dos setores quanto a sua produtividade:

GRÁFICO 4.15 - Variação da produtividade setorial entre 2001 e 2002

FONTE: NAJBERG E PEREIRA, 2004,

Quando verificamos a dispersão dos setores no gráfico, podemos tirar algumas


conclusões salutares quanto à capacidade de geração de emprego. Mais do que
verificar a quantidade de empregos criados, é necessário identificar quantos destes
empregos estão em setores que tendem a ampliar sua capacidade produtiva e
quantos destes podem abrir novas oportunidades de investimentos com ampliação
ou diversificação da cadeia produtiva.

Dos setores com maior capacidade de geração de empregos totais ou diretos


verificou-se que apenas o setor de Agropecuário contou com elevação da
produtividade em 3,1%. O setor com maior capacidade de gerar empregos no

120
período analisado, que é o de serviço prestado à família, contou com uma redução
de 2,7% na produtividade, seguido pelo de artigos de vestuário, com uma grande
redução de produtividade de 7,9%. O setor do comércio sofreu queda de 5,1% de
produtividade e o de Madeira e mobiliário redução de 4,4% de produtividade.

Dentre os setores com menor capacidade de geração de emprego no período


analisado, temos o Refino de Petróleo com queda de 3,3% de produtividade; o setor
de utilidade Pública, que contou com um ganho de produtividade na casa de 0,7%;
seguido pelo terceiro pior em geração de empregos e o segundo melhor em
produtividade, que é o setor de Comunicações com 9,8% de produtividade. Em
seguida, o setor de Metalurgia de não Ferrosos, com perda de 2,9% de
produtividade e o setor automotivo que não ganhou nem perdeu produtividade no
período analisado.

A definição utilizada para elevação da produtividade é dada pela redução


quantidade de trabalhadores para produção de determinada quantidade de produto.
Naturalmente um setor que reduz a produtividade tende a utilizar mais força de
trabalho, porém a redução da produtividade deve causar uma redução de
competitividade, elevação de preço e possível redução de demanda no longo e
médio prazo.

Como os dados utilizados neste trabalho são de um período relativamente curto,


é difícil diferenciar tendências estruturais de tendências conjunturais, porém este nos
permite identificar setores de maior ou menor instabilidade quanto ao crescimento e
geração de empregos.

4.7. Análise setorial de 1994 a 2006 com modelo dinâmico e


retornos não constantes no modelo de geração de emprego.

O trabalho de Nassif, Santos e Pereira (2008) traz uma análise empírica da


indústria brasileira, considerando um período mais longo que os estudos
anteriormente citados. Este trabalho nos permite de verificar se existem mudanças

121
substanciais na estrutura industrial brasileira do período da abertura comercial a
meados da década de 2000. Tal análise ganha relevância dado a mudança de
discurso político quanto a relação entre Estado e mercado na transição dos
governos Fernando Henrique Cardoso para os governos Luiz Inácio da Silva. Se a
abertura comercial ocorreu principalmente durante os governos Fernando Collor e
Fernando Henrique Cardoso e estes foram marcados por um discurso de
liberalização comercial, redução do Estado na economia e privatização, nos
governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o discurso foi – no caso do
governo Dilma é – pautado por um Estado indutor da economia, com política
industrial e programas sociais voltados para geração de emprego e renda.

O estudo de Nassif, Santos e Pereira (2008) não nos permite apontar


solidamente tendências de longo prazo, mas nos permite verificar se ocorreram
mudanças substanciais na estrutura industrial brasileira e identificar se os setores
que ganharam maior relevância foram os maiores geradores de emprego, de
crescimento, ou de produtividade.

O estudo utiliza o novo modelo de geração de emprego do BNDES, reformulado


pelo Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O novo modelo possibilita atualizar a matriz
insumo-produto e imprime uma sofisticação frente aos anteriores, uma vez que
flexibiliza a hipótese de que todos os setores obtêm retornos constantes de escala.
O novo modelo utilizada a desagregação da economia em 42 setores,
estabelecendo 3 esferas de produção econômica que são: agropecuária, industrias e
serviços.

Iniciando pelos grandes agregados setoriais, para um aumento simultâneo


de demanda de R$ 10 milhões em cada setor, a agropecuária lidera o
ranking quanto à capacidade potencial de gerar empregos (total de 1.054),
seguida pelo setor de serviços (744) e pela indústria (619). Numa análise
um pouco menos agregada, dos cinco segmentos com maior potencial
gerador de mão de obra na economia brasileira, quatro estão situados no
setor de serviços: os serviços prEstados às famílias (1º no ranking), o
comércio (3º), os serviços prEstados às empresas (4º) e a administração

122
pública (5º). A agropecuária fica com a segunda colocação (NASSIF,
SANTOS e PEREIRA, 2008, p. 162).

