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DISCIPLINAS COMPLEMENTARES

Direito Processual Coletivo


Fernando Gajardoni
Aula 1

ROTEIRO DE AULA

Tema: Teoria Geral do Processo Coletivo I

1. Evolução histórico-metodológica

1.1. Do direito material coletivo (gerações/dimensões de direitos fundamentais)

A aferição da existência do direito material coletivo vem a partir de uma análise que é muita cara aos
constitucionalistas, sobre as gerações/dimensões de direitos fundamentais que foram posteriormente
constatadas por estudiosos anos depois.

a) Direitos civis e políticos (XVIII-XIX) – liberdades negativas

Na Europa, ainda tínhamos um resquício do poder absoluto dos reis, das monarquias despóticas, em que o Estado
era rei e todos deveriam obedecer. A partir dali, revoluções burguesas aconteceram como uma forma de limitar
o poder de Estado. Esse movimento político ficou conhecido como a fase das liberdades negativas porque
enquadraram o rei para o vedar de intervir na burguesia contra os interesses da própria burguesia.

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É dessa fase que surge o direito da propriedade, os direitos políticos, os direitos à livre concorrência, o princípio
da legalidade. Se chama liberdade negativa porque o Estado, o rei, não deve intervir na propriedade, na escolha
política das pessoas, na concorrência, nas liberdades públicas como um todo e o Estado tem que seguir a lei,
porque a lei que vale para o particular, vale também para o rei. A preocupação era com o indivíduo.

b) Direitos econômicos sociais (XIX-XX) – liberdades positivas

A tendência da população foi, como os poderes do rei se viram mais restritos, de abusar da sua liberdade
econômica. As empresas começaram a contratar crianças de 12 anos para trabalhar. Os indivíduos tinham que
trabalhar uma carga de 80, 90 horas semanais e a questão central era o lucro.

Se a liberdade negativa era que o Estado não deveria intervir, a liberdade positiva é que o Estado deva intervir
para garantir o mínimo do tolerável, isto é, direitos trabalhistas, saúde pública, questões sanitárias, previdência,
etc. A segunda geração de direitos fundamentais acaba sendo uma reação à primeira geração. Até esse momento,
toda a ótica da análise dos direitos fundamentais é feita a partir da ideia do direito individual. Somente a partir
daqui começamos a pensar em direitos trabalhistas, assistência social e previdência social.

c) Direitos da coletividade (XX e XXI)

É somente a partir da terceira geração de direitos fundamentais, que começamos a observar a existência de um
terceiro grupo de direitos fundamentais que não são ligados ao indivíduo, mas sim que são ligados à coletividade
porque são direitos que o percentual, a quantidade, a intensidade de direitos individuais ali existente é muito
pequeno porque essa terceira geração só pode ser visualizada e defendida por seu todo, pelo seu global.

Entraremos nos quadrantes relacionados ao meio ambiente, à moralidade administrativa, à defesa do patrimônio
público social, direito do consumidor, direito patrimonial cultural, etc. Tudo isso tem uma parcela de direito
individual, mas esse direito analisado em si mesmo, é mínimo porque o que interessa é verificar esse direito no
global e consequentemente podemos dizer que a terceira geração de direitos fundamentais para de focar no
indivíduo e passa a focar na sociedade. A fraternidade é a base desses direitos da coletividade.

d) Outras gerações/dimensões (XXI...)

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Vários autores do constitucionalismo moderno estabelecem que depois dessa terceira geração ainda é possível
identificar outras gerações de direitos fundamentais a partir do Século XXI, em que estamos vivendo. Se fala em
direitos da globalização, direitos da tecnologia, etc.

Não vamos entrar neles porque não se trata de aula de Direito Constitucional. O lema da Revolução Francesa de
1789 era liberdade (primeira geração – livres da intervenção do Estado), igualdade (segunda geração – Estado
intervém para garantir o mínimo para todos) e fraternidade (terceira geração – todos são irmãos nesse mundo, a
espécie humana é uma só).

1. Evolução histórico-metodológica

1.2. Do processo coletivo

a) sincretista ou privatista (até +/- 1.868)

Essa fase vai do Direito Romano até aproximadamente 1868, é a fase que estudamos em que não havia autonomia
da ciência processual. O Direito Processual era um apêndice, um pedaço do direito material. Os romanistas
falavam que o Direito Processual é o Direito Civil armado para a guerra. Não tinha nem processo individual
considerado de forma autônoma do direito material.

b) autonomista ou conceitual (+/- 1868 a +/- 1950)

Em 1868 surgiu uma obra alemã sobre exceções processuais, que são as defesas e esse autor, ao escrever essa
obra, partiu do debate entre os seus antecessores e observou algo que acabou revolucionando a história do
Direito mundial, ele descobriu a autonomia do processo em relação ao direito material porque basicamente a
grande descoberta foi que existem duas relações jurídicas paralelas.

A de direito material, que é uma relação bilateral entre as partes e, sem prejuízo desta, existe a relação jurídica
processual, das partes com o Estado para que o Estado proteja, defenda e preste tutela jurisdicional, são relações
autônomas porque os pedidos podem ser julgados improcedentes, contrariando a relação material.

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Essa fase autonomista passou a ser chamada de fase conceitual para alguns autores porque foi a partir desse
momento em que começamos a definir os conceitos das teorias sobre processo. Esse autonomismo levou à uma
situação bizarra em que nos esquecemos do direito material porque, apesar de serem autônomas, a relação
processual deriva do direito material.

