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Publicado na Revista Servos Ordenados ed. 26 p. 25

Conselheiro, quem? Eu? Tá brincando!


Uma abordagem bíblica do aconselhamento
Valdeci da Silva Santos

Esta é uma das reações mais comuns por parte daqueles que são procurados para aconselhar
alguém na igreja. A surpresa inicial é imediatamente acompanhada pela recomendação de que o
interessado procure outra pessoa mais qualificada: talvez o pastor, ou quem sabe um presbítero mais
experiente e, em alguns casos, a perigosa sugestão de que se recorra a um psicólogo não-cristão. Ao
fazer tal recomendação a pessoa procurada pode estar revelando sua humildade ou a consciência de
suas limitações para ajudar pessoas aflitas. Por mais nobres, porém, que sejam as intenções daqueles
que conseguem se esquivar da “temida tarefa” de aconselhar outra pessoa, o fato é que essa atitude
acaba revelando também a falsa concepção de que aconselhamento é uma prerrogativa de poucos:
os especialistas na área. Nos últimos tempos a “profissionalização do aconselhamento” parece ter se
enraizado no cristianismo e muitos acham praticamente impossível olhar para essa atividade sob
outra ótica. Até Larry Crabb, um conselheiro profissional, critica a tendência cristã de se “esquivar”
da responsabilidade de aconselhar uns aos outros no Corpo de Cristo.1
A restrição do aconselhamento aos especialistas da área pode resultar em várias dificuldades
práticas para, no mínimo, três grupos no Corpo de Cristo. Em primeiro lugar, há os buscam ajuda e
são prontamente “encaminhados” a outros. O fato é que aqueles que se sentem desqualificados para
aconselhar não consideram as lutas internas que a pessoa aflita teve de enfrentar para reunir forças,
esperança e coragem a ponto de tentar abrir o coração a alguém em quem confiava. Provavelmente,
a única coisa que aquela pessoa procurava era um amigo/amiga e não um profissional. Todavia, a
sugestão para que ela procure alguém mais competente pode resultar em frustração e na lamentável
conclusão de que “ainda não foi desta vez”. O segundo grupo é representado justamente por aqueles
que não se sentem aptos para ajudar. Ao se recusar a aconselhar um irmão ou irmã em Cristo, essas
pessoas se privam do privilégio de atuar como um “instrumentos nas mãos do Redentor”2 e agir em
prol da restauração de outro e de sua própria alegria por ter sido útil. Todavia, o terceiro grupo
afetado é a igreja como um todo, pois além dos seus membros não se desenvolverem
dinamicamente, o trabalho pastoral acaba reduzido ao modelo clínico de “gabinete”.3 Assim, os
prejuízos são maiores do que se imagina.
Na tentativa de corrigir enganos nessa área este artigo se propõe a esclarecer como, a partir
das Escrituras, cada membro do corpo de Cristo, especialmente sua liderança, se encontra
divinamente equipado para a tarefa de aconselhar biblicamente aqueles que os procuram para ajuda
pessoal. Para tanto, o mesmo toma um caminho inverso e apresenta uma definição do
aconselhamento que seja coerente com o ensino bíblico, uma apresentação do conteúdo necessário
dessa abordagem ao aconselhamento e, finalmente, a especificação bíblica daqueles que devem
desempenhar essa tarefa no contexto cristão. As sugestões práticas a serem desenvolvidas pelo
cristão que almeja ser útil nesse ministério serão deixadas para artigo posterior (por falta de espaço).

1
CRABB, Lawrence J. Understanding people. Grand Rapids, MI: Zondervan, 1987, p. 25.
2
Alusão ao livro de Paul D. Tripp sob o mesmo título. Cf. TRIPP, Paul D. Instruments in the Redeemer’s hands.
Phillipsburg, NJ: P&R, 2002.
3
Este fenômeno foi cuidadosamente abordado em um Projeto de Doutorado em Ministério pelo Dr. Jonas Valente. Cf.
VALENTE FILHO, J. M. Aconselhamento Bíblico: Uma tarefa integral da igreja. São Paulo: Centro Presbiteriano de
Pós-Graduação Andrew Jumper, 2009.
2

Qual é o conceito bíblico de aconselhamento?