TABELA 4.4 – Estimativa dos empregos gerados na agropecuária, indústria e


serviços em 2007, em resposta a aumentos na produção de R$ 10 milhões
(A preços médios do ano)

FONTE: Nassif, Santos e Pereira (2008)

Quando a análise se dá por setores mais agregados (como foi apresentado na


tabela 4.4), verifica-se que o setor de serviços ocupa do primeiro ao sexto lugar, com
exceção apenas do segundo lugar, que é ocupado pelo setor agropecuário. A
indústria só aparece no sétimo lugar, com a indústria de transformação, com
potencial de geração de 638 empregos totais.

123
GRÁFICO 4.16 – Estimativa dos empregos gerados na economia brasileira em 2007,
em resposta a aumentos de produção de R$ 10 milhões (A preços médios do ano)

FONTE: Nassif, Santos e Pereira (2008)

O estudo nos mostra que o novo modelo de geração de empregos com dados de
2007 e com uma metodologia mais sofisticada também
também apresenta os setores
tradicionais como maiores geradores de emprego totais e diretos. O primeiro
colocado em geração de emprego totais é um setor da indústria tradicional que,
segundo o modelo com 42 setores geraria 1.496 empregos, seguido pelo setor de
serviços prestados à família, com 1.261 empregos gerados e, logo após, vem o setor
de agropecuária, com geração de 1.054 empregos dado um acréscimo de 10
milhões na produção do respectivo setor.
setor. Vale ressaltar que os 13 piores colocados
em geração de emprego são setores da indústria de transformação, que são os
setores mais intensivos em tecnologia e possuidores de maior capacidade de
inovação.

124
Como já foi tratado anteriormente, a análise dos setores sem considerar a
dinamicidade de setor com base na variação de produtividade é incapaz apontar
para uma política industrial eficiente. Vejamos os gráficos abaixo, que relacionam a
variação da produtividade entre os anos de 1994 e 2003:

125
GRÁFICO 4.17 – Produtividade do trabalho (valor adicionado/pessoal
ocupado na agropecuária, indústria e serviços em 1994 e 2003
(em R$ milhares constantes de 2003)

FONTE: Nassif, Santos e Pereira (2008)

126
TABELA 4.5 – Produtividade do trabalho na Economia Brasileira em 2003
(em R$ milhares por trabalhador)

FONTE: Nassif, Santos e Pereira (2008)

127
Como era de se esperar, os segmentos com maiores índices de produtividade
são os mais intensivos em tecnologia. Esta observação é relevante, pois se choca
com a constatação anterior sobre a geração de emprego e crescimento. Quando
verificamos o gráfico que confronta os dados de produtividade de 1994 com 2003,
verificamos que no setor industrial se concentra mais da metade da produtividade da
economia brasileira. Nos dados de 1994 a indústria representava 52% da
produtividade total da economia, em 2003 a importância da produtividade da
indústria cresceu para 56%. Tanto o setor de serviços quanto o de agropecuária
tiveram redução de produtividade entre 1994 e 2003.

Os setores com maior produtividade segundo a tabela acima foram os de


utilidade pública, que em sua maioria representam monopólios naturais como
produção e distribuição e energia elétrica, água, gás e saneamento básico. Estes
dados sugerem que os sinais de mercado são importantes para elevação da
produtividade, mas em hipótese alguma são suficientes para uma escalada
permanente e duradoura de produtividade.

A tabela aponta que os setores com maior capacidade de geração de emprego,


mesmo com os dados de 1994 a 2003, são os piores colocados quanto à
produtividade, com isso tendem não sustentar crescimento e geração de emprego
no longo prazo. Os melhores colocados em crescimento de produtividade são
intensivos em capital e englobam setores com alta e média intensidade de
tecnologia.

Podemos observar no gráfico abaixo as supostas dicotomias de


crescimento/emprego e produtividade. A exemplo do trabalho de Najberg e Pereira
(2004), o gráfico abaixo capta a dispersão dos setores da economia entre geração
de emprego, crescimento econômico e produtividade. O gráfico expressa dados
dinâmicos de 1994 a 2003, assim demonstra a variação do crescimento, ocupação e
produtividade.