Não dá para falarmos que quando um casado pede um divórcio isso não decorre do descumprimento dos deveres
da relação material. Não tem como dizer que quando a mulher pede a medida protetiva, não tem relação com a
violação dos deveres da relação material.

c) instrumentalista (+/- 1950 ...) (processo como meio de ACESSO À JUSTIÇA) (03 ondas renovatórias)

Começou em 1950 com um relatório de um autor americano, Garth e um autor italiano, Mauro Cappelletti (Acesso
à Justiça), que apregoavam que o processo deveria, sem perder a autonomia, voltar a olhar para o direito material
porque o processo serve como instrumento do direito material (no Brasil nesse sentido, Ada Pellegrini Grinover).
O processo passa a ser visto como instrumento de acesso à justiça, como meio de tutelar o direito material. Eles
falam da existência de três ondas renovatórias. Vejamos:

i) tutela do hipossuficiente

Não adianta ter um processo lindo, conceitual, científico e autonomista se o pobre não consegue resolver o
problema dele, se o pobre não consegue acessar o sistema. Os sistemas mundiais têm que construir mecanismos
de tutela do hipossuficiente e hoje, no Brasil, temos justiça gratuita, Defensoria Pública, Juizados Especiais, etc. O
pobre também deve acessar o sistema de justiça.

ii) tutela dos direitos metaindividuais (ver item 1.3)

Devemos ter instrumentos necessários e suficientes para a tutela dos direitos metaindividuais. Na geração dos
direitos fundamentais, os constitucionalistas visualizaram a terceira geração dos direitos coletivos, que são
direitos que não são de ninguém, mas são de todo mundo ao mesmo tempo porque a porção de direito individual
em cada um deles é muito pequena, como no meio ambiente, patrimônio público e patrimônio histórico.

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Garth e Cappelletti vão dizer que o processo individual não serve para tutelar esses direitos porque a noção que
temos de legitimidade é diferente, porque em legitimidade cada um defende o seu, mas quem defende o meio
ambiente se ele é de todos? A noção de coisa julgada vale só para as partes, mas como em uma ação para tutelar
o meio ambiente vai valer só para as partes, se o meio ambiente é de todos?

Eles sustentam que, a partir da visualização do processo como instrumento de acesso à justiça, era necessário que
os Estados criassem instrumentos para poder tutelar aqueles direitos da terceira geração, os direitos da
coletividade porque somente com os Estados criando ferramentas processuais é que teríamos efetivamente a
tutela daqueles direitos fundamentais.

No Brasil, temos há muitos anos tais instrumentos, como a ação civil pública, a ação popular, de improbidade
administrativa, mandado de segurança coletivo desde a CF/88, mandado de injunção coletivo e HC coletivo. É
nesse instante que nasce o processo coletivo como uma reação do sistema à luz dos ensinamentos de Garth e
Cappelletti para tutelar os direitos fundamentais de terceira geração.

iii) efetividade

Não adianta nada ter um processo lindo do ponto de vista científico que não dá resultado nenhum prático, que
não põe comida na boca de quem tem que receber alimentos, que não faz o devedor pagar a dívida, que não faz
o violador do meio ambiente reparar o dano ambiental, que não faz aquele administrador que desviou o
patrimônio público reparar o patrimônio público.

Há a necessidade de os Estados terem um processo de resultados efetivos. Hoje o processo coletivo serve para
muito mais coisa do que apenas para tutelar só aqueles direitos de terceira geração. Até hoje estamos tentando
atingir essa efetividade.

1. Evolução histórico-metodológica

1.3. Razões que inspiraram a tutela judicial/processual dos direitos coletivos: necessidade de se tutelar direitos
e interesses:

a) de titularidade indeterminada

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Essa é a razão mais tradicional, inspirada no modelo europeu, para poder tutelar direitos ou interesses de
titularidade indeterminada. Sabemos que existem determinados direitos e interesses que a carga de direito
individual neles é muito pequena e essa carga acaba dificultando, se não impedindo, que os indivíduos acabem
tomando medidas para defender o que não é só deles, o que é de todos. O maior exemplo é o meio ambiente, em
que há uma tendência geral de imobilização, de ninguém defender.

Em outras palavras, até poderíamos admitir que os indivíduos pudessem defender os interesses de todos (meio
ambiente, moralidade, patrimônio histórico, patrimônio cultural, saúde pública), só que existe algo que foi notado
pelos cientistas políticos que é a existência de, nas hipóteses de direitos de titularidade indeterminada, existe um
impulso natural à imobilização, para que as pessoas que são titulares do direito não ajam na defesa do direito
quando o direito não é só delas.

Isso ocorre porque existe algo, que eles chamam de free riding (“efeito carona”), em que toda vez que o direito
ou interesse é de titularidade indeterminada, a tendência é a imobilização porque um acredita que o outro vai
agir, cumprir o dever e ninguém defende. Os sistemas, de um modo geral, utilizam de técnicas para combater essa
tendência natural à imobilização que é a eleição de representantes da coletividade para fazer esse serviço, esse
papel. No Brasil, temos quatro grandes tipos de porta-voz da coletividade:

➢ Entidades autônomas (MP, Defensoria Pública);


➢ Administração Pública (direta ou indireta);
➢ Sociedade civil (associações);
➢ Excepcionalmente, até mesmo o cidadão, por meio da ação popular.

O Brasil, desde 1990, quando veio à tona o CDC, resolveu misturar esse modelo europeu com um segundo, que é
o norte-americano. Começamos a usar a ação coletiva não só nesse padrão do direito de titularidade
indeterminada, mas também para outras duas finalidades. Os legitimados no Brasil são bem plurais, conforme
veremos no tópico de ação civil pública.

b) economicamente desinteressantes no plano individual (titularidade determinada)

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Existem determinados direitos que, do ponto de vista individual, são economicamente desinteressantes porque
não vale o custo da ação, a despesa com a medida para defender um direito individual seu, acontece que esse
direito individual é violado em centenas e milhares de pessoas e, do ponto de vista do sistema, da justiça, da
legalidade, da dignidade da pessoa humana, é o fim da picada termos uma violação tão explícita do direito sem
que ninguém se mova para defender porque, do ponto de vista individual, não tem nenhum tipo de vantagem
econômica, mas do ponto de vista coletivo, a vantagem poderia ser enorme.

➢ Exemplo 1: pagamos todo mês tarifa de telefonia. Um belo dia, a empresa de telefonia quer levantar uma
grana e resolve arbitrariamente colocar R$ 0,10 a mais na conta de cada pessoa. Os consumidores não
vão entrar com a ação para defender R$ 0,10 perdido, mas a empresa pode ter criado um rombo na
economia de R$ 100 milhões. Assim, os legitimados do processo coletivo também são porta-voz dos
direitos da coletividade e na defesa desses direitos que economicamente são desinteressantes do ponto
de vista individual.

