O novo Código de Processo Civil (CPC/2015) traz a introdução de um
sistema de precedentes no Direito Brasileiro. Este sistema, em tese, impõe limites de cunho material ao ato de decidir, que até então estava acobertado pela independência funcional e pelo livre convencimento motivado do magistrado. O seu norte é a resolução de problemas – com vistas à efetividade, segurança e isonomia – e a aplicação de precedentes surge como resposta para a inafastável realidade da dispersão jurisprudencial e decisória. Em tempos de litigiosidade de massa, de casos repetidos e semelhantes, é cada vez mais fácil o próprio jurisdicionado observar esse fenômeno. Antes de simplesmente aplicar esse novo instituto, é primordial compreender o que é um precedente, bem como seus conceitos inerentes, e entender o contexto da doutrina.
PRECEDENTES JUDICIAIS
Desde o início da vigência do Código de Processo Civil de 2015,
promoveu-se uma restruturação da construção e interpretação das decisões judiciais. Um dos grandes pontos do CPC de 2015 foi o dimensionamento das técnicas de superação e distinção de Precedentes Judiciais.
Um dos conceitos mais elucidativos sobre os Precedentes Judiciais é
dado por Didier Jr. (2012, p. 385) que o define como sendo: “Decisão judicial tomada à luz do caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior”. Já nos dizeres de Oliveira (2012, p. 169): “o chamado precedente, utilizado no modelo judicialista, é o caso já examinado e julgado, cuja decisão primeira sobre o tema atua como fonte para o estabelecimento (indutivo) de diretrizes para os demais casos a serem julgados”.
O Precedente Judicial, em sentido amplo, é composto por três
elementos essenciais. O primeiro destes elementos é a circunstância de fato objeto do litígio. Ou seja, é o próprio caso concreto. O próximo elemento é o dispositivo legal, tese, princípio que serviu de embasamento para a resolução da controvérsia. Este elemento está presente na motivação da decisão. O terceiro elemento é a própria argumentação.
Entretanto, em linhas gerais, pode-se afirmar, no que se refere ao
precedente judicial, a junção destes conceitos expostos indica que a definição do instituto pode ser desenvolvida como sendo uma diretriz, orientação ou pretexto para um julgamento posterior a partir de uma regra estabelecida em casos análogos. Ou seja, pode-se o conceituar como sendo qualquer decisão passada que é evocada por um magistrado para justificar um caso posterior.
INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA
O Incidente De Assunção De Competência é o mecanismo utilizado
quando ocorre questão de Direito a respeito de qual seria conveniente: a prevenção ou a composição de divergência entre câmara ou turmas do tribunal. Nos termos do caput do artigo 947 do CPC/2015, são requisitos que ensejam a admissibilidade do IAC: 1) existência de questão de Direito com relevante repercussão social; 2) não ocorrência de questão repetida em múltiplos processos; e 3) a questão ser decorrente de recurso, de remessa necessária ou de causa de competência originária.
É preciso ter em mente, contudo, que o caput do artigo 947 do
CPC/2015 não esgota, em absoluto, os requisitos para o manejo do IAC. Outras importantes peculiaridades do instituto dizem respeito: 1) ao seu caráter preventivo, haja vista que é justamente dispensada a existência de multiplicidade processual, possibilitando o manejo do IAC antes de configurado o indesejado dissídio jurisprudencial; 2) à possibilidade de admissão perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ); e 3) ao fato de que o acórdão proferido em assunção de competência vinculará indistintamente todos os juízes e órgãos fracionários.
O caráter preventivo atribuído ao IAC é característica significativa do
instituto, visto que, ao evitar a formação de dissídio jurisprudencial, atua a favor da previsibilidade e da manutenção da segurança jurídica. Isso denota que a pretensão no novel instituto é precisamente prevenir (ou dirimir) controvérsia de Direito com grande repercussão social, vinculando os membros do tribunal e os juízes a eles submetidos.
A título exemplificativo, acerca da aplicabilidade do IAC, vale mencionar
alguns dos temas admitidos: 1) o Tema 1, cuja admissão ocorreu em 8/2/2017 na 2ª Seção no âmbito do REsp 1.604.412/SC e que versou sobre o cabimento de prescrição intercorrente e eventual imprescindibilidade de intimação prévia do credor e a necessidade de oportunidade para o autor dar andamento ao processo paralisado por prazo superior àquele previsto para a prescrição veiculada na lide; 2) o Tema 2, admitido em 14/6/2016 igualmente na 2ª Seção, que se deu no âmbito do REsp 1.303.374/ES e versou sobre o prazo anual de prescrição em todas as pretensões envolvendo interesses de segurados e segurador em contrato de seguro; e 3) o Tema 3, admitido em 11/10/2017 na 1ª Seção, que se originou a partir de dois processos (RMS 54.712/SP e RMS 53.720/SP) e versa sobre a adequação do manejo do mandado de segurança para atacar decisão judicial que extingue execução fiscal com base no artigo 34 da Lei nº 6.830/80.
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, previsto nos artigos
976 e seguintes do CPC/2015, possui os seguintes requisitos: 1) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de Direito; e 2) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
Ademais, o IRDR não é cabível perante tribunais de superposição (o
IRDR pode ser suscitado perante Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal). Ainda, o julgamento do IRDR aplicar-se-á a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre matéria decidida e que tramitem perante o território de competência do tribunal.