128
GRÁFICO 4.18 – Dinâmica do Valor adicionado, emprego e produtividade
na Economia Brasileira (1994-2003)

FONTE: a) Nassif, Santos e Pereira (2008)


b) Dados do IBGE

O gráfico acima nos traz informações de grande relevância para os objetivos


desta análise, uma vez que confronta a estrutura produtiva brasileira de dois
períodos distintos. A distinção entre os dois momentos analisados estão no campo
político, uma vez que o discurso voltado à liberdade do mercado passa a se voltar
para ações de Estado, a outra distinção reside nas profundas transformações
tecnológicas presenciadas no mundo, em um curto espaço de tempo.

Ainda que não se possam fazer constatações seguras de tendências de longo


prazo, em um gráfico dinâmico podemos verificar não só a estrutura atual da
indústria, mas também em que direção caminha a economia brasileira no tocante à
geração de emprego, crescimento e produtividade. De certa forma, ainda que o
Brasil não seja um país definidor da dinâmica do capitalismo mundial e não tenha

129
uma indústria marcada pela inovação, em um ambiente de concorrência mundial,
entender as tendências da estrutura produtiva brasileira também é dar passos para
entender as estruturas produtivas do capitalismo contemporâneo.

No que diz respeito a geração de emprego e crescimento, o ideal é que todos os


setores ocupem o quadrante superior direito, que corresponde a um crescimento
elevado, com elevada geração de emprego. Mas se pensarmos em evolução da
indústria, com progresso tecnológico, competitividade e sustentação de crescimento
e emprego no longo prazo, é necessário que os setores estratégicos estejam no
quadrante superior direito, mas acima da reta inclinada, que indica a produtividade
acima da média da economia.

O que podemos verificar no gráfico dinâmico é que o setor que conseguiu maior
produtividade com geração de empregos foi o de Extração de Petróleo e Gás
Natural, Carvão e Outros Combustíveis. Com taxa de produtividade, em 2003, de R$
736,8 mil por trabalhador, este setor esteve como o mais bem colocado em todas as
variáveis. Em seguida veio o setor de Comunicações, com R$ 163,6 mil por
trabalhador de produtividade em 2003. O setor de vestuário aparece em seguida,
nos quesitos produtividade e geração de emprego. O setor de Fabricação e
Manutenção de Máquinas e Tratores não se destacou tanto em geração de
crescimento, mas atingiu a mesmo marca que o setor de comunicações na geração
de emprego, estando ainda acima da produtividade média. Na lista dos setores que
mais geraram empregos com crescimento de produtividade vem administração
pública; papel e gráfica e aluguel de imóveis. Quando observamos os setores que
contribuíram mais com crescimento e com produtividade acima da média,
verificamos o setor da indústria do açúcar, que apresentou produtividade, em 2003,
na marca de R$ 88,6 mil por trabalhador; em seguida vem a indústria do café, com
R$ 56,9 mil por trabalhador; siderurgia, com R$ 278,6 mil por trabalhador em 2003;
Fabricação e Refino de Óleos Vegetais e de Gorduras para Alimentação, e ainda o
setor de químicos diversos.

O que podemos constatar em tal analise dinâmica é que mesmo os setores


tradicionais intensivos em trabalho tendem a absorver menos trabalhadores por

130
unidade de produto em função do progresso tecnológico. O gráfico demonstra que
independente de estarmos verificando crescimento/produtividade ou
emprego/produtividade, os setores que aparecem melhor localizados são os mais
dinâmicos, que registram maiores saldos em progresso tecnológico. Assim se é
possível apontar para alguma tendência no que diz respeito a crescimento, geração
de emprego e variação de produtividade é que, ainda que os setores tradicionais se
posicionem como maiores geradores de emprego e crescimento em números
absolutos e em curto prazo, os setores mais dinâmicos, com maior conteúdo
tecnológico possuem uma taxa de crescimento, nas três variáveis, maior que os
setores tradicionais e com maior potencial à sustentabilidade.

4.8. Elevação de emprego com aumento da demanda por


ganhos de produtividade: Ajuste do tipo Crescimento.

A elevação da produtividade do trabalho expressa um processo de


racionalização da produção, uma vez que, é necessário menos tempo de trabalho
para produzir uma unidade de mercadoria. A elevação da produtividade tende a
gerar redução de preço e elevação de demanda. Se a racionalização do trabalho
gerar expansão econômica e empregos, a depender do nível da expansão, não
haverá desemprego tecnológico. Isso por um fator evidente, de que só existe
desemprego tecnológico se houver desemprego (Belculfiné, Oliveira, 2004).