➢ Exemplo 2: todo dia alguém compra um leite longa vida e um dia percebe que, apesar de a caixinha dizer
que contém 1 litro, na verdade tem apenas 900ml. Durante 30 dias, essa pessoa guarda todos os
comprovantes de compra diária do leite, com fotos da medição e processa a empresa fabricante do leite
para ao final receber 3 litros de leite. Esse tipo de ação não é ajuizada individualmente, mas aquela
empresa que todo dia vende milhares e milhares de litros de leite com 100ml a menos economiza 500.000
litros de leite e deve reparar a coletividade como um todo.

c) tutela coletiva seja recomendável do ponto de vista da facilidade/economia

São as demandas de massa, os litígios repetitivos, inclusive para evitar decisões contraditórias. Por isso, dentro
desse modelo norte-americano, do ponto de vista da economia processual do Estado, da razoabilidade, da lógica
de evitar decisões contraditórias, se permite a tutela coletiva do direito individual porque é recomendado do
ponto de vista da facilidade ou economia processual.

O art. 976 do CPC traz o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) com a ideia de parar essas ações
em massa e pedir ao tribunal para julgar a tese e depois os juízes têm que aplicar essa tese em milhares dos
processos suspensos. O IRDR também serve para resolver esse problema, mas ele não substitui o processo coletivo
porque o IRDR não consegue eliminar os processos individuais. O processo coletivo no caso do exemplo dos R$

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0,10 da empresa de telefonia já vai mandar estornar o valor, eliminando a necessidade de cada consumidor ajuizar
demanda para executar os R$ 0,10 cobrados indevidamente.

➢ Exemplo: existiu um plano econômico em 1989, 1990 e 1991 no Brasil que lesou milhares e centenas de
milhares de poupadores. Esses poupadores poderiam ter ajuizado ações individuais porque a titularidade
é certa e teremos centenas de milhares de decisões do Judiciário e teremos centenas de milhares de
decisões contraditórias do Judiciário.

Esses dois modelos que estudamos nas letras “b” e “c” são frutos do modelo norte-americano e na letra “c”,
inclusive, inspirou o advento de instrumentos processuais de direito individual, através de expedientes de
coletivização do resultado, como é o caso dos recursos repetitivos e do IRDR.

INCAPACIDADE DO PROCESSO CIVIL INDIVIDUAL TUTELAR TAIS SITUAÇÕES – RELEITURA DE INSTITUTOS


CLÁSSICOS

Há uma incapacidade muita clara de o processo civil individual tutelar essas situações de titularidade
indeterminada, de ter que defender bens e direitos economicamente desinteressantes no plano individual. A
legitimidade do CPC é ordinária e no processo coletivo precisamos de um legitimado que não é o titular do direito
para defender o direito dos cidadãos.

A coisa julgada do processo individual, regra geral, é para quem é parte do processo e a coisa julgada do processo
coletivo, ao contrário, atinge pessoas que não são parte do processo. Então, processo coletivo não é igual a
processo individual e deveremos reler os institutos processuais clássicos.

PROCESSO INDIVIDUAL X PROCESSO COLETIVO

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O MP, quando defende o meio ambiente, não é titular do meio ambiente, mas faz essa defesa por meio de uma
legitimidade autônoma para a condução do processo, o que veremos adiante. A coisa julgada não pode ser igual
no processo individual, porque não vai pegar só as partes do processo, vai atingir várias pessoas porque se trata
de processo coletivo. O destinatário dos valores pode até ser a vítima ou seus sucessores como no processo
individual, quando for divisível o direito. Tem hipóteses em que o direito é indivisível e esses valores têm que ir
para um fundo, que vai ser revertido para toda a coletividade, como no caso dos danos ambientais.

Diferentemente do processo individual, a decisão do processo coletivo tem enorme impacto nas políticas públicas,
tem uma significação social enorme porque através das ações coletivas o sistema judiciário pode remodelar uma
política pública a partir de algo que hoje se estuda muito, que são os conflitos estruturantes ou processos coletivos
estruturais. As condenações referentes a esses direitos de titularidade indeterminada que são indivisíveis são
enviadas ao Fundo que serve para projetos de reparação do meio ambiente.

Vamos readequar a forma como o Estado trabalha no problema, para fazer com que esse problema seja resolvido.
Se temos um déficit enorme de vagas em creche, precisamos em um processo coletivo estrutural mudar a
estrutura do Estado para que, nos próximos anos, se passe a ter atendimento para todas as crianças. A mesma
coisa ocorre com o atendimento efetivo da saúde pública em um Município.

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Por fim, diferentemente do processo individual, o processo coletivo é um processo altruísta, que quer o bem
comum, se preocupando com os demais, com a fraternidade. Por isso, não devemos confundir processo coletivo
com litisconsórcio. Processo coletivo não é a somatória de direitos individuais, somatória de direito individual é
litisconsórcio. Processo coletivo é a síntese, o fim comum, dos direitos individuais que é a defesa da saúde, do
patrimônio público, da economia popular, da moralidade administrativa, dos direitos do consumidor.

1. Evolução histórico-metodológica

1.4. Histórico no Brasil

a) embrião (ação popular: das ordenações à Lei 4.717/65)

A primeira visão de ação coletiva que tivemos no Brasil vem da ação popular, que existe no Brasil desde as
ordenações do Reino (Filipinas, Manoelinas, Afonsinas). Era uma visão muito pouco relacionada aos interesses da
coletividade e sim apenas com uma preocupação individual.

As ordenações do Reino tinham uma ação popular para obrigar as pessoas a tirarem os vasos dos parapeitos das
janelas em prédios de dois andares, porque esses vasos poderiam cair na cabeça de quem estivesse passando na
rua. É coletivo porque não visa proteger uma só cabeça, mas não tem nada a ver com o tipo de direito coletivo
que demandamos atualmente.

Já a ação popular tem previsão hoje no Brasil na Lei n. 4.717/65 que tutela os direitos da coletividade (meio
ambiente, patrimônio público, moralidade), mas ainda em uma dimensão muito pequena. Costumamos dizer que
essa ação popular é apenas um embrião do processo coletivo no Brasil.

b) nascimento: Leis 6.938/81 e 7.347/1985

A Lei n. 6.938/81 é a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente que está em vigor até hoje e tem, em seu art. 14,
previsão da ação penal contra o poluidor e criaram um parágrafo nesse dispositivo dizendo que o MP também
poderá exigir do causador do dano a reparação civil por ação civil pública, cuja nomenclatura advém da ação penal
pública, sem contudo trazer a disciplina para tanto.