As cartas do Novo Testamento revelam a perspectiva apostólica quanto à importância da
prática do aconselhamento mútuo no contexto da igreja local, tanto para o crescimento individual
como para a maturidade coletiva. Nesse sentido, dois textos se destacam e têm sido amplamente
usados pelos que insistem em uma abordagem bíblica dessa prática. O primeiro é a exortação de
Paulo aos colossenses: “Habite ricamente, ricamente, em vós, a palavra de Cristo; instruí-vos e
aconselhai-vos mutuamente em toda sabedoria . . .” (Cl 3.16). O segundo é o que revela a firme
convicção do mesmo apóstolo quanto ao fato de que os romanos estavam: “... possuídos de
bondade, cheios de todo o conhecimento, aptos para vos admoestardes uns aos outros” (Rm 15.14).
A conclusão óbvia sobre esses textos é que, para Paulo, aconselhamento e admoestação são
atividades sinônimas e um dever a ser regularmente exercido pelos membros do corpo de Cristo.
Em ambas as passagens a palavra grega usada pelo apóstolo é noutheteo, que significa “exortar” ou
“admoestar”. O uso e aplicação dessa palavra ao aconselhamento cristão deram origem a uma
abordagem conhecida como “Aconselhamento Noutético”,4 a qual alguns erroneamente entendem
se tratar de um mero exercício de confrontação do pecado na vida da pessoa a ser aconselhada.
Deve ficar claro, porém, que tal distorção nunca foi o propósito daqueles que se afadigaram na
elaboração dessa abordagem.
Outra ênfase apostólica sobre a necessidade do aconselhamento constante entre os discípulos
de Cristo é encontrada na carta aos Hebreus. Segundo o autor da mesma, os cristãos hebreus
deveriam cuidar para que ninguém fosse tomado por perverso coração caracterizado pela
incredulidade, mas que se exortassem “mutuamente cada dia” (Hb 3.12-13). Aliás, o próprio
escritor define sua carta como uma “palavra de exortação” (Hb 13.22). Nesse sentido, aconselhar é
exortar uns aos outros, estimulando ao amor e as boas obras, bem como fazendo “admoestações e
tanto mais quanto . . . o Dia se aproxima” (Hb 10.24-25). É importante notar que o termo grego
usado pelo autor da carta em referência à prática de exortação mútua entre os cristãos é parakaleo,
ou seja, “confortar”, “instruir”, “colocar-se ao lado” e “falar de maneira encorajadora”. Aliás, esta é
a mesma palavra usada para designar o ministério de Jesus e do Espírito Santo, ou seja, o
Consolador (cf. Jo 14.16, 26; 15.26; 16.7). Biblicamente falando, aconselhar é muito mais do que
“apontar o pecado do outro” ou “dar opiniões pessoais sobre questões alheias”, ou ainda “recitar
versos bíblicos fora do contexto sob o pretexto de se ter uma referência divina”. Aconselhamento,
de acordo com as Escrituras é “encorajar”, “instruir” e “exortar” tendo a obra redentora de Cristo e
a operação transformadora do Espírito Santo como referenciais nesse ministério.
No aconselhamento bíblico, a interação entre conselheiro e aconselhado deve ser sempre
caracterizada pela centralidade da palavra de Cristo, bem como pelo emprego da sabedoria e da
bondade a fim de que o processo resulte em edificação mútua. Nesse sentido, o diálogo entre ambas
as partes deve ser sempre determinado pelo princípio da conversação que seja “boa para edificação,
conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem” (Ef 4.29). Além do mais, a
interação não-verbal do conselheiro, ou seja, o seu exemplo e atitudes, deve ser sempre
comprometida em refletir o caráter de Cristo a fim de que o aconselhado veja a verdade posta em
prática no aconselhamento. Assim, todo o processo implica em falar e praticar a verdade em amor
como o apóstolo Paulo exortou (Ef 4.15).
Certamente, por entenderem essas implicações bíblicas, algumas pessoas com experiência
no ministério do aconselhamento bíblico preferem defini-lo como “conversações úteis e

4
Cf. ADAMS, E. Jay. Conselheiro Capaz. São Paulo: Editora Fiel, 1970.
3

propositais”.5 Ou seja, uma interação que visa a auxiliar a pessoa a ver seu sofrimento, falhas e lutas
sob a perspectiva daquele cujo propósito é conformar-nos à “imagem de seu Filho” (Rm 8.29). Por
essa razão, alguns definem essa abordagem como “aconselhamento redentivo”.6 Outros, por sua
vez, preferem descrever o aconselhamento bíblico como um “híbrido entre discipulado e amizade
bíblica”.7 O importante é que cada uma dessas definições contribuem para a “desmistificação” de
que aconselhamento é uma atividade limitada aos especialistas da área. Certamente haverá assuntos
por demais complexos que exigirão a participação de alguém mais familiarizado com o tratamento
dos mesmos, mas isto não significa que a pessoa procurada para aconselhar alguém em aflição
precise se esquivar tão prontamente da oportunidade de exortar uns aos outros.