A ampliação de demanda, seja por quantidade ou qualidade de produtos, pode


ocasionar uma elevação da necessidade de produção e, com isso, mesmo com uma
força de trabalho com maior produtividade, é necessário que se eleve o número dos
postos de trabalho.

Evidentemente, a geração de emprego varia de acordo com as estruturas de


cada economia. Uma economia com elevado nível de desigualdade como a
brasileira, co-existe com uma demanda reprimida por bens básicos, dado a
inexistência de renda. Ao baratear alguns produtos, a elevação da produtividade
expande a possibilidade de consumo destes, elevando a demanda efetiva pela sua

131
produção, gerando também maior demanda por trabalho. Porém, quando esta
demanda se restringe a bens básicos, a limitação deste tipo de geração de emprego
encontra-se na quantidade de pessoas que estavam cerceadas do acesso a esta
categoria de bens.

Ocorre que o tipo de crescimento é limitado à medida que tal economia faça
movimentos no sentido de reduzir a concentração de renda, promovendo a inclusão
daqueles antes excluídos do mercado de consumo. Isso indica que economias que
já atenderam as necessidades básicas de sua população tenha pouca capacidade
de gerar postos de trabalho com esta estratégia.

Quando tratamos de elevação de nível de emprego, derivada da redução de


preço, com ganhos da produtividade e elevação da demanda por produtos mais
sofisticados, as limitações são menores. Algumas das justificativas são: i) A
elasticidade preço de bens mais elaborados é maior. O consumidor médio tem a
plena ciência de quanto, que tipo e quando deve consumir de arroz e provavelmente
não descobrirá outra modalidade de utilização de tal produto, distinta das que ele
utiliza. Porém o uso de equipamentos sofisticados como um tablet ainda está se
inserindo em sua vida, com cada vez mais ramificações de utilização em seu dia-a-
dia. ii) Existência de maior diferenciação de produtos. O fato de o consumidor
possuir um notebook não o impede de desejar adquirir outro com maior capacidade,
ou diferente configuração. Este poderá ainda adquirir produtos análogos, que até o
momento possuem as mesmas funcionalidades, mas outras facilidades, como por
exemplo, um tablet. iii) Maior efeito renda e maior irradiação de inovações em outros
setores da economia. Produtos mais sofisticados tendem a possuir uma cadeia
produtiva maior que aqueles não complexos, a exemplo da extensa cadeia produtiva
de um carro com computador de bordo e comparação com um produto alimentício. A
sofisticação e ganhos de produtividade de um carro moderno tende a se espalhar
em grande parte de sua cadeia produtiva, de modo que mesmo setores menos
eficientes tendem a absorver ganhos de produtividade, para impedir gargalos no
processo produtivo. Com cadeias produtivas mais complexas e extensas, tende-se a
gerar mais emprego e mais renda e, como consequência, maior demanda. iv) A

132
gama de consumidores que não detem tal produto é maior e os que detem estão
dispostos adquirir outro bem com pouca modificação real. Este ponto é o que
permite que os ganhos de produtividade do trabalho, com redução de preço e
elevação da demanda, atinjam países que já enfrentaram o dilema da exclusão
social. Um exemplo seria o carro elétrico: ainda que grande parte de uma população
possua um carro com motor a combustão interna, a elevação da produtividade em
tal setor, com expressiva redução de custo, pode se somar a elementos
institucionais, como redução dos impactos ambientais, para provocar expressiva
mudança na frota de um país. A inversão da frota para carros elétricos poderia
utilizar a capacidade instalada, criar elevação da demanda, atender demandas
sócio-ambientais e gerar empregos.

4.9. Emprego, crescimento, produtividade e política pública

Segundo Nassif, Santos e Pereira (2008), as políticas públicas estão voltadas


para quatro eixos estratégicos para a economia brasileira. Estes seriam

capacidade produtiva (aí envolvendo reestruturação industrial


propriamente dita, investimentos fixos e reestruturação societária em
setores sujeitos a retornos crescentes de escala), inovação, infra-estrutura
e desenvolvimento regional (NASSIF, SANTOS E PEREIRA, 2008, p. 168-
169).

Tais investimentos estão em consonância com as constatações empíricas e


teóricas de que é necessária uma reformulação da estrutura industrial brasileira,
atribuindo maior protagonismo aos setores mais dinâmicos e com maior conteúdo
tecnológico, para permitir um crescimento sustentável de longo prazo.