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Surge a Lei n. 7.347/85, que é a Lei da Ação Civil Pública (LACP), que até hoje é a principal lei que temos a respeito
do tema, com um modelo europeu, só tutelando direitos difusos e coletivos pela primeira razão que estudamos
no tópico anterior.

c) potencialização: CF/1988 e CDC (Lei 8.078/90)

Começamos a, além de adotar o modelo europeu para tutelar os direitos difusos e coletivos, adotamos no Brasil
também o modelo norte-americano porque a partir de 1990, o CDC inclui as outras duas razões e passamos a ter
a tutela dos direitos individuais homogêneos (são direitos individuais, mas por questão de economia processual,
podemos tutelar por meio de processo coletivo). Até 1990, a ação civil pública somente protegia os direitos
metaindividuais, os difusos e coletivos.

d) ampliação (ECA, LIA, EI, etc.)

Não foram apenas esses diplomas que resolveram porque, logo depois de 1990, tivemos vários outros diplomas
que ampliaram o alcance das ações coletivas no Brasil. Teve o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, a Lei
de Improbidade Administrativa de 1992, o Estatuto do Idoso da década de 2000, dentre várias outras leis.

e) retrocessos (geralmente via Medida Provisória)

Várias medidas provisórias começaram a dar marcha ré no sistema, porque a máquina começou a funcionar muito
bem contra o Poder Público. Existem várias medidas provisórias que limitaram o alcance, como o art. 1º, parágrafo
único da LACP foi inserido por MP dizendo que não cabe ação civil pública em matéria tributária, contribuição
previdenciária e outros fundos de natureza institucional que se visualizam os titulares. O art. 16 da LACP fala dos
limites territoriais, que a coisa julgada só vale em determinado território. Essa também é uma forma de reagir às
ações civis públicas que tutelavam tudo para o Brasil inteiro.

f) Códigos de Processos Coletivos, PL 5139/2009 e dificuldade na aprovação de normas para tutela dos
direitos coletivos no Brasil

Houve tentativas de melhorar o processo coletivo no Brasil, como a tentativa de elaborar um Código de Processo
Coletivo, mas todas foram frustradas. Uma comissão de juristas elaborou um Projeto de Lei (PL 5139/2009) sobre

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ações coletivas no Brasil, que foi encaminhado ao Congresso, só que é muito difícil aprovar qualquer norma de
tutela de direito coletivo no Brasil porque envolve o MP. Para falarmos de processo coletivo, temos que mexer
em poderes do MP. Se queremos ampliar os poderes do MP, o Congresso não aceita e se quiserem reduzir os
poderes do MP, a sociedade civil não aceita.

g) PLs 8058/2014, 4441/2020, 4778/2020

Até há, atualmente, dois Projetos de Lei em trâmite no Congresso Nacional para alterar o sistema de processo
coletivo brasileiro. Além de os projetos serem ruins, o fato é que esses dois projetos vão dificultar muito a tutela
dos direitos, mas tem dificuldade de aprovação também por conta da pressão que a sociedade civil e a
comunidade acadêmica vão fazer.

h) Recomendação CNJ n. 76/2020

O que o professor tem de mais concreto para nos dizer hoje é a Recomendação do CNJ n. 76/2020 de como os
juízes devem se comportar no trato dos processos coletivos, mas isso é o que chamamos de soft law, ou seja, uma
norma sem vinculação apesar de que os juízes costumam seguir.

2. Natureza dos direitos coletivos

2.1. Públicos ou privados: uma nova summa divisio

Direito público seriam as relações do Estado entre Estado e Estado com particulares (Tributário, Penal,
Processual), mas existia também o direito privado que regula as relações entre particulares (casamento, doação,
compra e venda, empreitada). Essa summa divisio deve ser revista e é proposta uma nova summa divisio:

a) direitos individuais (públicos ou privados)

Dentro dos direitos individuais, poderíamos discutir se é direito público ou privado, mas não dá para ter a
discussão se se trata de direito público ou privado quando se trata de direito coletivo.

b) direitos coletivos

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Os direitos transindividuais – difusos, coletivos e individuais homogêneos – não necessariamente se relacionam
com o Estado, com a Administração Pública. Pode ser proposta uma ação civil pública ambiental do Greenpeace
contra uma transportadora de petróleo, então não dá para encaixar esses direitos no direito público, mas, por
outro lado, eles têm enorme conotação público-social que extravasa nos limites dos próprios indivíduos, porque
a decisão dela resultante interessa ao público como um todo, porque envolve o meio ambiente.

2.2. Interesse protegido: INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO (processo de interesse social) (necessidade de haver
mecanismos de controle da legitimação coletiva exatamente para corrigir desvios)

É fundamental termos em mente que nos direitos coletivos ou no processo coletivo, temos um interesse a ser
protegido que é o interesse público primário. Os administrativistas costumam dividir os interesses da
Administração em interesse público primário e interesse público secundário.

- Interesse público primário: sinônimo de interesse da própria coletividade, de bem geral. Esse é o que o processo
coletivo tutela. A sociedade quer mais vagas em creche, mas nem sempre a administração quer mais vagas em
creches para não gastar tantos recursos;

- Interesse público secundário: seria a forma como a Administração interpreta o que é o interesse público
primário. Não é um interesse público e geral, é o interessa da Administração, da pessoa jurídica de direito público
que administra o ente público. A administração pública nem sempre leva em consideração o interesse social e sim
os seus próprios interesses.

➢ Exemplo: há um interesse público primário, do interesse de todos, porque a carga tributária do Brasil é
uma das mais altas do mundo, de pagar menos imposto ou pelo menos não aumentar os impostos pagos.
Em contrapartida, a administração pública tem interesse de aumentar o imposto para melhor prestar o
serviço. A leitura que a Administração Pública faz do que é o bem de todos é a melhora na prestação dos
serviços, mas para isso precisa aumentar os tributos e isso não é o bem geral, é o bem da própria
Administração Pública.