Qual é o conteúdo do aconselhamento bíblico?


Uma vez estabelecida a perspectiva bíblica quando à natureza do aconselhamento a ser
praticado pelos membros do corpo de Cristo (exortação mútua), o próximo passo é entender qual é o
conteúdo dessa admoestação. Como já foi dito, alguns a reduzem ao mero confronto de pecados e
outros ainda parecem limitá-la a uma mensagem de auto-ajuda com o objetivo de fortalecer a auto-
imagem do próximo (como se a natureza caída precisasse de qualquer ajuda nesse sentido). Há
ainda aqueles que entendem aconselhamento bíblico como sendo o uso da Bíblia como uma “vara
de condão”, pois pensam que a simples citação de um versículo tem o poder “mágico” de sarar
qualquer mazela. Pior ainda é o caso daqueles que emitem opiniões pessoais e pragmáticas como
sinônimas de uma abordagem bíblica ao aconselhamento (se funcionou para mim, deve funcionar
para outros, etc.). O aconselhamento bíblico realmente consiste na aplicação das verdades da
Palavra de Deus, mas essa verdade deve ser sempre “encarnada” com amor e sabedoria. Nesse
sentido, a mensagem determina o método!
O aconselhamento bíblico é fundamentado na verdade de que o Deus eterno fala às suas
criaturas não apenas por meio das coisas criadas (Sl 19), mas especialmente em sua revelação
escrita (a Bíblia) e na pessoa de seu Filho Jesus (Hb 1.1-3). Dessa forma, Deus tem revelado tudo
que suas criaturas “necessitam” saber a respeito dele e sobre elas mesmas a fim de viverem de uma
maneira agradável a ele neste mundo (2Pe 1.3). O conteúdo do aconselhamento bíblico é a própria
revelação de Deus e a tarefa do conselheiro cristão é auxiliar o aconselhado a entender como a
Palavra fala às diferentes áreas de sua vida, especialmente àquelas que, no momento do
aconselhamento, se revelam mais conflituosas. Em outras palavras, o aconselhamento bíblico é a
aplicação da teologia ao dia-a-dia do cristão e por isso ele é tão próximo ao discipulado cristão.
A princípio isso pode parecer muito simples, até mesmo simplista para alguns. Contudo,
devemos considerar, no mínimo, três aspectos essenciais sobre a Palavra de Deus em relação ao
aconselhamento. Em primeiro lugar, ele é abrangente e aborda a extensão dos problemas
relacionados à nossa existência. O fato da Escritura não empregar as mesmas nomenclaturas da
psicologia não deveria nos enganar nem diminuir nossa convicção quanto à sua suficiência para
tratar os conflitos existenciais. Por exemplo, aquilo que muitas vezes é definido como “vício” ou
“complexos” pela psicologia secular é abordado na Bíblia sob o tema de “escravidão” e “obras da
carne”. Por outro lado, a mensagem das Escrituras fala ao coração sofredor de maneira mais
eficiente do que qualquer sistema de auto-ajuda. Qual o leitor atento das Escrituras que nunca
encontrou uma mensagem sobre ansiedade, conflito familiar, pressão financeira, solidão e angústia?

5
POWLISON, David. Seeing with new eyes. Phillipsburg, NJ: P&R, 2003, p. 1.
6
GOMES, Wadislau. M. Aconselhamento Redentivo. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004
7
WELCH, Edward. Mas afinal o que é aconselhamento bíblico. In, Aconselhamento Bíblico. São Paulo: SBPV, 2000,
vol. 2, p. 116.
4