A constatação de quais os setores merecem maior atenção das políticas públicas


é relevante, não só pela sua capacidade de gerar crescimento e emprego no curto
prazo, mas deve ser observado quais os setores tendem a elevar sua relevância no
médio e longo prazos, tornando-se importantes geradores de empregos de melhor

133
qualidade. Em um processo de reformulação da indústria, seria conveniente priorizar
investimentos em setores que hoje possuem baixa produtividade, mas com elevada
necessidade de força de trabalho – para manter altos os níveis de emprego –,
concomitante a investimentos em setores estratégicos, que em geral são os mais
dinâmicos.

A escolha por investimentos em setores com baixa capacidade de geração de


empregos e crescimento é difícil e tende a acarretar elevado custo político. Ajustes
do tipo schumpeterianos são difíceis porque muitas vezes negam sinais de mercado
e vantagens comparativas, para apontar para investimentos em setores que
possuem baixa competitividade. Em contraposição, quando há condições
necessárias para um segmento adquirir competitividade, este tende a receber um
considerável fluxo de recursos, podendo contribuir para a expansão de outros
setores ou cadeias produtivas.

Um bom exemplo foi a estruturação da cadeia produtiva do etanol no Brasil, que


iniciou sua estruturação no período da segunda crise do petróleo (1973), quando
existia capacidade ociosa nas usinas de cana-de-açúcar. Faltava segurança de um
mercado que justificasse todos os investimentos necessários para o
desenvolvimento do setor sucroalcooleiro. Com investimentos públicos, incentivos
fiscais e um arranjo com os empresários do setor, foi possível consolidar uma cadeia
produtiva fortemente competitiva no mundo, com elevada geração de empregos, que
registra constantes ganhos de produtividade e hoje é um dos setores que agregam
mais tecnologia no Brasil.

Os autores lembram que investimentos em setores dinâmicos se justificam por


que os setores com baixa produtividade tendem a transferir recursos para os de alta
produtividade. Além disso, os setores de baixa produtividade tendem a pagar
salários menores, por obterem retornos também mais tímidos; com isso tendem a
reduzir o efeito-renda, limitando inclusive a capacidade de se expandirem outros
setores da economia. (Murphy, Shleifer e Vishny, 1989 apud Nassif, Santos e
Pereira, 2008). Como já foi citado neste trabalho, setores com maior produtividade e

134
dinâmica tendem a difundir tecnologia em outros setores, levando a economia a
outros patamares de complexidade.

O desenvolvimento de pesquisa científica também abre perspectivas quanto aos


caminhos que podem e devem ser seguidos na estruturação de uma indústria
competitiva, eficiente, mas que não seja promotora de exclusão social e
concentração de renda. Uma indústria alicerçada em setores tradicionais talvez não
tenha fôlego para um crescimento robusto e de longo prazo. Setores mais dinâmicos
da indústria tendem a crescer e ganhar importância diante do leque de
possibilidades de investimentos. Um ajuste do tipo Schumpeteriano em um setor
tradicional só poderia ocorrer se surgisse a possibilidade de inovações radicais em
tal setor. Um bom exemplo seria o amadurecimento da bioengenharia, que poderia
criar oportunidade de investimentos no setor agroindustrial, com possibilidade de
expressivos ganhos de produtividade e possível melhora na qualidade de empregos
no setor, promovendo empregos com melhor qualificação e em maior quantidade.

Ainda que se optasse por expandir tecnologicamente os setores tradicionais, são


fundamentais ao desenvolvimento tecnológico de um país no presente contexto
econômico mundial investimentos e expansão de setores dinâmicos, como setor de
materiais elétricos, o de comunicação ou o setor de máquinas e equipamentos. Tais
investimentos tendem a gerar aumento de produtividade nos setores tradicionais e
agregar vantagens competitivas às indústrias ligadas a esses setores no comércio
internacional.

Importantes conclusões que podem ser tiradas dos estudos empíricos sobre a
análise da produtividade do trabalho e a geração de emprego é que investimentos
que deem sustentação de longo prazo ao crescimento econômico, com ganhos de
produtividade e geração de mais e melhores empregos, requerem ajustes do tipo
Schumpeteriano, onde nem sempre será respeitado o sinal de mercado de curto
prazo. A interferência do Estado, seja estimulando investimentos em setores
estratégicos, seja implementando políticas públicas para reduzir impacto das novas
tecnologias, é fator nodal para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.