Considerando que o processo coletivo tutela o interesse público primário, isso tem três consequências práticas
muito relevantes:

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➢ A Administração Pública é a principal ré nas ações coletivas no processo coletivo brasileiro;

➢ Como tem interesse público, o MP será fiscal, custos legis, na ação em que não é autor porque quando
estudamos a atuação do MP no processo civil brasileiro, vemos que o art. 178 do CPC estabelece que uma
das hipóteses de intervenção obrigatória do MP como fiscal da ordem jurídica é nos processos em que
haja interesse público e social. Qualquer ação coletiva em que o MP não for parte, ele atua como órgão
opinativo dos termos do art. 178, I do CPC;

➢ Exatamente por conta do interesse público primário, é o processo coletivo que é a via adequada para o
controle pelo Poder Judiciário das políticas públicas, porque a política pública é definida pela
Administração Pública a partir da visão que ela tem do que é bom para todos e às vezes essa visão é uma
visão do que é bom para ela e não para todos.

3. Classificação do processo coletivo

3.1. Quanto aos sujeitos

a) processo coletivo ativo

São praticamente todas as ações coletivas. Processo coletivo ativo é aquele que o titular do direito ou interesse é
a coletividade autora da ação. Exemplificativamente, temos uma ação civil pública ambiental. A titularidade do
direito é da coletividade autora, representada pelo MP, pela Defensoria ou Greenpeace. O povo que precisa do
meio ambiente saio está no polo ativo dessa relação processual.

b) processo coletivo passivo (ação coletiva passiva)

Ação coletiva passiva seria aquela em que a coletividade é demandada a cumprir um dever ou obrigação. Saímos
do quadrante dos direitos coletivos e passamos a falar do quadrante dos deveres ou obrigações coletivas e,
portanto, a coletividade é ré.

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Quando pensamos no sindicato dos funcionários do metrô de São Paulo, eles têm direitos trabalhistas, mas têm
um dever de manter aquele equipamento funcionando porque é um equipamento de interesse público. Se eles
resolvem fazer greve, eles têm que manter pelo menos um mínimo do serviço funcionando, em razão do dever
coletivo. Da mesma forma, ocorre com os policiais militares.

Em um Município, os munícipes têm o dever de evitar os focos de proliferação e reprodução do mosquito da


dengue. Ao observarmos o art. 5º da CF, a abertura do capítulo de que consta esse artigo fala dos direitos e
deveres individuais e coletivos.

i) espécies (originária e derivada)

Ação passiva coletiva derivada é aquela que decorre de uma ação coletiva originária. Ação rescisória e ação civil
pública. Existia uma ação coletiva ativa originária para defender direito coletivo, foi julgada. Alguém que foi
vencido propõe uma ação rescisória da sentença da ação civil pública, tendo como réu a coletividade representada
pelo MP, pela Defensoria Pública, por quem quer que tenha sido o autor na ação coletiva ativa.

Embargos à execução de TAC. O MP celebrou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta). O devedor não
cumpriu e o MP executou o TAC, por execução de título extrajudicial. O executado pode apresentar embargos à
execução, que é ação desconstitutiva do título, tendo como réu a coletividade que foi beneficiada pelo TAC,
representada pelo MP, pela Defensoria Pública, por quem quer que tenha feito o TAC. Outro exemplo é a ação
rescisória de sentença da ação civil pública em favor da coletividade.

A ação coletiva passiva originária é a ação em que a coletividade ré é demandada independentemente da


existência de uma prévia ação coletiva ativa. Ela nasce coletiva passiva. É o caso da ação para obrigar policial a
não fazer greve, da ação para obrigar os metroviários a cumprirem a previsão da Lei de Greve e estabelecer um
serviço mínimo essencial, da ação para obrigar os moradores do bairro a permitirem que os fiscais da Prefeitura
visitem todas as casas com a finalidade de exterminar os focos de proliferação do mosquito da dengue. Poderia
ter como objeto direito difuso, coletivo ou individual homogêneo.

ii) existência? (STJ, REsp 1.051.302/DF - 2010 x Resp. 1.632.064/AL [decisão monocrática –
reconhece a existência, pese a falta da previsão legal, a existência da ação coletiva passiva] - 2019) (CPC)

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De fato, existe alguma polêmica na doutrina a respeito da existência ou não da ação coletiva passiva originária
porque não tem previsão legal no art. 5º da LACP. O primeiro julgado do STJ diz que não existe exatamente pela
falta de previsão legal (2010) e o segundo julgado do STJ diz que sim (2019).

O professor adota a segunda posição porque o julgado é mais recente e porque a doutrina em peso fala que existe
ação coletiva passiva, mesmo sem a previsão legal da legitimação, mas seu cabimento somente será possível se
no caso concreto o juiz for capaz de eleger um porta-voz adequado da coletividade que possa falar por ela.

Existe ação coletiva passiva, pese a falta de previsão legal, mas com uma condição fundamental: desde que, no
caso, seja possível eleger um bom porta-voz da coletividade demandada, um bom representante adequado dessa
coletividade, conforme o segundo julgado do STJ. Alguns autores têm sustentado que o CPC tem um exemplo de
ação coletiva passiva, nas possessórias, mas isso é uma teoria em construção.

CPC
Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e
outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.
§ 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação
pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda,
a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da
Defensoria Pública.

Art. 565. No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial
houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá
designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que observará o disposto nos §§ 2º e 4º.
(...)
§ 2º O Ministério Público será intimado para comparecer à audiência, e a Defensoria Pública será intimada sempre
que houver parte beneficiária de gratuidade da justiça.

3.2. Quanto ao objeto

a) processo coletivo especial (controle direito coletivo objetivo/abstrato)

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Seria o processo coletivo relacionado ao controle do direito coletivo, de modo objetivo ou abstrato. Em outras
palavras, o processo coletivo especial seriam as ADI, as ADC e as ADPF, pelo caráter erga omnes e vinculante que
se preocupam com o controle de constitucionalidade abstratamente falando. Essa matéria é estudada pelo Direito
Constitucional e não aqui nesta disciplina.

b) processo coletivo comum (controle direito coletivo subjetivo/concreto) (ação de improbidade


administrativa?)