A mensagem da Palavra de Deus se dirige ao ser humano em seu contexto, seja esse de conflitos ou
bênçãos. O que é necessário é interpretar essa mensagem de maneira correta e aplicá-la
pessoalmente ao necessitado, pois ela é mais abrangente do que pensamos.
Em segundo lugar, é necessário observar que a Palavra de Deus aborda nossos conflitos de
uma forma profunda. Diferente daqueles que se contentam apenas em analisar o comportamento e
alterar alguns padrões habituais, o estudante das Escrituras logo descobre que ela fala ao mais
profundo do coração. Afinal, é ali que parecem se encontrar as principais raízes dos nossos
conflitos, ou seja, nossos desejos, amarguras, desapontamentos, inveja, etc. O escritor de Provérbios
coloca grande ênfase sobre o coração humano “porque dele procedem as fontes da vida” (Pv 4.23) e
o Senhor Jesus disse que é do coração que procedem os maus desígnios” (Mc 7.21). Nesse sentido,
o conselheiro bíblico possui grande confiança pois a Palavra de Deus é um instrumento que pode
discernir “os pensamentos e propósitos do coração” (Hb 4.12). Nenhum outro sistema de
aconselhamento possui um instrumento tão eficiente! Por exemplo, enquanto a teoria de “dinâmica
familiar” pode focalizar nas diferenças entre homem e mulher, ou alguém recomenda a “terapia para
redução da ira” ou qualquer outra coisa para solucionar os conflitos entre marido e esposa, a Bíblia
afirma que as contendas têm sua raiz nos prazeres e cobiças de cada pessoa (Tg 4.1-4). Assim, a
mensagem da Palavra é mais profunda do que algumas teorias que, embora bem intencionadas,
negligenciam a participação ativa do coração humano. O aconselhamento bíblico visa a cuidar das
inclinações e reações do coração.8
Finalmente, a Palavra apresenta Deus pessoalmente envolvido em nossos conflitos. Toda a
vida humana se passa diante de Deus (coram deo) e ele não apenas vê, mas também se envolve no
conflito dos seus filhos. Por essa razão o Senhor é apresentado como o Pastor que está ao lado da
ovelha “no vale da sombra da morte” (Sl 23). O livro de Salmos está repleto de confissões daqueles
que, no mais intenso calor do sofrimento, se asseguraram de que o Senhor estava com eles (cf. Sl
34.18; 73.23; 119.151; 145.18). Essa mensagem deve oferecer conforto não apenas para o aflito,
mas também para quem o aconselha. Ela significa que em todo o tempo em que tentamos auxiliar
alguém por meio do aconselhamento não estamos sozinhos e, ainda mais, a eficácia não depende de
nós, mas da intervenção do Senhor. É sempre gratificante saber que o Consolador está atuando na
vida do conselheiro e do aconselhado, pois como diz o salmista: “Bendigo o SENHOR, que me
aconselha; pois até durante a noite o meu coração me ensina (Sl 16.7)
Quando aconselhamos a Palavra de Deus aos aflitos, estamos lançando mão de um
instrumento que é poderoso não apenas para confrontá-los ou confortá-los, mas também para
transformá-los. Todo isso certamente ocorre por meio da intervenção do Espírito que opera em
harmonia com a Palavra.

Quem é apto para este ministério?


Retomemos, contudo, a discussão inicial: quem é a pessoa mais indicada para aconselhar?
Em uma sociedade tão psicologizada como a nossa, inundada por literatura de auto-ajuda e até
mesmo por filmes infantis que abordam conflitos interpessoais e intrapessoais, é normal que o
conceito de aconselhamento evoque a mente a imagem de um profissional da área. Contudo, as
Escrituras afirmam que os cristãos devem se aconselhar mutuamente (Cl 3.16; Hb 3.14). Alguém
pode objetar: como leigos podem realizar corretamente essa tarefa? Os apóstolos pareciam
convictos que os cristãos cheios de bondade e de conhecimento estão aptos para aconselhar (Rm
15.14).

8
EYRICH, Howrd e HINES, Willian. Cura para o coração. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2007, p. 47-53.
5