135
CONCLUSÃO

A análise histórica das mudanças tecnológicas permite concluir que tais


mudanças não apresentam relação mecânica com o nível de emprego. Ao observar
a implantação dos diferentes padrões tecnológicos, foi verificado que, em cada
profunda transformação tecno-econômica, elementos não econômicos foram
determinantes para se estabelecer a flutuação do nível de emprego. A primeira
revolução industrial promoveu grande elevação do nível de ocupação, embora a
implementação da maquinaria registrasse elevados ganhos de produtividade e
economia de força de trabalho. Este paradigma tecno-econômico revolucionou o
mercado de trabalho, utilizando trabalhadores que paulatinamente abandonavam o
campo para fazer parte do grande exército industrial que garantiu profunda mudança
das forças produtivas. A elevação do nível de emprego promovia elevação da renda
e, por sua vez, da demanda. O crescimento da demanda elevava os lucros e
estimulava novos investimentos, que demandavam mais força de trabalho. Cada vez
que o processo de acumulação de capital esbarrava na insuficiência de força de
trabalho, ocorriam pressões para novas inovações tecnológicas e organizacionais,
no sentido de impedir limites estruturais ou orgânicos à acumulação capitalista.

Foi verificado que o desemprego passa a existir na transição da primeira para


segunda revolução industrial, corroborando com a visão schumpeteriana de que no
período de boom do ciclo econômico verificam-se altos níveis de emprego, em
função dos elevados investimentos nas novas tecnologias. Mas no período de
declínio, no qual o padrão tecnológico já está estabelecido, a disputa intercapitalista
tende a reduzir os lucros extraordinários provenientes de inovações tecnológicas e
passa-se a investir em inovações organizacionais, que apontam para a economia de
força de trabalho e a elevação do desemprego. Este fenômeno foi verificado na
depressão no final do século XIX, período de transição da primeira para a segunda
revolução industrial. A depressão ocorreu por conseqüência do período de expansão
da demanda e dos investimentos do período anterior. No momento em que não
havia mais condições de ampliar mercados e investimentos no declinante paradigma

136
tecno-econômico, o desemprego se elevou, acentuando a insuficiência de demanda.
Os ganhos de produtividade provenientes da primeira revolução industrial, associado
à disputa intercapitalista, provocaram uma grande queda nos preços e, por
consequência, nos lucros. A elevação dos salários durante o período de maior
expansão da acumulação também contribui para achatar os lucros, desestimulando
os empresários a realizarem mais investimentos, uma vez que ainda carregavam o
endividamento do período anterior. Desta forma, na transição da primeira para a
segunda revolução industrial, constatou-se a incidência de desemprego tecnológico.

A flutuação do desemprego durante a segunda revolução industrial rendeu


ensinamentos fundamentais para o entendimento da dinâmica da mudança
tecnológica e sua relação com o desemprego. As transformações tecnológicas
mudaram profundamente o padrão da acumulação: a produtividade aumentou, o
epicentro da dinâmica capitalista foi alterado e um conjunto de outros produtos e
indústrias foram incorporados. Mas, diante das mudanças organizacionais
verificadas no período anterior, a estrutura de mercado mais concentrada, a
economia da força de trabalho promovida pelas novas tecnologias e outros
elementos institucionais mantiveram o desemprego elevado. Ainda que as ideias dos
economistas clássicos apresentassem o desemprego como uma vicissitude do
mercado, que o próprio mercado resolveria, a elevação do desemprego conduziu a
importantes mudanças na compreensão da sociedade quanto ao nível de ocupação.
O desemprego persistente consolidou a ideia de um desemprego involuntário, ou
seja, o trabalhador não é o responsável por não ter para quem vender sua força de
trabalho.

Com a crise de 1929, a grande desestruturação do processo de acumulação


capitalista e expansão da União Soviética, ideias keynesianas passam a ser
implementadas nos principais países capitalistas. O desemprego passa a ser
combatido com políticas de Estado de forma direta e indireta. Além de o poder
público atuar no setor produtivo da economia, também realizava elevados níveis de
contratações para manter a demanda efetiva. Após a segunda guerra, os países do
capitalismo central consolidaram o Estado de bem estar social, que conjugava o

137
mesmo padrão tecnológico a elevados níveis de emprego, incluindo os
trabalhadores em alto consumo para manter demanda crescente, promovendo
período de altos lucros, salários e produtividade.