Isso é o que abordaremos durante nosso curso. O processo coletivo comum tem por objetivo o controle do direito
coletivo subjetivo ou concreto. Vamos verificar a violação dos direitos difusos, coletivos, individuais homogêneos
a partir de um caso concreto e não de uma análise abstrata sem o caso porque nas ADI, ADC e ADPF vemos uma
tese que vai ser veiculada fora do caso.

Já na ação civil pública, a ação coletiva, mandado se segurança coletiva, habeas corpus coletivo (precedente do
STF, conforme veremos) mandado de injunção coletivo ou na ação popular, temos um problema porque falta
vagas em algum lugar, o Prefeito desvia recursos, etc. O processo coletivo comum é o que tutela direitos difusos,
coletivos ou individuais homogêneos fora do controle abstrato de constitucionalidade.

E a ação de improbidade administrativa? Essa ação será abordada nas aulas de Defesa do Patrimônio Público com
o professor Landolfo, mas o professor fará o necessário cotejo. Até o advento da Lei n. 14.230/21, não havia
dúvida absolutamente nenhuma de que a ação de improbidade administrativa integrava o processo coletivo
comum, mas essa Lei n. 14.230/21 foi um retrocesso na defesa do patrimônio público.

De acordo com a nova lei, temos o art. 17-B que fala que a improbidade administrativa não é mais considerada
uma ação coletiva e, sendo assim, alguns sustentam que ela deixa de integrar o processo coletivo e passa a
configurar uma ação de caráter sancionatório e não mais que tutela direitos difusos e coletivos. O professor
discorda, acreditando que continua integrando o sistema de processo coletivo porque além do viés punitivo, a
ação de improbidade administrativa é híbrida, também tendo caráter reparatório.

4. Princípios de direito processual coletivo comum

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Inicialmente, não devemos nos esquecer que princípio é vetor legislativo e vetor interpretativo, ou seja, os
princípios vão ser utilizados para fazer lei e utilizados para interpretarmos leis já feitas. Eles trazem uma posição
de vantagem a uma pessoa, mas o principal papel de estudarmos princípios é verificar que princípio é uma norma
que acaba tendo efeitos de fomentar o legislador a criar regras aderentes ao princípio e acaba por fomentar o
intérprete a interpretar essas regras de acordo com os respectivos princípios.

Temos uma regra que fala da desistência da ação coletiva, vamos interpretar essa regra de acordo com os
princípios atinentes ao processo coletivo. Do mesmo modo, o legislador vê aquele princípio e faz normas ou altera
regras para poder se adequar ao espírito do processo coletivo que está representado pelo respectivo princípio.

Esses princípios que estudaremos não excluem os princípios constitucionais do processo (igualdade, devido
processo legal, contraditório, ampla defesa, juiz natural, vedação da prova ilícita, etc.) porque a CF se aplica a
todos os ramos do Direito. Com algum temperamento, adaptação, os princípios do processo civil individual
também podem ser aplicados ao processo coletivo, desde que compatíveis com ele.

➢ Exemplos: não existe incompatibilidade nenhuma de se aplicar a vedação de decisão surpresa do art. 10
do CPC ao processo coletivo também. O CPC fala da fundamentação das decisões judiciais, explicando
esse dever de fundamentação e dando característica infraconstitucional ao dever de fundamentação do
art. 93, XI da CF conforme art. 489, § 1º do CPC, o qual se aplica ao processo coletivo porque não existe
incompatibilidade com o processo coletivo. Já o princípio da sucumbência dos processos individuais não
se aplica ao processo coletivo porque existem regras próprias de sucumbência.

Observem o fato de que veremos aqui dez princípios e alguns tem positivação, previsão legal. Outros, tem
positivação em resolução ou recomendações do CNJ, que é soft law não vinculante e tem alguns que nem previsão
legal têm, são montados pela doutrina.

4.1. Princípio da indisponibilidade mitigada da ação coletiva (9º LAP e 5º, § 3º, da LACP) (arts. 5º, §6º da LACP
e 17-B da LIA)

LACP
Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público;

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II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista
(...)
§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou
outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

Basicamente, o dispositivo diz que o legitimado que entra com a ação civil pública não é titular, não pode haver
abandono, desistência imotivada da ação coletiva porque, em princípio, o interesse público primário que é
defendido na ação coletiva não é renunciável. Não se pode dispor de algo que é coletivo. A desistência ou
abandono infundado da ação não implica extinção do processo, implica sucessão processual porque outro
legitimado pode assumir (faculdade), o MP assumirá (obrigatoriedade).

➢ Exemplo 1: tem uma ação popular correndo contra o prefeito de um Município ou contra um
administrador público federal por causa de um desvio de verba. O administrador público federal chega
para o autor popular e promete a ele um cargo no próximo mandato ou começa a ter muita pressão social
em cima do autor popular ou da associação que entrou com a ação civil pública ou do superintendente da
administração que entrou com a ação de improbidade administrativa. Assim, ele para de dar andamento
à causa. Nesse instante, incide o princípio da indisponibilidade mitigada porque o juiz, verificando a inércia
ou desistência infundada, vai determinar a publicação de editais com a finalidade de que outros
legitimados assumam. Caso nenhum deles continue, o MP assume a titularidade ativa.

A palavra “mitigada” é fundamental porque o que é vedado é o abandono ou a desistência infundada. Se tiver
motivo para desistir, o juiz homologa e extingue o processo. O juiz só vai ordenar a sucessão processual quando
não houver motivos para abandono ou desistência.

➢ Exemplo 2: o professor teve uma ação civil pública ambiental de uma associação de moradores de um
bairro contra uma igreja que foi ali instalada. O problema era o barulho da igreja e de seus músicos, que
tocavam o rock evangélico em um prédio super simples, sem o devido isolamento acústico. A ação visava
proteger o meio ambiente e o direito de vizinhança, só que, na metade da ação, a igreja mudou de bairro
e o problema já não era mais dos moradores daquele bairro, então a associação desistiu. Essa é uma
desistência fundada porque não tem mais motivos para julgar o mérito.

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Além disso, também se chama “mitigada” porque há a possibilidade de celebração de TAC ou ANPC (acordo de
não persecução civil) que tem previsão nos arts. 5º, §6º da LACP e 17-B da LIA.