Ao rever a literatura sobre esse assunto alguém pode ficar surpreso com o fato de que até
mesmo Freud defendia a capacitação do leigo para ajudar outros mediante o aconselhamento.9 Ele
insistia que no processo de aconselhamento nada de mágico acontece, exceto que conselheiro e
aconselhado conversam. Além do mais ele adverte: “não desprezemos a palavra. Afinal, ela é um
instrumento poderoso; é o meio pelo qual comunicamos nossos sentimentos uns aos outros, nosso
método de influenciar outras pessoas. Palavras podem produzir benefícios incontáveis e causar
ferimentos terríveis”.10 Somente podemos ler as palavras de Freud como fruto da graça comum que
Deus concede até aos incrédulos, mas devemos admitir que ele estava correto nessa afirmação.
Embora a complexidade de alguns problemas demande a ajuda de alguém com maior
sabedoria para aplicar a verdade em amor, o ensino das Escrituras é que “conselheiro bíblico” não é
uma ocupação profissional. Pastores, presbíteros e aqueles que tiveram um treinamento diferenciado
na área do aconselhamento podem ajudar uma pessoa aflita a olhar para sua vida sob a perspectiva
de Deus de um modo melhor, mas isto não significa que outro cristão em quem a Palavra habite
ricamente e é cheio de bondade e de sabedoria não consiga ser útil nesse processo. Nunca podemos
esquecer que Deus transforma pessoas à medida que seu povo lhes apresenta as verdades de sua
Palavra.
O tema do aconselhamento mútuo nas Escrituras parece ser tão importante que Paulo exorta
as mulheres com mais experiência e maturidade a “instruírem as jovens recém-casadas a amarem os
seus maridos e serem boas donas de casa” (Tt 2.3-4). No mesmo sentido, ele insistiu que os jovens
fossem criteriosos e admoestou um jovem pastor a ser “pessoalmente padrão de boas obras”
demonstrando integridade, reverência e linguagem sadia no falar (Tt 2.6-8). O escritor de Hebreus
defende que a exortação entre irmãos pode impedir que alguém seja dominado por um coração
perverso e incrédulo que o afaste do Deus vivo (Hb 3.12-13). E foi a crentes comuns que o mesmo
escritor se dirigiu para que fizessem admoestações a outros que desistiam de congregar como um
corpo (Hb 10.25). A questão crucial não é possuir um certificado em aconselhamento, mas conhecer
o Senhor Jesus e sua palavra a ponto de apresentá-lo eficientemente àqueles a quem amamos.
Todavia, cabe aqui uma observação extremamente necessária. Se por um lado os apóstolos
defendem que o exercício do aconselhamento deve ocorrer mutuamente entre os cristãos, por outro
lado eles parecem indicar que esse ministério deve ser exercido especialmente por aqueles que se
encontram em posição de liderança na igreja. Que fique claro: aconselhamento bíblico implica
instrução e aplicação da Palavra de Deus à vida do aconselhado e uma das exigências bíblicas para
o exercício da liderança em sua igreja é que o líder seja apto para ensinar (Tm 3.2). Na carta a Tito
o apóstolo Paulo enfatiza o mesmo princípio de que o líder deve ser “apegado à palavra fiel... de
modo que tenha poder tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que se
contradizem” (Tt 1.9). Logo, ainda que a responsabilidade seja de todos, este ministério parece
recair especialmente sobre a liderança da igreja e não apenas o pastor.
A fim de que ninguém se sinta sufocado por essa tão sublime responsabilidade é necessário
lembrar que Aquele que chama é o mesmo que capacita os seus para o desempenho da tarefa
proposta. Neste sentido, o texto de 2Pedro 1.3 é consolador, pois revela que todas as coisas que
conduzem à vida de piedade já nos foram doadas pelo divino poder. Ao mesmo tempo, para que
ninguém se sinta superior a outros, as Escrituras ensinam que todos precisamos ser aconselhados,
pois “Como o ferro com o ferro se afia, assim, o homem, ao seu amigo” (Pv 27.17).
Concluindo, muitas perguntas ainda foram deixadas sem respostas. Alguém perguntaria, por
exemplo, o que devo fazer se alguém quiser compartilhar um problema pessoal comigo? A primeira

9
FREUD, Sigmund. The question of lay analysis. Trad. por James Strachey. Nova York: W. W. Norton, 1989.
10
Ibid., 6-7.
6

coisa a fazer é a mais óbvia, ou seja, ouvir. Todavia, ouça como amor e compaixão, pois essa é a
diferença básica entre “escutar com os ouvidos” e “ouvir com o coração”. Normalmente, somos
mais prontos a falar (especialmente os pastores e presbíteros), mas “responder antes de ouvir é
estultícia e vergonha” (Pv 18.13) e conduz ao pecado (Pv 19.2; cf. Tg 1.19). Assim, apenas ouça e
depois ore com a pessoa. Em outra edição retornaremos a essas sugestões práticas.
O reverendo Valdeci da Silva Santos (PhD) é pastor presbiteriano, professor de Missões e Aconselhamento Bíblico no
CPAJ e de Evangelismo no JMC. Casado com Meire e pai de Danillo e Jader.

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