O que deve ser considerado na análise da segunda revolução industrial é que o


mesmo padrão tecnológico promoveu diferentes níveis de emprego. A elevação da
intolerância da sociedade com o desemprego e a aceitação deste como problema de
Estado, evidenciou como os ganhos de produtividade e tecnologias poupadoras de
força de trabalho poderiam ser compatíveis com o pleno emprego. Contrariando
economistas neoclássicos, que viam a ação do Estado e dos sindicatos como
fatores de desequilíbrio que atrapalhavam a expansão da economia, o pleno
emprego na “era de ouro do capitalismo” só foi possível pelo elevado poder de
negociação dos sindicatos, que conquistaram reduções nas jornadas de trabalho e
muitas contratações por parte do Estado.

O atual padrão tecno-econômico apresenta grandes mudanças tecnológicas,


econômicas e institucionais com relação ao fordismo. O pós-fordismo veio à tona
com máquinas mais versáteis e flexíveis, que não demandam produção em larga
escala para garantir redução de custos. A fibra ótica, os microprocessadores,
computadores pessoais, equipamentos de telecomunicações, biotecnologia, robótica
e programas de computadores permitiram elevada automação do processo
produtivo, com um mesmo trabalhador realizando um número muito maior de
tarefas.

As tecnologias que emergiram no novo padrão permitem maior controle do


processo produtivo, favorecendo maior racionalização da produção, com inovações
organizacionais e externalizando parte da produção por meio de terceirizações. O
novo padrão tecno-econômico requer trabalhadores de alta qualificação e
polivalência, capazes de se adequar às constantes transformações que a tecnologia
impõe ao processo produtivo. Os trabalhadores que não possuírem a devida
qualificação tendem a ser expelidos para a crescente informalidade, ou conviver com
grande insegurança, na eminência de serem substituídos por alguma automação de
processo. O mesmo vale para uma divisão entre países ou setores com alta ou

138
baixa intensidade tecnológica, os que estiverem à margem do progresso tecnológico
não compartilharão das benesses do pós-fordismo.

Ainda que o atual ciclo de acumulação apresente tecnologias poupadoras de


trabalho, a observação histórica do capitalismo refuta a incompatibilidade do atual
paradigma tecno-econômico com o pleno emprego. O pós-fordismo não apresenta
apenas baixo nível de emprego, apresenta também baixa produtividade e baixo nível
de crescimento nos países centrais. O paradoxo da produtividade excluiu qualquer
relação mecânica entre progresso técnico e elevação do desemprego, uma vez que
se constata produtividade menor do que a verificada no fordismo, mas com maiores
índices de desemprego. A maior elasticidade emprego crescimento econômico
também aponta que o novo padrão não mantém elevado desemprego por manter
tecnologias avessas ao pleno emprego, mas porque um regime de
desregulamentação do trabalho com disputa intercapitalista em escala global,
orientado pela dinâmica do capital financeiro, não favorece o emprego e a demanda.

A teoria da compensação sugere que os empregos destruídos com a difusão de


tecnologias poupadoras de trabalho são repostas com o surgimento de novos
produtos, cadeias produtivas, matérias-primas ou mercados. Esta reposição não
segue uma regularidade nos três paradigmas tecnológicos analisados, apontando
que mesmo o mecanismo de compensação depende de fatores institucionais. No
pós-fordismo, a compensação dos empregos destruídos é verificada entre os
trabalhadores com elevada qualificação e desenvoltura para operar as novas
máquinas. Aos trabalhadores despreparados para nova economia, restaram os
setores menos dinâmicos, com maior flutuação do nível de emprego ou mesmo a
informalidade.

Não restam dúvidas de que o atual estágio das forças produtivas demandam
muito menos horas de trabalho para atender às necessidades materiais da
sociedade contemporânea. Estabelecer se os avanços tecnológicos e
organizacionais se reverterão em desemprego, em redução de jornada de trabalho,
em adiamento da entrada do jovem no mercado de trabalho ou na elevação das
horas não trabalhadas, convertidas em maior qualificação, depende não só de

139
variáveis econômicas, mas também institucionais. A sociedade terá que definir se
conviverá com o desemprego, em um regime de baixa demanda ou se conjugará as
tecnologias da nova economia com um novo tipo de pleno emprego.