Art. 9º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de


fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças
informativas, fazendo-o fundamentadamente.
§ 1º Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidos, sob pena de se incorrer
em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público.
§ 2º Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, seja homologada ou rejeitada a promoção
de arquivamento, poderão as associações legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão
juntados aos autos do inquérito ou anexados às peças de informação.
§ 3º A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério
Público, conforme dispuser o seu Regimento.
§ 4º Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arquivamento, designará, desde logo, outro
órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação.

4.2. Princípio da indisponibilidade da execução coletiva (arts. 15 da LACP, 16 da LAP, art. 100 do CDC e 18, § 2º,
da LIA)

LACP
Art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora
lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.

Aqui, não estamos mais falando da fase de conhecimento. O autor coletivo ganhou, teve a ação popular julgada
procedente e mandou o prefeito devolver R$ 50 mil para a Prefeitura, julgou procedente a ação civil pública e
mandou o poluidor reparar o dano ao meio ambiente sob pena de multa.

Transitou em julgado, o autor não executa por corrupção e o juiz não começa a execução de ofício. Qualquer
legitimado pode dar início. Se começou pela popular, outro cidadão pode dar execução. O MP, caso ninguém
execute, ele vai executar. Atenção, porque aqui não tem a palavra “mitigada”. Quem executa é o autor da ação.

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LIA
Art. 18. (...)
§ 2º Caso a pessoa jurídica prejudicada não adote as providências a que se refere o § 1º deste artigo no prazo de
6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da sentença de procedência da ação, caberá ao Ministério Público
proceder à respectiva liquidação do dano e ao cumprimento da sentença referente ao ressarcimento do
patrimônio público ou à perda ou à reversão dos bens, sem prejuízo de eventual responsabilização pela omissão
verificada. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Apesar de o MP ser o único legitimado para a propositura da ação de improbidade administrativa, na hora de
executar quem executa é a pessoa jurídica lesada. Na inércia dentro de 6 meses, o MP é chamado para executar.
Esse é mais um dos motivos pelos quais o professor continua entendendo que a ação de improbidade
administrativa continua integrando o microssistema do processo coletivo, têm normas semelhantes.

O art. 100 do CDC traz o fluid recovery que tem a ver com a tutela dos individuais homogêneos que também é um
exemplo da aplicação deste princípio porque lá dispõe que julgada procedente uma ação de reparação de dano
dos indivíduos (farmacêutica condenada a indenizar todos os indivíduos que tomaram medicamento que causava
câncer, por exemplo).

É estimado que boa parte dos indivíduos afetados irão aparecer para receber tal indenização, mas um ano após a
sentença se esperavam 1.200 pessoas e apareceram 200. O CDC diz que, verificando que o número de vítimas que
se habilitaram e liquidaram for menor do que o estimado, o MP promoverá a execução do fluid recovery, que seria
a execução coletiva da pretensão residual, que é trasladar esse dinheiro das pessoas que não apareceram para o
Fundo de reparação.

Art. 100 do CDC. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a
gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.
Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho
de 1985.

4.3. Princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito (art. 139, IX, do CPC)

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Por esse princípio, a coletividade tem a prerrogativa de o juiz tentar a todo custo evitar a extinção sem mérito. Há
um interesse do próprio Judiciário em resolver o conflito pelo mérito, julgando procedente ou improcedente o
pedido. Esse princípio já era construído pela doutrina antes do CPC.

➢ Exemplo 1: tem um mandado de segurança coletivo e o prazo é de 120 dias de impetração. O juiz, nesse
MS coletivo, percebe que já deu os 120 dias e vai ter que extinguir sem a análise do mérito. Contudo, a
prova já está nos autos pré constituída e o problema é só o prazo. O juiz reabre o processo e pede para o
autor, se ele quiser, converter em ação civil pública.

➢ Exemplo 2: não pode mais o poder público lesado propor ação de improbidade. O MP assumirá essas
ações e, se não quiser assumir, nada impede que o juiz autoriza que o poder público converta a ação de
improbidade em ação civil pública, pedindo apenas a reparação dos danos.

Para poder ter ação popular, é necessário ter cidadão, com pleno gozo de seus direitos políticos, mas, no meio da
ação popular o cidadão foi condenado criminalmente com transido em julgado e perdeu seus direitos políticos.
Ele não é mais considerado cidadão para os fins da ação popular. Se fosse um processo individual antes de 2015,
o juiz extinguiria sem análise de mérito. No processo coletivo, isso é inconcebível. Verificada a ilegitimidade da
parte, o juiz deve convocar outro cidadão para assumir a titularidade. Ninguém assumindo, o MP assumirá.

CPC
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(...)
IX - determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais;

4.4. Princípio da prioridade na tramitação (art. 3º da Recomendação CNJ 76/2020)

Esse princípio não tem previsão legal, mas sim em Recomendação do CNJ. É óbvio que devemos respeitar a
prioridade da tramitação das ações preferenciais de HC, MS, habeas data, ações de idosos (art. 1.048 do CPC),
mas, tirando elas, o processo coletivo tem que ser julgado na frente dos individuais porque ele pode resolver o
problema de muitas pessoas.

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Art. 3º. Recomendar, sem prejuízo das preferências legalmente estabelecidas, prioridade para o processamento
e para o julgamento das ações coletivas em todos os graus de jurisdição.

4. Princípios de direito processual coletivo comum

4.5. Princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva (arts. 103, §§ 3 e 4º do CDC) (Exceção: art. 94
do CDC)

A sentença coletiva somente beneficia a vítima, ou, se a vítima já morreu, seus sucessores, não prejudica. Como
a vítima ou seus sucessores não dão poderes para quem entra com a ação coletiva falar em nome deles, a
consequência prática é que essa atuação não pode prejudicar os indivíduos.

A coisa julgada é a indiscutibilidade e a imutabilidade da qualidade e dos efeitos da decisão. Quando temos coisa
julgada, significa dizer que não se discute mais determinado tema. No modelo brasileiro de coisa julgada no
processo coletivo, veremos em aula futura que adotamos a ideia de que a coisa julgada é secundum eventum litis
e com transporte in utilibus (no que for útil). A coisa julgada coletiva só favorece o indivíduo, em regra não
prejudica o exercício da pretensão individual.