É importante mencionar que existe relevante discussão sobre a
possibilidade de instauração de IRDR a partir de um processo que ainda está em primeiro grau. Como indicam os dados práticos e também a doutrina, o tema é bastante controverso, havendo prevalência do entendimento de que deveria haver a vinculação entre o IRDR e uma causa subjacente em segunda instância.
SÚMULA VINCULANTE
A súmula vinculante está prevista no art. 103-A, da Constituição Federal,
dando legitimidade ao Supremo Tribunal Federal, de ofício ou a requerimento, para aprovar súmulas que terão efeito vinculante aos órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nos âmbitos federal, estadual, municipal e distrital, de forma que esses entes judiciários e administrativos não podem decidir em desconformidade com as referidas súmulas. São, pois, de aplicação obrigatória, não podendo deixar de aplicá-las e decidir de forma desigual.
Os enunciados de súmula, chamados persuasivos, não possuem
eficácia vinculante, sendo simplesmente argumentativos, permitindo aos juízes decidirem legitimamente de modo diferente, desde que o faça de forma fundamentada, justificando o não emprego do enunciado sumular. INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
O incidente de arguição de inconstitucionalidade está previsto nos
artigos 948 a 950 do Código de Processo Civil. Trata-se de incidente a ser instaurado para o exercício do controle difuso de constitucionalidade pelos tribunais, em atenção à reserva de plenário prevista no artigo 97 da Constituição Federal.
O incidente pode ser instaurado de ofício, pelas partes e terceiros
intervenientes do processo, o Ministério Público nos processos que atua como fiscal da lei, a Defensoria Pública nos processos dos quais participa e os juízes que integram o colegiado. Deve, no entanto, ser suscitado antes do julgamento do recurso, reexame necessário ou do processo de competência originária.
Nos termos do artigo 948 do Código de Processo Civil, suscitado o
incidente de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, após ouvidos o Ministério Público e as partes, o relator submeterá a questão à turma ou à câmara à qual competir o conhecimento do processo. Não há previsão legal quanto ao prazo para manifestação do Ministério Público e das partes, logo caberá ao relator fixá-lo, de modo que, diante de sua omissão, será aplicado o prazo legal de cinco dias, conforme determina o artigo 218, §3º do Código de Processo Civil. (NEVES, 2016. p. 2402).
Rejeitada a arguição, o incidente não será formado e o processo será
julgado. Por outro lado, se acolhida a arguição, lavra-se o acórdão e distribui-se cópia aos demais juízes do tribunal, o processo principal será suspenso, e, designar-se-á a sessão de julgamento do incidente e a questão da inconstitucionalidade será submetida ao pleno ou ao órgão especial do tribunal, onde houver.
Quando do julgamento do incidente, o pleno ou órgão especial analisa
novamente o cabimento do mesmo e, caso decida pela possibilidade, são ouvidos os interessados. Todos os legitimados ativos à propositura das ações de controle de constitucionalidade previstos no artigo 103 da Constituição Federal poderão se manifestar por escrito, apresentando memoriais e juntando documentos (artigo 950, § 2º do Código de Processo Civil).
O reconhecimento da inconstitucionalidade depende da manifestação da
maioria absoluta dos membros da corte nesse sentido. Independente do resultado do mérito do incidente, o órgão fracionário estará vinculado a ele, de modo que, passa a fazer parte do julgamento do recurso, causa ou reexame necessário. RECLAMAÇÃO
A Constituição Federal prevê duas hipóteses de cabimento de
reclamação constitucional, primeiro como forma de preservação da competência dos tribunais superiores e segundo como forma de garantia da autoridade de suas decisões. Outra hipótese do seu cabimento está previsto na Lei 11.417/2006, quando decisão judicial ou ato administrativo contrariar, negar vigência ou aplicar indevidamente entendimento consagrado em súmula vinculante caberá reclamação. O Código de Processo Civil em seu artigo 988, incisos I, II e III, além de repetir as hipóteses acima mencionadas, cria novas hipóteses no inciso IV, prevendo seu cabimento para garantia da observância de acórdão ou precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.
Assim, caberá reclamação constitucional quando houver o desrespeito
aos precedentes obrigatórios, inclusive os derivados de decisão proferida em controle concentrado de constitucionalidade, e as súmulas vinculantes, nos termos do artigo 988 do Código de Processo Civil. Todavia, as decisões que desrespeitam as súmulas com eficácia vinculante do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, bem como as orientações do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados não é cabível a reclamação constitucional.
A reclamação poderá ser proposta pela parte interessada ou pelo
Ministério Público, perante qualquer tribunal e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir (artigo 988, § 1º do Código de Processo Civil). Deve a mesma ser instruída com prova documental e dirigir-se ao presidente do tribunal; assim que for recebida, será autuada e distribuída ao relator do processo principal, sempre que possível. (BUENO, 2015. p. 598).
O relator, aos despachar a reclamação, requisitará informações da
autoridade reclamada, que deverá prestá-las em dez dias, e, caso necessário, ordenará a suspensão do processo ou ato reclamado a fim de evitar dano irreparável. Determinará ainda, a citação do beneficiário da decisão reclamada, que poderá apresentar contestação no prazo de quinze dias (artigo 989 do Código de Processo Civil). Além, do beneficiário, qualquer interessado poderá impugnar o pedido (artigo 990 do código). Decorrido o prazo para contestação, o Ministério Público terá vista dos autos por cinco dias, na condição de custos legis.
Sendo julgada procedente a reclamação constitucional, o tribunal
cassará a decisão, integralmente ou na parte em que contrariar o precedente ou súmula, e determinará medida adequada à solução da controvérsia, com o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se acórdão posteriormente.