Ao analisar os efeitos da nova economia no Brasil, verificamos que os impactos


do pós-fordismo nas economias não definidoras da dinâmica mundial é maior que
nas economias centrais. Isso ocorre por que os países centrais consolidaram um
Estado de bem estar social durante o fordismo, que reduz os impactos do
desemprego verificado da década de 1970 em diante. Semelhante ao verificado em
outras mudanças de paradigmas tecno-econômicos, os países que conseguiram
direcionar sua economia para os setores de maior relevância no novo padrão
tecnológico obtiveram maiores vantagens competitivas na concorrência mundial.
Ainda que o novo padrão de acumulação tenha reduzido o nível de emprego e
crescimento em todo o mundo, a nova divisão internacional do trabalho aponta para
maiores prejuízos para os países menos intensivos em tecnologia.

No presente trabalho, verificamos que dentro do novo paradigma tecno-


econômico o Brasil rompeu com a tendência de expansão e crescimento da
importância relativa de sua economia no mundo. Na década de 1990 verificou-se
uma redução do número de empregos na indústria do país em uma proporção maior
do que a da média do mundo, indicando uma expansão da economia brasileira em
setores detentores de menor dinamismo, redução de empregos mais qualificados e
crescimento de empregos menos qualificados. Contrariando a tendência verificada
nos Estados Unidos, onde a expansão da indústria de tecnologia de informação e
comunicação (ITIC) elevou em 2,5% sua participação no PIB e criou 1,6 milhões de
empregos na década de 1990, já no Brasil o setor da ITIC perdeu 0,6% de
importância no PIB e promoveu uma redução de 18,9% de empregos no setor.

Foi verificado em uma análise setorial da economia que os setores com maior
capacidade de geração de emprego e crescimento no curto prazo são tradicionais,
intensivos em força de trabalho e com menor utilização de tecnologia. Porém,
constatou-se, ao cruzar os dados de produtividade e nível de emprego, que os
setores tradicionais convivem com maior flutuação do nível de emprego e menor

140
produtividade. A flutuação é maior porque os setores tradicionais utilizam força de
trabalho com menor qualificação, possibilitando demissões e recontratações com
menores ônus à produção. Verificou-se também que setores tradicionais possuem
maior capacidade de geração de empregos diretos, dado o aumento de R$ 10
milhões de receita, porém isso não se verifica quando se observa a geração de
empregos indiretos ou efeito-renda. Nos setores mais dinâmicos e com maior
conteúdo tecnológico, verifica-se uma menor flutuação do nível de empregos, visto
que emprega força de trabalho mais qualificada. Estes setores são menos sensíveis
à geração de emprego direto, pela elevação dos mesmos R$ 10 milhões, porém
tendem a gerar mais empregos indiretos e por efeito-renda e também por possuírem
cadeias produtivas maiores e mais complexas.

Ainda que os setores tradicionais gerem mais empregos diretos e crescimento no


curto prazo, verificamos que tais setores não são capazes de sustentar o
crescimento e a expansão no longo prazo. Em uma economia globalizada é
necessário adquirir vantagens competitivas dinâmicas por meio de progresso
tecnológico. Assim, o processo de expansão econômica não deve ocorrer apenas
por sinais de mercado; ajustes do tipo schumpeteriano, muitas vezes, ocorrem em
setores, ou indústrias ineficientes, mas que possuem importância estratégica para a
expansão de diversos outros setores. Os setores mais dinâmicos e com maior
conteúdo tecnológico, como a ITIC, tendem a gerar menos empregos diretos, mas
possuem elevada produtividade e geram mudanças qualitativas em diversos outros
setores da economia brasileira. A expansão de setores intensivos em tecnologia
tende a elevar a eficiência e competitividade em outros setores que utilizam
progresso desta tecnologia para melhorar seu processo produtivo.

Como verificamos ao analisar o processo de abertura econômica brasileira, não


basta a exposição da economia à disputa intercapitalista em escala global para se
atingir elevadas taxas de crescimento, emprego e produtividade. São necessárias
políticas públicas e planejamento para elevar a qualificação da força de trabalho e
apontar para investimentos em setores estratégicos para o desenvolvimento da
economia. No pós-fordismo, as novas tecnologias flexíveis requerem elevados

141
investimentos em pesquisa e desenvolvimento e tais investimentos não só
estabelecerão as taxas de crescimento e de produtividade, como também o nível e
qualidade dos empregos que serão gerados. Se o novo padrão tecnológico não é
avesso ao pleno emprego, a busca por elevadas taxas de emprego por meio de
investimento em setores com elevado conteúdo tecnológico pode contribuir para a
reconstrução de um regime de demanda que estimule investimentos e amplie
vantagens competitivas dinâmicas na economia brasileira.

142
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