Em outras palavras, teve uma ação civil pública, o MP ganhou, então todas as vítimas e todos os sucessores
ganham. Teve uma ação coletiva em que a Prefeitura ganhou, todas as vítimas e prejudicados ganham. Teve uma
ação civil pública pelo Greenpeace ou associação de moradores do bairro X ou pela Defensoria Pública, se
procedente, todos os indivíduos se beneficiam podendo pegar cópia da sentença coletiva e a transportar in utilibus
(no que for útil) para sua situação pessoal. A coisa julgada coletiva não prejudica porque é uma opção do sistema.

➢ Exemplo: a Defensoria Pública quando ganhou a ação para obrigar os bancos a devolverem os índices da
inflação de 1991, os poupadores puderam pegar aquela sentença coletiva e transportar in utilibus. Agora,
se o MP ou a Defensoria entram com a ação coletiva e perdem, a coisa julgada não impede que os
indivíduos proponham ações individuais.

O lado bom desse princípio é porque ele não vai prejudicar o particular pela má atuação do porta-voz eleito pela
lei, pelo representante adequado. Contudo, o lado ruim desse princípio é que pode ter tido uma atuação coletiva
boa, adequada e perdeu porque inexistia o direito e foi julgado improcedente. O Judiciário pode julgar às vezes

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até a última instância e ainda vai ter que julgar milhares de ações individuais pedindo a mesma coisa até a questão
ser pacificada pelo STJ em tema de recurso especial repetitivo ou IRDR.

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
(...)
§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de
1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou
na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que
poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.
§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

O art. 94 do CDC diz que nas ações para tutela dos direitos individuais homogêneos, que são aqueles da segunda
e terceira razão que estudamos na aula de hoje, o indivíduo pode intervir para ser “assistente”, litisconsorte do
autor coletivo. Tem uma ação do MP para obrigar a fornecedora de veículos a indenizar todos os compradores de
um lote defeituoso do veículo. Isso é um direito individual e cada indivíduo pode entrar com uma ação, mas como
tem muita gente, por uma questão de se evitar decisões contraditórias, permitimos uma ação só pelo MP.

Um comprador pode ingressar como auxiliar do MP. Se o MP ganha, todos já ganhariam por causa do transporte
in utilibus, mas se o MP perde, aquele que usou a regra do art. 94 foi parte e, sendo parte, ele é vinculado e não
pode ingressas com ação judicial, sendo atingido pela coisa julgada.

Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no
processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos
órgãos de defesa do consumidor.

4.6. Princípio da máxima amplitude ou da atipicidade ou da não taxatividade do processo coletivo (art. 83 CDC)
(212 ECA) (82 EI) (Ex. art. 10 e 12, III, da Lei 10.257/01)

Durante todos os momentos, o professor nos falou que o processo coletivo é um processo de interesse público e,
ao dizer isso, se frisa que é um processo que tem como escopo atender o interesse público primário, o bem geral.
Exatamente por conta dessa natureza, todos os autores que tratam de processo coletivo sustentam que existe

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esse princípio no sentido de que a atuação do Judiciário é uma atuação menos reservada, mais incisiva e que,
portanto, há espaço para o ativismo judicial com algum risco da quebra de imparcialidade.

Um devedor assina um TAC, começa a cumprir, mas para na metade e quando vão ver para fazer a execução do
título extrajudicial do TAC, percebem que não houve a assinatura do membro do MP no TAC e ele já morreu ou
se aposentou. Poderia ser feita a monitória desse TAC que visa tutelar o meio ambiente. O que define se a ação é
coletiva não será o rito, mas sim o objeto. Uma ação possessória contra invasões também é outro exemplo.

Lei n. 10.257/01 – Estatuto das Cidades


Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida
pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis
de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano
ou rural.
§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu
antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§ 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de
título para registro no cartório de registro de imóveis.
§ 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão
do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações
ideais diferenciadas.
§ 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável
tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição
do condomínio.
§ 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos
condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana:
(...)
III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com
personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.

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Esses dispositivos permitem a usucapião coletiva de áreas ocupadas. Imagine um bairro inteiro que era objeto de
uma ocupação ilegal e com o passar dos anos virou posse mansa, pacífica e incontestada. Cada um tem direito a
uma casa na localidade. Em vez de cada um entrar com uma ação de usucapião, esses dispositivos permitem que
a associação de moradores promova a usucapião coletiva e o juiz dará uma sentença dando aos moradores
daquele bairro os respectivos títulos de aquisição da propriedade.

4.7. Princípio da ampla divulgação da ação coletiva (arts. 94 e 104 do CDC) (art. 257, II e 259, III, CPC – Resp.
1.821.688-RS e REsp 1.304.939/RS)

CDC
Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no
processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos
órgãos de defesa do consumidor.

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência
para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e
III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no
prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Os dispositivos do CDC nos estabelecem que quando houver a propositura da ação coletiva, deverá ser
comunicado pelos meios mais adequados e amplos possíveis a existência da ação coletiva. Contudo, aqui existe
uma falha do legislador grave porque o legislador se preocupou em avisar da propositura da ação coletiva e não
do mais importante, que é a sentença e do trânsito em julgado da ação coletiva.

Assim, a jurisprudência do STJ, em vários julgados, reclamando a aplicação à luz do princípio da ampla divulgação
da ação coletiva, das regras do CPC abaixo transcritas para estabelecer que, uma vez proferida a sentença em
ação coletiva ou feito o trânsito em julgado, é necessário dar publicidade pela rede mundial de computadores,
através da publicação de notícias principalmente naqueles nichos em que as vítimas e seus sucessores costumam
frequentar da sentença e do trânsito em julgado.

CPC
Art. 257. São requisitos da citação por edital:

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(...)
II - a publicação do edital na rede mundial de computadores, no sítio do respectivo tribunal e na plataforma de
editais do Conselho Nacional de Justiça, que deve ser certificada nos autos;

Art. 259. Serão publicados editais:


(...)
III - em qualquer ação em que seja necessária, por determinação legal, a provocação, para participação no
processo, de interessados incertos ou desconhecidos.

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